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N.º 37

SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente, alludiado a, um officio, que acabava de ser lido, do sr. barão de S. Clemente, refere-se á conveniencia da acquisição da sua ultima obra, de que faz o elogio, e propõe que se lance na acta um voto de agradecimento, que é approvado. - O sr. Jeronymo Pimentel apresenta uma proposta, para que a camara adquira 200 exemplares da obra, e faz o elogio do seu auctor. E approvada a proposta. - O sr. Thomás Ribeiro associa-se ao sr. Pimentel no elogio do sr. barão de S. Clemente.

Ordem do dia (primeira parte). - É lido o parecer da commissão de fazenda n.° 50, sobre as contas da commissão administrativa da sua ultima gerencia. - O sr. Thomás Ribeiro faz algumas considerações sobre o parecer, que em seguida é approvado.

Ordem do dia (segunda parte). - Continua a discussão do parecer sobre o projecto, do bill.- Usa da palavra o sr. Jeronymo Pimentel, relator. - É lida uma mensagem da outra camara. - Continuando a discussão, usa da palavra o sr. Thomás Ribeiro, que apresenta uma proposta, a qual é admittida á discussão. - Continuando a discussão, usa da palavra o sr. ministro da justiça, que fica com a palavra reservada para a seguinte sessão. - O sr. Sousa e Silva apresenta um parecer da commissão de obras publicas. - É lido um officio do ministerio da fazenda, remettendo documentos pedidos pelo sr. Costa Lobo. Este digno par pede, e a camara auctorisa, a publicação desses documentos no Diario do governo.

Ás duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 22 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, enviando o projecto de lei n.° 9.

Foi lido o seguinte officio:

"Illmo. e exmo. sr. - Em sessão de 18 de maio de 1887 tive a honra de offerecer á camara dos dignos pares do reino um exemplar do primeiro livro intitulado Estatisticas e biographias parlamentares portuguesas, comprehendendo os factos occorridos até 1886.

"Agora offereço á mesma camara um exemplar do segundo livro, que está dividido em duas partes, vindo já a primeira parte, e a segunda espero não se demorará muito a sua apresentação.

"O segundo livio contem em si, não só os factos mais notaveis que tiveram Jogar no parlamento portuguez, nas sessões legislativas de 1887, 1888 e 1889, e algumas referencias aos de 1890, e bem assim varias biographias de cidadãos portuguezes que occuparam os elevados cargos de ministros, conselheiros d'estado, pares do reino, deputados da nação, alem d'isto differentes factos politicos que muito importa aos homens publicos ter d'elles conhecimento.

"Contém igualmente a relação nominal dos ministros d'estado no tempo das regencias de D. Izabel Maria, D. Miguel de Bragança e D. Pedro IV e os de 1830 a 1890, assim como os nomes dos ministros honorarios actualmente existentes e dos deputados que estão habilitados para poderem ser nomeados ou eleitos pares do reino segundo as disposições da lei de 3 de maio de 1878 e o decreto dictatorial de 20 de fevereiro de 1890.

"Os respectivos indices indicam bem claramente a variedade, importancia e alcance dos assumptos tratados no dito segundo livro, e agora, na primeira parte d'este.

"Se no principio do livro vem transcriptas algumas apreciações respeitantes ao primeiro, feitas no parlamento e na imprensa, foram ellas ali transcriptas só e unicamente para mostrar o modo lisonjeiro por que esse livro foi tido e considerado, e para se conhecer tambem que elle deu logar aos interessantes artigos publicados na illustração portuguesa pelo distincto escriptor publico Manuel Pinheiro Chagas.

"A obra não é completa nem é perfeita; não prima pela arte, nem pelo modo como está organizada, mas afigura-se-me que ella é mais uma prova de que trabalho e trabalho com respeito a assumptos que reputo, não só de utilidade publica e interesse parlamentar, mas que ao mesmo tempo se encaminham a tornar conhecido o que tem havido da vida constitucional, parlamentar e politica em Portugal.

"Se tenho conseguido este fim, ignoro-o.

"A outros, que não a mim, pertence dizel-o.

"Trabalhos do genero d'aquelles que vem tratados no primeiro e segundo livros, livros para os quaes tenho ministrado gratuitamente os competentes originaes, não têem sido tentados nem effectuados por outrem, desde que no nosso paiz ha systema representativo.

"Creio ter feito com esses um bom serviço; esta crença é quanto me basta.

"Do segundo livro, que offereço agora á camara dos dignos pares do reino, nenhum outro premio desejo senão o de que esta offerta seja recebida com a maxima benevolencia da parte de v. exa. e da camara, a que v. exa. tão digna como acertada e escrupulosamente preside.

"Deus guarde a v. exa. Lisboa, 8 de julho de 1890.- Illmo. e exmo. sr. conselheiro Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, dignissimo presidente da camara dos dignos pares do reino. = Barão de S. Clemente, director geral da repartição de redacção e tachygraphia, junto ás côrtes geraes da nação portugueza."

O sr. Presidente: - O sr. barão de S. Clemente, que os dignos pares conhecem muito bem como um funccionario intelligente, illustrado e distinctissimo, remette a esta camara, com um officio que acaba de ser lido, um volume que é a primeira parte do segundo livro da sua obra intitulada Estatisticas e biographias parlamentares portuguezas.

A camara, que já conhece o primeiro livro, tem seguramente no maior apreço o alto merecimento d'este importante trabalho, e de certo os dignos pares desejarão que obra tão valiosa vá enriquecer a sua bibliotheca (Apoiados.) e que na acta se lance um voto de agradecimento pela deferencia e consideração, que o sr. barão de S. Clemente tem por esta camara, offerecendo-lhe um exemplar da sua obra. (Apoiados.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, o officio do sr. barão de S. Clemente, que acaba de ser lido na

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mesa, e as palavras pronunciadas por v. exa. suggerirara-me a idéa de apresentar uma proposta, que, estou certo, será bem acolhida pela camara.

A proposta é a seguinte.

(Leu.)

Em 1887, quando foi presente a esta camara a primeira parte d'esta importante obra, o sr. conde de Castro apresentou uma proposta igual a esta.

Assim, pois, pedia a v. exa. que submettesse á discussão e approvação da camara a minha proposta, para a qual peço a urgencia.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que sejam adquiridos por esta camara, para serem distribuidos pelos dignos pares do reino, 200 exemplares do livro segundo, parte primeira e segunda da obra do sr. barão de S. Clemente, intitulada Estatistica e biographias parlamentares portuguezas.

Ô sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que a consideram urgente tenham a bondade de se levantar.

Foi considerada urgente.

O sr. Thomás Ribeiro: - - Pedi a palavra para me associar ás palavras de justiça pronunciadas pelo meu amigo o sr. Jeronymo Pimentel, e para dar testemunho d'isso direi que realmente os trabalhos do sr. barão de S. Clemente são dignos de ser lidos, estudados e conservados em todas as bibliothecas.

Sr. presidente, eu fui encarregado ha já tempo pelo sr. Lopo Vaz, que era então ministro da justiça, como hoje, de escrever a historia da legislação desde 1820.

Tenho já na imprensa nacional dois volumes, e não tardarei a enviar o terceiro.

Posso, pois, assegurar que os elementos colligidos pelo sr. barão de S. Clemente são efficacissimos e do maior valor para esses estudos, e que nos seus trabalhos tenho encontrado valioso subsidio.

Tendo-me referido á pessoa do sr. ministro da justiça, devo dizer que foi s. exa. quem primeiro deu attenção a um assumpto que tanta attenção merece, pensando na conveniencia de se escrever a historia da legislação portugueza, e fazendo-me a honra de me encarregar d'esse trabalho, que, espero, ha de ser lido, não com muito prazer porque é meu, mas porventura com grande utilidade para aquelles a quem o assumpto interessa.

Voto, pois, a proposta do sr. Jeronymo Pimentel, e asseguro, com a auctoridade de quem já grande utilidade lhes encontrou, que os trabalhos do sr. barão de S. Clemente são dignos do maior apreço.

(S. exa. não reviu.)

Em seguida foi approvada a proposta do sr. Jeronymo Pimentel.

PRIMEIRA PAETE DA ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 50, relativo ás contas da commissão administrativa da camara

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vamos entrar na primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 50.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa o parecer n.° 50, que é do teor seguinte;

PARECER N.° 50

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou com attenção as contas que a illustre commissão administrativa apresentou em relação á sua gerencia no anno economico de 1888-1889.

D'essas contas se vê que a receita subiu a 43:112$458 réis, e a despeza a 42:878$801 réis, havendo por consequencia um saldo de 233$657 réis, que passou para o anno economico de 1889-1890.

A vossa commissão é de parecer que as contas de que se trata merecem a vossa approvação.

Sala da commissão, 2 de julho de 1890. = Augusto Cesar Cau da Costa = Marçal Pacheco = Henrique de Barros Gomes = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Francisco Costa = José Antonio Gomes Lages = Visconde da Azarujinha = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães.

Senhores.- Em cumprimento da carta de lei de 20 de agosto de 1853 e do artigo 89.° do regimento interno, vem a vossa commissão administrativa apresentar-vos as contas da sua gerencia no anno economico de 1888-1889.

A receita e a despeza do anno mencionado vão descriptas no resumo e no desenvolvimento que acompanham este relatorio, indo tambem junto uma nota comparativa, por secções e especies, que comprehende o pessoal e o material, das verbas votadas e das despendidas.

Do resumo (documento n.° 1) consta que a receita foi de 43:112$458 réis; sendo 494$460 réis saldo do anno economico de 1887-1888 e 42:617$998 réis das verbas postas pelo ministerio da fazenda á disposição da vossa commissão administrativa.

Pelo desenvolvimento (documento n.° 2) reconhece-se que a despeza foi de 42:S78$801 réis, assim distribuida:

Com o pessoal, comprehendido nas secções l.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª, a quantia de 28:578$956 réis e com o material a de l4:299$840 réis, a saber:

Assignatura do Diario do governo 1:630$940

Diario das sessões da camara e impressões 5:505$110

Despezas de expediente e eventuaes 7:163$795

14:299$845

Da comparação da receita com a despeza resulta um saldo de 233$657 réis, que passa para o anno economico de 1889-1890.

Pela nota comparativa (documento n.° 3) vê-se que

As verbas votadas foram 43:112$458

As verbas despendidas 42:878$801

Sendo a differença para menos 233$657

Detalhadamente as quantias votadas e as despendidas foram:

Com o pessoal

SECÇÃO 1.ª

Votada 19:720$000

Despendida 17:762$245

Differença para menos 1:957$755

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Proveniente de:

Differença entre o vencimento de um chefe de repartição e o de um primeiro official durante dez mezes e dezesete dias 88$052

Um logar de primeiro official vago durante tres mezes e vinte e um dias 246$703

Quatro logares de amanuenses, vagos:

Um com diuturnidade de serviço durante um anno 360$000

Um com diuturnidade de serviço durante um mez e treze dias 43$000

E dois, durante um anno 600$000

Um logar de primeiro tachygrapho, vago durante um anno 800$000

Sommam estas quantias 2:137$755

De que deduzindo a:

Gratificação ao chefe da repartição central, por accumular as funcções da do expediente, durante o anno economico 3 80$000

Ficam l:957$755

SECÇÃO 2.ª

Votada 8:442$000

Despendida 8:316$713

Differença para menos 125$287

por estar vago um logar de continuo do quadro antigo, durante quatro mezes e nove dias.

Material

Votado 11:956$000

Despendido 14:299$845

Differença para mais 2:343$845

Diario do governo:

Votado 1:701$000

Despendido 1:630$940

Differença para menos 70$060

Diario das sessões da camara e impressões:

Votado 5:100$000

Despendido:

Diario das sessões da camara 3:965$110

Impressões 1:540$000 5:505$110

Differença para mais 405$110

que, deduzindo-se-lhe a anterior, fica em 335$050

Despezas de expediente e eventuaes:

Votado 5:155$000

Despendido:

Expediente 1:318$950

Eventuaes 5:844$845 7:163$795

Differença para mais 2:008$795

que, sommando com a anterior, perfaz a quantia de 2:343$845

Recapitulando:

A mais A menos

Na secção l.ª -$- 1:957$755

Na secção 2.ª -$- 125$287

No Diario do governo -$- 70$060

No Diario das sessões da camara e impressões 405$110 -$-

Nas despezas de expediente e eventuaes 2:008$795 -$-

2:413$905 2:153$102

Differença para mais 260$803

Palacio das côrtes, em 5 de julho de 1889. = Antonio José de Sarros e Sá = Manuel Paes de Villas Boas = Conde de Bertiandos = Manuel Antonio de Seixas.

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N.° 1

Resumo da receita e da despeza no anno economico de 1888-1889

[Ver valor de tabela na imagem]

Palacio das côrtes, em 5 de julho de 1889. = Antonio José de Barros e Sá = Manuel Paes de Villas Boas = Conde de Bertiandos = Manuel Antonio de Seixas.

N.° 2

Desenvolvimento da despeza efectuada no anno economico de 1888-1889

ARTIGO 6.°

SECÇÃO l.ª

Direcção geral 1:300$000

Secretaria 6:262$245

Tachygraphia 6:900$000

Redacção 3:300$000

SECÇÃO 2.ª

Policia e empregados menores 8:316$713

SECÇÃO 3.ª

Gratificação ao professor da aula de tachygraphia 100$000

Empregados aposentados 2:399$998 28:578$956

ARTIGO 7.°

Importancia de 179 assignaturas de anno, 1 de nove mezes e 2 de semestre, e 20 numeros avulsos do Diario do governo (2 documentos B) l:630$940

Diario das sessões da camara (7 documentos C) 3:965$l10

Impressões (3 documentos C) 1:540$000 5:505$110

Expediente

O proprio da secretaria, tachygraphia e redacção, e a retribuição ao encarregado dos calorificos e illuminação, ao relojoeiro e outros, por serviços indispensaveis e permanentes (14 documentos D) 1:318$950

Despezas miudas (12 documentos D) 337$840

Trens para funeraes de dignos pares (5 documentos D) 13$000

Combustivel para os calorificos (l documento D) 137$700

A companhia do gaz, pelo aluguer dos contadores o gaz consumido pela camara e casa da guarda (24 documentos D) 215$315

Ao marceneiro (9 documentos D) 279$830

Concertos nas canalisações, da agua, do gaz e das retretes (2 documentos D) 52$980

Ao alfaiate (1 documento U) 234$500

Concerto na casa da guarda do edificio das côrtes (1 documento D) 10$745

Á companhia concessionaria da rede telephonica (2 documentos D) 35$250

Gratificação votada pela camara (l documento D) 3:728$535

Remuneração de serviços (l documento D) 523$500

Arranjos nas retretes (l documento D) 228$400

Lavagem de cortinas e stores, sua collocação e a de um tapete (1 documento D) 12:5240

Concerto nas campainhas electricas (l documento D) 12$500

Arranjo e limpeza dos calorificos (l documento D) 15$010

A tres medicos por uma inspecção sanitaria (l documento D) 13$500 7:163$795 14:299$845

42:878$801

Palacio das côrtes, em 5 de julho de 1889.== 4ntonio José de Barras e Sá = Manuel Paes de Villas Boas = Conde de Bertiandos.

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Nota comparativa das verbas votadas e das despendidas pela camara no anno economico de 1888-1889

[Ver valores da tabela na imagem]

Palacio das côrtes, em 5 de julho de 1889. = Antonio José de Barras e Sá = Manuel Paes de Villas Boas - Conde de Bertiandos = Manuel Antonio de Seixas.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, pareceu-me da rapida leitura do parecer n.° 50, leitura que acaba do ser feita pelo sr. primeiro secretario, que ha um saldo nas coutas a que esse parecer se refere.

Ora, como isto é cousa rarissima em Portugal, eu desejo que o meu voto signifique mais que a approvação do parecer, desejo que signifique tambem louvor á gerencia que deixou um saldo n'umas contas da camara dos pares.

Realmente este facto é tão excepcional, tão original, tão digno de ser imitado n'um paiz como o nosso em que muito pouco se imita o que é bom, que o voto que vou dar não significa, repito, só a approvação do parecer, mas tambem louvor á commissão administrativa d'esta camara.

Não havendo mais nenhum digno par inscripto, foi o parecer n.° 60 posto á votarão e approvado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 48, relativo ao "bill" de indemnidade

O sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

Tem a palavra, como relator da commissão, o digno par sr. Jeronymo Pimentel.

O sr. Jeronymo Pimentel: -Sr. presidente, o acaso deparou-me hontem no meu gabinete de trabalho com um jornal contendo um artigo com a epigraphe No parlamento.

Como e natural, li esse artigo, que principiava assim:

"Boceja na camara dos pares a discussão do bill de indemnidade. Ha verdadeiramente uma crise de preguiça politica. Falle quem fallar, os primores da rhetorica perderam todo o seu valor. As academias parlamentares nem já por moda se frequentam.

"Quando nas pugnas politicas falta a paixão, não ha rendilhados que valham.

"A paixão gasta-se tanto mais, quanto a querem alimentar artificialmente."

Esta apreciação era tanto da actualidade, era tão adequada ás circumstancias da occasião, que eu não pude duvidar que este jornal havia sido publicado ha pouco.

Mas para me certificar e para ver qual era o jornal que assim fallava com tanta verdade, voltei a folha e verifiquei então que me tinha enganado.

O jornal não era de agora, era de 26 de abril de 1885; intitulava-se As republicas, e encimava-o como director politico, o nome illustre do nosso digno collega e meu prezado amigo, o sr. Thomás Ribeiro.

O que é verdade, sr. presidente, é que ha cinco annos se davam exactamente as mesmas circumstancias que se estão dando no momento actual.

Pois v. exa. não vê as galerias desertas, esta camara, tão pouco concorrida, o publico tão indifferente ao que se está passando aqui!

Isto poderá ser um mau symptoma, mas e certo que esta discussão, que já vae longa aqui e que mais longa ainda morreu na outra casa do parlamento, está gasta; não offerece interesse a ninguem.

Já vê v. exa. quanto é difficil e embaraçosa a minha posição, tendo pela segunda vez de occupar a attenção da camara.

Se não fosse o dever especial que me impõe o encargo do relator, eu não viria nestas circumstancias abusar mais da sua paciencia.

Entretanto, já que não posso furtar me ao cumprimento d'este dever, farei por dizer o menos que possa para responder a algumas das considerações apresentadas pelo digno par sr. Cesta Lobo, que sinto não ver presente. Tornar-me hei assim menos fastidioso aos meus collegas, e deixarei que outros, que mais valem, possam mais depressa, com a eloquencia da sua palavra, attrahir as attenções da camara.

O digno par o sr. Costa Lobo no seu longo discurso,

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primor de cortezia, como é proprio do seu caracter, modelo de erudição, porque poucos a possuem como s. exa., nem sempre foi coherente com os seus principios, nem lógico nas consequencias que tirou.

S. exa., collocando-se n'uma posição excepcional, seguindo uma nova orientação, disse que, abstrahindo as pessoas dos ministros, acceitava os factos como elles se apresentavam; mas o que é certo é que s. exa., acceitando esses factos, encarou-os em absoluto, separando-os completamente das circumstancias que se deram quando elles foram praticados.

S. exa. quiz fazer ver á camara que a dictadura era uma consequencia natural e logica do regimen politico que vigora entre nós.

Disse tambem que se queria manter no campo da generalidade, e que não censuraria os actuaes ministros, porque elles não fizeram mais que obedecer aos resultados desse mesmo regimen.

Mas, apesar d'essa sua declaração, o digno par discutiu largamente os decretos que constituem o conjuncto d'estas providencias, e não fez outra cousa, apreciando os factos a seu sabor, que censurar o actual governo em tudo e por tudo.

É verdade que, envolvendo nas suas apreciações os governos de todos os partidos, não foi mais amavel para aquelle que apoiou com mais ou menos enthusiasmo.

S. exa., apreciando as considerações com que o nobre presidente do conselho de ministros combateu a moção do digno par o sr. José Luciano, disse que concordava com ellas, mas que votava aquella moção.

Parece contradictorio este modo de proceder. Pois se aquellas reflexões condemnavam aquella moção, como póde o digno par concordar com ellas e approvar essa mesma moção?

N'ella o sr. José Luciano de Castro significava a idéa ou manifestava o desejo de que todos os partidos se arrependessem dos erros passados e se unissem em um esforço commum para nunca mais commetterem estes ataqueis ás constituições do estado.

O sr. presidente do conselho havia reflexionado que a moção do sr. José Luciano de Castro não podia ser acceita, porque a confissão do arrependimento importava a do crime, e as dictaduras nem sempre são crimes; muitas vezes são a satisfação de uma necessidade imposta pela força das circumstancias.

O digno par o sr. Costa Lobo achava que a opinião do illustre presidente do conselho era contraria á carta constitucional, ao codigo penal e até ao proprio projecto que se discute; mas era justificada pelo systema politico que actualmente se segue, segundo o seu modo de ver.

As dictaduras, dizia o digno par a quem estou respondendo, não se justificara no regimen parlamentar, justificam-se comtudo e plenamente no actual regimen politico.

Mas qual é esse regimen?

É o regimen do absolutismo, que existia na nossa antiga monarchia?

É o regimen representativo, que vigora na Allemanha?

É o regimen parlamentar, que existe na Inglaterra?

Não, dizia o digno par, é o regimen dictatorial, cesareo ou cesareano, que governou a França durante o imperio.

Sr. presidente, n'este momento não discutirei este tal regimen; não o apreciarei, nem etymologicamente, nem na sua origem historica, nem na sua natureza politica.

Mostrarei mais tardo, se o tempo o permittir, como essa designação é mal cabida, porque ella podia fazer suppor a intervenção directa de um alto poder, que o systema constitucional torna irresponsavel.

Eu vou acompanhar o digno par nalgumas das muitas considerações que apresentou, e pela ordem por que o fez.

S. exa., querendo sustentar a sua these, de que o regimen dictatorial é o que vigora entre nós, foi á historia dos acontecimentos politicos do nosso paiz procurar a sua confirmação.

Disse que desde 1834 até 1S52 foi larga a lucta que se travou entre o regimen parlamentar e o regimen dictatorial, e que o regimen parlamentar só tinha conseguido restabelecer-se em 1852.

Não nos disse, porém, se essa victoria se devia á espada brilhante do marechal de Saldanha, se á comprehensão elevada do systema parlamentar que tiveram Rodrigo da Fonseca Magalhães e Fontes Pereira de Mello, que foram os que crearam e organisaram o partido regenerador, que é a quem se deve esta victoria.

Grande gloria cabe, em todo o caso, a esse partido, que soube firmar e radicar O regimen parlamentar.

S. exa. disse ainda que estas luctas tinham continuado cem uma certa insistencia desde 1852 a 1868, epocha em que o regimen parlamentar começou a decaír, e a ceder o passo ao regimen actual.

Acceito, por hypothese, como verdadeira a conclusão que pretende tirar da nossa histeria politica, porque ella só vem em abono das idéas e das tendencias do partido a que me honro de pertencer.

Durante esse periodo de 1852 a 1868, houve a dictadura de 1865, a que já me referi quando pela primeira vez entrei n'este debate.

Mas essa, como a de 1876, não as considera o digno par como dictaduras, que podessem affectar a pureza e o prestigio do regimen parlamentar.

Mas, perguntarei eu, qual a rasão porque julga justificadas as dictaduras que se realisaram n'essas epochas?

É porque ellas foram decretadas debaixo do imperio de circumstancias impreteriveis?

Mas, sr. presidente, se nós votámos esta dictadura, se nós, e os outros partidos têem acceitado as diversas dictaduras que tem havido, e parque nos collocámos debaixo do mesmo ponto de vista. É que não deixámos de attender ás circumstancias que se davam no momento em que ellas foram decretadas.

Se teve este criterio para justificar as duas dictaduras de 1865 e 1876, nós temos o mesmo; o direito de apreciação, é igual.

É por isso que, se não acharmos justificada, porque nenhuma dictadura se justifica em face dos principios, achamos todavia acceitavel e desculpavel a que se discute, que era indispensavel pela força das circumstancias.

Permitta-me v. exa. e a camara que eu note uma circumstancia a este pedido, que o digno par apresenta como o ultimo da lucta entre os dois regimens, e que precedem a victoria completa, segundo o seu pensar, do regimen cesareo.

Durante este lapso de tempo de dezeseis annos foi o partido regenerador o que mais tempo occupou as cadeiras do poder; logo foi elle o que mais luctou, e mais trabalhou para a manutenção do regimen parlamentar.

Para o sr. Costa Lobo os annos em que tem havido dictaduras são como marcos milliarios e indicam o caminhar progressivo do regimen cesareano de que se trata.

Sr. presidente, sem me querer referir a essas datas, sem querer pôr em confronto as de 1881, 1884 e 1890, aquellas a que está ligada a responsabilidade do partido regenerador, com as datas das outras dictaduras, cuja responsabilidade pertence ao partido progressista, será querer tirar as consequencias que naturalmente resultavam d'esse confronto, porque não quero entrar no caminho das retaliações, como injustamente me accusou o digno par o sr. José Luciano, eu vou apreciar as consequencias que o digno par quiz tirar d'estes factos.

S. exa., acceitando os factos como consequencia d'esse regimen, que julga implantado entre nós, disse que reconhecia a sua victoria, mas que para ella não tinha concorrido por fórma alguma o regimen parlamentar.

Sr. presidente, sejamos francos. É possivel que nas di-

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versas vezes em que o poder executivo tem assumido funcções do legislativo, não tenha havido sempre uma urgencia tal, uma imposição tão apertada pelas circumstancias, que não podessem os governos de todos os partidos ter prescindido d'esse recurso extraordinario.

É possivel; mas d'ahi a dizer-se que o regimen parlamentar é uma sombra vã, um phantasma que se desfaz diante da realidade dos factos; uma luz tenue que se esvahia nas sombras do cesarismo; uma ficção, uma figura de rhetorica politica; vae uma distancia immensa.

Queixãmo-nos dos governos de todos os partidos, que ás vezes parecem querer prescindir da collaboração do parlamento, não direi por inutil, mas por embaraçosa, mesmo quando um censuravel obstruccionismo não inspira os largos e apaixonados debates.

Pois queixemo-nos de nós mesmos, que, devendo manter em todo o seu prestigio o systema parlamentar, muitas vezes, com as longas e inuteis discussões, com o nosso facciosismo partidario, com as nossas tolerancias e transacções só desacreditamos esse systema, abatemos o seu prestigio, e damos talvez rasão aos governos.

Mas o que é esse parlamentarismo pelo qual se mostrou tão apaixonado o digno par?

Ainda volto ao jornal que eu citei no principio do meu discurso, para responder a esta interrogação.

São ainda as Republicas, sob a direcção do meu illustre amigo o sr. Thomás Ribeiro, que vão responder á interrogação.

"O parlamentarismo está sendo uma grave doença, de que enferma o systema representativo, e que tende infelizmente a propagar-se pelo contagio.

"O parlamentarismo é a supremacia illimitada de um poder orgulhoso sobre todos os demais poderes politicos. O parlamentarismo é por vezes a absorpção completa de todos os poderes do estado, a concentração fatal de todas as faculdades e auctoridades, e sempre a tendencia ameaçadora para essa absorpção e concentração. O parlamentarismo é por vezes o anarchismo legal."

Aqui está o que é o parlamentarismo, descripto em linguagem elevada, mas verdadeira.

E elle o que tem prejudicado o systema parlamentar; e, se fosse verdade o que se affirma, que o regimen dictatorial substituiu o parlamentar, a causa provinha d'ahi.

O systema parlamentar, dizia o sr. Costa Lobo, e um velho fidalgo sem nenhuma culpa nas accusações que lhe têem sido feitas, pelas usurpações do regimen dictatorial.

Eu não sei, sr. presidente, se este velho fidalgo, com as suas prosapias, com os seus excessos, com os seus abusos, com as buas demasias, terá concorrido tambem para o abatimento do prestigio parlamentar na sua elevada comprehensão.

Mas, quaes serão as causas por que o regimen parlamentar se tem desprestigiado entro nós, transformando o nosso systema politico no tal supposto regimen dictatorial?

Será por defeito do meio em que elle só encontra? Será do paiz? Será dos homens que o executam?

Se compararmos o nosso systema parlamentar com o de outros paizes, em que elle se executa em toda a sua mais elevada comprehensão, eu não sei se o resultado d'essa comparação seria desvantajoso para nós.

(Aparte que se não percebeu.)

Diz o digno par que sim; mas, se nos voltarmos para a Hespanha, para a França, para a Italia, e attendermos ao que por lá vae, parece-me que não temos nada a invejar em medidas de liberdade, em garantias para os cidadãos, em affirmações constitucionaes.

O projecto que estamos discutindo, dizia o sr. Costa Lobo, é o codigo regulamentar do systema cesareano; é o filho d'esse regimen dictatorial, pela geração e pelo caracter.

Como não sei se e filho legitimo, se filho espurio, não tratarei por isso agora da sua filiação; não procederei ás investigações da sua paternidade, mas vou tratar do seu caracter, segundo as apreciações do digno par a quem estou respondendo.

Diversas caracteristicas lhe reconheceu, e é d'este assumpto que me vou occupar.

A primeira é pretender estirpar os abusos da sociedade. Abençoado systema, que tem por fim estirpar todos os abusos da sociedade.

Eu tenho sido enthusiasta sincero pelo systema parlamentar; mas se assim é, de ora avante serei um apostolo fervoroso e convicto do tal systema dictatorial.

O decreto sobre incompatibilidades foi apresentado pelo digno par como a prova d'essa caracteristica.

O que me admirou foi que esse decreto das incompatibilidades, que parecia dever merecer os applausos de todos, não satisfizesse a uns e fosse apreciado indevidamente por outros.

O governo, decretando esta medida, obedeceu ao principio de coherencia de alguns dos seus membros e ao mesmo tempo quiz satisfazer uma exigencia da opinião publica, e tirar todas as duvidas, todas as suspeitas que podiam recair sobre os homens investidos do poder executivo.

Teria porventura o governo alguma vantagem pessoal ou politica com esses decretos?

Politica, no seu verdadeiro sentido, na sua superior comprehensão, de certo que sim, visto que se entendia que era conveniente estabelecer aquelle principio no interesse de furtar a suspeições, e manter todo o prestigio aos homens politicos, elevados ao poder.

Mas interesse de politica partidaria, ou interesse pessoal, absolutamente nenhum d'ahi lhe advinha, porque acceitando o principio das incompatibilidades para si, rejeitou, o por bem entendido melindre, a vantagem economica que offerecia ao poder executivo um projecto de lei, que na sessão passada havia sido apresentado nesta camara sobre aquelle assumpto.

Vantagem partidaria ninguem a póde ver ali.

O sr. Camara Leme: - Foi só um bocadinho de dictadura.

O Orador: - Mas esse bocadinho, quer-me parecer que é mais digno de louvor, que de censura.

A segunda caracteristica que indicou o digno par o sr. Costa Lobo foi: alliviar os Males das classes trabalhadoras.

Sr. presidente, os meus applausos sobem de ponto diante de um regimen que procura extirpar os vicios sociaes e alliviar os males das classes trabalhadoras.

Um regimen d'esta ordem não póde deixar de ser excellente.

Como manifestação d'esta caracteristica apresentou o digno par o decreto que tem por fim regulamentar as associações de soccorros mutuos, e attender a outras urgencias que importam e que interessam ás classes trabalhadoras.

Vem a proposito perguntar ao digno par o que fez o parlamentarismo, esse parlamentarismo pelo qual s. exa. se mostra tão enthusiasmado.

Que fez o parlamentarismo, que não tratou de extirpar os males que corroem a sociedade, nem curou de minorar os soffrimentos das classes trabalhadoras, deixando a gloria toda ao systema cesareano, que s. exa. tanto combateu?

Sr. presidente, quem conhece o elevado fim e o alto alcance do principio associativo, não póde deixar de applaudir e muito o acto do governo.

Não desejo fazer despendio de tropos nem estendal de phrases, para mostrar quanto é elevado o principio da associação.

Este assumpto é da maxima importancia para todas as nações, e tambem para o nosso paiz, que as tem acompanhado no seu caminhar progressivo para o estabelecimento e desenvolvimento das associações de soccorros mutuos.

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Na Franca, na Inglaterra, na Italia, em toda a parte, emfim, se tem prestado a este assumpto a importancia que merece.

Na Italia, dizia ha pouco Maurice Carpaar, que havia muito a fazer para que estas associações fossem o que deviam ser.

Entre nós tem-se desenvolvido em escala relativamente importante o principio associativo.

Vou dizer a v. exa. o que eram as associações de soccorros em 1863 e o que são hoje.

Em 1863 havia apenas em Lisboa 12:000 associados, hoje já ha 87:000, repartidos por 194 associações de soccorros mutuos.

Em 1883 havia em todo o paiz 29õ destas associações; hoje contam-se 392 com 138:870 inscripções.

Nos diversos congressos, que tem havido, de associações, foi reconhecida a necessidade de as regulamentar, sujeitando-as a uma lei typica, que estabeleça a obrigação dos estatutos se sujeitarem a umas bases geraes, principalmente ácerca de quotas, subsidios, etc.

O congresso realisado aqui em 1865, no centro promotor dos melhoramentos das classes laboriosas, em que tomavam parte 71 associações, já reconheceu essa necessidade n'uma das suas conclusões.

Bem fez, pois, o governo em attender a esta exigencia que FC lhe impunha; isto é, bem merece por ter procurado regulamentar o principio da associação de soccorros mutuos, e attender aos outros assumptos que interessam ás classes operarias.

A terceira caracteristica que o digno par encontrou n'este regimen dictatorial ou cesariano manifesta-se na tendencia ou preoccupação para desenvolver o espirito e cultivar a intelligencia.

Ainda bem, sr. presidente, ainda bem, que o governo, levado pelas tendencias do regimen politico, que se diz dominar no paiz. attendeu, não só ao pão do corpo, como tambem ao pão do espirito, procurando desenvolver a intelligencia por meio da instrucção.

O governo, nos seus decretos, que são o codigo regulamentar do cesarismo, segundo a opinião do sr. Costa Lobo, attendeu, não &ó ás necessidades materiaes, como ás exigencias moraes e intellectuaes, e isto prova que o regimen que se diz vigorar entre nós não descura um só momento as urgencias da civilisação. A creação do ministerio da instrucção publica é a manifestação eloquente d'esta tendencia.

A quarta caracteristica é o augmento que se pretende dar aos elementos da, força militar.

Naturalmente, sr. presidente, quem quer os fins, e fins tão justos como os que attribuidos têem sido ao regimem em vigor, deve necessariamente procurar os meios adequados á sua realisação.

organisação do exercito e as fortificações do porto de Lisboa foram os indicios que o digno par apresentou como revelando essa tendencia no systema cesareo seguido peio actual governo.

Mas, digam-me uma cousa, não só tratará d'estes assumptos nos paizes que se regem pelo systema parlamentar, como o digno par o enfeude?

Se bem que as nações pequenas, como a nossa, devem confiar mais nos resultados da diplomacia, e nos grandes e reciprocos interesses que mantem o equilibrio das potencias, para a conservação da sua, autonomia, que na força dos seus exercitos, não devem, comtudo, deixar inteiramente á diplomacia esse cuidado.

A confiança não deve ser absoluta, porque, sr. presidente, tem-se visto nas luctas das grandes nações, que são muitas vezes as pequenas nacionalidades que estão em perigo.

Talvez que a Belgica, se não fosse a cuidadosa organisação do seu exercito, tivesse já sido o premio de consolação nas grandes luctas europeas, como foi em 1866 por occasião da guerra entre a Prussia e a Austria.

E por isso que a Belgica encarregou o seu general Brialmont das suas importantes fortificações, no valle de Moza e em Antuerpia; e que não teve duvida em as em-prehender, apesar de importarem em 18.000:000 de francos.

Assim a Roumania, cujo regimen não sei qual é, segundo a orientação do digno par, sendo um paiz pequeno, tratou de organisar o seu exercito e de fortiticar-se, para o que, não tendo generaes competentes, pediu á Belgica o seu Brial-mont.

A Suecia, apesar da disposição especial do seu terreno, cortado de ribeiras, de valles profundos, de declives escarpados, de florestas espessas, e com elementos naturaes de defeza, tratou de fortificar Stokolmo, Carlscrona e Carlsbourg.

A propria Turquia, na falta de officiaes seus, sabedores do assumpto, não tem duvida em chamar estrangeiros, para as fortificações de Andrinopla, Bosphoro e Constantinopla.

A Suissa, não tendo um grande exercito permanente, tem os seus quadros por tal fórma organisados, que de um instante para o outro póde levantar um importante exercito.

Pois, se estas nações, algumas tão pequenas, ou mais que a nossa, com o seu regimen parlamentar, organisam os seus exercitos, fortificam os seus portos, não é muito que o faça Portugal, embora não seja para sustentar o cesarismo do seu systema politico.

E é para notar que foi desde 1852, quando, segundo o pensar do sr. Costa Lobo, se affirmou e radicou o regimen parlamentar entre nós, que se principiou a tratar da organisação do exercito e da defeza do paiz.

Disse ainda o digno par que a quinta caracteristica do actual regimen era limitar quanto possivel as liberdades publicas, e como prova apontou os decretos que regulamentaram o direito de reunião e de associação, de liberdade das representações theatraes e da liberdade de imprensa.

(Interrupção do sr. Costa Lobo que não se ouviu.)

Pois bem, não se referiu á liberdade das representações theatraes; imo faltarei d'esse assumpto, porque só desejo dar uma resposta ás considerações do digno par, por quem tenho a maxima consideração, como merece a nobreza e isenção do seu caracter.

Até agora tudo o que s. exa. disse a respeito das caracteristicas do regimen politico, que se lhe afigura vigorar entre nós, só abonava as excellencias de um tal systema.

Agora apparece o reverso da medalha.

Pois eu vou tentar mostrar como o governo n'estes decretes não cerceou as liberdades publicas; pelo contrario, regulando o seu exercicio, só procurou garantir as mesmas liberdades.

Foram estes decretos os que provocaram mais reparo no espirito publico, ou antes, com mais verdade, no espirito da opposição ao governo.

Não era preciso para encarecer o alcance do direito de reunião, que s. exa. nos dissesse que sem elle o christianismo não tinha chegado até nós.

O christianismo havia de fundar-se, desenvolver-se e atravessar os seculos, porque é uma instituição divina; portanto não era preciso o principio de reunião para chegar até nós. Se não fosse o principio de reunião o martyr do Golgotha, que fundou o christianismo, não teria ouvido da boca dos poderes reunidos o "crucifige, crucifige".

Ninguem contesta o direito de reunião, nem desconhece o seue levado fim.

O partido regenerador, que no artigo 10.° do segundo acto addicional o inscreveu como uma garantia dos cidadãos, não havia de querer destruir a sua propila obra.

O pensamento do governo com respeito á liberdade

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reunião, não foi senão satisfazer as indicações da segunda parte do mesmo artigo 10.º, que manda se regulamente o exercicio d'esse direito.

A liberdade de reunião importa a liberdade de discussão que, no dizer de Pelletan, é a hygiene do pensamento contra o erro. Quando na reunião não ha a discussão, mas a declamação vaga e injuriosa contra tudo, contra o Rei, contra as instituições, contra o principio da auctoridade; mas a prorogação de doutrinas erroneas e a affirmação de factos falsos ou desvirtuados, n'esse caso a reunião torna-se um meio deleterio, que só serve para prejudicar o espirito e preverter o pensamento.

O decreto de 15 de junho de 1870, promulgado em dictadura, na estreiteza das suas disposições, não podia considerar-se a regulamentação necessaria para o direito de reunião.

Tratando do decreto de reunião achava o digno par que era draconiana a disposição do § 2.º da artigo 3.º do respectivo decreto. Desde que á liberdade deve corresponder a responsabilidade, aquelle é o meio de tornar esta effectiva.

Pelo que respeita á associação, entende tambem que desde que é obrigação submetter á apreciação do governo os estatutos, não havia necessidade das providencias agora decretadas.

s. exa. sabe que as associações podem desviar-se dos fins dos seus estatutos e desvirtuar o pensamento da sua instituição; n'estes casos não devem existir, quando d'esse desvio possam advir perigos para a ordem publica, ou para os legitimos interesses sociaes.

Sr. presidente, sou chegado a um dos pontos que s. exa. mais desenvolveu.

Tratando do decreto de liberdade de imprensa, dizia elle, com esta é que não transige o cesarismo. Vejamos então se transige o parlamentarismo, vejamos se nos paizes em que vigora em toda a sua pureza, no seu ideal o systema parlamentar, como o quer, ou como o entende o digno par, se ha mais liberdade de imprensa, que no nosso. Vejamos se é mas garantida, se é mais livre na Hespanha, na Belgica, na Italia, e até na propria Inglaterra; se é mais respeitada, não só n'esses paizes, mas ainda n'aquelles em que está estabelecido o regimen democratico, e, accentuadamente nos dois paizes onde modernamente foi implantado este mesmo regimen, na França e na joven republica do Brazil.

Pois não estamos nós vendo todos os dias na França, onde vigora o regimen democratico, jornaes suspensos, imprensas sequestradas editores condemnados!

Citou-se aqui a opinião de Thiers; tambem eu vou citar o que elle dizia na sessão do parlamento francez de 11 de janeiro de 1864. Dizia elle: "Eu quero a liberdade de imprensa; mas quando digo liberdade, não quero dizer impunidade". Sobre este assumpto o governo pensa do mesmo modo. Nós queremos toda a liberdade para a imprensa, mas queremos tambem para ella a indispensavel responsabilidade. N'isto vae o interesse e o prestigio da propria liberdade.

Mr. Pelletan, discutindo e tratando de demonstrar os direitos que a França tinha na questão de imprensa, dizia o seguinte:

"Mas se a liberdade de imprensa é um bem, como o julga mr. de Persigny, ministro do interior, se ella é ainda, como affirma a alma da Inglaterra, a explicação da sua prosperidade, porque nos recusa esse beneficio? Que espera ainda para o dar, nu antes para o restituir ao nosso paiz? Mr de Persigny vae responder me certamente, que se espere que o nosso seculo tenha occasião para fundar a nova dynastia."

Não veiu a nova dynastia, mas acabou a velha o em substituição veiu o regimen democratico.

E o que deu elle á França para lhe garantir a liberdade de imprensa? A lei de 29 de julho de 1881, e o seu regulamento de 9 de novembro do mesmo anno, que deixam muito a desejar, e que nos causam inveja. E ainda assim julgou-se isto muito, que já n'este anno se tentou uma outra lei mais restrictiva ainda.

Sr. presidente, olhemos para o Brazil, onde existe ha tão pouco o regimen republicano, e vejamos o que é lá a liberdade de imprensa.

Creio que todos conhecemos e que viram com espanto, ainda não ha muito, o decreto regulamentar da liberdade de imprensa.

Ha pouco dias li n'um jornal brazileiro o seguinte:

"Traja de luto a imprensa brazileira.

"Hoje, á uma hora e meia da madrugada, o delegado da policia do segundo districto d'este termo, com força armada, invadiu a officina do Orbe, periodico que se publica n'esta infeliz capital, dispersou os typos, dilacerou os Orbes de hoje, já compostos, tendo sido ameaçado de deportação o editor."

pouco depois, ainda sobre este mesmo assumpto, eu li mais o seguinte:

"O Correio de Santos, de que é redactor o portuguez Alberto Estanislau verberou o procedimento da policia, especialmente o do alferes, dando isso motivo a que a redacção fosse cercada por tropas e ameaçada.

"O sub-delegado Freitas subiu ao escriptor e intimou o redactor a que não publicasse artigo algum contra o alferes, sob pena de que a folha seria sequestrada e nenhum numero saíria da typographia sem que elle o lesse."

É assim que se procede nos paizes onde vigora o regimen democratico, onde parece que mais deveria ser garantida a liberdade de imprensa.

Sr. presidente, depois d'isto, parece-me que, feita a comparação, como deve ser, da liberdade de imprensa do nosso paiz com a d'aquelles onde vigora o regimen democratico, todos nós devemos preferir a conservação do nosso systema ao das outras nações, que não vão mais elem do que nós em questão de liberdade.

Se compararmos a nossa imprensa de hoje com a de ha tres mezes, nós vemos que ella se tem modificado consideravelmente, e que portanto não é inteiramente exacto o que disse o sr. Costa Lobo, que, a despeito das novas providencias regulamentares, ella continuava a injuriar. Se isto fosse verdade, o que provava era que ella carecia então de medidas mais repressivas, porque as decretadas não satisfaziam ainda ao seu fim.

O digno por tambem se referiu á magistratura judicial, e fallou no augmento do ordenado aos juizes, disse que, coincidindo este augmento, e a auctorisação dada ao governo para reorganisar os serviços relativos á administração da justiça, com as attribuições dadas ao juizo correccional para o julgamento dos crimes por abuso de liberdade de imprensa, poderia parecer que o governo assim pretendia exercer uma certa pressão na magistratura.

Sr. presidente, poderá alguem suppor que com essa medida se pretendia fazer pressão na magistratura judicial?

Contra esta supposição tão injusta, como inversimil, protesta a respeitabilidade da classe; protestam os seus precedentes, protesta a boa rasão.

Esta tão digna classe não só nunca se impoz, mas nem sequer nunca pediu aos poderes publicos que melhorassem as suas condições economicas.

A classe da magistratura judicial merece a consideração de todo o paiz, porque ella sempre, e em todas as occasiões se tem mantido nobremente, dignamente, com toda a independencia e isenção acima dos vicios e das paixões que affectam a nossa sociedade.

Póde haver alguma excepção, mas rara, que não póde destruir a regra; são casos esporadicos, como aquelle a que aqui se fez referencia, que não constituem felizmente um estado endemico no nosso paiz.

O augmento dos ordenados á magistraturas era uma necessidade de ha muito reconhecida por todos.

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Dizia o sr. Mártens Ferrão, referindo-se u este assumpto, no relatorio que precede a sua proposta para a reforma judiciaria apresentada em 28 de fevereiro de 1860:

"A despeza feita com a boa administração de justiça é o capital que recebe mais productiva applicação. Os juros recebe-os a cada momento a sociedade na bua ordem publica, e em segurança para a sua, existencia, para a propriedade, e para a industria de todos os seus membros."

Desejava occupar-me de muitos outros assumptos, a, que se referiu o digno par, e de que tomei nota; mas o tempo urge e eu impuz-me o dever de restringir quanto possivel as minhas considerações pelo principio que apresentei e pelas circumstancias em que se encontra este debate. Por consequencia, termino, reservando para qualquer outra occasião, ou para a discussão na especialidade, o tratar dos assumptos que omitto agora.

Leu-se na mesa um officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, enviando a proposta de lei que auctorisa o governo a tomar as providencias precisas para evitar a invasão fie qualquer epidemia no paiz.

O sr. Presidente: - Vae á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O sr. Thomás Ribeiro: - Contei ha cinco minutos as pessoas que assistiam nas galerias publicas a este debate importantissimo para a nossa politica, para a nossa administração, para a nossa honra e dignidade.

Contei numa das galerias quatro espectadores, contei dez na outra. Aqui na camara contei trinta dignos pares. Este numero, creio que tem crescido agora um pouco. Trinta pares do reino são a quarta parte dos membros da camara.

Veja v. exa. se n'uma assembléa assim, oppresso o coração n'esta atmosphera algida, póde alguem com interesse, com calor, com enthusiasmo discutir o iraportantissirno assumpto de que nos occupâmos na altura em que pude e deve ser discutido.

Não é possivel; e eu tenho de guardar a natural expansão das minhas indignações para mais opportuna occasião e mais propicia temperatura; porque de mais a mais, sr. presidente, eu tenho a desventura, sendo um homem de paixões politicas, acreditando n'ellas, acreditando na sua efficacia, porque onde não ha paixão politica não ha lucta e onde não ha lucta não ha vida politica, tenho não sei se a desgraça de não ser inimigo pessoal do nenhum dos srs. ministros, de respeitar as suas qualidades, o seu caracter e de não poder dirigir me a elles com uma tal ou qual má vontade que de algum modo podesse excitar-me no momento de os condemnar pelos seus actos de governo. Fiei de cumprir o meu dever, hei de cumpril-o com o rigor que a minha consciencia costuma dictar-me; hei de cumpril-o serenamente, hei de interrogar o governo em alguns pontos, reservando para a discussão na especialidade o fazer-lhe tambem qualquer pedido ou proposta destinada a melhorar algumas das suas leis ou das suas providencias, embora não confio na efficacia da minha tentativa, porque, citando mais uma vez o theatro italiano, o que está aqui já era escripto, e, por consequencia, não podemos esperar que o projecto volte á camara dos senhores deputados com quaesquer emendas que fossem votadas n'esta casa

Os srs. ministros estão com immensa vontade de se verem livres da nossa rhetorica, porque hoje o parlamento já não tem rasões, nem argumentos, nem deducções, nem logica; para todo o mundo o parlamento é apenas uma academia de rhetorica, jogos floraes, mais nada.

Eu que não sou rhetorico, eu que não sou eloquente, eu que venho para esta casa com a consciencia de que tenho de cumprir o meu dever, de que devo lembrar o que é preciso, bom e util para a minha patria, de que devo avisar o governo dos perigos que convem evitar, do caminho que é preciso seguir, no exercicio d'esse meu direito que é tambem o desempenho de um dever, não posso elevar aqui a minha voz sem correr o risco de ser escutado apenas como um destes glosadores de feira ou romaria, que de nenhuma fórma podem ser attendido? senão por qualquer q J8 desejar matar os seus ocios n'uma hora de cal-ma, ou de aborrecimento.

A dizer a verdade, todo o animo enfraquece em frente de uma tal perspectiva.

Não venho fazer rhetorica, mas peço aos meus illustres collegas que me ouçam com muita paciencia e que se lembrem de que não é exagerada uma discussão que leva oito, nove ou dez dias, nesta casa, quando essa discussão recáe sobre vinte e um decretos dictatoriaes, cada um dos quaes careceria de uma discussão, para a qual não bastariam esses oito ou dez dias. (Apoiados.)

Todos os que temos assistido ás longas luctas parlamentares, sabemos que um só d'estes decretos, o da liberdade de imprensa, por exemplo, ou o da organisação do exercito, podiam levar estes oito dias sem que ninguem estranhasse que um orador se occupasse d'elles, e sem que os almotacés da politica logo se lhe acercassem, perguntando: "Então você falia? Quantas horas?" Isto é:- Quanto dura a massada?" (Riso.) Os almotacés da politica são uma entidade nova da novissima feição d'esta camara, mas angura-se-lhes um glorioso futuro!

Oh! sr. presidente, tratar os negocios publicos por esta fórma, não e tratal-os a serio; cada um falla o tempo necessario para dizer o que entende, como entende, e dar as suas rasões.

Ainda agora estive eu a notar os esforços que fazia o nobre ralator da commissão para sacrificar a sua argumentação com o fim de concluir depressa o que tinha que dizer, e isto pelo receio de infadar os dignos pares que encommodam com a extensão das discussões.

Eu achava muito melhor que não viessem á camara os que se molestam com as discussões, e deixassem aquelles que querem cumprir o seu dever, cumpril o cabal e conscienciosamente.

Dito isto, sr. presidente, deixem-me lembrar a v. exa. e á camara dos dignos pares, que me cabe n'este momento uma honra muito singular, qual é a de levantar a minha voz no parlamento no dia 8 de julho de 1890, um dos anniversarios mais augustos da historia liberal d'este paiz, (Apoiados.) porque foi neste dia que desembarcaram nas praias do Mindello os 7:500 bravos, que me deram este logar aqui. em nome dos quaes ou graças aos quaes estou faltando, e não pela vontade de muitos dos que me ouvem.

Faz hoje cincoenta e oito annos. São mortos quasi todos elles.

Tenho diante de mina alguns bustos de marmore que me fazem lembrar d'essa epopeia começada nas serras dos Açores e terminada nas linhas de Lisboa.

Vinha então D. Pedro IV defender a carta constitucional, que nos mantem hoje ainda os foros de que gosamos; e quem sabe se ámanhã nós teremos direito a fallar n'esta assembléa com o desassombro com que fallamos hoje?!

Era costume, ainda ha pouco tempo, fallar, sr. presidente, no abysmo escancarado a nossos pés, etc., effectivamente o termo torna-se obsoleto, e no em tanto podemos andar bem perto do escorregadouro em que possamos ver sumir se a nossa independencia, a nossa honra, a nossa liberdade e a nossa existencia politica.

Todos ccmprehendem e comprehendeu o o governo, quando apresentou as suas medidas dictatoriaes, que o momento era de tal forma angustioso e critico para esta nação, que obrigava a invadir as attribuições do poder legislativo, com vinte e um decretos! E comtudo, quando se gastam nove dias discutindo esses decretos, toda a gente acha que são jogos floraes, rhetorica, - o parlamento convertido em academia.

Pois tenham paciencia, e ouçam! que ainda hoje devemos aos homens heroicos de ha cincoenta e pito annos o poder.

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mos fallar aqui. Honremol-os como devemos, a elles. que já quasi todos morreram, os que demasiado cede se não tinham sumido nos carceres victimas dos maximos flagicios. A sua memoria, assim como ás pessoas dos pouco que ainda vivem, reliquias de que ainda nos resta uma, creio que unica, n'esta camara, prestemos os respeitos, o carinho e a consideração que tanto nos merecem, recordando os seus nomes para os saudarmos, se vivem, para os honrarmos, se morreram.

Sr. presidente, tem-se aqui foliado muito cio descredito do parlamentarismo, e peço licença ao meu illustre amigo o sr. Costa Lobo para dissentir da opinião de s exa. n'esta parte do erudito discurso em que s. exa. nos apresentou o seu engenhoso systema.

Dissinto, porque o parlamentarismo é o regimen em que o parlamento absorve, ou pelo menos tende a absorver, todos os outros poderes do estado. Esse regimen tem existido em França; aqui, o nosso regimen não representa por fórma alguma essa tendencia. É puramente um systema parlamentar, com todas as tendencias de servir, nenhuma de absorver.

S. exa. disse hontem, segundo ouvi ao sr. relator, por que eu não assisti a esta parte do seu discurso, disse, repito, que nós tinhamos caído no cesarismo. Pareço tambem ter dito que o cesarismo cuidava de morigerar os costumes, dos interesses das classes trabalhadoras; é certo; mas o que aquelle digno par disse e o nobre relator parece não ter comprehendido, foi que o praticava só pela apparencia, que o fazia como reclame e só no proprio interesse de quem governava. (Apoiados.)

O sr. relator da commissão, occupando-se do que se passava nas outras partes do mundo, citou alguns factos occorridos na joven republica do Brazil.

Podia tambem s. exa. ter referido o que disse o grande tribuno Joaquim Nabuco em um manifesto que ultimamente publicou, cheio de tão nobres e eloquentes considerações, como eu ha muito tempo não tenho visto em nenhum documento parlamentar, nem politico.

E sabe v. exa., sr. presidente, o que elle diz? Repito-o como de quem é, sem mesmo fazer minha a sua affirmativa. No seu manifesto aos eleitores que lhe offereciam do novo um logar no parlamento, agradece, e recusa a honra de os representar; e sabe v. exa. o que elle diz e ao que o sr. relator da commissão podia ter-se referido, sem falsear a verdade? Diz que actualmente no Brazil a anarchia da republica está na sua lua de mel. E assim já vê v. exa. que, se effectivamente nós podemos trazer algum exemplo do Brazil em favor do que hoje se fizer. Tambem podemos citar com sentido opposto opiniões auctorisadas.

Ora d'isto é que eu tenho medo; é de que em Portugal a anarchia constituida esteja tambem na sua lua de mel, adoptando a phrase d'aquelle illustre brazileiro. D'isso é que eu tenho medo, apesar da brandura dos nossos costumes. E é por isso que eu vou referir-me, no que passa porque tambem não desejo alongar-me, e v. exa. vê que não estou hoje com a minha saude completa, é por isso que não posso deixar de lavrar contra ella e contra as doçuras melifluas da sua lua, o meu protesto mais solemne.

Eu gosto dos insubruissos, e tenho pelos insubmissos honrados e dignos uma grande consideração; e a dizer a verdade, é porque gosto um pouco de mim. Tambem o sou e tenho sido; prezo-me de que nunca faltei aos meus deveres de partidario e de politico, mas por vezes deixei de acompanhar, com sentimento, os meus dirigentes. Lembro-me, por exemplo, da questão das irmãs de caridade. Está aqui o digno par o sr. Vaz Preto, que n'esse tempo me acompanhava no partido a que me honrava de pertencer; e então nós em algumas questões votavamos como entendiamos e independentemente de considerações partidarias. Os incondicionalmente submissos são a parte dos partidos.

A culpa de que os governos procedam como procedem, não vem da constituição do cezarismo, como disse o meu illustre amigo sr. Costa Lobo; vem realmente da depressão do espirito parlamentar; vera de que todos andam a excogitar e examinar qual seja a vontade do governo ou de qualquer ministro, para só submetterem immediatamente. Este é que é o perigo, e este é que é o mal.

Não digamos mal do governo, o governo faz o que lhe consentem que faça; digamos mal de nós mesmos. (Apoiados.)

A culpa é nossa, exclusivamente nossa.

É pois contra on usos ou antes os abusos do parlamento, não é contra o systema parlamentar nem mesmo contra o governo que eu me insurjo.

É preciso que tudo aqui se diga, e é preciso que eu venha dizer mais uma voz a rasão por que fui insubmisso na occasião da transformação do partido que hoje se chama regenerador.

Para mim o partido regenerador morreu com o sr. Fontes Pereira de Mello.

Póde chamar-se hoje partido regenerador o que desmente as suas leis, as suas tradições, (Apoiados.) como muito bem disse o sr. Luciano de Castro? Chama se hoje partido regenerador, porque se apropriaram das insignias e do nome d'esse glorioso partido; de resto eu ainda o não encontrei nem reconheci; e, como o não reconheço fico de fóra á espera que elle, o trio fallado, me appareça.

Nós vimos, sr. presidente, a apologia da repressão da imprensa ainda ha pouco proclamada pelo nobre relator da commissão.

Lembrou s. exa. quantos processos se têem instaurado por abusos de imprensa era París, em toda a França, na Inglaterra, na Belgica, no Novo Mundo, finalmente em toda a parte; mas não se lembra s. exa. de que foi a substituição d'este sytema pelos principios de liberdade e tolerancia que em 180 L acabaram com as nossas repetidas revoluções.

A repressão chegou até 1851. A repressão está na historia desde 1834 a 1851, mais ou meus compensada com as idas e vindas dos que se chamavam n'essa occasião os seus defensores.

Emquanto não houve liberdade de imprensa, de pensamento, do reunião, emfim, todas as liberdades que derivam da propria natureza, humana, surgiam dia a dia as revoluções contra os governos de então, revoluções sobre revoluções, que acabaram era 1851, quando veiu a tolerancia e a liberdade.

Ora 1851 é o berço do partido em que tive a honra de mi1tar; como hei de reconhecel-o agora nos que restauram a violencia da repressão? (Apoiados.)

Hoje eu e os meus amigos nada mais fazemos que aguardar o advento de algum acaso redemptor, e protestar contra esse industrialismo ao qual vamos sacrificando tudo, até as liberdades.

Esta é infelizmente a verdade.

Temos proclamado todos os dias, temos feito quanto podêmos, pura dizer ao governo que não é por este caminho que deve ir a governação publica, felizmente vamos sendo já hoje appoiados pela voz eloquente do sr. José Luciano de Casto, que é o primeiro a confessar, com uma hombridade que faz honra ao sou caracter, que é errado e perigoso o caminho que levámos e a dizer ao governo que é preciso seguir outro e apressar-se a metter nos rails o carro da governação publica, se me é permittida esta imagem.

Ouvimos a voz austera do sr. Pereira Dias.

Ouvimos tambem o sr. Oliveira Monteiro seguir na mesma esteira e os nossos corações rejubilavam porque esta era a nossa doutrina de ha muito tempo. Aqui está o sr. D. Luiz da Camara Leme que tem sido infatigavel na questão das incompatibilidades politicas a perguntar ao governo se tem ainda a mesma opinião de quando era opposição; e o governo sem dar á camara uma resposta deci-

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502 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

siva, disse - que lhe deixava a liberdade de fazer o que entendesse. - O quê?

Isto quer dizer: - tenho a camara na minha mão e dou-lhe a liberdade de votar como entender.-

Ora, sr. presidente, eis-aqui a que nós estamos reduzidos! Ao vilipendio do senado romano no tempo de Augusto! Patres et conscripti! O governo consente á camara a liberdade de votai! Agradecei-lhe a mercê!!...

Sr. presidente, ouvimos hontem aqui o sr. presidente do conselho, n'uma hora em que a sua consciencia fallava, e a sua consciencia é limpa e honrada, voltando-se para o sr. Pereira Dias, dizer que o seu discurso era consciencioso excepto em duas pequenas cousas que nada tinham de essencial, reconhecendo assim lealmente os dois principios que aquelle digno par proclamára.

Eu creio no que s. exa. disse, posto que o não tivesse ouvido. As boas doutrinas existem e existiram sempre, mas chega-se à pratica, á occasião de fazer o bem ou o mal e é sempre pelo mal que se opta.

Sr. presidente, esta discussão vae já longa, dizem os que têem pressa, vae curta direi eu, porque supponho que não está nada esclarecido.

Da parte do governo ainda não houve uma resposta que fosse peremptoria e clara ás perguntas que lhe fizeram, especialmente em dois pontos, os oradores que me precederam. O meu amigo sr. Coelho de Carvalho pediu positivamente ao governo os esclarecimentos precisos a respeito da reforma do exercito, que se projecta, e ninguem lhe respondeu.

O sr. Camara Leme perguntou, e ninguem lhe respondeu.

Nós vamos votar ás escuras aquillo que o governo quizer.

O meu illustre collega e amigo o sr. Barros e Sá, que vejo presente e que discutiu com a sua costumada proficiencia todos os assumptos da dictadura, fez tambem differentes perguntas ao governo e não alcançou resposta.

O digno par fez um discurso, muito sabio, muito eloquente e muito adequado á questão que estamos ventilando, mas pelo que respeita ás perguntas que dirigiu ao governo, obteve apenas umas respostas evasivas, porque a resposta franca e leal não podia ser senão que era verdade tudo o que o sr. Barros e Sá tinha affiançado.

O que é que nós estamos a discutir?

Nós podemos perguntar, mas o facto é que ninguem nos responde, e olha-se constantemente para o relógio como que a indicar que não é conveniente demorar com mais um quarto de hora as impaciencias d'aquelles que têem obrigação de ser pacientes e resignados.

Não é assim que se tratara questões d'esta ordem, e eu serei ainda mais uma vez importuno diante da camara, porque tenho que perguntar e que dizer.

Nós estamos n'uma verdadeira anarchia politica.

Nós temos a invasão dos poderes por outros poderes.

(Interrupção do sr. Ornellas que não se ouviu.)

V. exa. disse?

O sr. Ornellas: - Não me dirigi a v. exa.

O Orador: - Pois tenho pena, porque me são sempre muito agradaveis as suas palavras, e estimava que v. exa. se tivesse dirigido á minha pessoa, para ter o gosto de responder-lhe devidamente.

Dizia eu que nós temos a invasão de uns poderes por outros poderes.

Nós vivemos em plena anarchia administrativa.

Quando eu hontem vi que o meu illustre amigo o sr. Costa Lobo tinha a curiosidade de encontrar nos jornaes, de quando em quando, alguma cousa que fosse digna de ser lida á assembléa, lembrei-me tambem de ir procurar alguns papeis velhos com cuja leitura podesse amenisar o meu discurso, e encontrei um que vou ler a v. exa. e á camara.

Quer v exa. sr. presidente, saber como se pratica entre nós a administração?

Isto e apenas um exemplo, um pequeno exemplo, um insignificantissimo exemplo; mas como este podia citar muitos e muito mais importantes.

Nós temos por costume não edificar por completo.

O verdadeiro symbolo da nossa administração é as obras ce Santa Engracia.

Tratâmos de fazer grandiosas edificações, mas, passado algum tempo, reconhecemos que não temos força para as concluir e deixâmol-as assim incompletas, sem que isso já nos cause o mais pequeno desgosto.

O sr. Camara Leme perguntou e ninguem lhe respondeu.

Nós vamos votar ás escuras aquillo que o governo quizer.

O meu illustre collega e amigo o sr. Barros e Sá, que vejo presente e que discutiu com a sua costumada proficiencia todos os assumptos da dictadura, fez tambem differentes perguntas ao governo e não alcançou resposta.

O digno par foz um discurso, muito sabio, muito eloquente e muito adequado á questão que estamos ventilando, mas pelo que respeita ás perguntas que dirigiu ao governo, obteve apenas umas respostas evasivas, porque a resposta franca e leal não podia ser senão que era verdade tudo o que o sr. Barros e Sá tinha affiançado.

O que é que nós estamos a discutir?

Nós podemos perguntar, mas o facto é que ninguem nos responde, e olha se constantemente para o relogio como que a indicar que não é conveniente demorar com mais um quarto de hora as impaciencias d'aquelles que têem obrigação de ser pacientes e resignados.

Não é assim que se tratam questões d'esta ordem, e eu serei ainda mais uma vez importuno diante da camara, porque tenho que perguntar e que dizer.

Nós estamos numa verdadeira anarchia politica.

Nós temos a invasão dos poderes por outros poderes.

(Interrupção do sr. Ornellas que não se ouviu.)

V. exa. disse?

O sr. Ornellas: - Não me dirigi a v. exa.

O Orador: - Pois tenho, pena porque me são sempre muito agradaveis as suas palavras, e estimava que v. exa. sr tivesse dirigido á minha pessoa, para ter o gosto de responder-lhe devidamente.

Dizia eu que nós temos a invasão de uns poderes por outros poderes.

Nós vivemos em plena anarchia administrativa.

Quando eu hontem vi que o meu illustre amigo o sr. Costa Lobo tinha a curiosidade de encontrar nos jornaes, de quando em quando, alguma cousa que fosse digna de ser lida á assembléa, lembrei-me tambem de ir procurar alguns papeis velhos, com cuja leitura podesse amenisar o meu discurso, e encontrei um que vou ler a v. exa. e á camara.

Quer v. exa. sr. presidente, saber como se pratica entre nós a administração?

Isto é apenas um exemplo, um pequeno exemplo, um insignificantissimo exemplo; mas como este podia citar muitos e muito mais importantes.

Nós temos por costume não edificar por completo.

O verdadeiro symbolo da nossa administração, é - as obras de Santa Engracia.

ratâmos de fazer grandiosas edificações, mas, passado algum tempo, reconhecemos que não temos força para as concluir e deixâmol-as assim incompletas, sem que isso já nos cause o mais pequeno desgosto.

Um ministerio mette hombros a um emprehendimento qualquer; é já sabido que o governo que se lhe segue annulla o trabalho encetado, isto é desfaz o que o outro fez. (Apoiados.)

E este systema é tão verdadeiramente nosso, que não só na metropole, mas até nas nossas possessões ultramarinas elle é seguido.

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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1890 503

Todo o governador que chega desfaz tudo quanto o antecessor tinha feito, e é por isto que nós tomos as nossas possessões no estado em que ellas actualmente se encontram, e a governação do reino na situação que todos nós reconhecemos, e isto ha de assim continuar, emquanto um tal estado de cousas approuver a suas magestades os srs. ministros.

Vou ler agora á camara a promettida menção curiosa.

Ha poucos dias na camara dos senhores deputados, o sr. Eduardo de Abreu, nome que do mais a mais póde citar-se com satisfação, porque pertence a um cavalheiro que faz honra ao parlamento portuguez; o sr. Eduardo de Abreu, para saber o rumo que tinha sido dado a uns certos dinheiros publicos, dirigiu a seguinte pergunta ao sr. ministro da fazenda lendo:

"O sr. Eduardo de Abreu: - Para saber o rumo que hei de dar ás minhas considerações, preciso primeiramente que o sr. ministro da fazenda me diga, se sim ou não, a metade dos bens dos conventos que se extinguiram, depois da promulgação da lei, tem sido empregada em titulos de divida publica e averbados para a beneficencia publica dos alienados?"

Como a camara sabe, esta pergunta refere-se á execução de uma lei que se votou aqui.

Nós andamos já tão fóra das circumstancias normaes que ninguem estranhou a pergunta.

Vamos a ver qual foi a resposta do sr. ministro da fazenda Franco Castello Branco; foi a seguinte: lendo:

"O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Não posso responder agora ao illustre deputado, mas procurarei informar-me e na proxima sessão participarei ao illustre deputado as informações que tiver colhido."

Note a camara, o sr. ministro não se espantou da pergunta, não respondeu que era uma pergunta escusada, por isso que a obrigação do governo era executar as leis; disse que não sabia nada.

Depois aquelle sr. deputado redarguia o seguinte:

"Eu não estranho nem posso estranhar que o sr. ministro da fazenda não possa responder de prompto á minha pergunta."

E, eis-aqui como está perfeitamente compendiada e retratada a nossa administração publica.

Nós perguntâmos ao governo, a quem compete dar execução ás leis, se uma lei teve a sua execução; pergunta esta que, se ha muito não andassemos por longe do bom caminho, ninguem faria, ninguem precisaria de fazer, porque é claro que as leis fizeram-se para se executarem; mas faz-se a pergunta e o ministro, não só se não espanta, mas responde-lhe, e responde que não sabe! e tudo isto é de facto tão corrente que o proprio illustre deputado declara que se não admira de que o ministro não saiba responder-lhe!... E aqui está como nós vivemos na melhor harmonia, no melhor dos mundos.

Assim corre a nossa administração publica, como ha pouco disse, não só na metropole, senão que tambem nas provincias ultramarinas. A este respeito eu vou tambem ler á camara um documento curioso.

Perguntou-se ao governo o que havia a respeito de Africa, principalmente no Bibe, pedindo-se explicação ácerca dos motivos que tinham levado Silva Porto, o nosso honrado compatriota a dar-se morte gloriosa, como gloriosa fôra toda a vida do velho e nobre sertanejo.

O governo disse que tudo já sabia, mas que o não podia dizer; nós estamos já acostumados a estas respostas; portanto já não estranhamos que elle não diga nada.

Pois quer a camara noticias a este respeito?

Eu vou ler-lhe este jornal africano, é mais conveniente para que se não diga que faço por minha conta a noticia ou a historia. (Lendo.)

"É sabido por todos que nas terras gentilicas não é permittida a entrada de pessoas estranhas sem que se façam previamente annunciar aos sobbas e sem que estes consintam na sua entrada nos seus dominios.

"O sr. capitão Couceiro, ao chegar a B hé, não se fez annunciar e á força, que levava disfarçada em carregadores. O sobba ao vel o chegar, e não tendo dado o &eu consentimento para que transitassem pelas suas terras, cheio de indignação, dirigiu se desconfiado a Silva Porto, e perguntou qual a rasão por que aquelle branco fizera a sua entrada, sem que as formalidades precisas fossam preenchidas? Ao que Silva Porto respondeu, que a inexperiencia e a ignorancia de taes usos dera caso a tal procedimento.

"Momentos antes, porem, Silva Porto fizera ver ao sr. capitão Couceiro que era necessario preencher-se um certo e determinado numero de formalidades, taes como, pedir permissão ao soba e seus macotas para que podesse transitar pelas suas terras, ao que o sr. capitão Couceiro respondêra que esses usos e costumes era necessario que terminassem, porque a sua missão era civilisar, e como tal, ao sobba competia ir cumprimenta-o. Silva Porto previu logo qualquer resultado fatal, e procurou desvanecer a desconfiança que se tinha apossado dos macotas do sobba (ministros ou conselheiros), que incitavam com imposição o sobba a que fizesse respeitar e manter os seus usos e costumes.

"Mais tarde, vendo os macotas que os carregadores eram soldados disfarçados, pelo armamento e pela fórma equipada como íam, a desconfiança subiu de ponto e declararam a descoberta que haviam leito.

"Foi então, quando o sobba, obrigado pelos seus conselheiros, se tornou hostil ao homem que conhecia de ha muito, que respeitava, julgando-o um traidor.

"Silva Porto viu-se perdido, e não tendo meio de fugir á vergonha que lhe estava imminente, procurou ainda fazer valer o seu antigo prestigio, o vendo frustrado todo o seu empenho, mandou collocar debaixo da cama em que dormia e não no quarto immediato, uns poucos de barris de polvora destapados e, encommendando a sua alma a Deus, deitou-se, incendiando a polvora."

O sr. capitão Couceiro era o encarregado da missão de atravessar o Bihé. Para que?... Outro segredo.

Veja v. exa. como nós atravessâmos a Africa, note-se que Silva Porto não era um simples particular, era um militar, era uma auctoridade, era a nossa sentinella avançada no sertão.

Sempre que por lá foram os nossos valentes exploradores de Africa, acharam ali guarida na sua rasa, achaiam conselho no seu conselho e protecção prompta na sua dedicação. Elle, que por si só governava como se póde governar, era nome de Portugal, viu apparecer soldados portuguezes a escondidas d'elle proprio, disfarçados em carregadores, com as armas escondidas d'elle proprio, o que não era preciso porque ali têem pasmado muitos soldados portuguezes.

Veja v. exa. a que nós chegámos; já não queriamos civilisar o sobba, queriamos encontral-o tão civilisado, que nos viesse cumprimentar. Silva Porto aconselhou ao sr. Couceiro que se não apresentasse d'aquella fórma e que dissesse que vinha era nome do Rei de Portugal.

Não estando prevenido o nobre sertanejo, porque elle vivia só, e apenas guardado pela sua honra e dignidade, e pelo prestigio que soubera adquirir em muitas dezenas de annos, vendo que o sr. Couceiro não quizera seguir o seu conselho, que respondeu como se tivesse um grande exercito para conquistar toda a Africa; quando Silva Porto viu a desgraça que ameaçava a expedição, quando viu que era desattendido e que lhe attribuiam a traição de metter n'aquelles territorios tropas portuguezas levando escondidas as suas armas, quando se viu deshonrado e a ponto de perder-se n'aquellas regiões o prestigio da sua patria, quando viu aquella enorme desgraça, preferiu então embrulhar-se na bandeira portugueza e fazer saltar a sua re-

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sidencia, lançando fogo aos barris de pólvora, e assim para evitar uma grande desgraça e uma grande vergonha, buscava o bravo ancião na morte o ultimo refugio.

Sr. presidente, que fez Portugal? Que disse? Que fizeram as camaras? O que fez o governo? Que deliberação se tomou a respeito d'esta desgraça e d'este feito heroico de um dos ultimos portuguezes?

Acaso lhe decretaram ao menos umas exéquias de grande do reino?

Elle era maior do que todos nós. (Apoiados.)

Permitta-me a camara que o repita: elle era maior do que cada um de nós e maior do que todos nós. (apoiados.)

Morreu amortalhado na bandeira portugueza, melhor mortalha, mais gloriosa de que todos os nossos arminhos de pares do reino. (Apoiados.)

Pois nem um decreto para que sua filha fosse adoptada como filha d'esta nação!!!

É protegida da Bainha.

Foi preciso que a esmola de uma senhora fosse valer á filha do benemerito da patria que até na morte soube honrar.! (Apoiados.)

Lembra-me D. João de Castro na sua austera firmeza a viver do que valiam as suas barbas honradas.

Mas quem pensou nisto?

Quem se importou com este infeliz que por ser portuguez ali morreu, e por ser portuguez honrado, para morrer, a si proprio se amortalhou na bandeira do seu Portugal?

Ninguem.

Se for preciso ámanhã arranjar-se um syndicato em que se ganhe muito dinheiro, então sim, então não faltam iniciativas. (Muitos apoiados.)

Mas para que a nação adoptasse a filha daquelle honradissimo portuguez, não! Nem uma voz se levantou.

Pois, sr. presidente, ainda n'este momento me parece que ha portuguezes.

Portugal não morre.

Creio que se não deshonra a gloriosa memoria de D. João de Castro, vice-rei das Indias, porque eu lhe compare o valente sertanejo que viveu como um verdadeiro e herico portuguez e como heroe soube morrer. (Apoiados.)

Pois, outro nome velho de gloria antiga e authentica vou achar na Africa oriental; e não fallo, podendo fallar, dos nossos heroicos africanistas, os mais conhecidos e glorificados. Aquelle velho do Bihé que vivia no seu Belmorte a sua - Penha-verde, faz symetria com um moço cujo nome é digno das paginas da nossa áurea historia; refiro-me ao Azevedo Coutinho. (Apoiados.)

Refiro me a um brilhante official de marinha e ainda mais, brilhante portuguez. Mandou ao governo as suas dragonas de official dizendo-lhe: "Agora eis-me livre, não poderei desobedecer, sou apenas cidadão portuguez e d'isso me honro.".

E desde logo tratou de organisar forças, constituidas de pretos, não direi mais brancos de que vós, mas direi mais brancos do que eu, vistos ao sol da gloria que os doura, os divinisa e os corôa de luz.

Este valente rapaz faz-me tambem lembrar D. Loureuço de Almeida na bahia de Chaul. (Apoiados.)

r. presidente, é bom ir registando estes factos, e estes nomes, que não são apenas raros pontos luminosos a reflectirem as glorias do passado, mas são tambem a prova certa de que o Portugal de então ainda não morreu e de que muito se illude quem o repute morto. Elle apenas parece amortecido n'uma decrepitude precoce, de que é preciso despertal-o e erguel-o. (Apoiados.) Nada mais.

Eu não quero que vamos inventar batalhas e aventuras com que não podemos; mas, sr. presidente, ainda ha sangue portuguez. Não póde estar perdido o futuro.

O presente, sim; perdido; bem perdido!

Eu vejo que o meu amigo o sr. Hintze Ribeiro tem ainda a esperança de ganhar a partida; mas para nós, nos jogos da diplomacia ha só um jogo em que podemos ganhar; esse jogo chama-se - o ganha-perde.

Que venha, pois, o sr. Hintze desassombradamente; eu sei que. havemos de perder, e hei de absolvel-o se a perda não for muito vergonhosa. Sei que elle está negociando apenas o preço do nosso resgate.

Eu tinha aqui um mappa que a Inglaterra nos enviou ha, poucos dias ainda, a respeito de Africa; mas não o encontro. Eu sou como a Sybilla; tomo muitos apontamentos, arrecado muitos papeis, mas chego aqui e perco tudo.

Emfim, os srs. ministros devem conhecer o mappa. Pois saiba a camara que n'esse mappa se nos toma o Zambeze, que nunca ninguem nos disputou.

Sr. presidente, ao menos depois, quando nos encontrarmos a braços com as suas funestas e fataes consequencias, é bem que reconheçamos os passados erros.

Se o que fez um governo regenerador tivesse ído por diante, não succedia isto. Fez-se a Paiva de Andrada, áquelle honradissimo caracter (Apoiados.) uma concessão desde Kafui aquem de Tete, e que succedeu?

A camara ha de lembrar-se, até as pedras das ruas ae levantaram contra nós. (Apoiados.) Ahi têem agora, passados tantos annos, os resultados da reluctancia de então e da desconfiança que tiveram contra mim, de cuja limpeza de mãos ninguem sequer suspeitou nunca, excepto n'aquelle momento. (Apoiados.)

Pois no mappa concedem-nos apenas um ponto imperceptivel no Zumbo, e logo antes e após, segue-se a avalanche ingleza.

Tenham paciencia d'estas digressões; mas nós não discutimos nem a resposta ao discurso da corôa e, já agora, deixe-me a camara dizer ainda a este respeito o que me parece.

Tenho meditado no tratado anglo-allemão com uma insistencia, com um exame mais detido do que em geral se tem feito, e em diversa orientação; por isso não sou da opinião do que dizem os jornaes sobre o tratado, e é por isso que desejo, no seio da camara, dizer em poucas palavras quaes as minhas apprehensões a este respeito.

O que se vê, o que dizem os jornaes é uma cousa, mas o que se não vê, no meu entender, é muito diverso, e ainda nem hoje nem ámanhã se poderá saber bem ao certo.

É preciso conhecer os caracteres dos homens.

N'esta contenda ha dois grandes heroes, são Stanley e Emin Pachá. Estes homens são hoje os réis da Africa, e não se lhes faz favor nenhum, principalmente a Stanley, que bastante tem trabalhado para isso.

Eis o que eu vejo e o que presinto n'este convenio com a Allemanha: vejo que se destaca Stanley do seu fojo do Congo; que atravessa a Africa com grande risco, annunciando que vae libertar um homem que já estava libertado, chamado Emin Pachá.

Stanley foi dado por morto, andou-se por muito tempo a, espreiter os recessos mais ignorados do sertão e não se encontrava, mas por fim appareceu. Stanley encontrára Emin.

Disse-se muita cousa, coutaram-se grandes historias, e n'esta analyse em que eu não entro, elles tiveram mais que tempo de muito conversarem e de muito combinarem na Africa sobre os destinos da Africa; tambem não se póde deixar de reconhecer que elles nos appareceram quasi hostis, e logo depois separaram-se e foi cada um para seu lado.

Vá a camara seguindo o caminho das minhas presumpções.

Stanley estava compromettido com o governo da Belgica, que bastante dinheiro lhe tinha dado para nos intrigar na conferencia de Berlim. Portanto, parece que era natural que Jogo que chegasse á Europa fosse para a Belgica, onde havia, de mais a mais, outra conferencia anti-sclavagista.

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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1890 605

A Belgica, porém, já não lhe póde dar o dinheiro sufficiente para elle realisar os seus caminhos de ferro? Eu não quero dizer que isto seja assim, mas bem podia ser que os dois, então em repetidas e calculadas combinações, planeassem a sabor dos seus desejos e dos seus interesses a divisão da Africa e os seus futuros destinos.

A França tel-a-hão achado politica de mais. Não convinha. Portugal é pobre; a Bélgica é pequena; a Russia não quer Africas; a Austria não póde com ellas; a Hespanha é phantastica; a Inglaterra é rica e poderosa, a Allemanha tambem. Entre todas as nações do mundo só encontrámos, diriam elles, que nos encham o olho, a Inglaterra e a Allemanha.

Bem póde ser que assim decidissem que um fosse para Meca outro para Jerusalem. De facto a evolução foi rapida. Emin voltou ao Cairo a conquistar para a Allemanha um grande territorio, e Stanley, depois de captar a opinião publica era Londres declamando contra as conquistas allemãs acaba por elogiar o tratado e entregar ao governo a opinião publica que havia conquistado.

Que diriam elles entre si, em Africa? Que diria Emin aos allemães? Que diria Stanley ao ouvido de Salisbury? Não é facil adivinhar-se. O que é certo é que o Congo e estados allemães se encontram no Tanganika e que os estados allemães e o estado livre chegam de uma á outra costa sem deixarem caminho á Inglaterra para passar do norte ao sul!

Quem dá as expropriações para este caminho, que ha de abrir-se? Quem paga estas expropriações?

Que quer isto dizer? Os meus collegas de certo comprehendem muito melhor estas cousas, eu não comprehendo nada, suspeito apenas.

Ora este mappa que eu quiz mostrar ao sr. ministro, traz-nos hoje já a indicação dos terrenos a atravessar.

A Inglaterra não deixa de ter no seu intento atravessar do norte, que começa no Egypto, que ella quer para si, até ao cabo da Boa Esperança.

E quem ha de pagar ajornada?

É possivel que seja Portugal; é possivel tambem que seja o rei belga; e um futuro, talvez mais proximo do que se julga, nos dirá se não havia em tudo isto uma intriga bem combinada nos bastidores africanos, e que depois se foi representar em Berlim e em Londres.

Estou desejoso de chegar á questão principal que nos occupa.

Tenho ainda muito tempo para deixar espaço ao nobre ministro, se s. exa. tiver a intenção de me responder.

O parecer da commissão, depois de estabelecer os bons principios diz:

"Não soffrem contestação estes principies no campo do direito constitucional.

"Succedem, porém, ás vezes acontecimentos tão extraordinarios na vida dos povos regidos por aquelle direito; dão-se circumstancias tão anormaes, que aquelles principios têem de ser sacrificados a rabões de ordem publica, ou a imperiosas exigencias de altos interesses do estado.

"Então os governos, representando o poder executivo, são levados pela força inevitavel d'esses acontecimentos a afastarem-se do caminho regular que lhes demarca a constituição do estado, para se revestirem de faculdades que só competem ao poder legislativo.

"Quando se dão casos tão graves em si, e em suas consequencias, cumpre na sua apreciação examinar cuidadosamente, as circumstancias em que esses governos se encontraram, para se ver se é desculpavel o seu precedi mento que attentou contra a independencia e magestade de outro poder.

"As dictaduras, que significam essa invasão das attribuições do poder legislativo, nunca se podem legitimar em face dos principios constitucionaes; podem todavia acceitar-se como um facto consummado; tolerar-se e desculpar-se, se se deram circumstancias tão extraordinarias, que era inevitavel lançar mão d'esse recurso excepcional e extremo, que, sendo um mal, veiu evitar um mal maior."

Isto é grave, é perigoso e vê-se aqui que a illustre commissão tinha a consciencia da gravidade do caso que julgava.

(Continua lendo.)

"Não podem, pois, apreciar-se esses factos em absoluto, desligado das circumstancias que se tenham dado. São essas que a vossa commissão estudou e examinou detida e desapaixonadamente, sem prevenções politicas, nem preoc-cupações partidarias."

Não ha maior modéstia da parte de uma commissão do que esta que apresenta o illustre relator n'este parecer que está tambem assignado pelos outros membros da commissão.

Continúa o parecer:

"Depois considerou tambem o conjuncto das providencias decretadas, para conhecer se ellas attenderam ás circumstancias da occasião, e se satisfazem ás necessidades e conveniencias publicas, para poderem continuar a ter vigor.

"Todos sabem infelizmente em que condições se encontrou o governo actual quando foi chamado aos conselhos da corôa.

"Um acontecimento profundamente doloroso para o paiz, que soffreu uma affronta nos seus brios e um attentado contra os seus direitos, praticado por uma nação a que nos ligavam antigas tradições de fiel alliança, veiu lançal o n'uma inquietação e mal estar, que ora se concentrava angustiosamente no intimo da sua alma civica, ora se expandia em manifestações de agitação pó tumultuar das praças e no delirio inconsequente que succede ás crises violentas.

"A corda do patriotismo vibrava no coração da patria, umas vezes gemebunda e triste, outras exaltada e energica, mas sempre maguada."

Como tudo isto é bonito!

Se aqui estivesse o sr. ministro da marinha chamava a estes periodos versos alexandrinos; (Riso.) que s. exa. é um grande poeta, comquanto em questões de metrificação deixe muito a desejar.

Em todo o caso, d'estes formosos periodos da illustre commissão, deduzo eu que a causa unica e immediata da invasão do poder legislativo pelo poder executivo, foram os acontecimentos occorridos em Africa.

E é verdade; a commissão é quem me dá os principios de que logicamente deduzo a minha conclusão.

Se effectivamente do ultimatum de 11 de janeiro resultou o governo ver-se na extrema necessidade de fazer uma dictadura, veja bem a camara: se acaso approva a urgencia, tem de condemnar o governo por negligencia.

Isto rima tambem, mas não são versos alexandrinos.

Se nós tivermos que absolver o governo, porque elle lançou mão da dictadura pela urgencia das circumstancias, havemos de condemnal-o pela negligencia com que tem deixado de pôr era execução essas medidas urgentes.

Vão já passados seis longos mezes de agonia, e o paiz nem ao menos sabe como correm os termos ao seu processo; vão lá seis longos mezes e nós encontrâmos o governo armado com as mesmas auctorisações que a si proprio concedeu, sem ter ainda nem artilhadas as fortalezas do Tejo, nem o exercito reformado, nem reformada a marinha, nem comprados os navios, a respeito de cuja compra correm por ahi cousas muito extraordinarias; nada, absolutamente nada do que era preciso, do que era urgente.

E então se eu lhe perguntar o que fez em Lourenço Marques, nas ilhas de Cabo Verde, em Angola, em Moçambique, em Inhambane, em Quelimane, estou persuadido que me diz que não deu um passo.

Sabe v. exa. o que tem feito?

Mandou retirar algumas tropas que havia era Moçam-

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bique, onde está a ameaça constante, para a nossa provincia de Angola, o que será muito patriotico, o que terá excellente como meio de governação ou segurança publica, mas que me parece quasi uma traição contra a nossa patria; pelo menos contra a honra nacional.

A 11 de janeiro do anno da graça - de má graça quanto a nós - do anno da graça 18UO, appareceu o ultimatum inglez. O governo que presidia então aos destinos do paiz, pediu a sua demissão e saiu. Veiu substituil-o um governo salvador presidido pelo meu amigo o sr. Antonio de Serpa Pimentel com os seus correligionarios. A occasião mais critica a de maiores urgencias era precisamente essa, era justamente naquelles dias em que o telegrapho nos dizia que as esquadras de Inglaterra andavam cruzando pelos mares em ameaça aos nossos portos. - "Estão nas Canarias, saíram das Canarias, dirigem-se para Cabo Verde, vem a Lisboa. - Não se ouvia outra cousa. Então eram já governo, o sr. Serpa e os seus collegas. Comtudo a data dos primeiros decretos é um mez posterior á do ultimatum. Como?

Pois deixam passar a maior urgencia, que se dava justamente nos primeiros dias da sua entrada no poder! deixam passar a maior urgencia e já na menor, na declinação da crise é que decretam em dictadura! Fallo da primeira. Só da primeira.

Onde estava então essa urgencia?

Pois á urgencia de momento accode se trinta dias depois?

E decreta-se urgentemente o artilhamento dos fortes do Tejo e o armamento do exercito, e cinco mezes depois, nem uma peça nas fortalezas nem uma espingarda para o exercito, nada!! Já vê a camara, se querem ser absolvidos em nome da urgencia têem de ser condemnados por negligencia. -

Pelo que diz respeito ás outras providencias decretadas em dictadura, isso então é extraordinario; não ha uma só que esteja em começo de execução.

Vou lazer uma proposta ao governo. Elle não a acceita, e, provavelmente, a camara tambem não; mas olhem que vão votar - e d'isto peço desculpa á illustre commissão - vão votar um projecto que nem ao menos tem grammatica.

A dizer a verdade, não fica bem a homens da nossa idade fazei mós d'isto; já que prescindimos do nosso direito, cão prescindamos ao menos da bua dicção portugueza.

(Aparte.)

Bem sei. A com missão pordoou esta incongruencia da camara dos senhores deputados e estes do governo mas emmendemos nós ao menos a redacção.

(Leu o projecto de lei.)

Paremos aqui por um momento.

Quem deu ao governo auctorisação para promulgar leis?

Está expresso no artigo 61.° da carta constitucional que promulgar leis pertence ás côrtes com a assistencia do Rei.

Porque não disseram simplesmente-publicar? Porque é que não querem reinar tambem?!

Parece-me que o melhor, como muito bem disse hontem o posso illustre collega o sr. Costa Lobo, é dissolver tudo isto.

Mas neta leis se diz, chama-se aos actos dictatoriaes do governo providencias. Sabiamos o que são decretos, o que buo leis, mas providencias!

Providencia é attributo da Divindade.

Não será roubar a divindade? Decretando providencias, até com Deus se metteram.

E termina assim:

(Continúa leitura.)

"Revogada toda a legislação em contrario a esta."

A esta que? A esta legislação? Mas se isto é uma colleção de providencias e não de leis!

Não percebo.

Mas, sr. presidente eu, para abreviar, vou já ler a moção que tenho a honra de mandar para a mesa.

"Attendendo a que o projecto de lei n.º 8 tem duas partes distinctas. pela primeira das quaes o governo pretende ser relevado de haver assumido funcções legislativas, e querendo, na segunda parte (§ unico do artigo 1.°) que continuem em vigor as providencias de natureza legislativa promulgadas por elle desde 10 de fevereiro até 5 de abril, inclusive, do anno corrente;

"Considerando, em primeiro logar, que não ha na constituição um só artigo que de ensejo a regularmente legalisar este procedimento, a favor do qual, exceptuando casos de força maior que justifiquem a proclamação salus populi, só a jurisprudencia dos precedentes póde ser invocada, mas querendo fazer boa essa jurisprudencia dos precedentes;

"Considerando que as côrtes, mesmo que accedam á primeira parte da proposta, não podem conceder o que no § unico Lhes é pedido, do modo por que se formula a proposta, de deixarem continuar era vigor essas providencias, designação estranha ás formulas legislativas;

"Attendendo a que nem EI-Rei póde assim sanccionar tal decisão sem que do auto das côrtes essas providencias recebam a formula e a norma que a constituição lhes marca, pois que é preciso;

"Considerar que da cooperação das côrtes e do Rei só podem saír leis e não diplomas de tolerancia a respeito de providencias que sobre serem illegaes o governo affirma haver promulgado, e que, a ter-se dado, seria a confissão de um novo abuso; porquanto, o artigo 61.° da carta constitucional diz os termos precisos da formula da promulgação da lei da lei, que é feita pelas côrtes e sanccionada pelo Rei, e não de quaesquer outras providencias ou por quaesquer outras entidades officiaes ou officiosas; Fazemos saber, diz o Rei . . que as côrtes geraes decretaram e nós queremos a lei seguinte, não havendo outra fórma nem outra incidencia de promulgação nem outro poder que promulgue fóra das côrtes e do Rei;

"Considerando que n'essas chamadas providencias de natureza legislativas o governo tomou para si o fixar, ou antes o determinar uma parte incerta, mas que deve ser avultada das despezas publicas do anno corrente, e bem assim o arbitrio da fixação da força publica, acrescendo que tambem se auctorisou a contrahir emprestimos, o que tudo era, e é attribuição exclusiva das côrtes, pelos §§ 8.°, 10.° e 11.° do artigo 15.° da lei fundamental;

"Attendendo a que pelo artigo 145.° da carta "nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei", e não é mister recorrer ás disposições correlativas da lei penal;

"É essencial que ás providencias publicadas em dictadura as côrtes dêem explicitamente força de lei, a quererem validal-as; por isso proponho:

"Que o periodo inicial do artigo 1.° do projecto fórme, só por si, o artigo 1.° da lei proposta; e que eliminado o o § unico, se addite um artigo 2.° assim concebido:

a Artigo 2.° São confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, as medidas de natureza legislativa publicadas pelo governo era 10 de fevereiro, 20 de fevereiro, 10 do março, 22 de março, 29 de março e 5 de abril do anno corrente de 1890. E que o artigo 2.° do projecto passe a ser artigo 3.° nos termos seguintes:

"Artigo 3.° Fica revogada a legislação era contrario."

Começarei por notar que nem no parecer da commissão da camara dos senhores deputados nem neste parecer venham especificadas as datas de todos os decretos.

E aqui pergunto ao illustre relator: n'estas providencias de caracter legistativo ha dez que não dizem que o governo dará conta aã côrtes nem das dsposições n'ellas contidas nem do uso que fizer das auctorisações.

Quer dizer em metade do numero de decretos não se diz ao menos que se dará conta ás côrtes das disposições n'elles contidas e ha apenas dois em que se diz que o governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações n'elles contidas! Porque a estas differenças?

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Ora, a camara vão dar-me licença para eu lhe ler uma pequena estatistica da qual se evidenceia quaes decretos o governo concede que venham ser vistos em côrtes e quaes são d'essa economia dispensados.

Por exemplo, a primeira dictadura:

(Lendo foi enumerando os decretos da primeira parte da dictadura.)

Entre todos estes decretos ha dois que não vem no parlamento, como é o que se refere ás obras de fortificação para o armamento de segurança do porto de Lisboa, e talvez não carecesse de vir, por isso que já existia a auctorisação para as obras de fortificação e artilhamento do porto de Lisboa. Talvez não seja preciso porque o governo tem auctorisação para fazer essas fortificações e seu artilha mento. Outro o da reorganisação do exercito.

Emquanto ao decreto da reorganisação do exercito, sr. presidente, a sua não vinda ás côrtes é das cousas mais espantosas que eu tenho visto!

Sr. presidente, porque é que este decreto não tem de ser presente ao parlamento ao passo que no decreto em que o governo a si mesmo concede auctorisação para reformar as guardas municipaes se declara que se dará conta ás côrtes das suas disposições?

Porque é isto sr. presidente?

Para dizer a verdade não sei por que motivo não houve necessidade de se dar conta d'estes dois decretos que são da maxima importancia: o da fortificação do porto de Lisboa e o da organisação do exercito, e se reputou necessario dar-nos conta do da reorganisação das guardas municipaes.

Quanto á reorganisação do exercito, eu fiz a confrontação como o decreto dictatorial do sr. Fontes, quando ministro da guerra. Em todo elle, havia bases precisas para o seu uso; mas aqui?

As bases eram claras.

Por exemplo: no artigo 10.° § 10.°, fixava em 278$000 réis o preço da remissão dos recrutas para o exercito.

"No artigo 4.°, diz se:

"O governo dará couta ás côrtes das disposições contidas neste decreto, e do uso que fizer das auctorisações nelle concedidas as quaes só durarão dentro de um anno."

Porque é que o governo de agora não quiz usar d'este modelo que lhe deu Fontes, porque quiz uma auctorisação sem limites nem bases?

No decreto de Fontes, de 18 de maio de 1884, ainda se usava dizer que do uso da auctorisação se daria conta ao parlamento, para elle exercer as suas faculdades. Agora não se faz nada d'isso.

Quando eu apresento a modificação que proponho, devia esperar que fosse votada, e n'esse decreto da reforma do exercito, de Fontes, encontro era que fundar tal esperança.

O parecer da commissão da camara dos pares apresentado ao exame da camara, em sessão de 20 de abril de 1880 apresentava-nos o seguinte projecto de lei:

"Artigo 1.° E relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercicio de funcções legislativas".

Note a camará:

"Artigo 2.° São confirmadas para terem f orça de lei e continuarem em vigor as medidas de natureza legislativa contidas no decreto de, etc."

O parecer estava assignado pelo sr. Serpa, entre outros. Ora, porque é que o sr. Serpa não quer hoje usar o modelo de que usou?

E extraordinario!

Na responsabilidade d'essa dictadura figuraram creio que tres dos ministros actuaes.

Bem diz o meu illustre amigo, o sr. Luciano de Castro, que todas as tradições do partido regenerador desappareceram!

Os livros por onde eu li, estão perdidos.

Eu sou forçado a abreviar as minhas considerações.

Varios pontos careço de tocar rapidamente d'estes decretos da dictadura, só para os citar, por assim dizer, porque eu já disse que, provavelmente, havia de me ver forçado a novamente usar da palavra na discussão da especialidade.

Porque motivo, tendo o governo de nomear commissões, como nomeou, para levar por diante a execução de todas as suas determinações, se não limitou a fazer essa nomeação e a dar ás commissões as indicações precisas, para elaborar os projectos d'essas medidas, que uns dias depois poderia apresentar ás camaras sem que fosse preciso sair da orbita legal?

Sabe a camara dizer-me o que é que temos lucrado com esta auctorisação que o governo a si proprio se concedeu?

Não vejo que tenhamos lucrado cousa alguma.

(Leu.)

Augmenta-se o contingente annual e faz-se uma nova lei de recrutamento militar.

Quererá s. exa. dizer-me em que bases assentam estas reformas?

Note v. exa., e note a camara, que se trata de uma lei de recrutamento, isto é, de uma das leis mais difficeis e mais melindrosas.

Como póde o parlamento, de animo leve, dizer ao governo que deposita plena confiança no uso que fizer da auctorisação consignada neste decreto, quando essa auctorisação se refere a um assumpto de tanta magnitude?

A camara sabe perfeitamente que uma lei de recrutamento, quando é mal feita ou mal applicada, póde despovoar o paiz.

Pois não sabemos nós que nas nossas provincias, e na do norte, principalmente, ha muitos mancebos que, para fugirem ao recrutamento, emigram clandestinamente para o Brazil?

No parlamento cada um falla a seu sabor.

Uns dizem que estamos ricos, que nadâmos em um mar de prosperidades, outros allegam que estamos pobres, e que é tanta a nossa miseria que já não podemos evitar um medonho cataclysmo; mas a verdade é só uma, e esta é que os proprietarios não têem quem lhes pague as rendas das suas propriedades, e os agricultores não têem meios para podei em fabricar as suas terras ou não as cultivam porque as colheitas não são remuneradoras por diversas cirtancias, de entre as quaes sobresáe a falta de braços.

No dia em que morrer a agricultura, que havemos de fazer?

E por todas estas considerações que eu não posso ver que o governo dictatorialmente legisle sobre o tributo mais importante e mais melindroso, que é o do sangue.

Pois quer a camara dizer ao governo: "Em assumpto de tanta importancia confiâmos no que fizerdes, e procedei como entenderdes?"

Sr. presidente, eu desejaria muito podei1 dar o meu voto á maior parte destas providencias de caracter legislativo; mas não posso, porque, dando-lhes o meu assentimento, votava implicitamente a exautoração completa do parlamento.

Diz a illustre commissão que as circumstancias extraordinarias em que se encontrava o paz obrigaram o governo a usar da dictadura.

Ainda convenho que o governo reconhecesse a necessidade immediata da organisação de serviços para o ultramar; mas s. exa. ha de ter paciencia de dizer-me se as urgencias da defeza nacional exigiam tambem esta regulamentação dos trabalhos da industria pescatoria.

Pois a defeza nacional exigia que fossemos dictatorialmente reformar as leis que dizem respeito á pesca em Portuga! e aos capellães da armada?

A questão dos capellães ainda só podo defender; mas eu quero que me digam qual foi a rasão de urgencia que obrigou o governo a usurpar as attribuições do poder legislativo, para legislar sobre a pesca.

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Comprehendo que as circumstancias extraordinarias exigissem a compra de navios, de torpedos, e a acquisição até de um Peral: mas não com prebendo que ellas levassem o sr. ministro da marinha a legislar sobre a pesca do camarão.

Este modo de defender o paiz é extraordinario!

V. exa. ha de ter paciencia de dizer-me ainda outra cousa.

A lei que alterou a eleição da parte electiva da camara dos pares em que é que póde concorrer para a defeza do paiz?

Estamos todos pela nossa idade, já livres até da segunda reserva, mas pelas providencias tomadas pelo governo, nós ternos de servir para alguma cousa. A providencia urgente que modicou a, fórma da eleição dos novos pares faz-nos crer isso; entretanto s. exas. os reformados, os conscriptos deverão ir na vanguarda porque são mais novos.

O que interessa á defeza do paiz a reforma da eleição da camara dos pares?

Tambem s. exa. me ha de dizer se serve para a defeza do paiz a lei que levanta os ordenados aos juizes de Portugal.

Em que é que os juizes de Portugal vão servir a nossa defeza? A defeza da nossa honra, a defeza da nossa vida, sim; mas a defeza propriamente dita do Portugal, não, porque os juizes do supremo tribunal de justiça são mais velhos ainda do que nós.

Pois é cousa que se faça no momento critico, gravissimo, que nos trouxe o ullimatam de 11 de janeiro, auctorisar-se o governo a reformar a magistratura no que respeita aos seus benesses?

E as mulheres das fabricas?! E os menores?!

Sr. presidente, eu sou insuspeito; eu, sendo ministro das obras publicas, apresentei uma lei reformando o serviço dos menores nas fabricas, acho que é preciso e deve reformar-se.

Não tive tempo para a fazer discutir; mas apresentar uma medida d'esta ordem em dictadura!!

As mulheres, os operarios, os meninos! Para que vem tudo isto nas medidas urgentes para a defeza do paiz?

A reforma dos theatros!... Quero crer que fosse mais para defeza do governo do que do paiz que ás expansões de Portugal se respondeu com a repressão da dictadura.

Queria mostrar que podia.

Mas que pressa a do governo em se mostrar grande reformador!

Para publicar vinte e um decretos de defeza é difficil! é realmente preciso virem os menores, as mulheres e os theatros constituindo se para esses uma commissão de censura com dois, como lhes hei de chamar? Inspectores, não. Vigias, não.

Se não fosse no parlamento aproveitaria uma denominação de bastidores, e chamar-lhes-ía borlistas, homens desoccupados, que vão visitar os camarins das actrizes e conversar com os actores.

Isto é bem bom!

Eu, se estivesse moço, talvez pedisse este emprego porque é excellente. E com ser gratuito rende muitissimo. (Riso.)

Mas pergunto o que o governo quer fazer em defeza do paiz com aquellas duas entidades?

Como quer tambem, por exemplo, que para a defeza do paiz concorra a freguezia de S. Quintino do Monte Agraço?

Sr. presidente, segundo me ensinaram na universidade de Coimbra, é preciso interpretar as leis de modo a encontrar n'ellas doutrina que não de absurdo. N'esta miscelanea de providencias eu chego a pensar na possibilidade de o governo, em vez de mandar blindar a torre do Bugio a mandar cingir com uma rede de pesca, como com um véu de noiva, mandando-lhe collocar no cimo, girando
com o pharol, um capellão da armada com a caldeirinha, hyssôpe e agua benta. (Riso.)

Emquanto aos professores de primeiras letras que symbolisam o decreto da creação do ministerio da instrucção publica, é cousa extraordinaria, que de quando em quando, vem um accesso de enthusiasmo dar-nos a fé, a certeza de que com o mestre-escola venceremos todas as difficuldades. E elles, coitados, a morrerem de fome!

Já se dizia que o mestre-escola allemão foi quem era 1870 venceu a França.

Ora a fallar a verdade o mestre-escola nunca venceu cousa nenhuma a não ser as mãos dos discipulos, quando invia palmatoria.

Eu veto todo o adiantamento para a instrucção publica, não pelo que diz o sr. presidente do conselho, porque esse não tem feito senão desacreditar-nos em toda a sua vida ministerial.

Elle declarou já que nós eramos o povo mais ignorante do mundo, e agora, n'estes documentos, declara que ninguem está mais mal organisado do que nós. Isto é, se falla mais alguma vez, estamos perdidos.

Não é o mestre-escola quem vence, quem vence é a espada, a espingarda e a artilheria.

Esparta era pouco de letras, Athenas era muito de academias. E ver qual d'ellas era o baluarte da Grecia.

Eu sou filho das letras, e não posso deixar de applaudir o seu adiantamento; mas como medida de defeza, a fallar a verdade, não me parece que n'um caso de invasão, para responder á artilheria do inimigo, nos valesse muito a eloquencia e sabedoria dos nossos discursos e o primor com que recitássemos versos, ainda que fossem de Homero; mas se eu estou em erro, e realmente n'esta e em todas as medidas da dictadura estão valiosos elementos da defeza de Lisboa e do paiz, eu ficarei descansado logo que veja no forte das Maias, forte onde não ha artilheria, alguns professores de primeiras letras com suas palmatorias nas mãos, e logo que para o alto de Caxias se mande um juiz de vara branca e de béca preta, um juiz bem alimentado e gordo, e a seu lado um escrivão tisico, tendo debaixo do braço uns autos de expropriação e outros outros de penhora.

Na torre de S. Julião, mulheres e meninos vestidos de soldados como em Cafim e Azamor.

Em Monsanto um par do reino de rendimentos medios e farda accomodaticia.

E para complemento, nas linhas de Torres Vedras, que foram II outros tempos, baluarte da nossa defeza...

O sr. camara Leme: - Estão estragadas.

O Orador: - Pois embora estejam. Descansemos por esse lado, uma vez que o governo lá deixe S. Quintino e Monte Agraço, mas é bom que lhes deixe tambem guia para se apresentarem no asylo dos inválidos de Runa. (Riso.)

Eu, sr. presidente, desejava fallar sobre a reforma que se fez na imprensa, mas como não tenho tempo e isso me levaria alguns quartos de hora, vou apenas fazer duas perguntas a s. exa. a respeito d'isto que vae ser lei de imprensa e da lei immediata relativa á policia correccional.

O nobre ministro terá a paciencia de ouvir os reparos que vou fazer.

Sr. presidente, quando s. exa. foi pela primeira vez ministro da justiça logo, com todas as meiguices da sua voz e do seu genio, foi mostrando a sua grande tendencia para reaccionario, tendencia que se tem accentuado; e eu sinto que s. exa. entrasse n'este caminho que não é bom.

Eu que tenho acompanhado s. exa. em varias phases da sua vida, encontrei este papel que o nobre ministro ha de conhecer.

São periodos de um preambulo que acompanhava uma proposta de reforma da carta que foi presente á camara dos srs. deputados em 1871 para se reformar a constituição do estado. Ouça a camara.

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"A primeira e a mais sagrada obrigação dos que têem a seu cargo o governo e a inspecção das cousas publicas rios estados regidos por livres instituições, é sem duvida o velar cuidadosamente para que não haja desharmonia, nem conflicto entre as leis constitucionaes de cada povo e o estado da sua opinião e dos seus progressos politicos e sociaes..."

Que differença de então para hoje! Veja a camara.

(Continúa lendo.)

"Para reformar o povo na sua perpetua contensão com o poder, que não emana directamente do seu seio, é preciso que a lei fundamental assegure aos cidadãos tres grandes immunidades naturaes, primitivas, incontestaveis, anteriores e superiores a todo o facto constitucional."

Já vê a camara que ha aqui uma perfeita comprehensão do alcance social das liberdades publicas. Continuemos.

(Continúa lendo.)

"A primeira é a liberdade do pensamento e da sua expressão oral e escripta.

"A segunda é o direito de pacifica associação.

"A terceira é a facilidade de se reunirem os cidadãos para se discutir os assumptos do governo e accordar nos meios pelos quaes possa prevalecer a vontade da nação."

É o comicio, é a reunião politica o mais definida que é possivel.

(Continúa lendo.)

"Se podemos transpor algumas vezes as raias, que nos marca a letra da lei fundamental, é aos costumas politicos, e ás tendencias altamente liberaes da nossa epocha e do nosso povo, que devemos attribuir esta diminuta ampliação dos nossos fóros. Porque se houvéssemos de ater-nos strictamente á sentença da carta constitucional, apenas gosariamos d'estas poucas e raras liberdades, que a propria monarchia absoluta, mas sensata, já hoje se pejaria de negar ou entorpecer."

.............................................................................

Veja a camara. Já a carta era retrogada.

(Continúa lendo.)

"Onde estão, porém, estes fóros, que são por assim dizer immemoriaes na constituição moral de todas as sociedades livres e cultivadas? Onde está na carta reconhecido o direito imprescritivel da reunido? Onde a faculdade de se associarem livremente os cidadãos? Onda está assegurada, não apenas a tolerancia para com o dissentimento no credo religioso, mas a liberdade de consciencia?... Onde estão estas preciosas liberdades, que por um lado congregam os cidadãos para oppugnarem os arbitrios do imperante, e por outro lado lhes servem de guarida contra os arremessos da intolerancia e as ambições da theocraria?"

.........................................................................

"No côrtejo constitucional desfilam primeiro, o poder, o Rei, os ministros, o conselho d'estado, a força militar, a justiça, os impostos! O povo vem no fim d'esta procissão tradicional."

Isto não póde senão honrar aquelles que assignaram. A assignatura do sr. ministro estava n'este documento.

Eu já não quero pôr em confronto o que fui o partido regenerador e o que é hoje o partido chamado regenerador. Eu quero pôr em confronto o que era a opinião em 1871 do nobre ministro da justiça a respeito das nossas mais mais queridas liberdades e o que é hoje o seu affecto á dictadura.

E querem que o povo não desconfie de todos nós os homens publicos!

Quando é que nós lhe diremos a verdade? Quando e que manteremos as nossas tradições? Quando é que faremos no governo aquillo que promettemos na opposição?

Nunca.

Por isso o povo é descrente e é o com toda a rasão.

É preciso que entremos em melhor caminho, que procuremos melhor estrada e façamos com que o publico venha

assistir a estes debates para bem apreciar o procedimento dos poderes constituidos.

Sr. presidente, vou referir-me apenas a dois pontos do decreto relativo á imprensa.

Porque é que ali se diz constantemente - ofensa - em vez de injuria, calumnia, diffamação?

Precisâmos de o saber saber.

Isto não é uma mera curiosidade da minha parte, mas eu considero tão sagrado este direito, a que me estou referindo, que peco ao nobre ministro, que deixe bem consignada a sua opinião a este respeito.

No capitulo 1.° artigo 181.° do codigo penal diz-se: (Leu.)

Pode ser que s. exa. quizesse encontrar aqui a palavra offensa, que tantas vezes entra nas disposições do seu decreto dictatorial.

Se efectivamente assim é, e póde ser, o nobre ministro presta um grande serviço aos tribunaes do seu paiz, declarando a sua opinião, porque é a interpretação mais authentica do que vae ser lei.

Se não é isto, então prevalecem todas as observações feitas pelo sr. José Luciano de Castro a respeito da palavra offensa, que não sei onde nos leva, porque, não estando bem definida na lei, todo o juiz póde interpretal-a como quizer.

Passando agora a outro ponto tambem deste decreto dictatorial, que se refere ao editor do jornal, peço ao nobre ministro, que me diga, porque as explicações de s. exa., servir-me-hão para quando discutir a especidade do projecto, o que entende por esta phrases, se for susceptivel de imputação.

Eu não a comprehendo, e creio que á maior parte dos juizes acontecerá o mesmo.

E susceptivel de imputação toda a gente que não é tola.

Sr. presidente, supponhamos agora que eu vivo em Lisboa, sou dono de uma officina typographica, que ponho á disposição de quem queira encommendar qualquer serviço, edito livros, jornaes de modas e outros jornaes: é a minha industria, posso não ter opinião politica, mas póde todos os dias sair da minha officina um Espectro contra outro Espectro.

Os caixotins não têem culpa nenhuma do que ali se fez!...

Lu posso ser um grande industrial, ter aqui officinas typographicas e em França, suppouhamos mesmo que resido em França e venho aqui estabelecer uma officina, ou em outro qualquer ponto do paiz; se me apparecer um redactor a perguntar-me se lhe imprimo um jornal, eu respondo-lhe que sim, com a condição d'elle me dar por um certo numero de exemplares um tanto.

Vem depois a lei e diz-me que eu hei de responder por tudo quanto fez este redactor, porque elle abusou da liberdade de imprensa, e por mais que eu diga que não tive conhecimento d'isso não mo acreditam, e em todo o caso nada me vale.

Dizem que commetti um crime. Eu nego, protestando que não póde haver crime sem intenção, mas pago e respondo pelo crime alheio?

Isto não se póde fazer.

Isto brada aos céus.

Já mandei para a mesa a este respeito uma representação da classe typographica lisbonense que está fundamentada; mas que ainda assim não grita tão alto como tem rasão de gritar.

Mas ainda ha mais. Supponhamos que eu sou dono de uma typographia e que preciso de dinheiro para mandar vir typo ou papel, ou outro qualquer artigo para o exercicio da minha industria, vou procurar um capitalista qualquer para que mo empreste e elle não m'o empresta 5 réis que seja!

E se eu já lhe tenho pedido algum, elle vae immediatamente exigir-m'o porque, por este decreto, acabam

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todas as garantias que eu podia offerecer-lhe como caução do seu dinheiro, porque acima de todos os contratos com os editores, apparece o governo e diz: "isto é só para mim".

Ora, sr. presidente, ha maior iniquidade?

Imponham as responsabilidades ao edictor e saibam tornal-as affectivas; com isso conseguem muito.

A maior parte dos homens que escrevem são pobres o n'essa circumstancia estará a efficacia da medida, tudo conseguirão. Mas tornarem responsavel o industrial que tem simplesmente a sua officina, por uma opinião que não e sua e que as mais das vezes nem conhece, e fazel-o pagar por crime alheio, não póde ser, isto brada aos céus! A camara não o póde votar em sua consciencia.

(Pausa.)

Ora, sr. presidente, vamos agora a ler pausadamente estes artigos do decreto.

(Leu e analysou o artigo 3.° do decreto )

Eu peco ao nobre ministro que veja bem este artigo.

(Continuou lendo.)

Portanto, aqui é ainda o segundo caso. O primeiro está previsto.

(Continuou lendo.)

(Leu e analysou o § 1.° do artigo 3.°)

Na falta d'este vão procurar á officina o editor que, conjunctamente com o redactor, e o responsavel.

(Leu e analysou o § 2.º)

Era melhor dizer-lhe logo isto, do que estar a dar esperanças ao dono da officina, para depois lh'as tirar.

(Leu e analysou o § 3.°)

Peço a attenção da, camara, por um minuto, para o seguinte facto; um exemplo da applicação do paragrapho que acabo de ler.

Eu recebo em minha casa um numero qualquer de um jornal incendiario. Venho para os corredores da camara, que ainda não é casa defesa, e diante de todos os meus collegas e de quantas pessas estiverem para subir paro, as galerias, leio este jornal só por isso fico incurso no crime mencionado n'este artigo.

(Continuou lendo o mesmo § 3.º)

Com esta divulgação sou preso por um belleguim da policia, mettido na cadeia, fico sujeito a um processo e hei de ser condemnado, porque todos v. exa. são testemunhas de que eu concorri para a divulgação do artigo d'aquelle jornal, porque o li diante de toda a gente.

Ora isto não podo ser.

Vamos ás consequencias, onde ellas podem chegar.

Vejamos o artigo 6.°:

(Leu os artigos 6.° e 7.° e § 1.°)

esejo saber se são sempre cumulativas as penas de prisão e a de multa, e se o não são sempre quando e em que casos.

Agora deixemos todos estes pontos e vamos ao decreto immediato n.º 2. Sobre este ainda tenho maiores duvidas a respeito da applicação das suas disposições.

Aqui trata-se da liberdade individual, e esta tem direito á maxima consideração, tanto da parte do governo como do parlamento.

(Leu o § 2.º do artigo 1.º)

Diz-se aqui que os presos serão julgados summariamente no acto da sua apresentação ao juiz, servindo como processo o respectivo auto policial.

Diga-me o nobre ministro, que auto de policia é este que substituo o auto de corpo de delicto?

Auto do policia! Não conheço senão dois, auto de noticia e auto do investigação. Qual d'estes e o que fica sendo como processo sufficiente para se poder julgar e condemnar?

(Continúa lendo.)

Se o preso for reincidente! Mas como póde o juiz apreciar se é ou não reincidente se nem tempo lhe dão para ir consultar o competente registo, uma vez que a reincidencia consiste em se ter praticado já iguaes delictos. A não ser que saiba pela informação do commissario ou do policia que mandou o auto policial.

Bastará uma tal informação?

Deus nos livre de tal, isto é consentiras maiores tyrannias, e confiar tudo a propria liberdade individual ao arbitrio de qualquer agente policial. Isto não póde ser, depois será verificado que não é possivel julgar a reincidencia senão em face do registo legal e de documentos. Mas se o réu quizer contestar com outros documentos e juntar certidões, ahi está o réu preso mais de oito dias! Ora um processo que quer ser summario, tendo Jogo no principio uma prisão de oito dias, é simplesmente uma tyrannia.

Supponhamos outra hypothese.

Dão parte de um cidadão, accusando-o de vadio, e elle vae apresentar-se na audiencia e contestar. O juiz que acceita a participação, trata do processo summarissimo e vão immediatamente julgal-o. Mas as testemunhas por elle offerecidas dizem que effectivamente é um homem de bem. Pergunto: que modificação ha n'este processo?

Segue até ao fim summarissimo ou toma outra fórmula? Não posso saber.

O auto de policia é sufficiente corpo de delicto?

Tenho medo d'isto.

Quanto ao processo summarissimo, nem se quer nos diz o decreto se n'elle tem intervenção o ministerio publico. E a dizer a verdade, precisâmos saber quem accusa. Falla-se do juiz que tem logo de julgar...

Na segunda hypothese temos já o ministerio publico. O governo decretou os prasos. Dentro de quarenta e oito horas ha de o ministerio publico deduzir a sua queixa; dentro de vinte e quatro horas ha de o juiz lançar o despacho de pronuncia; depois ha uns prasos para juntar documentos. E depois?

Não vê o illustre ministro que falta aqui um complemento?

O réu está preso; está feita a queixa pelo ministerio publico; está lançado o despacho de pronuncia pelo juiz; e depois?

NMO se suba quando ha de fazer-se o julgamento. Isso fica ao arbitrio do julgador.

Na primeira hypothese diz immediatamente; na segunda, não põe praso; deixa-o ao arbitrio do julgador, póde ser d'ahi a um anno, se este quizer, como ainda se pratica era alguns casos.

Eu teria muito mais que acrescentar; mas devo toda a deferencia ao nobre ministro que tem vontade de me responder, e por isso vou concluir aqui as minhas perguntas, deixando a mim proprio a auctorisação, como é moda por parte dos srs. ministros, de poder levantar quaesquer questões, quando se tratar da especialidade.

Sr. presidente, nós vamos votar tudo isto ao governo, mas é preciso que uma pergunta que fez o sr. José Luciano de Castro seja respondida e ainda não foi. Eu peço licença para lhe dar resposta.

O sr. José Luciano perguntou d'ali: "Se nós votarmos tudo isto ao governo, o que ficamos sendo?"

Er o vou dizer ao meu illustre amigo, aproveitando-me de uma phrase de Joaquim Nabuco, tambem do teu manifesto que já hoje citei. "Nós, votando esta exautoração, que se nos propõe, ficamos sendo uma assembléa de fallidos, votando a lei da nossa propria bancarota. (Apoiados.)

Se votâmos tudo isto que o governo quer que se vote, ficamos sendo esse Jorge III, a quem se reteriu o sr. Barros e Sá. (Apoiados)

Ficaremos sendo o Jorge III de Inglaterra; o vencido dos Estados Unidos, porque nós, como elle, assignamos o auto da nossa destituição e o reconhecimento da nossa demencia.

O que somos se votarmos esta proposta do governo? Somos Carlos V assistindo ás proprias exequias.

Tenho concluido. (Apoiados.)

(S exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1890 511

Leu-se na mesa a moção, e consultada a camara foi admittida á discussão, para ser discutida conjunctamente com o projecto.

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Tomava a palavra n'este momento não só no desempenho de um dever do seu cargo, mas lambera como prova da especial consideração que pelas suas virtudes e altos merecimentos tributava ao digno par, a quem responde. Prevalecendo-se da faculdade que lhe compete como membro do governo de tomar a palavra em qualquer altura do debate, propositadamente se reservára para responder ao digno par, que com tanta eloquencia acabára de fallar, não com o intuito de desfazer a impressão que a sua palavra eloquente tivesse produzido na camara, comquanto tivesse a certeza de que, tendo pelo seu lado a justiça e a rasão, poderia com vantagem responder aos argumentos do s. exa., mas sim unicamente pelo grande desejo que tinha de dar ali publico testemunho do vivissimo pesar com que vira quebrar s. exa. a sua penna primorosa de jornalista, na occasião de serem publicados os decretos da dictadura, em que se contava o que se referia á imprensa, e tanto maior fôra o seu pezar quanto era certo que em caso nenhum aquelle decreto poderia nunca na sua applicação abranger a penna delicada e côrtez do distincto jornalista, que nem ainda no mais acceso da lucta e na maior violencia do combate deixava de lado os seus primores de delicadeza e a cortezia.

Na palavra - offensa - empregada nas disposições do decreto, vira o digno par um verdadeiro abysmo, ameaçando engulir toda a liberdade de manifestação de pensamento.

Terá occasião de provar como eram injustificados os receios de s. exa. pelo emprego d'essa palavra tão frequentemente, e sempre com tão clara e precisa significação, empregada quer na legislação civil, quer na legislação penal, que, se ha motivos para surpresas é só na surpreza que o emprego de tal palavra causa aos que n'ella vêem um perigo gravissimo a ameaçar do morte as liberdades publicas.

Antes de entrar propriamente no assumpto, responderia muito summariamente a alguns reparos feitos pelo digno par,

Propozera s. exa. na redacção do projecto a substituição da palavra "providencias" pela palavra "medidas", e não lhe parecia que com isso se lucrasse muito, porque o seu pensamento está precisa e claramente significado, quer se diga "medidas legislativas", quer se diga "providencias legislativas". Entretanto acreditava que o digno par só se referira ás palavras "providencias de caracter legislativo" para mais accentuar a sua censura contra o governo, porque em seguida empregou a palavra "promulgadas", e n'isto víra o digno par uma nova invasão de poderes, um novo crime, um novo attentado contra o parlamento uma nova violação da lei fundamental do estado. Invocára o digno par o artigo 61.° da carta constitucional que contém a formula de promulgação das leis: "Fazemos saber a todos os nossos subditos que as côrtes geraes decretaram e nós queremos a lei seguinte, etc."; e d'aqui concluíra s. exa. que o governo, attribuindo-se a faculdade da promulgação da lei, mais uma vez violára a carta porque em face do citado artigo tal faculdade pertencia ás côrtes geraes e ao soberano.

O digno par não podia deduzir similhante conclusão, porque, nem na nossa, nem em constituição nenhuma do mundo similhante faculdade era conferida ao poder legislativo, cuja funcção cessava no acto da apresentação do decreto das côrtes á sancção do poder moderador.

Mais ainda. Pediria licença para citar tambem o artigo 60.° da carta constitucional, o qual depois de indicar a formula da sancção real - o Rei consente - declara que com isto fica o decreto das côrtes sanccionado e nos termos de ser promulgado como lei reino, acrescentando que um dos dois autographos, depois de assignados pelo Rei, será remettido para o archivo da camara, que o enviou, e outro servirá para por elle se fazer a promulgação da lei pela respectiva secretaria d'estado, indo depois para a Torre do Tombo.

De certo o digno par não tinha attentado nas disposições d'este artigo em face da qual era correctissima a phrase empregada nos decretos, como correctissimo fôra o procedimento do governo, promulgando-os pelas respectivas secretarias d'estado.

Como este, outros reparos tinham sido feitos não só pelo sr. Thomás Ribeiro, mas por outros dignos pares, pequenas duvidas a que muito summariamente responderia, porque todas ellas caíam perante a propria inanidade das rasões apresentadas.

Tal por exemplo fôra o reparo por s. exa. feito, a formula: "fica revogada toda a legislação contraria a esta", que evidentemente não dizia mais nem menos do que a formula usual: "revogada a legislação em contrario", nem d'aqui, lhe parecia, poderia resultar confusão ou obscuridade na interpretação da lei.

Entrando na defeza da dictadura referiu-se o orador aos acontecimentos que se seguiram á intimação do ultimatum do governo inglez, cuja primeira consequencia fôra a queda do gabinete transacto; descreveu a situação critica, aggravada de difficuldades de toda a ordem, em que o governo subiu ao poder; pondo era relevo o estado de exaltação apaixonada e crescente do espirito publico a que fôra mister acudir de prompto com providencias energicas e urgentes.

Do conjuncto de medidas que o governo resolvera então publicar em dictadura, destacára o digno par algumas que menos immediata relação podessem ter com aquelles acontecimentos para perguntar ao governo a rasão da sua publicação. Assim, perguntára s. exa. em que podiam concorrer para a defeza do paiz, por exemplo, a que se referia a theatros, a que se referia a pescaria e a que se referia á eleição da parte electiva da camara dos dignos pares.

A publicação d'essas medidas fora já pelos respectivos ministros justificada e nenhum d'elles nem ninguem sustentaria nunca que ellas fossem ou tivessem sido consideradas como elementos da defeza do paiz.

Seguramente não era no decreto relativo aos theatros, ou no que reforma os vencimentos da magistratura que o governo ou alguem podia encontrar um elemento aproveitavel para o plano da defeza do paiz, e ainda assina não seria difficil demonstrar que, com a excepção de alguns, e poucos, todos os decretos da dictadura mais ou menos remotamente têem a sua origem nas dolorosas circumstancias em que nos havia lançado o ultimatum de 11 de janeiro. Mas se essa origem comquanto commum para todos, era para uns mais directa, mais immediata do que para outros, era bem que na sua apreciação se não contundissem, porque uma cousa eram as consequencias immediatas das circumstancias determinadas pelo ultimatum, outra cousa eram a& que resultavam de acontecimentos occorridos no imperio d'essas mesmas circumstancias, que, embora mais remotos, tinham ainda a mesma origem ou causa o ultimatum.

Depois de 11 de janeiro surgira em todo o paiz, profundo, impetuoso e apaixonado como profundo e apaixonado era o desespero, a dor que alanceava a alma nacional, esse grande movimento patriotico tão generoso e grande no sentimento que traduzia, mas tambem tão desnorteado tão desorientado de objectivo definido, como era natural no desvairamento da dor profundissima de um povo inteiro, ao sentir-se assim profundamente ferido nos seus brios de nacionaes.

Então de toda a parte surgiam as reclamações da opinião, pedindo providencias urgentes com relação a armamentos, a melhoramento do exercito, da armada e das condições das nossas colonias, toda a sorte de providencias em fim, que no mais curto praso podessem assegurar a de-

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512 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

feza nacional, se é que talvez na maioria da nação se não aspirava a mais alguma cousa do que á defeza, a vingar a affronta recebida. Essa aspiração, aliás, tão digna e propria da exaltação d'esse momento angustioso tinha de ceder á voz da boa rasão, porque a verdade era que se podessemos reflectidamente pensar n'uma desaffronta pelas armas contra uma nação, que sobre nós tinha, tamanha superioridade de forças, de certo o ministerio que recebêra o ultimatum não teria reconhecido a necessidade de no dia seguinte pedir a El-Rei a sua demissão, e teria seguido outro caminho. Entretanto não acalmava, antes crescia em toda a parte a excitação do espirito publico, e cada dia mais instantes e energicas se repetiam as reclamações de providencias, principalmente para augmentar e melhorar as nossas forças de mar e terra, e que todas coca effeito correspondiam a uma necessidade publica. Foi n'estas circumstancias que o governo teve de recorrer á dictadura publicando os decretos a que se refere o bill. Mas a urgencia das medidas pela qual o governo resolveu publical-as immediatamente, recorrendo á dictadura e que a justifica, não era a urgencia da applicação das medidas, pelo menos de um certo numero d'ellas, era a urgencia da sua publicação determinada pela necessidade instante de dominar a exaltação do espirito publico e tranquillisar quanto possivel a opinião.

E não se enganara o governo, porque a publicação dos decretos produzira com effeito o resultado desejado.

Evidentemente não pensara o governo em realisar desde logo e em poucos dias a reorganização completa do exercito, porque seria tentar um impossivel, mas pensou que decretar desde logo a reorganisação indicando as bases geraes era o bastante para mostrar a seriedade da sua intenção a esse respeito e para satisfazer ás exigencias mais instantes da opinião.

Este e não outro fora o seu fim immediato, e esse conseguira-o.

Não ignorava, porém, a camara que á sombra d'esse grande e digno movimento patriotico muito se quiz especular, tratando-se de aproveitar a exaltação do momento para levantar a opinião, não só contra o governo, o que seria uma insignificancia, mas contra as instituições o que era mais grave e mais sério.

Tratava-se de apontar á execração e ao odio dos espiritos desvairados, como principal responsavel d'esses acontecimentos verdadeiramente luctuosoa para a nação, o augusto chefe do estado que, dotado das melhores intenções e animado dos mais patrioticos desejos não podia ter responsabilidade alguma por qualquer erro politico ou administrativo do governo, menos ainda pelo acontecimento que para elle como para todos os portuguezes fôra o mais doloroso.

Especulava-se com o sentimento nacional, para por meio de falsidades, injustiças e calumnias, accusar o monarcha logo nos primeiros dias do seu reinado, bastando essa consideração para nem por sophismaa se poder attribuir-lhe sequer a minima responsabilidade.

Foi contra similhante injustiça que se revoltou o espirito d'aquelles que tinham por dever e desejo fazer justiça a todos.

Foi n'essa occasião, angustiosa para o governo, que elle, vendo desacatado o nome do augusto chefe do estado e accusados os poderes publicos de traidores e vendidos á nação que nos affrontára, entendeu que não podia nem devia consentir a continuação d'este estado de cousas perfeitamente inadmissivel, e que era urgente a correcção e a repressão para evitar os perigos a que podiam levar-nos aquelles que, por todas as fórmas especulando com o sentimento patriotico, procuravam arrastar a opinião desnorteada e os espiritos excitados; foi em tão grave conjunctura que o governo resolveu decretar as medidas, que publicou, de caracter urgente, e que podem, em alguma das suas disposições, soffrer contestação, porque póde ter o governo errado, mas que em todo o caso produziram o resultado immediato a que miravam, e que mereceram o applauso do espirito publico, pelo menos d'aquelle que não as interessa na alteração da ordem e do respeito ás instituições.

Mas essas medidas, que podiam ser apreciadas nas suas disposições em relação ás necessidades dos serviços a que se referiam, como actos que foram de dictadura, têem de ser apreciadas tambem todas ou a maior parte com relação á urgencia da situação anormal em que tinham sido reclamadas por uma necessidade imperiosa e realmente inadiavel; e, se as forem examinar sob este ponto de vista especial, em todas se reconhecerá a rasão da urgencia da sua publicação, embora em muitas ou em algumas se não encontre rasão da sua immediata applicação.

A que se refere á eleição da parte electiva da camara dos dignos pares, essa podia-se dizer que não pertencia a nenhuma d'aquellas duas categorias, e podia ser considerada como filha da occasião politica em que foi publicada.

esadorou sempre o orador as reformas eleitoraes realisadas em vesperas de eleições, e mormente as feitas dictatorialmente; havia, porém, hypotheses em que não podia deixar de as admittir como resultado fatal das circumstancias de todo o ponto excepcionaes e em taes circumstancias precisamente se encontrara o governo quando na occasião politica de ser chamado ao poder encontrára na legislação um vicio que absolutamente lhe impedia a sua vida constitucional.

Tinha a confiança da corôa que o chamara, tinha a confiança do paiz, que reconhecêra a necessidade publica e momentosa em virtude da qual fôra chamado, e todavia o governo, qualquer que fosse a sua boa vontade, nada poderia fazer para corresponder á confiança da corôa e á justa espectativa da opinião, faltando-lhe o apoio da parte electiva da camara dos pares, e propoz a dissolução que foi concedida pelo soberano, publicando então a medicação da lei eleitoral com bases que não podiam ser suspeitas para o paiz.

Como desse a hora, pediu s. exa. ao sr. presidente que lhe reservasse a palavra para a sessão seguinte.

(O discurso do sr. ministro será publicado na integra, e em apendice, quando s. exa. devolva as respectivas notas.)

O sr. Sousa e Silva: - Por parte da commissão de obras publicas, mando para a mesa um parecer.

Foi a imprimir.

Foi lido na mesa um officio do sr. ministro da fazenda, enviando os documentos pedidos pelo sr. Costa Lobo, relativos á construcção, fornecimento e montagem e laboração da moagem e padaria do estado.

O sr. Costa Lobo: - Peco a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que os documentos que me foram remettidos pelo ministerio da fazenda sejam publicados no Diario do governo.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Antonio José Teixeira: - Mando para a mesa os seguintes pareceres:

Das commissões de instrucção publica e de commercio e industria, approvando o projecto de lei n.° 9, que tem por fim auctorisar o governo a organisar os serviços no ministerio da instrucção publica e bellas artes, creado pelo decreto de 5 de abril ultimo.

Da commissão de fazenda, approvando a resolução das commissões de instrucção publica, commercio e industria, que approva o projecto de lei n.° 9.

Foram lidos e vão a imprimir.

O sr. Presidente: - Ámanha ha sessão, e a ordem do dia será a mesma que para hoje estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e cinco minutos da tarde.

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SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1890 513

Dignos pares presentes na sessão de 8 de julho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Alte, d'Avila, do Bomfim, de Carnide, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de Lagoaça; Bispo da Guarda; Viscondes, da Azarujinha, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Sousa Fonseca, de Paço de Arcos; Barão de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Caetano de Oliveira, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Neves Carneiro, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Hintze Ribeiro, Firmino João Lopes, Oliveira Feijão, Costa e Silva, Francisco Cunha, Van Zeller, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Sousa Avides, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Placido de Abreu, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro.

O redactor = Fernando Caldeira.

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