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N.º44
Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama
Secretarios—os dignos pares
Visconde de Soares Frasco
Eduardo Montufar Barreiros
Ás duas horas e um quarto sendo presentes 22 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida á acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)
O sr. Miguel Osorio: — Pedi a palavra para apresentar um requerimento afim de que seja enviado a esta camara, pelo governo, o parecer da procuradoria geral da corôa, em relação á deliberação da camara municipal de Coimbra, de tributar o juro das inscripções. O sr. ministro da fazenda tinha declarado, n’uma das ultimas sessões, que mandava este parecer para a camara, e por isso não fiz noutra: occasião o requerimento que hoje faço. S. exa., por um esquecimento, facil de explicar, como o sr. ministro me fez favor de declarar particularmente, remetteu aquelle documento para o ministerio do reino, onde era preciso.
Julgo que não ha inconveniente em dizer aqui o que o sr. Serpa me explicou particularmente n’uma conversação amigavel.
Requeiro, pois, pelo ministerio do reino, a remessa da consulta do procurador geral da corôa, aonde ella hoje se encontra, porque é conveniente que a camara tenha conhecimento da opinião dos homens competentes, de tão notaveis jurisconsultos que foram consultados sobre este assumpto a que me refiro, assumpto que tem de ser discutido n’esta casa, visto que o governo apresentou hontem ha camara dos senhores deputados uma proposta de lei com referencia á mesma questão.
Portanto, parece-me indispensavel habilitar a camara com aquelle documento, e com esse fim apresento o meu requerimento.
Passarei agora a outro assumpto, de que tambem já tratei, na mesma occasião de pedir ao governo a remessa do documento a que acabo de alludir.
Então chamei a attenção do sr, ministro da fazenda para um assumpto da competencia do sr. ministro das obras publicas.
Na ausencia deste sr. ministro, ausencia que é constante, e por consequencia nos priva de dirigirmos perguntas a s. exa., tive de expor ao sr. ministro da fazenda algumas observações ácerca da conveniencia de se melhorarem os campos de Leiria, applicando a mesma legislação que se adoptou para o melhoramento dos campos do Mondego.
O Sr. Serpa teve a benevolencia de se encarregar de participar ao seu collega o desejo que eu tinha de lhe dirigir algumas perguntas a respeito d’este assumpto. Desejava, pois; saber pois, saber se passou, e se o sr. ministro da fazenda esta habilitado a dar-me algumas informações, ouse o seu collega o sr. Lourenço de Carvalho, está disposto a vir aqui dar quaesquer explicações que julgue opportunas.
Eu podia annunciar uma interpellação ao governo com referencia a esta materia, mas não gosto de fazer interpellações, porque não dão resultado, quando os governos não estão dispostos a fazer o que nós lhe indicâmos ou pedimos, já se vê no interesse da causa publica, menos o fazem com interpellações, em que se intromette logo o capricho do ministro.
Reconheço mesmo a incompetencia das opposições para obrigar os governos a fazerem alguma cousa, por isso que elles tomam sempre as exigencias da opposicão como questões partidarias e politicas, e por essa rasão de nenhuma maneira cedem aos pedidos por mais alheios que sejam á politica partidaria. Eis o motivo por que não faço interpellações.
O caminho que tenho seguido é outro; costumo fallar primeiro era particular aos srs. ministros, expor-lhes o que me parece conveniente para os interesses publicos. Foi isto o que fiz com respeito ao melhoramento dos campos de Leiria; dirigi-me ao sr. ministro das obras publicas; s. exa. prometteu olhar por esta necessidade; mas não olhou, nem vem a esta camara dar nenhuma explicação; o que não admira, porque foi como particular que me dirigi n’aquella occasião a s. exa., para que se interessasse por este negocio.
Resolvi-me, pois, a pedir ao sr. ministro da fazenda para expor ao seu collega, que eu desejava ouvil-o, ou para s. exa. ter a bondade, de se encarregar, depois de fallar com o sr. ministro das obras publicas, de me dar qualquer resposta.
N’estes termos espero que o sr. ministro, a quem me estou dirigindo, se digne dizer-me alguma cousa sobre este ponto, pois não posso sair da situação em que me acho sem ouvir s. exa.
Mando para a mesa o meu requerimento.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte;
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido a esta camara, com urgencia, o parecer do sr. procurador geral da corôa, a respeito da deliberação da camara municipal de Coimbra, para tributar os juros de inscripções.
Sala das sessões, 22 de março, de 1879. = Miguel Osorio.
Expediu-se ao governo.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão na generalidade do projecto sobre o imposto do tabaco, conjunctamente com a proposta de adiamento do sr. conde do Casal Ribeiro. Tem a palavra o sr. Miguel Osorio.
O sr. Miguel Osorio -- Sr. presidente, peço a v. exa. o obsequio de me informar quem são os dignos pares inscriptos para usarem da palavra sobre a materia em discussão, designando quaes são os que se inscreveram a favor e os que se inscreveram contra.
O sr. Presidente: — Os dignos pares inscriptos são: s. exa., a quem acabo de dar a palavra, e os srs. Vaz Preto e marquez de Sabugosa todos contra o projecto.
O sr. Miguei Osorio: — É penoso, desagradavel e mesmo repugnante tomar a discussão na altura em que ella
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vae, sem ter ouvido da parte do governo a explicação categorica, solemne o absolutamente necessaria ácerca dos graves escandalos e transgressões de lei e dos actos irregulares de que o governo foi accusado pelo sr. conde do Casal Ribeiro, e mais ainda o é pelos documentos que o mesmo governo mandou á camara, e pelas proprias confissões do sr. ministro da fazenda na outra casa do parlamento. E s, exa. que sabe quanto eu prezo a sua pessoa, avaliará quão difficil é n’este momento a minha posição, quão desagradavel é a minha tarefa.
Não Invoco a benevolencia do sr. ministro, nem tão pouco procurarei attenuar os factos do que. s. exa. é accusado. A sua dignidade exige uma resposta categorica e prompta, e se ella ainda não foi dada, é porque era impossivel que se d’esse. Portanto, sr. presidente, a dignidade do governo, a dignidade do parlamento, a dignidade do nós todos impõe-nos o dever de acceitar a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro ácerca do bill de indemnidade; porque os homens que se prezam, como o sr. ministro da fazenda, não podem «deixar passar impunemente asserções da ordem d’aquellas que s. exa. ouviu na sessão de hontem, não podem tambem menosprezar o exacto cumprimento das leis, nem escudarem-se com os costumes e com as necessidades do serviço.
Sr. presidente, se a necessidade do serviço obriga a esquecer a execução da lei, a necessidade da administração, a necessidade imposta pelos deveres do respeito, da consideração, do decoro dos poderes publicos, exigem que o governo possua esse bill de indemnidade. Não argumentemos, pois, como argumentou o meu illustre amigo, sr. Mártens Ferrão; não digamos que a falta de cumprimento da lei se tornou lei desde o momento em que está justificada por um a disposição do orçamento.
Póde o tribunal de contas não exigir mais responsabilidade ao governo por ter feito uma despeza que estava no orçamento, mas não póde o governo prescindir de se apresentar no parlamento a pedir absolvição das suas culpas. Deus nos livra que a doutrina inconstitucional sustentada pelo meu nobre amigo, offuscando-se-lhe n’aquelle momento a sua esclarecida rasão, o tornando patente a sua paixão politica, se tornasse um principio estabelecido, porque, n’esse caso, podiamos prescindir da carta constitucional, das leis o dos regule mentos, contentando-nos com o orçamento, que ficaria considerado com a unica lei do paiz.
Então, para que seria preciso que o governo nos viesse pedir auctorisação para gastar 150.000$000 réis por uma lei especial para regular o serviço da fiscalisação das alfandegas, se podia introduzir essa despeza no orçamento?!...
Eis, sr. presidente, em que triste posição vão estando as cousas publicas e o systema parlamentar!...
Um homem que, pelas suas virtudes, talentos e conhecimentos, tem chegado a ser auctoridade como jurisperito e juriconsulto, que decide, pondera e aconselha em todas as questões, que tem a confiança de todos os partidos e de todos os governos, emprega essa auctoridade a sustentar uma opinião, que não está á altura da sua capacidade, e que o proprio governo não se atreve a defender! ...
O proprio sr. ministro da fazenda mostrou-se por fórma agitado pelas accusações que lhe foram dirigidas, e peles documentos apresentados pelo sr. conde do Casal Ribeiro, que, tendo pedido a palavra, hesitou, o resolveu cedel-a ao sr. Mártens Ferrão.
E estava extatico o admirado por ver o modo por que se podia procurar defender as faltas que elle reconhecesse ter commettido, e isto por parte de um homem tão respeitavel e respeitado como aquelle que tomou a defeza.
S. exa., encastellando-se no seu retrahimento politico, declarou mais uma vez que não tem politica, e por isso vota os meios aos governos d’este paiz, sejam elles quaes forem, poio considera, que todos são bens, sem querer saber ou inquirir do modo por que procedem.
Não será, porém, sr. presidente, a nossa primeira obrigação o saber como se cumprem as leis?
Para que se inventaram os parlamentos?
Para discutir e apreciar os actos legislativos, para discutir e apreciar os actos dos governos, ou unicamente para guardar um benevolo silencio diante d’esses actos, limitando-se a dizer-lhes:
«Se quereis meios, ahi os tendes, gastae como vos aprouver, pois que lá está o tribunal do contas para julgar o modo por que o fizestes?»
Não, sr. presidente, o parlamento não pôde, nem deve ser uma simples chancella, não é essa a sua missão, nem foi para isso instituido.
Mas mesmo quando o fosse, o tribunal de contas não poderia fazer essa apreciação, porque não tem uma lei conveniente para a regular. (Apoiados.)
D’esta falta é ainda o principal culpado o governo, que está ha sete annos no poder, que reconhece estes inconvenientes quando está nos bancos da opposição, e que os não tem querido remediar.
Eu deploro que os homens que estão sentados n’aquellas cadeiras não pensem um dia, ao menos, que podem tornar a ser opposição; se o pensassem, cuidariam d’estes assumptos; e, fazendo-o, impediriam os que lhes succedessem do poder seguir o trilho errado de s. exa., prestando por esta fórma um bom serviço ao paiz.
O governo, porem, julga-se permanente, considera-se vinculado ao poder, e por isso não quer peias de qualidade alguma, antes pelo contrario quer para si todas as facilidades.
Não deseja leis nem regulamentos, porque seriam um veto aos desperdicios e á corrupção. Dizendo corrupção, não tenciono retirar a palavra, antes pelo contrario repito-a, e não seja considerada como injuriosa para a personalidade individual dos srs. ministros.
Corrupção é proceder sem ter em vista as leis; corrupção é preceder em contrario a ellas, desprezando-as ou sophismando as suas disposições; corrupção é praticar actos que as leis não auctorisam; corrupção, por exemplo, no caso especial de que se traia, é desviar empregados do serviço que lhes pertence, quando a lei o prohibe; corrupção é abonar-lhes gratificações não auctorisadas; corrupção é, finalmente, apresentar como materia nova legislativa o que já está legislado, e só não tem querido cumprir.
Digo que já está legislado, porque na lei diz-se:
«§ 2.° Para os logares de guardas do 2.ª classe sómente poderão ser nomeados individuos que tenham servido no exercito, etc.
o§ 6.° Da data da presente lei em diante nenhum guarda ou fiscal póde ser mandado, sob qualquer pretexto, fazer serviço interno nas alfandegas maritimas, nas de l.ª classe da raia ou na de consumo.»
E no regulamento de 1865, e na lei anterior a esta, diz-se:
(Leu.)
É, como se vê, exactamente o mesmo; e sendo assim, para que se nos vem pedir que legislemos o que já está legislado e que o governo não tem sabido, ou peior ainda não tem querido cumprir?
Apresentando-se esta disposição parece que se julgava que no parlamento não havia quem conhecesse as leis. (Apoiados.)
Ha pouco lamentou o sr. conde do Casal Ribeiro, que as novas leis não viessem redigidas com a clareza com que eram feitas as do marquez de Pombal.
Tambem estou convencido que se de todas as leis, desde 1834 principalmente, se fizesse uma recapitulação, para se redigirem com mais clareza e precisão, poucas deixariam de ser remodeladas, mas nenhuma podia exceder esta que estamos discutindo.
Pois não é ridiculo confundir duas questões tão differentes, como são o augmento do imposto sobre o tabaco e o
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todo de organisar a fiscalisação?.. . Pois não é irregular estabelecer n’uma mesma lei preceitos que se acham estabelecidos em leis diversas, visto que diversos são os, assumptos a que esses preceitos se referem?... De certo que [...]
Por isso muita rasão teve o nosso illustre collega, o sr. conde do Casal Ribeiro, mandando para a mesa uma proposta para que fossem separadas as duas materias que contém no projecto.
Eu approvo esta proposta, reservando-me o direito de retirar depois os respectivos projectos. Rejeito o augmento do imposto sobre o tabaco, não porque deixo de sympathisar com esse imposto, mas porque estou persuadido que [..] dará os resultados beneficos que se esperam; e rejeito a auctorisação para se gastarem mais 150:000$000 réis na fiscalisação, emquanto o governo não apresentar os respectivos quadros, e não mostrar o modo por que hão de verificar-se os accessos entre as diversas classes dos empregados n’essa fiscalisação, e a organisação militar que pretende estabelecer n’este serviço.
Auctorisações tão vagas, como esta que se pede, não as posso votar a governo nenhum, e muito menos a este, que [...]o proprio a confessar que não sabe cumprir as leis, [...] confundir n’uma proposta preceitos de natureza diversa.
Sr. presidente, a camara, não querendo adiar a discussão d’este projecto, até chegarem e serem publicados todos; documentos pedidos, e não querendo que se separem e [...]criminem as duas materias que n’elle se contem, para formarem dois projectos separados, obriga-nos a uma discussão variada e promiscua.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Peço a palavra para um requerimento.
O Orador,: —Terei, portanto, do tratar promiscuamente adiamento e das duas questões que nos occupam n’este momento.
Quanto ao adiamento, considero-o necessario, porque, eu esmo que estou apresentando algumas considerações pente a camara, não tenho conhecimento dos documentos que hontem foram mandados á mesa, visto que nem foram [...] nem impressos, e pelos que tenho presentes só reconheço que o governo não tem praticado senão illegalidades.
Sei, pelo que hontem ouvi n’esta camara, que o governo, conhecendo que caminhava por uma estrada illegal e perigosa, suspendeu algumas das gratificações que eram condidas, e começou á abonar outras mais diminutas, para der apresentar ao parlamento uma relação, que, sendo ladeira no momento em que se apresentou, não estava conforme com a verdade na occasião em que foi pedida.
Por consequencia direi, como disse o sr. conde do Casal Ribeiro, que para alguma cousa serve a publicidade parlamentar, porque não só fez esta reducção na despeza, as fez com que o governo não tivesse a coragem de se representar a defender actos menos convenientes aos interesses do paiz.
Se ha algum partido, ao qual pertença a gloria de ter con[...]rrido para o estabelecimento da liberdade do tabaco, é certamente o partido progressista. Não menos gloria ca[...]por tal motivo a um cavalheiro que militava então n’essa partido, e do qual creio que não se acha ainda separado [...]anto aos principios que presidiram e presidem á organisação e existencia d’elle.
Quando o cavalheiro a que mo refiro, occupando os ban[...]s do poder, publicou o regulamento da mencionada lei,[...] muito atacado pela imprensa do partido regenerador, pelos homens que estão hoje á frente dos destinos do paiz, [...]is que mais tarde tanto lhe reconheceram os distinctos menos, que o elevaram até á posição em que se encontra. Este arrependimento dos homens que tão injustamente viam aggredido o sr. Lobo d’Avila, é digno do meu respeito e da minha admiração. Não se humilham os individuos quando destroem o mal que praticaram, Elevou se a grande altura o sr. Sampaio quando reconheceu os insignes dotes do sr. conde de Thomar, referendando o decreto que o agraciou com o titulo do marquez; elevou se ainda a grande altura o sr. Sampaio, o bem assim o sr. Antonio de Serpa, quando reconheceram no sr. conde de Valbom a necessaria capacidade para occupar os importantes cargos publicos em que tem servido honrosamente, e elevando-o a conde, a par, a conselheiro d’estado, elles que tão injusta e asperamente e tinham aggredido no parlamento e na imprensa.
Felicitando-me por estes factos, felicito me tambem do que esta lei da liberdade do tabaco produzisse os beneficio resultados que estamos vendo. Na occasião em que ella era impugnada, lembra-me que diziam já os membros da opposição:
« A lei é boa. Assim nós a podessemos fazer.»
D’estas invejas costumam ter ás vezes as opposições. Eu, porém, desde que combato- o actual governo, ainda não lhe vi praticar nada bom que o meu partido podesse invejar.
Sr. presidente, de todos os generos de imposto, aquelles com que sympathiso menos são os impostos de consumo. Ha, porém, uma excepção a esto modo de ver, é a respeito do tabaco.
Eu quizera que sobre o tabaco recaisse o maximo imposto que se lhe podesse lançar.
E se acaso me dissessem que o rendimento do tabaco se annullava completamente para o thesouro em consequencia do pesado tributo com que fosse sobrecarregado aquelle artigo, e se a fazenda publica podesse prescindir d’esse rendimento, eu votaria que se aggravasse o mais possivel o imposto sobre o tabaco, que eu considero um veneno lento e muito funesto para as socidades modernas.
Desgraçadamente, sou tambem victima do terrivel vicio de fumar.
Isto, porém, é impossivel, nem este o fina do governo.
Mas, que fazemos nós, se formos impor sobre o tabaco um tributo excessivo?
Diminuimos a receita do estado.
Ora, convem que nos lembremos sempre do preceito de não cortarmos a têta da vacca que queremos mugir..
Sr. presidente, o contrabando ha de necessariamente exercer-se em grande escala, mesmo sem o preço da vencia a retalho ser tão convidativo para o contrabandista; porque nós temos visto que a receita do tabaco tem augmentado successivamente, mas é emquanto ao tabaco não manipulado; porque, quanto a este, ao que é manipulado, a receita não tem subido senão uns 60:000$000 réis, o que não está em relação com o augmento total do consumo d’este genero.
Se isto não é exacto, em todo caso a cifra não está de maneira nenhuma em harmonia com o grande augmento de consumo que este genero tem tido.
E nós augmentando o imposto havemos de ver que a receita relativamente ha de diminuir, e o contrabando ha dó continuar a fazer-se em muito mais larga escala e em muito maior area.
E não se diga que o sr. ministro da fazenda nos trouxe uma fiscalisação melhor que o ha de impedir, porque nós temos uma extensa costa de mar, o uma tambem extensa linha de fronteira, e havendo maior incentivo ao contrabando nunca poderemos evitar o convenientemente.
Sr. presidente, emquanto existiu entre nós o monopolio do tabaco nunca tivemos grande receita proveniente desse genero, e a rasão então era a má qualidade do tabaco manipulado entre nós, não só nos cigarros, mas nos charutos: nós tinhamos charutos de 20 e de 40 réis muito inferiores aos que se vendiam no estrangeiro por muito menor preço, e mesmo aos que hoje se fabricam cá.
Pois só a differença da qualidade convidava immenso ao contrabando.
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É por isso que eu receio que o augmento de despeza com a fiscalisação só dê em resultado diminuição na receita.
Eu não teria duvida de votar um augmento de imposto para o tabaco, mas d’esta maneira creio que não ha de ser productivo.
Talvez que o governo nos viesse propor este augmento de imposto sobre o tabaco, mesmo para só ver livre de algumas dificuldades de momento em que se encontrasse.
O sr. ministro da fazenda queixava-se hontem que a demora na approvação d’esta medida era prejudicial, o que já se cotava vendo, porque desde que este projecto está pendente as alfandegas estavam despachando grande quantidade de tabaco.
Ora, como o tabaco que podia vir já ahi está todo hoje, devia seguir-se que nós, pela demora na discussão, não podemos já prejudicar em nada a receita do future anno, antes estamos facilitando ao governo a maneira de obter uma antecipação de rendimentos; o que estamos fazendo é serviço ao fumista, demorando a approvação da lei, e dando-lhe, portanto, por mais algum tempo tabaco mais barato do que elle ha de ser depois de ella posta em execução; pois que se o preço for augmentado, esse beneficio vae para os contratadores este anno, e não para o governo que já recebeu, o que havia do receber, por antecipação.
O sr. ministro da fazenda obteve já a receita inteira de um anno ou talvez do dois annos; e se não a obteve já, brevemente a obterá.
Esta circumstancia foi benefica para o estado da divida fluctuante, porque me consta que as quantias recebidas por antecipação dos direitos do tabaco têem sido applicadas a diminuir a divida fluctuante, que era não só assustadora, mas desagradavel para o governo em preserva do parlamento.
O sr. ministro da fazenda achou por este modo um meio do antecipar um emprestimo gratuito, um adiantamento sobre rendas futuras; mas o resultado ha de ser, se s. exa. tiver de continuar a gerir a pasta da, fazenda, se ao para estiver reservada a desgraça de ter o sr. Serpa como ministro da fazenda por mais algum tempo, haver necessidade d’aqui a pouco do se recorrer novamente á divida fluctuante.
Depois, como o contrabando ha cio ser grande, torna a pedir-se ao parlamento nova alteração no imposto do tabaco, mas então para menos, a fim de que possa facilitar-se a introducção d’este genero, e destruir o effeito do contrabando, para que torne a augmentar o rendimento das alfandegas.
Isto é como um jogo de boba, que s. exa. póde pôr em acção á sombra do monopolio que existe; porque a verdade é que o monopolio do tabaco, se acabou em nome, não acabou de facto.
A differença do monopolio actual com relação ao antigo, está unicamente em haver duas companhias, em vez do uma só. E nem o sr. ministro da fazenda julga conveniente que haja mais, e tanto assim que na outra casa ao parlamento, quando ali só apresentou a idéa de introduzir n’este projecto de lei alguma disposição, cem o fim de estabelecer a liberdade no fabrico e manipulação do tabaco, em todas as terras do reino, ou pelo menos em algumas, s. exa. respondeu, me parece, com menos attenção do seu elevado espirito, que quem quizesse estabelecer fabricas de tabaco as estabelecesse em Lisboa ou no Porto.
Ora, um homem que vive na provinda, que tem ali o seu dinheiro, que tem ali cascas e logar proprios para o estabelecimento de uma fabrica de tabacos, não póde facilmente vir para Lisboa ou ir para o Porto, onde lhe faltam os elementos que tem na sua terra para montar uma fabrica de tabaco. Mas, o sr. ministro entendo que só em Lisboa e no Porto é que se podo fazer bem a fiscalisação da receita, e não quer por isso a liberdade do fabrico do tabaco e d’este modo indicou que deseja a continuação do monopolio, para poder á sua vontade fazer este jogo de bolsa, a que já me referi, jogo que lhe assegura meios por um periodo mais ou menos longo, de attenuar a dividi fluctuante de um modo consideravel.
Na realidade, as antecipações de direitos por parte da! fabricas têem sido grandes, e até consta que uma d’ellas tomou de emprestimo para esse fim 1.300:000$000 réis.
Até quando andaremos n’este circulo vicioso de hoje propor a elevação dos direitos do tabaco para se obter uma antecipação de rendimento, amanha tornar-se a descer esses direitos, mais tarde nova elevação e nova antecipação e assim successivamente, é que eu não sei.
O expediente é engenhoso, mas parece-me pouco propria da alta inteliigencia do sr. Antonio de Serpa, que estava nas circumstancias de apresentar medidas mais em harmonia com o seu grande merito.
Deixemos, porem, esta ordem de idéas e occupemos-nos da questão que eu considero muito grave; refiro me a postergação das leis por parte do governo e ao não cumpri mento da primeira e principal de todas as leis, que é o regulamento de contabilidade, que obriga o governo, no artigo 50.°, ao seguinte: aã não introduzir no orçamento verbas que não estejam auctorisadas por leis».
Desde que este artigo da lei é esquecido e tão completamente esquecido, e o governo se recusa a acceitar o bill que lhe foi offerecido, achando-se com a rasão offuscada a tal ponto, que diz que não precisa d’esse bill supponho que esta auctorisação que o governo pede tem só por fim occultar os seus actos anteriores, o promover os afilhados e compadres, cujo compadrio s afilhadagem acceitou nas ultimas eleições. Elles ajudaram a fazer deputados, este: fazem-nos agora empregados publicos.
Diz-se que os orçamentos têem sido approvados; mar nem todos têem conhecimento d’elles, nem todos são com potentes para examinar detidamente os orçamentos, vindo; sempre á ultima hora. E diz-se que esta questão é de confiança, e diz-se isto quando ainda ha pouco, sr. presidente se desconheceu a conveniencia de se suscitar a questão politica, mesmo na resposta ao discurso da corôa, quando o sr. conde do Casal Ribeiro se referiu a ella; sendo aliás s. exa. obrigado a levantal-a, visto que por tanto tempo acompanhou com a sua voz auctorisada esta situação de que lhe não cabo responsabilidade, porque soube sair ante; que essa responsabilidade lhe coubesse, a soube impor á commissões do fazenda as suas doutrinas, quando assigna um relatorio que era a nossa admiração o a nossa esperança, porque nós tinhamos então confiança n’esses caracteres, que, desprendidos da politica, sabiam dar bons conselhos ao sr. ministro da fazenda, os quaes s. exa. dis se aceitar; mas que, devendo cumpril-os, não os soube cumprir, ou não quiz sair d’aquellas cadeiras, para deixa a responsabilidade dos seus actos limitada até ao ponto onde tinha chegado, mas de que tinha reconhecido o erro cuja emenda promettia.
Não se póde acceitar como bom principio desprezar o bons conselhos, para depois dizer: a culpa é vossa. Mas a culpa e só d’aquelles que estão onde estavam, não vindo para onde era sua impreterivel obrigação vir com o sr Casal Ribeiro, darem conselhos embora não lh’os seguisem, podem esquecer-se do que devem a si proprios, ficando com quem os deprezou? Não. E são estes os que dizem que isto é questão de confiança!
Vae descosido este meu discurso, e talvez desagrade: camara. Mas se nós não temos obtido resposta algum, por parte do sr. ministro da fazenda, que remedio ha senão combater os discursos dos que têem defendido o projecto
Eu não gosto do attribular o animo, nem o espirito do sr. Mártens Ferrão; mas não posso deixar de dizer que governo não responde, porque se guarda para responder tudo junto, que é muito mais facil, para se poder escapa a respostas cathegoricas confundindo e embrulhando os assumptos.
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Engana-se, porém, quem suppõe que n’esta camara ha maioria para abafar a discussão; não a deixando chegar até onde deve ser levada. A largueza da discussão tem sido respeitada sempre. O procedimento contrario seria novo. A nobreza das maiorias desta casa não pode desmentir a das anteriores, porque anui soube se respeitar sempre os direitos da opposição e a liberdade d’ella.
Sr. presidente, nós vamos a pagar de imposto pelo tabaco mais do que paga a Inglaterra. Não direi que estes lados que vou ler sejam verdadeiro, pois que os tirei de livros e não de documentos; se o não forem, o sr. ministro da fazenda os corrigirá.
(Leu.}
Isto é, a Inglaterra paga 2$500 réis por kilogramma, enquanto nós pagâmos 2$600 réis. Poderá parecer pouca a differença de um tostão, mas a mim parece-me muito, pela fiscalisação, que não podemos ter como a tem aquelle paiz, nem, pelas nossas disposições geographicas, nem pe[...]os habitos inveterados na nossa fiscalisação, como já o declarou o sr. ministro da fazenda, e o provam os documentos publicados.
E mais ainda, com os meios do que podemos dispor para isso.
Parece-me, portanto, ter provado até á evidencia quanto é perigoso o ir augmentar por esta fórma o imposto do tabaco, pois vamos tributado o mais ainda do que a Inglaterra, que era o paiz aonde estava mais tributado. Ha uma circumstancia notavel: o sr. Mártens Ferrão e o governo fazem d’isto questão politica, ao passo que o sr. ministro diz que se não deve fazer da questão de fazenda questão politica.
Eu, pela minha parte, declaro que hei de sempre fazer questão politica do todos os assumptos de administração, principalmente de administração de fazenda; e aos que dizem — ponhâmos de parte a questão politica, quando tratâmos da questão de fazenda—, eu respondo, que a primeira questão politica é sem duvida a questão de fazenda. A questão de fazenda ha de ser a base de toda a nossa politica, principalmente estando, como estamos, em circumstancias desfavoraveis, quando temos uma divida que nos Consome mais de metade dos rendimentos publicos, e uma divida fluctuante, que cresço constantemente. Esta é que é a verdadeira questão politica, superior a todas, e a base de todas ellas.
Por consequencia, póde o digno par, o sr. Mártens Ferrão, dizer que a questão não é politica, mas que tem uma parte de confiança; póde o digno par, o sr. condo de Casal Ribeiro, sustentar que quer separar a politica d’este assumpto, que eu não deixarei de considerar a questão como politica, e debaixo do ponto de vista politico, por isso que poderia votar ainda um arriscado augmento de imposto quem tivesse boa politica, mas a um governo como este seria deitar lenha no forno em que ardem e se consomem os mais altos interesses do paiz; voto, pois, contra a generalidade e especialidade do projecto.
Eu não espero com as minhas palavras poder tirar um mico voto ao governo, nem é essa a minha pretensão;[...]rato apenas de justificar o meu voto, insistindo em que a questão é essencialmente politica, e que como tal deve ser ratada.
A maioria, porém, ou faço, um appello; procure ella pela sua força e pela sua auctoridade fazer entrar o governo no caminho do bem. Tem força, e póde fazel- o. Tem força por[...], e terá atrás de si a opinião n’esse louvavel empenho; em vez de ser docil, aconselhe-o convenientemente, convença-o de que deve trazer- o bill para não exorbitar do caminho legal, nem estar com estes subterfugios, e que pára na senda desenfreada de sophismas, que o desauctorisam, e que podem fazer perigar, não só a fazenda publica, mas as proprias instituições; (Apoiados.) e, n’esse caso, ama parte da questão politica está resolvida, e muitos dignos pares da opposicão, e talvez eu mesmo, não teremos duvida em lhe votar a lei; de outra fórma é impossivel.
Para isto é preciso, porém, que examinem, não digam que não querem saber o que se passa no Lazareto, não digam que não querem saber que ha empregados fóra das respectivas alfandegas com gratificações de duas libras por dia: obriguem o governo a ser economico e a cumprir as leis.
É facil ser maioria quando se approvam ás cegas todos os actos do governo. Essa responsabilidade não quisera eu, e deploro que o sr. relator da commissão.. . Este não, porque não usou ainda da palavra... Mas deploro que o sr. Mártens Ferrão a quisesse assumir.
«Não entro mais na questão do bill; fico por aqui, disse o sr. Mártens Ferrão; essa questão levar-me-ia muito longe.» E fica bem, acudi eu n’um áparte. De modo nenhum quero suppor que s. exa. desejasse dar a entender que, votando se um bill de indemnidade para o governo, se devia votar outro bill para as maiorias, pois será por um motivo tal que se escusou ao debate?.
Eu achava mais regular, mais franco dar o bill por essa mesma rasão, e tirarem-lhe até o caracter politico;
(Entra na sala o sr. presidenta do conselho.)
Não pretendo tornar a fazer uso da palavra n’este debate, não quero discutir a especialidade do projecto, lembrarei agora tão sómente a conveniencia de o dividir, para que possa ser mais pensado aquelle ponto em se trata de regularisar a fiscalização.
(Leu.)
Pois não era muito mais conveniente que se fizesse um projecto em que especialmente se tratasse da fiscalisação, do que pedir-se uma auctorisação tão ampla?
Dirá a maioria com a sua costumada benevolencia: « Nós confiâmos». Mas, como póde confiar, se o proprio governo desconfia de si?
Como póde confiar, quando o governo vem pedir que se renova um preceito que está consignado n’outra lei? (Apoiados.).
O sr. ministro da fazenda é o primeiro a deixar do ter confiança em si. Actua sobre elle uma força superior que n’esta casa se ostenta nos momentos difficeis. Essa força, que vem aqui representar a entidade poder, procura obstar a que s. exa. faça confissões á opposição, d’onde resulte perigo para a conservação do gabinete.
Lembro se s. exa. do que lhe aconteceu na outra camara, quando, vendo-se desajudado dos seus collegas, teve necessidade de ir doente para casa.
O sr. presidente do conselho de certo percebeu já a quem attribuo esta força poderosa em que fallei.
É s. exa. que dirige a politica do governo, é a s. exa. que hão de estar sujeitos os srs. ministros; não admira, portanto, que represente essa força predominante.
Vejo que a presença do sr. presidente do conselho é necessaria em todas as discussões de ambas as casas do parlamento, embora sejam da competencia exclusiva d’este ou d’aquelle dos srs. ministros.
Raro acontece que discutam na ausencia de s. exa. Até certo ponto reconheço como, legitimo esto facto, se não é honroso para os outros ministros; mas tambem vejo n’elle a explicação de se inserirem nas leis disposições que já estão n’outras.
Supponho que o espirito subtil do sr. Antonio de Serpa, precisando reforçar-se contra a auctoridade do sr. presidente do conselho, vem pedir que se ponha n’esta lei um principio que já está consignado n’outra, pois que, não se julgando com força de reagir contra as exigencias do presidente do conselho, pede ao parlamento que lhe lembro os seus deveres, sé assim, se póde explicar isto. O corpo da fiscalisação das alfandegas está cheio de invalidos, de ineptos, de homens incapazes, alguns que já assim têem sido admittidos, porque ha sete annos que os srs. ministros estão gerindo os negocios publicos, e têem admittido para
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esse, e serviço muita gente; e n’essa conta teem entrado alguns individuos conhecidos que tinham compromettido as suas fortunas, alguns d’elles perfeitos cavalheiros, que nós conhecemos, a quem apertâmos a mão, com quem conversâmos, mas que sabemos que não servem absolutamente para nada, que nada fazem, porque os encontramos em toda a parte, mas sabemos que se não empregam na fiscalisação, pois que não nos vem fiscalisar o tabaco ás nossas charuteiras unico sitio onde o poderiam encontrar. A lei determinava certas condições para a admissão dos empregados da fiscalisação, foi desprezada a lei porque? Porque o sr. Serpa cedeu á politica do sr. Fontes. Sr. presidente, em tempos em que eu estava em boas relações com os ministros que então geriam os negocios publicos, n’essa epocha alguns pretendentes, fiados nas minhas boas relações com o governo, vinham ter commigo para me pedirem que advogasse as suas pretensões. Eu desesperava-me, o não só me não queria encarregar d’isso, mas quasi que tratava de os aconselhar a não persistirem nas suas pretensões quando via que ellas não eram justas; e dizia commigo: seria possivel que o ministro fizesse isto! Pois, sr. presidente, d’ali a pouco tempo sabia, com admiração, que esses individuos tinham conseguido o que eu me não tinha atrevido a pedir para elles!
Hoje não peço, mas já não me occupo em dizer que não penam tal cousa.
Quer a camara saber? Eu tinha um creado que foi preso por ladrão; o administrador do concelho teve a attenção de me vir pedir licença para dar uma busca em minha casa; e o que resultou de tudo isto foi esse creado saír de minha casa como ladrão. Pois, apesar d’isso, d’ali a pouco tempo estava este individuo admittido no corpo da fiscalisação, e lá está hoje. Sabia-se, porém, que o tal individuo era dedicado aos regeneradores; taes serviços eleitoraes fez, que foi empregado; póde mesmo isto ter sido feito som que os ministros tivessem conhecimento do facto, mas é per isso que antes quisera que aqui viesse uma lei bom pensada e estudado, para regular a fiscalisação, do que o pedido de uma auctorisação vaga, e de que se póde abusar, como se tem aturado até agora.
O sr. Ministro da Fazenda: - Mas quem o admittiu na fiscalisação fui eu?
O Orador: — Deus me livre de dizer que tinha sido s. exa. E quando elle tivesse sido empregado durante a gerencia do sr. ministro da fazenda, reconheço que s. exa. não podia ter nenhuma responsabilidade do facto, porque se o tivesse feito era porque não sabia as qualidades d’esse homem.
Se supponho que foram os regeneradores, é porque em umas eleições, em que elle trabalhou a favor dos regeneradores, dizia: «o é preciso que a nossa gente vença». D’aqui se deprehendo que foram os regeneradores que o empregaram.
Eu sei que os srs. ministros despacham ás vezes individuos que lhes são recommendados, mas é porque ignoram os seus precedentes. Entretanto, vote-se esta lei, e descanse o nosso povo.
Julgo que não ha rasão para que ao nosso povo falte inebriação para o serviço militar. Os nossos exercitos têem factos brilhantes, gloriosas tradições, e o povo não é tão ignorante que não saiba a importantissima parte que as nossas arruas têem tido nas glorias nacionaes. Alem d’isso o tempo do serviço militar está hoje reduzido apenas a tres annos, é menos penoso esse serviço que n’outras epochas; o exercito não tem já a seu cargo o fazer a policia em quasi todos os pontos do paiz, o soldado gosa do mais commodidades, tem melhores quarteis, melhor passadio, enfim ha um consideravel melhoramento em tudo o que respeita ao serviço do exercito e ao bem estar dos militares.
Por consequencia, parece que devia ter acabado a negação do povo para aquelle serviço; comtudo essa repugnancia ainda não deixou de existir, e porque? Porque são tres annos sequestrados á familia, são tres annos sequestrado á vida domestica mais attrahente, são tres annos sequestrados á vida de lavrador e ao trabalho em que se foi educado, para no fim se verem sem trabalho, nem onde se empregarem esses que são obrigados a servir no exercito onde adquirem habitos differentes, e ficam menos aptos para voltarem aos trabalhos agricolas.
Se acabado o serviço militar, os que a elle foram chamados tivessem a certeza de que poderiam achar uma collocação em certo? serviços publicos, como o da fiscalisação das alfandegas, e ahi contassem com o accesso, talvez houvesse menos repugnancia para aquelle outro serviço a que a lei obriga.
Seria esse um melhoramento que teria vantagem tanto para o estado, como para os individuos a quem se desse a collocação de que fallo.
Mas, dir-me-ha o sr. ministro da fazenda: «É exactamente o que eu quero, e por isso trago aqui n’este projecto de lei algumas disposições que conduzem a esse fim».
Eu, porém, não fico por que se cumpra o que está aqui quando for lei.
Por melhores que sejam os desejos do sr. ministro da fazenda, s. exa. não ha de ter força para cumprir a lei não ha de poder usar d’esta auctorisação conforme eu creio que é o seu pensamento, porque os seus amigos politicos, e sr. Fontes não o hão de consentir, porque elles em nome da politica hão de impor a necessidade do nomear certo; homens por elles indicados e com a remuneração que elle disserem.
Todos nós hoje sabemos que os guardas e fiscaes das alfandegas servem para mais alguma cousa do que o serviço da fiscalisação. Sabe-se como elles foram arregimentado: votar em Belem contra a eleição do sr. Franco; e será isto um acto de boa administração, proprio para inspirar con fiança nos homens que assim mandam praticar, o depois nos pedem auctorisação da ordem d’esta que se discute?
Quo auctoridade podem ter para com os seus subordina dos os chefes fiscaes que os obrigaram a ir á uma arrigimentados, servindo-se para isso da auctoridade do seu cargo? Como hão de castigal-os, quando esses guardas com metterem alguma falta, se assim perderem a sua força mora1, e só collocarem nas circumstancias de terem que fechar os olhos para com qualquer que não cumpra com os seus deveres, porque os favores se pagam com outros favores?
Creio, sr. presidente, que ao caracter recto do sr. minis iro da fazenda hão de muitas vezes repugnar certos actos e a pressão que o obriga, em nome de uma politica deploravel, a subscrever a exigencias, a que s. exa., de certo não cederia se estivesse fóra da influencia d’essa politica ou de quem a dirige.
Creio mais, que pela mesma causa, sem embargo das trincheiras que o nobre ministro preparou com alguns artigos d’este projecto relativos ás nomeações dos fiscaes e guardas das alfandegas, s. exa. ha de assignar despachos não conforme o pensamento que lhe dictou estes artigos, mas conforme as exigencias dos seus vizinhos no gabinete e dos seus amigos.
Fracas serão estas trincheiras quando falta a coragem para a resistencia.
Se a fiscalisação não é hoje uma verdade, não o ha de ser tambem depois de votada esta auctorisação ao sr. ministro da fazenda, porque a isso se oppõe o systema de compadrio e de corrupção do actual governo.
Vae se augmentar o pessoal da fiscalisação, vae-se augmentar a despeza que com ella se faz, sem que o estudo, sem que o inquerito precedesse, como devia ser, a adopção de uma medida de tal ordem; mas o governo tem medo dos inqueritos, e não os acceita por fórma nenhuma.
Faça o sr. ministro um inquerito á sua secretaria, e creia que se ha de espantar de muita cousa; faça tambem
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um inquerito á sua consciencia, e reconhecerá que tem feito despachos desgraçados; faça um inquerito á sua consciencia, que ella o obrigará a dizer: que despachos deploraveis, eu tenho feito em consequencia da pressão politica que tem actuado sobre mim!
Trata-se n’este projecto de dar uma auctorisação ampla ao governo, e tão ampla que quasi se póde dizer illimitada
O marquez de Pombal, que occupou na administração publica um logar tão elevado e com tão grande amplitude de acção, não era capaz de pôr n’uma lei a disposição que se encontra n’esta proposta de lei que estamos discutindo, disposição que dá ao sr. ministro uma faculdade amplissima para reformar os empregados das Alfandegas que quizer; o proprio sr. Mártens Ferrão, que diz que a nossa legislação é má, porque desce, a minudencias taes, que não deixam larguezas aos governos para poderem remediar de prompto, não era capaz de fazer inserir n’uma lei este artigo, com relação ao qual um cavalheiro muito digno da camara disse, que o governo pedia um jubileu de sessenta dias para estar a reformar os individuos que quizesse, e conforme as suas conveniencias politicas determinassem.
É assim ha de succeder; o artigo 3.° do projecto da larga margem para se fazerem as reformas que o governo tiver vontade de effectuar, fazendo a contagem do serviço a seu bel-prazer, porque não se marca como se ha de fazer essa contagem, nem a qualidade do serviço.
O regedor, o cabo de policia, que sei eu, podem ser considerados como tendo feito serviço; porquanto, a lei presta-se qualquer interpretação; e por consequencia, queria que viesse aqui, juntamente com esta, uma lei de aposentações, onde se marcasse o tempo de serviço, e se declarasse que só poderia ser aposentado quem tivesse constantemente trabalhado.
Mas agora, em sessenta dias; virem os sessenta, oitenta ou cem afilhados, a quem se ha de contar o tempo de serviço, e que se não sabe onde estão, hão é serio.
O que é serio é a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, para que se separem os dois projectos.
No entanto, voto-os a maioria e a opposição, porque eu não os voto.
Mas vote-se o imposto do tabaco, dê-se dinheiro aos que não precisam, porque já têem as arcas cheias, e faça depois o governo, de accordo com a maioria, uma lei de fiscalisação, que todos possamos votar — maioria e opposição.
Peço desculpa a v. exa., e á camara, das minhas divagações, com as quaes lhe tenho tomado tanto tempo.
As rasões que acabo de expor são as que me levam a votar contra o projecto em discussão.
E como entendi que não devia deixar de manifestar a minha opinião, e dar a rasão do meu voto contra a generalidade do projecto é suas disposições; por isso lhe occupei, tanto a sua attenção, do que do novo, lhe peço desculpa.
O sr. Presidente: — Tem a palavra, para um requerimento, o sr. conde do Casal Ribeiro.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Mando para a mesa um requerimento, cujo objecto se refere á um incidente em que tocou o digno par, que acaba de fallar, o qual, com o seu excellente discurso, acaba de dar mais uma prova do seu elevado talento
Eu estimava muito que o documento, que peço, podesse ser enviado á camara durante esta discussão.
Melhor seria que todos os esclarecimentos é documentos necessarios para a apreciação do projecto, viessem a tempo de poderem ser conhecidos dos dignos pares antes de se entrar na discussão d’elle, mas como estamos na pratica de que os documentos se vão apresentando no primeiro, segundo e terceiro dia, até áquelle em que se deve votar o sacramental artigo «fica revogada a legislação em contrario», desejo que, antes de se concluir esta discussão, venham esses documentos;
Ainda assim; se este documento não vier durante a discussão, não será de todo inutil quando venha depois.
Até certo ponto, elle liga-se com a materia de que se trata1, porque só se trata de legalisar certas despezas com relação á fiscalisação das alfandegas.
E como se allude, é com rasão, á fiscalisação que o tribunal de contas póde exercer nas contas do governo, peço este documento.
Se elle vier a tempo, melhor será; mas senão vier, não será, todavia,, inutil, porque eu desejo perguntar ao sr. ministro da fazenda, cujo espirito elevado e esclarecido eu respeito, quaes foram as rasões por que o sr. Serpa Pimentel, ministro da fazenda, não acha necessarios os documentos que o sr. Serpa Pimentel, vogal do tribunal de contas, julgou precisos para que a fiscalisação sobre as contas do estado fosse exercida do modo mais conveniente para se esclarecer o parlamento, conforme manda a lei d’aquelle tribunal.
(Leu o requerimento.}
0 sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento que o digno par mandou para a mesa.
Leu-se na mesa; e é do teor seguinte:
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se envie com urgencia a consulta e projecto do regimento do tribunal de contas, preparado por uma commissão composta de vogaes do mesmo tribunal, para servir de base ao regimento novo, o qual, em virtude da auctorisação legislativa, foi discutido em 1878. = Casal Ribeiro.
Mandou-se expedir.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.
O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Sr. presidente, o digno par, sr. conde do Casal Ribeiro, declarou aqui, por mais de uma vez, que não era conveniente começar esta discussão sem que fossem dados uns certos esclarecimentos.
S. exa., só com esses esclarecimetos se julgava habilitado a poder entrar na discussão do projecto, e por isso entendia que não podia prescindir d’elles.
Vejo, porém, agora que o digno par é, de todos os membros d’esta camara, aquelle que póde discutir este assumpto sem os esclarecimentos a que se referiu.
S. exa. conhece perfeitamente a questão, sabe tudo melhor do que eu, o que não admira; sabe o que estes esclarecimentos dizem; sabe o que ha agora e o que havia em 1878; sabe quaes as gratificações que só deram, e as que se dão, diminuiram ou alteraram; e até quasi que nos citou os nomes das pessoas a quem foram dadas.
Se s. exa. sabe tudo isto, como é que julgava esses esclarecimentos necessario para entrar na discussão do projecto que se discute?
Sinto, sr. presidente, que o digno par, que eu estou acostumado a respeitar ha muito tempo, trouxesse para a discussão do projecto á questão das gratificações, dizendo que ellas eram hoje de 12$000, 18$000 e 25$000 réis, emquanto que n’outro tempo foram de 45$000 réis, e mais.
Pois o digno par nega ao governo o direito de dar gratificações a certos empregados por serviço que elles fizeram?
O digno par sabe perfeitamente, que uma boa fiscalisação, precisa ser numerosa e bem remunerada.
É esta a palavra sacramental que sé encontra em todos os auctores; e todos os homens praticos, isto é, os que se têem occupado d’estes assumptos, sabem que, para haver uma boa fiscalisação, é necessario que ella seja numerosa e bem remunerada.
E, porventura, é sufficiente o ordenado que recebem certos empregados fiscaes? De certo que não.
Um chefe fiscal de qualquer das alfandegas tem de ordenado 600$000 réis.
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Não é pouco, para um individuo que viva sedentariamente em qualquer terra, mas para um chefe fiscal, que tem de percorrer, muitas vezes, 50 e 60 kilometros, réis, 600$O00 não é remuneração sufficiente para que elle possa desempenhar cabalmente o serviço.
Qual é o governo que não tem dado gratificações? Até se dão n’esta casa e dão-se muito bem, e são muito justas e precisas, porque é necessario que o serviço se faça, e não se póde fazer sem que se remunere.
Isto faz-se, e tem-se sempre feito, apesar, de não estarem; descriptas no orçamento todas essas gratificações.
Sinto, sr. presidente, que o digno par quasi que apontasse o nome das pessoas que recebem gratificações, e que censurasse o governo por ter dado uma gratificação de 4$500 réis por dia a um funccionario distinctissimo, a uma grande intelligencia, e sobretudo um grande trabalhador que foi mandado fazer uma inspecção, e a quem o governo encarregou de uma commissão importantissima.
Deploro que o digno par trouxesse este facto para a discussão, porque me lembro de uma epocha em que todos os dias, n’uns certos jornaes, eram denunciados á animadversão publica alguns dos homens que mais serviços; têem prestado a este paiz, homens intelligentes, trabalhadores e estudiosos, só porque recebiam duas e tres gratificações, e recebiam-n’as com toda a justiça em vista dos serviços que desempenhavam.
Esses homens, de que a maior parte já morreu, eram, por exemplo, o sr. José Victorino Damasio, grande intelligencia e professor distinctissimo; o sr. Carlos Ribeiro, que, felizmente, ainda vive; o sr. Fradesso da Silveira; e um, que foi distincto membro d’esta casa, o sr. Filippe Folque.
Pois estes homens todos os dias eram apontados, lisongeando-se assim as más paixões do vulgo e a ignorancia, com o fim de acarretar a animadversão publica sobre o governo de que fazia parte o sr. conde do Casal Ribeiro.
Eu sinto ver o digno par censurar o governo, só porque se deram certas gratificações a alguns empregados, sem demonstrar se essas gratificações eram ou não merecidas.
Creio que a camara póde muito bem discutir o projecto de que se trata, sem se importar só n’um ou n’outro tempo se davam mais ou menos gratificações.
Disse-se que as gratificações tinham sido diminuidas, e creio que esse facto causou desprazer ao digno par, o que sinceramente lamenta.
Sr. presidente, as gratificações de que se trata, não foram concedidas só por este governo, mas por todos os que o precederam.
Ha mezes, e isto consta de documentos officiaes, mandei organisar no ministerio da fazenda os necessarios esclarecimentos ácerca dos individuos que tinham gratificações, com as datas em que foram concedidas e os motivos porquê.
Fez-se esse trabalho exactamente para que quando estivesse concluido, se podessem rever essas gratificações.
Feita a competente revisão, muitas foram diminuidas, e resultou d’ahi uma grande economia.
Eu não gosto de tornar muito tempo á camara; e, portanto, vou tratar da questão magna, da questão da infracção da lei.
O governo nomeou por portaria guardas extraordinarios, e para estes guardas, que estão approvados ha tres annos pelo parlamento, propõe-se agora um bill de indemnidade para a camara legalisar o que já legalisou!... E diz-se que é preciso este bill de indemnidade, porque os principios estabelecidos na carta não permittem que o governo, possa crear novos empregos; mas os que dizem isto parece que não se lembram que todas as leis relativas a reformas nas alfandegas consignam expressamente que em materia, de alfandegas, á excepção dos direitos, e da fixação, dos quadros e vencimentos dos empregados d’essas alfandegas, tudo o mais póde ser alterado por actos do governo.
Cuida a camara que a nomeação de novos guardas extraordinarios é uma cousa sem procedentes?... Cuida que não se tem procedido sempre a estas nomeações por meio de portarias, guando é preciso extraordinariamente augmentar o numero d’esses guardas?...
Não é novo este procedimento, não podia sel-o, aliás o governo não podia administrar convenientemente. Se o governo não podesse fazer o que sempre se tem feito, se não podesse acudir a qualquer necessidade urgente do serviço da fiscalisação, mal iriam os interesses do thesouro é do commercio licito.
Recebe-se uma informação do que o contrabando entra ou pretende entrar por um certo ponto do paiz; o governo precisa acudir de prompto a esse ponto, que está ameaçado, e como não tem pessoal sufficiente cria um certo numero de guardas extraordinarios pagos pelas despezas eventuaes, e quando chega a occasião, competente, se é preciso que elles continuem no serviço, inscreve-os no orçamento. O parlamento examina este orçamento, e se o approva está a despeza legalisada, sem carecer de uma lei especial. (Apoiados..)
Imaginam os dignos pares, que combatem o governo, que isto é uma cousa nova?...
Não é.
Eu não consultei todos os orçamentos, porque não tenho tempo para isso, mas consultei alguns; e, desde 1857 até 1862, em todos, encontrei o mesmo; comtudo, à carta já existia em 1857.
Pois o decreto com força de lei de 1852, que diz que, à materia legislativa o quadro dos empregados das alfandegas, estava revogado em 1857?.
Entretanto, no orçamento de 1858-1859 encontra-se o seguinte:
(Leu.)
Isto é exactamente uma portaria que creou estes logares, porque eram necessarios; e depois, no primeiro orçamento, incluia-se esta verba de despeza que a camara votava. Isto continuou nos mais orçamentos.
Depois, no orçamento de 1860-1861, assignado pelo sr. conde do Casal Ribeiro, encontra-se mais.
(Leu.)
Todos os governos têem feito isto. Aqui ha apenas uma differença, que é, quando se falla nos guardas que foram creados em 1857 por uma portaria assignada pelo sr. José Jorge Loureiro, cita-se esta portaria.
(Leu.)
Mas, agora, aqui não se cita a portaria, e fica-se em duvida se isto é uma proposta do governo.
O governo tem a iniciativa que lhe dá a carta, e, por consequencia, está no sou direito de fazer uma proposta.
É só no orçamento de 1862-1863 que se diz, que estes guardas supranumerarios tinham sido creados pela portaria de 16 de dezembro de 1859, sendo ministro da fazenda o sr. conde do Casal Ribeiro.
Eu, n’essa occasião, tinha a honra de ser collega de s. exa., e, portanto, não digo isto em desfavor do digno par, nem para censurar o seu acto, porque eu n’elle tambem sou solidario.
Em relação áquella epocha, não sei se havia alguma lei especial que auctorisasse os ministros, a crear estes empregados.
Eu fui á legislação procurar esta portaria e não a encontrei, assim como não encontrei uma outra que já aqui citei, que é a de 16 de dezembro de 1859.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Ha de estar no ministerio.
O Orador: — Póde ser que esteja, mas procurei-a só na legislação.
O sr: Conde do Casal Ribeiro: — Fazia-me um especial obsequio de me mandar uma copia. Essa portaria, ha de estar referida a uma lei anterior.
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O Orador: — A lei que vigorava dizia que o quadro dos empregados das alfandegas era materia legislativa.
Por consequencia, sr. presidente, isto fez-se, em 1860 a 1861, 1861-1862 e 1862-1863; emfim, em todos os orçamentos vem isto.
Quando as necessidades publicas reclamavam, admittiam-se estes empregados, pagava-se-lhes pelas despezas eventuaes, e depois esta verba de despeza era incluida no primeiro orçamento. E nem podia deixar de ser, a não haver alguma lei que auctorisasse os governos a crear indefinidamente empregados de fiscalisação, o que não me parece provavel.
Quando as necessidades publicas reclamam, é impossivel que o governo cruze os braços e deixe entrar o contrabando, por não ter meios de o impedir.
O governo cria provisoriamente estes empregados, a que antigamente lhes chamavam guardas supranumerarios, e hoje guardas, extraordinarios, e depois, vem, dizer á camara, no seu orçamento, que é necessaria a creação d’aquelles guardas, e a camara vota como entende.
Ora, sr. presidente, este facto, não se tem dado depois de 1864, porque, pela extincção do contrato do tabaco, todos os empregados d’aquelle estabelecimento vieram para a fiscalisação das alfandegas e porque no mesmo anno se fez a reforma das alfandegas, e se creou o numero de guardas necessario n’aquella. epocha, para todas as necessidades da fiscalisação.
Sr. presidente, tem-se aqui tratado de discutir se o governo póde transferir os guardas de umas alfandegas para outras, e outros factos puramente de administração interna e de conveniencia de serviço.
Eu vou demonstrar á camara se o governo está, ou não, no seu perfeito direito, procedendo como tem procedido.
A lei que regula para as alfandegas, o decreto com força de lei de 7 de dezembro de 1864, diz o seguinte:
(Leu.)
Pelo que respeita ao pessoal, acrescenta:
(Leu.)
Mas, ainda mais, a lei de 1875 que creou um certo numero de guardas, diz:
(Leu.)
Por consequencia, o governo em vista d’estas disposições está perfeitamente auctorisado a poder fazer as transferencias.
Quantas vezes por necessidade de serviço se organisam as columnas volantes?
Com que empregados da fiscalisação se formam essas columnas volantes?
São formadas por empregados do quadro; por consequencia, em um momento dado, quando estas columnas se formam, algumas alfandegas não podem estar com o seu quadro completo.
Isto é evidente.
Pergunta o digno par, comparando os documentos que estão impressos, onde estão os 320 guardas que faltam?
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Quem disse que faltavam?
O Orador: — Parece-me que foi o sr. conde do Casal Ribeiro.
Comparando os mappas, perguntou s. exa., onde estão estes guardas?
Estão legalmente no serviço; estão na fiscalisação do real de agua; um certo numero d’elles na fiscalisação do Lazareto, onde estão tambem legalmente, por isso que a lei lhes incumbe tambem esse serviço; outros estão ausentes por doença; e outros completamente impossibilitados.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Bem, já e um esclarecimento; fica-se em todo o caso sabendo que não estão nas alfandegas.
O Orador: — Não estão nas alfandegas, mas estão legalmente fiscalisando os impostos indirectos no interior do paiz, porque a lei assim, o determina expressamente.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Foi exactamente isso o que se perguntou, e foi exactamente a isso que s. exa. não respondeu; por consequencia os documentos mandados á camara não satisfazem.
Aonde estão, portanto, esses empregados?
O Orador: — Esses empregados estão, como disse, uns no serviço do real de agua, outros no Lazareto, outros na fiscalisação das fabricas e das lojas de venda do tabaco, outros em goso de licença, por doença, e outros completamente impossibilitados.
Ora, eu vou ler á camara uma providencia digna de louvor, tomada por um dos meus antecessores.
(Leu.)
Sobem por consequencia, a mais de 320.
Eu posso ainda ler á camara um outro documento que elucida muito a questão.
Este documento é um relatorio feito por um distincto funccionario, insuspeito ao digno par, em que propõe um decreto para regular estas aposentações.
Eu não submetti esse decreto á sancção real, porque entendo que elle exorbitava as attribuições do ministro da fazenda.
No entanto aquelle digno funccionario, fundando-se no artigo da lei, que li ha pouco, e no qual se diz que em materia, de administração de alfandegas só é legislativo o que se refere á questão dos direitos, fixação dos quadros e vencimentos, entendeu que o governo podia por um decreto regular as aposentações.
Não sou d’esta opinião, mas vou ler o relatorio.
(Leu.)
Depois propõe um decreto, em que se estabelecem regras para a aposentação ainda mais amplas, do que são as que eu estabeleço.
Diz o auctor d’este relatorio que uma das cousas de haver tantas pessoas invalidas no serviço da fiscalisação é terem entrado para os respectivos quadros os guardas do tabaco. É sabido que, em virtude de uma disposição de lei, os antigos empregados do tabaco ficaram todos addidos ás repartições publicas, para entrarem nos quadros quando podesse, ser.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Qual é a data do documento que s. exa. está lendo?.
O Orador: — Setembro de 1878. É o relatorio de um decreto que não for publicado.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — É o relatorio do sr. Heredia, que está publicado?
O Orador: — Não, senhor; é um projecto de relatorio de decreto.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Esse documento não prova nada, porém sempre seria conveniente que se imprimisse, querendo s. exa. mandar o para a mesa.
O Orador: — A lei determina que os empregados de repartições extinctas fiquem addidos aos quadros de outras, podendo entrar n’esses quadros quando forem julgados aptos para o serviço. Mas quando o governo os não julga com a aptidão necessaria, não póde nem deve nomeal-os.
Ha outra circumstancia que faz com que tenha augmentado! o numero de guardas impossibilitados.
Em 1870 foi permittida a admissão de guardas com trinta e oito annos de idade. Julgo inconveniente esta disposição, e por isso proponho que seja de menos de trinta annos a idade marcada. É um acto de economia, porque os guardas entrando já cansados com muitos annos de serviço militar, depressa se impossibilitam com o serviço activo e penoso da fiscalisação; emquanto que entrando novos e por consequencia mais robustos melhor e por mais tempo podem servir o estado.
Diz-se que o projecto contém uma auctorisação ampla e indefinida. É menos exacto. Em primeiro logar, limita-se a somma a despender. Depois estabelece-se que ella será ap-
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plicada sómente na melhor remuneração do pessoal e na creação de guardas, não se podendo augmentar os empregados de graduação superior, porque os que ha são sufficientes.
Emfim estabelecem-se outras regras para a admissão dos guardas tanto de l.ª como de 2.ª classe, tanto no que toca aos guardas a pé como aos guardas a cavallo.
(Leu.)
Tudo isto se estabelece no projecto, e, por consequencia, apresento bases mais definidas.
O sr. Vaz Preto: — Tem grandes inconvenientes.
O Orador: — E eu considero de grande vantagem para a fiscalisação.
Diz o digno par que o serviço da fiscalisação está mal organisado.
Isso reconheço eu, e justifica a apresentação do projecto para reorganisar aquelle serviço.
Pela minha parte entendo que o corpo da fiscalisação deve ser essencialmente movel, competindo ao governo transferir os guardas e empregados para onde as conveniencias do serviço os reclamem.
Esta mobilidade dada ao corpo da fiscalisação, e é por isso que ella se introduziu no projecto apresentado na camara dos senhores deputados, é de uma grande vantagem.
Sr. presidente, disse o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, que só agora é que o governo se lembra da urgencia que ha em fazer passar esta lei.
Ora, s. exa. sabe, porque é uma cousa que consta dos registos parlamentares, que este projecto passou, na camara dos senhores deputados com a maxima brevidade, e que eu, para o conseguir, empreguei todos os esforços.
Effectivamente na outra camara o projecto passou o mais depressa possivel, em compatibilidade com os regulamentos parlamentares.
O digno par é que nunca teve pressa, de fórma que desde o dia em que se publicar a lei o governo ficará um largo espaço de tempo sem receber nada de direitos de tabaco.
Tambem não sei como não ha de augmentar o incentivo ao contrabando desde que o preço do genero augmente.
Mas, diz o digno par, que o maior contrabando então a quem mais ha de prejudicar será aos commerciantes.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Eu não disse isso.
Se v. exa. me dá licença, eu darei uma brevissima explicação.
Eu disse que como todo o tabaco que n’esta epocha mais chegada devia vir, já cá está, nos dias immediatos aquelle em que se publicasse a lei, seria menos para receiar o contrabando, porque elle então não viria luctar com o novo imposto, mas sim com o preço da venda do genero, o que não affectava os interesses da fazenda.
O Orador: — Eu ou vi perfeitamente. O caso é que augmentam os preços.
Ora, augmentando o preço da venda de um genero, o incentivo ao contrabando d’este genero tambem augmenta.
Este é o meu argumento, e pareço impossivel que haja quem o contradiga.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — S. exa. diz que no dia immediato augmentará o preço da venda?
O Orador: — S. exa. mesmo é que o disse, quando asseverou que o contrabando affectaria os interesses dos commerciantes e não os da fazenda nos primeiros tempos.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Eu não disse que augmentaria o preço da venda, s. exa. é que o tem dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Ou uma cousa ou outra.
O Orador: — Sr. presidente, eu estimaria muito que não augmentasse o preço da venda; mas se augmenta o preço, então ainda mais augmenta o incentivo ao contrabando; porque, vendendo-o pelo preço já augmentado, não será sobrecarregado com os direitos, que passam a ser maiores.
Estimaria muito que só não augmentasse, estimaria muito poder fazer um beneficio á fazenda publica, sem que soffressem os particulares.
O sr. Vaz Preto: — Póde não augmentar o preço, mas a qualidade do genero ser peior.
O Orador: — Ahi temos outro incentivo. Não era o preço no tempo do contrato do tabaco o incentivo, era a má qualidade do genero. Portanto, o argumento é insustentavel.
No dia em que este projecto for convertido em lei, n’esse dia é necessario logo cuidar da fiscalisação em mais larga escala, porque o augmento do imposto é um incentivo para o contrabando.
Disse aqui um digno par:
a Pede-se para se despenderem 150:000$000 réis, é uma auctorisação illimitada que se concede ao governo.»
Pois as auctorisações, da natureza d’esta que só pede n’este projecto, não costumam ser sempre amplas? Pois quando o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, foi ministro da fazenda não apresentou projectos nas condições em que este está elaborado, isto é, marcando o maximo da despeza que havia a fazer?
As organisações ou reorganisações que tem havido no serviço das alfandegas foram feitas em virtude de auctorisações não menos amplas do que esta que se discute neste momento. E note a camara que eu, pedindo esta verba de 150:000$0000 réis, estabeleço restricções.
Digo aqui que se não podem nomear mais empregados superiores, e só guardas; que estes não poderão ser escolhidos senão entre os individuos que tenham sido militares; e assim já não póde ter logar o facto a que alludiu um digno par, com relação a um creado seu que era menos recommendavel para a fiscalisação pela sua falta de probidade.
Muito mais amplas foram outras auctorisações d’esta ordem, que diversos ministros vieram pedir ao parlamento, que o parlamento lhes votou, e que me parece foram apoiadas pelos dignos pares.
O sr. Miguel Osorio:— Se o projecto dissesse—hão do ser — em vez de — poderão ser — então é que seria mais definido.
O Orador: — Oh! sr. presidente, pois o projecto não diz: só poderão, que é mais que poderão.
(Interrupções.)
Eu pela minha parte dou licença a todos os dignos pares para me interromperem.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Permitta-me o sr. ministro que lhe pergunte unicamente—se a lei que se vão votar ha de ter mais força do que o regulamento de contabilidade e de que a lei de 1864?
O Orador: — A que lei se refere o digno par? Pareceu-me que fallou na de 1864?
O sr. Presidente: — Convido os dignos pares, e o sr. ministro a porém termo a estes dialogos, quando não a discussão é eterna. (Apoiados.}
O Orador: — V. exa. tem rasão. Eu não desejo o dialogo, mas tambem não desejava que estivéssemos a fallar todos ao mesmo tempo.
A lei de 1864 diz que os guardas devem ser tirados da classe militar, mas que podem ser tirados das classes civis quando não houver militares que queiram servir. Era uma disposição facultativa, que esta lei torna obrigatoria, pois estabelece que só possam ser nomeados guardas os individuos que tenham sido militares.
Isto fica estabelecido não só para mim, mas para outro governo qualquer.
Quero que seja nomeado para fiscal só quem tenha sido militar. (Apoiados.)
Sr. presidente, quanto ás gratificações, são perfeitamente legaes, e não têem nada com a discussão dos artigos 3.° e
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4.° do projecto; e quanto ás transferencias, não se pôde deixar de dizer que são igualmente legaes.
Relativamente aos guardas que foram creados em diversas epochas, e incluidos no orçamento, é isso pratica regular de todos os governos.
Esses guardas existem hoje tão legalmente como os que foram creados pelas leis de 1859 e de 1865.
A camara não ha de, pois, estar a legalisar agora uma disposição que já está legalisada.
Antes de passar adiante direi, que uma das rasões, entre outras, que faz com que alguns chefes fiscaes não estejam nos seus logares, é porque determinando a lei que haja dezoito chefes fiscaes, um em Lisboa, um no Porto, e outro em cada uma das alfandegas maiores, o de Lisboa tinha a seu cargo fiscalisar a circumvallação de Lisboa, as duas margens do Tejo, que, como os dignos pares sabem, são muito accessiveis ao contrabando, e tinha tambem de fiscalisar a raia maritima desde Peniche até quasi ao Algarve.
Entendeu-se, pois, que era muito serviço para um chefe fiscal, (e não sei se já em tempo se tinha tratado de remediar este inconveniente) e nomeou-se um chefe fiscal unicamente para a alfandega do consumo.
Depois veiu outro ministro (não fui eu, mas fez muito bem), e entendeu dever nomear um; chefe fiscal para a margem esquerda do Tejo, e outro para a margem direita.
Eis-aqui a rasão por que ha quatro chefes fiscaes em Lisboa.
No Algarve, o director da alfandega de Faro, empregado muito habil, e que tem prestado grandes serviços á fazenda, como o digno par póde ver pelo relatorio que hontem citou.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Conheço muito; bem.
0 Orador: — Pois esse director informou que era indispensavel dividir á area da fiscalisação, o chamar, portanto, para aquelle districto outro chefe fiscal. Eis a rasão por que varios, chefes fiscaes estão, afastados das suas alfandegas.
O governo estava, portanto, no seu direito fazendo, o que fez. Acudiu ás necessidades do serviço pelo modo que entendeu mais conveniente, sem exceder as suas attribuições, sempre dentro, da lei, porque não alterou os direitos, nem os quadros fixados pela legislação.
O digno par, sr. Miguel Osorio, estranhou que n’este projecto (e o sr. conde do Casal Ribeiro já, insistiu n’este ponto); se crie um imposto, e ao mesmo tempo se organise; a fiscalisação.
Ora, sr. presidente, eu não vejo dois assumptos que tenham mais ligação entre si, do que a creação do imposto e a sua fiscalisação. Ha dois assumptos que mais se liguem? Pois não é necessario que quando se crie um imposto, se crie tambem o meio de o fiscalisar? Mas o sr. Miguel Osorio, que entranhou que eu apresentasse um projecto reunindo estes dois assumptos que julgo differentes, queria que aqui viesse tambem uma lei de aposentações.
O sr. Miguel Osorio: — Para acabar com os abusos.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — A lei já existe, mas está desprezada.
O Orador: — A lei existe, e eu peço esta auctorisação em virtude d’essa mesma lei. E lembrarei á camara que, em vista, do relatorio do funccionario a que ha pouco me referi, e o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, conhece, o digno par o sr. Miguel Osorio, acaba de responder a s. exa. ao celebre argumento de que não era por ora urgente esta auctorisação.
Esse relatorio diz o seguinte.
(Leu.)
Eis por que disse que o contrabando iria exercer-se em larga escala, e terá grande incentivo no augmento do preço, do tabaco. E é por isso que o digno par não vota.
Os dignos pares estão em contradicção n’este ponto.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Não somos ministros, nem solidarios.
O Orador: — Um já foi ministro, e outro era muito capaz de o ser.
Parece-me ter demonstrado que não são justas as arguições que me fizeram os dignos pares, quanto ás irregularidades que mo attribuem.
Parece-me igualmente haver demonstrado que não carece de bill de indemnidade pelos actos que pratiquei, e que tenho aqui ouvido qualificar de illegaes. Se a camara entendesse que eu precisava de bill, tinha de o votar do mesmo modo a muitos dos meus antecessores.
O digno par que me precedeu queria fazer um incruento alminha consciencia.
Eu declaro desde já que, o acceito para membro d’essa commissão de inquerito, mas que nem a todos concedo o mesmo direito.
Limito aqui as minhas reflexões; não quero fatigar a camara, mas estou prompto a dar todas as explicações que me forem pedidas, e a mandar para a mesa todos os documentos que se julgarem convenientes, declarando, desde já que o documento requerido pelo sr. conde do Casal Ribeiro, ácerca do tribunal da contas, será enviado aqui sem demora.
O sr. Presidente: — O sr. visconde de Bivar pediu a palavra a favor ou contra o projecto?
O sr. Visconde de Bivar: — A favor.
O sr. Presidente: — E o sr. conde do Casal Ribeiro?
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — A favor da minha proposta.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Vaz Preto, que se inscreveu contra o projecto.
O sr. Vaz Preto: — Hesito sobre o methodo a seguir n’esta discussão.
Não sei se deva começar a tratar a materia do projecto, se responder primeiro ás observações feitas pelos srs. Mártens Ferrão e ministro da fazenda, com as quaes não me conformo.
Para se não me varrer da memoria a impressão que me deixaram essas observações, e que eu tenho agora bem impressas, eu deveria começar pela analyse dos discursos dos dois illustres oradores, mas para proceder com methodo, e ser mais claro, e mais preciso, talvez seja melhor apreciar primeiro a questão, começar pela analyse do projecto, e responder em seguida a cada um dos oradores.
Parece-me este plano mais acceitavel. Seguil-o-hei, pois, para que a exposição corresponda ao meu desejo de tornar clara a apreciação do assumpto, e de ser breve ao mesmo tempo.
Sr. presidente, este projecto tem duas partes: uma, que diz respeito ao augmento do imposto do tabaco; e outra, em que se dá auctorisação ao governo para despender mais 150:000$000 réis com a fiscalisação, com o serviço externo das alfandegas.
Emquanto á primeira parte, se o governo, não, quizesse fazer questão politica das questões de fazenda, lançando a responsabilidade sobre a opposição, deveria o sr. ministro da fazenda acceitar a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, e nesse caso nós não duvidariamos votar o imposto sobre o tabaco.
A proposta do sr. conde do Casal Ribeiro é racional e acceitavel. Divide o projecto em dois. Pretende que se votem já os dois primeiros artigos que se referem ao augmento do imposto sobre o tabaco, e que sejam remettidos á commissão os restantes, que dão auctorisação ao governo para gastar 150:000$000 réis com a fiscalisação das alfandegas, cujo serviço carece de ser reorganisado, e com a reforma de empregados aos vinte annos.
A proposta do sr. conde significa que se precisa primeiro estudo, e que só depois d’esse estudo, se pôde e deve apresentar ao parlamento, não só as bases da reorganisa-
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ção do tão importante serviço, mas todos os esclarecimentos indispensaveis para a camara se elucidar.
Isto quer dizer votação immediata da primeira parte, e andamento da segunda.
Não faça o governo d’este projecto questão politica, deixe aprecial-o á sua maioria imparcialmente e sem animo partidario, ponha-se de parte a questão de confiança, e deixe á sua maioria apreciar este projecto debaixo do ponto de vista financeiro, como meio de conquistar a receita sem augmentar a despeza, que nós acompanhal-a-he1-mos n’esse caminho.
Da nossa parte não ha senão boa vontade, e aqui não entra o animo partidario, e tanto que se o governo quizer acceitar a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, desapparece completamente a questão politica. Vote-se, pois, o augmento do imposto sobre o tabaco, estude-se meditadamente a questão da fiscalisação, porque n’isso vão o interesse do paiz e de nós todos.
Compenetre-se a maioria da necessidade de attender á reclamação urgente, que o paiz faz todos os dias, pedindo boa administração.
Mande o sr. ministro todos os documentos que lhe foram pedidos, de os esclarecimentos que são necessarios e indispensaveis, apresente as bases para a reorganisação d’aquelle serviço e da reforma que pretendo fazer, e verá como acha a camara nas melhores disposições, e decidida a apoial-o e a dar-lhe toda a coadjuvação, a fim de se fazer alguma cousa com acerto.
Os nossos desejos sinceros são estes, e por isso a opposição demitte de si toda a responsabilidade que querem lançar sobre ella, o sr. Mártens Ferrão e o sr. ministro da fazenda, de tratar as questões sob o ponto de vista partidario, e não do interesse nacional.
Não foi ella que trouxe a questão, ou a collocou no terreno politico. É bom sermos explicitos e precisarmos a questão de fórma que vá a cada um a responsabilidade que lhe toca. Não quer o governo questão politica, não a quer fazer n’este projecto?
Basta uma palavra sua, basta só uma palavra de annuencia, basta um sim. Acceite o governo a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, e immediatamente obtem unanimemente a votação do projecto modificado.
Estou Convencido de que na outra casa do parlamento achará as mesmas disposições, succederá o mesmo que aqui, não encontrará repugnancia alguma em votar o imposto sobre o tabaco; a questão toda é da auctorisação para se gastar mais 150:000$000 réis com a fiscalisação, quando para esse serviço ha pessoal de mais, e fazer-se já um despendio enorme.
Porque não acceita a proposta? Porque não faz o sr. ministro da fazenda um bom serviço ao paiz, pondo de parte os caprichos, ministeriaes, acceitando o que é justo e rasoavel?
O silencio do sr. ministro justifica a minha asserção, do que quem faz questão politica d’este projecto e o governo, e não a opposição.
Sr. presidente, esta questão tem, como disse, duas pares distinctas; uma, a que trata do augmento do imposto sobre o tabaco; outra, a que se refere á fiscalisação.
A primeira não offerece duvida emquanto ao principio, emquanto ao augmento do imposto do tabaco, posto que possa havel-a pelo que respeita ao quanto, se os 20 por cento é augmento demaziado.
O tabaco é uma materia collectavel de que todas as nações estão tirando grandes resultados, e sobre a qual póde recair o imposto sem repugnancia, porque ainda que o con sumo do tabaco satisfaça uma necessidade, não é uma das principaes, das inherentes á natureza humana, das que careça de ser satisfeita immediatamente.
Era todo o caso parece-me que o governo procederia mais conveniente e, apertadamente se propozesse o imposto de 10 por cento, e marchasse assim com certa cautela e precaução.
Este assumpto devia e deve ser examinado com o maior cuidado, porque sendo o tabaco uma importante fonte de receita, e uma importante maioria collectavel, não convem exhaurir, nem esgotar esse valioso recurso.
Os systemas que as differentes nações da Europa têem seguido, e applicado á percepção d’este imposto, para tirarem d’elle as maximas vantagens são diversos e variados.
Na França, Hespanha e Austria está implantado o systema da regie, isto é a administração por conta do estado.
Em Inglaterra existe o mesmo systema que entro nós, imposto na importação, liberdade para o fabrico, e prohibição para a cultura.
Na Allemanha direitos sobre a importação, conjuntamente com o imposto sobre a cultura; e em Italia, a regie interessada.
Sr. presidente, a opinião do sr. ministro, e do empregado superior que está á frente do serviço aduaneiro, é que se póde lançar sobre o tabaco o imposto de 20 por cento, porquanto os donos das fabricas dão aos intermediarios grandes percentagens, percentagens de 20, 30, 40 e mais por cento.
Tanto o sr. ministro, como o director geral das alfandegas, estão convencidos, que dando as fabricas aos seus agentes, aos que lhes vendem o tabaco, tamanhos interesses, é porque os lucros são enormes, e por isso o augmento de 20 por cento n’aquelle imposto é reclamado e urgente.
Parece que assim é, ou assim deve ser, querendo conservar o actual systema. Mas parece-me tambem, que os homens publicos tem obrigação do estudarem o passado e aprenderem com a experiencia a observação de todos os dias, e servir-lhes de lição os exemplos de nações mais adiantadas.
Sr. presidente, pelas declarações do sr. ministro da fazenda, e do sr. director geral, os lucros dos intermediarios attingem, termo medio, 1.500:000$000 réis. Ora, quando as fabricas dão uma somma tão importante aos intermediarios, é claro que os seus lucros devem ser grandes, enormes.
Devemos presuppor que ellas não ganharão menos do dobro d’essa somma. Portanto o que parecia mais rasoavel, o que era obvio era que o governo, em logar de pedir este augmento de imposto, tratasse de ensaiar o systema, que está adoptado em quasi todos os paizes refiro-me á regie. E, se receiasse não poder auferir d’este systema um lucro superior ao que hoje recebe, porque os governos não administram com tanta economia como os particulares, ensaiasse então o systema seguido em Italia, que é a regie interessada.
O governo teria tudo a lucrar, porque a companhia a que o governo se associasse garantir-lhe-ia os 3.000:000$000 réis que rende actualmente o tabaco, e repartiria alem d’isso com o governo os lucros d’ahi para cima. São enormes os lucros que auferem as fabricas, e verdadeiras as percentagens que ellas dão aos intermediarios, como affirma o sr. ministro? Então o que era logico era, a regie, ou regie interessada.
Por este seguinte calculo se vê que a consequencia a tirar das affirmativas do sr. ministro era esta: O imposto do tabaco rende hoje 3.000:000$000 réis. As fabricas dào de percentagem 1.500:000$000 réis aos intermediarios, portanto não lucram menos de 3.000:000$000 réis, o que tudo sommado dá a importante verba de 7.500:000$000 réis. Se se estabelecesse a regie, o governo em logar de 3.000:000$000 réis poderia obter 4.000:000$000, 5.000:000$000, 6.000:000$000, ou 7.000:000$000 réis conforme fosse mais ou menos economico, e soubesse administrar.
Digo 7.000:000$000 réis, porquanto com a fiscalisação que hoje tem bastaria gastar 200:000$000 réis mais, e os 300:000$000 réis que restavam seriam para os jnterme-
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diarios. Se, porém, o governo não sabe administrar, n’esse caso ensaiasse a regie interessada.
Sr. presidente, estas reflexões são apenas lembranças, ou apreciações das affirmativas do sr. ministro da fazenda, pois eu não preterido entrar agora na questão de saber se convem mais a adopção de qualquer d’estes systemas, ou se é mais conveniente augmentar o imposto que paga o tabaco; não obstante, estou persuadido, sendo verdadeiros os elementos que o sr. ministro nos ministrou, que o thesouro lucraria muito mais com a regie interessada do que com o augmento do imposto, que o sr. ministro da fazenda calcula em 500:000$000 réis.
Creio que valia a pena experimentar este systema.
Entretanto, devo dizer que não me repugna a idéa de augmentar o imposto, sobre o tabaco, porque antes quero ver onerar com imposto pesado esta materia tributavel, que satisfaz necessidades ficticias, do que ver onerar com imposto modico outras que satisfaçam ás primeiras, necessidades, e ás necessidades das classes menos abastadas, dos desprotegidos da fortuna.
Sr. presidente o sr. ministro da fazenda, como economista que é, sabe perfeitamente que os impostos indirectos recáem, segundo a sua natureza, e as circumstancias que se dão, umas vezes mais sobre o consumidor, outras sobre o productor; mas que geralmente, sendo lançados com cautela e precaução, tendem a equilibrar-se, quero dizer, a distribuirem-se igualmente pelo consumidor e pelo productor.
Um dos homens mais competentes sobre estes assumptos, e que, representou ultimamente na Europa um papel distinctissimo, refiro-me ao sr. Thiers, era apologista d’este genero de imposto. Era do opinião que o imposto indirecto, sendo a maior parte das vezes voluntario, pois nos generos que não são de primeira necessidade o consumidor póde retrahir-se, se pagava mais facilmente, porque se confunde com o preço dos objectos sobre que elle recáe.
Este eminente estadista escreveu até um livro ácerca de impostos, e dava aos indirectos a preferencia sem, comtudo, prescindir dos directos.
Economistas distinctos, em França e em Inglaterra, têem adoptado o principio de que tanto se deve aproveitar o imposto directo como o indirecto, e que a questão está em aproveitar e applicar aquelles que melhor possam procurar e attingir a riqueza onde quer que ella se manifeste. Hoje o imposto unico póde-se dizer, que está condemnado. Pela analyse dos orçamentos de todos os paizes da Europa se reconhece, que tanto um como outro imposto estão adoptados hoje, é que nenhuma nação póde prescindir d’elles.
Na França, na Inglaterra, na Italia os homens os reais liberaes têem Lançado impostos indirectos, quando estão no governo, apesar da escola democratica pregar constantemente a favor do imposto directo.
Sr. presidente, esta questão, ácerca da qual ha livros e livros escriptos, é uma na theoria, e outra na pratica. Os impostos são necessarios e indispensaveis; a questão toda, pois, reduz-se a distribuil-os proporcional e equitativamente, e a escolher os de mais facil percepção e os menos vexatorio?
A desigualdade ou a injustiça é que tornam sempre o imposto mais pesado e odioso, e por isso os homens d’estado devem proceder com a maxima cautela e maduro exame, para que o augmento do imposto não lhes de o resultado negativo.
O sr. ministro da fazenda não ignora, que muitas vezes o augmento do imposto, sendo exagerado, diminuo o consumo, e em logar da receita subir desce. Muitas vezes diminui? o imposto dá acrescimo de receita. Portanto, parece me que no caso sujeito s. exa. tem a examinar se a materia collectavel póde com o augmento do imposto de 20 por cento.
O imposto exagerado é tambem um incentivo para o contrabando; portanto, o sr. ministro da fazenda, deveria ter estudado maduramente a questão, e dar-nos todos os esclarecimentos para nos convencer que o augmento do imposto dará todos os resultados que s. exa. almeja.
Não me parece que por ora haja receio que o contrabando cresça mais do que até aqui;
Digo que não póde haver este receio porque tendo-se munido todas as fabricas da materia prima que lhes era necessaria para doze ou dezoito mezes, não carece por ora augmentar o preço do genero; e, portanto, parece-me inutil despender mais com a fiscalisação emquanto não se mostrar necessidade de augmentar o pessoal.
Sr. presidente como disse, e repito agora, não nos repugna votar o imposto sobre o tabaco; o que nos repugna é auctorisar o governo a despender com a fiscalisação réis l5O:000$000, sem elle nos convencer d’essa necessidade; o que nos repugna é conceder, na penuria do thesouro mais esta verba de despeza, sem ao menos sabermos como a fiscalisação tem sido exercida até aqui, e o que lhe falla.
A idéa da fiscalisação não é o que nos repugna o que nos repugna é concedermos os l5O:000$000 réis sem sabermos se a fiscalisação poderá ser efficazmente exercida com o mesmo pessoal que existe, quando mais bem aproveitado.
Diz o sr. ministro da fazenda que «o augmento do pessoal da ficalisação fará com que o imposto do tabaco renda mais».
Com certeza ha de render, se essa pessoal for bem dirigido; o bem aproveitado; se se fizer o contrario do que se tem feito agora; se servir para fiscalisar, e não para receber só gratificações e ajudas de custo.
Comtudo do que nós estamos convencidos é que o pessoal existente, organisado sobre outras bases, satisfaz. Foi para provar esse ponto que eu pedi os documentos ao sr. ministro, e posto que deficientes habilitaram-me ainda para assegurar á camara que o pessoal existente é o que basta para a nova fiscalisação.
Sr. presidente, os documentos que vieram são deficientissimos. Os meus requerimentos não foram satisfeitos como deviam, e essa falta ou omissão faz que a luz que podia derramar se sobre este importante assumpto não seja tão grande como devia ser.
Para não satisfazer ao meu pedido, o sr. ministro disse que, não tinha pedido reunir esses documentos a tempo de os enviar á camara, e que para os colligir levaria quinze dias! Confiei e acreditei na palavra do sr. ministro vê por isso me causou surpreza ouvir lhe dizer em resposta ao sr. conde do Casal Ribeiro, que tinha mandado fazer um estudo, um trabalho, sobre as gratificações, que esse trabalho já está completo, e que foi n’esse trabalho que se baseou para diminuir, as gratificações!
Já vê, portanto, a camara que se o sr. ministro da fazenda na satisfez ao meu requerimento, foi porque não quiz mandar esses documentos que era exactamente o que só lhe pedia.
Mas qual foi a rasão porque o não fez? Qual é a rasão porque nos occulta esse estudo, esse trabalho, em que se baseou para regular as gratificações e diminuil-as? A rasão é simples, é porque o governo quer occultar tão publico as penitenciarias que vão nos serviços, principalmente, nos serviços que respeitam á pasta da fazenda. É porque o sr. ministro não quiz que se desse publicidade ao patronato escandaloso que se tem dado à certos empregados. É porque as despezas illegaes são de tal ordem, que convem que a camara as não conheça. É, emfim, porque os serviços estão n’um perfeito cahos, n’uma anarchia completa, e que convem occultar por todo o preço.
Sr. presidente, os documentos que foram mandados á camara, alem de deficientes, contradizem-se e são inexactos, como eu provarei breve; São á condemnação do sr. ministro da fazenda e dos seus subordinados.
Eu vou mostrar á camara a sua importancia e valor. O
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sr. ministro da fazenda disse que em Lisboa estavam quatro chefes fiscaes um pertencente á alfandega de Lisboa, e tres outros de alfandegas da raia. Effectivamente o documento ultimo mandado pelo sr. ministro assim o diz quando falla no pessoal que está no serviço da alfandega de Lisboa; mas n’esse documento acrescenta-se tambem, n’outra parte, que está em Lisboa um chefe fiscal ás ordens do sr. ministro. Alem d’isso existe o documento que foi presente á commissão de fazenda, e que está appenso ao parecer que se discute. N’esse documento diz-se quaes são os chefes fiscaes que estão em Lisboa, e o numero d’elles. N’esse documento diz se que de outras alfandegas estão em Lisboa cinco chefes fiscaes, que, com o chefe fiscal ás ordens do ministro perfaz o numero do seis.
Pergunto: qual d’estes documentos é o verdadeiro? Aquelle que affirma estarem em Lisboa os cinco chefes fiscaes, e que os nomeia pelos seus nomes, os quaes, juntos ao chefe fiscal que está ás ordens do sr. ministro da fazenda, perfazem seis; ou aquelle que diz haver em Lisboa só tres chefes fiscaes de fóra? Não pense a camara que eu digo isto sem fundamento, ou por uma simples informação particular, são os documentos officiaes que mencionam o facto. O primeiro documento publicado diz: «João Antonio Pusich, chefe fiscal do Aldeia da Ponte, servindo em Lisboa no consumo. D. Joaquim Maria de Mello, chefe fiscal da Barca de Alva, servindo em Lisboa. José Roldão Ramircs Lobo, chefe fiscal de Elvas, servindo em Lisboa. Alvaro Evangelista Cardoso, do terceiro districto, servindo em Lisboa. Francisco José Galaghar, do quarto districto, servindo em Lisboa. O outro documento diz que o chefe fiscal de Portalegre está ás ordens do ministro. Desejava, pois, que s. exa. explicasse estes documentos á camara, e lhe dissesse qual é o serviço que faz o seu ajudante do ordens tirado dos chefes fiscaes. E um emprego novo este de um chefe fiscal ás ordens do ministro da fazenda: é um caso tambem novo, e por isso convem saber qual a lei que creou similhante emprego. S. exa. não fallou n’este chefe fiscal, e apenas mencionou tres, o que está em desaccordo com o documento que primeiro apresentou.
Espero, pois, que o sr. Serpa nos explicará circumstanciadamente tudo isto, e a contradicção dos documentos.
Quer v. exa. e a camara notar outra contradicção nos documentos? O primeiro documento diz que o chefe fiscal Gonçalo de Sousa Lobo está em Portalegre fazendo serviço; e o segundo documento, que elle está em Lisboa ás ordens do ministro! Que valor, que significação, que importancia tem estes documentos?
Parece-me que significam a complicação, a confusão e o cahos em que se acham os serviços aduaneiros, e a condemnação do ministro que ha tantos annos tem conservado a anarchia n’aquelle ramo do serviço publico.
Tenho presente o segundo documento, que mal pude passar pela vista, porque só ha pouco foi distribuido n’esta casa e me chegou ás mãos, e por isso não sei se ainda mencionará mais algum d’estes empregados fazendo serviço em Lisboa; em todo o caso não estão em Lisboa unicamente os chefes fiscaes que o sr. ministro mencionou; ha muitos mais.
E tudo isto significa que nem o director geral, nem o sr. ministro sabe o que se passa, e que o serviço está na mais completa anarchia.
D’aqui resulta necessariamente que, sendo erradas e inexactas as informações que nos têem sido enviadas pelas differentes repartições, e os documentos mandados a esta camara, ou fornecidos pelo sr. ministro, documentos que se contradizem pela maior parte, tanto no que respeita ao numero dos empregados, como no que toca ás gratificações, nós não podemos devidamente apreciar a questão como desejariamos.
O sr. conde do Casal Ribeiro, pela simples analyse de um dos documentos ultimamente mandados, e com a confrontação do documento que foi presente á commissão, concluiu logo que havia 264 guardas que não estão no serviço das alfandegas.
O sr. conde do Casal Ribeiro, fazendo a confrontação dos guardas mencionados n’esta lista, que está impressa, com o pessoal que deve existir nas alfandegas por lei, fez o calculo pela seguinte fórma:
Guardas a pé e a cavallo, que existem hoje nas alfandegas, 2:871. Pessoal legal das alfandegas, 3:253. Differença, 382. Subtrahindo ainda os chefes-fiscaes e fiscaes, 18, ficam 264, que são os guardas que não estão empregados na fiscalisação externa.
Em vista d’este facto, perguntou o sr. conde do Casal Ribeiro ao sr. ministro onde estão estes 264 guardas, e que serviço fazem?
O sr. ministro respondeu que uns estavam empregados no real de agua o outros impossibilitados ou com licença.
Exactamente para saber onde estavam os 264 guardas que não figuram n’esta lista, e o serviço que faziam, é que eu fiz um requerimento; que não foi satisfeito, e creio que o não será.
Não se mandou a esta camara a nota que eu pedi, porque não convinha que viesse, pela rasão de que os guardas que estão no serviço do real de agua recebem gratificações, alem do seu ordenado, do 18$000 e de 24$000 réis por mez.
Isto é o que se chama fazer boa, administração, isto é o que se chama fazer boa fiscalisação!
E é para isto que se querem mais l5O:000$000 réis?
Estas gratificações não póde o sr. ministro negar que se dão, ou que se davam ainda ha muito pouco tempo aos guardas.
Se os guardas eram remunerados assim tão prodigamente, quanto não o seriam os chefes-fiscaes que fazem o serviço do real de agua!
Se o avaliarmos pelo que recebem os guardas, deve ser enorme a remuneração.
Sr. presidente, note v. exa. e a camara que nem aqui estão todas as gratificações, que são muitas mais, mas que o governo evita dizer em quanto importam as ajudas de custo e outros subsidios que se dão, e que igualam as gratificações, se não as excedem.
Os meus esforços, para chegar ao conhecimento d’estes desperdicios, têem sido baldados, apesar de os envidar desde que começou em janeiro a sessão ordinaria do parlamento.
N’estes documentos não estão todas as gratificações, repito-o.
O sr. ministro sabe perfeitamente que até se dá o caso de haver um aspirante, que está fazendo serviço de chefe-fiscal, e que recebe, alem do sou ordenado do aspirante, 45$000 réis por mez, 18$000 réis para sustento do cavallo, e mais 2$000 réis por dia de ajuda de custo, chegando, portanto, a receber perto de 200$000 réis mensaes.
É um aspirante que tem mais ordenado do que o director geral das contribuições indirectas!
É por esta rasão, e por eu conhecer como se despendem infructiferamente os dinheiros publicos, remunerando quem não trabalha, e deixando de remunerar quem trabalha, que pedi e instei por esses documentos, para que os poderes publicos provejam de remedio a esta calamidade.
Porque não os mandou o governo? Se este despendio é legal, que receio póde ter que elle seja declarado como tal depois de previo exame?
Ponha o sr. ministro da fazenda a politica de parte; ponhamos todos a politica de parte, n’este ponto; examinemos com attenção as causas do tamanho mal; côrtemol-o pela raiz, porque estas excrescencias, deixando-se subsistir, contaminam; e se o passado já não tem remedio, olhemos para o futuro.
Os serviços que correm pela repartição das contribuições indirectas estão n’um cahos; estudemos, pois, com meditação e cuidado, para se conseguir alguma cousa seria.
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Não tenha pressa o sr. ministro; proceda antes com intelligencia e circumspecção, e não venha pedir, auctorisações vagas para reformar serviços, que têem estado completamente desprezados, e que pela incuria do sr. Serpa têem chegado a esta anarchia e confusão.
Acabemos por uma vez com o systema de gastar desatinadamente sommas immensas, sem que produzam o effeito desejado.
Sr. presidente, é necessario ser justo e imparcial. Fallei em enormes gratificações percebidas por um aspirante; é forçoso tambem que eu elogie o serviço d’esse aspirante, que na verdade tem sido muito proveitoso, e bem dirigido, e que eu acrescente ainda que esse aspirante é um empregado zeloso, activo o intelligente. Folgo de prestar esta homenagem á verdade, e assim como elogio os empregados que cumprem o seu dever, censuro os ministros que faltam ao seu, e que dão indistinctamente gratificações d’esta natureza, tanto aos que trabalham, como aos que não trabalham; tanto aos que arriscam a sua vida e saude no meio dos perigos e da intemperie das estações, como áquelles que passeiam e se divertem na capital. O escandalo tem sido elevado á altura de gratificar melhor os que passeiam e se divertem, do que os que trabalham activamente.
Na nota que foi mandada para a mesa não apparece o nome d’este aspirante, nem se diz onde está servindo de chefe-fiscal, nem qual a alfandega onde exerce as suas funcções! Porque se occulta o nome d’este empregado? Que rasgões haverá para isso? Será do proposito para não se saber a que familia pertence, ou será porque effectivamente na secretaria não ha informações ácerca dos serviços prestados por elle?
Se na direcção geral das contribuições indirectas se ignoram os serviços prestados por este empregado, devo ao menos saber-se na repartição de contabilidade as verbas extraordinarias que elle tem percebido. Deve ser assim; comtudo, o que noto e que tanto os documentos fornecidos pelo ministerio da fazenda, como as declarações do respectivo ministro, nada elucidam a camara, e a mim têem não deixado a tristissima impressão de que, tanto o serviço das alfandegas, como o do algumas repartições do ministerio da fazenda, estão por tal fórma anarchisados e complicados, que carecem de prompta reforma que os simplifique e organise mais economicamente.
Quer v. exa. saber por que não vieram os documentos que pedi?
Não foi só por a complicação dos serviços ser de tal ordem na secretaria da fazenda, que não se sabe por onde os negocios correm, mas porque se quiz occultar um escandaloso patronato que ali tem havido.
Eu pedi a nota das gratificações dos empregados e dos locaes onde estavam servindo, e essa nota não veiu, nem virá.
Poder-se-ia satisfazer completamente a este meu requerimento tão simples; não succedeu, porém, assim!
Para a camara reconhecer como os serviços ali está o complicados e confusos, basta dizer-lhe que foi necessario mandar á repartição de contabilidade pedir esclarecimentos porque o director geral das contribuições indirectas não sabia quaes eram as gratificações que se davam aos seus empregados!
D’este estado de cousas fóra da lei, d’esta situação anormal e excentrica conclue-se que as gratificações não têem sido propostas; pelo director geral para remunerar serviços, mas sim dadas por pedidos dos amigos, do sr. Serpa, ou para satisfazer exigencias partidarias ou a pressões irresistiveis dos ministros.
O que o publico deve ficar sabendo é que esse despendio enorme e excessivo, gasto só com empregados privilegiados, não tem tido sequer a rasão justificativa de terem sido concedidos para satisfazer e remunerar serviços reconhecidos. Não quero dizer com isto ques o sr. ministro da fazenda não tenha as melhores intenções, mas as conclusões que se podem tirar são as que acabo de indicar.
A desorganisação e complicação d’estes serviços é tão palpitante, que para se conhecer n’uma repartição uma cousa simples, e privativa d’ella, é necessario expedir officios sobre officios a outra repartição, como succedeu agora para saber as gratificações que se dão, e os empregados que as recebem.
Isto significa que aquellas repartições carecem de ser reformadas, e mais bem dirigidas; significando ao mesmo tempo que essas gratificações têem sido dadas, não por serviços, mas por pedidos, contra os quaes não tem tido o sr. ministro a força necessaria para resistir.
Sr. presidente, sendo deficientes os documentos que vem juntos ao projecto, e que serviram de estudo, á commissão de fazenda, surprehende-me que o sr. Mártens Ferrão - dissesse em nome d’essa commissão que não precisava que lhes fossem remettidos outros!
Eu não esperava que s. exa. se oppozesse a que novos documentos fossem enviados á commissão de fazenda para que os estudasse o examinasse, e depois modificasse o projecto se assim o.entendesse!
Sr. presidente, surprehendeu me e admirou-me esta declaração do sr. Mártens Ferrão, que accrescentou tambem que não, é ministerial, que está fóra da vida politica!
As palavras do sr. Mártens Ferrão, estão em completa contradicção com as suas obras.
Se estando fóra da politica procede tão parcialmente a favor do governo, que faria se estivesse dentro? Todos reconhecem no sr. Mártens Ferrão um dos primeiros campeões ministeriaes, um dos mais notaveis defensores do governo, quando elle declara ministerial qualquer questão.
O exemplo, a prova, tivemol-a ainda ha pouco, na defeza do governo feita por s. exa. na questão da Zambezia, na occasião em que aqui se discutiu a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada.
Disse o digno par que não precisava, nem elle nem a commissão, de mais documentos para estudar a questão o votar o projecto! N’este presupposto pergunto a s. exa. - o governo, pedindo 100:000$000 réis para augmentar a fiscalisação, não tem obrigação de fornecer á camara todos os elementos, pelos quaes se reconheça que a fiscalisação mal feita, que o pessoal é insufficiente, e que o que só gasta com elle é mais insufficiente ainda?
Não fez ainda similhante demonstração. Eu é que tenho mostrado até á evidencia que não ha precisão de se gastar esta somma, que ha empregados que estão fóra dos seus logares, o que alem d’isso recebem gratificações não auctorisadas por lei, o que se elles fossem empregados competentemente seria pessoal bastante.
Sr. presidente, 150:000$000 réis para augmentar o pessoal da fiscalisação externa, quando o sr. ministro tem em pregados n’outros serviços 264 guardas e muitos fissaes e chefes-fiscaes, é muito, é notavel o pedido!
Os documentos que se acham presentes revelam bem o estado a que as cousas têem chegado, e a má direcção que se tem dado a este serviço. Antes da reforma da serviços o que era preciso era reformar os habitos governativos e os costumes financeiros do partido regenerador.
Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda, para justificar alguns artigos do projecto, leu um relatorio de um empregado, a que chamou inteliigente, e pretendeu fazer impressão no animo da camara com a leitura d’esse relatorio, que julga ser de auctoridade para a camara. Creio que o auctor do relatorio seja auctoridade competente e versada em assumptos d’esta ordem, e que mereceu e merece muita consideração ao sr. ministro. N’este presupposto eu desejava que o sr. ministro nos explicasse como, sendo o auctor do relatorio pessoa competentissima, e das suas opiniões calarem no animo do s. exa., s. exa. demittiu esse empregado, e substituiu o por outro? Pois s. exa. não julgou aquelle empregado á altura de dirigir a repartição a seu cargo,
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nem do organisar os serviços dependentes d’esta repartição, e acceita as suas idéas para o projecto de lei, que apresentou ao parlamento, e trata de acobertar-se com esse relatorio para tirar do sobre si a responsabilidade?!
Sr. presidente, confesso que não comprehendo este systema nem este modo de querer fazer com que as camaras lhe approvem projectos deficientissimos, o que só servem para augmentar este cabos e esta anarchia em que têem estado os serviços até hoje, e as gratificações contra lei aos empregados protegidos ou de quem ha receio.
Remunerar por um serviço especial um ou outro empregado, conceder uma gratificação por um trabalho a que se não é obrigado, isso admitte-se; mas o que o sr. ministro não póde fazer é mandar abonar gratificações a quem faz o serviço que lhe compete, e a que e obrigado por lei, e que foi por lei ordenado e estabelecido. O que o sr. ministro não póde é dar gratificações de seu arbitrio, gratificações a capricho; gratificações que não tem uma base, uma rasão de ser.
Assim essas gratificações têem sido dadas conforme agrada ou desagrada ao sr. ministro, e por isso presenciamos a anomalia de um aspirante perceber com gratificação, com ajuda de custo e outros subsidios, cento e tantos mil réis por mez, emquanto que ha alguns chefes-fiscaes, que não têem gratificação, e outros que as têem insignificantissimas! N’este proceder do sr. ministro não ha systema, não ha regra nem justiça, mas ha em compensação o arbitrio, o capricho, e a tendencia regeneradora de gastar sempre muito, e mal.
Sr. presidente, estes documentos que aqui estão são todos inexactos e errados, como se reconhece pela simples confrontação de una com outros. Mas prescindindo d’essa confrontação descerei aos factos, que fallam bem alto, e deixam ver toda a verdade. Fallarei do que sei, quasi pelo presenciar, fallam do que se passa no meu districto. Como ali vivo uma parte do anno, e a pequena distancia do Idanha a Nova, uns 16 kilometros apenas, sei o que ali se passa e faz, o que não me succede com os outros districtos, e nas respectivas alfandegas; mas supponho que deverá n’ellas succeder o mesmo.
Antes, porém, de apontar estes factos, permitta-me o sr. ministro que lhe faça uma pergunta.
Eu desejava saber qual a rasão por que se diz n’este documento: guardas existentes em 30 de novembro do 1878 nas diversas alfandegas?
Eu desejava saber qual o motivo por que tendo eu podido os documentos, pelos quaes se mostrassem quaes os guardas e mais pessoal das alfandegas, que estavam fóra d’ellas na epocha actual, se me manda só a nota até 30 de novembro?
Qual é a rasão por que se não diz quaes os guardas existentes nas diversas alfandegas, pelo menos até 31 de janeiro, e se fez referencia só ao mez de novembro findo?
Se o governo nos falla d’esses empregados só até 30 de novembro, deveria tambem fallar das gratificações d’aquella epocha.
Não succede, porém, assim em quanto ás gratificações.
O governo segue outro caminho, applica outro systema, e a fórma é inversa.
Com respeito ás gratificações, não diz quaes as gratificações que se davam em novembro, que eram muito maiores, que eram enormes; falla-nos só das que se dão agora, o não de todas, parque as principaes estão omittidas n’este documento, e ficam occultas á camara.
A rasão d’isto, a rasão por que se falla das gratificações de agora, o motivo é simples; é porque, depois que se começaram a pedir os esclarecimentos, principiaram a diminuir as gratificações, (Apoiados,) principiou o sr. ministro a dar ordem para a reducção das gratificações.
Em novembro davam-se a alguns chefes fiscaes 45$000 réis; e mais, e aos fiscaes 18$000 réis por mez de gratificação; e hoje dão-se 12$000 réis a estes, e aos outros, que não são dos afilhados, foi-lhes reduzida a 15$000 réis.
Os chefes-fiscaes recebiam tambem, alem de gratificação, uma verba para sustento de cavallo, e outra de ajuda do custo. Não sói só as recebem ainda hoje.
Eu não posso, sr. presidente, ter informações exactas do que se passa em todas as alfandegas, mas na da Idanha a Nova dava-se isto.
Havia o chefe-fiscal com 45$000 réis de gratificação, com 18$000 réis para cavallo e com 2$000 réis diarios para ajuda de custo; 2 fiscaes com a gratificação de réis 18$000 mensaes.
Note v. exa. que áquella alfandega pertence-lhe ter 4 fiscaes, não obstante só tem agora 2, e um pertence a outra alfandega; guardas a pé com 100 réis diarios, o guardas a cavallo com 200 réis diarios a mais.
Pertencem tambem áquella alfandega sete aspirantes, e está lá apenas um, e no logar dos que faltam, guardas com gratificação de 6$000 réis mensaes.
Estes guardas a pé, que recebem 100 réis diarios amais, e estes guardas a cavallo que recebem os 200 réis a mais, são aquelles que foram mandados, por uma ordem arbitraria do sr. ministro da fazenda, partir dentro em quarenta e oito horas para, Portalegre, sob pena de demissão. Esta ordem fui revogada, porque o director da alfandega officiou mostrando os perigos de deixar desguarnecida a raia secca, e os guardas que pareciam incorrigiveis, em vez do castigo que o sr. ministro julgava que elles mereciam, receberam gratificações de 100 réis e de 200 réis diarios!
Estes factos verdadeiros devem esclarecer a camara, e fazer-lhe ver como se gastam os dinheiros publicos.
Uma voz: — Então é porque votaram bem.
(Entram os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros.)
O Orador: — Votaram, o votaram muito bem.
Aos de Portalegre não se deu nada, nem aos de Elvas, provavelmente ou porque não votaram bem, ou porque o governo não precisou que elles votassem.
Desejaria muito que o sr. ministro nos quizesse explicar estas desigualdades, e porque tem procedido assim.
Já era tempo de deixar estes desvarios, de que o paiz é a victima.
Olhe o governo com seriedade para as cousas publicas, o em logar do affirmativas declamatorias das suas virtudes traduza em factos de moralidade e de economia os desejos de que deve estar animado.
N’este assumpto de o sr. ministro da fazenda todas as explicações, forneça-nos todos os documentos, e deixe-nos ver bem claramente o modo como se está fazendo o serviço aduaneiro, e o que se gasta com elle, e diga nos a final como tendo a alfandega de Idanha sete aspirantes, não está lá senão um. Para onde foram os outros seis? Que gratificações recebem?
O governo não o diz.
O sr. Serpa evita dar esclarecimentos a esto respeito; não obstante, extra-parlamentarmente sabe-se que o pessoal da fiscalisação externa está sendo desviado do respectivo serviço para ser empregado na fiscalisação interna. Sabe-se que grande parte d’esse pessoal está empregado na alfandega de Lisboa, com pingues subsidios. Sabe-se que na alfandega de Lisboa estão sessenta e oito aspirantes que pertencem a outras alfandegas, e que recebem gratificações, sendo substituidos nos seus logares pelos guardas tirados á fiscalisação externa, aos quaes se dão 60$000 réis do gratificação, a alguns mais, e aos protegidos outros subsidios.
O que se passa é isto. A verdade é esta.
É, pois, para admirar que estando o serviço n’este estado, por incuria do actual sr. ministro da fazenda e dos seus empregados, o sr. Serpa venha pedir á camara que o auctorise a reorganisar um serviço que elle não conhece, e ao qual tem despendido illegalmente grossas sommas.
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Este serviço acha-se numa; confusão e n’uma anarchia, que o proprio director das alfandegas não sabe onde pára a maior parte dos empregados, nem quaes as gratificações que recebem.
Portanto, parecia-me que o sr. ministro devia acceitar a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro; votava se já o imposto sobre o tabaco; e em logar da auctorisação o sr. ministro reunia as pessoas competentes e de auctoridade, combinava com ellas sobre as bases da organisação d’este serviço, e apresentava um trabalho serio.
Era conveniente que o sr. ministro se companetrasse que só depois de reunir todos os esclarecimentos, todas ás informações dadas pelos directores e chefes-fiscaes dos differentes districtos; que só depois de conhecer o modo por que n’elles se faz a fiscalisação, estaria habilitado a apresentar trabalho serio e meditado, e a pedir a auctorisação para despender 150:000$000 réis, ou mais, se fosse necessario. Isto comprehende-se regular, e é o que fazem os governos que prezam os principios e a opinião.
O que se não pôde, porém, admittir é que o sr. ministro peça esta auctorisação quando lhe faltam todos os elementos de informação.
Sr. presidente, quando nós sustentâmos estes principios, estás doutrinas, as prerogativas d’esta camara e os interesses do paiz, diz-nos o digno par o sr. Mártens Ferrão, que a opposição quer fazer questão politica de uma questão de imposto! É admiravel, é surprehendente este modo com o digno par, que está fóra da politica, considera a opposição!
S. exa., se effectivamente estivesse fóra da politica, se as suas palavras correspondessem aos seus actos, faria um grande serviço combatendo as demazias do governo, servindo se da sua auctoridade para o encaminhar, para o dirigir no bom caminho, e para o aconselhar a que estude profunda e maduramente as questões, de fórma que não de motivos rasoaveis á opposição para as combater.
O sr. Mártens Ferrão, se effectivamente estivesse fóra da politica, imparcial entre o governo e a opposição, poderia, nas discussões, fazer ceder a opposição e o governo, e votar-se o que fosse, justo e rasoavel. Não succede, porém, assim; o que se vota é quasi sempre mau para a nação.
Sr. presidente, quer v. exa. ver, e a camara, como o sr. ministro da fazenda tem procedido? Basta analysar os documentos, posto que deficientes.
O pessoal da fiscalisação externa, pelo decreto de 23 de dezembro de 1869, elevava-se ao numero de 2:556, entre chefes-fiscaes, fiscaes e guardas.
Pela lei de 18 de março de 1875 augmentou-se o pessoal com mais 20 fiscaes, 48 guardas a cavallo e 250 guardas a pé, resultando d’este augmento que o pessoal da fiscalisação externa ficou elevado, ao numero de 2:874. Não obstante o sr. ministro, por despachos differentes, augmentou consideravelmente o pessoal, nomeando guardas.
Augmento por despacho de 30 de junho de 1875.... 50
Augmento por despacho de 3 de setembro de 1875.. 25
Augmento por despacho de 9 de setembro de 1875.. 28
Augmento por despacho do 10 de novembro do 1875 112
Augmento por despacho de 12 de fevereiro de 1876 148
Total......363
Tudo isto fez o sr. ministro arbitrariamente, contra o expresso no § 14.° do artigo 65.° da carta constitucional. O sr. ministro estava tão acostumado a não se importar com as leis, que nem mesmo se importou com o parlamento.
Alguns d’estes guardas foram nomeados pelo sr. ministro da fazenda estando abertas as côrtes!
Desculpa-se s. exa., dizendo que essas nomeações foram feitas em virtude das exigencias do serviço. Se o serviço o reclamava, o dever constitucional, e o dever e a dignidade do ministro, reclamava tambem a necessidade de dar conta d’esse seu proceder ás côrtes, e de o legalisar.
Se legalisou a despeza, introduzindo a verba despendida no orçamento, não legalisou o acto de ter infringido a carta constitucional, creando empregos e nomeando para elles quem os exercesse.
Venha, pois, o illustre ministro ou pedir um bill que o absolva, ou acceite o que lhe offerece o sr. conde do Casal Ribeiro.
Os despachos, pelos quaes são nomeados estes guardas, são curiosos, e a uns dá-lhes mais direitos do que a outras.
Era bom que o sr. ministro da fazenda nos explicasse as rasões que o determinaram a proceder por aquella fórma.
Os primeiros guardas foram nomeados em 30 de junho de 1875.
Pergunto a s. exa.: quando se mostrou a urgencia de taes nomeações? Quando foi apresentada a respectiva proposta, quaes os motivos, que a determinaram, por quem foram feitas as reclamações? Nada d’isto se nos diz nos documentos.
Temos o despacho de 3 de setembro, pelo qual o sr, ministro nomeou 25 guardas, e temos, tambem o despacho de 9 de setembro, pelo qual nomeou 28 guardas para satisfazer as exigencias do serviço, exigencias notadas pelos empregados competentes.
Sobre estas reclamações é que recaíu o despacho do sr. ministro.
Mas sobre que reclamações recaiu o despacho de 30 de junho de 1875? A este respeito nem uma palavra se nos diz.
N’estes despachos, n’uns attende-se á exigencia dos chefes-fiscaes, e directores das alfandegas, n’outros á vontade do director geral, que fez as propostas, não segundo as indicações, mas segundo o que lhe pareceu.
O sr. ministro nomeou 25 guardas por despacho de 9 de setembro, sem que nenhum director reconhecesse a necessidade d’esses guardas; apenas o que se vê d’aqui é que tendo de se augmentar em uma das ilhas o pessoal da fiscalisação, tambem entendeu o director geral que devia augmentar esse pessoal nas outras ilhas.
O despacho de 12 de fevereiro de 1876, nomeando guardas, tendo as camaras abertas, sem respeito algum pelo parlamento, nem pelas leis, é o mais escandaloso de todos.
O procedimento do ministro é insustentavel. Não obstante, o sr. Mártens Ferrão pretende defendel-o, dizendo que as despezas creadas por virtude d’essas nomeações estão legalisadas, porque têem sido descriptas nos orçamentos que as côrtes têem approvado. Esta doutrina é erronea e completamente absurda.
Isto não póde admittir-se, porque o orçamento vigora só por um anno, e legalisa as despezas que n’elle estão insertas por esse espaço de tempo. Mas não legalisa a violação da lei praticada pelo ministro.
Estas despezas extraordinarias têem sido descriptas nos orçamentos; mas esse facto de as metter no orçamento desculpa o facto do ministro ter procedido contra lei? (Apoiados.)
Por consequencia o sr. conde do Casal Ribeiro, comprehendendo bem a posição difficil o insustentavel em que se acha o sr. ministro da fazenda, teve a generosidade de lhe querer dar um bill de indemnidade, e a camara, para restabelecer os bons principios, deve dar-lh’o.
Sr. presidente, o despacho de 12 de fevereiro de 1876, o mais escandaloso de todos, aquelle que o governo fez com as camaras abertas, é differente dos outros, e dá mais garantias aos guardas.
Esse despacho é muito differente de todos os outros. N’este diz o sr. ministro que os guardas nomeados entrarão nas vagas que se forem dando nos respectivos quadros», emquanto que os nomeados pelos outros despachos não têem essas vantagens nem essas prerogativas!
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Quer dizer que todos os outros guardas que foram nomeados são considerados pelo governo como extraordinarios, e creados para um serviço de momento; não os considera com direito do entrar no quadro!
Porque deu o sr. ministro a uns as vantagens de entrar no quadro e a outros não?
Qual será a rasão por que o governo fez isto para uns, e não o fez com relação aos que nomeou pelos outros despachos?
Não eram esses tambem nomeados para serviços extraordinarios?
Parece-me que sim.
Não obstante, no ultimo despacho o sr. ministro da fazenda dá a uns vantagens e garantias que não dá a outros!
E ainda querem fazer d’isto uma questão de confiança, uma questão politica?!
Eu ponho de parte a politica, sempre que se trata de remediar inconvenientes, e inconvenientes de que podem resultar grandes prejuizos para a administração.
Deu a hora sr. presidente, e, por isso, peço a v. exa. me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: — A primeira sessão terá logar segunda feira (24 do corrente), e a ordem do dia é a mesma que estava dada, e alem d’isso a discussão do parecer
n.º 16.
Sobre o parecer n.° 9 ficara inscriptos os dignos pares: Vaz Preto, visconde de Bivar e condo do Casal Ribeiro.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 22 de março de 1879
Exmos. srs.: Duque d’Avila e do Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Angeja, de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Condes, dos Arcos, do Bortiandos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, do Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, de Porto Covo, do Rio Maior, da Torre; Bispo do Porto; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Chancelleiros, de Monforte, dos Olivaes, da Praia, da Praia Grande, de Sagres, de Seabra, da Silva Carvalho, do Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancedo; Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Camara Leme, Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Miguel Osorio, Dantas, Ferreira Novaes, D. Affonso de Serpa.