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SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Conde Fonte Nova
Jayme Larcher

Ás duas horas da tarde achando-se presentes 20 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte,

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, satisfazendo ao requerimento do digno par, Jayme Larcher, remettendo copia do officio-circular do governo civil de Lisboa, de 10 de maio do anno corrente, e bem assim copia das portarias expedidas, por este ministerio, ao governo civil de Lisboa em 21 e 31 do referido mez.

Um officio do ministerio do reino participando, para os effeitos devidos, que foi remettido ao ministerio da guerra, por versar sobre assumpto da competencia do mesmo ministerio, o requerimento (sobre o n.° 33) apresentado em sessão de 30 de julho ultimo pelo digno par marquez de Vallada.

Teve o competente destino.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre serem alteradas algumas disposições do codigo civil, na parte respectiva ao registo predial.

Á commissão de legislação.

Outro officio da presidencia da mesma camara, remettendo a proposição sobre a fixação do contingente de recrutas para o exercito no anno de 1869.

Á commissão de guerra.

(Entrou o sr. ministro do reino.)

O sr. Presidente: - Como nenhum digno par pede a palavra, vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 26, sobre o projecto de lei n.° 36, que são do teor seguinte:

Parecer n.° 26

Senhores. - Á commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 36, vindo da camara dos senhores deputados, auctorisando o governo a conceder passagem ao guarda marinha Luiz Carlos Mardel Ferreira para a arma de cavallaria no posto de alferes, obrigando-se este official a concluir o curso especial d'esta arma, e devendo contar-se-lhe a antiguidade para os effeitos da promoção desde o dia em que elle concluir o curso e tiver satisfeito a todas as prescripções expressas no decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863.

A vossa commissão, considerando que o indicado guarda marinha tem oito annos de serviço na armada, sem nota, sendo um n'este posto, é de parecer, de accordo com o governo, que o mesmo projecto deve ser approvado por esta camara.

Sala da commissão, em 4 de agosto de 1869. = José Maria Baldy = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha. Tem voto do digno par = Visconde de Ovar.

Projecto de lei n.° 36

Artigo 1.° E o governo auctorisado a conceder passagem ao guarda marinha Luiz Carlos Mardel Ferreira para a arma de cavallaria no posto de alferes, obrigando-se este official a concluir o curso especial d'esta arma, e devendo contar-se-lhe a antiguidade para os effeitos da promoção desde o dia em que elle concluir o curso e tiver satisfeito a todas as prescripções expressas no decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 3 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Ferrer: - Não entro na questão de justiça ou injustiça em que se funda este projecto, mas parece-me que elle attaca os principios e regras constitucionaes, segundo as quaes ao parlamento pertence fazer leis e n'ellas estabelecer regras geraes. Este projecto equivale a um despacho, e ao poder legislativo não compete fazer despachos; no entanto, temos até hoje vivido nesta pratica errada. Se na legislação militar falta alguma regra geral para que os officiaes possam passar de uma arma para outra, proponha o governo essa lei, mas não estejamos aqui todos os dias a approvar projectos para que se possa contar a antiguidade de um official que serviu n'uma e passa agora para outra arma. Isto não póde nem deve continuar, pois é improprio de um parlamento. Acabe-se de uma vez com similhante pratica, contra a qual sempre me tenho pronunciado e hei de pronunciar quando se apresentarem projectos d'esta ordem, por isso que alteram as attribuições do poder executivo.

(Entrou o sr. ministro da justiça.)

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, o digno par, o sr. Ferrer, preveniu-me em parte. Eu não posso approvar um projecto de lei que é a concessão de um favor e de um privilegio. Nós não podemos estar todos os annos a votar projectos d'esta ordem. Alem de que, este projecto apparece aqui sem que se dê uma unica rasão, nem por parte do governo nem por parte da illustre commissão, que mostre o fundamento d'elle, nem os motivos que ha para o approvar.

Sr. presidente, eu digo o mesmo que disse o digno par, o sr. Ferrer: "Se convem que os guarda-marinhas, dadas certas e determinadas circumstancias, possam passar da armada para o exercito de terra, faça-se para isso uma lei, que comprehenda todos aquelles que se acharem nas mesmas circumstancias." Isto assim entendo eu; de outro modo porém não comprehendo que para casos especiaes se esteja a fazer leis tambem especiaes, leis de favor e de privilegio.

Por este modo, sr. presidente, não só se desauctorisa a camara, como se desacredita o systema representativo.

Quando ha questões tão graves e tão serias de que devemos occupar-nos, não devemos perder tempo com negocios particulares e de insignificante importancia^. E até ridiculo que o parlamento se entretenha com projectos de similhante natureza. Portanto, sr. presidente, sem adiantar mais as minhas considerações, declaro que voto contra o projecto.

O sr. Presidente: - Vae votar-se sobre o projecto.

Foi approvado.

O sr. Conde de Samodães (sobre a ordem): - Sr. presidente, usando da minha iniciativa como par do reino, vou ler e mandar para a mesa um projecto de lei; v. exa. porém dirá se eu agora o posso fazer, porque no caso negativo apresentarei o projecto em outra occasião ou na sessão immediata.

O sr. Presidente: - N'este momento não me parece que fosse a melhor occasião para v. exa. apresentar o seu pro-

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jecto de lei, no entanto creio que a camara não terá duvida em que v. exa. agora mesmo o apresente.

O sr. Conde de Samodães:- Sr. presidente, ha tempo que eu via a necessidade de se fazer uma lei para a reorganisação d'esta camara, lei que a opinião publica tem constantemente reclamado, entendi portanto que a iniciativa desta lei devia partir da propria camara dos pares, e assim confeccionei este projecto regulamentar dos artigos da carta constitucional com respeito á organisação e posição que esta camara deve ter.

Usando pois d'esta iniciativa, tenho a honra de apresentar o projecta que enviarei para a mesa, a fim de ser examinado pela respectiva commissão e seguir os demais tramites.

Abstenho me de fazer a leitura do relatorio, para não cansar a camara, limitando-me a ler os artigos do projecto (leu).

O sr. Presidente: - Não sei se o digno par quer que o seu projecto vá a uma commissão especial, ou que vá á commissão de legislação?

Foi á commissão de legislação.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a v. exa. como é que a mesa considerou a votação do projecto que esteve em discussão, pois desejava saber o sentido em que essa votação tinha sido tomada.

O sr. Presidente: - Consultei os srs. secretarios, como faço sempre, sobre o resultado das votações, mesmo por que a minha vista já me não permitte o poder fazer eu mesmo a contagem; e ambos foram unanimes em declarar que o projecto estava approvado.

O sr. Ferrer: - Fiz esta pergunta, sr. presidente, porque parecendo me apenas ter visto quatro ou cinco dignos pares levantados, julguei que o projecto tinha sido rejeitado pela camara.

O sr. Presidente: - Se o digno par tinha essa apprehensão, parece me que a deveria ter manifestado immediatamente á votação do projecto.

O sr. Conde de Samodães: - Sr. presidente, tendo-me v. exa. perguntado se eu desejava que o projecto, que tive a honra de mandar para a mesa, fosse remettido a uma commissão especial, devo declarar que não propuz nem proponho similhàiiite cousa, porque sendo a commissão de legislação, como é, composta de cavalheiros tão respeitaveis, e de jurisconsultos tão abalisados, entendo que ella é a mais competente para examinar um projecto, como aquelle que tive a honra de apresentar, e não julgo necessario que para esse fim se nomeie uma commissão especial; portanto peço a v. exa., que o meu projecto seja remettido á commissao de legislação.

O sr. Presidente: - A observação apresentada pelo sr. Ferrer sobre a votação do projecto, que ha pouco se discutiu, é de tão grande importancia, que julgo do meu dever propor á camara que se renove a votação.

O sr. Secretario(Jayme Larcher): - Sobre este incidente devo declarar, que quando se fez a contagem estavam levantados quatorze dignos pares, sem contar com aquelles que fazem parte da mesa. Ora tendo se aberto a sessão coro vinte, e estando em pé quatorze, parece me que se podia considerar o projecto approvado; entretanto, se v. exa. o julgar conveniente, poderá mandar renovar a votação.

O sr. Rebello da Silva (sobre a ordem): - Uma vez que v. exa. mostra escrupulos sobre a votação, parece-me que o mais conveniente seria, em vez de repetir a votação, consultar a camara sobre se essa votação deve, ou não, ser renovada.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.

Consultada a camara sobre se devia renovar a votação, resolveu negativamente, por ter sido approvado o projecto na primeira votação.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na segunda parte da ordem do dia, que são as explicações que alguns dignos pares querem pedir aos srs. ministros.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Expoz as circumstancias em que o paiz se tem encontrado, receiando pelo seu futuro se ellas continuarem. Declarou concordar com as opiniões do digno par, o sr. Rebello da Silva, no que respeitava ao exposto por s. exa. em relação á carta do eminente orador, o sr. Emilio Castellar, publicada n'um jornal d'esta capital; e discursando sobre o systema economico e financeiro, concluiu dizendo que aguardava as explicações dos srs. ministros, especialmente do cavalheiro ora encarregado da pasta da fazenda, para conhecer como se acudirá ás circumstancias não lisongeiras do thesouro publico.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando devolvidas as notas tachygraphicas.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu pedi a palavra, porque não tendo visto nem ouvido o sr. presidente do conselho apresentar os seus collegas, e o seu novo systema governativo, como é uso e costume; não tendo pois s. exa. procedido por essa fórma, segundo a praxe geralmente seguida, vejo me na necessidade de fazer algumas perguntas ao governo, para descobrir e fazer conhecer á camara o plano politico e financeiro do actual gabinete; espero pois que o governo responderá precisa, cathegorica e explicitamente, como é do seu dever, e a camara tem direito de exigir: sobre as explicações e respostas a essas perguntas e que hão de versar as considerações que tenho a fazer, e provavelmente será o thema politico de discussão para esta e mais sessões, porque nós aqui discutimos placida e desafogadamente.

Sr. presidente, a camara por certo estará lembrada que n'uma das passadas sessões o sr. ministro do reino, bispo de Vizeu, declarou categoricamente que não havia crise; isto em resposta a uma pergunta que lhe dirigi, porque geralmente corria no publico que desde certo tempo e espaço bastante prelongado existia crise ministerial, tendo o governo recebido da maioria um praso de dez dias para poder reconstruir se.

Vencendo assim algumas dificuldades, e grandes attritos que existiam entre o governo e a sua maioria, porque aquelle tinha se declarado solidario, emquanto esta mostrava-se desconfianda do systema fazendario do sr. conde de Samodães, e mostrava, todas as vezes que podia, o seu descontentamento, descontentamento cujos symptomas se devisavam já n'algumas votações, mas que a imprensa de todas as cores politicas manifestava todos os dias ao publico.

Apesar de todas estas circumstancias, de todos estes rumores que corriam, de todos estes acontecimentos que se viam e palpavam, note v. exa., note a cauiara, veiu o sr. bispo de Vizeu declarar n'este recinto que não havia crise! N'esse dia, ou no outro immediato, o resultado d'ella tornava-se visivel, patente, claro, sem a mais leve contestação, e os srs. conde de Samodães e Pequito foram alijados, foram despedidos do gabinete; de maneira que passados dois dias sobre as ultimas negativas, já dois da ministros se tinham retirado dos conselhos da corôa. Pergunto eu pois ao governo, e com especialidade ao sr. ministro do reino, como explica e harmonisa este facto com a solidariedade ministerial, tão apregoada por s. exa., o que lhe tinha feito declarar constantemente que os ministros eram todos responsaveis pelos actos do governo mutuamente, que todos estavam n'esse accordo e sustentavam essa theoria, e que existia a maior harmonia no gabinete, e designadamente para cota o ministro da fazenda, o sr. conde de Samodães, a respeito do qual especialmente se faziam perguntas sobre a divergencia conhecida, comquanto sempre negada! Como hei de eu pois deixar de estranhar que saissem os srs. conde de Samodães e Pequito de Seixas! Se não havia desaccordo, nem houve caso accidental que explique o facto evidentemente, porque não se ha de dizer o que houve a similhante respeito, quando o governo representativo recommenda a publicidade, principalmente dando se factos politicos d'esta ordem e de tal gravidade que contradi-

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zem os principios e as declarações dos ministros (apoiados).

De mais, é voz publica, todos o sabiam, muitas e repetidas vezes se disse na camara electiva, sem que o governo o contestasse, que entre o sr. conde de Samodães e a commissão de fazenda havia divergencias em pontos importantes, e com effeito de tal ordem eram ellas que deram occasião a essa guerra surda, tambem tão fallada, e por isso já de todos conhecida; tão conhecida, sr. presidente, que, não digo bem chamando-lhe guerra surda, pois que já era clara e visivel, comtudo podia dizer se surda talvez, porque nem todos os membros do gabinete, assim como nem todos os membros da commissão, estavam combinados nesse proceder e n'esse ataque ao ministro da fazenda; o caso porém deu-se, as cousas passaram se da maneira que todos sabem, que todos vêem e que todos admiram, pelas continuadas contradicções entre o que se declarava e o modo como se procedia.

Ainda mais, sr. presidente, é voz publica que ultimamente em conselho de ministros tinha sido tomado um accordo, como firme resolução, que demittindo-se algum dos membros do gabinete, se demittiriam todos. Resolveu-se, nada mais nada menos em conselho de ministros, que o ministerio se demittisse collectivamente, porque elle era solidario.

É pois necessario, sr. presidente, que o governo explique clara, categorica e precisamente estes phenomenos, as circumstancias que acompanharam esta recomposição ministerial, e como os homens que faziam guerra a mais tenaz ao governo, que diversificavam com elle em pontos de administração, como mostravam na commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, foram, elles mesmos, chamados para occupar os logares que vagavam n'aquellas cadeiras.

Comprehendo que houvesse uma recomposição ministerial, comprehendo mesmo que s. exas. tivessem, em boa harmonia, combinado em saír um ou outro ministro, pela conveniencia de reforçar por alguma fórma o ministerio com gente da maioria; mas o que não posso comprehender é que homens que tivessem apoiado este governo, ultimamente lhe fizessem uma guerra atrocissima, e com especialidade ao sr. ministro da fazenda, procurando lhe por todos os modos difficuldades, não lhe relatando projectos, modificando lhe outros, não lhe dando parecer sobre o orçamento; guerra esta que affectava todo o governo que tinha aceitado o programma e systema do sr. conde de Samodães. Não comprehendo, com sentimento o digo, como seja possivel, com dignidade, occupar conjunctamente aquellas cadeiras o sr. bispo de Vizeu com os novos ministros! Esta surpreza é tanto maior, esta admiração é tanto mais elevada, quanto eu me persuado que um prelado, despido das vaidades humanas, deve sempre marchar com os olhos fitos no dever e a consciencia tranquilla e pura.

Eu entendo que não havia nada que podesse atacar e offender a solidariedade ministerial, desde o momento em que houvesse uma combinação entre os ministros que saíam e aquelles que ficavam. Mas, desde que as cousas se passaram de um modo inteiramante irregular, não o comprehendo, porque o veda a moralidade, porque o vedam os principios (apoiados).

Desejo saber como explica o sr. ministro do reino a solidariedade ministerial com a entrada dos srs. Saraiva e Cortez. Desejo saber quaes os motivos que originaram a demissão do sr. conde de Samodães, e quaes os pontos governativos em que houve desaccordo. Desejo ainda saber qual o systema do gabinete reconstruido.

Estas perguntas que acabo de fazer ao governo são perguntas a que exijo se me responda bem explicitamente, sobretudo o sr. ministro do reino, porque s. exa., permitta-se me a expressão, illudiu completamente a camara, e eu não creio que um prelado, um bispo, na elevada posição que occupa, viesse aqui dizer uma cousa que não fosse seria, porque um prelado não póde nem deve fallar senão a verdade. S. exa. deve explicar esses factos por honra sua; tem obrigação de o fazer, assim o ordena a sua missão, bem como o decoro e a dignidade do logar que occupa. Julgo por conseguinte que, compenetrado de tão justas considerações, s. exa. ha de dar uma explicação rasoavel.

Ha, sr. presidente, um ponto grave, sobre o qual chamo especialmente a attençao da camara, e sobre o qual preciso uma resposta formal do governo; este ponto, pela sua elevada importancia, não é de politica pequena que fazemos aqui; digo pequena, porque é uma politica que se póde chamar de familia caseira, ou como muito bem quizerem, e que na verdade é pequena em relação a uma outra politica, muito maior, grande se póde dizer, pelo muito que nos interessa, politica que prende com a nossa autonomia, independencia e liberdade; esse ponto é o que se refere á união iberica.

Sr. presidente, hoje que estou convencido de que o sr. marquez de Sá anda illudido, e não sabe as cousas como ellas se passam, os manejos que se urdem, os planos que se traçam, tenho graves, gravissimas apprehensões ácerca do governo. Depois de ouvir as revelações feitas pelo sr. marquez de Sabugosa numa das passadas sessões, o governo tem por obrigação expressa fazer declarações sobre este ponto, porque é um dos negocios serios e melindrosos, que dizem respeito á independencia de Portugal e á dignidade nacional.

Sr. presidente, eu, como fazia tenção de trazer esta questão ao parlamento, tinha prevenido o sr. ministro da marinha, que é aquelle sobre que recaem as suspeitas do digno par a que me referi; suspeitas estas que influenciam tanto mais o meu espirito, quanto mais considero a lealdade e o apoio que tem dado ao governo este brioso cavalheiro, e em cujas veias corre o sangue de verdadeiro portuguez. (O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a palavra.)

Não sei se repetirei bem as expressões do digno par, mas s. exa. as rectificará. Quando se notava que o governo não tinha um jornal unico ao qual pagasse, disse aqui s. exa. que = se o governo não tinha realmente jornal subsidiado, no que fazia muito bem, comtudo se não lhe pagava cem dinheiro, pagava lhe muito mais caro, parecia dar lhe o maior de todos os subsidios, pelo facto da adherencia, pelo menos de um dos ministros, ás idéas ibericas de um jornal de que n'outro tempo tinha sido collaborador, e hoje representa no gabinete =. S. exa. n'esta parte accusava, já se vê, o sr. ministro da marinha.

O sr. Marguez de Sabugosa: - Eu não accusei.

O Orador: - As palavras de que s. exa. se serviu, s. exa. as póde rectificar, mas a idéa parece-me que foi esta (apoiados).

Sr. presidente, estas apprehensões, estas suspeitas, são tanto mais serias e graves quanto mais elevada está a pessoa pela posição que occupa; dirigem se a um ministro da corôa, ministro esse que tinha as suas idéas bem conhecidas, bem claras e bem patentes, nos escriptos de outras eras; portanto se ainda hoje s. exa. não renega os seus escriptos, e sustentando as suas opiniões deseja essa união, contra a qual todo aquelle, que tem um coração verdadeiramente portuguez, protesta energicamente, é réu convicto de alta traição e o governo a que pertence.

Sr. presidente, eu digo, e repito, que tenho tristes apprehensões, porque entre os corretores, entre os homens que se encarregaram de arranjar ministros para se sentarem n'aquellas cadeiras, entre esses corretores contava-se um cavalheiro que tinha relações directas com a imprensa que se corresponde com os inimigos da nossa independencia, e é proprietario e collaborador de um d'esses jornaes.

Bem sei, sr. presidente, que a imprensa póde sustentar quaesquer idéas, theorias ou doutrinas, porque a manifestação do pensamento é livre, mas um ministro da corôa é que não póde consentir que a imprensa que o apoia e com que está ligado propague e publique escriptos dos sectarios

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da união iberica, dos nossos vizinhos d'alem do Guadiana, escriptos e idéas contrarios á monarchia e ao decoro nacional.

Sr. presidente, depois das guerras intestinas que nós tivemos em tempos mais calamitosos, deu-se um facto que faz honra ao illustre cavalheiro a quem me vou referir: acabadas as guerras civis que affligiram o paiz por largos annos, foi o sr. duque de Loulé, escolhido pelo seu partido e apontado por uma parte da imprensa periodica, para formar parte do ministerio do sr. duque de Saldanha. E sabe v. exa. o que disse o s. duque de Loulé ao seu partido e aos cavalheiros seus amigos que escreviam na imprensa? "Aceito; mas desde o momento em que na imprensa que apoia a situação e com quem estou ligado se escreva cousa contraria ou em desacato ás prerogativas da corôa saírei immediatamente do gabinete para mostrar que protesto contra similhante acto, e que não sou complice nem connivente com os auctores d'aquellas doutrinas". Eis-aqui como pensava e praticava o sr. duque de Loulé. Mas nós não vemos fazer isto agora: vemos antes que um ministro que se senta n'aquellas cadeiras, e que é convidado a vir dar explicações pelo seu procedimento inteiramente contrario ao que acabei de relatar, não apparece aqui, tendo eu prevenido que apresentava esta questão na camara! Provavelmente mandou participar que se achava doente!!!

Ora, sr. presidente, de que servem os ministros, quando elles não dão sobre cousas tão serias as explicações mais categoricas e as não justificam com os seus actos?!

Perdoe-me a camara o calor com que fallo, mas elle é justificavel, quando se trata da autonomia, da independencia de um paiz, cujas tradicções gloriosas ainda repetem os echos longinquos, cujos padrões de gloria existem ainda em regiões extensissimas da Africa e da Asia, cujos feitos de armas assombraram os habitantes de um mundo até ali desconhecido, e fizeram-nos respeitados e temidos dentro e fóra da Europa, emfim de um paiz que levou a fé e o imperio ás terras viciosas da Africa e Asia, como diz o nosso insigne poeta. Portanto, sr. presidente, eu não posso deixar de instar vigorosamente com o governo para que se explique e convença a camara da pouca rasão com que são levantadas aquellas suspeitas, e socegue o espirito publico convencendo-o que um portuguez, que se preza, não póde jamais ser traidor á sua patria. Estas explicações da parte do governo devem ser categoricas, e tanto mais categoricas quanto é sabido de toda a gente, e a imprensa fez publico que ainda ha pouco os republicanos de Hespanha mandaram um telegramma a certo jornal d'esta capital felicitando os seus correligionarios politicos de Portugal. Sem duvida, com bem magua o digo, provavelmente no numero d'estes entrava o sr. Latino Coelho, não porque o seu nome se declarasse expressamente n'aquella felicitação, mas pelo que s. exa. tem escripto e que é conhecido lá fóra, e que faz acreditar que s. exa. partilha ainda as mesmas idéas. Diz-se até que o sr. Latino Coelho está em harmonia com o que tem publicado aquelle jornal, pois é o orgão de s. exa. Não sei se isto é assim; mas a verdade é que se diz, sr. presidente, que as apprehensões que havia no publico, originadas pelos factos que tenho apontado, augmentaram com as declarações do novo ministro da fazenda na outra casa do parlamento, das quaes se deprehende que s. exa. sympathisa tanto com as cousas de Hespanha que até pretende reformar as pautas das nossas alfandegas, em harmonia e segundo a forma e methodo seguidos no reino vizinho para a reforma aduaneira. Pois nós temos alguma cousa com o systema, methodo e fórma seguidos em Hespanha para tal reforma? Nada temos com isso. Que o sr. ministro quizesse reformar as nossas pautas segundo os principios economicos, attendendo ás doutrinas da sciencia que mais se coadunam com o nosso systema, com as nossas circumstancias e com os nossos interesses, comprehendia-se; mas querer imitar o que se faz no reino vizinho, só pela rasão de que devemos marchar de accordo e harmonia, dá a entender que s. exa. tem certas idéas favoraveis ás antigas do seu collega da marinha, que eu estimaria muito que o sr. ministro declarasse que não tem.

Tudo isto é motivo para ter serias apprehensões, e tanto mais serias quanto esta questão foi aqui levantada por um membro da maioria, cuja dignidade, rigidez e brio são conhecidas por todos, assim como são o seu amor pela patria e dedicação pelos interesses do paiz (apoiados); cavalheiro que foi auctoridade de confiança d'este governo, que o tem apoiado constantemente, que tem vivido em intimidade com os srs. ministros, que sabe melhor o que se tem passado, e melhor sabe avaliar a sua politica e as suas intenções; e por tudo isto não podia o publico deixar de impressionar-se profundamente com o passo dado pelo referido cavalheiro numa das ultimas sessões d'esta camara.

Por consequencia, sr. presidente, são estas apenas as simples perguntas pura e exclusivamente politicas que tenho a honra de dirigir ao governo, assim como tenho de perguntar aos novos ministros quaes as reformas economicas e as medidas que s. exas. têem para apresentar ao parlamento a fim de resolver a difficilima crise em que nos achâmos, porquanto não é crivei que os homens que aceitam nesta occasião e circumstancias o encargo pesadissimo, a missão difficultosissima de resolver esta crise, não tenham o seu programma feito e o seu systema preparado; porquanto não póde haver mais delongas, sem grave risco para o paiz, na solução de um problema que a todos preoccupa instantemente, como é a questão de fazenda. Não é de crer pois que os novos ministros aceitassem as pastas sem terem idéas determinadas sobre os meios de saírmos das difficeis circumstancias em que nos achamos. S. exas. hão de ter elaborado projectos importantes, hão de ter medidas bem trabalhadas e muito circumspectas, que devem ter sido examinadas por pessoas suas intimas e entendidas na administração dos negocios publicos, e que devem ser promptamente apresentadas ao parlamento para que não haja demora na resolução da questão fazendaria. Sobre este ponto chamo a attenção dos novos ministros, e espero que compenetrem a camara do que valem e do que podem.

Alem das perguntas que são pura e exclusivamente politicas tenho a fazer outras que são pura e exclusivamente sobre negocios de administração e fazenda, mas sobre pontos certos e determinados. Mas para não complicar o debate não as faço agora. Hei de faze-las em outra occasião para não prejudicar a questão politica.

As perguntas pura e exclusivamente politicas que fiz são tão importantes e indispensaveis que o governo não se póde eximir a responder promptamente a ellas, e muito principalmente para demonstrar que o ministerio é formado de elementos homogeneos. Eu creio pelo contrario que está composto de elementos heterogeneos, e se assim não fosse, nemo sr. conde de Samodães estava ali sentado hoje na sua cadeira de par, nem estavam ali sentados nas cadeiras de ministros os inimigos politicos mais pertinazes que s. exa. teve; ora, se o sr. conde de Samodães está assentado na sua cadeira, e nos bancos dos ministros os seus inimigos politicos, é claro que o ministerio hoje significa outra cousa, que o seu systema é outro, que são outras as suas idéas, e que é outro o seu programma; portanto o sr. presidente do conselho não deve estranhar nem admirar-se que lhe perguntemos hoje qual é esse novo systema, quaes são essas novas idéas, e qual é esse novo programma; e não se diga que isto são perguntas velhas, e que velhos são os programmas, e que isto corresponde a interrogar o governo, perguntando-lhe de onde veio, e para onde vae. Estas perguntas são necessarias e indispensaveis, assim como é necessario e indispensavel que o governo apresente o seu plano, systema e programma, porque o estado em que nos achâmos é critico e difficil, e a questão de fazenda palpitante assoberba-nos. É pois sobre estes pontos que se deve interrogar o governo, para conhecer a sua politica; é sobre estes pontos que eu desejo ouvir os srs. ministros, e é sobre elles que desejo que

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me respondam, reservando-me eu para para depois d'essa resposta fazer as considerações que se meofferecerem sobre o assumpto.

Concluirei, resumindo as minhas perguntas sobre o assumpto politico, porquanto as que dizem respeito sobre o administrativo e financeiro reservo para outra occasião, para não complicar agora o debate.

Desejo pois saber como explica os srs. presidente de ministros e ministro do reino a solidariedade ministerial, tendo saído o sr. conde de Samodães do gabinete? Desejo saber qual a divergencia do governo com o sr. conde de Samodães para o expulsarem do gabinete; se esse desaccordo foi proveniente do systema financeiro de s. exa.? Desejo tambem saber se o governo adoptou as idéas dos novos ministros em contraposição ás do sr. conde de Samodães? Pretendo tambem conhecer qual a politica do gabinete reconstruido em relação ás idéas ibericas do seu collega da marinha. Pergunto ainda qual o systema, plano e programma do novo governo emquanto á questão de fazenda, e quaes as reformas e economias que os novos ministros apresentam de momento?

O sr. Presidente: - Acham-se inscriptos os srs. ministros da justiça e do reino; e como não sei qual desejará usar da palavra, poderão s. exas. entre si decidir qual quererá fallar primeiro.

O sr. Ministro da Justiça: - Cedo da palavra ao meu collega do reino, pedindo comtudo a v. exa. que m'a reserve para Depois.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Sr. presidente, aceito a cedencia que acaba de fazer-me o meu college da justiça, porque desejo responder ao digno par o sr. Vaz Preto, que directamente se me dirigiu, chamando a minha attenção para as palavras que pronunciei em uma das ultimas sessões. N'este intuito seguirei pelos meus apontamentos a mesma ordem de idéas do digno par.

S. exa. chamou a minha attenção para uma contradicção que diz existir entre os factos que se deram, e a declaração que fiz em uma das ultimas sessões, manifestando que não havia crise.

O digno par perguntou-me se havia crise, respondi-lhe que não; e s. exa. aceitou esta minha resposta como verdadeira, e effectivamente assim era. Disse que não havia crise porque de facto a não havia n'essa occasião, e se o digno par me provar que ella existia, é então que poderá taxar de contradicção as minhas palavras. Depois de eu ter asseverado á camara que não havia crise, foi que teve logar a saída do sr. conde de Samodães e do sr. ministro da justiça.

O sr. Vaz Preto: - Se s. exa. nos podesse explicar o que entende por crise, talvez podessemos entender-nos.

O Orador: - Crise é a alteração no pessoal de um gabinete, isto é, saírem uns ministros e entrarem outros; ora o digno par perguntou-me se havia alteração no pessoal do gabinete, isto é, se havia crise; respondi que não. N'esta parte nada mais tenho a dizer.

Emquanto á solidariedade ministerial, disse s. exa. que n'ella eu me compromettera solemnemente, e que o sr. presidente do conselho da mesma fórma asseverara, que as medidas do governo eram solidarias, e portanto todos os ministros responsaveis por essas medidas, e quando saísse algum membro do gabinete com elle sairiam todos. Apesar porém d'estas declarações, disse s. exa., haviam saído do gabinete dois ministros, e tinham ficado os outros.

Ora, sr. presidente, a proposição é menos exacta na fórma por que a apresentou o digno par, o sr. Vaz Preto, porquanto a minha resposta foi que no casa das camaras votarem contra qualquer medida apresentada pelo governo saíriam todos os ministros. Perguntarei pois qual foi a medida apresentada pelo governo ás camaras, e que não teve maioria? Nenhuma; nem eu nem os meus collegas que Acaram no ministerio faltaram ao que prometteram, porque os dois ministros que saíram fizeram-o impellidos por motivos que variam muito dos que se podem chamar motivos de solidariedade, porquanto a sua saída não foi causada por votação alguma de qualquer das duas camaras.

Não tenho outra resposta a dar, nem posso ser mais explicito.

O sr. Vaz Preto: - O sr. conde de Samodães, que lhe agradeça.

O Orador: - Não sei como e por que o sr. conde de Samodães me ha de agradecer.

O sr. Presidente: - Previno os dignos pares de que é contra o regimento interromperem os oradores.

O Orador: - As rasões que tiveram os srs. Pequito e conde de Samodães para pedirem a sua demissão não as posso dizer, e não são nem podem ser do dominio parlamentar.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: - V. exa. já está inscripto.

O Orador: - E já n'este gabinete se deu outro facto analogo a este de que se trata. Foi a saída do sr. Carlos Bento da Silva, que deixou de fazer parte da administração publica por ter pedido a sua demissão. Tambem o facto não era novo. Já se tinha dado em outros ministerios.

Ora, se tivesse havido portanto uma votação de qualquer das camaras contra alguma medida do governo, então estava o digno par no direito de chamar em seu apoio a solidariedade que o governo havia tomado. Como se não deu esse caso, e não sei os motivos por que os alludidos cavalheiros pediram a El-Rei a sua demissão, motivos que aliás podem ser muito variados, não posso eu responder por esse acto...

O sr. Vaz Preto: - O que eu pergunto é se houve desaccordo entre o sr. conde de Samodães e os outros ministros emquanto ao modo de governo, de administração, ou emquanto a algumas propostas? E isto é costume dizer-se. O sr. Carlos Bento saíu porque houve desaccordo com respeito á questão, do emprestimo. Com relação ao sr. conde de Samodães é que eu desejo saber se houve tambem desaccordo entre s. exa. e os seus collegas do ministerio.

O sr. Presidente: - O regimento não permitte que se interrompam os oradores, e por isso declaro que hei de sustentar o direito de v. exa. quando estiver fallando, assim como hei de sustentar agora o direito do sr. ministro do reino, não consentindo que interrompam a s. exa.

O Orador: - Agradeço a v. exa. ter mantido o direito dos oradores; mas estas interrupções são permittidas nos parlamentos, e o digno par teve a bondade de me pedir licença para me interromper, e quando isto se faz no intuito de esclarecer o debate, não deixa de ter seu interesse para o mesmo debate.

Sr. presidente, o digno par disse que houve desaccordo entre os membros do gabinete; mas se s. exa. se refere a desaccordo que se desse em conselho de ministros, ou em conversações particulares, ninguem tem nada com isso. O desaccordo de que o publico póde tomar conhecimento é o que tem logar nos actos publicos, nos actos parlamentares, e d'essa natureza não houve nenhum, absolutamente nenhum, E o digno par ha de convir que é inconveniente que no parlamento se perguntem cousas, que se passam em conselho ou em conversas particulares dos ministros sobre, os negocios publicos, e sobre isto não posso eu dar explicações.

S. exa. fallou tambem em diversidade de opiniões na commissão de fazenda da outra camara; mas deve saber que com todos os governos se dão estas divergencias de opiniões nas diversas commissões das duas casas do parlamento, quando se trata de negocios publicos. Os governos modificam as suas propostas em virtude da discussão que ellas soffrem nas commissões, e muitas vezes até chegam a retira-las. Isto é commum e ordinario, e nenhum governo se julga offendido por modificar as suas propostas no seio das commissões, ou até no seio do parlamento; porque, não sen-

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do assim, não sei para que servem as discussões nas commissões e no parlamento. Isto tem se visto sempre, e se não acontecesse assim, não sei para que serviriam os parlamentos. Ainda não ha muitos annos que veiu a esta camara um projecto de lei importante para a administração publica, que soffreu aqui monificações profundas, que lhe alteraram quasi inteiramente a essencia, e com todas essas modificações foi para a outra casa do parlamento, que as approvou, e hoje é lei do estado. Ora, nem por isso o ministro que aceitou taes modificações se julgou offendido, nem largou o seu cargo. Isto foi um facto que não se passou ha muitos annos, e que deve estar na memoria de todos.

S. exa. disse tambem que queria fazer uma pergunta que não era relativa á politica pequena de que ora a camara se occupava, mais elevava se a maior politica, pois se referia á união iberica.

(Interrupção do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)

Até notei as palavras do digno par...

O sr. Vaz Preto: - Eu referi-me á politica de casa.

O Orador: - Politica pequena ouvi eu, e tomei nota, e trouxe para aqui o facto, de que aliás muito se admirava, de um nosso collega ter escripto ha dezesete annos o prologo de um livro em que se expunham doutrinas puramente republicanas e ibericas. Ora, toda a gente sabe que actual mente em Coimbra, e em muitas partes do reino, a geração nova professa muito idéas republicanas, idéas que depois pouco a pouco vão desapparecendo com a idade, com os logares publicos que essa mocidade vae occupando, e com o amadurecimento de pensar, e apesar de se verem muitas vezes diffundidas essas idéas por quem não tinha ainda a experiencia das cousas, mas que depois mudou inteiramente de opinião, não me consta que se tenha feito d'isso menor reparo, nem se lhe lance uma nódoa no resto da sua vida por tal contradicção. Não sei onde li que o homem muda de idéas em cada decada da sua vida. Não me parece que deixe de ser assim.

O sr. ministro da marinha escreveu a um dos nossos collegas, dizendo lhe que estava bastante incommodado, e por isso não podia vir á camara, e o digno par, na sua bondade, ha de de certo aceitar esta escusa, por isso que não ha rasao alguma plausivel que leve a acreditar que o nosso collega não quer vir ao parlamento para se esquivar a responder ás perguntas que desejem fazer lhe, e mui especialmente em relação a uma materia sobre a qual todavia já s. exa. deu categoricas explicações.

Tambem o sr. ministro da marinha foi accusado por ter apparecido ha poucos dias em Madrid uma traducção em hespanhol d'esse prólogo que s. exa. escreveu ha dezesete annos.

Creio que todos acreditarão não se poder concluir d'este facto cousa alguma contra s. exa., ainda que essa obra e o respectivo prologo tivessem tres ou quatro edições, assim como nenhuma deducção logica se póde tirar de que, ad vogando um certo jornal d'esta cidade doutrinas republicanas ou democraticas, e havendo em alguma apocha n'elle escripto o sr. Latino Coelho, a responsabilidade do sr. ministro se prenda tambem agora só com essas doutrinas. Então devia proceder-se do mesmo modo para com outros cavalheiros que, collaborando n'aquelle jornal, têem sido ministros n'este paiz, e eu mesmo declaro que na minha humildade já para aquelle jornal dei alguns trabalhos, mas presumo que ninguem dirá que no fim He dez annos, que tanto vae o tempo a que me refiro, deva eu ter hoje tambem responsabilidade das doutrinas que elle actualmente publica.

O meu collega está no caso apontado; já declarou que desde que entrou para o ministerio nunca mais escreveu para jornal nenhum, e não tem responsabilidade no que as folhas periodicas escrevem. Aos jornaes é livre a emissão das suas opiniões, e são responsaveis perante a lei pelo que publicam. Como se pretende, pois, fazer convergir esta responsabilidade para a pessoa do ministro, que nem uma linha ali publica desde que subiu ao poder? Sinto que s. exa. esteja doente, e que não possa vir a esta camara responder, como já respondeu em outra occasião, puis daria de si satisfactoria rasão.

Emquanto á união iberica parecia-me melhor não fallar n'isto. Pois que teme o digno par hoje que seja mais terrivel do que era hontem? Quaes são os factos que o determinam a levantar a voz mais alto hoje do que a podia levantar hontem? Emquanto aos clubs republicanos declaro a s. exa. e á camara que não tenho tempo, nem vagar, nem estou habituado, para os visitar. Tenho eu porventura direito a penetrar no pensamento de alguem, quando cada um póde pensar como quizer, e a liberdade de pensamento tem fóros de liberdade?! Emquanto se não suspenderem as leis que regem, é dever nosso dar segurança ás pessoas, ás idéas, ás opiniões e á propriedade. Assim tem procedido e ha de proceder o governo; e demais para as demasias da imprensa lá estão os executores das leis, aos quaes compete chamar em seu auxilio a acção da justiça. Não pertence aos ministros, nem me compete a mim, accusar os jornaes pelos abusos da liberdade de imprensa.

A manifestação das idéas é liberrima a todos, da mesma fórma que nós aqui expomos tambem as nossas opiniões. Portanto, não se oppondo essa manifestação ao que o codigo assegura protecção, todos podem usar d'ella. Perigos da união iberica!... ha a este respeito trabalhos subversivos para a ordem publica, disse o digno par. Não posso partilhar dos receios do digno par, e presumo que a camara fará justiça ao governo actual e a todos os governos, porque não concebo nem posso conceber que venha homem algum para estas cadeiras, ou aceite este logar, para atraiçoar a monarchia...

(Interrupção do sr. Marguez de Vallada, que não se ouviu.)

O sr. Presidente: - Peço silencio.

O Orador: - O que temos nós com o que aconteceu em Napoles? Todos os partidos devem fazer se mutuamente justiça, e é na divergencia das opiniões que está a harmonia do mundo. Se ha quem divirja das nossas idéas, não devem por isso as suas merecer nos tambem respeito? Teremos de declarar guerra aos que pensam de modo diverso? Isto não póde ser.

A independencia nacional não periga. Para que se está portanto sempre aqui a levantar estes sustos a pretexto de tudo que apparece em discussão? Pois a nossa independencia corre porventura algum risco por se ter publicado um artigo republicano? Fará esse artigo tantos proselytos e tamanha propaganda que a nossa patria corra perigo, que esteja Catilina, portanto, a bates ás portas de Roma? Não, senhores.

O melhor é deixarmos cada um livre a sua opinião (apoiados), porque para a liberdade, para as instituições, para a monarchia e para a nossa independencia, não ha perigo com a livre manifestação do pensamento. (Interrupção que não se ouviu). Não me parece que devam fazer-se responsaveis os ministros por tudo quanto se escreve. Até nos querem fazer responsaveis pelo que se passou em Napoles! Tomaramos nós poder carregar com todo o peso dos negocios publicos e com as faltas que possamos commetter, quanto mais o respondermos tambem pelas faltas alheias.

Pelos apontamentos que tomei, não me resta mais nada a dizer aos dignos pares. Se alguma outra materia nova fixar a minha attenção, pedirei outra vez a palavra.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos na presente sessão.)

O sr. Presidente: - Agora tem a palavra sr. ministro da justiça. Não sei se s. exa. quer fazer uso d'ella n'esta occasião.

O sr. Ministro da Justiça: - Não sendo contra o regimento d'esta casa, desejo que me seja reservada a palavra para depois do sr. Rebello da Silva,

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O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. Marquez de Sabugosa.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, pedi a palavra na occasião em que o sr. Vaz Preto disse que eu tinha accusado o sr. Latino Coelho. Eu não o accusei, pedi explicações ao governo, e especialmente ao sr. Latino Coelho, mas não o accusei. Parece-me porém que o digno par rectificou depois a expressão. Não posso deixar de agradecer ao mesmo digno par, o sr. Vaz Preto, as expressões benevolas que me dirigiu, algumas das quaes são apenas devidas á bondade de s. exa.; mas uma aceito-a como merecida, e vem a ser a que diz respeito ao amor que tenho pela minha patria. Essa aceito-a. (O sr. Vaz Preto: - E todas as outras.)

Estimo ter esta occasião para explicar melhor o que disse em uma das sessões passadas com referencia ao sr. Latino Coelho. Eu não quiz accusar s. exa. Longe de mim tal idéa. Eu só quiz provocar o governo a explicar o que carecia absolutamente de explicação.

Estimo pois que o sr. Vaz Preto me desse occasião a pedir agora a palavra, sobretudo por fallar em seguida ao sr. ministro do reino.

Sr. presidente, a minha intenção, quando vim para aqui, era declarar quando tivesse occasião, no logar modesto que me compete, no fim da discussão, que eu aguardava os actos do governo de novo reconstruido para o poder julgar, porque entendo que as circumstancias graves em que nos achamos obrigam-nos a ser tolerantes e não demasiadamente susceptiveis n'estas questões de solidariedade que se têem levantado.

Eu vinha com toda a tenção de fazer essa declaração, mas assim mesmo não incondicional; quero dizer que essa expectativa, até certo ponto benevola, era comtudo dependente das explicações do governo a respeito da propaganda republicana iberica do jornal que o apoia. Confesso a verdade, sr. presidente, que já não tenho crença nem esperança que o governo possa satisfazer aos deveres que lhe incumbe a sua missão. A successão dos factos não me permitte nutrir hoje taes esperanças; estimaria porém ver que, contra as minhas previsões, as cousas tomassem outro aspecto e que effectivamente se podesse readquirir esperanças de que o mais breve possivel se concluissem os negocios, graves que a todos causam serios cuidados. Assim eu tencionava declarar, como agora declaro, que aguardarei ainda os actos do gabinete reconstruido em attenção á gravidade das circumstancias e ao talento e mais qualidades dos novos ministros, se me satisfizerem as explicações que forem dadas sobre o principal assumpto para mim n'esta occasião; aguardarei, repito, com certa benevolencia, ainda que sem esperança, os actos do governo, se explicita e terminantemente declarar que rejeita as doutrinas e não estima o apoio de um jornal que, defendendo os seus actos, ao mesmo tempo se declara propugnador da idéa de republica federativa!

Sr. presidente, quando eu n'outro dia fallei sobre este assumpto, dirigi-me a todo o governo, e se especialmente me referi ao sr. Latino Coelho foi pelas circumstancias especiaes que se davam em s. exa. em relação ao Jornal do commercio, de que foi redactor ou collaborador.

Perguntei então ao governo na pessoa do sr. presidente do conselho, cuja resposta me não satisfez, naturalmente por eu não me ter explicado de modo que s. exa. me entendesse, e pergunto agora ao sr. ministro do reino e aos novos ministros, o que fez o governo quando um jornal que é seu defensor, e cujos collaboradores, segundo parece, privam com alguns dos srs. ministros, levantou o grito para que se deponha o rei e se proclame a republica iberico-federativa, apoiando assim as idéas do illustre orador e escriptor no paiz visinho o sr. Emilio Castellar, e apoiando-se com a adherencia de algumas pessoas, não direi muitas, como disse ha pouco o sr. ministro do reino, porque eu não creio que, entre nós, sejam muitos os republicanos, mas n'estas circumstancias que fez o governo? Diz o sr. ministro do reino que o melhor é não fallarmos em iberismos, não póde ser, n'esta occasião é necessario fallar-se, é necessario que se dê uma uma satisfação ao paiz, e para fóra do paiz, mostrando que o governo portuguez protesta contra essas doutrinas apresentadas, por um jornal que figura de seu sustentaculo, que parece privar com os ministros, e que entretanto toma a responsabilidade, creio eu, de dizer - que se deponha o rei que depois tudo mais se arranjará! Não têem jornaes subsidiados, dizem os srs. ministros, para fazer essas declarações; viessem faze-las a qualquer das casas do parlamento e ao menos agora aproveitem a occasião que se lhes offerece para protestarem energica e solemnemente. Se isto se não faz, quem póde deixar de ter serias e graves apprehensões (apoiados). Por que rasão, por que motivo, hesita o governo em declarar muito solemnemente perante o parlamento que rejeita tal doutrina e que não lhe serve tal amisade? Que importa que o jornal deixe de o apoiar? (Apoiados repetidos.) O assumpto não póde ser de maior importancia, e exige que o governo se explique muito categoricamente. (Uma voz: - Isso é que é verdade.) Sinto que não esteja presente o sr. ministro da marinha porque certamente era o mais proprio para explicar estas cousas, visto que é o sr. Latino Coelho aquelle que mais intimas relações tem com os redactores do jornal a que tenho alludido, no qual s. exa. ainda escrevia no momento em que foi chamado para os conselhos da corôa (apoiados); mas ou seja o sr. Latino ou outro dos srs. ministros, se a doença do Latino o impede de vir aqui, façam o que não se póde contestar ser uma necessidade imperiosa n'esta occasião.

Sr. presidente, eu venho renovar com toda a energia este pedido de explicações que já outro dia tinha feito, porque acho este negocio muito grave. A federação republicana é o canto da sereia: primeiro convidam-nos á união por meio da annexação, conservando a nossa autonomia, invocando-se as nossas glorias passadas; depois talvez por meio de um parlamento aduaneiro em que nos acostumemos a tratar juntos as questões graves. E depois?... Depois já será tarde para organisar a defeza que o illustre presidente do conselho de ministros, o sr. marquez de Sá, tantas vezes tem querido que se organise no paiz, porque ella já não viria a tempo de servir para nada. Disse-se que um jornal póde ter qualquer opinião. Isso é verdade; eu não peço aqui a perseguição do jornal, e tambem é verdade que elle lá tem a sua responsabilidade perante as leis. Não é preciso repeti-lo, todos o sabem, e não é d'isso que se trata; não se pretende que coarctemos á imprensa o uso do direito que ella tem de emittir as suas opiniões, mas o que é preciso é que o governo declare que discorda completamente de taes opiniões, quando essas opiniões significam uma propaganda contraria ás instituições, e quando são apresentadas pelo jornal que o defende, porque não se deve consentir que essa propaganda se faça á sombra do governo.

Eu concluo, sr. presidente, porque não quero tomar mais tempo á camara, e porque me parece ter dito bastante para manifestar qual o meu pensamento na presente conjunctura. Resumirei portanto o que disse em poucas palavras. Ficarei aguardando benevolamente, ainda que sem crença, os actos do governo reconstruido, se as explicações dadas sobre a propaganda iberica me satisfizerem; se porém essas explicações não forem muito categoricas a este respeito, mas evasivas; se os srs. ministros não tomarem a responsabilidade d'essas explicações por parte do seu collega da marinha, de maneira que fique compromettido a não sustentar de futuro as idéas que já professou, e que agora são defendidas pelo jornal em que. s. exa. collaborou até entrar no ministerio; se essas explicações não forem satisfactorias; ficarei desde logo inimigo declarado do actual gabinete.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Sá da Bandeira):-O digno par já fallou em outra occa-

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sião sobre o ponto que agora se ventila com relação ao meu collega da marinha. Já se disse aqui que o sr. Latino Coelho tinha no parlamento feito a declaração de que, desde que entrara no ministerio, deixara de ter parte na redacção do jornal em que n'outro tempo escreveu e que hoje sustenta idéas republicanas. Eu acrescentarei que, quando um homem de honra se une a uma situação composta de homens dedicados á monarchia, ninguem tem o direito de lhe contestar a lealdade com que elle se uniu a essa situação.

Quando em setembro ultimo teve logar em Hespanha uma grande alteração nas instituições, as instrucções explicitas que foram dadas pelo governo ao seu representante em Madrid foram que = declarasse por todos os modos ao seu alcance que entre Portugal e Hespanha não podia haver união politica, qualquer que fosse a fórma de governo, qualquer que fosse a pessoa que podesse estar á testa do estado, nem com a dynastia de Portugal, nem adoptando-se a fórma republicana, fosse esta unitaria ou fosse federal, de modo algum =. Isto foi comprehendido completamente pelo governo hespanhol.

E tanto está persuadido o governo do paiz vizinho das idéas e opiniões do governo de Portugal, que as instrucções ao seu representante n'este paiz são para que se respeitem todas as susceptibilidades do nosso paiz em quanto têem relação com a sua nacionalidade. É esta a declaração do governo d'aquelle paiz, com o qual, aliás, é do nosso interesse viver na maior harmonia, conservando a por todos os meios possiveis que sejam uteis para os dois paizes.

Agora permitta me o sr. presidente, que eu cite um caso, de que v. exa. mesmo tem conhecimento.

Em setembro de 1836 fez-se em Lisboa uma revolução desnecessaria. E quando esta estava em principio, foram ter commigo varios deputados, e varios officiaes da guarda nacional, para eu me collocar á testa d'essa revolução. Recusei, e aconselhei os a que cessassem aquelle movimento; porque d'elle não podiam derivar senão calamidades para o paiz, não podia trazer senão a guerra civil, pois que teria contra si quasi todos os homens que tinham servido a causa da carta constitucional e da Rainha, e que eu era um dos que tinham servido desde o principio, e não podia por consequencia tomar parte no movimento. Não estiveram pelo meu conselho.

Entretanto a revolução effectuou-se. No dia seguinte de manhã cedo fui chamado ao paço das Necessidades. Ahi, Sua Magestade a Rainha quiz encarregar-me de formar uma administração. Respeitosamente declinei o encargo.

Foi-me determinado que ficasse no paço, onde estavam todo o ministerio e muitas pessoas, e o corpo diplomatico; e passado algum tempo o então principe, o Senhor D. Fernando, mandou me chamar ao seu gabinete, onde estava com os ministros de Inglaterra e da Belgica, e instou para que tomasse conta da administração, como o maior serviço que eu podia então prestar á Rainha. N'essa occasião declinei ainda, e Sua Alteza segurou-me no braço, declarando que não o largava emquanto não aceitasse esta commissão. Não tive pois remedio senão aceitar, mas puz uma condição, e foi esta, que - tendo eu sido contrario áquella revolução, e sendo obrigado n'aquelle momento a tomar a direcção dos negocios, não havia de procurar destruir os principios proclamados pela revolução; mas, pelo contrario, tratar de moderar e dirigir o exercito, porque não havia de tomar conta da direcção dos negocios com o fim de me servir do proprio poder para contrariar os mesmos principios -.Foi aceita esta proposta; e chamado novamente á presença de Sua Magestade aceitei o encargo. Agora se cumpri, ou não, com o que tinha determinado e assentado n'esta condição, é outra cousa; creio que cumpri. Alguns detalhes curiosos, até ultimamente ignorados, relativos aos acontecimentos de Portugal, de 1835 a 1837, acham-se escriptos mais ou menos exactamente n'um livro, publicado em 1865 por mr. Goblet. O que então fiz, encarregando-me de uma missão contraria á minha opinião, tenho a certeza que o mesmo fariam agora os meus collegas se estivessem em circunstancias analogas. Encarregaram se de uma missão, hão de cumpri-la (apoiados da parte dos srs. Ministros).

N'esta camara têem tido assento pessoas que serviram o governo que nós deitámos abaixo, que serviram o Senhor D. Miguel, e que depois se comportaram como cavalheiros e como homens constitucionaes.

O sr. Latino Coelho é um homem de brio, que não seria capaz de servir se do seu logar de ministro para fins distinctos d'aquelles que são prescriptos pela carta constitucional.

Quanto á união iberica, debaixo da fórma de republica, é uma opinião que se quer propagar como se tem querido propagar outras doutrinas. É uma propaganda como a dos socialistas, a dos communistas e outras que têem um certo tempo de voga e que depois passam de moda.

Se na peninsula as cousas chegassem ao ponto de se formar uma republica unitaria ou federal, quasi que se póde contar com uma certeza mathematica que havia de succeder o mesmo que tem succedido na America hespanhola, onde se constituiram em republica os differentes estados á similhança da republica federativa dos Estados Unidos, e o resultado tem sido cincoenta amos de guerras civis, e n'estes cincoenta annos muitos ditadores e muitas scenas de devastação, e se alguns d'elles têem conseguido a final melhorar e prosperar, outros têem constantemente permanecido em guerra intestina, como succede no Mexico. A raça peninsular é a que domina na America meridional, e o que lá tem succedido havia de certo succeder aqui.

Se se formasse em republica a peninsula teria a mesma sorte que tiveram as duas republicas francezas (apoiados), isto é, uma assembléa dominante por algum tempo, e depois um individuo havia de subir acima dos outros e esmaga-los. Este é que havia de ser o resultado (apoiados).

Nós trabalhâmos pela liberdade, pela igualdade perante, a lei, pelo direito de propriedade, e para assegurar todos os beneficios que a carta constitucional nos garante.

A questão do direito divino acabou ha muito tempo, o que se trata é de ter um chefe d'estado que seja permanente e que de garantias de estabilidade, e é o que succede n'este governo que temos tido. Portugal e a Belgica assimilham-se a republicas, que em logar de terem presidentas electivos de quatro em quatro annos, ou de tres em tres anno?, os têem vitalicios e hereditarios. Lembra-me um dito de El Rei o Senhor D. João VI em 1823, quando vigorava ainda a constituição de 1822; estando elle conversando no palacio da Bemposta com um dos seus ministros, perguntou-lhe: "O que havia com relação á republica", e tendo-lhe o ministro respondido: "Que só pensariam n'isso alguns pianistas", disse-lhe El-Rei: "Pois, se fizerem republica, nomeiem-me presidente d'essa republica".

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da justiça.

O sr. Ministro da Justiça: - Se v. exa. me dá licença, como o sr. Rebello da Silva deseja talvez dirigir algumas perguntas ao governo, abstenho-me agora de usar da palavra, mas peço que me seja reservada para depois.

O sr, Rebello da Silva: - Limitarei a algumas perguntas as considerações que vou fazer; permitta-me a camara comtudo que eu antes, em nome da sua indole essencialmente benevola, hospitaleira e conservadora, saúde o governo pelas boas vindas, que a urbanidade recommenda, mas que a algum dos cavalheiros chamados de novo ao gabinete com quem tenho relações, eu dê, não as boas vindas, mas os pezames pela responsabilidade gravissima que assumiram, pela conjunctura angustiosa em que entraram, e pelas grandes difiiculdades com que terão de lutar, tomando o encargo da gerencia dos negocios publicos n'este momento.

Seja-me licito principiar por onde acabou o sr. Presi-

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dente do conselho, e seja me licito, respondendo a s. exa., que nos citou a velha anecdota de El Rei D. João VI com o seu ministro Silvestre Pinheiro Ferreira; seja-me licito lembrar á camara que o bondoso soberano, muitas vezes maltratado pela historia, possuia grande cabedal, não de instrucção, mas de agudeza natural, realçada pelo tacto politico. (O sr. Marquez de Fronteira: = Apoiado.)

Aquella phrase foi e era uma verdadeira ironia. El-Rei sabia que Portugal não estava sufficientemente maduro para aceitar a republica; conhecia os dotes do distincto publicista, e quiz signiticar-lhe que a republica ideal de alguns exaltados seria tal que poderia tomar para presidente o chefe da dynastia.

Entre a republica e a realeza não ha pacto possivel; são duas escolas definidas perante a historia dos progressos da humanidade; são duas formulas, já provadas ambas, das quaes se não sabe qual é a mais antiga, realisadas e experimentadas em diversas epochas, que produziram os resultados que promettiam as circumstancias e o grau de educação dos povos. D. João VI não o ignorava, e sorria se das exagerações dos tribunos, de que viu depois bastantes em Villa Franca.

Não tratei d'esta questão, e não a suscitei, mas uma vez na tela tenho de a seguir; peço licença, porém, para apresentar primeiro algumas observações ácerca das phrases que ao sr. ministro do reino ouvi durante a discussão. Em primeiro logar devo declarar ao sr. bispo de Vizeu que não posso aceitar a explicação que. s. exa. deu da crise. A crise não se manifesta quando se altera o ministerio, manifesta se quando elementos preparados de recente, ou de longa data, como agora, por espaço de doze ou quinze dias, se resolvem na alteração total ou parcial do gabinete. Por isso, quando s. exa. a negou, existia, e dois dias depois desatava-se com a entrada de dois ministros novos.

Por que saíram os srs. conde de Samodães e Pequito? Por que entraram os srs. Saraiva e Cortez? O que obrigou os primeiros a demittirem-se, e os segundos a entrarem?

O dever obriga-me a pedir explicações, e espero ouvi-las do governo e do ministro que se retirou, ou que foi coagido a retirar se, e que tem assento n'esta casa. (O sr. Conde de Samodães: - Peço a palavra.)

A camara precisa saber por que motivos um cavalheiro, que geriu a pasta da fazenda em circumstancias difficeis, que dirigiu e encerrou a negociação de um emprestimo importante, que veiu pedir a esta camara em nome da salvação publica o seu voto para levantar com pesadas condições aquelle valioso supprimento, que tomou os compromissos solemnes perante esta casa de lançar os impostos necessarios para acudir ao deficit e aos encargos do novo emprestimo, a camara, repito, tem direito a esperar que esse cavalheiro com a sua lealdade sabida dê na tribuna as explicações mais categoricas estimulado pelo respeito do proprio decoro e pelo amor do paiz. Carecemos de saber que não foi um capricho, que levou s. exa. a retirar se dos conselhos da corôa no momento, em que o novo emprestimo acaba de ser contratado, no momento em que a sua responsabilidade o obrigava a sustentar-se n'aquelle logar. Desejo por esta rasão que o nobre cavalheiro, que já pediu a palavra, explique os motivos que determinaram a sua demissão n'esta crise, porque os ministros não devem sair parcialmente do ministerio em circumstancias gravissimas, senão quando a sua honra, ou a sua liberdade de acção o exigem, e nunca por capricho, ou para se eximirem á responsabilidade dos seus actos.

A solidariedade dos gabinetes não é uma palavra vã, é principio fundamental do governo representativo, principio que se deriva de elevada theoria. A solidariedade quer que os ministros governem conformes em pensamento e proposito politico, coherentes nas bases da gerencia administrativa e economica; quer que elles caminhem com perfeita unidade de idéas, de tendencias e de acção para um fim identico. Sem estas condições um gabinete contrariado no seu seio por elementos heterogeneos e repugnantes caíria dilacerado pelas proprias mãos, annullado pelas proprias resistencias intimas.

Sem o principio da solidariedade o principio da responsabilidade seria uma ficção, e a confiança parlamentar uma illusão. É necessario pois que o corpo do ministerio homogeneo e unido represente a acção, e possa empregar todas as forças na solução dos problemas governativos. E por isso todas as medidas de vulto devem ser discutidas e approvadas em conselho de ministros, porque o pensamento de um ácerca d'ellas ha de ser o pensamento de todos.

Mas não foi só o sr. conde de Samodães que saiu do gabinete, tambem se retirou o sr. ministro da justiça. Porque se retirou o sr. Pequito? Que revés experimentou elle na tribuna? Aonde está a votação que o desviou dos conselhos da corôa? Não a conhecemos.

Foi uma enfermidade subita? Mas nós tivemos a felicidade de admirar aquelle cavalheiro restituido ás suas funcções por um decreto publicado no Diario do governo, e ouvimo-lo na camara orando ainda na vespera da queda com o desafogo de um ministro que espera dilatada carreira.

De repente esta confiança desvanece-se, e o illustre ministro desapparece, não diante de um voto parlamentar, mas diante de uma combinação que o obriga a romper os vinculos da solidariedade!

Emquanto á saída do sr. Conde de Samodães, s. exa. dirá se o gabinete tinha ou não aceitado o principio da solidariedade, se acaso se tinha ou não obrigado a demittir-se todo, se não havia aceitado a resolução de que enfraquecido, uma reconstrucção parcial, longe de o fortificar, lhe crearia embaraços insuperaveis, e que o seu ultimo recurso devia ser a saída; s. exa. explicará claramente os motivos que determinaram o phenomeno, a singularidade do ministro da justiça desapparecer n'um dia, e o da fazenda no outro, tudo alguns mezes depois do sr. Carlos Bento ter saído tambem depois de desempenhar uma missão importante.

O que significam estes factos? No meio da tormenta desfeita o piloto para aliviar o baixel tem successivamente alijado ao mar todos os tripulantes que se lhe figuraram pesados ou perigosos..

Primeiro foi o sr. Carlos Bento, depois o pr. Pequito, e ultimamente o sr. conde de Samodães! Qual será agora a, victima? Parece-me que a estou divisando d'aqui (riso); Isto faz me lembrar a graciosa fabula da nossa infancia, a fabula do ogre, que depois de ter devorado centenares de victimas estranhas, acaba por devorar os proprios filhos! (Riso.) Ponho de parte o velho mytho de Saturno, porque tem sido tão usado que já perdeu a côr.

O sr. conde de Samodães dará de certo as explicações opportunas, e é provavel que parte das evoluções dos dias passados nos sejam reveladas.

Depois d'ellas tornarei outra vez a usar da palavra.

Agora farei algumas observações sobre o incidente suscitado pelos dignos pares os srs. visconde de Fonte Arcada e marquez de Sabugosa, cujas relações de amisade me honro de conservar ha muitos annos, e que respeito muito pelo seu caracter, que ninguem póde apreciar melhor, e pela pureza e sinceridade dos seus sentimentos.

Ouvi sobre o assumpto o sr. marquez de Sá e p sr. ministro do reino, porém sinto dizer que não posso concordar com s. exas.

Distingo profundamente a acção repressiva da acção preventiva. Não pertenço á escola preventiva nem a julgo liberal; mas tambem não pertenço á escola relaxista, nem entendo que, durante um periodo difficil, a missão do governo consista em cruzar os braços, erguer os olhos ao ceu, e confiar unicamente na Providencia, como se a religião não dissesse ao homem - trabalha, que eu te ajudarei.

Effectivamente tem-se cruzado os braços diante de movimentos claros e manifestos, diante de uma propaganda

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activa, que se não encobre e se apresenta em toda a parte já de rosto levantado. Em vez de lhe responder com energia e vehemencia, oppõe-se-lhe apenas indifferença e silencio!

Julgam-a fraca, ou pouca valiosa? Enganam-se; e em todo o caso o dever do homem de estado é lançar mão dos meios, de que póde dispor legalmente na esphera moral para no campo da discussão defender as suas doutrinas.

Não estranho, nem censuro as idéas republicanas. A republica é uma escola politica como qualquer outra, e eu respeito todas as escolas como respeito todas as opiniões. Não censuro tão pouco que essa escola faça a manifestação logica dos seus principios, que proclame expressa e terminantemente no livro, no opusculo, ou em qualquer jornal politico d'este ou de outro paiz livre as suas theorias. No campo da imprensa todas as opiniões são livres, todas se discutem.

O procedimento do governo foi censurado, e com rasão em grande parte, porque o seu rigoroso dever é apparecer com energia aonde póde e deve apparecer, e não cruzar os braços ou encerrar-se no silencio, especialmente quando n'aquellas cadeiras se assenta um homem, que é um talento notavel, cuja penna enriqueceu com um eloquente prologo a obra de D. Sinibaldo de Mas; prologo, a respeito do qual já s. exa. nos deu categoricas explicações, que nos não deviam deixar em duvida sobre a sua actual opinião, contraria á que tinha quando o escreveu. Admiro pois que este cavalheiro distincto, que faz parte do actual governo, não encontrasse na eloquentissima apostrophe de Emilio Castellar uma palavra, uma phrase que o estimulasse a pizar a liça em nome da grande familia portugueza, porque a monarchia de doze seculos que tem uma bandeira coroada de victorias e regada com o sangue de portuguezes, a monarchia que alçou seus estandartes nos campos de Valverde, de Aljubarrota, e de Montes Claros, e que em toda a parte saíram vencedores; esta monarchia não ha de ser demolida porque a cobre a benção de Deus e a vontade de um povo unanime (muitos e repetidos apoiados. - Vozes: - Muito bem). Mas o governo nada faz e nada diz. Esperei até á ultima hora que o duello se travasse entre as duas robustas e privilegiadas intelligencias, o tribuno hespanhol e o jornalista portuguez. Seria um formosissimo encontro o do nosso distincto escriptor e primoroso estylista, e do eloquente orador do reino vizinho. Infelizmente até agora só elle fallou!

Sinto, e sinto mais ainda que um achaque momentaneo privasse o sr. ministro da marinha de comparecer hoje n'esta camara, em cumprimento do seu cargo, para responder á apostrophe de um digno par. A camara tem estado aberta e era da obrigação de s. exa. explicar-se em tão grave assumpto (apoiados).

Creio que a duvida do sr. marquez de Sabugosa não é se o sr. Latino Coelho ainda figura como redactor nas columnas de um jornal d'esta cidade, mas sim pedir-lhe um testemunho publico de que não abraça algumas doutrinas ali sustentadas. S. exa. notando que o jornal apoia o actual ministerio, entende essencial esta satisfação.

O jornal está no liberrimo direito de apoiar o governo e de manifestar os seus principios, mas o paiz, como s. exa. observou, póde tirar deducções desagradaveis para o governo. O sentimento nacional é em extremo melindroso, e a apathia e o silencio do gabinete ferem-o, fazendo suppor á Europa que em Portugal todos estamos de accordo com as opiniões do sr. Castellar, ou que ha n'este paiz um grande partido que apoia as idéas republicanas, como se procura propalar em Hespanha, pois o que se pretende em Hespanha fazer acreditar é que em Portugal existe um grande partido republicano, e que n'esse partido se encontra de braços abertos a maioria dos portuguezes. Isto é falso, é falsissimo (muitos apoiados). Podem dirigir quantos telegrammas e convites quizerem, podem forjar as promessas mais lisongeiras, que nós não lhes aceitâmos nada, nem precisâmos nada (apoiados). Não tinhamos mais largos confins, quando descobrimos "mares nunca d'antes navegados" na phrase do grande epico, ou quando patenteámos á Europa maravilhada do arrojo as portas do reino da aurora, e fundámos um grande imperio em remotas regiões do globo (apoiados). Eramos uma nação pequena quando levámos o nome de D. Manuel a quasi todas as terras do mundo, e ainda brilham engastadas na corôa portugueza as perolas de Ceylão e as esmeraldas de Golconda, symbolo e recordação dos heroicos feitos de nossos maiores (muitos apoiados). Se os nossos monarchas não usaram da purpura dos imperadores romanos, viram desdobrar-se, arados por seus navios, os mares da Africa e do Oriente como alcatifa de seu throno e empunharam o sceptro mais glorioso que rei nenhum possuiu, porque poderam alçar como sceptro o bastão do primeiro almirante dos mares da India-Vasco da Grama (apoiados).

Outro portuguez illustre Pedro Alvares Cabral revelou ao velho o novo mundo (apoiados).

Este berço é pequeno nas proporções, porém muito grande pelas suas tradições gloriosas. Não precisâmos das glorias ou das grandezas de outra nação (apoiados). Bastam-nos as memorias da nossa historia e a benção de Deus com que abrimos as portas da aurora á Europa inteira (apoiados repetidos). Bem sei. Não temos que receiar emquanto nos conservarmos firmes, emquanto, como o centurião romano, dissermos hic, manebimus optime.

A nossa bandeira tremula immaculada sobre os tumulos dos nossos réis, de nossos avós e de nossos paes e nem uns, nem os outros tornariam tão gloriosa a nossa bandeira se não tivessem invocado sempre o santo nome de Deus em todas as suas emprezas (apoiados). Mas o silencio não significa sempre força e a apathia é a negação d'ella. Não cruzemos os braços diante das tentativas contra a independencia e brademos bem alto que não queremos nada de Castella (muitos apoiados).

Não é só com espingardas, com lanças e canhões que se defende a autonomia das nações. Defende-se perante os conselhos da Europa pelo grau adiantado de civilisação, pela aptidão pratica e pela dedicação dos povos. Assim é que o pequeno reino, a Belgica, cujos exemplos são invejaveis, viu passar o furacão de 1848 que fez tremer todo o solo da Europa, desabando o throno constitucional de um rei illustre e prudente, sem que nem as convulsões tão proximas, nem as chammas de tantos incendios na França, na Italia e na Allemanha abalassem ou ameaçassem a paz e a profunda tranquillidade da sua existencia. Leopoldo I ficou firme no solio popular, porque a republica não póde realisar na Belgica mais do que a sabedoria do seu rei lhe afiançava. A republica passou diante das fronteiras da Belgica e inclinou-se sem as transpor. Quando a monarchia é grande, nobre e elevada, muitas vezes alcança suspender a hora assignada á formula do futuro.

Responda o governo com energia; responda em nome do paiz; e la está nos bancos dos ministros da corôa quem o possa fazer brilhantemente, porque tem assento n'elles um grande jornalista, que se honra de certo com os titulos de nobreza do engenho, que sabe por si o que elles valem mais que outros titulos, porque a penna de jornalista ennobrece a mão que usa d'ella para illustrar, e não para destruir. O que póde envergonhar são as pequenas vaidades do poder. Guizot não saiu maior do ministerio, do que da aula em que ensinava a auditorios ennobrecidos a historia da civilisação.

Fui jornalista e se-lo-hei de novo talvez mui cedo, como o era o sr. ministro da marinha. O sr. ministro já escreveu em varios jornaes, e no do Commercio escrevemos todos tres ha cinco annos. Pois bem, prezo mais esses titulos da tribuna politica e litteraria do que todas as nobiliarchias - que são menos obra do nosso valor, do que das circumstancias. Não deixarei nunca sem pezar a minha modesta banca de escriptor, nem deixarei de dizer aqui, ou na im-

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prensa o que sinto em consciencia. Amo o paiz! Quero o rei constitucional! Entendo que Portugal está novo para a republica. Isto póde dizer-se, e deve dizer-se, a exemplo ao que fez o sr. marquez de Sá, quando em 1836 julgou inutil a revolução, e depois a aceitou para a dirigir.

(Interrupção do sr. marquez de Sá, que não se ouviu.)

Ninguem accusa o sr. Latino Coelho. O que se pede do governo e de v. exa. mesmo é a mesma energia em favor da causa da independencia, que ostentou em 1836 para manter a bandeira de uma revolução condemnada no seu espirito (apoiados).

O sr. bispo de Vizeu não acha que occorresse nada de notavel agora, e vê tudo como d'antes. Pois ha muito mais.

O sr. ministro do reino está acostumado áquella piedosa confiança em Deus, propria do seu caracter prelaticio. S. exa. confia mais nos auxilies divinos do que nas forças terrestres. Não lh'o estranho, porque é um prelado. Mas nós, tendo tambem confiança em Deus, desejâmos acompanha-la dos meios mundanos, e queremos e devemos exigir que o governo, que nos representa, confie em Deus seguramente (antigamente os grandes exercitos ajoelhavam invocando o ceu com a espada nua e o pé no estribo), mas que não largue de mão as armas da terra. No meio do furacão ennovelado dos esquadrões, soavam muitas vezes os canticos religiosos implorando o auxilio celeste; mas, nem por isso se quebravam no joelho as lanças.

Disse s. exa. que = da divergencia de opiniões nascia a harmonia no mundo=. Foi a phrase de s. exa. Sinto não poder concordar. Da variedade, sim, deriva-se a harmonia, mas da divergencia não sei que resulte senão a anarchia. Admiro que, s. exa. não saiba o que passa diante de seus olhos. Não ha nada!? Mas ha muito. Se s. exa. tem motivos para o não dizer, respeito, como devo, as suas reticencias; porém se me diz sinceramente que ignora, convem que o saiba. Quer saber?

(O sr. ministro do reino demonstra que auctorisa o orador a explicar.}

N'esse caso devo dizer com toda a clareza que existem clubs organisados, que existem imprensas, e que, n'uma palavra existem relações intimas e naturaes entre as escolas republicanas da Europa. Empregam-se todos os meios de propaganda para apressar a victoria da nova formula, inculca-se a federação iberica; e está tudo disposto para uma luta por ora, e felizmente, só de discussão.

De Madrid correm communicações telegraphicas mais ou menos frequentes, e note s. exa. que certas aggressões directas contra a corôa datam de uma epocha que não póde deixar de se inscrever ao lado de manifestações proximas na data de acontecimentos recentes do reino vizinho.

Sinto que o sr. ministro do reino diga que nada sabe! (Apoiados.) Se o ministro do reino, que é o chefe supremo da policia, não sabe nada, e ha tanto, o que podemos esperar!? S. exa. sabe sómente que ha republicanos. E porque não havia de have-los? Não fica mal a ninguem, cada um segue a escola que lhe apraz, mas o que o estado e os poderes publicos têem obrigação é de combater esses principios por todos os meios legitimes, a discussão, a tribuna e a imprensa, por todos os meios de influencia moral.

Não nos illudamos. A Hespanha de hoje não é a Hespanha de hontem. Uma dynastia antiga, elevada em nome do direito legitimo e da soberania nacional, caíu diante do povo. Um vendaval subito derribou esse throno. Não nos pertence apreciar o facto, que nos é estranho. Mas toca-nos prever e acautellar o que elle póde ser em relação a nós. A nação vizinha tão nobre e tão digna de grandes destinos pende de uma solução ainda incognita. Atravessa uma transição. Qual será a sua ultima expressão? A monarchia vitalicia, ou hereditaria? A republica? Por emquanto o vulcão ainda se não apagou e suas convulsões sentem-se perto de nós, e não podem deixar de nos merecer pelo menos attenção.

Renovo pois as minhas recommendações ao governo para que seja vigilante e não indifferente, julgando, e dizendo que não ha nada! Ha muito; bastam os factos que apontei (apoiados).

Vou resumir-me, porque estou fatigado e não quero aborrecer mais a camara com as minhas divagações. (Vozes: - Isso não).

Passo ás perguntas que desejo dirigir ao sr. ministro da fazenda actual, sobre os negocios da sua repartição. Careço de saber se existe declaração da casa Fruhling Goschen, relativamente ao emprestimo contratado com ella, e se o governo lhe negou a ratificação e tem de pagar a multa? Se está contratado algum emprestimo com a casa Stern; em que condições, e com que novas exigencias em referencia ao caminho de ferro de sueste? Por ultimo, se o governo aceita as medidas tributarias do sr. conde de Samodães, e o seu plano financeiro, ou se conta substitui-lo, porque o sr. conde de Samodães tinha o proposito de crear receita avultada, não confiando só na diminuição da despeza?

Desejo saber por isso do sr. ministro da fazenda, se ac aceita aquellas propostas, ou se as modifica, fiel ás idéas de immediata solução da crise financeira. Todas estas declarações são necessarias e urgentes.

Diz-se que o governo Achegara a pedir o adiamento das camaras, o que não posso crer, mas receio que ellas se fechem sem darmos um passo.

A demora é o aggravamento de todos os males; lembro isto ao governo em nome do progresso e em nome das liberdades publicas, porque das raizes das complicações financeiras rebentaram quasi todas as grandes revoluções politicas e sociaes. A de 1789 que o diga!

É necessario que o sr. ministro responda, e com clareza, porque o homem chamado aos conselhos da corôa n'este momento deve ter opiniões assentes, não póde ser o homem que estuda, deve ser o homem que já estudou.

S. exa., como disse o sr. marquez de Sá, saíu da commissão de fazenda como um dos mais proprios para resolver á questão de fazenda. Precisâmos saber como s. exa. intenta resolver a questão do imposto e a questão das pautas; precisamos saber como s. exa. medita resolver a importante questão da simplificação dos serviços. O principio da descentralisação foi creio que aceite por s. exa., embora desagrade ao sr. ministro do reino. Mas em todo o caso permitta-me o sr. ministro do reino que eu lhe diga que esse principio será a base de todos os nossos progressos futuros.

Ao sr. ministro da justiça pedirei só duas respostas. Perguntarei a s. exa. se acha a lei da desamortisação ultimamente apresentada completa e em harmonia com os principios do partido liberal.

Perguntarei a s. exa. se na repartição a seu cargo, realisado o principio da desamortisação, s. exa. conta por uma reorganisação profunda das dotações verificar as largas economias que ella comporta. Sou pouco exigente, bem ve s. exa.

Tenho concluido. Limito-me ás perguntas feitas, e declaro a v. exa. que, depois de ouvir as explicações, tomarei de novo a palavra para as apreciar.

O sr. Ferrer: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: - Vou dar a palavra a v. exa., mas como está quasi a dar a hora de terminar a sessão, devo observar que ainda ha um grande numero de oradores inscriptos, como passo a mostrar, lendo a ordem da inscripção; são os srs. ministro da justiça, ministro da fazenda, visconde de Fonte Arcada, marquez de Sabugosa, conde de Samodães, marquez de Vallada e o sr. Ferrer, que alem d'isso a pediu tambem agora para um requerimento, e n'este sentido não posso deixar de lhe conceder já a palavra.

O sr. Ferrer: - Eu tambem tenho a palavra para o assumpto que está em debate, como v. exa. acaba de indicar, mas estou disposto a ceder do logar, e talvez que todos os dignos pares que a pediram cedam tambem, para termos occasião de deixar explicar o sr. conde de Samodães (apoiados).

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Realmente s. exa. está debaixo do peso de tantas considerações, que na verdade urge se explique, depois de assim provocado solemnemente.

Por consequencia proponho que a sessão se prorogue até que sejam ouvidas as explicações de s. exa.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre a prorogação da sessão, nos termos indicados pelo digno par.

( Votação.)

O sr. Presidente: - Os srs. secretarios dizem que está approvado o requerimento, mas, como já hoje houve duvida sobre uma votação, peço aos dignos pares que exprimam bem o seu voto.

Foi approvada a prorogação da sessão.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Samodães.

O sr. Conde de Samodães: - Vae em onze annos que tenho assento n'esta camara, e durante elles tenho recebido tantas provas de deferencia da parte della, que não me admira que a camara me concedesse hoje mais uma, dando-me occasião a que eu respondesse ás perguntas que me dirigiu o digno par o sr. Rebello da Silva sobre os motivos que me lavaram a deixar os conselhos da corôa, e portanto a abondonar os negocios gravissimos que me estavam confiados.

V. exa. e a camara terão observado que não era desejo meu proromper o silencio que a mim proprio me tinha ira posto, tomando uma parte no debate, que adqairira uma altura a que eu não podia chegar.

Tratando-se de uma questão de immensa gravidade, qual era a da nossa independencia; tratando se de uma questão d'esta ordem, que tanto affecta os corações de todos os portuguezes; todas as outras questões desapparecem completamente, todas são pequenas e insignificantes na presença d'esta grandiosa questão que eu VI levantada e sus tentada com tanta eloquencia, e de uma tão brilhante maneira, pelo digno par que me dirigiu as perguntas ácerca da recomposição ministerial.

Parece-me, sr, presidente, que, desde que se levanta uma questão d'esta natureza, todas as outras devem desapparecem toda a outra palavra se deve calar, e unicamente esta questão gravissima é que deve occupar a attenção do parlamento.

Comtudo não fui eu chamado para tomar parte n'este grandioso debate; fui só provocado para uma questão comparativamente, por assim dizer, insignificante na presença d'essa outra a que me refiro.

Chamado, porém, terminantemente, invocando-se a minha responsabilidade, eu não podia deixar de acceder, pedindo immediatamente a palavra (apoiados).

Sr. presidente, emquanto fui ministro nunca reneguei a responsabilidade dos meus actos (apoiados); hoje que o não sou do mesmo modo sustento essa responsabilidade, e estou prompto aqui e em qualquer logar a dar sempre explicações pelos actos que pratiquei como ministro, e a expor com toda a franqueza perante o parlamento, quaes foram as rasões que me levaram a praticai o ultimo dos actos da minha vida ministerial; porque eu não declino de forma alguma a responsabilidade legal e moral que me compete (apoiados), e aqui n'esta cadeira de par do reino, que tenho a honra de occupar, considero-me tão obrigado a responder pelos meus actos como quando me sentava n'aquellas cadeiras (apontando para as do governo). Portanto vou dar as explicações que se me pedem sobre a minha saída do gabinete, e dá-las hei succintamente.

É necessario, sr. presidente, que se saiba que eu não saí do ministerio por cobardia. Durante uns poucos de mezes arquei com dificuldades immensas (apoiados), e nunca desconfiei de poder levar a nau do estado a porto de salvamento; não seria pois hoje que eu abandonaria a cadeira ministerial por ter receios de que outros perigos mais graves me assaltassem na minha derrota. Mas as forças de um homem não são herculeas ou gigantescas, as forças de qualquer de nós são limitadas, e quando se chega a adquirir a intima convicção de que não nos podemos sustentar nas cadeiras ministeriaes com utilidade para a causa publica, é dever nosso abandona-las (apoiados), e voltar á vida particular, onde não devemos deixar de continuar a prestar o auxilio de que possamos dispor, empenhando todas as nossas forças physicas, moraes e inteliectuaes em beneficio do paiz,

Sr. presidente, ha occasiões em que os governos, ou parte dos membros que os compõem, chegam ao ponto de não ter confiança de poder vencer as dificuldades com que lutam, reconhecendo que lhes faltam os meios de governar. O dever então d'esses governos ou dos que os compõem é largarem immediatamente o poder (apoiados), deixando o logar a outros que melhor possam ou saibam governar, tendo mais força e mais elementos governativos, porque aquelles Jogares em que se sentam os ministros não se occupam pela vaidade ostentosa de se ser ministro, de gosar de certas prerogativas e de certos fóros, e de se ter o exercicio do poder; occupando se tão sómente para bem se servir o paiz, para ser util á patria, para se trabalhar assiduamente em favor da causa publica (apoiados); e quando se chega á convicção de que ali se não póde trabalhar com vantagem em favor d'essa causa, que se não póde ser já util á patria que nos deu o ser, nem vantajoso aos interesses publicos, é dever de todo o homem que occupe as cadeiras do governo larga-las immediatamente (apoiados).

Foi este, sr. presidente, o caso em que me achei. Vou expor os factos com toda a verdade como elles se deram, factos ante que tive que curvar a cabeça e seguir as consequencias naturaes.

Sr. presidente, é sabido que eu na qualidade de ministro da fazenda que fui, e como membro do gabinete que se reconstruiu, apresentei um systema de organisação de fazenda, ao qual eu ligava a minha existencia governativa. Emquanto eu me convenci que podia faze-lo vingar por entre aquellas graves, gravissimas e quasi insuperaveis difficuldades em que encontrei a fazenda publica, entendi que era do meu dever conservar-me no gabinete, e ahi estar tanto tempo quanto fosse necessario para levar a effeito o meu systema de organisação financeira. Desde o momento porém em que eu me convenci de que o meu systema não podia ir por diante, e que era impossivel poder continuar a governar com proveito e interesse para a causa publica, entendi que não tinha outro caminho a seguir senão o de saír dos bancos do ministerio.

Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem que eu apresentei esse systema, o qual se reduzia a duas partes. A primeira era vencer as difficuldades de momento, que principalmente consistiam na importante divida fluctuante que tinhamos no estrangeiro.

A segunda parte consistia em procurar todos os meios de equilibrar o orçamento, e envidar todos os esforços para destruir o deficit, e para nos salvar de uma completa ruina.

Já havia conseguido a primeira parte do meu programma financeiro, que era o emprestimo; restava porém a segunda parte, que eram as medidas tributarias. Não era eu, sr. presidente, tão desconhecedor dos negocios do estado, que me convencesse que só pelo systema tributario se podiam organisar as nossas finanças. Eram necessarias medidas de outro alcance, medidas administrativas e organisadoras, que dependem dos differentes ramos de serviço dos diversos ministerios.

Esperava eu, sr. presidente, que votadas as medidas tributarias, no intervallo que durasse entre esta sessão legislativa e a seguinte, essas outras medidas podessem ser organisadas, e apresentadas ao parlamento, a fim de entrarmos n'uma senda regular de administração publica. Mas quaesquer que fossem as minhas convicções sobre a proficuidade e indispensabilidade d'essas medidas, estava persuadido que ellas não dispensavam por modo algum o augmento do im-

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posto lanhado sobre as differentes demonstrações da riqueza.

Sr. presidente, esse systema que eu apresentei pareceu a principio ser benevolamente aceito pela commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, porém desde certa epocha por diante começou a encontrar tantos obstaculos e tantas dificuldades, que cheguei ao ponto de desesperar.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, já se referiu a uma parte d'essas medidas, e eu referir-me-hei a mais algumas.

Algumas d'estas medidas foram distribuidas a membros da commissão de fazenda da outra camara, que não quizeram trata las, sendo uma d'ellas a que dizia respeito ao real d'agua (Vozes: - Ouçam), imposto importantissimo, do qual havia de resultar uma receita tambem importante para o thesouro, e da qual não se podia prescindir nas circumstancias em que nos achâmos. Cheguei até a adquirir a convicção, pelo que me disse o relator da commissão, que é agora ministro da justiça, e por outro cavalheiro, que é actualmente ministro da fazenda, de que era absolutamente impossivel que elles aceitassem similhante medida. (Vozes: - Ouçam.)

Alem d'isto, o orçamento não caminhava, e o governo não podia prescindir da sua discussão, porque tendo apresentado em tempo competente uma proposta para se habilitar a cobrar os impostos e applica los ás despezas geraes do estado, isto é, tendo apresentado a lei de meios, esta só passou com a clausula de não vigorar depois de encerrado o parlamento se não estivesse approvado o orçamento, e o relator d'esta lei foi o actual sr. ministro da fazenda. (Vozes: - Ouçam.)

Portanto já se vê que, alem das declarações solemnes que tinham sido feitas de que era indispensavel a discussão do orçamento, o governo não podia prescindir da sua discussão. O orçamento do estado porém jazia permanentemente nos limbos da commissão, sem que d'ali se podesse fazer sair por fórma alguma. De tudo isto resultava, sr. presidente, que as medidas de fazenda que eu julgava que eram indispensaveis para a governação do estado, e o orçamento que estava compromettido a fazer votar, não tinham solução nem andamento de qualidade alguma.

Eu estava compromettido na questão do imposto perante o corpo legislativo, perante o paiz e perante os estrangeiros; e é necessario que se saiba que eu me comprometti, para levar por diante as negociações do emprestimo, a fazer votar os impostos necessarios para cobrirem todos os encargos do mesmo emprestimo. Desde que cheguei ao estado de ver que as minhas medidas não podiam ser aceitas, desde que me impediam a marcha, desde que não podia cumprir as minhas promessas de governar o estado com vantagens para elle, o meu dever era fazer o que fiz (apoiados).

Todas as medidas que apresentei foram discutidas em conselho de ministros (Vozes: - Ouçam), e portanto tinham a approvação de todo o ministerio. Nem eu me atrevia a apresentar medidas de tal importancia sem primeiro ter consultado os meus collegas, e elles as terem aceitado. Hoje não sei qual é o plano financeiro do governo, não sei se mantém as opiniões do sr. ministro da fazenda como membro da respectiva commissão.

Não direi agora cousa alguma sobre as questões de solidariedade e de incompatibilidade, porque não quero entrar n'ellas; e desejo unicamente que o sr. ministro da fazenda indique qual o systema que tenciona seguir (apoiados), porque isso é indispensavel, e darei os parabens a mim proprio se o systema de s. exa., quanto á questão tributaria, for melhor do que o meu.

Quanto a outras questões de emprestimos e supprimentos, não me julgo já habilitado ou com o direito de fazer perguntas ao sr. ministro da fazenda, por isso que s. exa. a mim particularmente, e mesmo publicamente, na outra casa do parlamento, teve a bondade de dizer o que havia a tal respeito, e por consequencia nada mais direi a tal respeito, porque sei que o systema não melhorou...

O sr. Rebello da Silva: - Peço perdão ao digno par; mas desejava, que s. exa. tivesse a bondade de nos dizer, se a resolução da demissão foi um acto collectivo do gabinete, ou um acto inteiramente separado e pessoal de s. exa.

O Orador: - Eu respondo em poucas palavras ao digno par.

Depois do relatorio que acabo de fazer á camara do estado em que me achava de incompatibilidade governamental para poder continuar a gerir os negocios publicos, eu não pude deixar de ponderar aos meus collegas todas estas circumstancias difficeis em que nos achavamos, e fiz-lhes ver o estado pouco lisonjeiro para mim, em que as cousas estavam, pedindo lhes que tomassem uma resolução, ou pela minha saída individual, á qual estava disposto, por isso que era possivel que, reconstruindo-se o ministerio, se encontrassem outros elementos que o habilitassem a governar com vantagem para a causa publica, ou quando o conselho de ministros julgasse que esta incompatibilidade existia em todo o governo, fosse então a demissão collectiva. A este respeito devo dizer que a resolução tomada pelo gabinete foi de que a demissão fosse collectiva. (Vozes: - Ouçam, ouçam.)

Mas depois houve naturalmente motivos sufficientes e fortes que actuaram no animo dos meus antigos collegas, e que os levaram a tomar, depois da minha saída do ministerio, uma resolução differente da que se tinha combinado e tudo provavelmente em beneficio da causa publica. Ora, como eu não podia estar vinculado ás resoluções tomadas pelos meus collegas de então, entendi que, seguissem elles ou deixassem de seguir a deliberação assentada e firme para a demissão collectiva, o caminho que de via tomar era aquelle que effectivamente tomei, e dirigi-me ao augusto chefe do estado, expondo-lhe as circumstancias em que me achava, e pedindo lhe que, ao favor e benevolencia que sempre tinha tido para commigo, juntasse mais a mercê de me dispensar de continuar a fazer parte do governo. Esta resolução, como a camara sabe, foi aceita pelo soberano.

Dadas estas explicações sobre o incidente para que fui provocado, julgo não me ser necessario fazer aqui quaesquer allusões nem referir me ao que se tem passado, e ás questões que tem havido, nas quaes tenho sido constantemente discutido como se fosse ministro, porque sobre os meus actos e maneira como procurei gerir os negocios do estado tenho a minha consciencia tranquilla, e declaro que se mais não fiz foi porque mais não pude fazer, porque desejos ninguem os teve maiores do que eu, é quanto a trabalhos tambem julgo que, conforme as minhas forças permittiam, empreguei todos os meios ao meu alcance para que as dificuldades que encontrei, e ainda subsistem actualmente, podessem ter uma solução (apoiados).

Sr. presidente, não me alongo mais agora n'estas explicações, porque me parece que ellas serão suficientes, e reservo-me a conservar-me n'uma espectativa a mais benevola possivel para com o actual gabinete, porque estou resolvido a dar-lhe o meu apoio em tudo aquillo que eu julgar na minha consciencia que é util para o estado.

Ha já muitos annos, com certeza, que eu occupo n'esta casa a posição de governamental, e se antes de ser governo eu tinha aquella posição, hoje que conheço as gravissimas dificuldades com que lutei, cada vez me confirmo mais n'este proposito de continuar a ser benevolo para com este governo, se elle, reconstruido como está, tem os elementos precisos para continuar a gerir com vantagem publica todos os negocios do estado. Se o governo se sente com forças para lutar com as dificuldades que eu desejava vencer, faz muito bem em se conservar no poder, porque d'este modo cumpre com um dever publico emquanto tem os elementos necessarios para governar. Se porém o governo se julga fraco ou não tem a consciencia de poder vencer as gravissimas dificuldades que ainda restam para superar, então dava-lhe o conselho de praticar o mesmo que eu fiz (apoiados).

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376 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - Continua ámanhã a mesma discussão.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 6 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá, de Sabugosa, de Vallada; Condes, d'Avila, das Alcaçovas, de Fonte Nova, de Fornos, de Peniche, da Ponte, de Rio Maior, de Samodães; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Ovar, de Porto Covo, de Seabra; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Montufar Barreiros, Silva Ferrão, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.

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