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N.º 36

SESSÃO DE 28 DE MARÇO DE 1877

Presidencia do exmo. sr. Conde do Casal Ribeiro

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Jayme Larcher

(Assistia o sr. presidente do conselho.)

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presente numero legal, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

l.ª Approvando o decreto de 22 de março de 1877, que concede uma pensão á viuva do marechal do exercito duque de Saldanha.

A commissão de fazenda.

2.ª Approvando o decreto de 22 de março de 1877, que concede uma pensão ao filho do marechal do exercito, duque de Saldanha.

A commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares relatores de commissões a mandarem para a mesa os pareceres que tiverem a apresentar.

O sr. Palmeirim: Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda, sendo um d’elles relativo ás pensões da viuva e filho do sr. duque de Saldanha. Este parecer vão acompanhado dos documentos que deram origem aos respectivos projectos de lei, e da opinião do sr. procurador geral da corôa.

Peço a v. exa. que mande imprimir estes documentos juntamente com o parecer.

Leram-se na mesa os pareceres, e mandaram-se imprimir.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o pedido feito pelo sr. Palmeirim, para serem impressos os documentos que mandou para a mesa, tenham a bondade de se levantar.

Assim se resolveu. O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir, e distribuir pelas casas dos dignos pares juntamente com os pareceres.

Passâmos á ordem do dia, e começaremos pelo parecer n.° 242 sobre o projecto de lei n.° 124.

Leram-se na mesa o parecer e projecto, que são do teor seguinte:

Parecer n.º 242

Senhores. — A commissão de administração publica, a quem foi presente o projecto n.° 124, vindo da camara dos senhores deputados, a fim de se estabelecer o imposto de Z réis em cada litro de sal que der entrada no concelho do Villa Nova da Cerveira, é de parecer que seja approvado; mas com a emenda com que ha pouco o foi igual imposto para a camara municipal da villa e concelho de Valença; isto é, acrescentando-se ás palavras do artigo 1.° «dar entrada» as palavras «para consumo», da fórma seguinte:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Villa Nova da Cerveira a lançar o imposto unico de 2 réis em cada litro de sal, que der entrada para consumo n’aquelle concelho.

Art. 2.° (O mesmo).

Art. 3.° (O mesmo).

D’esta fórma entende a commissão que o projecto póde ser approvado e convertido em lei do estado.

Saladas sessões, 24 de março de 1877.= José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = José Augusto Braamcamp = Marquez de Vallada = Carlos Maria Eugenio de Almeida = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Projecto de lei n.° 124

Artigo 1.° E auctorisada a camara municipal do concelho de Villa Nova da Cerveira a lançar o imposto unico de 2 réis em cada litro de sal que der entrada n’aquelle Concelho.

Art. 2.° O producto d’este imposto será applicado ás despezas geraes do concelho e será cobrado como os outros impostos que constituem receita municipal. Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 14 de fevereiro de 1876. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu não assignei este parecer, porque não assisti á sessão em que foi apresentado 5 mas, como se ve pela sua leitura, é necessario pôr o projecto em harmonia com um que ha pouco tempo foi approvado, e que se referia ao concelho de Valença. N’esse projecto dizia-se que era auctorisado o imposto de 2 réis em cada litro de sal, que d’esse entrada no concelho e fosse vendido para consumo. É necessario que n’este se diga o mesmo, a fim de pôl-o em harmonia com o outro e evitar uma contradicção da parte d’esta camara.

Mando, portanto, para a mesa um additamento, para que ás palavras «que der entrada» se accrescente «e for vendido».

Leu-se na mesa o additamento.

O sr. Presidente: — Os dignos pares, que admittem á discussão o additamento mandado para a mesa pelo sr. Ferrer, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se o projecto na generalidade.

Posto á votação o projecto na generalidade, foi approvado; sendo depois approvado o artigo 1.° e o additamento proposto pelo sr. Ferrer, bem como os artigos 2.° e 5.° do projecto.

O sr. Presidente: — Agora vae ler-se o parecer n.° 243 sobre o projecto de lei n.° 242.

São do teor seguinte:

Parecer n.° 243

Senhores. — A commissão de administração publica, a quem foi presente o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados sob n.° 242, que tem por fim fixar o preço que serve de base á licitação da empreza para a construcção do estabelecimento de banhos de aguas thermaes, denominadas de Caldas de S. Jorge, existentes no concelho da Feira, e alterando o disposto no artigo 3.° da carta de lei de 26 de março de 1873, conformando-se com

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o parecer da commissão de administração publica da camara dos senhores deputados, que se acha junto, é de parecer que o sobredito projecto de lei seja approvado por esta camara para ser submettido á real sancção.

Sala da commissão, 23 demarco de 1877. = José Joaquim dos lieis e Vasconcellos = Alberto Antonio de, Moraes Carvalho = José Augusto Braamcamp = Marquez de Vallada = Vicente Ferrer Neto Paiva = Carlos Maria Eugenio de Almeida.

Projecto de lei n.° 242

Artigo 1.° O preço que servir de base á licitação da empreza, com a qual for contratada a construcção de um .estabelecimento de banhos nas aguas thermaes denominadas Caldas de S. Jorge, existentes na freguezia de 8. Jorge do concelho tia Feira, não. poderá exceder a quantia de 20:000$000 réis.

Art. 2.° Fica assim alterado o disposto no artigo 3.° da carta de lei de 20 de março do 1873 e revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 do março de 1877. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florida d& Manta G Vasconcellos, deputado secretario — Alfredo Filgueiras da Mocha Peixoto, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Segue-se o parecer n.° 244, e o additamento mandado para a mesa pelo sr. Sequeira Pinto.

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

Parecer n.° 244

Senhores. — Á vossa commissão do administração publica foi remettido o projecto n.° 201, vindo da camara dos senhores deputados, para dar o seu parecer, que é o seguinte:

Pretende-se n’este projecto, que sejam declaradas de utilidade publica e urgente as expropriações necessarias, para a camara municipal de Lisboa poder abrir uma grande avenida, que, partindo do norte do passeio publico, atravesso a praça do Salitro e vá terminar na circumvallação. Pretende-se do mesmo modo, que junto do limito da avenida se construam jardina; e do um e do outro lado da mesma avenida só levantem estabelecimentos municipaes.

O projecto não declara expressamente d’onde ha de vir receita para obra tão grandiosa; mas da combinação do alguns artigos do projecto e do relatorio, que precedeu a apresentação do. projecto na outra casa do parlamento, ve-se, que esta receita ha de resultar da venda dos estabelecimentos, depois de construidos, ou da venda dos terrenos expropriados antes das construcções municipaes. O calculo do projecto pareço fundar só no baixo preço da terrenos antes da avenida e da grande elevação, do preço d’elles. depois da sua abertura- A camara conta com rasão ganhar na operação indicada para pagar tão grandes despezas, principalmente concedendo-se-lhe, segundo a proposta, a dispensa do direitos dos. objectos importados para a construcção d’aquelles estabelecimentos.

Eis o estado da questão.

A commissão, sente que o projecto venha desacompanhado dos. orçamentos, calculos e mais esclarecimentos indispensaveis, para se poder apreciar o valor dos terrenos antes e depois do aberta, a avenida, a qualidade e importancia dos estabelecimentos, que a camara municipal pretende levantar, a conveniencia ou necessidade d’elles, segundo os fins para que são destinados; e finalmente a differença, que haverá entre o producto das vendas dos terrenos expropriados e as despesas das obras.

É verdadeiramente do relatorio já mencionado, que precedeu o projecto na outra camara, ve-se, que só pretere fazer uma avenida, ladeada de edificios magnificos, que sirvam de ornamento á capital; e não se diz uma só palavra de edificações modestas, commodas e de modico aluguer para as pessoas menos favorecidas dos bens da fortuna. Lisboa carece mais d’estas casas, do que da palacios e edificios grandiosos, que por toda a parto se levantam, até sobre a demolição d’aquellas habitações da pobreza.

A commissão approva as expropriações dos terrenos para abrir a avenida e fazer os jardins; ve-se que são necessarias estas obras para commodidade e ornamento da capital. O bem publico santifica este golpe na propriedade particular; porque o uso e emprego da propriedade dos particulares, de que falla o § 21.° do artigo 145.° da carta e a legislação regulamentar d’esse §, não passa, nem póde nunca:, passar, Aos particulares para outros particulares, mas unica e exclusivamente dos particulares para o publico; taes expropriações dentro d’este limite restricto são legaes e constitucionaes. O parlamento póde approval-as. E nem seria necessaria a approvação d’elle: o poder executivo podo, segundo a legislação existente, decretal-as, senão forem necessarias algumas providencias legislativas para o fim a que são destinadas.

Quanto porém ás expropriações de terrenos, ou como diz o relatorio já citado, de uma zona de terrenos para construir estabelecimentos municipaes, entende a commissão, que não cabe nas attribuições do poder executivo o decretal-as, nem tão pouco nas do poder legislativo, que não for constituinte, legalisal-as; porque lhes obsta a letra expressa do citado § 21,° do artigo 145.° da carta constitucional. Este § contem uma disposição constitucional, segundo o artigo 144.° da mesma carta, que não podo deixar de ser respeitada pelo parlamento, que não tiver poderes constituintes; que é a lei das leis; e acima das cabeças dos membros das duas camaras e do governo.

O § 21.° do artigo 145.° declara inviolavel o direito do propriedade, e só admitte uma unica excepção restricta; quando o bem publico exigir o uso e emprego da propriedade particular. O bom publico é o fim, e o passar a propriedade do uso e emprego dos particulares para o uso o emprego publico é o meio, pelo qual se póde verificar a expropriação, mediante a previa indemnisação.

Ora do projecto vê-se que o fim destas expropriações é para constituir estabelecimentos municipaes. Para que quer a camara municipal estos estabelecimentos? Não está ella, construindo um grande palacio para collocar todas as suas repartições? Como se póde comprehender, que para estabelecimentos municipaes precise ella de um grande bairro? O que é verdade é que estes terrenos expropriados são destinados a serem revendidos pela camara municipal antes, ou depois de construidos os ditos estabelecimentos, chamados municipaes, de modo que em ultima analyse passariam elles dos actuaes possuidores particulares para os compradores particulares, aos quaes os vendesse a camara. Esta serviria apenas de intermedio, ou como uma especie de ponte, para a propriedade dos particulares passar para outros particulares contra a letra expressa da carta constitucional.

A vossa commissão não ve sómente por este lado a in-constitucionalidade do taes expropriações. Antolha-se-lhe ainda um gravissimo prejuizo na indemnisação, que a carta exige previamente, para terem logar as expropriações. Esta indemnisação será feita, segundo os abusos costumados n’este genero de avaliações, pelo. valor actual dos predios, o os proprietarios d’elles perderiam o augmento do seu valor depois de aberta a avenida. E até ficariam privados os mesmos proprietarios do direito de edificar nos seus terrenos. Para que conceder este direito de edificar a outros particulares, se os donos actuaes quizerem edificar segundo o risco, que traçar para esta obra a camara municipal devidamente auctorisada? As obras em ultimo resultado viriam a ser feitas á custa dos prejuizos dos actuaes proprietarios.

A vossa commissão deseja, que se façam a avenida, os jardins e até o novo bairro. E está prompta a votar todos os meios e verbas logaes para levar por diante esta grande obra. Lembra, que poderia levantar a camara municipal um emprestimo para a conseguir. N’este caso a vossa commissão até approvaria algum subsidio, que o governo podesse conceder, segundo as forças do thesouro e as despe-

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zas necessarias da obra. A commissão louva emfim o patriotismo dos cidadãos, que requereram e tanto se têem interesses a favor d’esta grande obra.

Por todas estas considerações, tem a vossa commissão a honra de apresentar, de accordo com o governo, o projecto modificado nos termos seguintes:

Artigo 1.° São declaradas de utilidade publica e urgente as expropriações, que a camara municipal de Lisboa julgar necessarias:

1.° Para a abertura de uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação;

2.° Para um jardim proximo ao terreno da avenida;

3.° Para abrir ruas, que cruzem a avenida.

Art. 2.° Os planos e traçados das obras, mencionadas no ar ligo antecedente, serão previamente approvados1 pelo governo, ouvida a junta consultiva das obras publicas.

Art. 3.° Se nas expropriações, de que falla o artigo 1.°, for comprehendida parte do algum edificio ou predio, poderá o seu proprietario obrigar a camara a fazer a expropriação de todo esse edificio ou predio.

An. 4.° A liquidação da indemnisação aos proprietarios é applicavel a fórma do processo estabelecido nas leis de 23 de julho de 1850, 17 de setembro de 1857 e 8 de julho do 1859.

Art. 5.° Os terrenos expropriados não poderão ter outra applicação, que não seja a do uso publico, e por isso não poderão ser cedidos, ou vendidos pela camara, á excepção das sobras, que forem expropriadas na forma do artigo 3.°

Art. 6.° As sobras mencionadas, quando sejam vendidas, sel-o-hão nos termos das prescripcões da lei de 4 de outubro de 1871.

Art. 7.° Fica revogada a legislação- em contrario.

Sala da commissão, 24 de marco de 1877. = José Joaquim dos Reis e, Vasconcellos = Marquez de Vallada = Marquez de Ficalho (com declaração) = Carlos Maria Eugenia de Almeida = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Vicente Ferrer Neto Paiva, relator.

Projecto de lei n.° 207

Artigo l.° São declaradas de utilidade publica e urgente as expropriações que a camara municipal de Lisboa julgar necessarias para a abertura cio uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação, comtantoque os respectivos planos e traçados sejam previamente approvados pelo governo.

§ unico. As expropriações não excederão a largura de 50 metros, entre o norte do passeio e a actual praça do Salitre e a do 150 metros d’esta até á estrada da circumvallação.

Art. 2.° A camara poderá expropriar proximo do termo da avenida até 10 hectares de terreno para jardins.

§ unico. Nos pontos onde só cruzem quaesquer das poderá a expropriação ir alem dos limites lixados no § unico do artigo 1.°, mas unicamente tanto quanto seja indispensavel para commodidade do publico.

Art. 3.° Se nos limites fixados no § unico do artigo 1.° for comprehendida parte do algum edificio ou predio poderá o seu proprietario obrigar a camara a fazer a expropriação de todo esse edificio ou predio.

Art. 4.° Para a liquidação da indemnisação aos proprietarios é applicavel a forma do processo estabelecido nas leis de 23 de julho de 1850, 17 de setembro de 1857 o 8 de julho do 1809.

Art. 5.° É permittida a entrada livre de direitos pela alfandega de Lisboa, de todos os materiaes que a camara municipal importar, destinados a estabelecimentos nunicipaes, que se proponha construir nos terrenos que adquirir em virtude d’esta lei.

Art. 6.° As disposições d’esta lei caducam, se passado um anno, a contar da data da publicação d’esta lei, a camara não tiver dado começo á abertura da referida avenida.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 7 de fevereiro de 1877. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.

Additamento ao parecer n.8 244

Artigo... O subsidio annual de 20:000$000 réis será pago pelo estado á camara municipal de Lisboa, devendo esta importancia ser unica e exclusivamente applicada a servir- de garantia a um emprestimo destinado a fazer face ás despezas necessarias para a abertura de uma avenida, entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação.

Sala das sessões, 27 demarco de 1877. = Conde de Rio Maior = Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

O sr. Sequeira Pinto: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. á palavra.

O sr. Sequeira Pinto: — Sr. presidente, segundo as: praxes parlamentares e as indicações do nosso regimento, occorre ao auctor de qualquer proposta, substituição, emenda ou additamento o dever de justificar, e por essa rasão pedi? a palavra para expor a esta assembléa as rasões que me determinaram a apresentar o seguinte additamento ao parecer n.° 244.

«Artigo... O subsidio annual de 20:000$000 réis será pago pelo estado á camara municipal de Lisboa, devendo esta importancia ser unica e exclusivamente applicada a servir de garantia a um emprestimo destinado a fazer face ás despezas necessarias para abertura de uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação.

«Sala das sessões, em 27 de março de 1877. = Conde de Rio Maior = Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.»

Sr. presidente, estou de accordo com os principios que se acham consignados no parecer da illustre commissão de administração publica, redigido com reconhecida proficiencia, mas que conclue por um projecto de lei em substituição do projecto n.° 207 que mereceu a approvação da camara dos senhores deputados.

N’este ultimo estavam consignadas as seguintes disposições:

«Artigo 1.° São declaradas de utilidade publica e urgente as expropriações que a camara municipal de Lisboa julgar necessarias para a abertura de uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação, comtantoque os respectivos planos e traçados sejam previamente approvados pelo governo.

«§ unico. As expropriações não excederão a largara de 50 metros, entre o norte do passeio e a actual praça do Salitre e a de 150 metros d’esta até á estrada da circumvallação.

«Art. 2.° A camara poderá expropriar proximo do termo da avenida até 10 hectares de terreno para jardins.

«§ unico. Nos pontos onde se cruzem quaesquer das poderá a expropriação ir alem dos limites fixados no § unico da artigo 1.°, mas unicamente tanto quanto seja indispensavel para commodidade do publico.

«Art. 3.° Se nos limites fixados no § unico do artigo 1.° for comprehendida parte de algum edificio ou predio poderá o seu proprietario obrigar a camara a fazer a expropriação de todo esse edificio ou predio.

«Art. 4.° Para á liquidação da indemnisação aos proprietarios é applicavel a forma do processo estabelecido nas leis de 23 de julho de 1800, 17 de setembro de 1857 e 8 de julho de 1859.

«Art. 5.° É permittida a entrada, livre de direitos pela alfandega de Lisboa, de todos os- materiaes que a camara municipal importar, destinados a estabelecimentos muni-

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cipaes, que se proponha construir nos terrenos que adquirir em virtude d’esta lei.

«Art. 6.° As disposições d’esta lei caducam, se passado um anno, a contar da data da publicação d’esta lei, a camara não tiver dado começo á abertura da referida avenida.»

A commissão de administração publica d’esta camara, a cuja apreciação o mesmo projecto foi submettido depois de firmar os principios de direito, em harmonia com as disposições da carta constitucional, limitou a expropriação sómente ao terreno que for necessario para o uso e emprego publico pela maneira seguinte:

«1.° Para a abertura de uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação;

«2.° Para um jardim proximo ao terreno da avenida;

«3.° Para abrir ruas, que cruzem a avenida.

«Art. 2.° Os planos e traçados das obras, mencionadas no artigo antecedente, serão previamente approvados pelo governo, ouvida a junta consultiva das obras publicas.

«Art. 3.° Se nas expropriações, de que falla o artigo 1.°, for comprehendida parte de algum edificio ou predio, poderá o seu proprietario obrigar a camara a fazer a expropriação de todo esse edificio ou predio.

«Art. 4.° A liquidação da indemnisação aos proprietarios é applicavel a forma do processo estabelecido nas leis de 23 de julho de 1850, 17 de setembro de 1857 e 8 de julho de 1859.

«Art. 5.° Os terrenos expropriados não poderão ter outra applicação, que não seja a do uso publico, e por isso não poderão ser cedidos, ou vendidos pela camara, á excepção das sobras, que forem expropriados na fórma do artigo 3.°

«Art. 6.° As sobras mencionadas, quando sejam vendidas, sel-o-hão nos termos das prescripções da lei de 4 do outubro de 1871.»

Sr. presidente, o parecer não faz mais do que reproduzir as prescripções juridicas hoje vigentes em relação ao acto da expropriação auctorisada pela lei de 11 de maio de 1872, que reconheceu a utilidade publica e a urgencia das expropriações que forem necessarias para o melhoramento das ruas, praças, jardins e edificações existentes nas cidades e villas do reino.

De accordo, disse eu, com o parecer da illustre commissão, por quanto, estabelecendo o § 21 do artigo 145.° da carta constitucional que a propriedade é inviolavel e garantida em toda a sua plenitude, admitte sómente uma excepção, e é quando o bem publico, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade. Parece-me pois que a interpretação d’este artigo do nosso codigo politico e que só podo ser auctorisada e concedida a expropriação de terrenos dos particulares quando do poder d’estes passem, para o uso e emprego publico. O lucre e o interesse dos particulares não são as causas determinativas da expropriação, mas sim a necessidade de que a propriedade expropriada passe para o uso e serviço publico.

A commissão reconheceu tambem que podia ser necessario que o governo concorresse com algum subsidio para que se effectuasse este melhoramento, que é importante sem contestação, que todos desejam, e a que a camara munipal tem justa aspiração, mas limitou-se apenas a offerecer simples considerações no final do parecer.

No additamento, que tive a honra de mandar para a, mesa, fui no pouco mais alem d’estas considerações. A commissão lembra sómente a conveniencia de só votar um auxilio para occorrer ás despezas da obra; e eu entendi que já n’este projecto deve ficar consignado o subsidio annual que sirva de base ao levantamento de um emprestimo coo applicação á abertura de uma grande avenida.

Sr. presidente, seria faltar á verdade, se declarasse a v. exa. e á camara que possuo todos os dados para affirmar positivamente que um subsidio de 20:000$000 réis é sufficiente para tamanho emprehendimento, mas tomei como base uma importancia annual, que póde ser augmentada ou diminuida, conforme a camara achar conveniente, ou as necessidades no futuro o aconselharem; é porém indispensavel que se consigne como impreterivel e necessario o votar um subsidio para esta obra poder ser feita, porque a municipalidade não tem os meios precisos para poder occorrer a esta despeza, por isso que o lucro provavel da venda dos terrenos incluidos na zona marcada no projecto approvado na outra casa do parlamento desapparece. Lembrava-me, pois, que esse subsidio fosse paga pelos cofres do estado, por isso que é n’elles que entra a maior parte dos impostos municipaes; d’este modo garantia-se o direito de propriedade e desde já se dava principio a um melhoramento, que cumpre realisar quanto autos.

Sr. presidente, por emquanto não me parece necessario apresentar outras considerações, porque, como disse no principio d’esta minha pequena conversa parlamentar, era dever na qualidade de auctor de uma proposta o sustental-a, reservando-me para responder a quaesquer duvidas ou impugnação que for offerecida ao additamento, que conjuntamente com o parecer está em discussão.

O sr. Conde de do Maior: — Desejo apresentar á camara breves considerações ácerca do projecto que está em discussão. Tencionava reservar para mais tarde, no correr do debate, exprimir perante a camara o meu modo de pensar... mesmo talvez ficar calado; mas tive a honra de assignar tambem a proposta mandada para a mesa pelo meu collega e amigo, o sr. Sequeira Pinto, e s. exa., nas considerações que acaba de apresentar, disse á assembleia que se conformava completamente com o parecer da commissão, na parte que se refere á inconstitucionalidade que havia no primitivo projecto, vindo da camara dos senhores deputados, por consequencia ao que n’elle houvesse do perigoso, approvado tal como se achava elaborado, d’estruindo o principio sagrado do direito de propriedade; não posso, pois, deixar de apresentar á camara dos dignos pares algumas reflexões, para demonstrar que, segundo o meu modo do ver n’este assumpto, os antecedentes d’esta camara auctorisam-me a julgar a questão por modo differente das idéas emittidas por s. exa.

A camara já sabe, pelo que se passou em uma das ultimas sessões, que os cavalheiros, que mais tomaram a peito este negocio, fizeram-me a honra do me encarregar de ser eu o apresentante da representação, em que se pede, respeitosamente, que, sem demora, o projecto seja approvado pela camara dos dignos pares. Alem d’isso, eu contraiu para com a municipalidade de Lisboa um dever de gratidão a que não hei do faltar. Quando ha annos tivo a honra de ser nomeado presidente da camara municipal, recebi, como já o declarei, uma prova evidente de estima e consideração, e de certo seria um acto menos nobre da minha parte, não vindo sustentar hoje aqui e n’esta occasião uma proposta a favor de Lisboa, que entendo ser muito conforme com os interesses da capital, e que principalmente me parece justa.

Sr. presidente, julgo este projecto de grave importancia, porque em primeiro logar está ligado a uma questão muito seria, qual é a que diz respeito á hygiene publica do municipio.

Todos sabem que a abertura de novas das e praças é sempre de grande conveniencia e utilidade em qualquer grande centro de população, muito mais em Lisboa, cortada do das bem estreitas nalguns bairros, n’aquelles mesmos onde as casas são de peior construcção, e que apenas tem, embora seja a capital do reino, apertados corredores a que chamam ruas, que pelo lado do norte dão ingresso á cidade com terrivel incommodo dos transeuntes, ainda mais, dos innumeros moradores, que residem n’estas tão desagradaveis e insalubres avenidas.

Não se contesta este ponto, &r. presidente, e por isso

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restrinjo as minhas observações ás palavras acabadas de pronunciar.

Alem d’isso, considerando a questão economicamente, digo que, pelas vendas d’estes terrenos, pelas acquisições que se hão de fazer, pelas novas edificações, que necessariamente se hão de levantar, o thesouro lucrará consideravelmente.

Portanto, sr. presidente, ou encaremos o projecto debaixo do ponto de vista hygienico, isto é, do saneamento da cidade, ou o consideremos pelo que respeita aos interesses do thesouro, fica evidente que a abertura da projectada avenida é da mais alta significação.

Direi mais, parece-me tambem, e perdoe-me a vereação de Lisboa a franqueza, que a camara municipal que nem sempre, em boa verdade, tem tido o melhor gosto na realisação de varias obras municipaes, n’esta absolve-se inteiramente de qualquer erro passado, e eleva-se consideravelmente na opinião publica; pois que a abertura da nova avenida importa a realisação de um muito valioso melhoramento, que ha de ser distinctamente notado pelos estrangeiros, que de futuro visitarem a cidade, sendo como uma prova não só da alta intelligencia dos srs. vereadores, mas mesmo do seu gosto apurado com relação ás obras do municipio.

Como estamos em epocha de penitencia, posso affirmar, sr. presidente, que a approvação do pensamento, que defendo, será dictada de certo por uma especie de escrupulo de consciencia, e como uma expiação por parte dos poderes publicos, que tanto têem esquecido os interesses da nossa cidade, embora lhe absorvam a maior parte dos rendimentos! No que lembro não me refiro a nenhum ministerio especialmente.

Lisboa, ainda o repito, necessita de muitos e largos melhoramentos, que se devem considerar como indispensaveis e de primeira ordem.

A gravissima questão de saneamento não está ainda resolvida, como o não estão tantas outras que as necessidades publicas urgentemente reclamam.

Carecemos, sr. presidente, por interesse e dignidade propria, de realisar esses melhoramentos, para que se não diga de nós o que já em outro tempo exclamou um estrangeiro celebre, um poeta dos mais distinctos e illustres, entre os cantores estimados da soberba Inglaterra; fallo de lord Byron, quando em outra epocha, já bastante remota, o notavel lord visitava Lisboa.

Admirou elle a belleza da cidade, tão resplandecente, quasi celeste, o pittoresco e o agradavel da sua posição, esta nossa atmosphera tão limpida; mas disse igualmente que, vagueando desconsolado pelas nossas ruas, percorreu-as para baixo e para cima por entre muitas cousas desagradaveis para os olhos de um estrangeiro!

As circumstancias são differentes, bem conheço; temos progredido e muito; a Lisboa de hoje não é a Lisboa de então; agora ficámos distantes d’esse tempo, que já lá vae; mas ainda nos falta muito e muito a emprehender. Quem, depois de chegar ás portas da cidade, desejar seguir pelo largo de S. Sebastião, dirigindo-se ao centro de Lisboa, tem de cursar, antes de poder ver o magestoso Tejo, esse estreito e. feio corredor chamado a rua de S. José, bordado de casas péssimas de um e outro lado da rua, quasi todas nas peiores e mais inconvenientes condições hygienicas!

O transito na capital augmenta de dia para dia e, quando n’essa rua haja alguma maior afimencia, muito breve não poderá passar-se sem perigo ou sem grande incommodo dos viandantes. Parece-me que ha urgencia extrema de se abrir essa larga via de communicação, cujo complemento indispensavel é o estabelecimento dos novos edificios projectados. Estou persuadido, faço justiça a todos, que, debaixo d’este ponto de vista, a camara dos dignos pares e o governo hão de concordar que o projecto de

iniciativa da camara dos senhores deputados é digno da mais profunda attenção e deve ser approvado.

N’esta parte não farei mais commentarios ás opiniões apresentadas pela nossa commissão com a eloquencia propria do cavalheiro, que redigiu o parecer. Mas a questão não é esta, o que se trata presentemente é de saber quaes os meios com que a camara municipal ha de realisar as obras. Sobre este ponto vejo» escrupulos, que eu respeito, da parte da commissão. Entende ella que ha inconstitucionalidade nas disposições do projecto tal qual veio da outra camara, porque aquellas disposições atacam o direito de propriedade. Eu não preciso vir aqui dizer que, se houvesse rasões fortes para duvidas de tal ordem, a camara dos senhores deputados, e creio mesmo que os cavalheiros altamente illustrados que assignaram a representação, teriam hesitado, acatando principios, que são a doutrina invariavel d’elles mesmos: qualquer que fosse o interesse, que elles tivessem pela projectada avenida, espiritos tão altamente conservadores teriam recuado com receio, vacilando como o sr. relator e os illustres membros da commissão signataria do parecer.

De certo, sr. presidente, não se teria elaborado o projecto vindo da outra camara nos termos em que elle ali foi votado. Confesso que respeitando muitissimo à commissão, tendo a maior estima pelos seus membros, e pelo seu illustre relator, a quem sempre tributei homenagem como meu antigo mestre; talvez no meu animo se houvesse tambem suscitado duvida, se não tivesse a inteira convicção de que a doutrina d’este projecto está d’accordo, e manifesta harmonia com os precedentes que aqui se têem dado. Peço licença á camara para ler o parecer que foi apresentado pela commissão da camara dos senhores deputados, quando lá se tratou em 1874 de um projecto ácerca de identicos melhoramentos na cidade do Porto, projecto que me parece não discrepar muito d’este de que nos estamos hoje occupando; e a camara permittirá tambem que eu depois leia o parecer da commissão d’esta casa, que veio confirmar o parecer adoptado pelos senhores deputados, e julgou justo o projecto relativo aos melhoramentos requeridos para a cidade do Porto. As duas camaras não tiveram então duvida em votar uma tal lei, e se o fizeram foi porque entenderam que não havia in-constitucionalidade nas suas disposições.

Eu peço á camara toda a attenção para os dois documentos que vou ler. Eu não procuro argumentos meus, e quero só referir-me áquelles que me são ministrados pelas illustres commissões das duas casas do parlamento na occasião a que alludo.

O parecer da camara dos senhores deputados com data de 6 de março de 1876, lido na sessão de 26 d’esse mesmo mez, diz que o projecto tem por fim declarar urgentes e de utilidade publica as expropriações, que a camara municipal do Porto tiver a fazer para a abertura das das Mousinho da Silveira e do Barredo e alargamento da rua das Congostas, e que este melhoramento deve ser levado a effeito em boas condições, com a brevidade exigida pela solução de uma questão de hygiene n’uma cidade de gloriosas tradições como é o Porto.

E depois acrescenta:

«Alguem ha que tenha seguido a opinião da desnecessidade d’esta lei, julgando que a lei de 1872 permitte, pelo emprego das palavras construcções adjacentes, a expropriação de mais do que o estrictamente necessario para a construcção da obra, mas aquellas palavras da lei não têem sido assim interpretadas nas estações competentes, e inclinamo-nos a crer que as disposições da lei de 1872 só se entendem no sentido de auctorisar o governo a decretar as expropriações de terrenos adjacentes ás das publicas, necessarios para edificação de edificios destinados a serviços publicos, e assim tem sido interpretado o n.° 1.° do artigo 1.° da lei de 11 de maio de 1872».

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Porém, note a camara o que vou ler:

«O principio da expropriação por utilidade publica admittido pela lei fundamental é uma excepção ao direito de propriedads que a mesma lei garante, e c, lei de 1800 estabelecendo, entre outras garantias para o proprietario, a de obrigar o expropriante á compra do resto do edificio ou predio que não foi necessario para a construcção da obra, esqueceu-se de tornar extensiva esta garantia ao expropriante (em condições iguaes e com verdadeira reciprocidade), que dispondo dos meios ao seu alcance vão pelo dispendio d’elles melhorar as condições (como n’este caso) de salubridade de um povo importante, parecendo á vossa commissão que, para casos especiaes como este de que se trata, se deve tornar extensiva aquella condição ou garantia ao expropriante.

«Em França, está admittido francamente o principio da expropriação, em escala mais larga, para os grandes melhoramentos nas cidades importantes.

«Na Belgica encontra-se adoptado o principio da expropriação por zonas, principio que entre nós tem encontrada embaraços nas disposições da lei fundamental.

«Cremos porém que o espirito da carta foi evitar as offensas ao direito de propriedade pelas expoliações e sequestros de que podem dar testemunho alguns actos; nos tempos que pertencem á historia, mas não tolher a expropriação nas condições em que a deseja fazer a camara do Porto, para poder levar a effeito a obra que projecta e conseguir que esta seja feita por fórma que as construcções levantadas ao lado das ruas, que pretende abrir, sejam em boas condições de salubridade.

«Da opinião emittida hoje pela vossa commissão foram as duas camaras em 1869, e tanto que a lei de 1 de setembro d’aquelle anno, feita para auctorisar o emprestimo com que foi realisada a abertura da rua para a nova alfandega, foi votada pelas duas casas do parlamento sem discussão.

«É, portanto, a vossa commissão, de accordo com o governo, de opinião que o projecto mencionado se converta no seguinte projecto de lei:»

Sr. presidente, vamos agora ao parecer dado pela illustre commissão de administração publica d’esta camara na sessão de 31 de março de 1874, dois dias depois do projecto ter, sido votado sem discussão na camara dos senhores deputados.

Diz o parcer:

«Senhores. — A commissão de administração publica examinou o projecto de lei n.° 157, vindo da camara dos senhores deputados, tendente a declarar de utilidade publica e urgente as expropriações que a camara municipal do Porto pretende faser para a abertura das das de Mousinho da Silveira e do Barredo, e alargamento da rua das Congostas; e tendo em vista não só a conveniencia e utilidade das obras, mas as precauções que o projecto adopta para a sua execução, e combinando com o parecer da camara dos senhores deputados, que foi de accordo com o governo, é de parecer que o mesmo projecto seja convertido em lei.»

Sr. presidente, votado tambem sem discussão este parecer, a camara dos dignos pares confirmou a doutrina da commissão da camara dos senhores deputados 1

O sr. Ferrer: — Faz favor de ler o artigo l.° do projecto.

O Orador: — Vou lei-o e tambem o § unico:

«Artigo 1.° São declaradas de utilidade publica e urgente as expropriações que a camara municipal de Lisboa julgar necessarias para abertura de uma avenida entre o norte do passeio publico do Rocio e a estrada da circumvallação, comtantoque os respectivos planos e traçados sejam previamente approvados pelos governo.

«§ unico. As expropriações não excederão a largura de 50 metros entre o norte do passeio e a actual praça do Salitre, e a de 150 metros d’esta até á estrada da circumvallação.»

No projecto de 1874 a differença existe, é verdade, sendo mais amplo aquelle projecto, não se falla em metros o que n’elle leio é apenas o seguinte:

«Artigo 1.° São declaradas de utilidade publica e urgentes as expropriações que a camara municipal do Porto tiver de fazer para a abertura das das de Mousinho da Silveira e do Barredo, e alargamento da rua das Congostas, comtanto que os respectivos planos e traçados tenham sido previamente approvados pelo governo.»

Sr. presidente, aqui nem se indica a largura que hão de ter as expropriações, a acção da camara fica completamente livre n’esta parte. Talvez, sr. presidente, seja errado o meu parecer, motivado pelo defeito da minha intelligencia, mas é certo que estes dois projectos estão em uma perfeita analogia.

Em entendo, como a illustre commissão, que é necessario fazer estas expropriações, e abrir estas ruas; mas é indispensavel abril-as nas condições de se poder edificar nos terrenos adjacentes.

Sr. presidente, eu fallo n’este assumpto com alguma experiencia.

Quando presidia á vereação de Lisboa, tinha-se acabado de abrir a rua da Imprensa em continuação da rua Nova da Palma, e a camara encontrou a maior difficuldade em conseguir edificações regulares, e que os proprietarios de alguns predios viessem a um justo accordo com a municipalidade.

O mesmo succede com relação á rua Vasco da Gama, que por motivos d’esta ordem não se acha acabada.

Eu respeito muito as opiniões de todos, mas parece-me que não ha uma grande rasão em se julgar atacado o direito de propriedade tratando-se d’este projecto, tanto mais que esses escrupulos se não deram com respeito a outras circumstancias e concessões.

A via publica, por exemplo, é propriedade do municipio, e eu vejo hoje que algumas das principaes das estão sendo o monopolio de uma companhia, como acontece, verbi gratia, desde o Pelourinho até Belem, obstruida a estrada quasi completamente pelos carris americanos.

É verdade que os omnibus e as carruagens podem tambem passar, mas como, e em que condições? Portanto deixou n’essa parte a estrada ou rua de ser em absoluto do dominio do publico, para passar ao serviço de uma só companhia.

Sr. presidente, eu apresento estas reflexões unicamente para explicar a minha opinião, e não porque julgue possivel convencer a camara. Sei bem que as minhas palavras têem pouco peso, e de certo mais se ha de attender ao parecer de pessoas tão illustradas, como são os membros da commissão, que estudaram o assumpto.

Eu approvo o parecer, e voto por elle, porque desejo que se não diga que esta camara indeferiu inteiramente o pedido do municipio da capital; mas parece-me que muito pouco se conseguirá com a approvação do projecto; por isso pedi licença ao meu collega e amigo, o sr. Sequeira Pinto, para assignar com elle o seu additamento: pelo muito que me empenho na realisação d’este importante melhoramento, quero, pelo menos, obter alguns meios para começar a obra.

Não me cumpre sustentar esse additamento, porque s. exa., mais auctorisado do que eu, já satisfez a este dever; portanto, limitando aqui as minhas observações, concluo por pedir desculpa á camara por ter abusado da sua paciencia, manifestando o meu pensamento sobre o assumpto.

Desejo, sr. presidente, sinceramente, que o projecto seja approvado. Desejaria que o fosse como veiu da outra casa do parlamento, convencido, como estou, de que os principies não eram affectados; mas, sujeitando-me á opinião que domina a camara, voto o parecer da commissão, e voto, como um quasi complemento d’elle, o additamento proposto pelo sr. Sequeira Pinto, e assignado tambem por mina.

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O sr. Ferrer: — Parece-me que o parecer em discussão apresenta fundamentos bastante fortes para as conclusão a que a commissão chegou n’esse mesmo parecer. Esses fundamentos ainda estão de pé, e não podem deixar de estar, não sendo mais senão a interpretação da doutrina que a carta constitucional estabelece no § 21.° do seu artigo 145.° Não é pois uma invenção da commissão o que se diz n’este parecer, mas doutrina corrente, conforme com a constituição do estado, e com a opinião dos publicistas, que têem escripto. sobre esta materia.

Fui, por muitos annos, mestre de direito publico constitucional, e sempre ensinei isto, que está escripto no documento que n’este momento chama a attenção a camara, o qual não é senão a expressão, da minha convicção, nascida do estudo e da lição das obras dos escriptores mais abalisados n’estes assumptos.

Se acaso se quizesse estender o direito de expropriação alem dos strictos limites que lhe marca o já citado artigo 145.° da carta, no § 21.°, onde iria parar o direito de propriedade?! (Apoiados.)

Deus nos livre de similhante cousa! Esta camara, que é uma camara conservadora, porventura póde querer que se ataque um direito que a carta constitucional mantem em quasi toda a sua plenitude?

Não quero ser mais extenso a este respeito; a camara reconhece que eu poderia, n’esta parte, ir muito longe, e para ella formar o seu juizo, basta o que está escripto no relatorio da commissão.

Agora referir-me-hei a dois pontos sobre os quaes não posso deixar de dizer alguma cousa. O primeiro, diz respeito á proposta de additamento apresentada pelo meu amigo, o sr. Sequeira Pinto, que foi mais alem da commissão, e sobre esta circumstancia tenho a declarar que se nós apresentámos simplesmente uma lembrança e não. fomos mais adiante é porque se tratava de dispor dos dinheiros publicos, e a camara sabe que em materia de tributos a carta constitucional é bem expressa quando determina que pertence á camara dos senhores deputados a iniciativa n’essa materia. Respeitando, pois, este preceito, a commissão entendeu que não podia ir mais alem. do. que foi. Todavia, se o sr. presidente do conselho e ministro do reino convier n’este additamento, não serei eu que me opponha a elle.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, a commissão, que apresentou o parecer que se discute diz claramente que quer a avenida, quer os jardins e até quer o bairro; por consequencia não tenho nada a responder ao digno par, o sr. conde de Rio Maior. N’esta parte concordámos todos nós, e portanto a questão não versa sobra a conveniencia ou não conveniencia de taes melhoramentos para a cidade de Lisboa; todos os achamos uteis e vantajosos, mas versa unicamente sobre os meios com que se ha de fazer face ás despezas enormes que hão. de trazer essas obras. O. projecto que veiu da camara dos senhores deputados é um pouco nubloso a tal respeito, não diz claramente donde ha. de vir o dinheiro para sé levar a effeito um tão, grande emprehendimento. e essa falta não posso, eu deixar de censurar, pois não é conforme com q meu caracter franco e. verdadeiro, que deseja clareza, em tudo. Mas não é preciso ser muito esperto para comprehender o jogo que se quer fazer, por certas palavras vagas que se notam no projecto, como, por exemplo, estabelecimentos municipaes. Que quer isto dizer? Para que quer a camara estes estabelecimentos? Onde iria dar isto? O relatorio da commissão diz suficientemente o que se póde dizer a este respeito, e escuso por isso de estar agora a repetir o que ali se diz; mas a verdade é que a camara municipal o que quer é ter faculdade de vender, antes ou depois de feitas, as construcções, os terrenos que forem expropriados, e d’ahi tirar os meios necessarias para fazer as obras. Esta, é que. é a verdade, diga-se francamente. Se assim não fosse, o projecto não podia andar.

Fazer um projecto para uma obra sem estabelecer os meios de receita para a realisar, equivale a cousa nenhuma; por consequencia, vê-se claramente que dos terrenos expropriados é que a camara pretendia tirar receita para fazer as obras, revendendo esses terrenos a outros particulares.

Sr. presidente, a expropriação não deve ter legar senão como uma excepção, senão quando for preciso que o uso da propridade particular passe para o publico, e não para outro particular; no projecto, que veiu da outra casa do parlamento, fazia-se da camara municipal uma especie de ponte para a propriedade dos particulares passar para outros particulares. D’aqui a idéa de lucro para a camará,; mas fica-se ignorando qual era o que devia resultar d’esta especulação, porque não se diz; a despeza que ella teria a fazer com as expropriações e com as obras.

Isto com relação ao projecto.

As principaes considerações apresentadas pelo sr. conde de Rio Maior foram deduzidas da jurisprudencia dos arestos, mas essa jurisprudencia foi já abolida, e não existe senão na China.

Disse, s. exa. que em França tinham-se feito, obras, de utilidade publica segundo o systema que agora se queria adoptar; mas eu observo ao digno par que o imperador, quando fez essas obras; não tinha lá o § 21.° da artigo 145.° da carta constitucional, e por isso; podia proceder como procedeu.

O exemplo que se adduziu do projecto approvado, com relação á cidade do Porto não é inteiramente applicavel ao caso presente, mas, ainda que o fosse, não se segue que, por se ter praticado uma cousa má ou injusta, se deva continuar a proceder do mesmo modo.

Como não tenho visto apresentar outros argumentos contra o parecer da commissão, paro aqui, repetindo que o sr. conde de Rio Maior não, tem mais vontade que se realise a avenida, o jardim e o bairro, novo, do que a propria commissão; ella só tem duvida nos meios a empregar, porque entende que os que se apresentavam são inconstitucionaes, e nem a camara nem o governo podem saltar por cima da constituição do estado.

Acerca do parecer da commissão nada mais direi agora, porque não o considero preciso; e com relação ao additamentado pelos srs. conde de Rio Maior e Sequeira Pinta, como o sr. presidente do conselho pediu a palavra, elle dirá o que o governo entende a este respeito, pois a commissão apenas lembrou, no seu paracer, que se podia fazer um emprestimo, e que estava prompta a approvar qualquer subsidio, que o governo podesse conceder, segundo as forças do thesouro, para as despezas necessarias da obra.

(O orador não reviu as notas d’este discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Vou satisfazer ao pedido que me dirigiu o digno par o sr. Ferrer, de dar a minha opinião sobre o additamento que foi mandado para a mesa, nem eu tencionava deixar que se encerrasse o. debate sem declarar á camara como considero este assumpto.

O parecer da commissão diz. (Leu.)

Isto é exacto, mas preciso declinar de mim, a responsabilidade de uma parte do que se contem n’este documento.

Os dignos pares sabem que fui chamado á commissão, a qual me declarou o pensamento que a este respeito a dirigia, mas não ouvi ler o relatorio. O meu accordo, o meu completo accordo com a illustre commissão refere-se unicamente ás bases do projecto.

A camara municipal quando concebeu o pensamento de dotar a capital com este grande melhoramento, que todos são unanimes em desejar, imaginou um meio de o realisar, inteiramente diversa d’aquelle que resulta da proposta assignada pelos srs. Sequeira Pinto e conde de Rio Maior.

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Entendeu a camara, e já o meu amigo, o sr. Ferrer, o disse, que esta obra havia de ser feita com os lucros provenientes da expropriação dos terrenos por zonas. Eram estas as declarações dos membros d’aquella corporação quando procuravam obter adhesões ao projecto que esperavam fosse submettido ao parlamento.

Sendo comprados os terrenos, segundo o valor que tinham na occasião da expropriação, e augmentando consideravelmente o valor d’esses terrenos depois de aberta a avenida, a camara lucrava com a venda dos que lhe não eram necessarios, e com estes lucros obtinha os meios para realisar a obra. Os lucros podiam ser menores, podiam ser maiores; mas, em todo o caso, como se expunha a que fossem inferiores, ao que ella calculava, devia a camara contar com os recursos indispensaveis para fazer face ao deficit que resultasse d’essa differença.

Agora vem a illustre commissão e diz. (Leu.)

Applaudo o pensamento liberal que dictou o seu parecer, com o qual plenamente me conformo. Esta opinião já eu tinha emittido em tempo numa portaria assignada por mim como ministro do reino, e que o sr. Moraes Carvalho me recordou. A illustre commissão expendeu a verdadeira doutrina. Cessando, porém, os meios que a camara municipal esperava para fazer a obra, diz o sr. Sequeira Pinto: n’esse caso é necessaria a substituição d’elles, e essa substituição é um emprestimo que a camara ha de levantar sobre uma garantia de 20:000$000 réis que o governo deve pôr á sua disposição.

Soube hontem d’aquelle additamento, porque o digno par Sequeira Pinto me fez a honra de mo annunciar, mas por falta de tempo necessario para conferenciar com os meus collegas, e sobretudo com o sr. ministro da fazenda, não posso comprometter desde já a opinião do governo com relação a este ponto. Todavia, como par do reino, direi que me parece que esta camara não deve approvar a proposta de additamento antes de ser examinada pela commissão de fazenda. E peço aos dignos pares que ouçam com benevolencia as observações que lhes dirijo, pois estou f aliando, repito, não como ministro, mas como membro d’esta casa.

A camara não deve approvar este additamento, sem que elle seja submettido á commissão de fazenda, a qual de certo não deixará de ouvir o ministro respectivo. Convirá que fique dependente o projecto que estamos discutindo do additamento mandado para a mesa pelos srs. Sequeira Pinto e conde de Rio Maior? Parece-me que não. O que julgo mais conveniente é que a camara approve o parecer da commissão sem o additamento, e que este seja remettido á commissão de fazenda, a fim de que ella, se o julgar conveniente, faça um projecto, que seja submettido á discussão pausada de ambas as camaras.

Parece-me isto mais prudente.

Que certeza têem as auctores do additamento, que com esta quantia se fazem as obras? Quem sabe se em logar de 300:000$000 réis, que pouco mais se poderá levantar sobre uma garantia de 20:000$000 réis annuaes, (porque d’esta garantia ha de ser alguma cousa para amortisação) serão precisos 400:000$000 ou 600:000$000 réis? Quer a camara dos pares aggravar o thesouro com uma despeza d’estas e por sua iniciativa? Creio que não. (Apoiados.)

Eu entendo que as duas camaras são iguaes. A camara dos senhores deputados tem a iniciativa sobre impostos e recrutamento; a camara dos pares tem outras prerogativas que aquella não possue. Ha pois equilibrio. Mas o que me parece lógico e conforme com o espirito da carta é que a camara, que não tem iniciativa sobre impostos não a exerce tambem para aggravar as despezas do thesouro, obrigando o parlamento a votar meios para essa nova despeza; meio que esta camara não póde propor.

Peço á illustre commissão de fazenda d’esta casa, que se lhe for remettido o additamento a que tenho alludido, examine tambem a questão debaixo do ponto de vista por que a tenho incarado.

Repito, que o que me parece mais conveniente é approvar-se o projecto e não se dar andamento a este additamento senão como acabo de dizer, com o que a camara municipal fica auctorisada para estudar a questão. A verdade é que a camara, quando concebeu a idéa d’este melhoramento foi debaixo de outro ponto de vista, porque contava com uns certos meios, que não tem por este projecto; mas com elle fica auctorisada a estudar e vir depois apresentar ao governo o resultado dos seus trabalhos, (Apoiados.) e o governo virá pedir ao parlamento os meios que a camara desejar obter, se elles forem rasoaveis. Creio que nenhum governo deixará de cooperar com o parlamento, a fim de que elle vote uma verba conveniente para que este melhoramento se possa levar a effeito.

Esta é a minha opinião como par do reino. A camara a apreciará na sua sabedoria, e fará o que julgar mais conveniente.

O sr. Sequeira Pinto: — Quando hontem tive a honra de mandar para a mesa a minha proposta de additamento declarei logo que era condicional. A camara lembra-se de certo d’estas palavras: « Se o governo declarar que não é conveniente ao estado actual da fazenda publica fazer distrahir dos cofres publicos a quantia annual de 20:000$000 réis, cedo do meu additamento».

Sr. presidente, eu ouvi dizer ao meu amigo e meu antigo mestre, o digno par o sr. Ferrer, que tinha apprehensões, ou que alguem as poderia ter, se a camara dos pares carecia de competencia para votar um additamento importando diminuição de receita, por isso que pela carta constitucional pertencem á iniciativa da camara dos senho rés deputados as votações de despezas.

Parece-me que se labora em um equivoco. As propostas que são da privativa iniciativa da outra assembléa parlamentar estão expressas no codigo politico artigo 35.°, e versa sobre impostos e sobre recrutamento, acrescentando o artigo 36.° que ahi principiará o exame da administração passada e discussão de propostas feitas pelo poder executivo. O additamento não pertence á ordem de propostas de que falla a lei constitucional; póde, pois, ter iniciativa na camara dos pares.

Sr. presidente, os artigos 30.° e 36.° da carta constitucional não offerecem duvidas na sua interpretação, desnecessario é produzir agora largas considerações sobre esto assumpto. Abstendo-me, portanto, de desenvolver a questão de constitucionalidade com que a camara dos pares póde tomar a iniciativa para uma proposta de diminuição de receita, e desde que o sr. presidente do conselho declara, com respeito ao additamento que apresentei, que é conveniente ouvir-se a commissão de fazenda, eu não tenho duvida em acceder aos desejos de s. exa., seguindo-se a praxe que é costume adoptar-se com respeito aos projectos que envolvem diminuição de receita, isto é, que seja ouvida a commissão de fazenda, a qual de certo não demorará a resolução de um incidente que tão de perto interessa á capital.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu tenho ouvido fazer referencias a uma proposição que não foi bem comprehendida, ou que não formulei bem.

Eu não disse que não cabia na attribuição da camara dos pares a iniciativa de uma proposta que envolve despeza, mas que por uma especie de melindre para com a outra camara seria melhor que o additamento viesse de lá. Eu sei, e conheço muito bem o artigo da carta a que se tem alludido, mas tambem sei que ha uma lei que estabelece, que se não deve votar uma despeza sem crear logo receita para ella.

Esta lei não é uma lei constitucional, tambem sei; póde replicar-se-me, que essa lei póde ser revogada; mas é certo que a commissão quiz ir de accordo com o principio. Dito isto; nada mais tenho a acrescentar.

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O sr. Conde de Rio Maior: — Sr. presidente, vou ainda dizer duas palavras, porque assignei a proposta de additamento mandada para a mesa pelo digno par o sr. Sequeira Pinto. Ouvi com toda a attenção as observações apresentadas pelo sr. presidente do conselho, e pelo que s. exa. disse parece-me que está justificada completamente a proposta apresentada pelo meu illustre collega e subscripta tambem por mira.

As modificações apresentadas pela commissão d’esta camara alteraram inteiramente o projecto vindo da outra camara, e justamente na parte financeira assim o reconheceu o sr. presidente do conselho. Era importante para a camara municipal; esses terrenos, que se expropriavam, mais tarde podiam ser vendidos por ella. Foi por isso que eu e o meu collega o sr. Sequeira Pinto mandámos para a mesa a proposta de additamento que está em discussão com este projecto, proposta que se não for approvada, ainda que votemos o projecto, e como se nada se votasse; a camara não fica habilitada, entenda-se bem, para fazer as obras, se não lhe concederem os meios precisos para isso.

Não podendo, pois, ter logar as expropriações na forma projectada, é indispensavel habilitar a camara com outros recursos, e por isso parece-me que a proposta de additamento deve ser necessariamente approvada, aliás" não adiantamos nada, ainda o repito, votando o projecto.

O sr. presidente do conselho disse, e disse com muita rasão, que a proposta deve ser submettida ao exame da commissão de fazenda. Eu não tenho duvida em concordar com esta indicação, comtanto que votado que seja o projecto tal qual o apresentou a commissão de administração publica, a proposta de additamento tenha parecer ainda n’esta sessão legislativa; se ficar reservada para o anno, equivale isso a um adiamento indefinido da questão.

Sr. presidente, eu entendo que temos iniciativa n’estas questões que dizem respeito a despezas, e apesar do que observou o meu collega e considerado mestre, o digno par o sr. Ferrer, com relação aos exemplos de outros paizes, e de não ter valor a doutrina dos arrestos, julgo que se póde citar como exemplo o que se passa nos paizes. illustrados, quando ha verdadeira paridade.

Por consequencia, permitta-me a camara que eu cito o que ainda ultimamente teve logar n’uma assembléa importante, na assembléa franceza, em que houve uma discussão n’este sentido a proposito da dotação dos capellães militares, sendo a verba do orçamento cerceada pela camara dos deputados, depois foi restabelecida toda pelo senado.

Terminando, parece-me tambem que a nossa lei fundamental claramente auctorisa a propormos e a votarmos estas despezas.

Esquecia-me faltar n’um ponto que desejo tocar antes de concluir. No principio das suas observações o sr. Ferrer disse que não foi invenção da commissão o entender-se que havia prejuizo da doutrina do direito de propriedade no projecto vindo da outra camara; permitta-me s. exa. que declare que eu não podia dizer, sobretudo tratando-se de uma pessoa que respeito como o illustre relator da commissão, que s. exa. tinha inventado. O meu pensamento unico foi mostrar, conforme permittiam os meus recursos, que no antigo parecer de uma commissão d’esta casa, sobre negocio identico, não se manifestaram as duvidas que agora assaltaram tão abalisados jurisconsultos.

O sr. Andrade Corvo: — Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para explicar o meu voto.

Eu approvo a proposta apresentada pela commissão, e com a qual o governo está de accordo, mas devo acrescentar que voto sem prejuizo de um trabalho com respeito a expropriações não só de Lisboa, mas das outras cidades do reino, de accordo com a legislação, para a expropriação para melhoramentos, estabelecida nos diversos paizes mais adiantados da Europa, o que julgo indispensavel.

Estou convencido de que o governo de certo concordará com estas idéas. Não se trata de um simples additamento, mas de um conjuncto de estudos, para que na sessão seguinte nos possamos occupar d’esse assumpto com a maxima seriedade e conhecimento de causa, servindo-nos de indicações que faltam n’este projecto, providenciando-se sobre os melhoramentos das cidades, garantindo-se ao mesmo tempo o direito de propriedade até aonde elle possa ser garantido sem prejuizo publico, e marcando-se o praso em que se deve construir.

O assumpto não póde desde já ser resolvido, pias póde ser estudado, e d’esse estudo não resultam senão beneficios para os melhoramentos das cidades.

Com respeito ás observações que se fizeram relativas ao additamento que foi proposto por um digno par, creio que todos estão de accordo com a indicação do sr. presidente do conselho, perfeitamente conforme com as praxes estabelecidas, e indicação com que tambem concordo, julgando portanto desnecessario acrescentar quaesquer considerações.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu devo assegurar á camara e ao sr. Corvo, que estou de accordo com as observações de s. exa. e é exactamente por isso que desejo que a camara approve o parecer da commissão, como ponto de partida para os estudos a que s. exa. se referiu, e que eu julgo necessario levar a effeito.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto para ser votado na generalidade.

Lido na mesa foi approvado o projecto na generalidade e approvados successivamente, sem discussão, os diversos artigos na especialidade.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que o additamento seja enviado á commissão de fazenda, sem prejuizo do projecto que acaba de ser votado, têem a bondade de o manifestar. Foi approvado.

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, desejo chamar a attenção do governo sobre um assumpto que é necessario estudar e attender convenientemente. Refiro-me á emigração.

Todos sabemos que não é possivel evitar este facto por meio de leis repressivas, que importariam um ataque ás liberdades individuaes. Não é isso que se pede, a questão é differente. Reduz-se a procurar, por meios indirectos, evitar essa emigração, dando-lhe uma direcção mais conveniente. Não trato da questão pelo lado economico, mas o que desejo unicamente é que se estude o modo de proteger os incautos contra as exigencias dos engajadores, e mesmo das suas prepotencias. (Apoiados.)

Reconheço que é impossivel prohibir a emigração, mas isso não póde impedir que se procure dar toda a protecção e segurança aos que saem do paiz.

Estou persuadido que uma das causas da exagerada emigração são os engajadores que seduzem os homens de trabalho com promessas illusorias e com o engodo de phantasticas fortunas com que lhes acenam.

E note-se que eu reputo esta industria dos engajadores legitima, quando honrada, mas é necessario regulamental-a e vigial-a.

Não quero tomar mais tempo á camara, e concluo n’esta parte recommendando de novo esta questão ao governo, porque me parece que elle a póde estudar durante o interregno parlamentar, e ver se por actos officiaes se podem proteger os emigrantes, de modo que se evite quanto possivel que elles sejam victimas de contratos dolosos, pelos quaes escravisam, para assim dizer, o seu trabalho, confiados em promessas e offerecimentos que lhes fazem os engajadores, e aos quaes se falta logo que aquelles infelizes põem pé em terra estranha. Sei que a protecção consular tem sido efficaz até certo ponto em favor dos emigrantes, mas não basta, é necessario prevenir de algum

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modo os abusos de que são victimas os nossos compatriotas que emigram.

Ditas estas palavras, que julgo bastantes para dar conhecimento ao governo do fim que tive em vista quando me levantei para expor as breves considerações que acabo de fazer, vou terminar lembrando a v. exa. que talvez haja conveniencia, visto não termos mais assumptos de que nos devamos occupar hoje, em não fechar já a sessão, mas interrompel-a até á hora que o regimento manda para a duração dos nossos trabalhos em cada sessão; porquanto podem vir da outra camara alguns projectos de interesse publico, a que seja preciso dar sem demora andamento nas commissões, em consequencia da urgencia do tempo, o que se não poderá fazer, fechando-se já a sessão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sinto que a necessidade de ter de ir para a outra casa do parlamento me prive da satisfação de responder mais demorada e cabalmente n’esta occasião ás observações feitas pelo digno par o sr. Miguel Osorio, com relação á emigração, e de aproveitar o ensejo de lazer justiça ás diversas administrações que precederam a actual, as quaes se occuparam todas muito seriamente d’este assumpto; mas póde o digno par ter a certeza de que o governo não ha de desviar a sua attenção de um objecto que não póde deixar de lha attrahir vivamente, não só pela grande necessidade de proteger os subditos portuguezes que as circumstancias obrigam a sair do paiz; mas tambem porque devemos procurar os meios de dar á emigração uma direcção mais conforme com as necessidades do paiz e das suas colonias.

O sr. Larcher: — Tinha pedido a palavra para fazer um pedido ao sr. presidente do conselho de ministros, e aos illustres membros da commissão de fazenda á qual está affecto, desde a sessão legislativa passada, um projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, e cujo objecto é simplesmente fazer a devida justiça a um venerando ancião que é thesoureiro pagador das obras publicas; infelizmente, porém, o sr. presidente do conselho acaba de se retirar, e com elle se vae a esperança que eu nutria de fazer ver aos cavalheiros que compõem a sobredita commissão, que o governo toma n’esta questão o interesse de que elles com rasão não têem querido prescindir para estudar e dar parecer sobre os negocios que não são de interesse geral.

Entretanto sempre direi que o empregado do estado a quem fiz referencia é bem conhecido; é um octogenario que tem mais de cincoenta e oito annos de serviço publico, tendo-lhe passado pelas mãos milhares e milhares de contos de réis empregados em obras publicas, sem nunca ser encontrado na minima falta, e todos que têem sido ministros das obras publicas, muitos dos quaes têem assento n’esta casa, são unanimes em tecer os mais honrosos elogios á probidade, intelligencia e zêlo de tão prestante cidadão. Não bastam comtudo estas circumstancias tão apreciaveis em absoluto e tambem porque se vão tornando cada vez mais raras, e por ÍSPO peço á illustrada. commissão de fazenda se digne observar que o projecto se não foi primitivamente de iniciativa do governo, póde ter hoje esse caracter, visto que o illustre deputado auctor d’elle, o sr. Barros e Cunha, se senta hoje nos bancos do poder..

Esta minha insistencia explica-se aliás pelo receio que tenho de ver adiada por mais um anno a solução d’este acto de justiça, e que fique adiada para sempre pelo desapparecimento d’este mundo, da pessoa de avançada idade sobre que elle devia exercer-se.

O sr. Presidente: — Não tenho a menor duvida em suspender a sessão, como indicou o digno par o sr. Miguel Osorio até ás cinco horas da tarde, a fim de esperar por quaesquer trabalhos de interesse publico que possam vir da outra casa do parlamento. Entretanto vou dar a ordem do dia para a proxima sessão, que será no sabbado 31 do corrente; devendo entrar em discussão os pareceres n.ºs 248, 249, 250, 251, 253, 254, 255, 241, 245, 247, 252 e 165. Alem disso farão parte da ordem do dia da sessão de sabbado proximo os pareceres mandados para a mesa, que vão ser mandados para a imprensa a fim de serem sem demora distribuidos por casa dos dignos pares.

Está suspensa a sessão até ás cinco horas da tarde.

Eram quatro horas e quinze minutos.

As cinco horas reabriu a sessão.

O sr. Presidente: — Não ha numero legal de dignos pares na sala, nem existem na mesa projectos alguns a que se deva dar andamento: está portanto levantada a sessão.

A ordem do dia para a sessão de sabbado 31 do cor-3:ente, é a que já annunciei.

Dignos pares presentes na sessão de 28 de março de 1877

Exmos. srs.: Conde do Casal Ribeiro; Duque de Loulé; Marquezes, d’Avila e de Bolama, de Ficalho, de Fronteira; Condes, das Alcáçovas, de Cabral, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, de Rio Maior; Viscondes, de Eivar, de Fonte Arcada, das Laranjeiras, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco; Agostinho Ornellas, Moraes de Carvalho, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio José de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Xavier Palmeirim, Eugenio de Almeida, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Jayme Larcher, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Augusto Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Vicente Ferrer.

Entraram depois de aberta a sessão, os dignos pares, Conde de Mesquitella, Silva Carvalho e Visconde dos Olivaes.

Discurso do digno par visconde de Chancelleiros, prenunciado na sessão de 23 de março, e que devia ler-se a pag. 266, col. l.ª, d’este diario.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Sr. presidente, tambem podia ceder da palavra, e estava tentado a fazel-o, mas como nem sempre mo é possivel assistir ás sessões d’esta casa, e o acaso permitte que agora aqui esteja, encontrando em discussão um assumpto importante, ao qual em mais de uma occasião tenho feito referencia, procurarei dizer duas palavras insistindo, se não já pela prompta e immediata reforma de lei de recrutamento (o que não caberia nos estreitos limites d’esta sessão), ao menos pela necessidade instante de que por todos os modos e meios o governo trabalhe para que se não continue illudindo as disposições d’essa lei, como desgraçadamente se tem feito até hoje. Soffre com essa infracção o prestigio de auctoridade, soffrem todos os interesses e direitos que essa lei garante, e o paiz ve com rasão no modo por que se pratica a lei de recrutamento, o roais odioso instrumento da vexação que se podia ter armado contra elle.

Repito, pois, o meu protesto contra o modo por que se executa a lei de recrutamento; significo mais uma vez o meu sincero desejo de que sejam reformadas muitas das disposições d’essa lei, e ao contrario do que sustentou o sr. conde de Cavalleiros, applaudo a reforma de uma d’essas disposições, sem que deseje agora levantar a questão que n’essa occasião se controverteu n’esta camara. Direi apenas que se tal modificação não foi devida á minha iniciativa n’esta camara, porque o não podia ser, em virtude da prescripção constitucional que dá essa iniciativa á camara dos senhores deputados, foi entretanto sob a insistencia do meu empenho que ella se deu na outra casa do parlamento.

Então, como hoje, sustento e digo que era absurda o injusta a disposição da lei pela qual se comminava a pena de não poder servir qualquer emprego publico ao indivi-

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duo que não houvesse sido recenseado. A funcção do recenseamento cabe por lei ás commissões de recenseamento e ás camaras municipaes, e injusta era por isso a pena imposta aos individuos não recenseados de exercerem qualquer emprego publico, não lhes dando a faculdade de remirem por qualquer meio essa pena. Era o mesmo que impor a qualquer uma pena por um delicto que não commetteu, negandõ4he alem d’isso a faculdade de a remir.

Sr. presidente, o meu particular amigo, o sr. Barros e Sá, acaba de fazer referencia a um projecto de reforma da lei do recrutamento devido á iniciativa do governo transacto. Lamento que um negocio de tal importancia só depois de haver sido descurado durante o longo espaço de seis annos, fosse apenas tomado em consideração na ultima hora da vida politica do governo passado. Sinto que mais cedo lhe não houvesse chamado a attenção, suscitando-lhe a idéa de acudir com prompto remedio a uma reforma tão urgente e tão instantemente reclamada por todas ás estações da administração publica e por ambas aã casas do parlamento. Em vista d’esta declaração tenho mais uma rasão para sentir que o governo transacto se demittisse, sem que por isto se entenda, que prestaria, q meu apoio a todas as medidas que esse governo apresentasse, ou aos actos da sua politica. O que desejo apenas, aproveitando esta conjunctura, é significar a minha opinião com relação ao facto da demissão do ministerio transacto. Foi especialmente por esta rasão que eu pedi a palavra, achando-me casualmente aqui, porque entendo que o meu dever de homem publico me obriga a protestar com toda a energia, das minhas faculdades contra, o modo absurdo, impolitico e irregular por que estamos praticando, o systema constitucional.

Se eu tivesse estado presente á sessão em que se apresentou um membro do gabinete transacto declarando as rasões por que o governo tinha pedido à sua demissão; eu teria pedido explicações categoricas a este respeito, e sinto que as não tivesse pedido nenhum dos grupos politicos tanto, de uma como da outra casa do parlamento.

Sr. presidente, eu estou fora da politica, e emquanto, me não disserem que. é uma infracção de um dever politico a não comparencia obrigada a todas as sessões d’esta camara, estou tanto no meu direito de não vir aqui regularmente, como o estão muitos, dos meus collegas que aqui não comparecem nunca. Comparecendo, por isso, corre-me apertado o dever de manifestar a minha opinião sobre um assumpto tão grave como este a que me refiro. Por isso não quiz deixar passar este ensejo sem significar a minha opinião com relação ao facto de que trato, e sem perguntar a qualquer dos membros do gabinete passado, que por acaso esteja presente, quaes as rasões constitucionaes da demissão d’aquelle governo; embora esteja persuadido, e por isso mesmo, que nenhuma rasão constitucional houve para que tal facto se desse.

Alludiu-se no publico á idéa de que o governo tinha proposto a El-Rei o adiamento das côrtes, e que havendo difficuldade por parte do poder moderador em acquiescer a tal exigencia, o governo entendera que se devia demittir. Que eu saiba, este boato não foi desmentido, nem pela imprensa, nem por qualquer dos membros d’aquella administração que tem assento n’esta casa. E é necessario que o seja, porque é necessario que se saiba, que ta] rasão, a haver-se dado, não podia ser acceita, como rasão constitucional da demissão do governo transacto. O Rei não nega ou concede o adiamento das camaras senão como chefe do poder moderador, e não podia segundo a carta exercer essa attribuição sem audiencia do conselho d’estado.

Pretextou-se tambem, e foi essa a rasão accusado perante as duas casas do parlamento, a doença do sr. presidente do conselho, e a do sr. ministro da fazenda o meu antigo amigo o sr. Serpa.

Será porém isso uma rasão constitucional? Pelo amor de Deus! Rasão constitucional de demissão de um governo a doença de dois ministros! Constitucional talvez se a derivam da constituição de cada um d’elles; a do meu amigo o sr. Serpa, porém, creio-a bem robusta, porque, com grande prazer meu, o vejo diante de mim, tendo reparado em poucos dias as forças perdidas.

Sr. presidente, o estado de saude de um ministro não é, nem póde ser uma rasão constitucional da demissão de um governo.

Houve de certo outras rasões. Quaes ellas sejam não o sei, não o sabe o paiz tambem, e tinha direito de o saber.

Se os grupos que combatiam com ardor e os que defendiam com enthusiasmo o ministerio transacto, o não perguntaram, não lhes quero mal por isso, contentaram-se com a rasão dada e fizeram talvez bem, eu é que me não teria, contentado, nem contento com ella.

Se ao governo não faltava o concurso de ambas as casas do parlamento, nem o apoio do paiz, accusado n’essa maioria, nem a confiança da corôa, não tinha rasão para se demittir, nem para lhe ser recusado o adiamento, se, o propoz. Não basta dizer que estavam doentes ou cansados dois ministros, para que se justifique o facto, de ver inopinadamente sumir-se um governo diante das maiorias que o apoiam. É pela minha parte declaro, sr. presidente, que se eu tivesse, acompanhado aquelle gabinete e para a demissão d’elle os ministros que o compunham me dessem a rasão que deram, havia com energia de lançar á conta, da sua responsabilidade a preterição de todos os principios e de todas as praticas pelas quaes se rege e deve reger, o systema parlamentar. Dura verdade, mas triste, verdade, isto é tudo, se o quizerem, menos systema constitucional. Pois quaes são os annaes da vida parlamentar no regimen parlamentar? São os diarios das camaras.

Pois bem, consultemos os annaes parlamentares, para conhecer, em mais de uma occasião, a rasão de um facto politico da ordem do. que apreciâmos agora, e vejamos se, n’elles se ela ou subentende a rasão d’elle. Não senhores, não o dá, e vejamos.

Na sessão de 20 de fevereiro, suppunhamos, levanta-se o si, presidente do conselho, e declara, a qualquer dos nossos collegas, por exemplo, ao nobre prelado diocesano, que vejo diante de mim, o sr. bispo de Vizeu, que o governo tem maioria em ambas as casas do parlamento, que tem a confiança da corôa, que tem o apoio do paiz; e que, seguro d’estas condições de força, emquanto dispozer de taes elementos de vida constitucional, continuará a gerir os negocios publicos, e conservará intemerato o poder.

Bem, voltemos a folha, e encontramos no dia seguinte a declaração de dois membros d’esse mesmo governo, declaração feita em cada uma das casas do parlamento, de que o ministerio se demittira, e El-Rei houvera por bem encarregar o sr. marquez d’Avila da formação do novo gabinete!

E todos se admiram, ou antes, ninguem se admira, aqui, porque lá fóra não se preoccupa a attenção da Europa com os nossos factos domésticos, e se se occupasse d’elles, ou preoccupasse d’elles, duas cousas chamariam hoje a sua curiosidade: a demissão do governo transacto e a saída dos conselhos do sultão, do celebre Midhat Pachá.

Mas, sr. presidente, nós não estamos em Constantinopla. Lá póde valer ainda a rasão de capricho ou de influencia pessoal do soberano nos negocios publicos; mas entre nós, mas aqui, aqui onde praticámos tão desassombrada e pacatamente o governo constitucional, sem attritos nem difficuldades, sem caprichos de opinião nem de intriga!... Oh! sr. presidente, devemos ter vergonha de tudo isto, e mais ainda de que taes factos se dêem sem grande reparo, e sem grave abalo na esphera de acção da nossa politica!

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O facto, porém, é que o não provocaram. Em nada foi perturbada a nossa serenidade politica, continuamos vivendo n’este mesmo meio de frieza e de desalento, em que nada nos impressiona nem commove. A antiga maioria, contente com apoiar o novo governo, a antiga opposição satisfeita com que o outro caísse.

Sr. presidente, eu de mim confesso que sou insuspeito. Não tive occasião de fazer opposição ao governo transacto, e não posso recusar a minha sympanhia ao novo governo. Está isso nas minhas intenções e, direi mais, é me até inspirado este desejo, este sincero desejo de lhe dar o meu apoio, pela lembrança das relações de antiga camaradagem politica. Estão ali os antigos collegas, com quem servi quando tive a honra de ser chamado aos conselhos da corôa. Se fosse um pouco maior a minha abstracção de espirito, até poderia antehontem, entrando n’esta sala, julgar-me ainda no ministerio. (Riso.)

Vi ali os srs. marquez d’Avila e de Bolama, Mello Gouveia e Carlos Bento, todos tres membros da administração de que fiz parte. Veiu-me á memoria aquelle tempo, e disse ainda para mim em espirito: a Serei acaso ainda ministro?»

Desfez-se-me rapida a illusão, ao lado de s. exas. estavam outros cavalheiros que não foram meus collegas; estava o sr. ministro da guerra, estava o meu particular amigo o sr. Barros e Cunha, a quem professo de longa data uma sincera amisade, e a quem voto, como todos que o conhecem, o respeito que é devido ao homem que pelo seu trabalho e pelo seu estudo conquistou a posição que occupa. Sinceramente desejo que inicie brilhantemente a sua carreira de homem d’estado, e se torne n’ella tão distincto como o tem sido na sua carreira parlamentar. Não lhe falta para isso nem vontade, nem talento, e de s. exa. poderei já dizer, como todos, que nunca houve ministro das obras publicas mais madrugador. (Riso.)

N’estas condições não posso deixar de dar o meu apoio sincero a amigos e antigos camaradas de governo; e dou-o sem quebra das minhas opiniões politicas, e sem que seja para isso necessario impor silencio á minha susceptibilidade politica.

Voltando de novo á questão que incidentemente se controverte, direi que em uma das raras vezes que assisti ás sessões d’esta camara, nos ultimos dias da ultima sessão, sendo chamado á autoria pelo sr. ministro das obras publicas, que então era, quando s. exa. quiz sustentar um acto da sua administração com um precedente meu, precedente que aliás em nada podia justificar esse acto, usei da palavra, e fil-o em termos que ao proprio ministro pareceram de definida opposição. Não o eram, e bem claramente expliquei eu depois que o não eram.

Referindo-me, porém, á necessidade de promptas reformas em varios ramos da administração publica, reportei-me especialmente á da lei do recrutamento, trazendo até apello o facto de haver chamado a attenção do meu amigo, o sr. Serpa, sobre a necessidade d’essa reforma, quando no convivio de amisade eu tive occasião de apontar a s. exa. as vexações que se davam, especialmente nas povoações ruraes, com o modo por que se estava dando execução a essa lei.

Caíu, porém, o ministerio transacto; caíu com surpreza, com assombro da opinião publica, com desgosto dos seus amigos, e creio mesmo que sem prazer dos adversarios, e só depois de abandonado o poder, é que se nos vem dizer que tinha prompta a reforma de tal lei!

(Interrupção do sr. Miguel Osorio.)

Perdoe-me o digno par, se eu estivesse nos bancos da opposição como estava s. exa., não diria nem pensaria assim; a opposição tem por dever ser a sentinella vigilante das liberdades publicas, e se eu visse, sendo opposição, demittir-se o governo pela fórma por que se demittiu, não sei o que faria...apoiando-o, sei bem o que teria feito.

A opposição tem o dever restricto de zelar a applicação rigorosa dos principios constitucionaes, e não deseja apenas que o governo caia, sacrificando os principios, deseja que saiba cair, respeitando-os.

Concluo declarando, que presto o meu apoio ao actual governo, que desejo sobretudo que elle faça cumprir as leis, que procure reformar aquellas cuja execução contraria, e não são poucas, o desenvolvimento economico do paiz, e se as condições de politica actual permittissem mais altos commettimentos, pediria e insistiria pela reforma do nosso systema parlamentar.

Fecho o meu discurso, ou antes concluo estas quatro palavras, dizendo ao sr. ministro das obras publicas, que a s. exa., como proprietario e vinhateiro, cabe o dever de trabalhar para que se melhorem as condições da nossa exportação de vinhos, não só procurando abrir para elles novos mercados, mas trabalhando por fazer que os nossos productos appareçam lá nas melhores condições de barateza. Se não podemos ainda conseguir no primeiro de todos elles, no mercado de Inglaterra, que a modificação da escala alcoolica facilite o augmento da exportação dos nossos vinhos e a concorrencia com os vinhos estrangeiros, procuremos fazer ao menos com que elles vão lá mais baratos, já melhorando o fabrico d’elles, já impedindo que artificialmente augmentemos o seu preço e custo. Lembro agora, como questão a estudar, o imposto, segundo me asseveram, exageradissimo sobre a aguardente estrangeira, importada, aliás, para adubo dos vinhos que exportamos. Como este, ha muitos outros factos a estudar com referencia á reforma das pautas e da sua influencia na nossa economia publica.

Peço desculpa á camara de lhe haver tomado este tempo, e agradeço a sua benevolencia para commigo.

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