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APPENDICE Á SESSÃO N.° 45 DE 19 DE ABRIL DE 1904 558-C

Que diz ella?

A ordenança sobre disciplina é constituida pelas duas leis repressivas militares: o Codigo de Justiça Militar e o Regulamento Disciplinar. No primeiro não se encontra disposição especialmente applicavel ao caso; o codigo impõe apenas a sancção penal aos abusos commettidos. O regulamento disciplinar, pelo contrario, define para os militares a restricção dos deveres geraes. Com respeito aos direitos politicos, essa restricção, consignada no regulamento de 12 de dezembro de 1896, approvado no uso da auctorização conferida pelo artigo 4.° da carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, é do teor seguinte:-

"Artigo 3.° Todo o militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da religião, da virtude e da honra, amar a patria, ser fiel ao Rei guardar e fazer guardar a Constituição politica da Monarchia, respeitar e cumprir as leis do reino, e tem por deveres especiaes os seguintes:

42.° Não manifestar de viva voz, por escripto ou por qualquer outro meio, ideias contrarias á Constituição politica ou ás instituições militares do Estado, offensivas dos superiores, dos iguaes e mesmo dos inferiores ou, por qualquer modo, prejudiciaes á boa execução do serviço, á disciplina ou ás providencias de interesse geral".

Tal é a unica disposição legislativa, que conheço, restrictiva para os militares do direito de liberdade de communicação do pensamento consignado na Carta Constitucional. Se ha outra, o Governo não deixará, por certo, de a mencionar.

Emquanto ella não for adduzida, insistirei em affirmar que, em materia politica, o militar tem o direito incontestavel de emittir o seu parecer, fora dos actos de serviço, e sem de pendencia de censura, sobre quaesquer assumptos que não tenham ficado comprehendidos na disposição disciplinar citada. E esta não somente a doutrina verdadeiramente liberal, mas a unica, me parece, que se conforma com os principios da boa hermenêutica juridica. Falo deante de distinctos magistrados com a convicção de que nenhum d'elles, por certo, impugnará a doutrina que acabo de enunciam (Apoiados dos Sr s. Eduardo José Coelho e Mattoso Côrte Real).

Folgo, agradeço e muito me honro com os apoiados de S. Exas., dois distinctos magistrados, cujo voto merece acatamento pela sciencia e consciencia com que sempre o concedem.

Mas, quando alguma duvida restasse acêrca da legitimidade da doutrina sustentada, ainda a esclareceria a lei eleitoral, concedendo aos officiaes da armada e do exercito os direitos de eleitores e de elegiveis, a que se considera inherente, como é doutrina corrente, o direito de apreciação dos negocios publicos.

Sob este ponto de vista da legislação comparada é que se revela a antinomia que existe entre o nosso direito politico e o que vigora nos outros paizes da Europa com respeito a militares. Em regra, estes não gozam ali de direitos politicos. Nem são eleitores nem elegiveis. Os assumptos publicos não cabem no seu direito de apreciação, que nem mesmo podem exercer sobre as questões technicas, salvo precedendo censura previa. Em França, por exemplo, o exercito é denominado, por tal motivo, La grande muette. Ha exerci-tos, porem, em que a liberdade de critica já é permittida nas questões technicas, como na Austria - Hungria e na Russia.

Não se deve, portanto, argumentar com o exemplo estrangeiro, quando tão differente é o seu direito politico. Ali não é o arbitro ministerial, sob a forma de circulares, portarias ou decretos do poder executivo, que concede ou nega o exercicio dos direitos politicos. É a lei que os não concede aos militares, de onde resalta o seu alheamento dos assumpto de tal natureza.

Mas, em Portugal, a legislação, como acabo de demonstrar, é muito mais liberal, pois concede aos officiaes o gozo quasi absoluto dos direitos politicos.

Ora, o Sr. Ministro da Guerra não exerce a sua acção sobre os exercitos da Russia ou da França; é Ministro em Portugal, cuja constituição politica não somente jurou guardar, mas fazer guardar. Menosprezar as suas disposições é trahir o juramento militar, dando pernicioso exemplo á nação e aos subordinados.

Será, porem, um bem ou um mal que essas garantias sejam conferidas aos officiaes? Is"o é questão differente, e por agora inopportuna. Não se trata de constituir direito, mas de apreciar o modo como foi cumprido o existente. Não deve esquecer, porem, que foi o exercito quem implantou a liberdade n'este paiz, pelo que justo parece que se lhe concedam os direitos que com o seu sangue conquistou para os outros cidadãos, tanto mais que não é elle quem menos patriotismo tem sempre revelado, vendo-se que, na lista dos homens de Estado dignos da gratidão publica, não são os officiaes, tanto da armada como do exercito, os menos numerosos nem os menos benemeritos.

E assim se explica como nos successivos diplomas que teem remodelado a legislação eleitoral apparecem os officiaes considerados como eleitores e elegiveis, sem que nem o poder legislativo nem o executivo se hajam apavorado com os riscos das garantias concedidas.

E o mais notavel é que alguns dos homens de Estado que referendaram taes diplomas conheciam bem, por pertencerem ao exercito, o perigo da concessão, se elle existisse.

A lei de 30 de setembro de 1852 tem, entre outros, os nomes do Duque de Saldanha e Fontes Pereira de Mello.

A lei de 23 de novembro de 1859 está assignada pelo Duque da Terceira, por Fontes Pereira de Mello, por Adriano Mauricio Guilherme Ferreri e por Antonio de Serpa Pimentel. Só n'esta se encontra envolvida a responsabilidade de dois antigos e respeitados chefes do partido regenerador.

A lei de 18 de março de 1869 tem as assignaturas do Marquez de Sá da Bandeira, de José. Maria Latino Coelho e de Sebastião Lopes Calheiros de Menezes.

A lei de 8 de maio de 1878 é da responsabilidade de Fontes Pereira de Mello, Antonio de Serpa Pimentel e João de Andrade Corvo.

A lei de 21 de maio de 1884 foi referendada ainda por Fontes Pereira de Mello e por Manoel Pinheiro Chagas.

Seguidamente a estas, abre-se uma solução de continuidade. O decreto dictatorial de 28 de março de 1895 supprime o direito de elegibilidade aos militares de patente inferior a general, com assentimento do Ministro da Guerra, que então era, como agora, o Sr. Conselheiro Pimentel Pinto.

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - É do Sr. João Franco.

O Orador: - É certo; mas é justo recordar que esse homem de Estado não duvidou transigir com o Parlamento, acceitando os principios mais liberaes consignados na lei- de 21 de maio de 1896. Por mim devo, porem, declarar que jamais concordei com o decreto de 1895. Folgo, por isso, com a interrupção do Sr. Ministro da Guerra, que me dá occasião de dizer que, quando o actual Presidente do Conselho de Ministros, Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro me honrou, em 1896, com o convite para assumir a gerencia da pastada Guerra, insisti na recusa, dando como principaes motivos d'ella o não concordar com a lei eleitoral então vigente, nem com a disposição do Codigo de Justiça Militar que estabelecia a pena de morte nos crimes politicos. Ao terminar a conferencia, perguntando-me S. Exa. qual a minha derradeira palavra, respondi que era a primeira.

Circumstancias supervenientes levaram-me, depois, a acceitar a pasta que