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SESSÃO N.° 41 DE 13 DE JULHO DE 1893 475

sociadas todos ou quasi todas as fabricas, este gremio,, convem dizel-o, era muitissimo differente d'aquelle que, mais tarde, foi legislado pelas côrtes, sendo ministro da fazenda o sr. Oliveira Martins. Em primeiro logar, era constituido por todas as fabricas do continente e dos Açores, á excepção, como disse, de uma do Porto; em segundo logar, a sua duração era por quinze annos; em terceiro logar, e n'isto é que, a meu ver, consistia a capital differença, o gremio garantia ao estado uma quantia minima de 400 contos de réis, por anno, alem do imposto de 50 réis por cada litro de alcool, que o gremio vendesse, excedente a 8.000:000 litros. O gremio, que, depois, foi estabelecido em lei, da responsabilidade do sr. Oliveira Martins, era por cinco annos, podia constituir-se logo que o requeressem dois terços das fabricas, representando dois terços da producção, e não garantia ao estado nenhum minimum de receita. Mas nenhuma d'estas idéas do sr. Marianno de Carvalho, nem a do monopolio em hasta publica, nem a do gremio entre os fabricantes das ilhas e os do continente, póde ter execução, porque intercorrentemente saia do governo aquelle estadista, arrastando na sua queda todo o gabinete de que elle fazia parte.

Subiu ao poder o sr. Oliveira Martins que, abandonando todos os planos do sr. Marianno de Carvalho, apresentou uma nova proposta de lei, onde se estabelecia a liberdade do fabrico com imposto igual de producção para todas as fabricas do continente e das ilhas. Tambem esta idéa não agradou, sendo a proposta ministerial transformada pela commissão de fazenda n'um projecto de lei, onde se estabeleciam dois regimens: o do gremio por cinco annos, com 50 réis de imposto em litro de alcool, sempre que o requeressem duas terças partes das fabricas, representando dois terços da producção total do paiz, e o da liberdade de fabrico, com 100 réis de imposto, por litro, para todas as fabricas não associadas no gremio.

E eu confesso a v. exa. que fiquei maravilhado quando vi o ministro acceitar esta idéa da commissão, e perguntei a mim mesmo como se explicava que o sr. Oliveira Martins, que puzera de parte a idéa do gremio do sr. Marianno de Carvalho, acceitava agora a da commissão, que nem ao menos tinha o que aquella tinha de bom, que era garantir annualmente 400 contos de réis de receita para o estado! Verdadeiramente intrigado com este exquisito phenomeno administrativo, debalde procurei quem me esclarecesse, até que, um dia, pessoa entendida nos assumptos da nossa administração publica, me explicou o caso satisfactoriamente: «É porque Oliveira Martins, - disseram-me, - como ministro novo, que entra, não lhe fica bem acceitar as idéas do ministro antigo, que sáe». Fiquei esclarecido e achei acceitavel a rasão da mudança... para peior.

Mas ainda não pararam aqui as successivas phases porque passou este negocio. Saindo o sr. Oliveira Martins da pasta da fazenda por motivos que toda a camara conhece, ou quasi toda a camara desconhece, e sendo substituido pelo sr. Dias Ferreira, logo este illustre estadista entendeu que tambem ia mal aos seus brios dar execução a uma idéa acceita pelo seu antecessor. Fez, portanto, outra cousa: approvou o gremio, mas só por dois annos.

Estavam, finalmente, as cousas n'este pé, sr. presidente, tinha-se constituido e approvado o gremio por dois annos, pagando as fabricas, que se associassem, o imposto de 50 réis por litro de alcool, e as que ficassem de fóra 100 réis, de harmonia com a lei que fôra votada, quando, subitamente, em fevereiro d'este anno, explodiram na tribuna da camara dos senhores deputados accusações violentissimas contra o modo por que se constituira o gremio e contra as entidades ou pessoas n'elle associadas; accusações não direi de má fé, porque eu não tenho o costume de malsinar as intenções seja de quem for, e muito menos, d'aquelles com quem tenho, e quero ter, as minhas relações pessoaes cortadas, mas accusações, evidentemente, provenientes de atrevidissima ignorancia, e de provadissimo desconhecimento dos factos e das leis do paiz. Essas accusações foram as seguintes:

l.ª Que o gremio fôra constituido fraudulentamente, sendo illudidas as estações officiaes superiores e o proprio ministro; 2.ª, que figuraram illegalmente na sua constituição fabricas que não existiam, ou com supposto nome; 3.ª, que os agremiados recebiam como percentagens do gremio dezenas e centenas de contos de réis. Leu-se n'essa occasião uma longa lista das fabulosas e grossas sommas que cada uma das fabricas recebia do opulento e riquissimo gremio. Estas accusações, devo confessal-o, causaram uma profunda impressão em toda a camara que desprevenidamente as escutou. Produzidas n'um momento em que se exigiam gravissimos sacrificios ao paiz, formuladas com reticencias mysteriosas sobre os auctores de tão nefandos attentados, postas em scena na tribuna, comicamente, à la moda do Delahaye do Panamá francez, despertaram - deve dizer-se - uma viva emoção em todos aquelles que as ouviram de surpreza. Esta impressão accentuou-se ainda mais, quando se viu que o illustre ministro da fazenda e presidente do conselho que ouvira fazer taes accusações não teve nem então nem no dia seguinte uma palavra de resposta para lhes dar. O sr. presidente do conselho de ministros ouviu todas estas accusações gravissimas n'um profundo silencio e não teve uma unica palavra para responder. Porque foi que procedeu assim aquelle illustre estadista? Qual foi a causa d'este silencio? Foi porque o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda n'essa epocha já estava preoccupado com as causas latentes que determinaram, dias depois a queda do ministerio e não podia conseguintemente voltar a sua attenção para este assumpto, embora elle fosse de uma gravidade inexcedivel? Foi talvez porque o sr. ministro da fazenda d'essa epocha não sabia uma palavra do assumpto, apesar de ter intervindo n'elle com o seu despacho e com a sua assignatura? Não sei; sr. presidente, mas, fazendo justiça, imparcial a todos, devo declarar a v. exa. e á camara que não estou longe de admittir que foi certamente a segunda d'estas causas. E não creia a camara que eu com isto quero fazer qualquer injuria aquelle illustre estadista, por quem tenho aliás a maior consideração. Ainda não ha muitos dias que eu ouvi ha camara dos senhores deputados um illustre estadista, que já foi por mais de uma vez ministro da fazenda, confessar com toda a franqueza que durante o tempo em que estivera no governo, assignara, de cruz e sem ler, varias portarias e decretos, facto que aliás tem precedentes na historia, porque já num dos famosos discursos de Passos Manuel, reputados de primeira grandeza, aquelle illustre patriota confessara em 1836 que tinha assignado bastantes decretos contra a sua opinião e contra a sua vontade. Seja como for, ou fosse como fosse, a verdade é que aquellas accusações, apesar de provenientes de uma atrevidissima ignorancia e de um absoluto desconhecimento dos factos e das leis do paiz, produziram uma impressão profundissima em toda a camara, impressão que passou da camara para a rua e para a imprensa, e que a poucos passos se transformava n'uma corrente impetuosa e energica que energica e impetuosamente reclamava a aniquilação do gremio. Esta é a verdade, e foi sob esta impressão e n'estas condições, sr. presidente - para ser justo devo confessal-o - que o sr. ministro da fazenda promulgou o decreto de 3 de março.

Não quero discutir esse decreto, mas, apesar de não discutir nem examinar agora esse decreto illegal, tumultuario, arbitrario e prepotente, mas em todo o caso explicavel, não deixarei, comtudo, de aproveitar o ensejo, que me parece opportuno, para dizer ao sr. ministro da fazenda, sem o querer molestar, que um estadista, para ser digno d'este nome, não ha de obedecer incondicionalmente, subservientemente, ás correntes desvairadas da opinião; antes precisa ter animo sereno e espirito forte para resolver com justiça e rectidão, fazendo frente e oppondo-se corajosamente á opinião, quando ella não represente nem