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N.º 44

SESSÃO DE 21 DE ABRIL DE 1880

Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soarei Franco
Visconde de Borges de Castro

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu devido destino. - Ordem do dia: continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 52 sobre o projecto de lei n.° 11, que altera as taxas do sêllo estabelecidas nas tabellas que fazem parte do regulamento de 14 de novembro de 1878. - Discursos e considerações dos dignos pares Serpa Pimentel, Sequeira Pinto (relator). - Votação e approvação do parecer na generalidade. - Discussão do artigo 1.° - Ponderações dos srs. Camara Leme, ministro da fazenda (Barros Gomes), Miguel Osorio, Barros e Sá, Bispo eleito do Algarve, Couto Monteiro, Sequeira Pinto e Marquez de Vallada.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não. haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da exma. sra. viscondessa da Silva Carvalho, agradecendo o voto de sentimento que, por proposta do exmo. sr. presidente da camara dos dignos pares do reino, resolveu que se lançasse na acta das sessões, pelo fallecimento de seu marido o digno par visconde da Silva Carvalho.

Ficou a camara inteirada.

Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, accusando a recepção do officio datado de 19 do corrente, e que acompanhou quatro exemplares do quadro das epochas legislativas de 1834 a 1879, e agradecendo o offerecimento dos mesmos.

Ficou a camara inteirada.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda, e entrou durante a sessão o sr. presidente do conselho.}

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do artigo 1.° do projecto de lei relativo ás taxas do sêllo.

Repito, que com este artigo estão em discussão as tabeliãs, a que elle se refere. Tem a palavra o sr. Serpa Pimentel.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, quando um membro da opposição apresenta idéas que não são conformes com as do governo, na apreciação de um ponto qualquer, mesmo que seja o mais alheio ao que se entende geralmente por assumptos de natureza politica, imagina-se logo que houve intuito de censurar os ministros. A camara viu que eu não impugnei na sua generalidade o projecto que se discute, e só fiz algumas reflexões a respeito de certas disposições do mesmo projecto que me pareceu serem menos acceitaveis, e isso sem o menor espirito politico. Portanto não se póde attribuir ás minhas palavras a menor intenção de censura ao sr. ministro da fazenda; todavia o meu illustre amigo o sr. Sequeira Pinto acudiu logo a lembrar-me que eu tambem tinha aggravado as taxas do sêllo, como parecendo querer significar d'este modo que eu não podia censurar ao actual governo aquillo que eu proprio tinha praticado.

Não sei, porém, como o meu illustre amigo póde descobrir a intenção que pareceu querer attribuir-me, nas palavras que eu proferi com o sentido mais inoffensivo possivel.

E já que s. exa. recordou o facto de eu ter aggravado o imposto do sêllo em algumas taxas, principalmente as relativas á concessão de diplomas de condecorações e titulos, direi que na verdade houve esse augmento de imposto sendo eu ministro da fazenda, como houvera outros anteriormente; mas isto o que prova é que nos approximámos já muito, se é que não ultrapassámos os limites deste imposto, pelo que respeita ás taxas sobre algumas especies de actos ou de diplomas.

Entendo que algumas das taxas do sêllo não podem soffrer maior aggravamento, porque dará em resultado haver menos materia collectavel, para me servir das expressões do illustre relator da commissario.

Diz s. exa. que, se se for aos archivos do ministerio do reino, apesar dos successivos augmentos de certas taxas do sêllo, é natural que se não ache diminuição no numero das mercês.

Não sei o que ali se achará a tal respeito; mas o que não soffre duvida é que já hoje começou a apparecer o que se não via em outras epochas, ou se se via era em pequena escala, renuncias de condecorações por parte daquellaa pessoas que não podem com o encargo que trazem essas mercês.

Vejamos tambem a tabella n.° l, classe n.° 2:

(Leu.)

Sei por pessoa competente que depois da ultima lei que augmentou esta taxa ha menos quem reclame estes diplomas; e, portanto, tem havido diminuição de receita.

Era, pois, sobretudo a respeito d'estas verbas, que me parecia conveniente não augmentar o imposto, porque dahi não provirá augmento de receita, mas pelo contrario diminuição.

Bem sei que são de pequena importancia estea reparos, e não seria por elles que deixaria de votar este projecto de lei.

Quanto as taxas sobre os, cheques, disse o sr. relator que havia alguns cheques exceptuados.

O projecto diz:

(Leu.)

Este caso é muito particular, e não destroe, me parece, as. observações que fiz a respeito dos inconvenientes que esta nova taxa póde ter para o desenvolvimento, da nossa industria bancaria. Todavia, não será tambem esta disposição motivo para que eu deixe de votar a lei.

Emquanto, porém, a um outro ponto a que me referi, que era a maneira como vem estabelecida no projecto a taxa sobre os annuncios e correspondencias, peço licença ao sr. Sequeira Pinto para lhe dizer que me não convenceram as suas rasões; e parece-me que a maneira por que eu propunha que o imposto fosse lançado, offerecia menos difficuldades na cobrança, evitando a avença, e não diminuia, antes augmentaria a receita; e s. exa. não provou, por nenhum modo, que este meu alvitre trouxesse inconvenientes.

Q illustre relator da commissão notou uma isenção rela-

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tiva ás correspondencias dos jornaes, que vem no n.º 3 da tabella 3.ª, appensa ao projecto; mas esta isenção não destroe as minhas objecções. O digno par fez distincção entre as correspondencias que fazem, por assim dizer, parte essencial do jornal, e as correspondencias de interesse particular.

Mas s. exa., que é um habil jurisconsulto, de certo sabe que onde a lei não distingue não é licito distinguir. Ora a isenção a que s. exa. se refere falla, simplesmente nas correspondencias e annuncios sobre qualquer publicação scientifica ou litteraria. Quaes são, portanto, as correspondencias que hão de pagar imposto? Não pagam todas as outras? Pagam só as de interesse particular, e não as de interesse publico. Comtudo a difficuldade está em distinguir quaes são as de interesse publico ou as de interesse particular. Ha, por exemplo, a correspondencia de um negociante, queixando-se do abuso de uma auctoridade a seu respeito, em assumpto que póde interessar ao.commercio em geral e mesmo, aos interesses do paiz; e ella de interesse particular ou de interesse publico? É difficil decidir evidentemente ella é de interesse particular para elle, mas tambem é de interesse publico.

Como, se ha de -saber tambem quaes são as correspondencias gratuitas, e quaes as que o não são?

Para o saber com certeza seria necessario examinar os livros das emprezas jornalisticas.

Ora eu creio que o direito que tenro governada examinar os livros dos bancos, não se póde applicar aos jornaes.

Estou convencido que é sr. ministro não abusar, como bem disse o illustre relator; mas esta lei não é sómente feita para o actual sr. ministro da fazenda, é para os que se lhe seguirem; s. exa. não o abusará, mas podem abusar os seus successores, e se elles não abusarem,, podem abusar as auctoridadas inferiores; porque, regra geral, onde ha arbitrio ha o abuso; e a crença ácerca do imposto do sêllo a pagar pelos jornaes em relação aos annuncios é as correspondencias, será e não poderá deixar da ser o arbitrio.

Sr. presidente, eu voto a lei, porque d'ella podem advir alguns contos de reis para o thesouro, embora não tanto quanto, o governo calcula.

Porque a lei é imperfeita, não votarei contra ella na sua generalidade. Mas na especialidade votarei pelas emendas que se apresentarem nos pontos a que me tenho referido e no sentido das idéas que tenho apresentado.

O sr. Sequeira Pinto: - Em nova resposta ao digno par o sr. Serpa Pimentel, tenho que fazer algumas considerações ás que s. exa. acaba de expor, n'esta assembléa, com relação ao projecto que está em discussão, e contra o qual o illustre orador declarou que não votava, por isso que a desharmonia era apenas n'algumas verbas; no conjuncto é no pensamento do projecto todos os membros da commissão estamos de accordo de que deve ser votado e convertido em lei, salva a resolução final a respeito de qualquer proposta de emenda, ou additamento, que no correr do debate seja mandado para a mesa.

Às divergencias do digno par, o sr. Antonio de Serpa, são, a primeira, na parte nobiliarchica, e tornarei n'este ponto a dizer qual é a minha opinião que ja hontem aqui declarei, que, se este projecto fosse apresentado pela primeira vez, n'esta casa, eu votaria contra, pelas rasões por mim apresentadas, e que é inutil repetir;, mas é certo que desde 1843, até hoje, este imposto tem sido constantemente aggravado, e o illustre ministro da fazenda, que carece do augmento de receita, lançou mão d'este meio, do mesmo modo que os seus antecessores.

Sr. presidente; diz o digno par, o sr. Antonio de Serpa, que o imposto deve ter um certo limite, porque de outro modo diminue o rendimento; até hoje os factos têem demonstrado o contrario, é possivel que eu esteja enganado, mas desde 1867, até hoje, têem sido passados no ministerio do reino centenares de diplomas a titulares.

S. exa. asseverou que achava este imposto exagerado; é uma questão de apreciação.

Para a commissão e para o governo as condecorações e os titulos nobiliarios ainda podem ser aggravados com o augmento do imposto.

Fallando dos cheques, argumenta-se que sendo elles um dos meios que o commercio e os particulares empregam para as suas transacções, o imposto, do sêllo deve produzir incommodos e impedir as transacções.

Sr. presidente, como todos os impostos, este tambem se deve considerar vexatorio, e por isso se consignou no projecto a isenção a que hontem alludi, não só no interesse dos montepios, mas no dos depositantes de pequenas quantias.

0 menor incommodo era não se pagarem impostos, mas sendo; inteiramente impossivel, e como todos os governos têem necessidade de recorrer a elles, vão sendo exploradas as fontes de receita de onde se póde auferir algum interesse. A lei do sêllo é a que mais se tem prestado e ha de continuar a prestar á elasticidade do imposto; e, se nos demorarmos muito tempo n'esta casa do parlamento, ainda hei de ver que o digno par Antonio de Serpa, quando futuro ministro, da fazenda, ha do propor uma lei do sêllo mais aggravada do que esta.

A commissão de fazenda Foi clara no seu parecer, porque disse o seguinte.

(Leu.)

Sr. presidente, nós dissemos francamente que no projecto se pedia um augmento de imposto. Diz assim o parecer:

A vossa commissão de fazenda, sem desconhecer que pelo presente projecto se pede ao contribuinte um não pequeno augmento de imposto, não duvida propor a sua approvação ante a urgente e impreterivel necessidade de melhorar a receita do estado, a fim de que o paiz possa, por maneira digna, satisfazer aos seus compromissos de credito."

Eu sei perfeitamente pelos factos que, apesar das necessidades urgentes, nem todos os impostos se justificam; mas o que não me parece estar demonstrado é que as verbas que têem sido impugnadas, e que ficam aggravadas pelo imposto, não estejam no caso de serem comprehendidas n'esta lei.

Sr. presidente, o digno par Antonio de Serpa insiste mais um a vez, com relação ás correspondencias, que era essencial que esta lei ficasse redigida de um modo claro, a fim de que se não possa ir lançar um imposto sobre correspondencias que effectivamente façam, parte dos jornaes, ou quaesquer outras que não tenham o caracter especial de serem sujeitas ao imposto, como são as correspondencias particulares.

Sr. presidente, é incontestavel que, se na redacção de todas as leis deve haver toda a clareza, na redacção das leis de impostos deve haver muita maior lucidez. Mas, se por acaso esta lei não se apresentar com tanta clareza quanta é indispensavel, a conclusão não é aquella que o digno par receia, mas outra muito differente. As leis do sêllo não se applicam senão com relação áquellas verbas que estão especificadas.

Na hypothese de que se trata, o imposto recáe sómente sobre as correspondencias de jornaes que são pagas, porque as correspondencias particulares, que fazem parte dos jornaes, quer sejam politicas, quer não, mas que pertencem aos proprios jornaes, não estão sujeitam ao imposto.

Quanto ao exame ou visita directa que se póde fazer aos estabelecimentos ou bancos, para o exame dos documentos que estão sujeitos a sêllo, é claro que esta dispposição não tem relação alguma com as imprensas, typographicas e escriptorios dos jornaes. Neste ponto, parece-me que s. exa. não póde ter duvidas, porque não ha disposição alguma que as comprehenda ou as auctorise.

Sr. presidente, repito que os exames directos não podem

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ter logar de modo algum, em relação ás correspondencias, nem nas imprensas, nem nos escriptorios dos jornaes.

Sr. presidente, o governo não quer atacar a liberdade de imprensa. O mantenedor d'ella tem sido, não só este governo, mas todos os governos, desde 1852 para cá. E devo dizer, em honra de todos que têem tido a seu cargo a gerencia dos negocios publicos que a imprensa politica tem tido a mais ampla liberdade. Em um paiz que se rege pelo systema constitucional, não tenho receio de que o actual ministerio faça aggravo á liberdade de imprensa. (Apoiados.)

Sr. presidente, entre nós está de tal modo arreigado o respeito pelo principio de liberdade, que não ha governo algum que se sente n'aquellas cadeiras, que cuse atacar a liberdade de imprensa. (Apoiados.)

Estes foram os pontos de que tomei nota, e a que me parece haver-se especialmente referido o digno par Antonio de Serpa.

Não sei se a alguns outros deixei de responder, mas nesse caso peço a s. exa. que tenha a bondade de m'os indicar.

Sr. presidente, o digno par Antonio de Serpa está de inteiro accordo, quanto á essencia do projecto, quanto á necessidade do imposto.

Ha uma pequena divergencia. A camara resolverá, se entende mais conveniente adoptar para os annuncios a taxa fixa, como s. exa. indicou, ou a taxa variavel, como a commissão propõe.

Sr. presidente, adoptada a fórma proposta, o systema das avenças é o que me parece conveniente e acceitavel. Póde, nos primeiros annos da adopção d'este systema, ser menos productivo o imposto; é, porém, isso preferivel a querer logo de principio, e com o maximo rigor, obter importante receita, levantando attriios e repugnancias que difficultam a cobrança e a liquidação de um novo imposto. (Apoiados.)

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção.

Os dignos pares que approvam a generalidade do projecto de lei n.° 41, a que se refere o parecer n.° 52, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Entram em discussão o artigo 1.° e as respectivas tabellas.

O sr. Camara Leme: - Se o meu illustre amigo e collega o sr. Antonio de Serpa não póde nutrir a esperança de que o sr. ministro ou a commissão de fazenda lhe acceitem qualquer emenda ao projecto, muito menos a posso eu ter de que s. exas. approvem um additamento que mando para a mesa e que me parece de inteira justiça.

Esta questão do imposto de sêllo sobre diplomas de mercês honorificas tem sido tratada largamente no actual debate pelos srs. Serpa e relator da commissão.

Aquelle digno par referiu-se ainda agora ás renuncias de condecorações; e eu devo notar que, se essas renuncias te"m sido feitas na classe civil, muito maior é o numero d'ellas na classe militar.

Eu sei, por exemplo, que muitos officiaes do exercito deixam de requerer o habito de Aviz, que, segundo o alvará de 16 de dezembro de 1790, lhe póde ser concedido para premio de bons serviços, por terem de pagar uma taxa elevada.

Se eu vou examinar as novas taxas sobre os diplomas das diversas ordens, ahi encontro que por ellas só exige tres vezes mais do que até agora se exigia aos agraciados.

Ora, sr. presidente, o capitão, que tem pouco mais de 30$000 réis mensaes de soldo, se tiver de pagar aquelle diploma, corre o risco de morrer de fome dentro de um mez. O que acontece, por conseguinte? Que muitos officiaes deixam de requerer a condecoração.

Por consequencia, sr. presidente, eu, sem querer acrescentar mais palavras, direi apenas que, concordando com o sr. relator da commissão em que Portugal é um paiz pobre, que não póde pagar convenientemente os seus serviços, estes benemeritos servidores do estado vão ficar privados de poderem acceitar uma graça, que em vez de- ser premio é castigo.

Desejaria eu, sr. presidente, que a commissão acceitas-se uma emenda que vou mandar para a mesa, porque, adoptada ella, ainda, se poderia tirar receita d'este ponto da lei; mas da maneira porque está no projecto receio muito que d'ella resulte renunciarem todos os officiaes á condecoração a que têem direito.

Mando, portanto, para a mesa a seguinte emenda.

(Leu.}

Eu tinha outra proposta que vou mandar para a mesa, um pouco mais ampla; mas tratei de a modificar por esta fórma, para que o sr. ministro a podesse acceitar mais facilmente, como creio que s. exa. acceitará.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Additamento ao artigo l.8

§ unico. Os officiaes do exercito e da armada que forem agraciados com a ordem de Aviz ou com a da Torre e Espada, por algum acto de coragem, ficam isentos da disposição d'esta lei.

Sala da camara, 21 de abril de 1880. = 0 par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Presidente: - Eu creio que esta proposta deve ser considerada como um additamento ao artigo 1.°; por consequencia vou consultar a camara sobre se a admitte á, discussão, para ser discutida conjunctamente com o artigo.

Consultada a camara resolveu affirmativamente no sentido da indicação do sr. presidente.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Visto que v. exa. me deu a palavra, começarei por pedir desculpa a v. exa. e á camara de ter .comparecido um pouco tarda, esperando que os dignos pares me relevem, attendendo a que esta demora foi motivada por serviço publico.

Sr. presidente, eu ouvi.com toda, a attenção o discurso do digno par, o sr. camara Leme, e direi a s. exa. que não estou muito inclinado a acceitar a sua emenda, pelas rasões que vou expor.

Desde que se cotejar a tabella que vem junta á proposta, que tive a honra de submetter ao voto do parlamento, com atabella actualmente em vigor, notar-se-ha que n'esta parte que se refere ás distincções honorificas, eu me limitei a sobrecarregar as taxas com a percentagem de 50 por cento, copiando, portanto, a tabella antiga em todos os seus dizeres.

Por consequencia, as circunstancias em que se vão encontrar os officiaes são, por effeito da proposta, as mesmas, relativamente, em que vão ficar as outras classes sujeitas ao imposto do sêllo.

Ora, eu devo dizer á camara que, professando a maior consideração pela nobre classe militar, que alem da defeza da patria em momentos de perigo, presta diariamente ao estado o importantissimo serviço de ajudar a manter a ordem, considero igualmente dignas do meu respeito, e dó respeito geral, outras classes de funccionarios que prestam, ao estado serviços não menos importantes.

Nós sabemos perfeitamente que os funccionarios civis estão em geral mesquinhamente retribuidos; alguns d'elles prestam serviços relevantissimos, e a unica maneira de os distinguir consiste no uso destes meios honorificos para os premiar e assignalar ao respeito e á consideração dos seus concidadãos.

N'estas condições não me parece conveniente abrir na lei uma excepção a favor da classe militar, nem essa classe que põe o brio acima de qualquer virtude, brio que felizmente constitue entre, a mesma classe uma qualidade predominante, não quererá de certo acceitar para si uma lei de excepção.

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O sr. Camara Leme: - A excepção já existe.

O Orador: - Se já existe, fica subsistindo relativamente nos mesmos termos, porque, repito, eu n'esta parte da proposta não apresento materia nova de imposto, limitando-me a transcrever as tabellas da lei actual, augmentadas as verbas em 50 por cento.

N'estes termos, creio que não ha motivo plausivel para alterar as tabellas propostas, acceitando a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. camara Leme.

sr. Miguel Osorio: - Poucas palavras direi sobre a questão que faz o objecto d'este debate, o qual tem tomado proporções que se não deviam esperar.

Sr. presidente, não sympathiso com este systema de imposto lançado sobre as condecorações, porque me parece contrario ao fim para que se instituiram, que foi, bem como o da concessão dos titulos, o de remunerar serviços prestados ao paiz quer por pessoas de elevada posição o que por isso não podem ser premiadas com dinheiro, quer mesmo por individuos em circumstancias pouco prosperas, a quem se deva distinguir por esses serviços, mas que a exiguidade das forças do thesouro não permitia agraciar per outro modo.

N'uma palavra, a condecoração ou concessão de titulo não deve ser senão um premio a quem o mereça, o por consequencia não trazer comsigo um encargo pesado para aquelles a quem se quer conceder esse premio.

Digamos a verdade. Quando um povo transita de um systema para outro, necessariamente essa transição tem de ser lenta.

Passámos do systema aristocratico para um systema, senão inteiramente democratico, mas que se inclina muito para isso.

A educação aristocratica do povo portuguez ainda hoje se faz sentir, e não obstante as idéas democraticas serem-se propagado, a influencia d'aquella educação prependera, resultando desse embate de idéas e de sentimento: oppostos não o desejo de se nivelarem todos os cidadãos, mas o desejo de se elevarem.

Aqui está a rasão por que as condecorações e os titulos não são já destinados só a premiar es serviços relevantes feitos ao paiz, mas tambem a satisfazer vaidades ou a dar um testemunho de apreço a pessoas mais ou menos importantes pela sua posição politica ou pela sua riqueza. D'essa aberração nasceu um facto financeiro.

Os governos começaram a olhar como materia tributaria os titulos e condecorações, e d'ahi tem provindo estes successivos aggravamentos de imposto sobre as cartas e alvarás de mercê relativos a taes concessões.

Ora, eu acceitaria de bom grado um tal methodo de crear receita, se tratassemos por via d'elle do obstar a que todo o paiz seja condecorado; mas é preciso attender, por outro lado, ao principio que determinou na sua origem a instituição das mercês ou graças de que fallo, e que não foi outro senão premiar o merito.

Mas, sr. presidente, nós precisâmos de uma lei que, abolindo todas as condecorações existentes, crie uma nova condecoração que só deve ser dada por classes; eu quereria mesmo que uma corporação especial se occupasse de classificar a qual dos quadros pertence ou deve pertencer o agraciado; de outro modo havemos de continuar a ver, por exemplo, a ordem da Torre e Espada que foi creada para actos de valor, lealdade e merito, ser concedida a quem muitas vezes nenhuma d'estas cousas possue e eu não faço por isto referencias a ninguem, porque me não o dirijo a pessoa alguma em especiai, dirijo-me, ou antes [...]apenas os factos.

O habito de Christo! Creio que já não ha ninguem que queira o habito de Christo!

E torno a repetir, eu, no que estou dizendo, nem no que porventura disser, faço allusão a pessoa algum, nem tenho em mente desconsiderar ninguem, Deus me livre de tal, nem eu sou capaz d'isso; creio que a camara me faz justiça; mas é um facto, este habito já ninguem o quer, tão malbaratado anda: está como a senhoria, todos preferem o tu ou o vossê.

O titulo de barão! Esse quasi que caiu em desuso, apparece já muito pouco.

Senhoria! Quem é que quer hoje senhoria? Ninguem. Toda a gente tem excellencia, nós envergonhamo-nos já de dar senhoria; até os que têem excellencia se envergonham de a não dar aos que a não têem; com receio de que nos supponham orgulhosos.

Isto, porém, não é de hoje, já no tempo da monarchia absoluta, apesar do rigor da pragmatica, se dava isto mesmo, posto que, em menor escala. Se a benevolencia da camara me permitte, eu conto uma anecdota do antigo marquez de Ponte de Lima, que na realidade tom bastante graça, e mostra como já no tempo antigo andavam tão desregrados os costumes n'esta materia.

O marquez, indo fazer uma excursão, foi a uma terra onde lhe foi apresentado o primeiro personagem da terra, o mais elevado, que provavelmente teria os seus pergaminhos do fidalgo; como era natural, deu o tratamento de excellencia ao marquez, e este deu-lhe senhoria. O fidalgo, julgando-se humilhado com tal tratamento, desaggravou-se dando senhoria ao marquez; este deu-lhe outra vez excellencia, e novamente o fidalgo lhe deu excellencia, applaudindo-se da correcção que tinha dado ao marquez. Em breve o marquez tora ou a dar senhoria ao fidalgo, até que este, farto d'este jogo de tratamento, perguntou ao marquez: "Então marquez, em que ficamos?" responde-lhe o marquez: "Como quizer, escolha um tratamento para si, e deixe-me o outro para mim". (Riso.)

Ora, hoje estamos no mesmo caso, com a differença de que já não ha ninguem que escolha, pois que questione sobre o assumpto passou para as raias do ridiculo.

Em taes circumstancias o que me parece que ha a fazer é abolir a maior parte dos tratamentos, pelo menos os que estão em desuso: e eu até preferia que elles deixassem de figurar como materia tributavel n'esta lei. Pois quem tira hoje alvará de titulo de dom ou de senhoria ou licença para usar de armas?

Ninguem.

Com e aggravamento d'este imposto o que ha a receiar é que só venham a ser condecorados os muitos ricos, porque muitos que prestarem serviços e que sejam remunerados por meio de condecorações não as acceitarão, por não poderem pagar; já houve tempo em que se condecorava por actos de beneficencia, chamava-se-lhe assim, mas não era tal, eu chamar-lhe-hei actos de vaidade para obter condecoração.

Principiaram então a ter grande exportação para o Brazil e até a serem falsificadas. Veja a camara a que vergonha nos levou um tal systema.

As commendas, é pouco difficil encontrar por toda a parte commendadores. O titulo de conselho já não gosa de grandes sympathias, e alguns que o têem não usam d'elle, porque tornaram ridiculos os conselheiros, cuja physionomia muitas vezes denotava a incapacidade para dar um conselho. (Riso.)

Eu peço desculpa á camara de ter tomado a sua attenção, sem consentimento para eu tratar do assumpto por este modo; e tratarei a questão com mais seriedade; eu entendo que um ministerio reformador, um ministerio que pertence a um partido avançado e progressista, a que eu tenho a honra de pertencer, poderia apresentar francamente a questão da descondecoração, e regularisar a creação de uma condecoração simlhantoe á Legião de Honra, que servisse para premiar os serviços relevantes, tanto civis como militares, sem pagamento do direito algum.

Desde o momento que houvesse uma condecoração destinada a premiar os serviços, as cousas poder-se-iam regular de modo que ella não caísse tambem no ridiculo. A não ser assim, do mal o menos, continuemos com o impos-

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to, que tem a vantagem de recaír sobre uma materia que vae crescendo na rasão directa das dificuldades que se vão creando para o consumidor, quanto mais cara é, mais gente a quer.

Com relação aos militares não proponho que se altere o projecto; mas, francamente, para elles não só não augmentava a taxa do sêllo, mas antes lh'a tirava de todo.

A rasão é simples. Os militares te em para si uma ordem, que só é dada no fim de vinte annos de bom serviço, e tendo o posto de capitão. Esta ordem não, se concede sem uma rigorosa verificação do bom serviço. É por assim dizer mais um grau militar do que uma condecoração. O industrial que é premiado n'uma exposição, e não tira o diploma, não é censurado, mas o militar que tem direito a uma certa distincção, e não trata de obtel-a, fica em má posição para com os seus camaradas, porque se póde suppor que não a obteve por não ter podido provar o seu bom serviço. Esta posição de inferioridade é incompativel com o decoro militar e póde ser prejudicial á disciplina, ou então obriga a grandes despezas os individuos cujos vencimentos são escassos.

Era para isto que eu estimava que o sr. ministro da fazenda acceitasse aquella excepção, procurando attenuar por outra lei o mau effeito que ha de produzir a circumstancia especial em que se vêem os officiaes do exercito.

Ha outro ponto que me repugna mais do que a condecoração, ainda que não me repugnada base em que assenta.

A guerra feita por esta lei ás condecorações está justificada pela fórma por que todos os governos têem procedido a respeito d'ellas; é uma maneira de as dificultar, não será a mais cordata, mas póde ter esta explicação; mas o prejuizo para os pobres bilhetes de theatro é que eu queria que não existisse. Queria uma excepção para elles, que, todavia, não proponho; mas para a qual chamo a attenção do sr. ministro.

O sr. Camara Leme: - É negativo.

O Orador: - Se o resultado de uma modificação favoravel para os militares que forem condecorados, pouco póde influir no rendimento proveniente d'esta lei, o dos theatros pouco mais vale, e vae auxiliar uma classe de gente muito pouco feliz.

Eu frequento pouco os theatros; não vou senão a beneficios, porque tenho pena dos beneficiados. Estes, a maior parte das vezes, vendem os bilhetes a um terceiro, que os compra por uma bagatella; e apesar desta bagatella, ainda os emprezarios lhe hão de ir agora exigir um imposto?! Como ha de ir um pobre beneficiado pagar um imposto dos bilhetes que não chegou a passar? Isto é duro.

D'aqui em diante os actores hão de declarar nas suas escripturas, se quizerem ter beneficio, que pagam o imposto, ou se a empreza o paga, para lhe ser descontado.

Vejo todas estas bellezas na lei, mas approvo-a, apesar de conhecer que o sr. ministro da fazenda pouco ou nada poderá tirar d'esta alteração, porque o resultado pratico ha de ser insignificante e approvo-a para não deixar do mostrar que quero auxiliar o governo para a regularisação das nossas finanças.

Concluindo, peço desculpa á camara de lhe ter occupado por tanto tempo a sua attenção com as minhas considerações.

O sr. Presidente: - Chamo a attenção da camara para um ponto importante.

Eu declarei que o artigo 1.° estava em discussão, bem como as tabellas que d'elle fazem parte; e o facto é que os dignos pares que têem fallado sobre este artigo têem tambem discutido essas tabellas.

O sr. Couto Monteiro: - Eu desejava saber se votado o artigo 1.° ficava encerrada a discussão das tabellas.

O sr. Presidente: - Eu desejava que a camara tomasse uma resolução a este respeito, como questão previa. A minha intenção era pôr á votação o artigo 1.°, com o qual, sendo approvado, sel-o-íam tambem as tabellas que lhe dizem respeito. Se a camara assim o julgar está respondida a pergunta do sr. Couto Monteiro e terminado este incidente.

O sr. camara Leme: - Peço a palavra sobre as tabellas.

O sr. Couto Monteiro: - Pergunto novamente a v. exa., por não ter ouvido bem, se votado o artigo 1.° fica fechada a discussão das tabellas de modo que não se possam discutir. Se assim for, peço a palavra sobre o artigo 1.°

O sr. Presidente: - É exactamente essa a questão que eu queria submetter á decisão da camara.

O artigo 1.° diz: "As taxas de sêllo que constam das tabellas juntas ao regulamento de 14 de novembro de l878, são acrescentadas e alteradas pelas taxas estabelecidas nas tabellas annexas á presente lei e que d'ella fazem parte."

O sr. Camara Leme: - Peço a palavra sobre o artigo 1.°

O sr. Presidente: - Se porventura com este artigo não forem votadas as tabellas, a votação d'elle não significará cousa alguma.

Eu desejava que se tomasse uma resolução a este respeito.

Póde a camara querer que se votem em separado as tabellas. Parece-me, todavia, conveniente que sobre o artigo 1.° e as respectivas tabellas seja simultanea a discussão, e que, se aquelle for approvado, se considerem tambem estas como approvadas.

É esta a opinião da camara? (Muitos apoiados.}

O sr. Camara Leme: - Peço a v. exa., sr. presidente, que, em submettendo á votação o artigo 1.°, declaro que essa votação é sem prejuizo da minha proposta.

O sr. Presidente: - Não fica prejudicada por certo, porque é um additamento que se ha de votar depois de votado o artigo 1.°

O sr. Barros e Sá: - Marido para a mesa o parecer da commissão de marinha relativo á congrua do bispo coadjutor da diocese de Goa,

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Bispo eleito do Algarve: - Diz que vem defender um principio de justiça, um principio de liberdade, a liberdade da manifestação religiosa, da manifestação catholica.

Entrando na analyse da classe, 7.ª da tabella n.° 1 do projecto que se discute, affirma que se não oppõe a que se tributem as vaidades, os bilhetes de theatro, todos os lucros o interesses materiaes, mas que lhe repugna profundamente que se taxem os actos do culto catholico, e que se estorve a sua manifestação por esse meio.

De accordo com esta opinião manda para a mesa uma proposta, que declara estar tambem assignada pelo sr. conde de Samodães, para que sejam eliminados da tabella n.° l, classe 7.a, os n.ºs 9.°, 10.°, 11.°, 12.° e 24.°, que são os que se referem ao sêllo que deve pagar quem quiser estabelecer uma capella publica, e quem pedir licença para casamentos ou baptisados em capella particular.

Acha pouco rasoavel que no momento em que o sr. ministro do reino estabelece premios para quem fundar escolas, se levantem estorvos a quem funda uma igreja.

Depois de largas considerações para fundamentar a sua proposta, termina dizendo que não deseja que se não tribute a igreja, nem que esta seja a ultima a ser tributada, visto que ella nunca quiz ser a ultima a concorrer para as despezas do estado.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Propomos que na tabella l.ª, classe 7.ª, que faz parte integrante do artigo 1.° do projecto de lei n.° 41, se eli-

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minem as novas verbas com os n.ºs 9.°, 10.°. 11.° o 12.°, e bem assim a do n.º 24.°

Sala das sessões, 16 de abril do 1880. = Conde de Samodães = A. Ayres de Gouveia.

Foi admittida á discussão.

O sr. Couto Monteiro: - Tencionava apresentar algumas propostas ácerca das taxas de sêllo mencionadas na 2.ª e 3.ª classes de, tabella n.° l, a que se refere o artigo em discussão, persuadido de que seriam facilmente acceitas pela illustre commissão da fazenda e pelo sr. ministro, por não offenderem nem prejudicarem o pensamento dominante do projecto.

O que porem se tem passado ultimamente n'esta casa, dissuadiu-me d'esse proposito, e leva me a seguir o exemplo ao meu particular amigo o sr. Antonio de Serpa, abstendo-me de apresentar ou propor qualquer emenda ou modificação na tabella a que alludi.

Comtudo, peco licença para fazer a seu respeito, ligeiras reflexões, limitando-me a tratar das duas ciasses de que fallei ha pouco.

Ainda não ouvi apresentar n'esta casa, desde que entrou em discussão o projecto que está hoje submettido ao nosso exame, senão duas rasões apenas em abono riu, exageração das taxas de que me estou occupando. Primeira: que não era justo nem conveniente que quando têem de ser exigidos pesados sacrificios ao paiz, deixassem sem de ser tributadas as manifestações da vaidade. Este argmento é do relatorio do sr. ministro da fazenda, e faz referencia ás duas classes 2.ª e 3.ª da tabella n.° 1.

Sr. presidente, se nós conseguissem os tributar todas as manifestações da vaidade, teriamos para logo resolvido a nossa questão de fazenda.

Não ha campo mais vasto que a vaidade, para a incidencia de um imposto - vanitas vanitatum et onmia vanitas.

Mas a grande difficuildade não é estabelecel-o, é cobral-o. O dia em que o seu producto désse entrada nos cofres do thesouro, seria o ultimo da nossa divida fluctuanse, de deficit, d'aquelle temeroso abysmo que nos anda a ameaçar ha longos annos, e que ha outros tantos tem tido a condescendencia e generosidade de nos deixar viver e prosperar.

Não me parece que esta theoria do sr. ministro esteja muito de accordo com a da carta constitucional. Diz o artigo 75.° § 11.° da lei fundamental, que pertence no poder executivo conceder titulos, honras, ordens militares e distincções em recompensa de serviços prestados ao estado.

Desta maneira, a aggravação do imposto de que se trata, não recae sobre a vaidade, mas sobre o merecimento e serviços feitos ao paiz.

Segundo a doutrina opposta, a concessão d'estas graças não é mercê é epigramma.

Diz-se que algumas vezes se tem feito estas mercês sem rasão que as podesse justificar. Assim serio: mas não é justo tributar merecimentos e serviços a par do inuteis vaidades.

segundo argumento em favor d'esta parte do projecto é do meu particular amigo, e illustrado collega n'esta casa e fóra d'ella, o sr. Sequeira Pinto, relator da commissão. Disse-nos s. exa. que, se se aggravava agora o imposto, tambem se tem aggravado por muitos leis excessivas desde 1843. Parece-me que este argumento é contra. s. exa.

Se este imposto tem sido successivamente aggravado, não só desde 1843, mas doado 1826, porque o primeiro decreto que o elevou é de 31 de dezembro d'este anno mais uma rasão é esta para que não o seja agora, e ainda menos de modo que torne a sua cobrança vexatoria é possivel.

Acrescentou s. exa., e esse argumento é tambem a meu favor, que se tratasse agora de estabelecer este imposto, votaria contra elle.

O sr. Sequeira Pinto: - Apoiado.

O Orador: - Estimo muito o apoiado do illustre relator. Mas se então votava contra, porque do corto o considera injusto, como o quer hoje agravar mais?.. .

O sr. Sequeira Pinto: - Eu explicarei.

O Orador: - Eu vejo pela tabella de 183o, que uma carta de duque ou duqueza pagava 80$000 réis; agora fica pagando 225$000 réis; a licença para acceitar unis, gran-cruz custava 4$000 réis; agora fica importando em réis 300$000!

A differença de 4$000 para 300$000 réis não me parece pequena.

Mas ha mais alguma cousa. O sr. ministro da fazenda acaba de dizer que todas estas taxas foram elevadas sómente 50 por cento. Não posso aqui verificar a exactidão d'este calculo a respeito de todas ellas, mas ha seguramente algumas que subiram muito mais. Está n'este caso, por exemplo, o sêllo das licenças para acceitação do gran-cruzes estrangeiras, que de 75$000 réis foi elevado a réis 300$000.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Se v. exa. comparar a tabella do 1878 com a actual verá que em todas as verbas com excepção de licenças para usar gran-cruzes estrangeiras, ha o augmento a que mo referi. Como o imposto era modico, para uso d'essas gran-cruzes e vendo-se hoje tantas pessoas agraciadas [...] essas distinções, pareceu-me conveniente tributal as ainda mesmo alem dos 50 por cento applicados ás verbas restantes da tabella.

O Orador: - Parecia-me, pelo que ouvi do sr. ministro, que s. exa. tinha adoptado como base sempre os 50 por cento, mas vejo agora que não. A verdade é, porém, que s. exa. disse por mais de uma vez que a base do proposto augmento fôra esta.

Effectivamente algumas verbas não excederam esse limite; mas outras foram mais longo.

Eu creio que este aggravamento de imposto ha de dar em resultado diminuição da cobrança, no que estou de pleno accordo com o sr. Serpa.

O sr. Sequeira Pinto entende que este imposto tem uma tal elasticidade, que poderá ir até onde se quiser.

Tem já ido muito longe; mas essa elasticidade tom limites que já estão excedidos. A prova d'esta asserção é que a receita correspondente tem consideravelmente diminuido desde a ultima elevação das taxas, como já observou o digno par o sr. Antonio de Serpa.

Portanto, não me parece que só deva ou possa ainda ir mais adiante.

Não espero que d'esta parte do projecto resulte angmento de receita. Muitas verbas incluidas nas duas classes a que me refiro, nada ou pouco hão de render por excessivamente exageradas. Muitas outras, successivamente copiadas do tabellas anteriores, não renderão cousa alguma, porque já não rendem nada: são puramente platonicas.

Aggraval-as de qualquer modo é acrescentar cifra a cifra, não precedida do algarismo significativo.

Não proporei a sua eliminação, mas tratarei de demonstrar que nada ha que esperar d'ellas.

Notarei as mais inuteis:

Alvará do tratamento de excellencia. - Quem requererei este diploma que, com os direitos de mercê e emolumentos, importa em perto de 500$000 réis, quando é certo que toda a gente gosa d'este tratamento sem despendio de um real? Esta verba é completamente inutil. No principio d'este seculo, em que ainda era acatada a lei de 29 de janeiro do 1739, havia apenas alguns casos sporadicos de excellencia; mas esses casos foram-se rapidamente multiplicando n'estes ultimos tempos, e hoje e epidomia é geral. (Hilaridade.) De 1834 para cá [...]o me consta que se tenha, tirado nenhum alvará do excellencia.

Alvará de senhoria. - Ainda menos. A senhoria morreu ás mãos da excellencia. (Hilaridade.) Morreu ha já muito

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tempo, e não resuscitará. (Hilaridade.) Não lhe ha de aproveitar a maxima de Horacio:

"Multa renascentur, quoe jam cecidere... vocabula."

Alvará de tratamento de dom. - É outra verba improductiva. O tratamento de dom e a sua concessão foram regulados pela lei de 3 de janeiro de 1611. N'ella estão designados os individuos e categorias a que pertence este tratamento, bispos, condes, filhos de condes, etc.

Quem tem dom por successão não requer o alvará; não vae pedir o que já tem. Por mercê nova, não me consta que se tenha concedido a pessoa alguma o tratamento de dom desde tempos mui remotos.

Por direito de successão, lembra-me que só duas vezes foi requerido, quando eu servia o logar de ajudante do procurador geral da corôa junto do ministerio do reino; porém nenhum dos requerentes se mostrou estar no caso de obter essa mercê.

"Alvará de qualquer fôro de fidalgo, inherente a titulo. Não ha nenhum.

O de fidalgo cavalleiro pertencia, pela legislação antiga, aos desembargadores do paço, aos tenentes generaes e marechaes de campo; hoje devia pertencer aos generaes do divisão e de brigada, mas não me consta que tenha sido solicitado.

"Diplomas de nomeação de quaesquer outros entregados da casa real, etc."

Pois n'esta classe trata-se porventura de empregados da casa real? Não posso comprehender como se diz quaesquer outros, sem ter havido aqui menção de alguns. Nem os titulos, nem os fóros de filhamento, nem finalmente as honras de que trata esta classe são empregos da real casa. Mas sabe v. exa. de onde procede o erro?

Este artigo foi para aqui transplantado da classe 4.º, n.° 4 da tabella actualmente em vigor, que diz respeito aos empregados da casa real, onde estava devidamente collocado.

Depois de feita a indicação das taxas respectivas aos diplomas de muitos d'estes empregos, acrescentava-se e quaesquer outros, etc.

Ahi estavam perfeitamente essas palavras; porém, n'este logar do projecto é que não podem ficar, porque não fazem sentido. O que se deve fazer transferir esta verba para onde estava, ainda que vá aggravada com cinco tostões mais (Riso.), porque o pagamento de sêllo sobre diplomas não especificados de qualquer emprego da casa real é, segundo o referido numero da tabella actual, 19$500 réis, e pela que estou discutindo, importa em 20$000 réis.

Tambem aqui foi desprezada a base dos 50 por cento, mas d'esta vez o augmento foi menor.

"Alvará de mercê de uso de brasão de armas."

O brasão de armas é inherente á fidalguia de cota de armas.

Quem gosa d'essa fidalguia, tem o brasão e usa d'elle sem pedir o alvará; quem não a gosa, e quer brasão, não costuma recorrer ao ministerio do reino; dirigese a um abridor que lhe faz ao mesmo tempo 5 brasão e a mercê. (Riso.)

Passemos á classe 3.ª

"Carta de official ou cavalleiro."

Devia ter-se attendido á differença que ha n'estas qualificações. O grau de official é muito superior ao grau de cavalleiro. Na ordem da Torre e Espada, por exemplo, correspondem a este grau honras de alferes, e áquelle as de tenente coronel. E uma diiferença importante.

Não faço proposta alguma no sentido destas indicações, pela rasão que já dei. Mas pedirei simplesmente, e d'esta vez tenho a certeza de que hei de ser attendido, que não se dêem as honras de uma quarta edição a um erro typographico, que teve duas na outra casa do parlamento, é a terceira n'esta camara. Encontra-se na verba seguinte:

"Carta de transito de uma para outra banda l5$000 réis."

Parece-me um imposto muito avultado para tão pequeno transito! (Riso.) E já que passei o Tejo não volterei senão para agradecer á camara a benevolencia com que me escutou. (Riso.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Miguel Osorio: - A maneira graciosa por que o sr. Couto Monteiro tratou do assumpto, desculpa-me tambem do modo por que fiz ainda agora uso da palavra.

Nem o sr. Couto Monteiro, pela respeitabilidade do seu caracter, nem eu, pelo respeito que professo pela camara, trataria de ridicularisar o assumpto; mas o que é verdade é que os factos geraes o ridiculisam, e é isso que é necessario remediar.

O sr. Couto Monteiro: - Apoiado.

O Orador: - Eu pois, sem espirito de opposição, pois que estou filiado no partido do governo, reconheço que a opposição que tem o direito de combater as idéas do governo, tem, tambem o de lhe exigir que vá de accordo com as idéas do seu partido, e as idéas do partido progressista não podem ser duvidosas n'esta materia. Vamos pois a votar esta lei como financeira, e traga o governo, como é do seu dever, uma lei de condecorações, pela qual se acabem estas velharias absolutas, e se eleve o espirito publico com distincções reservadas ao merito e ás virtudes civicas.

A opposição argumenta dizendo que isto faz com que diminua a receita, n'isso não estou de accordo; parece-me até que ainda póde dar muito, pois que, como já disse, a vaidade dos ricos ha de crescer com o preço, por isso mesmo que individuos de poucos meios os não poderão obter, terão os ricos ensejo de ostentar a sua riqueza; mas este não deve ser o fim de uma tal instituição.

Parece me até que muito augmentaria a receita, se, porventura, se declarasse que ia restabelecer-se para o anno o uso do dom e da senhoria.

O que seria melhor, repito, seria o governo tratar do apresentar para o anno um outro systema de condecorações que habilite a classe militar, não a receber distincções tão mesquinhas hoje, e que outr'ora se deram a D. João de Castro, em premio dos altos feitos que praticou na India.

Rehabilitemos as instituições e veremos como se eleva o espirito publico.

São estas as impressões que me ficaram do brilhante discurso que sobre este assumpto fez o meu illustre amigo o sr. Couto Monteiro, com quem n'este ponto estou de accordo.

Sr. presidente, eu não fiz proposta nenhuma, na hypothese de que o sr. ministro não acceitava nenhuma; porque vendo eu que s. exa. acceitava outras propostas, mandaria tambem para a mesa uma sobre os bilhetes de theatro, não me occupando nem da classe ecclesiastica. nem de outras, que tambem respeito muito, que têem aqui distinctos defensores, não podendo deixar eu de especialisar o sr. bispo do Algarve.

Não faço, pois, proposta alguma na idéa de que não devemos alterar ou embaraçar o systema financeiro do governo.

Em relação, porem, ao que disse o sr. bispo eleito do Algarve, sinto não estar de accordo com s. exa.

Sempre a santa sé e os bispos foram muito contrarios á concessão d'estas graças, não já pelo privilegio que representavam, mas pela necessidade de manter uma certa igualdade entre todas as classes na manifestação externa de obediencia aos preceitos da igreja, necessidade muito attendivel n'um paiz exclusivamente catholico como era o nosso, onde se tornava conveniente que as pessoas altamente collocadas concorressem aos templos a fim de darem exemplo de devoção ás classes inferiores.

É certo que tanto se póde adorar a divindade na igreja como no oratorio, e pessoas haverá que julguem que a podem adorar no recanto do seu aposento tão bem como no templo; mas é indubitavel que a igreja teve sempre em vista que as classes superiores mostrassem ao povo de um

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modo bem sensivel, que lhe não era indifferente o culto religioso nas igrejas, e por isso dificultava as concernes a concessões a que me refiro, e só as fazia a troco de pesados encargos.

N'este ponto não me parece que se possa transigir acceitando a diminuição da taxa do sêllo.

Agora, quanto á licença para capella publica, temos o seguinte;

(Leu.)

Acho que ruem quer ter este beneficio para si e para os seus vizinhos não desistirá d'elle em rasão de tão pequena despeza, que de certo o espirito piedoso não fica atrephiado com ella.

Se é licito comparar cousas pequenas com cousas grandes, e sem querer offender a dignidade dos assumptos elevados comparando-os com os insignificantes, direi que ao é digno de ser attendido aquelle que d'esta em pagar a taxa de 40$000 réis para ter uma capella publica onde preste culto á religião, eu tenho mais dó do pobre que faz um beneficio no theatro, e é obrigado a pagar sêllo dos bilhetes que talvez não venda.

Portanto, a fazer-se alterações nus taxas do sêllo por causa das capellas publicas ou particulares; ou das festas religiosas, n'esse caso apresentarei tambem alguma proposta em favor dos pobres beneficiados a que alludi, ou, pelo menos pedirei que os tenham igualmente era consideração. Entretanto, entrego-os á commiseração de illustre ministro da fazenda.

Diz ainda a tabeliã, que para ter sacrario em capella publica a taxa será de 20$000 réis. Acho esta taxa pequena.

Effectivamente as capellas publicas preenchem certos fins piedosos; podem ser de commodidade para os vizinhos de um Acerto logar; mas para que precisam ter ali e Santissimo? Para satisfazer a certos actos religiosos que se podem effectuar sem incommodo dos povos, na igreja parochial? Acho até que não e muito proprio isso para augmentar o respeito para com o culto religioso; aponta-se como um luxo, o que vae prejudicar a igualdade da igreja.

Bem sei que lá fóra ha muitas dessas capellas com sacrario, e que as familias abastadas conservam esse uso; porém entre nós não está elle muito introduzido, e isso redunda em beneficio do culto publico, pois que as pessoas piedosas, não podendo ter essa commodidade era casa, frequentam mais a igreja, e dão muitas vezes auxilio á parochia, que não dariam se tivessem a sua canora particular.

Se, porém, é conveniente que se não obste a esse desejo das almas piedosas, não acho muito conveniente que elle se esteja a facilitar de mais. Quem tem desejo de ter em casa o Santissimo, não deixa de o ter por esta pequena despeza. Em iodo o caso é um privilegio, e os privilegios pagam-se.

Parece-me, pois, que nenhuma duvida póde haver no pagamento do imposto.

Eu espero, sr. presidente, que esta alteração que se propõe não seja acceita, e digo o que disse no principio, acho que em virtude da nossa questão financeira exigir o prompto sacrificio, se deve votar a lei como está; mus peço ao sr. ministro, só ainda o for para o anno, que nos apresente uma lei convenientemente reformada, e d'onde desapparecam todas estas velharias que não dão resultado algum.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Começo por me felicitar a mim e á camara pela satisfação que todos experimentámos, ouvindo o discurso do digno par o sr. Couto Monteiro, cujo espirito e graça notavel eu conhecia de reputação, havendo hoje, finalmente, tido occasião de apreciar a justiça com que essas qualidades lhe eram attribuidas.

Mas, pela minha parte, confesso que se havia intenção da parte do digno par de atacar e ferir, pelas armas da ironia, embora fina e espirituosa, o projecto como elle foi apresentado, essas armas empregadas por s. exa. com tanta proficiencia, em cousa alguma ire molestam, porque este projecto, na parte alterada por s. exa., representa apenas as leis e tabellas anteriores, conservando ao mesmas verbas e as mesmas designações.

É certo que o digno par, o sr. Serpa Pimentel, provendo, talvez, com finura, que eu não tive objecções humoristicas, como as do digno par, tratando em 1878, quando ministro da fazenda, da reforma d'este imposto, em vez do reproduzir os dizeres da tabella como no projecto actual, empregou outra fórma, designando as verbas nas diversas classes por numeros, isto é, verbas n.ºs l, 2 e 3. etc., o que é tambem provavel que fizesse com que nas duas camaras ninguem se tivesse occupado em verificar nas diversas verbas as nomenclaturas especiaes que correspondiam a cada uma.

Pela minha parte, julgando que não era, actualmente, occasião propria de reformar a lei do sêllo de modo a despojal-a das velharias incriminadas, reduzi-me apenas; como disse, a pedir um augmento de 50 por cento n'esta taxa nobliarchica.

Se tivesse tido occasião do fazer a reforma, ou tivesse como o sr. Serpa classificado as verbas por numeros, não só teria dado occasião ao digno par de se referir graciosamente, da passagem de uma para a outra banda, ás ordens e finda uso alvarás para uso0 do titulo de dom ou do senhoria.

Devo, comtudo, dizer que não creio que o transito tenha soffrido, porque na lei se estabeleceu esta formula, dando mesmo de barato que se tenha substituido banda por ordem.

Disse o digno par que nem sempre me limitara a augmentar 50 por cento as taxas. É verdade.

Comquanto seja exacto, como acabo de verificar, que as taxas foram, em regra geral, elevadas, como já disse, 50 por cento, ha comtudo, uma excepção nas que dizem respeito ás licenças para a acceitação de gran-cruzes estrangeiras, e a rasão foi porque eram relativamente as mais baixas da tabella.

Disse tambem s. exa. que ninguem se lembrará hoje do pedir o alvará de algum d'estes titulos. Não me parece que a hypothese se não possa dar, e creio que não muito longo do digno par se achará, talvez, o testemunho vivo do contrario.

Mas, como disse, d'essa increpação me defende, declarando que não fiz mais do que repetir no projecto o que se encontra na tabella annexa á lei vigente.

Voltando-me agora ao sr. bispo eleito eleito do Algarve, direi que me magoou muitissimo a accusacão, formulada aliás amigavelmente por s. exa., de que este projecto ia estorvar as manifestações do culto catholico.

Como s. exa. sabe, a proposta primitiva do governo era diversa da que foi adoptada pela camara dos senhores deputados, mas o pensamento que presidiu á modificação d'essa proposta foi precisamente o de ter em attenção certas circunstancias, certos actos do culto, certas necessidades aliás muito attendiveis, da classe ecclesiastica, que ficaria ferida com a grande elevação do imposto, se vingasse a formula que ou adoptára em harmonia com a legislação anterior para tributar estes actos.

Na lei anterior havia uma verba, que era a 14.ª da classe 7.ª, pela qual se estabelecia uma taxa certa de 9$000 réis para todas as bullas não classificadas, e agora essa taxa era augmentada a 18$000 réis.

Em virtude de observações feitas por um illustre prelado, membro desta camara, e de outras pessoas entendidas no assumpto, vim no conhecimento de que a mesma taxa de 9$000 réis representava já por si um imposto grande, que ia pesar injustamente em muitos casos sobre a classe ecclesiastica, e que, pela sua propria elevação, não podia render para o fisco o que se esperava.

Fez-se por isso uma grande reducção para muitos d'es-

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tes breves, graduando-se o imposto e estabelecendo grande numero de taxas.

Portanto, o pensamento que predominou n'estas alterações, repito, não foi o que pareceu deduzir-se do discurso do digno par o meu amigo o rev.° bispo eleito do Algarve, foi o de graduar o imposto, tornando-o mais equitativo, attendendo até muito particularmente a certas conveniencias da classe ecclesiastica.

Para esclarecer a camara a este respeito direi, por exemplo, que o breve de missa votiva passou a pagar apenas o imposto de 1$000 réis.

Ha alguns ecclesiasticos idosos, e quasi impossibilitados, que no emtanto obtêem licença para dizer certo numero de missas chamadas votivas.

Esses ecclesiasticos são os mais necessitados, e um imposto de 18$000 o ainda mesmo 9$000 reis, seria demasiado, não só por não estar de accordo com os poucos interesses que fazem, e que são apenas os que se compade cem com a sua idade e o seu estado physico e intelleetual.

Por isso na outra casa, do parlamento entendeu-se, e a meu ver muito bem, que se reduzisse de 18$000 réis a 1$000 réis o imposto sobre estes breves de missas votivas.

Nunca se teve intenção de ferir a classe ecclesiastica ou difficultar os actos do culto, mas sim de attender ao que nos pareceu ser justo, exigindo um imposto forte, quando o acto que o motivou significava a existencia de quando grande fortuna.

Pareceu-nos que não deviamos, por isso, deixar de ter em attenção, para este ultimo fim, as licenças para capellas ou oratorios particulares, que representam, repito, em muitos casos, uma commodidade exigida por pessoas de fortunas muito avultadas, e com ella o indicio seguro de que este tributo se podia lançar sem causar prejuizo quem julga hão poder contentar-se com os actos do culto praticados na sua freguezia.

Careço, comtudo, responder mais particularmente ás perguntas do digno par, que declarou, com magna minha, que nós estavamos combatendo as manifestações do espirito catholico, quando, na verdade, assim não é.

A palavra bulla a que s. exa. se referiu, usada na tabella, não inclue, em verdade, os breves ou qualquer outra forma de rescriptos pontificios, debaixo do ponto de vista do direito canonico, mas não nos póde essa circumstancia fazer receiar que deixem de pagar imposto as licenças concedidas para casas capellas ou oratorios particulares, sob a fórma de breves ou rescriptos pontificios.

Pelo menos, a linguagem fiscal e a sua interpretação invariavelmente adoptada até hoje teia sido esta. O sentido da palavra bulla é portanto o fiscal e não
o canonico, e o imposto é sempre exigido, quando se auctorisa a creação de uma capella ou oratorio particular, sendo esta a interpretação que lhe dão os empregados encarregados de manter e fazer cumprir a lei.

Pela palavra bulla, no sentido fiscal, repito, entende-se todo e qualquer rescripto pontificio auctorisando a creação d'estas capellas ou oratorios particulares.

Receia o digno par que por se tributarem as licenças de casamentos em capellas particulares, se possa entender que ficam comprehendidas para o fim do imposto nesta designação, as capellas que estão muitas vezes annexas á igreja matriz. A hypothese, porém, é unica e exclusivamente a das casas particulares onde se celebrem esses actos. Quem entender que deve celebrar um acto tão importante na vida social, fóra da sua freguezia, e pretender celebral-o em sua casa e em capella particular, juntando-se assim á solemnidade publica, que é conveniente, e estabelecendo uma distincção que muitas vezes é dictada por um sentimento de pura ostentação, é porque tem os recursos necessarios para. satifazer esta vaidade e com ella este imposto sem sacrificio.

Sr. presidente, creio ter respondido n'esta parte ás duvidas formuladas pelo digno par.

Recusa o digno par o sêllo nas licenças para capellas publicas, cuja creação reputa com rasão conveniente, e propõe por isso que seja abolido. Permitta-me, porém, o digno par que eu lhe note que as taxas augmentam na rasão da proximidade maior em que essas capellas estejam das igrejas parochiaes ou outras capellas publicas. Quando a distancia é de menos de 1 kilometro, a taxa eleva-se bastante; quando não chega a 3 kilometros, diminue muito; e pássando alem de 3 kilometros, torna-se, por assim dizer, insignificante.

Eu creio que as pessoas que estão nas circumstancias de custear os actos do culto religioso na sua propria casa, não deixarão de o fazer pelo motivo de terem de pagar 10$000 réis de sêllo sobre a licença; e se residirem a distancia maior de 3 kilometricos da igreja parochial, então muito menos se dará esse caso, porque a taxa é apenas de 2$000 réis.

Ainda ha outro ponto a que s. exa. se referiu e que precisa explicação: é quanto ás licenças para festividades religiosas. Pareceu ao digno par que a idéa de lançar um pequeno imposto sobre estas licenças era inconveniente, suppondo que ellas poderiam referir-se ás grandes solemnidades obrigadas da nossa religião, como o são a Paschoa e o Natal. V. exa. sabe, porém, perfeitamente que ha um regulamento a fazer para executar as disposições d'esta lei, e se, ha duvida a este respeito, póde ahi declarar-se que se não trata dos actos ordinarios do culto, mas sim d'aquelles que exigem licença especial da auctoridade ecclesiastica, como o são, por exemplo, as festas mais apparatosas, taes como cirios, procissões e festas de orago, em que se gasta ordinariamente muito dinheiro: e não me parece que esses actos deixem de ser celebrados só para quem os promove não pagar 200 réis de sêllo.

O sr. Camara Leme, a quem ultimamente n'uma discussão n'esta casa tive ensejo de dizer que conhecia a ilha da Madeira, porque do facto estive Já ha dois annos, sabe muito bem que todos os domingos se repetem n'aquella ilha uma grande quantidade d'estes actos religiosos, que são, aliás, uma distracção natural e liberalmente facultada peia igreja para o povo, mas em que se despende bastante dinheiro.; e estou certo que não deixarão do continuar a celebrar-se por causa da modica quantia do dois tostões.

Mas, perguntam os dignos pares, onde será exigido este sêllo?

No diploma da licença passada pelas auctoridades ecclesiasticas competentes, como d'antes acontecia com as licenças para capellas particulares. Tudos estes casos se pedem explicar no regulamento. Como é para o regulamento que se eleve reservar tudo o que diz respeito ás avenças.

O artigo 7.° estabelece muito particularmente auctorisação ao governo para cobrar o imposto do sêllo dos theatros, jornaes, etc., por meio de avenças, em todos os casos em que o julgar opportuno o conveniente, etc.; e o artigo 19.° dá tambem no governo a faculdade de publicar o regulamento preciso para execução d'esta lei. Então haverá occasião de attender ás facilidades praticas para a cobrança d'este imposto novo, e assim me parece que serão do melhor modo satisfeitos os desejos do digno par e meu amigo o sr. Miguel Osorio, no que se refere particularmente á questão dos theatros.

O sr. Presidente: - Vae se ler uma mensagem vinda da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim alterar as disposições dos artigos 140.°, 142.° e 144.° do codigo de justiça militar.

Foi enviada dá commissão de guerra, marinha e legislação.

O sr. Presidente: - A deputação que tem do apre-

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428 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sentar á sancção real varios decretos das côrtes geraes, será composta, alem da mesa, dos dignos pares os senhores:

Mártens Ferrão.

Fontes Pereira de Mello.

Carlos Bento da Silva.

Marquez de Ficalho.

Serpa Pimentel.

Andrade Corvo.

Conde de Valbom.

O sr. Camara Leme: - Direi muito poucas palavras. Sómente quero chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para o seguinte ponto que não me parece esteja bem claro.

(Leu.)

Fica vigorando á lei que actualmente existe em relação ás ordens de Aviz e Torre e Espada?

Eu desejaria que se esclarecesse este ponto de um modo convergente a evitar futuras contestações, não sendo assim prejudicado o pensamento do sr. ministro, que, segundo parece, tinha em vista que continuasse a vigorar para as ordens militares da Torre e Espada e Aviz, a disposição vigente, e creio que a lei a que s. exa. se referiu foi a de 1848.

O sr. Sequeira Pinto (relator): - Sr. presidente, respondendo ao digno par e meu amigo, o sr. Camara Leme, direi a s. exa. que a redacção do artigo 1.° não offerece duvida alguma. (Leu.) O regulamento de 14 de novembro de 1878 continua em vigor, com a unica excepção das alterações, que estão em discussão com este projecto; não deve por isso o digno par suppor que fica eliminada a disposição 5.ª da classe 3.ª da tabella n.º l, o governo e a commissão de fazenda reconhecem a conveniencia de que n'esta parte seja mentida a doutrina da referida disposição 5.ª

O sr. Marquez de Vallada: - Faz varias considerações ácerca das tabellas da lei do sêllo, e pronuncia se contra esta medida.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Cumpre-me participar a s. exa. que Sua Magestade digna-se receber ámanhã á uma hora da tarde, a deputação d'esta camara que tem de lhe apresentar alguns autographos de decretos das côrtes geraes.

O sr. Presidente: - Em vista da declaração do sr. presidente do conselho ficam avisados os dignos pares nomeados para essa deputação, para se reunirem amanhã, á uma hora, no paço da Ajuda.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será na sexta feira, 23 do corrente, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de abril de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avilla e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Valbom, de Gouveia, de Bertiandos; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, do Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior, de Bivar; Barão de Ancede, Ornellas, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Baptista de Andrade, Pinto Basto, Castro, Heis e Vasconcellos, Raposo do Amaral, Mello e Gouveia, Costa Cardoso, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Braamcamp, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Coutinho de Macedo, Costa Lobo.

Entrou, depois de aberta a sessão, o exmo. sr. Mexia Salema.

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