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N.º 49

SESSÃO DE 26 DE ABRIL DE 1882

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Visconde de Soares Franco

SUMMARIO

Approvação da acta da sessão antecedente. - Correspondencia. - Proposta do sr. Barros e Sá para que o projecto sobre o bill de indemnidade seja remettido a uma commissão especial. - O sr. H. de Macedo pede para ser convidado a comparecer na camara o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Cortez pede ao sr. presidente do conselho de ministros para que empenhe os seus esforços, a fim de que tenha andamento o projecto de lei para serem publicas as sessões em que se discutam os tratados internacionaes. Pede tambem para que o governo não descure a questão do recenseamento da capital. - Resposta do sr. presidente do conselho de ministros. - Ordem do dia. Continuação da discussão do parecer n.° 30, sobre o projecto relativo ao addicional de G por cento. - Usam da palavra os srs. Gusmão, Cortez, presidente do conselho de ministros, H. de Macedo e Pereira de Miranda, sendo a final approvado o projecto em todos os artigos, sendo retiradas as propostas apresentadas. - E approvado sem discussão o parecer 11.º 29, sobre o projecto de lei que tem por fim conceder á camara municipal de Abrantes, um terreno determinado para n'elle construir uma escola.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

(Estava presente, o sr. presidente ao conselho e ministro dos negocios da fazenda.)

Leu-se um requerimento do sr. Fernando Maria Bomtemp com respeito ao projecto de lei n.° 128, approvado na camara dos senhores deputados e ao modo de preencher as vacaturas de segundos officiaes no ministerio das obras publicas.

O sr. Barros e Sã: - Sr. presidente, eu proponho que o projecto de lei, vindo da camara dos senhores deputados, que trata do bill de indemnidade, seja submettido a uma commissão especial composta de nove membros.

Escuso de fundamentar esta proposta, que a camara certamente comprehende se funda na importancia e especialidade da materia d'aquelle projecto.

O sr. Placido de Abreu: - E eu acrescentaria que essa commissão fosse nomeada pela mesa.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre a proposta do digno par o sr. Barros e Sá, para que o projecto do bill de indemnidade seja enviado a uma commissão especial.

Agora quanto á observação do sr. Placido de Abreu, para que essa commissão seja nomeada pela mesa, entendo que, tratando-se de commissão tão importante, é conveniente que seja, como manda o regimento, nomeada pela camara e não pela mesa.

Posta á votação a proposta do sr. Barros e Sá, foi approvada.

O sr. Henrique de Macedo: - Sr. presidente, desejava que o sr. ministro das obras publicas fosse convidado a comparecer n'esta camara n'uma das proximas sessões a fim de esclarecer a camara sobre os motivos em que s. exa. se funda para não enviar para esta casa os documentos que requeri e são essenciaes para a discussão do orçamento, que deve estar proxima.

Estes documentos foram pedidos em 9 de fevereiro, e estamos hoje a 26 de abril e ainda não vieram.

O sr. Mendonça Cortez: - Aproveito a occasião de estar presente o sr. presidente do conselho, para pedir a s. exa. que empregue todos os seus esforços a fim de que a commissão respectiva, a que se acha submettido o projecto de lei de iniciativa do digno par o sr. Carlos Bento, para que sejam publicas as discussões parlamentares sobre os tratados com as nações estrangeiras, haja de dar com brevidade o seu parecer.

Era muito conveniente que o referido projecto fosse convertido em lei a tempo de aproveitar-se a sua disposição com respeito á discussão do tratado de commercio com a França, que em breve deverá ser discutido na camara dos dignos pares.

O governo manifestára-se favoravel áquelle projecto, e devia, por consequencia, ser este mais um motivo para procurar apressar o seu andamento.

Pedia tambem ao sr. ministro da fazenda que interviesse com a sua influencia junto do sr. ministro do reino a fim de se tomarem providencias que attenuem tanto quanto possivel as más condições de salubridade em que se encontra a capital.

As estatisticas e as informações de todos os dias estavam demonstrando o mau estado sanitario de Lisboa, e era urgentissimo olhar com toda a attenção para este estado, e empregar todos os meios para melhorar as condições hygienicas da cidade, as quaes se têem tornado ameaçadoras, devido principalmente á má canalisação.

Julgava que o governo tinha nas leis vigentes os meios necessarios para accudir, com remedio prompto, a esse mal.

Para outro objecto chamava ainda a attenção do sr. presidente do conselho para o seguinte.

Pedia a s. exa. quizesse empenhar-se de algum modo para que as negociações com a França, a respeito da convenção addicional ao tratado de commercio, fossem activadas de modo que essa convenção viesse ao parlamento com a antecedencia necessaria para o assumpto poder ser discutido com a largueza que a sua importancia exigia.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sobre os diversos pontos para os quaes chamou a minha attenção o digno par que acaba de fallar, tenho a responder:

Emquanto ao projecto para serem publicas as discussões sobre os tratados internacionaes, o governo já declarou n'esta casa que estava de accordo com o respectivo projecto que d'aqui foi para a camara dos senhores deputados.

Espero que dentro em pouco será approvado, de maneira que se possa discutir publicamente em ambas as camaras o tratado de commercio com a França, como o digno par deseja e creio mesmo que é o interesse de todos.

Quanto ás questões de hygiene, v. exa. comprehende e a camara que este negocio tem uma alta importancia, e não posso em quatro palavras dizer cousa alguma que satisfaça o digno par.

Communicarei ao meu collega, o sr. ministro do reino, as observações do digno par, e creia s. exa. que o governo não descura este assumpto.

A respeito da brevidade com que se deve discutir o tratado addicional, que está sendo negociado com a França,

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empenhar-me-hei tanto quanto possivel para que em amuas as casas do parlamento haja tempo bastante para o discutirem convenientemente.

O sr. Mendonça Cortez: - Agradeço a cortezia do sr. presidente do conselho.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

Continua a discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 20, sobre que recaiu o parecer n.° 30, que estava em discussão, relativo ao addicional de G por cento sobre todas as contribuições.

Tem a palavra o digno par o sr. Gusmão.

O sr. Vasconcellos Gusmão: - Pedi hontem a palavra quando se votou o requerimento para se prorogar a sessão. Não foi esse facto, que não me parece o mais proprio para affirmar as garantias parlamentares, o que me levou a sair do silencio; mas desejar eu explicar e meu voto sobre este projecto, que mais ou menos se refere a todo o nosso systema financeiro, e que vae annullar uma lei de que fui relator na camara transacta, e que aboliu os addicionaes.

Se me tivesse cabido hontem a palavra, quando a opposição, pugnando pelos seus direitos, se levantou indignada contra a idéa de que queriam restringir a discussão, obrigando-a pelo cansaço e fadiga de um debate continuo e prolongado, de certo a minha voz seria mais levantada e a minha phrase mais fremente.

Se o sr. presidente do conselho não interviesse tão racional e justamente, fazendo com que o debate proseguisse hoje, comquanto n'este ponto em contradicção com o que poucos minutos antes tinha auctorisado ou consentido, senão indicado, de certo eu tinha fallado em melhores condições, porque o calor da assembléa, e o que em mim sentia, teria dado animação e colorido á minha palavra; mas, como não sou vaidoso, não tenho pretensões oratorias e tenho em mais o respeito, o triumpho dos bons principios e o prestigio d'esta casa, do que uma pequena vantagem particular, applaudo o sr. presidente do conselho, applaudo a camara e ao nosso digno presidente, por terem todos reconsiderado n'este ponto.

A discussão tem corrido com largueza; eu tenho-a seguido com toda a attenção, tanto na outra camara como n'esta; e disporia já de um arsenal de argumentos, sem que nenhum me pertencesse, se eu quizesse servir-me de todos os que tenho ouvido empregar. Porem não costumo ufanar-me com as galas de outrem, e prefiro justificar o meu voto segundo as forças da minha intelligencia, o reais claramente que posso, com toda a simplicidade, e ferindo pontos que me parece não terem sido desenvolvidos, e a que me chamou naturalmente o discurso ultimo do sr. ministro da fazenda.

Vou dizer o que penso a respeito do projecto. O argumento mais valioso que tenho ouvido ao sr. presidente do conselho, em defeza das suas propostas, é que ellas são apenas um expediente financeiro, suggerido pela necessidade que temos de acabar com o deficit; que é o peior dos impostos: que sem organisação financeira não se levanta o credito, não ha possibilidade de progresso nenhum rasoavel.

Perfeitamente de accordo na necessidade de equilibrar as finanças; mas o que é necessario provar é não haver outro recurso para esse fim senão este de que s. exa. lançou mão.

Na verdade, não sei como se possam justificar as medidas que o sr. Fontes trouxe ao parlamento para extinguir o deficit. Que guerras, ou perturbações graves no mechanismo administrativo e politico tinham havido no paiz,, que nos collocassem no apuro de recorrermos a todos os meios para equilibrar o nosso viver social e as nossas finanças, sendo preciso que um homem eminente viesse com a sua poderosa influencia tomar conta dos elementos em desordem, e, sem attender a principios, se visse obrigado a usar de quaesquer expedientes para restabelecer o estado normal? Pois estavamos em circumstancias taes, que fosse indispensavel soccorrermo-nos a meios que só no ultimo caso se devem adoptar?

Os expedientes usaram-se em epochas antigas, quando a sciencia não occupava ainda o logar que nas sociedades modernas tem conquistado, usaram-se nas republicas gregas, quando a vida social se dirigia para outras normas. Mas hoje, que rasão de ser têem?

O sr. presidente do conselho, que se mostra trio lido nos economistas, e agora tão devotado ás suas idéas, e digo agora, porque ao tratar-se d'esta questão na camara dos senhores deputados ainda não lhes era tão affeiçoado, e, tanto que com aquella ironia que s. exa. sabe manejar tão bem, os alcunhava de visionarios o utopistas, declarando que a questão era inteiramente pratica, e o que se precisava era chegar a resultados positivos.

O sr. presidente do conselho, que tanto estuda os economistas, e até com um certo mysticismo, que podia ser rasoavel em qualquer outro espirito menos levantado que o do s. exa.; mas que da sua parte prova uma exageração que não é propria das suas altas faculdades, se s. exa. quizesse guiar-se por opiniões auctorisadas, poderia ter feito trabalho muito melhor.

Não digo que fosse procurar todos os pareceres que andam dispersos pelos livros e tratados, porque lhe daria um grande trabalho, e n'isto estou de accordo com s. exa., pois é certo que as opiniões diversificam ao infinito, e seria necessario tirar uma media para chegar de algum modo a uma conclusão pratica; comtudo, poderia uma intelligencia tão vigorosa como a do sr. Fontes, que não precisa curvar-se á determinada opinião de um homem, por mais illustre na sciencia, ter deduzido dos principios scientificos uma ordem de idéas perfeitamente acceitaveis, para formular, segundo ellas, o seu plano financeiro. Não o fez, não o quiz fazer. Sinto-o especialmente pelo paiz, e não prejudicaria os creditos do sr. Fontes.

Citou o illustre ministro a opinião do sr. Leon Say, que eu considero mais financeiro do que economista, e que para mim tem o defeito de sor membro do governo, porque emfim, qualquer que seja a consideração que me merece, e é muita, aquelle nome respeitavel, qualquer que seja a confiança que possa ter nas suas affirmativas, creio que as necessidades e urgencias do thesouro hão de influir sempre nas suas idéas, e fazel-o desviar mais ou menos dos principios que no gabinete de estudo teria como de incontestavel verdade.

Seguindo a ordem da minha argumentação, direi ainda, que circumstancias extraordinarias obrigaram o sr. ministro da fazenda a recorrer ao expediente que nos apresentou?

Não quero dizer nada que possa ser desagradavel para s. exa., nem de modo algum ferir o seu brio e o seu caracter; mas se essas circumstancias existiram, o sr. Fontes, consultando despreoccupadamente a sua conveniencia, talvez reconheça que concorreu um pouco para as difficuldades e embaraços financeiros, que hoje deseja remover.

Não duvido que fosse dirigido pelo seu patriotismo: mas de certo, erradas apreciações o determinaram a tomar sobre o seu partido encargos que outros sobrepujavam com maiores ou menores faculdades, com recursos mais ou menos valiosos, mas, posso affirmal-o, com o maior patriotismo, com a maior dedicação, com sacrificio do seu socego e do seu bom nome; que muitas vezes foi insultado injustamente, e até o nome immaculado da sua respeitavel familia.

Refiro-me especialmente ao sr. Barros Gomes, cavalheiro com quem nunca privei intimamente, mas por cujo ca-

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racter e talento e principalmente pelos seus estudos, eu tenho a maior consideração. (Apoiados.) Portanto, não houve realmente consideração alguma que obrigasse o sr. ministro da fazenda a recorrer a expedientes

O sr. presidente do conselho e ministro da fazenda, com os seus vastos talentos e com a sua muita pratica dos negocios publicos, teve tempo de poder organisar um systema financeiro, que fosse harmonico em todas as suas bases e que respeitasse tanto quanto possivel os principios da sciencia, e que não fosse principalmente lançar um imposto sobre as classes mais desvalidas, e que póde trazer uns certos perigos para a sociedade, que o sr. ministro melhor do que eu, pelos seus estudos e pela sua experiencia, póde prever.

Sr. presidente, este projecto de lei vae novamente crear os addicionaes.

Este systema financeiro é muito complicado e muito embaralhado, necessita de muita escripturação e de muito pessoal; em quanto que o projecto do sr. Barros Gomes, englobando todas em uma contribuição unica, reduzia o trabalho da escripturação e tornava necessario menos pessoal.

Por este lado não tenho que dar os parabens a s. exa. o sr. ministro.

Ha outra rasão que não justifica de modo algum o projecto que está na tela do debate.

Os addicionaes vão ser lançados sobre os impostos directos e indirectos; vão ser lançados especialmente sobre os objectos da primeira necessidade, como cereaes e outros.

V. exa. sabe que elevar uma contribuição exagerada tenta o contrabando e, portanto, necessita de maior fiscalisação.

Eu poderia servir-me de alguns argumentos que foram apresentados por alguns dos meus illustres collegas; mas como a camara e o publico já têem conhecimento d'elles, eu julgo desnecessario apresental-os novamente.

Vamos, portanto, a um ponto que foi especialmente tratado pelo sr. ministro da fazenda e que diz respeito á incidencia do imposto.

S. exa., comparando as theorias de alguns economistas que eu conheço, mas que julgo inacceitaveis, e fundamentando-se na opinião de Leon Say, disse que o productor póde pôr o preço nas suas facturas.

Creio que foi este o argumento que apresentou s. exa.

Eu respondi n'um áparte que não dependia- da vontade do productor e, effectivamente, não depende.

S. exa. disse que o operario, em geral, exigia do patrão o imposto que vae recair sobre o salario.

É natural que -exija, mas é certo que não o obterá a maior parte das vezes.

Se dependesse simplesmente da vontade de uma classe fazer recair sobre a outra o imposto que se lhe lançasse, evidentemente esse imposto não recairia sobre ninguem e o thesouro achava-se cheio, sem que pessoa nenhuma fosse onerada. Isto é um optimismo impossivel.

O imposto lança-se sobre uma base qualquer e incide, supponhamos, sobre uma classe; e para que elle vá reflectir sobre outra não depende isso senão da lei da procura e da offerta, das circumstancias em que se encontrem essas classes.

Applicando-se esta lei á apreciação dos impostos augmentados por esta proposta vê-se que elles vão recair sobre os lavradores menos abastados, ou sobre as industrias em condições mais desfavoraveis, sobre os inquilinos mais pobres ou sobre o consumidor. Se ha alguem que lucre serão os proprietarios, tomada a palavra na sua significação scientifica e não abrangendo, portanto, as classes que lidam e trabalham e com esforço obtiveram capitaes e com elles se tornaram proprietarios de terras.

Eu sei que não estou aqui regendo uma cadeira para demonstrar este principio, nem fallaria n'elle se o sr. presidente do conselho, que é auctoridade incontestavel em todas as materias, não me désse o exemplo. Demais, não podia deixar passar sem reparo uma objecção feita por s. exa., que julgo completamente infundada. - Digo eu que o imposto vae recair completamente sobre as classes que estão em condições menos favoraveis, sobre as industrias que estão em situação menos vantajosa, sobre os inquilinos que tenham de abrigar-se nas casas mais baratas e sobre os consumidores. Os proprietarios, os que dispõem de terras de superior qualidade, ou mais bem situadas, são os unicos que ficam, não só isentos do aggravamento, mas até melhorados. Os operarios esses immediata e mediatamente terão diminuidos os seus salarios reaes.

Estou persuadido que esta é que era a occasião de se fazer o socialismo, mas não e o socialismo que quero sr. ministro das obras publicas, que mais ou menos significa a restricção da liberdade individual e a substituição do estado ao individuo.

Esse socialismo rejeito eu, com todas as forças de uma convicção baseada no estudo dos factos economicos; mas a intervenção do governo para repartir os encargos publicos, de fórma tal, que elles influam o menos desfavoravelmente possivel no desenvolvimento natural da riqueza publica, poupando as forças vivas da nação, e aproveitando do que provém de excepcionaes condições; este socialismo é o unico racional, o unico que eu applaudo, porque, alem de ser justo, é de toda a vantagem alliviar as classes menos favorecidas.

O addicional de que se trata recáe sobre as contribuições predial, de renda de casas, industrial e sobre o imposto de consumo.

Sendo assim vae elle ferir todos os proprietarios que se encontram em peiores condições pela inferior qualidade e situação das terras que cultivam e que precisam receber o necessario como remuneração dos seus esforços. Ou hão de pagar o imposto, ou lanlal-o sobre o consumidor, augmentando os preços, e se nem uma nem outra cousa é possivel, abandonam a cultura e a diminuição dos generos que elles produziam, hão de augmentar os preços, recaindo finalmente sobre os consumidores o imposto, e soffrendo as suas consequencias os proprietarios, que tiveram de abandonar o cultivo das suas terras.

Por outro lado, se este projecto for votado, tambem vae difficultar a entrada dos cereaes, e isso colloca os proprietarios em condições de auferirem maior renda, porque a subida dos preços tem, alem de outros, este effeito, como necessaria consequencia.

Mas se os generos não forem consumidos o que succede? Os agricultores deixam de cultivar as terras e diminue por consequencia a quantidade dos generos, tendo os consumidores de os pagar mais caros.

Em relação aos industriaes é facil provar do mesmo modo, que são tambem os menos fortes, os pequenos, os que teem menores capitaes, os mais fracos para a lucta, que soffrerão principalmente com o imposto.

O operario não póde livrar-se de pagar o imposto, e para se livrar de o pagar seria necessario então uma diminuição na povoação, e essa diminuição produzida pela falta de meios, pela diminuição do seu salario real significava um mal não inferior ao que temos apontado.

Por consequencia, parece-me que d'este modo é evidente que a incidencia do imposto depende da situação em que se encontram as classes que luctam para o desviar de si, fazendo-o reflectir sobre outros, e como as classes menos abastadas são as que primeiro tem de ceder sobre este, cae definitivamente o imposto.

Não me parece, pois, que haja rasão no que disse o sr. presidente do conselho, embora s. exa. citasse a opinião de Leon Say.

Eu poderia citar a opinião de um economista muito dis-

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tincto, como é seu do o sr. João Baptista Say. Poderia citar centenares de economistas e muito especialmente o sr. Stuart Mill, que como auctoridade n'estas materias não póde ser suspeito a ninguem, nem por qualquer outro excedido.

Por consequencia, ainda por este lado, não julgo que as considerações apresentadas pelo sr. presidente do conselho tenham fundamento, pois que por tudo quanto acabo de dizer se vê que o imposto vae recair sobre as classes menos abastadas da sociedade.

A desigualdade que existe na contribuição predial todos nós a conhecemos. De concelho para concelho, de districto para districto, de freguezia para freguezia as desigualdades são notaveis e muita vezes assombrosas.

São estas, pois as rasões que me levam a não poder approvar este projecto.

Creio que não careço de fazer mais considerações para fundamentar o meu voto.

Permitta-me, porém, o sr. presidente do conselho que, depois de expor os motivos porque não voto este projecto, eu apresente algumas considerações geraes, que me levariam, ainda quando julgasse este imposto fundado em melhores principios, o que me parece estar demonstrado não ser exacto, e não o votar por não o ter o governo legitimado pelos seus actos.

Vou referir-me mui resumidamente a factos succedidos no districto de Lisboa, sobre os quaes tenho tido vontade de chamar a attenção do governo, mas até hoje não me foi possivel fazel-o.

São tão poucas as vezes que vejo aqui o sr. ministro do reino antes da ordem do dia!

Os factos que vou apontar, vem a proposito na occasião em que o governo está pedindo sacrificios ao paiz, e por isso creio que não estou fóra da ordem. N'este ponto não é a paixão partidaria que me move.

Vou primeiro referir-me a um facto importante, e que diz respeito ao celleiro commum de Terena.

Uma portaria do sr. Sampaio, motivou uma representação da junta de parochia de Terena, ácerca da questão que havia entre ella e a camara municipal do Alandroal.

N'essa portaria dizia &e que a camara municipal tinha direito de administrar o celleiro commum de Terena, e esta opinião, quando estava acceso o debate entre a camara municipal do Alandroal e ajunta de parochia de Terena, sobre a posse d'esta instituição, foi animar a camara municipal e as auctoridades administrativas aos actos os mais arbitrarios e violentos,

Era de prever, porque a rixa era velha e a pretensão tinha-se manifestado nas vesperas da eleição geral de deputados, e a usurpação era auctorisada impensadamente poucos dias antes d'ella se realisar. Realmente, a demasiada ingenuidade, senão excessivo favoritismo, podia determinar o ministro a favorecer assim com a sua opinião os interesses da municipalidade.

E quiz o acaso, de certo foi o acaso, que esta parcialidade fosse a de eleitores, que poucos dias depois foram dar o seu voto ao candidato ministerial. Só o ministro não previu o resultado, que era fatal, e que alguem altamente collocado lhe aconselhou officialmente que evitasse. Escudada com a portaria, foi a auctoridade administrativa, acompanhada de força de cavallaria e infanteria, dar á camara municipal a posse do celleiro commum, arrombando as portas, tirando de lá todos os papeis que encontrou, e pondo em alarme a povoação de Terena.

Só a muita prudencia d'este povo evitou um conflicto, que poderia ser grave, e que era desculpavel, porque iam á viva força expolial-o de um direito de que ha muitos annos estava de posse. E o celleiro commum de que arbitraria e violentamente o espoliavam era de grande interesse para aquelle povo.

Contra este procedimento representou a junta de parochia a Sua Magestade, e em portaria mandada ao governador civil de Évora foi censurada a auctoridade por este procedimento, sendo declarado que só pelos meios judiciaes podia fazer valer o seu direito. Apesar d'isto conservaram-se as cousas nos mesmos termos, manteve-se a espoliação, e só depois que o juiz de direito do Redondo condemnou a junta de parochia a entregar a posse, que arbitrariamente lhe tinha sido tirada, voltaram as cousas ao seu antigo estado. Que papel representaram aqui as auctoridades administrativas? Com que prestigio podem ter ficado depois d'estes factos? Nem ao menos cuidaram de dar execução á portaria do ministro do reino. E no entretanto conservam-se ainda no districto.

É certo, que a junta de parochia recorreu para os tribunaes, e o juiz de direito do Redondo, que é um caracter respeitavel, restituiu as cousas ao seu antigo estado, censurando o procedimento das auctoridades.

Ha outro facto para que chamo ainda a attenção do sr. presidente do conselho, e que carece de remedio.

Trato do concurso a proposito da nomeação do escrivão da camara municipal de Extremoz, concurso que foi annullado por differentes circumstancias, mas depois, a instancias do conselho de districto e do governador civil, foi nomeado um dos concorrentes que havia sido preterido e que possuia todas as condições para justificar o despacho.

A camara insistira para pôr novamente o logar a concurso, mas foi mettida em processo por desobedecer ao mandado da auctoridade, e tendo nomeado por fim pessoa competente e habilitada o governador civil não quiz dar posse ao nomeado.

Eu peço aos srs. ministros que evitem a repetição d'estes factos, que desconsideram a sua administração.

Lembro tambem por esta occasião o professor de instrucção primaria de S. Marcos do Campo, que tem sido victima de prepotencias, porque não obedece ás indicações eleitoraes e politicas do partido regenerador de Reguengos.

Passarei agora a referir-me á dissolução da mesa da santa casa da misericordia de Evora, que foi dissolvida tres dias depois de eleita, ficando este povo administrado por uma commissão, que podia ter sido nomeada com os melhores intuitos, mas que não representa a vontade dos eleitores.

Por ultimo, sr. presidente, apresentarei ainda outro facto com relação á questão financeira.

O sr. presidente do conselho, referindo-se ás causas que o têem obrigado a não cumprir as suas promessas, com relação á extincção do déficit (a este ponto já têem respondido os dignos pares que tomaram parte no debate), disse que depois do 1872 não tinha recorrido ao importo, porque o estado do paiz era prospero, e porque a riqueza abundava, esperando tirar d'ella os meios precitos para equilibrar a receita com a despeza.

Ora, eu respondo a s. exa., que era essa, precisamente a occasião opportuna de attender ás necessidades do thesouro, e se o houvesse feito então teria evitado que ao menos a riqueza, assim applicada fosse alimentar o exagero do credito, que aos previdentes se afigurou perigoso e devendo produzir a crise que atravessamos.

Os estadistas devem saber prever estes acontecimentos, que nas nações se repetem com certa regularidade e têem causas conhecidas.

Concluo, pois, desapprovando a proposta em discussão, porque aggrava impostos já em si desiguaes, iniquos e especialmente vexatorios para as classes mais desvalidas.

Rejeito ainda o projecto, porque, tendo o governo abusado do poder e da força, não quero dar-lhe nem força, nem poder.

O sr. Mendonça Cortez: - Não ouvira apresentar rasão alguma que provasse que o projecto de lei em discussão assentasse em bases solidas economico-financeiras, nem se responderam ás affirmações d'elle, orador, quanto á desigualdade com que o addicional recaia sobre as diversas

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contribuições, indo affectar sem rasão algumas já muito sobrecarregadas.

Isto não abonava o desejo do sr. ministro da fazenda de apresentar ao parlamento propostas bem pensadas e estudadas.

Examina os cálculos do relatorio do sr. ministro da fazenda, indica os erros que encontrara, e expõe as duvidas que lhe suggerira a falta de precisão nos dados numericos a que s. exa. se referiu.

Com relação a este ponto dirige varias perguntas ao governo.

Formula differentes interrogações para encontrar a rasão justificativa das diversas excepções que vem designadas no § 1.° do artigo 1.° do projecto.

Analysando-as, indica que o governo se privou de sommas importantes, excluindo do addicional certos valores que não devia excluir, e que não estavam muito onerados, ao mesmo tempo que deixou sujeitos a esse addicional outros já muito sobrecarregados, mesmo até os que provinham de direitos sobre generos do primeira necessidade.

Expõe a maneira porque o sr. ministro da fazenda podia ter apresentado uma medida acceitavel, no caso de ser indispensavel recorrer ao addicional que elle, orador, não póde admittir em principio, e tanto que não havia muito tempo votara a abolição dos addicionaes.

A isso o levaram rasões de boa administração, sendo certo que em geral os economistas não recommendavam os addicionaes, senão como o meio mais comesinho e empyrico que podia haver em questões economico-financeiras.

Refere-se ao que succedeu em França, e diz que ali os expedientes extraordinarios que se adoptaram depois da guerra de 1870 tinham a sua rasão de ser nas circumstancias excepcionaes em que se encontrava aquelle paiz, que tinha de satisfazer em prasos certos a despezas enormes e extraordinarias; porém não podia esse facto servir de exemplo para que nações em circumstancias inteiramente differentes, que estavam em condições normaes, no periodo do desenvolvimento da sua riqueza industrial, e de outras especies, fossem lançar mão de um recurso tão pouco aconselhado pelos principios que devem reger a gerencia dos estados.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, os argumentos do digno par provam de mais, e digo que provam de mais porque provam
contra todo o projecto, contra toda a generalidade d'elle que já está approvada.

Este projecto não póde manter uma igualdade relativa entre os impostos que vão recair, sobre os diversos generos e objectos, e para que eu podesse conseguir essa igualdade era necessario remodelar completamente toda a nossa legislação financeira, e estabelecer um imposto igual para todos os generos que estão tributados comprehendendo as industrias, a propriedade, os direitos das alfandegas, o real de agua, etc.

Diz-se s. exa. que este addicional de 6 por cento vae aggravar consideravelmente a desigualdade que existe entre o que paga a propriedade e o que paga a industria. Mas essa desigualdade não é esta medida que a estabelece. A base era já desigual, e desigual continua a ser, porque este addicional não tem outra natureza senão a de imposto de cobrança, e mais nada. Não é destinado a estabelecer uma igualdadade que não existe. A questão é esta: os impostos são desiguaes, lança-se sobre elles mais 6 por cento, é claro que essa desigualdade não póde deixar de subsistir, porque existe pela natureza da cousa, e só se póde destruir por uma nova organisação no nosso systema tributario.

Diz o digno par: o bacalhau paga 47 por cento, e com este addicional fica pagando mais 6 por cento, e fica desigual. De certo fica, porque já era desigual; o petroleo pagava tanto e vae pagar mais, é claro que ha tambem
desigualdade, e não póde deixar de a haver, porque o imposto já era desigual.

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez.)

Desde o momento em que o imposto é geral, quer o addicional que se lançar seja de 4, 6 ou 20 por cento, a desigualdade subsiste da mesma fórma.

O que esteve o digno par a provar com todos os algarismos que apresentou á camara? Que a incidencia do imposto sobre os differentes generos é designai. Mas essa desigualdade existe em todos os paizes do mundo...

(Aparte.)

Porventura em França o imposto sobre a propriedade é o mesmo que o da industria, o da industria e o mesmo que o do consumo? É claro que não. Todos os impostos são desiguaes...

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez que, se não ouviu.)

Por esta fórma, parece-me que a discussão se torna interminavel.

Ora, o digno par queixa-se sempre de que eu não respondo ás suas observações; mas a verdade é que eu tenho um desejo immenso e gosto até muito de fallar. Conheço que algumas vezes fallo de mais, e que seria melhor fallar menos; porém, como gosto de fallar, vou sempre dizendo o que julgo conveniente para me defender das accusações que me são feitas. Reconheço, no entanto, que a minha inteligencia e tão pequena e tão acanhada á vista, da do digno par que não me admiro que s. exa. diga, e de certo com muita rasão, que eu não o comprehendo, e que, por consequencia não o satisfazem as minhas considerações. N'estes termos, torna a pedir a palavra, repete os mesmos argumentos, e eu continuo a não o comprehender. E assim ficamos.

É evidente que o digno par insiste sobre a desigualdade d'este imposto, e eu declaro que é da natureza d'elle ser desigual, porque desigual é a base era que tem necessariamente de assentar.

Como se póde pretender que um addicional, lançado indifferentemente sobre todas as contribuições publicas, cuja desigualdade é manifesta, possa dar resultados iguaes?

Essa desigualdade é fatal.

Por isso eu digo que o digno par, sustentando e querendo fundamentar a sua argumentação n'essa desigualdade,, prova de mais, como já disse, porque a camara já approvou a generalidade do projecto.

Quaesquer que sejam as observações que se façam sobre-o artigo 1.°, não se póde sair d'este campo, isto é, que o imposto addicional, lançado sobre diversas contribuições, não pôde, repito, dar resultados iguaes a respeito de todas, ellas.

Declaro isto no meu relatorio e declaral-o-hei sempre.

Este defeito, que se encontra em todos os addicionaes, não só prova contra este projecto, mas contra todos os que se têem apresentado em iguaes condições, tanto entre nós, como nos outros paizes.

Em França, por exemplo, têem-se lançado addicionaes sobre as contribuições directas e indirectas: entre nós tem-se feito muitas vezes o mesmo para attender as necessidades urgentes do thesouro, e igualmente se tem praticado em outros paizes para se obter de momento uma somma importante, sem se entrar no desenvolvimento de medidas que possam alterar profundamente a legislação d'esses paizes.

Parece-me que o digno par deseja que eu lhe declare quaes as rasões porque apresentei algumas excepções. Vou dizel-as, comquanto julgue que isso era desnecessario, visto que estão indicadas no meu relatorio.

Estas excepções foram ainda augmentadas na camara dos senhores deputados pela commissão de fazenda, de accordo com o governo, em virtude de propostas que ali se apresentaram, algumas das quaes o governo adoptou.

D'essa combinação resultaram as excepções que vem na

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§ 1.° do artigo 1.°, e eu vou indical-as successivamente e pela sua ordem:

"§ 1.° São exceptuados das disposições d'esta lei:

"1.° Os emolumentos consulares e os das alfandegas."

O governo exceptuou estes emolumentos porque elles constituem ordenados a funccionarios, e não era sua intenção cerceal-os com este imposto.

"2.° O imposto do sêllo, menos na parte que respeita ás loterias, sobre o qual será cobrado o referido addicional."

O governo fez esta excepção pela difficuldade, quasi invencivel, que havia em arrecadar o addicional sobre o imposto do sêllo.

"3.° Os direitos do consumo em Lisboa."

Porque me pareceu que o direito de consumo em Lisboa, indo recair, em geral, sobre toda a população e, por consequencia, sobre a mais desvalida, a qual já está bastante sobrecarregada, não era conveniente oneral-a mais com este imposto.

"4.° O imposto denominado real de agua, e o imposto sobre o vinho, aguardente e geropiga entrados para consumo no Porto e em Villa Nova de Gaia."

Pelas mesmas rasões que acabei de apresentar com relação a Lisboa.

"5.° Os direitos de importação sobre o tabaco."

Porque, como todos sabem, o imposto sobre os tabacos é já bastante elevado, e até ha quem o ache exagerado, e por isso provocando o contrabando, e se o fossemos aggravar com mais este imposto, é provavel que mais se favoreceria o contrabando.

Não me pareceu, depois do que se tem dito n'uma e noutra camara, e por rasões proprias de casa, que devia augmentar o imposto sobre o tabaco, quando elle não rende ainda o que devia render; rende até menos do que rendia.

Bem sei que o rendimento vae augmentando successivamente, mas está, ainda muito longe do que deve ser; e se formos comparar o rendimento do tabaco em Portugal com o rendimento do tabaco em França, suppondo que se fuma o mesmo n'um e n'outro paiz, ainda que eu julgo que se fuma aqui mais do que lá, vê-se que estamos em uma enorme inferioridade com relação áquelle paiz, guardadas as devidas proporções.

N'estas circumstancias, seria prudente que o governo viesse propor mais este augmento n'quelle imposto? De certo que não.

"6.° Os direitos de importação sobre mercadorias, estabelecidos nos tratados em vigor."

Não se estabelece o imposto n'esta parte, porque não se podia estabelecer, em virtude dos tratados.

Forçosamente havia de fazer-se esta excepção.

"7.° Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 4.° e 5.° do actual mappa de receita geral do estado."

Este mappa comprehende diversos rendimentos, taes como: venda de bens nacionaes, fóros, remissão de fóros, laudemios, rendimentos de objectos importantes e outros insignificantes, e de titulos de divida publica, que estão na posse da fazenda, etc.

A proposta de lei como eu a tinha redigido primeiro, pareceu-me que comprehendia todos estes rendimentos publicos; mas na camara dos senhores deputados levantaram-se duvidas sobre o modo por que se devia entender quaes os rendimentos publicos sujeitos ao imposto, conforme se mencionava no artigo 1.° D'aqui nasceu esta excepção que tem o n.° 7.°, cuja rasão de ser é obvia.

"8.° O imposto de rendimento."

Eu entendo que se não devia lançar o addicional de 6 por cento sobre este imposto; propol-o seria uma barbaridade, que eu não podia praticar.

Se o digno par entende que se deve lançar, proponha-o á camara, eu porém, não o faria por modo nenhum.

"9.° A decima de juros."

A decima de juros e um imposto que está mal arrecadado, e mal lançado; é uma desgraça para aquelles que o pagam, e por isso me pareceu que não devia aggravar-se mais essa desgraça.

"10.° As collectas de contribuição predial desde 1CO réis até 500 réis, inclusive."

Esta excepção prende com uma proposta apresentada na camara dos senhores deputados, que depois aqui foi renovada, pedindo-se a isenção da contribuição predial nas collectas até á quantia de 5$000 réis e na industrial até ás collectas de 15$000 réis.

Não póde o governo acceitar esta proposta em toda a sua extensão, porque reduzia a receita publica, que o governo entende que o projecto trará; mas entre o não acceitar nada e alguma cousa, ha differença.

O governo acceiiou o que era possivel acceitar, concordando em que fossem isentas as collectas de contribuição predial até 500 réis.

N'esta isenção comprehendem-se muitos milhares de individuos, por ella se diminuo consideravelmente o trabalho nas repartições publicas, e não traz para o thesouro differença importante, pois montará essa differença a uns 5:000$000 réis.

D'este modo julguei que não havia inconveniente n'essa excepção, que aliás ia favorecer um numero bastante elevado de contribuintes que dispõem de escassos meios.

"ll.ª As collectas de contribuição industrial de todos os officiaes de quaesquer artes e officios."

A proposta que se fez na camara dos senhores deputados era muito mais larga do que a que se apresentou n'esta camara. Julguei dever acceitar d'aquella proposta a parte que me pareceu mais sympathica.

Assim ficam isentos da contribuição milhares de individuos que realmente, vivendo do seu trabalho, são pouco remunerados, e não se affecta sensivelmente a receita do estado.

Com relação ao § 2.°, que isenta do addicional até 30 de junho d'este anno as verbas de direitos de mercê e de contribuição de registo por titulo gratuito, a que a fazenda tenha adquirido direito e cuja liquidação se ache pendente na data d'esta lei, tenho a dizer que esta excepção teve tambem origem na outra camara.

Era mais ampliado o que ali se propoz, porque a isenção abrangia todas as contribuições que existissem por cobrar, sendo a falta de cobrança por culpa dos exactores da fazenda.

Isto era justo, mas não me pareceu admissivel em absoluto, pela difficuldade que haveria em conhecer quaes eram os impostos que deixavam de ser pagos por culpa dos exactores da fazenda ou dos empregados fiscaes, e os que deixavam de ser pagos por negligencia do contribuinte. Por isso se tomou um termo que me pareceu rasoavel, que foi limitar a isenção até o fim do anno economico para os direitos de mercê e contribuição de registo por titulo gratuito, a fim de que os que estiverem em divida tenham tempo para pagar o que devem.

Afigurou-se-me que era já uma concessão rasoavel a que vem neste paragrapho. O principio da proposta era justo, mas levado ás extremas consequencias era drfficilimo senão impossivel applical-o.

Quanto ao § o.° é clara a justiça d'esta disposição.

Aqui estão justificadas, quanto posso fazel-o, as diversas isenções a que se referiu o digno par.

A camara julgará se vale a pena de as manter ou de as excluir.

Creio que as rasões apresentadas teem algum valor, e que mostram a justiça com que foram incluidas no projecto, attendendo-se aos principios humanitarios e de conveniencia publica.

Quanto ás sommas que este projecto deve produzir, o digno par n'esta questão não atacou o projecto, mas o seu relatorio, porque no projecto não se descreve somma alguma, e onde se falla nisso é no calculo do relatorio. É ver-

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dade que este projecto já soffreu pequenas alterações, mas eu julgo que essas alterações, aliás muito convenientes, não affectarão de uma maneira valiosa o meu calculo.

Se o resultado do projecto for maior do que calculo, estimarei muito; se for menor, sentil-o-hei bastante; creio, porém, que não será tanto que vá augmentar o deficit. Direi até que no peior dos casos a differença não será consideravel. Póde ser que algumas das verbas em que assentam os calculos, e que são variaveis, e dependendo das circumstancia serem um anno maiores, e outras menores, influem no resultado que eu espero obter; não e possivel, porém, precisar praticamente a somma que ha de produzir esta medida.

A minha persuasão é que a camara, votando este projecto, votará um augmento de receita de 1.000:000$000 réis approximadamente.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Mendonça Cortez: - Nada mais arduo do que intentar convencer um talento que não quer convencer-se.

Tinha mostrado a desigualdade e injustiça do addicional que se propunha, e o sr. ministro da fazenda não quizera considerar as suas rasões.

Insistia em que na contribuição predial a percentagem do addicioual devia ser uma, e na contribuição industrial devia ser outra.

O sr. ministro da fazenda, referindo-se ás excepções que vinham no projecto, dissera que isentára os emolumentos consulares para não cercear os vencimentos dos empregados; mas se entendia que os vencimentos dos empregados não deviam ser cerceados, se julgava isso justo, então o principio devia ser geralmente applicado. Que rasão tivera pois para excluir do imposto aquelles emolumentos, e não excluir os das conservatorias, estações de saude, e outras?

Fôra deficiente a resposta dada pelo sr. ministro da fazenda; não esclarecera as duvidas d'elle, orador. S. exa. não quizera comprehender que o addicional como era proposto não podia justificar-se.

Mostrára já que podia ter-se feito cousa muito melhor. Mais tarde o sr. ministro havia de dar rasão ás as asserções, do orador.

O addicional, na hypothese do ser indispensavel lançar mão deste meio, devia ser lançado nos termos em que elle orador expozera n'outra occasião, porque só assim faria desapparecer toda a desigualdade, sem obter recursos inferiores para o thesouro. Não era preciso remodelar o systema tributario, para se alcançar um augmento de receita por um modo justo e equitativo, bastava seguir as suas indicações.

(Os discursos do orador serão publicados quando s. exa. os devolver.)

O sr. Henrique de Macedo: - Peço a v. exa. queira consultar a camara para que o artigo 1.° do projecto em discussão seja votado separadamente dos seus respectivos paragraphos, porque talvez alguns dignos pares estejam na intenção do votar as excepções, se o artigo for approvado, sem quererem aliás dar o seu voto ao mesmo artigo.

Pelo menos, quanto a mim, estou n'essa intenção.

O sr. Presidente: - Ao artigo 1.° ha uma emenda apresentada pelo digno par o sr. Pereira de Miranda, que se refere ao n.° 11.°, e dois additamentos, um do mesmo digno par, e outro proposto pelo digno par o sr. Costa Cardoso.

Conforme a disposição regimental as emendas votam-se primeiro e os additamentos e substituições depois de votada a questão principal.

O digno par o sr. Henrique de Macedo propoz que o artigo 1.° se votasse separado dos seus respectivos paragraphos.

Sobre esta proposta vou consultar a camara.

Consultada a camara approvou a proposta do digno par o sr. Henrique de Macedo.

O sr. Presidente: - Vou submetter á votação o artigo 1.°, sem os seus paragraphos.

Depois o § 1.° até o n.° 11.°, porque sobre este numero ha uma emenda do digno par, o sr. Pereira de Miranda, a qual tem de ser votada primeiro do que esse numero.

Em seguida votar-se-ha o § 2.°

Os additamentos serão submettidos ao voto da camara depois d'ella resolver sobre o artigo, e é claro que se este for votado ficam prejudicadas as substituições que tambem foram mandadas para a mesa.

O sr. Pereira de Miranda: - Desejava saber se por parte do governo, ou da respectiva commissão, se fez alguma declaração com referencia ás propostas que eu mandei para a mesa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda: - Com muito sentimento meu não posso acceitar as propostas apresentadas pelo digno par o sr. Pereira de Miranda, porque iriam, alterar as disposições do projecto de lei que se vae votar.

O sr. Pereira de Miranda: - Visto haver duvidas por parte do governo em acceitar as minhas propostas, e tendo essas duvidas algum fundamento, em presença das declarações que o sr. ministro da fazenda aqui tem feito, não querendo eu, por outro lado; embaraçar ou demorar a resolução d'este negocio, peço licença para retirar as minhas duas propostas.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o digno par o sr. Pereira de Miranda retire as suas propostas, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Costa, Cardoso: - Peco tambem licença para retirar o meu additamento, em vista das declarações do sr. ministro da fazenda.

Consultada a camara sobre este pedido, approvou que o digno par retirasse o seu additamento.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 1.°

Leu-se.

É o seguinte:

Artigo 1.° A todas as contribuições, impostos e rendimentos do thesouro de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercicio, que se arrecadarem, a datar da publicação d'esta lei, serão addicionados 6 por cento do respectivo producto, constituindo este addicional receita do mesmo thesouro.

Posto á votação, foi approvado por 35 votos contra 11.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o § l.°

Leu-se.

É o seguinte:

§ 1.° São exceptuados das disposições d'esta lei:

1.° Os emolumentos consulares e os das alfandegas;

2.° O imposto do sêllo, menos na parte que respeita ás loterias, sobre a qual será cobrado o referido addicional;

3.° Os direitos de consumo em Lisboa;

4.° O imposto denominado real de agua, e o imposto sobre o vinho, aguardente e geropiga entrados para consumo no Porto e em Villa Nova de Gaia;

5.° Os direitos de importação sobre o tabaco;

6.° Os direitos de importação sobre mercadorias, estabelecidos nos tratados em vigor;

7.° Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 4.° e 5.° do actual mappa de receita geral do estado;

8.° O imposto de rendimento;

9.° A decima de juros;

10.° As collectas de contribuição predial desde 100 até 000 réis, inclusive;

11.° As collectas de contribuição industrial de todos os officiaes de quaesquer artes ou officios.

O sr. Mendonça Cortez: - Desejava obter do sr. ministro do fazenda uma resposta, que podia limitar-se a uma, simples affirmativa, relativamente ás considerações que havia pouco apresentara ácerca das conclusões que se fa-

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zem n'este paragrapho. Excluem-se os emolumentos consulares, e sobrecarregam-se os emolumentos que recebem os empregados de differentes outras estacões, o que lhe parecia uma grave injustiça. Por este modo ficava um grande numero de empregados em circumstancias desiguaes, e se s. exa., como declarara tivera em vista, não cercear os vencimentos dos empregados, daria uma prova de equidade se estendesse a isenção a todos os emolumentos, para que não fiquem uns servidores do estado com o seu vencimento cerceado e outros não, o que realmente seria cruel.

O sr. Presidente: - Julguei que o digno par tinha pedido a palavra sobre o modo de votar, e como estamos em votação, não posso deixar que ella se interrompa para se renovar a discussão.

Vão votar-se o § 1.° e os seus numeros.

Posto á votação o § 1.° e os seus numeros, foi approvado.

Leu-se na mesa o § 2.°

É o seguinte:

§ 2.° São igualmente isentas, até 30 de junho de 1882 ao addicional de 6 por cento, as verbas de direitos de mercê e de contribuição de registo por titulo gratuito, a que a fazenda tenha adquirido direito e cuja liquidação, na data da publicação d'esta lei se ache pendente nas estacões competentes.

Approvado sem discussão.

Leu-se o § 5.°

É o seguinte:

§ 3.° Os emolumentos das alfandegas não são contados sobre o addicional de que trata esta lei.

Approvado sem discussão.

Leu-se o artigo 2.°

É o seguinte:

Artigo 2.° É abolido o imposto de rendimento, creado pela carta de lei de 18 de junho de 1880, na parte cuja cobrança ficou suspensa em virtude do decreto de 21 de abril de 1881.

Approvado sem discussão.

Leu-se o artigo 5.°

É o seguinte:

Artigo o.° Fica revogada a legislação em contrario.

Approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do parecer n° 29.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa o

PARECER N.º 29

Senhores. - As commissões de guerra e de fazenda examinaram o projecto de lei n.° 18, procedente da camara dos senhores deputados, tendo por fim conceder á camara municipal do concelho de Abrantes um terreno d'aquella villa, em que se acham os antigos fornos denominados do Assento, para ahi se construir um edificio destinado ás escolas do ensino primario.

As commissões vendo quanto util é destinar á construcção de uma escola o edificio actualmente em minas, e a opinião da engenheria militar ácerca da concessão de que se trata, segundo se lê na informação do coronel inspector, e que se acha junta ao projecto: são de voto que este merece ser approvado e submettido á sancção real.

Sala das commissões, 11 de abril de 1882 . = Fortunato José Barreiros = José Antonio Gomes Lages = Antonio Rodrigues Sampaio = Barros e Sá D. Luiz da Camara Leme, = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio Florencio de Sousa Pinto = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Visconde de S. Januario = Visconde de Bivar = Telles de Vasconcellos = Francisco Joaquim da Costa e Silva.

Projecto de lei n.° 18

Artigo 1.° É concedido á camara municipal do concelho de Abrantes um terreno situado na rua do Gabo d'aquella villa, em que se acham os antigos fornos denominados do Assento, com duas casas annexas, que serviam, de padaria militar, tudo em minas, para n'elle se construir um edificio nas condições precisas para a accommodação das escolas destinadas ao ensino primario dos sexos masculino e feminino.

Art. 2.° O referido terreno e edificios em ruinas reverterão á posse da fazenda nacional, quando no praso de tres annos não estejam começadas as obras destinadas a aproprial-os ao fim designado no artigo 1.°

Art. 3.° A referida camara municipal construirá um muro de supporte de terras para evitar o entulhamento do fosso.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das cortes, em 28 de março de 1882. - Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

Approvado sem discussão na sua generalidade e especialidade.

O sr. Presidente: - A proxima sessão será na sexta feira 28 do corrente, e a ordem do dia na primeira parte a eleição da commissão especial que ha de dar parecer sobre o projecto do bill de indemnidade, e na segunda parte a continuação da que estava dada para hoje e os pareceres n.ºs 33 e 34.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 26 de abril de 1882

Exmos. srs.: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquez, de Ficalho; Condes, do Bomfim, de Cabral, de Ficalho, de Fonte Nova, da Louzã, de Porto Covo, de Rio Maior; Viscondes, de Almeidinha, da Arriaga, da Azarujinha, de Bivar, de Chancelleiros, de S. Januario, de Seisal, de Sieuve de Menezes, de Soares Franco, de Villa Maior, Barão de Santos; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Bazilio Cabral, Bernardo de Serpa, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Mendonça Cortez, Gusmão, Cromes Lages, Costa Cardoso, Mexia Salema, Bocage, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Franzini, Placido de Abreu.

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