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N: 51
SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1878
Presidencia do exmo. sr. duque d’Avila e de Bolama
Secretarios — os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros
(Assistem o sr. ministro da fazenda, e mais os srs. presidente do conselho, e ministros dos negocios estrangeiros, e do reino.)
Pela uma hora e um quarto da tarde, tendo-se verificada a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Como no logar em que estou não se ouve bem a leitura da acta, eu não sei se n’ella vem mencionada a declaração que hontem fez n’esta camara o sr. presidente do conselho, com relação a julgar que a idade legal para o exercicio do suffragio era aos vinte e um annos, acrescentando que lhe parecia conveniente que se não inserisse no projecto disposição alguma a este respeito, porque não sendo as duas camaras da mesma opinião n’este ponto, ter-se-ía de nomear uma commissão mixta para resolver este negocio, e a lei não se poderia pôr em pratica tão cedo.
Repito, que não sei se na acta vem indicada a declaração que o sr. ministro fez, mas dado o caso que não venha, eu pedia que ella fosse consignada na acta, e que esta se publicasse no Diario do governo.
O sr. Presidente: — O sr. marquez de Sabugosa deseja que na acta se mencione uma declaração que hontem fez n’esta casa o sr. presidente do conselho.
Devo dizer que as actas das nossas sessões devem conter unicamente as resoluções aqui tomadas; mas a camara póde, por excepção, resolver que seja inserida na acta a declaração que hontem fez o sr. presidente do conselho.
Eu não tenho duvida em consultar a camara a este respeito; mas, se o digno par concorda, parece-me melhor que se approve a acta, salva a parte a que se refere o digno par, e se espere a presença do sr. presidente do conselho, para se tomar alguma resolução a este respeito.
(Signaes de assentimento do sr. marquez de Sabugosa.)
O sr. Presidente: — Como vejo que o digno par concorda no que acabo de dizer, eu vou consultar a camara.
Os dignos pares que approvam a acta, salva a resolução que se houver de tomar com relação ao requerimento do sr. marquez de Sabugosa, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo o authographo do decreto das côrtes geraes, já sanccionado por Sua Magestade El-Rei, datado de 23 de março ultimo, sob n.° 209.
Para o archivo.
O sr. Barros e Sá: — Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos: um, pedindo diversos esclarecimentos ao governo; e o outro, de alguns empregados da secretaria da guerra, no qual pedem que se lhes faça justiça com relação a um projecto que está pendente da discussão.
Leu-se o requerimento do sr. Barros e Sá. É do teor seguinte.
«Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja remettido a esta camara todo o processo havido com respeito á questão sobre antiguidade de serviço, entre Joaquim Ignacio Barcellos e alguns segundos officiaes de secretaria do mesmo ministerio. = Barros e Sá.»
O sr. Presidente: — Os dignos pares, que são de voto que se mande expedir o requerimento que acaba de mandar para a mesa o sr. Barros e Sá, tenham a bondade de se levantar.
Mandou-se expedir.
O sr. Presidente: — Se algum dos dignos pares tem requerimentos ou pareceres a mandar para a mesa, ou deseja tomar a palavra antes da ordem do dia, tenha a bondade de o fazer.
O sr. Carlos Bento: — Eu desejava que v. exa. me informasse se está dado para ordem do dia o parecer n.º 334 com relação ao orçamento rectificado.
O sr. Presidente: — O parecer, a que o digno par acaba de se referir, é um dos que estão dados para ordem do dia.
O sr. Carlos Bento: — Agradeço a v. exa. a informação que acaba de me dar, e estimo muito saber que este parecer está dado para ordem do dia, porque, quando elle entrar em discussão, desejo dizer duas palavras desagradaveis, não contra o gorveno, mas sim contra o deficit.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, e continua com a palavra, que lhe ficou reservada, o sr. Vaz Preto.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu pedi hontem que a palavra me ficasse reservada, não só porque faltavam cinco minutos para dar a hora, mas tambem porque, reconhecendo que a camara estava fatigada pelas continuas prorogações de sessão, mal poderia prestar uma attenção benevola á discussão d’este projecto, projecto de grande alcance considerado sob varios aspectos. Como carecia, pois, de attenção da camara, a qual era mais facil obter no principio da sessão, pedi que se me reservasse para hoje a palavra, para mais facilmente poder mostrar as imperfeições de que elle está coberto e os vicios da sua origem. Imperfeições e vicios que se a camara votar será com todo o conhecimento, e por consequencia com maior responsabilidade.
Serei muito breve, apesar d’esta materia que vou tratar — a circumscripção — mal ter sido apreciada.
Eu disse n’uma das ultimas sessões, que a circumscripção indicada no projecto da reforma eleitoral era uma monstruosidade; vou, pois, demonstrar a verdade da proposição que avancei.
A circumscripção aqui indicada é uma monstruosidade porque, devendo ella estar sujeita a regras invariaveis que lhe marcavam as bases escolhidas da população e da riqueza e extensão de territorio, não se amoldou a nenhuma d’essas bases, e é o resultado do capricho, do arbitrio, da vingança em fim do interesse, do desvario do governo, em face de tudo quanto quizerem, menos do justo e moral.
Na proposta circumscripção não se attende a principio algum serio, e posto que se tomasse uma base rasoavel para a divisão dos circulos, na execução foi completamente desprezada.
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A commissão da camara dos senhores deputados alterou completamente o projecto, apresentado pelo sr. duque d'Avila, muito principalmente na circumscripção, porque a circumscripção ali cingia-se ás bases e era feita com toda a imparcialidade. N'este presupposto não convinha, e por isso foi immediatamente alterada por esta monstruosidade, que faz a vergonha do governo que a propõe, e da camara que a vota. São duras as phrases e severas as apreciações, mas merecidas, porque os factos fallam bem alto, e mais tarde hão de produzir as suas deploraveis consequencias, se o governo e a camara não se detiver em no errado caminho que vão seguindo.
Diz a commissão da camara dos senhores deputados que «as bases adoptadas para cada circulação foram - população 7:604 fogos, 31:579 habitantes e territorio 70:654 hectares.»
Eu pedia com toda a amabilidade ao sr. relator da commissão, que me provasse, em geral, como a proposta circumscripção satisfaz a estas bases, e em especial os circulos de 4:000 a 5:000 fogos, e os de 10:000 a 12:000 fogos.
Eu desejava que o sr. relator da commissão me dissesse e mostrasse quaes foram os interesses a que attenderam na divisão as commissões d'esta e da outra camara? Sobre este ponto desejava muito que o sr. relator da commissão se expressasse com toda a franqueza e desassombro, de fórma que não ficasse a mais leve duvida nem no meu nem no espirito da camara.
Para não parecerem meramente gratuitas as minhas asserções, vou ler o que diz no seu relatorio a commissão da camara dos senhores deputados:
«O continente do reino tinha, segundo a estatistica official da população feita em 1864, 958:201 fogos, e habitantantes 3.979:029; e segundo o recenseamento eleitoral, publicado no Diario do governo n.° 224 de 1876, 426:466 eleitores. A superficie continental do reino é de 8.902:466 hectares.
«Os deputados pelo continente, segundo a citada lei de 1859, eram 152, segundo o decreto vigente de 1869 são 92, e segundo o mappa annexo ao projecto de lei, que a commissão tem a honra de submetter ao vosso exame, são 148. Comparados estes diversos numeros com os outros acima indicados, resulta que pela legislação vigente anteriormente a 1869 haveria, em termo medio, 1 circulo por 58:568 hectares e 1 deputado por 6:131 fogos, 26:177 habitantes e 2:805 eleitores; pela legislação actualmente em vigor, 1 circulo por 96:765 hectares e 1 deputado por 10:415 fogos, 43:250 habitantes e 4:635 eleitores; pelo mappa annexo ao projecto 1 circulo por 70:654 hectares e 1 deputado por 7:604 fogos, 31:579 habitantes e 3:384 eleitores.»
Note v. exa. que a divisão feita n'este relatorio devia corresponder á base de 7:604 fogos e 70:654 hectares. Comparando esta base com a divisão que se propõe, resulta ficarmos sabendo que não se attendeu aqui ao numero de fogos, nem á superficie do territorio, nem ao numero de eleitores.
Ha no projecto vinte e dois circulos de quatro, e cinco mil e tantos fogos.
Pergunto eu, qual foi a base escolhida para estes? Nem um só d'estes circulos satisfaz á população, o que não admira, mas nem sequer a superficie territorial, e não ha um só que pela sua riqueza agglomerada justifique esta absurda, arbitraria e injusta divisão. Que rasões, pois, levam o governo a propor uma similhante monstruosidade, e a camara a votal-a? Repito, não ha um só circulo de entre estes que, pela sua população condensada e pela sua riqueza agglomerada justifique uma similhante divisão.
No Porto, por exemplo, ha um circulo que tem quatro mil e tantos fogos, e apesar d'esse circulo ser creado na segunda cidade do reino, nem ao menos pela sua riqueza justifica a divisão. A sua area é muito circumscripta, e tanto que não attinge 20:000 hectares. Fafe é outro circulo, que não conta bem 6:000 fogos, tem tambem uma area muito circumscripta; e para se tornar ainda mais odiosa similhante divisão basta dizer que deslocaram freguezias de concelhos, de fórma que votam em differentes circulos. E tudo isto se faz na paz do Senhor! Tudo se consente e tudo se apoia; parlamento e governo são dignos um do outro.
Eu propuz que se adoptasse a base da circumscripção de 1859, mas rejeitaram a minha proposta. O que acontece porém? É haver manifesta desigualdade de circulo para circulo, porque uns têem quatro mil e tantos fogos, outros 12:000, etc, de modo que ha circulos tres vezes mais populosos, e com maior numero de interesses e riquezas, e representados por um só deputado como os circulos pequenos!
Acha a camara isto igual, justo, rasoavel e moral? É, pois, para sanccionar todas estas bellezas, todas estas regularidades, todas estas perfeições que se vem votar nos ultimos dias da sessão este projecto de lei? Reveja-se a camara na sua obra, e um dia virá em que o arrependimento dos erros seja já tarde.
Acha a camara justo e moral tudo isto? Eu não; e tenho a certeza de que o paiz todo me acompanha, e por isso eu pedia á camara que pensasse seriamente antes de votar uma monstruosidade d'esta ordem.
Sr. presidente, descendo á analyse parcial dos differentes districtos, mostra-se facilmente que a distribuição dos deputados não é proporcional, que uns dão mais, outros menos, segundo a vontade do governo e os interesses de alguns deputados.
Começaremos por Vianna. Dá 6 deputados, e pertencia-lhe dar 7, se se attendesse ás bases adoptadas. A camara póde verificar, como eu fiz, se duvida dos meus calculos.
(Leu.)
O governo, porém, entendeu que deviam ser só 6, ficou com 6, apesar da sua população e riqueza, e deixaram-lhe lá dois circulos - um com 10:629 fogos e outro com 11:554 fogos!
Perguntarei se a commissão em consciencia entende que esta divisão é proporcional á população, á superficie e riqueza d'este districto? Parece-me que não se atreverá a combater a verdade. Estas desigualdades palpitantes, e que pela manifesta injustiça ressumbram de toda a circumscripção, foram que me determinaram a mandar para a mesa as minhas emendas, a fim de serem apreciadas pela commissão, de fórma que as inconveniencias arbitrarias e as injustiças mais flagrantes fossem corrigidas.
Baldados foram os meus esforços, porque a commissão identificada com o governo nem ouve clamores, nem attende á rasão.
As minhas emendas tendiam a que a commissão seguisse uma base, que satisfizesse as condições de justiça e equidade, ou então que adoptasse a circumscripção de 1859, circumscripção que tinha apenas 3 circulos a mais, e que já tinha sido ensaiada com bons resultados e que todos a conheciam, emquanto que esta com tantas imperfeições ninguem sabe o resultado que dará na execução.
Passemos ao districto de Braga. Dá 10 deputados, e attenderam á população, mas fizeram a divisão tão irregular, e tão pouco rasoavel, que deixaram 3 circulos - um com 11:349 fogos, outro com 11:388 e outro com 10:905 fogos.
Porque procedeu assim o governo? Quaes os motivos que justificaram esta divisão desigual e injusta?
Sr. presidente, emquanto para este districto se procede por esta fórma, para com o de Villa Real, procede-se de um modo exactamente contrario, porque devendo dar 6 deputados dá 8.
Qual foi a base de que se serviram o governo e a commissão para fazerem esta circumscripção? Com que direito se augmenta o numero de deputados ao districto de Villa Real,
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e se diminue a outros districtos? Que direito tem o parlamento para proceder d'este modo, em logar de ter por norma as regras da justiça e da moralidade?
Se a camara não quer attender a nenhuma emenda, se não quer melhorar a lei, vote a circumscripção como é apresentada, mas ha de ficar sabendo que vota um escandalo, uma monstruosidade. Se quizer dar-se ao trabalho de verificar o que eu affirmo, virá a conhecer que a verdade dos meus calculos e das minhas observações não póde ser destruida.
Sr. presidente, emquanto ao districto de Bragança, póde-se dizer que a circumscripção está bem feita, pois tem o numero de deputados correspondente á população, e os circulos estão rasoavelmente divididos; mas já não succede o mesmo no do Porto, que não tem a representação que lhe compete. Devia ter 13 deputados e dão-lhe apenas 12; e, na divisão dos circulos, seguiram os principios adoptados para a maior parte dos districtos, pois tambem ali ha circulos de 10:000 a 12:000 fogos, emquanto que ha 1 de pouco mais de 4:000.
Se a commissão e o governo não querem admittir como base para a divisão dos circulos eleitoraes o numero dos fogos ou o numero dos eleitores, se preferem fazer representar os interesses, façam a divisão em harmonia com esses interesses, mas isto a respeito de todos os circulos e não só para aquelles que pretendem beneficiar. Estabeleçam a representação proporcional dos interesses: quem vale 10, é representado como 10, quem não vale senão l, é representado como l; mas não tratem de satisfazer só as conveniencias politicas, porque isso desacredita o parlamento e o governo, e a camara que for eleita por esta lei não representará o paiz, porque não será a expressão genuina da vontade popular, nem da verdade da urna.
Emquanto á circumscripção dos circulos de Aveiro nada ha a censurar, a não ser o facto de se ter deixado tal qual estava pela lei de 1869, ficando como estava o circulo por onde costuma ser eleito deputado o sr. José Luciano de Castro.
Este acto é altamente censuravel, e revela bem o pensamento do governo, que recusa a justiça clara e manifesta a um dos seus mais acirrados adversarios.
N'este circulo não se mecheu, apesar de quasi todos os outros serem compostos de sete mil e tantos fogos, e não attingirem a base de 7:004 fogos.
Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem qual é a posição distincta que este illustre deputado tem occupado na outra casa do parlamento.
Ora, quando o governo e o parlamento procedem d'esta fórma, vê-se perfeitamente que elles não são os competentes para tratar d'estes assumptos, porque a paixão politica cega-os, offusca-os e leva-os mesmo a esquecerem-se do que devem a si, á sua posição e sobretudo ao paiz. Este systema é sempre mau, porque mais tarde vem as reprezalias.
Ao districto administrativo de Coimbra deram 9 deputados, exactamente os que devia ter; mas tambem fizeram a divisão formando uns circulos desmedidos, e outros pequenos.
Ao districto de Vizeu deram 11 deputados, devendo ter 12; e, para não deixarem de faltar ainda ás cosniderações de justiça, que devia ser attendida para todos os circulos, foram formar 3 circulos com dez mil e tantos fogos!
Assim era necessario, porque assim convinha ao governo, e lhe satisfazia as conveniencias politicas; e, portanto, a camara dos senhores deputados votou este projecto, e naturalmente será tambem votado aqui pelos meus illustres collegas; mas antes de o fazerem, eu hei de tornar bem salientes todas as tricas vergonhosas do governo, todos os seus planos de interferencia eleitoral, e sobretudo todas as injustiças e escandalos da circumscripção, de fórma que, se approvar este projecto, ha de fazel-o com perfeito conhecimento de causa, e sabendo que o vota com o seu cortejo de vicios e de immoralidades.
O districto da Guarda dá mais 1 deputado, tendo um circulo de dez mil e tantos fogos. Esta divisão não a discuto, porque mesmo assim é das mais rasoaveis.
Castello Branco dá 5 deputados, devendo dar 6 que era o que lhe competia. Mas para esta divisão sr. presidente, assim se fazer deixou-se de apresentar o mappa da sua verdadeira população.
Sr. presidente, no districto de Castello Branco dá-se o maior de todos os escandalos.
Eu chamo a attenção da camara para lhe fazer ver o modo por que o governo procedeu na formação dos circulos.
Este districto, pelo decreto eleitoral de 1852, attendendo que tinha cinco comarcas, dava por cada uma d'ellas 1 deputado; depois acrescentou-se-lhe mais um circulo, pela lei de 1859, e todos os concelhos que o compunham tinham os mesmos interesses; viviam, por assim dizer, na mesma communidade, porque os habitos, costumes, commercio, cultura e induztria, teroitorio, era tudo o mesmo, e por consequencia esta divisão era reclamada e perfeita.
Tanto a divisão que existia em 1852, como a que a substituiu em 1859, tinha rasão de ser e era justificavel debaixo de todos os pontos de vista. Até a divisão feita em 1869 é rasoavel; mas a que se propõe é de tal fórma escandalosa, que eu emprazo o sr. relator da commissão para que a venha defender á face da justiça.
Quer v. exa. saber e a camara o que se fez? A Certã tem commercio, industria e agricultura completamente differente do Fundão, é um trato de terreno coberto de montanhas e ribeiras. A comarca da Certã é composta dos concelhos de Oleiro, Villa de Rey e Proença a Nova. Quer v. exa. saber o que fez o governo, porque lhe convinha, e porque o governador civil assim o indicou como meio de vencer as eleições? Arrancou ao concelho de Oleiro a Certã, da qual dista duas ou tres leguas, e foi ligal-a ao Fundão d'onde a cabeça do concelho e algumas freguezias estão separadas, a distancia oito e de dez leguas, por montes, fragas e ribeiras, dando-se o caso ainda que entre parte do concelho de Oleiro e o do Fundão mette-se um outro concelho, o de S. Vicente, que faz com que o concelho de Oleiro apenas em um ponto toque com o do Fundão.
Apesar d'isto, e do concelho de Oleiro votar conjuntamente com a Certã na eleição dos procuradores á junta geral do districto; apesar das relações que tem com este concelho, e de estar de tal fórma ligado com elle, que faz parte da mesma comarca; apesar da comarca da Certã ser inferior em população á do Fundão; apesar de tudo isto, foram crear no Fundão um circulo muito maior, indo tirar á Certã o concelho de Oleiro, para a Certã ficar com seis mil e tantos fogos, e o Fundão com nove mil e tantos!!!
Aqui está o que o governo fez, a camara dos deputados votou, e a commissão d'esta casa adoptou, recusando a minha emenda, apesar de ser de alta justiça!! Admirem e pasmem!
Quaes são aqui os interesses a que o sr. relator Barros e Sá tem de se apegar para defender o desejo do governo?
Quaes são as rasões que a commissão teve para sanccionar um escandalo d'esta ordem?
Quaes as causas que fizeram esquecer todos os principios de justiça e de moralidade?
Sr. presidente, quando se entra n'um campo largo de corrupção, prevê-se logo que o futuro ha de trazer consequencias funestas, e a quéda no abysmo é fatal.
É n'este campo que se tem lançado o governo, e o publico está já tão familiarisado com este systema. que já não lhe fazem impressão os actos mais extraordinarios.
Eu vou contar um facto, para v. exa. ver a que estado as cousas chegaram.
Eu li n'um jornal publicado hoje um annuncio, em que
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se promettia um tanto a quem arranjasse um emprego de certo rendimento.
Isto quer dizer que se vendem empregos, que este facto é já de tal fórma vulgar, que até se annuncia pelos jornaes a compra de empregos!
Veja a camara o resultado do systema que o governo inaugurou, e á vista d'isto não hei de eu levantar constantemente a minha voz contra tantos erros e desvarios!
Que desacreditem o governo, ou que elle se desacredite, pouco me importa; mas que vá reflectir sobre as instituições esta falta de tacto e de juizo, é o que eu sinto.
Sr. presidente, eu podia continuar a analyse de outros districtos para mostrar a monstruosidade d'esta circumscripção, mas reconheço que é inutil; e para que se não diga que estou a embaraçar a discussão, embora o meu fim seja tratar este assumpto com toda a seriedade, vou concluir pelo exame do districto de Lisboa.
Lisboa, se se attendesse á sua superficie e á sua população, deveria dar 11 deputados, e dá 16. Porquê? Qual é a base adoptada para este circulo?
Sr. presidente, se o sr. relator da commissão, ou o governo, for capaz de destruir estas minhas asserções, convencer-me-hei de que estou em erro.
Mas é tal a minha convicção, que tenho a certeza que nenhum ministro se levantará a combater-me, e que o sr. relator o fará, ou de passagem, ou empregando algum sophisma.
Eu pedi a v. exa. que me reservasse a palavra para hoje, para fazer algumas considerações sobre o projecto. Como cumpri o meu dever, julgo dever limitar aqui as minhas observações.
A camara fará o que entender, na certeza de que lhe cabe grande responsabilidade se der a sua approvação a este projecto.
O sr. Presidente: - Eu vou dar a palavra ao digno par, o sr. marquez de Sabugosa; mas pergunto a s. exa. se é para repetir o requerimento que fez ha pouco?
O sr. Marquez de Sabugosa: - Sim, senhor.
O sr. Presidente: - Então tem v. exa. a palavra.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu pedi á camara, na occasião que me pareceu mais opportuna, que só consignasse na acta a declaração que o sr. presidente do conselho tinha feito hontem, de que a opinião do governo era que a idade legal é aos vinte e um annos; mas que entendia não se dever consignar isto na lei, porque isso traria a necessidade de haver commissão mixta.
Pedi tambem que esta declaração fosse publicada no Diario do governo.
O nosso digno presidente entendeu, porém, que não podia submetter este requerimento á camara na ausencia do sr. presidente do conselho.
Ora, como s. exa. se acha presente, vou fazer novamente o meu requerimento.
E visto que estou com a palavra, fundamental-o-hei, se isso me for permittido.
Eu faço este requerimento, porque me parece necessario esclaracer o paiz e o poder moderador da situação em que se acham as duas casas do parlamento e o governo. Não sei se este esclareceu já a corôa a este respeito; mas, se o não fez, tem obrigação de o fazer de algum modo, porque ella carece ter conhecimento do que se passa entre o parlamento e o governo.
Ora, a opinião do governo é contraria á opinião da maioria da camara dos senhores deputados, não sobre uma questão relativa á eleição de um membro para a commissão de resposta ao discurso da corôa, mas n'uma questão aliás importante.
Eu vou mostrar como estão em opposição as maiorias das duas casas do parlamento.
Como não me é possivel ler toda a sessão da camara dos senhores deputados relativa a este assumpto, indicarei apenas o que é necessario para esclarecer a camara.
Vou ler, portanto, o que disse o sr. Lopo Vaz, relator da commissão da outra camara. É o seguinte:
(Leu.}
Por consequencia, o sr. relator da commissão da outra casa do parlamento que, de certo, representa a opinião da maioria, declarou que a idade legal era aos vinte e cinco annos, e que por isso não tinha acceitado a proposta para que ficasse consignado na lei que a idade legal é aos vinte e um annos.
Isto é o que disse o sr. relator da commissão da outra casa do parlamento; mas o relator da nossa commissão propoz que não se consignasse a idade na lei, e isto por uma rasão contraria; porque, disse s. exa., é evidente que a idade legal é aos vinte e um annos.
(Leu.}
De sorte que a outra camara entende que não se deve inserir na lei disposição alguma, porque a idade legal é aos vinte e cinco annos, e a camara dos pares diz que não é necessario consignar-se na lei, porque a idade legal é aos vinte e um annos; deixando assim ao paiz o julgar como entender, e não se importando com que o governo declare que tem opinião, mas uma opinião platonica.
Ora, n'estas condições, o que existe é um conflicto entre as duas camaras, e um manifesto conflicto entre a camara dos senhores deputados e o governo.
Sr. presidente, por esta occasião permitta-me o illustre relator da commissão que eu rectifique uma proposição de s. exa., filha de certo de ter visto precipitadamente o extracto da sessão.
S. exa. disse, se bem me recordo, que o sr. José Luciano tinha concordado em que se não marcasse na lei qual havia de ser a maioridade legal. Ora, lendo a sessão vê-se, pelo contrario, que o sr. José Luciano propoz que essa maioridade fosse a de vinte e um annos.
Rectificado este facto, perguntarei eu como será interpretado o artigo? Perfeitamente ao arbitrio do governo.
Nos circulos onde quizer, ou onde lhe convier mais que a maioridade legal seja aos vinte e cinco annos, faz com que as suas auctoridades assim a entendam; quando, pelo contrario, lhe convier que a maioridade seja aos vinte e um annos procede pela mesma fórma.
Será isto legislar?
Deverá o parlamento consentir em tal?
Este modo de proceder importa até certo ponto uma desconsideração para com a camara dos senhores deputados.
A outra casa do parlamento entendeu que a maioridade legal era a de vinte e cinco annos, nós entendemos que é de vinte e um, o governo entende-o pela mesma fórma; porque se ha de, pois, deixar indefinido o facto, não o consignando expressamente na lei?
Não póde ser, sr. presidente.
Eu disse n'esta camara, quando aqui se apresentou pela primeira vez o governo, que s. exas. n'aquellas cadeiras representavam um sophisma do systema representativo; hoje acrescento - representam a aniquilação d'esse systema.
Dá-se um conflicto entre as duas camaras, e quando este facto se dá, recorre-se á commissão mixta.
Porque se não ha de proceder assim em conformidade com a lei?
Não se procede, porque o governo não quer que as cousas fiquem definidas; e não quer porque reconhece o conflicto em que está com a outra camara; não quer que o paiz reconheça este conflicto, nem quer dar d'elle conhecimento ao poder moderador.
Sr. presidente, que a maioridade legal é aos vinte e um annos parece-me claro e expresso. A carta diz, é verdade, que a maioridade é aos vinte e cinco annos, mas o acto addicional diz.
(Leu.)
E referindo-se expressamente a este artigo, diz no artigo 9.°
(Leu.)
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Refere-se exactamente ao artigo que contém aquella disposição; portanto, não póde haver duvida nenhuma, porque desappareceu o artigo da carta, ficando apenas o do acto addicional.
Ora, se a maioridade está estabelecida aos vinte e um annos é claro que não póde deixar de ser opinião do parlamento que esta declaração se consigne na lei, para que ella seja clara e explicita, de modo que não dê logar a duas interpretações.
Quando aqui mesmo, no seio das duas camaras se levantam conflictos, não hão de levantar-se da mesma sorte em todo o paiz se o projecto passar tal qual está? Isto não póde ser.
Limite-me por emquanto a estas observações, e concluo insistindo pelo meu requerimento.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Não ouvi se o digno par, no fim do seu discurso, fez algum pedido com relação ao governo?
O sr. Marquez de Sabugosa: - Pedi que se lançasse na acta a declaração do sr. presidente do conselho, se s. exa. não tiver duvida n'isso, com relação á maioridade legal ser aos vinte e um annos.
S. exa. disse ser esta a opinião do governo, mas que não desejava se consignasse na lei esta designação, para não haver necessidade de recorrer se a uma commissão mixta que resolva o conflicto que por esse facto se daria entre as duas camaras.
O sr. Presidente do Conselho de Ministos: - É esta a minha declaração, que vou mandar para a mesa. As rasões em que ella se funda já as dei no meu discurso.
(Leu.)
O sr. Marquez de Sabugosa: - O sr. presidente do conselho, quando fez verbalmente essa sua declaração, acrescentou que entendia que a designação da idade legal se não devia consignar no projecto, para este não ter de ir á outra casa, do que resultaria a necessidade da commissão mixta.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Se o digno par quer que se consigne na acta todo o meu discurso, não tenho duvida; peço, pois, aos srs. tachygraphos o favor de o offerecerem á mesa.
No meu discurso estão as palavras a que s. exa. se refere, e estarão outras que o digno par talvez tambem desejo se lancem na acta...
O sr. Marquez de Sabugosa: - O que eu peço é que se lance na acta a declaração do sr. presidente do conselho, mas acompanhada das palavras que designavam a ra-são por que s. exa. não quer que a maioridade legal se designe n'esta lei.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - E eu peço que se lance na acta todo o meu discurso.
O sr. Presidente: - Parece-me que o digno par, o sr. marquez de Sabugosa, se deve contentar com a declaração que o sr. presidente do conselho mandou para a mesa. Não é costume transcreverem-se na acta as rasões por que se faz tal ou tal declaração.
O sr. Marquez de Sabugosa: - O meu requerimento varia agora de fórma, e junto-lhe o seguinte: que se mande publicar a parte do discurso do sr. presidente do conselho, em que declarou s. exa. que a maioridade legal era de vinte e um annos; e que não desejava que fosse consignada na lei esta declaração, para não haver necessidade do projecto ir á outra camara, e, por consequencia, ter de nomear-se uma commissão mixta.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço licença para fazer um additamento a esse requerimento, e parece-me que tenho igual direito de requerer. Esse additamento é para que se publique, não uma parte do meu discurso, mas todo elle.
O sr. Marquez de Sabugosa: - O que eu desejo é que se publique em separado no Diario do governo a parte do discurso do sr. presidente do conselho, com relação á maioridade legal e a não querer que o projecto volte á outra camara. Quanto ao mais, é-me indifferente que se publique ou não.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Insisto no meu pedido para se publicar o meu discurso todo.
O sr. Presidente: - Na acta não se póde transcrever um discurso todo; o que póde é ser publicado no Diario do governo, alem de ter a devida publicação no Diario da camara. (Apoiados.)
Se a camara assim o resolver, mandar-se-ha fazer a publicação do discurso do sr. presidente do conselho no Diario do governo, e lançar-se-ha na acta a declaração que s. exa. mandou para a mesa. Parece-me que todos se devem contentar com esta solução. (Muitos apoiados.) O discurso todo é que não póde ser transcripto na acta. (Apoiados.)
O sr. Marquez de Sabugosa: - Não fui eu que pedi que se lançasse na acta todo o discurso do sr. presidente do conselho, mas foi o proprio sr. Fontes que o pediu. (Apoiados.) Portanto, os dignos pares que se dirigiam a mim quando apoiavam ha pouco as palavras do sr. presidente, devem dirigir-se a s. exa. Se esses apoiados querem dizer que a camara vota contra a inserção na acta do discurso do sr. Fontes, vota contra s. exa. e não contra mim.
O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Se o digno par quer a palavra para fallar sobre este incidente, eu não posso abrir discussão sobre elle, salvo se a camara resolver o contrario. Realmente, pelo facto de um digno par pedir que se lance na acta uma declaração, ha de a proposito d'isto abrir-se uma larga discussão, que não sei onde chegará? (Apoiados.) Isso não póde ser. (Muitos apoiados.)
O sr. Vaz Preto: - Como vi que o sr. presidente do conselho estava a discutir este assumpto, por isso pedi a palavra, parecendo-me que tinha o mesmo direito. O sr. presidente do conselho apresentou um pedido contrario ao regimento, a camara pronunciou-se contra esse pedido, e eu queria mostrar claramente que o procedimento do sr. presidente do conselho continua a ser cada vez mais extraordinario.
O sr. Presidente: - Não posso deixar continuar a discussão n'este terreno, a não ser que a camara resolva o contrario. O sr. marquez de Sabugosa pediu no principio da sessão para lhe ficar a palavra reservada para quando estivesse presente o sr. presidente do conselho, porque desejava requerer que se lançasse na acta a declaração que o sr. presidente do conselho aqui fizera. A camara concordou no pedido do digno par. Foi um acto de deferencia da parte da camara para com s. exa., e que ella costuma sempre ter para com os seus membros.
O sr. marquez de Sabugosa pediu que se lançasse na acta uma declaração do sr. presidente do conselho. Não sei se a camara concordará com este pedido. Todavia, qualquer digno par o póde fazer.
Tenho, porém, a observar que o sr. presidente do conselho mandou para a mesa a declaração seguinte:
«O governo entende que pela legislação em vigor a idade legal para ser eleitor é a de vinte e um annos. - 25 de abril de 1878. = Fontes.»
Eu entendo que isto é o que se deve lançar na acta.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Por que se ha de lançar na acta essa declaração, e não se ha de lançar a outra, de que a rasão era por não ter de ir á outra camara, por causa da commissão mixta?
O sr. Presidente: - Eu peço a attenção da camara. As rasões com que um orador póde justificar a sua declaração não fazem parte d'ella.
O sr. presidente do conselho podia justificar a sua declaração com as rasões que entendesse. (Apoiados.} Mas essas rasões, que constituem o seu discurso, não podem ser lançadas na acta, nem publicadas no Diario do governo, sem resolução da camara.
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Eu creio que a camara não póde querer abrir uma discussão sobre este assumpto. Entretanto, vou consultar os dignos pares se permittem que se lance unicamente na acta a declaração mandada para a mesa pelo sr. presidente do conselho, e no Diario do governo o seu discurso na integra...
O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra, porque não se póde abrir discussão sobre este assumpto.
O sr. Vaz Preto: - E sobre o modo de propor.
O sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra ao digno par sem uma resolução da camara.
Se a pretexto de fallar sobre o modo de propor os dignos pares podem pedir a palavra, e dizerem o que quizerem, as discussões serão interminaveis.
O sr. Vaz Preto: - Eu posso usar da palavra sobre o modo de propor, porque não houve ainda votação.
O sr. Presidente: - O sr. presidente do conselho não tem duvida em que o seu discurso seja publicado no Diario do governo.
Parece-me, portanto, que a exigencia dos dignos pares deve estar largamente satisfeita.
Eu vou ler á camara a declaração do sr. presidente do conselho.
(Leu.)
O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra sobre a materia.
O sr. Conde de Rio Maior: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Darei a palavra aos dignos pares; depois de terminado este incidente, mas julgo dever declarar á camara que o sr. conde de Rio Maior já fallou quatro vezes sobre o assumpto, e o sr. Vaz Preto outras quatro.
Eu não quero por fórma alguma, que a camara julgue que desejo tolher o uso da palavra aos dignos pares. O regimento é muito latitudinario a este respeito, mas é evidente que é dentro dos limites do rasoavel. No artigo 49.° diz o seguinte:
«O auctor de um projecto ou proposta em discussão precede a todos os oradores; assim elle, como o relator da commissão, que o tiver examinado, poderão fallar tantas vezes quantas lhes pareça conveniente para esclarecer a materia ou satisfazer aos reparos dos pares.»
Eu quero admittir que o sr. Vaz Preto seja auctor de uma ou mais propostas; no mesmo caso está o sr. marquez de Sabugosa, mas não o sr. conde de Rio Maior.
O sr. Conde de Rio Maior: - Eu não fallei sobre a materia.
O sr. Presidente: - Mas o artigo acrescenta mais:
«Ao presidente cumpre evitar que o nimio uso d'este arbitrio se torne inopportuno.»
Ora, é evidente que o sr. Vaz Preto fallou hontem tres vezes, ficando com a palavra reservada pare hoje. S. exa. acaba ha pouco de fallar, e pede logo a palavra sobre o mesmo assumpto.
O sr. Vaz Preto: - Eu mandei para a mesa quatro ou seis propostas, que podia ter apresentado isoladamente, e dando-me o regimento o direito de fallar sobre ellas as vezes que julgar conveniente, foi em virtude do regimento que pedi a palavra; mas por muita deferencia para com v. exa. cedo d'ella, limitando-me a requerer que se lance na acta, que o sr. presidente do conselho declarou que não quer que o projecto volte á outra camara para evitar uma commissão mixta.
O sr. Presidente: - Queira o digno par mandar para a mesa a sua proposta por escripto.
Vão ler-se tres officios do ministerio da guerra.
O sr. Secretario: - Leu.
Tres officios do ministerio da guerra, remettendo documentos pedidos em tres requerimentos pelo digno par Vaz Preto.
Para a secretaria.
O sr. Mártens Ferrão (sobre a ordem): - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer da commissão de instrucção publica, sobre as propostas e emendas que foram apresentadas durante a discussão do projecto que hontem se votou.
Lido na mesa foi a imprimir.
O sr. Presidente: - Pergunto á camara se quer que seja lançada na acta a declaração, que o sr. presidente do conselho mandou para a mesa, e que o discurso de s. exa. seja publicado na integra no Diario do governo.
Assim foi resolvido.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu desejo saber o que se vota.
Pareceu-me entender que v. exa., pondo á votação se se deve consignar na acta a declaração do sr. presidente do conselho, acrescentou que o seu discurso se deve publicar na integra no Diario.
O sr. Presidente: - O sr. presidente do conselho pediu que o seu discurso fosse publicado por inteiro no Diario do governo, alem de ser publicado no Diario da camara, e foi isto que se votou.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Como no discurso de s. exa. deve vir a declaração relativa á commissão mixta, a que me referi, estou satisfeito.
O sr. Vaz Preto: - O meu requerimento é o seguinte:
(Leu.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o requerimento do digno par.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que se lance na acta a declaração do sr. presidente do conselho, de que quiz evitar que a lei eleitoral voltasse á outra casa do parlamento, para não dar motivo a ter de se formar uma commissão mixta, para resolução da questão importante da maioridade legal. = Vaz Preto.
O sr. Presidente: - O sr. presidente do conselho mandou para a mesa a declaração, que a camara já approvou que fosse lançada na acta; o sr. Vaz Preto pede mais o seguinte.
(Leu.)
Vou consultar a camara.
Consultada a camara, foi rejeitado o requerimento.
O sr. Presidente: - Vamos entrar na discussão do parecer; mas antes eu devo declarar á camara, que tendo convidado o digno par, o sr. conde de Rio Maior, a vir á mesa, reconheci que o sr. conde de Rio Maior fallou quatro vezes, não sobre o objecto que se discute agora, mas sobre o projecto de lei que hontem foi approvado, e ao qual offereceu varias emendas. Tem, portanto, s. exa. o direito de fallar sobre este parecer, e por isso julgo dever dar esta satisfação ao digno par.
Tem s. exa. a palavra.
O sr. Conde de Rio Maior: - Eu agradeço a v. exa. o ter tido a bondade de me chamar á presidencia, para que se restabelecesse a verdade dos factos.
Eu não fallei hontem sobre este projecto, porque tendo discutido largamente o projecto relativo á instrucção primaria, e não sabendo que era este o que se seguia, confesso não estava habilitado para o apreciar convenientemente.
Respeito muito esta camara, sr. presidente, e quando tenho a honra de fallar perante ella, desejo sempre provar que não discuto levianamente.
Sr. presidente, eu declaro que as observações do illustre relator da commissão foram mais uma prova da sua alta intelligencia e dotes oratorios; comtudo as suas observações não me poderam dar o convencimento, que muitas vezes adquiro com as luzes do digno par.
Este projecto, sr. presidente, deu motivo hontem a que por um momento se julgasse que o longo silencio tinha sido rompido por parte do governo, representado pelo seu illustre chefe; porém não succedeu assim.
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O governo, sempre o mesmo, nada disse, apesar do excellente exemplo dado n'esta camara pelo digno par, o sr. relator da commissão, o qual, não lhe importando a recommendação ministerial sobre a estreiteza do tempo, entendeu, pela consideração que lhe merece esta assembléa, e em vista da importancia do assumpto, não dever limitar-se a uma breve resposta; e saíndo da trivialidade dos pareceres, como já o fez na questão da reforma d'esta camara, discutiu calorosamente, no campo elevado dos principios, a actual materia.
S. exa. entendeu não perder tempo tratando do direito do suffragio, é citou, como exemplo, o facto passado no parlamento inglez, onde duas das suas maiores illustrações, por occasião da ultima reforma eleitoral, comprehenderam a utilidade de chamar a sciencia em seu auxilio, e de reflectir em frente da philosophia sobre a grave doutrina do direito do suffragio.
Todavia estas citações para nada serviram, e o silencio, quasi completo, continuou no banco dos srs. ministros! S. exas. nem acreditam, nem têem fé no systema parlamentar, e d'ahi nasce tudo quanto estamos vendo.
O gabinete está aqui, permitta-se-me a comparação, como as creanças na escola, contando e pensando só nos minutos que faltam para que a classe possa acabar.
O governo não faz senão olhar para o relogio collocado na parede d'esta camara, e ver se a hora passa rapidamente, para se livrar do pesadelo e do incommodo da discussão!
Depois finge-se victima, como se a victima não seja o paiz, que soffre as consequencias da desgraçada administração de s. exas., cujos maus effeitos nós procurâmos attenuar constantemente, combatendo os projectos e as muitas despezas, que formam o systema d'este triste governo.
Não digam, pois, s. exas. que são victimas, porque victimas, torno a dizer, é o paiz e somos nós.
Sr. presidente, compare-se a epocha presente com aquella que o sr. presidente do conselho tanto honrou pela maneira nobre por que tratava as questões.
N'esse tempo estava eu nos bancos da universidade, e igualmente dois membros do gabinete; procurava-se então avidamente o Diario das côrtes para ler os discursos do sr. Fontes, que tratava os altos assumptos do estado em toda a sua altura, e os discutia desassombradamente e com a latitude que elles pediam!
Compare-se essa epocha com a de hoje; e compare-se tambem a epocha em que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, querendo ganhar as suas esporas de cavalleiro na politica, passava tres dias na camara dos senhores deputados a discutir a instrucção publica.
Comparem-se todos estes factos com o procedimento de hoje de s. exas., que se exaltam com impaciencia, quando nós lhes tomâmos algum tempo, fallando sobre estes interessantes assumptos, e logo nos lembram pela sua dialetica o cansaço da assembléa, que se fatiga escutando as considerações da opposição.
Sr. presidente, o silencio rompeu-se por fim, e como se rompeu?
Em primeiro logar declarando o sr. presidente do conselho as suas hesitações na questão juridica.
Parece-me que foram estas as palavras de s. exa., como se verá, quando apparecer o seu discurso, que será publicado tarde; mas a camara deve recordar-se bem das phrases, porque ainda ha poucas horas foram ellas proferidas.
S. exa. declarou-se na questão juridica incompetente, e depois pediu á sua maioria e supplicou para não demorar um instante a approvação do parecer, rejeitando a alteração proposta pelo sr. marquez de Sabugosa, porque receiava que d'ahi viesse mal aos negocios publicos, e que a lei se mallograsse.
Que importa que a lei seja obscura, que se levantem processos, muitas leis e muito apparato é o principal?! Se rejeitam, teremos a commissão mixta, crise com a outra camara, e a este respeito logo direi a minha opinião.
Compare-se este facto, sr. presidente, com o facto passado, quando se tratou da reforma d'esta camara. Estavam no projecto tres artigos constitucionaes, e eu propuz á assembléa a sua eliminação; para que votar o que já estava na carta?
Não havia hesitações, não havia duvidas, como as que apparecem a proposito da lei que estamos discutindo.
Todavia a assembléa rejeitou a minha proposta, e eu honro-me muito de que o digno presidente d'esta camara, em quem todos reconhecem tanta auctoridade sobre negocios politicos, me tivesse acompanhado na votação.
Sr. presidente, tem-se querido aproveitar de uma certa desharmonia que existe entre mim e os meus collegas da opposição, ácerca de alguns dos importantes assumptos commettidos ao nosso exame.
Effectivamente ha discordancia de opiniões n'alguns pontos; mas não quer isto dizer que perante o inimigo commum, perante o mau estado das finanças, perante a pessima administração do governo, não estejamos unidos para votarmos unanimemente, da maneira por que o temos feito até agora. (Apoiados.)
Pedi a palavra, sr. presidente, porque tendo tido a honra de discutir n'esta casa algumas das mais importantes questões ultimamente aqui tratadas, não podia tambem deixar de consignar a minha opinião expressa sobre a materia que nos occupa, e que foi apresentada pelo meu particular amigo o sr. marquez de Sabugosa.
N'este momento vou dar á camara um testemunho da sinceridade das minhas convicções, e de quanto procuro que as apreciações por mim feitas sejam conformes com o principio de justiça.
Eu fui um d'aquelles que impugnaram mais viva e fortemente o projecto de lei eleitoral, porque entendi, e entendo, que o alargamento do suffragio como se quer estabelecer tinha grandes inconvenientes; mas, apesar d'isso, é hoje a minha opinião que, em face da lei, a maioridade para ser eleitor se deve considerar aos vinte e um annos.
Hesitava, fui estudar, fui examinar, convenci-me ser esta a idade, e francamente o venho dizer e sustentar.
Sobre este assumpto, para supprir a fraqueza dos meus conhecimentos juridicos, quiz soccorrer-me á opinião de alguns jurisconsultos importantes; busquei, portanto, a de um jurisconsulto que, alem de ser muito notavel pela illustração de todos reconhecida, não se occupava, quando escrevia, de politica, e por isso maior peso deve ter o seu parecer.
Nas Annotações ao codigo civil portuguez, pelo sr. José Dias Ferreira, leio o seguinte:
«A portaria de 29 de janeiro de 1869 decidiu negativamente ser a maioridade legal aos vinte e um annos, com o fundamento de que a carta constitucional, nos artigos 65.° § 1.° e 68.°, excluia de votar e de serem votados os menores de vinte e cinco annos, e de que as disposições do codigo só respeitavam aos direitos civis e não aos direitos politicos.
«Effectivamente esta é a doutrina da carta; porém o acto addicional expressamente alterou e revogou os citados artigos, como se mostra do artigo 9.° § unico, e determina que possa votar e ser votado para qualquer cargo publico, artigos 5.°, 7.° e 8.°, o que tiver entrado na maioridade legal. O acto addicional respeitou a maioridade fixada na lei civil, e não certo e determinado numero de annos. Ora, a lei que então vigorava e a que o acto addicional se referiu, era a velha ordenação e a novissima reforma judicial, que marcava os vinte e cinco annos, e foram revogadas n'esta parte pelo codigo civil; comtudo, hoje o codigo civil é que impera; porque a lei de 1 de julho de 1867, que deu sancção ao codigo, revogou toda a legislação sobre materia civil, tanto geral como especial, que recair nas materias n'elle comprehendidas; portanto, a maioridade legal, exigi
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da no acto addicional como condição para eleitor e elegivel, é a maioridade fixada na lei civil, que é o codigo civil, a datar desde a sua promulgação.»
O sr. Dias Ferreira ainda se prevalece de outros argumentos importantes; mas este é o principal.
S. exa. diz mais:
«O acto addicional serve-se de uma expressão que póde adaptar-se ás vicissitudes da lei civil na designação da idade que deve fixar a maioridade para o exercicio dos direitos civis.»
E mais adiante acrescenta:
«Em todo o caso bastará a duvida para se dever optar pela interpretação mais latitudinaria e mais favoravel ao direito eleitoral, emquanto os tribunaes competentes não se pronunciarem sobre o ponto controvertido, quando perante elles for levada alguma questão d'esta natureza.»
Sr. presidente, confesso, convenceu-me a argumentação d'este habil jurisconsulto, e eu, que não quero o alargamento do suffragio como o quer o projecto, inclino-me perante a lei vigente.
Antes de chegar ao corollario, que pretendo tirar das minhas observações, e de explicar, como entendo, a posição do governo em face d'esta questão, necessito referir-me a um ponto, que me ia esquecendo.
Sr. presidente, o illustre relator da commissão, embora não mencione o meu nome no parecer sobre as emendas apresentadas ao projecto, parece, comtudo, querer referir-se ás observações que eu tive a honra de offerecer, quando sustentei a opinião de Duvergier de Hausanne, a respeito do suffragio; opinião que foi por mim invocada, como digna de respeito.
Apesar do muito peso que tem para mim a opinião de um homem tão competente, como é o sr. Barros e Sá, eu continuo a defender a mesma doutrina, e creio que dou uma prova dos meus sentimentos liberaes, não acceitando que o direito de votar tenha origem e unico fundamento na capacidade.
O direito de votar, sr. presidente, é uma cousa mais alta, mais elevada do que diz o illustre relator, é de direito natural, não póde ter origem na capacidade!
Seria rebaixar muito um direito tão importante; e, quaesquer que sejam as minhas idéas de ordem, eu não desejo nunca ver atacado esse direito.
Alem das auctoridades que citei, quando fallei pela primeira vez sobre esta materia, trago tambem hoje a do Diccionario de Mauricio Block, que diz:
« A eleição é, portanto, um direito natural, que, segundo Lafayette, nenhum poder, nem mesmo a nação, póde violar, ainda quando seja com relação a um só individuo.»
Eu vou mais longe, e, se hontem me chamaram retrogrado, talvez hoje me appellidem de revolucionario. Eu respeito tanto este direito, que até entendo pertencer elle ás mulheres. Não o exercem, porque a sociedade usa para com ellas de uma tyrannia que se traduz em proveito da familia e do interesse do lar domestico. A mulher tem sagrados deveres domiciliarios a cumprir, a sua nobre missão é toda de affeições e carinho, e pelas condições em que se acha e está não ha conveniencia alguma que venha tomar parte na cruel luta da politica; mas, á face do direito absoluto, os seus direitos são iguaes aos nossos.
Não podia deixar de dar estas explicações ao digno par, visto o muito que o respeito, e tão honrado fui por s. exa. Talvez, meditando novamente as suas theorias, eu, que não sou teimoso, venha a convencer-me; por ora persisto na minha opinião.
Sr. presidente, quando pedi a palavra, tinha o sr. marquez de Sabugosa levantado aqui a questão de se lançar na acta a declaração expressa, que o sr. presidente do conselho fizera na sessão de hontem perante esta assembléa.
O sr. Fontes, com o talento que Deus lhe deu e a grande competencia que tem para tratar de todos os negocios politicos, limitou-se a dizer á camara que olhasse bem não tomasse a responsabilidade de fazer voltar este projecto á outra casa do parlamento, pois o caso era grave, e podia dar em resultado a necessidade de se nomear uma commissão mixta! Mais nada! Muito em poucas palavras.
Não é necessario ser forte em questões de regimento para saber que a commissão mixta tem logar quando ha conflicto entre as duas casas do parlamento. Ha esse conflicto? Entendamo-nos: eu estou persuadido de que o illustre presidente do conselho é que não desejava sujeitar á votação a questão de se considerar a maioridade legal aos vinte e um annos. As declarações, feitas por s. exa. n'esta casa, foram muito mais positivas e categoricas do que as outras que a este respeito fez na camara dos senhores deputados.
E a proposito, direi que, segundo leio nos jornaes de hoje, foram interpretadas com menos benevolencia algumas expressões que se soltaram aqui em referencia á outra casa do parlamento.
Poderia, no calor da discussão, ser proferida uma ou outra palavra menos suave, porém de certo não está na mente de qualquer de nós faltar á consideração e respeito devido áquella camara. (Apoiados.) De que me parece que os srs. deputados se deviam queixar é da pouca sinceridade da parte do governo em não collocar a questão, de que tratâmos, nos termos em que ella deve ser posta, e de, o governo hesitar longamente, como ainda hoje hesita, em ter opinião decidida n'esta grave materia.
O sr. presidente do conselho disse apenas que não queria designada na lei a idade legal, pelo receio de que essa alteração podesse trazer conflicto entre as duas casas do parlamento, o que daria logar á nomeação da commissão mixta. Estou persuadido que o receio não nascia do sr. presidente do conselho estar em desaccordo com a maioria dos deputados, por causa das declarações feitas aqui; s. exas. todos ambicionavam os vinte e cinco annos como maioridade legal.
O que houve foi mais uma vez a justificação pratica da theoria dos padroeiros, que podem muito, e que exigem os vinte e um annos.
Seja a lei menos clara, que importa, se as difficuldades melhor se sanam!
A verdade é que as duvidas permanecem; segundo a opinião de muitos jurisconsultos, ha rasão para as ter; porém, o sr. presidente do conselho pede á maioria d'esta casa que as não resolva, e por isso será votada a lei tal qual está o projecto, obscura e confusa.
Tenho concluido.
O sr. Marquez de Sabugosa (para um requerimento): - Requeiro a votação em separado sobre a minha proposta, que tem por fim consignar na lei qual é a idade legal; e peço que essa votação seja nominal.
O sr. Presidente: - Quando a inscripção estiver extincta se tratará do requerimento do digno par.
O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): - Ha um parecer que está sobre a mesa desde o anno passado, relativamente ao filho de um digno par fallecido. Esse requerimento é do sr. conde da Vidigueira, e ainda não foi discutido.
Alguns dos membros que examinaram o requerimento a que me refiro, e os documentos que o acompanhavam, são hoje fallecidos. Um d'elles foi o sr. barão de Rio Zezere, e outro o sr. conde de Fornos. Alem d'isso o sr. Ferreira Pestana, que tambem é da commissão, está ausente, e não é de esperar que venha n'esta sessão. Por consequencia aqui temos nós tres membros que faltam á commissão.
Ora, como no parecer da commissão sobre o negocio a que alludo se declara que, em falta de um documento essencial, que é carta da formatura, é escusado examinar os outros documentos, pedia a v. exa. para que a commissão se completasse e examinasse de novo este negocio, porque se dá o facto do sr. visconde de Portocarrero ter entrado n'esta camara apesar de lhe faltar tambem a formatura.
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Este facto não influiu para que a sua pretensão deixasse de ser considerada pela commissão como merecendo ser deferida pela camara. Nós necessitamos fazer justiça a todos, e é necessario que a lei seja igual para todos. E é isto o que está determinado no nosso codigo fundamental e o está nas leis geraes da humanidade. Não é uma cousa nova.
Pedia, pois, a v. exa. para que se adoptasse esta providencia. O sr. Barros e Sá acaba de pedir a palavra, provavelmente para dar algumas explicações, e por consequencia nada mais direi.
O sr. Barros e Sá: - Confesso o direito que o digno par tem de fazer requerimentos, mas a fallar a verdade a logica parlamentar não permitte que interrompamos a discussão em que estamos empenhados, para irmos tratar de uma questão incidente. Entretanto não quero fugir ao meu dever de dar explicações sobre esta causa.
A camara nomeou uma commissão para examinar o requerimento do successor do sr. marquez de Niza.
Essa commissão reuniu-se, e deu parecer, o qual está sobre a mesa. Ora, dois membros que fazem parte d'esta commissão estão vivos; e eu, que sou o relator d'esse parecer, tambem estou vivo para o sustentar.
O parecer não foi rejeitado; se o for, então se completará a commissão, para seguir os demais termos do processo, ou nomear-se nova commissão. Mas emquanto o parecer estiver sobre a mesa, não sei para que seja necessario completar a commissão.
Entendi que devia dar estas explicações á camara; ella, porém, fará o que entender, pois, repito, o parecer está sobre a mesa, e a maioria dos membros da commissão está viva, assim como eu, relator do parecer, para o defender.
O sr. Presidente: - Parece-me que a camara quererá dar por terminado este incidente, declarando eu ao digno par, que em breve este assumpto entrará em discussão (Apoiados.)
Continua, portanto, a ordem do dia, e tem a palavra o sr. Barros e Sá.
O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, eu tinha mais vontade, n'esta occasião, de guardar silencio, e deixar que a camara votasse este parecer, do que fazer nova discussão sobre materia, que está esgotada, e de cuja discussão a camara decerto está cansada. Porém, a minha posição de relator, e o muito respeito e consideração que tenho pelo digno par que acaba de fallar, obrigam-me não desertar, e a tomar a palavra para dar explicações. Antes, porém, de o fazer, começarei por agradecer a s. exa., o sr. conde de Rio Maior, as expressões de benevolencia que me dirigiu; tanto mais, sabendo eu que ellas são filhas da amisade constante com que me tem honrado, e de que me tem dado provas em publico e em particular. Mas, permitta-me s. exa. que eu insista na minha opinião ácerca do direito individual; opinião esta que é reforçada com a de muitos homens eminentes, que sustentam os mesmos principios, como, por exemplo, mr. Gladstone, que no parlamento inglez disse o seguinte:
(Leu.)
Por consequencia, a intelligencia e integridade é a prova.
Limito aqui as minhas observações a este respeito, as quaes, como disse, têem a auctoridade do grande estadista a que me referi, mr. Gladstone.
Eu cuidava que a questão da idade tinha terminado hontem, mas vejo com admiração que se renovou hoje, apesar de já ter declarado ao sr. marquez de Sabugosa que estou completamente de accordo com o digno par S. exa. disse, e muito bem, que não havia duvida em que a idade legal é aos vinte e um annos.
Pois se isto é assim, para que havemos de estar a interpretar o que não é duvidoso?
O digno par levou a demonstração a tal rigor, que não posso dispensar-me de dizer a este respeito algumas palavras mais.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Permitta-me o digno par que eu lhe observe que a camara dos senhores deputados decidiu em sentido contrario á designação dos vinte e um annos como idade legal.
O sr. Barros e Sá: - Ora, perdôe-me o digno par. A camara dos senhores deputados o que decidiu foi que não era preciso declarar nada na lei com relação á idade legal.
(Interrupção que se não ouviu.)
A camara dos senhores deputados é muito numerosa e cada um dos seus membros póde ter as suas rasões para adoptar uma ou outra opinião, como acontece n'esta casa; e pelo facto de um ou outro deputado da maioria ter esta ou aquella opinião sobre este negocio, não se segue que a tenha toda a camara.
O argumento apresentado pelo digno par mostra claramente que não póde haver duvida a respeito da idade legal. Vejamos o que diz a carta:
(Leu.)
O artigo 9.° do acto addicional é concebido nos seguintes termos:
(Leu.)
Por consequencia o artigo 65.° da carta está alterado e revogado, porque o artigo do acto addicional é claro e expresso a este respeito.
Portanto, não póde haver duvida nenhuma. Se o acto addicional tivesse dito que ficava alterado o artigo 65.° da carta, ainda poderia haver rasão para duvidas; mas elle previdentemente declara que fica revogado. Se isto é assim, se o artigo 65.° da carta constitucional foi revogado pelo acto addicional, é evidente que não está em vigor, e se não está em vigor não é lei.
N'esta parte respondo tambem com o mesmo argumento ao sr. Manuel Vaz.
(Interrupção que se não ouviu.)
Eu não discuto aqui as opiniões do sr. Lopo Vaz. Este cavalheiro póde ter uma opinião que a camara não partilhe.
O sr. Marquez de Sabugosa: - O sr. Lopo Vaz fallou em nome da commissão que representa a maioria.
O sr. Barros e Sá: - A opinião do relator da commissão póde ser uma opinião individual. A qualidade de relator da commissão que tinha o sr. Lopo Vaz não é bastante para se dizer que a sua opinião representava a da camara.
Na opinião de um simples relator de commissão não estão consubstanciadas as opiniões de toda uma maioria, nem podem mesmo estar as opiniões particulares de cada um dos seus collegas da commissão. Nós todos que temos, sido relatores de commissões, sabemos que os membros d'ellas, muitas vezes divergem n'uma ou n'outra circumstancia, e que basta haver accordo nas conclusões. Ora, a conclusão em que esteve de accordo a outra camara era que o ponto controvertido era claro, e por consequencia não era necessario fazer na lei a designação da idade legal.
Finalmente quando á camara dos senhores deputados está de accordo n'este ponto, quando o governo tambem o está, e bem assim a commissão d'esta casa, quando s. exa. não tem tambem duvidas a este respeito, para que havemos de estar a interpretar o que não carece de interpretação?
O sr. Marquez de Sabugosa: - A maioria rejeitou a idade legal dos vinte e um annos.
O sr. Barros e Sá: - Perdôe-me o digno par. A maioria não rejeitou os vinte e um annos, rejeitou a necessidade da declaração. Ponha-se isto bem evidente.
Em conclusão: o sr. Manuel Vaz está de accordo com o sr. Lopo Vaz, e o sr. Marquez de Sabugosa está de accordo commigo. Respeito muito a opinião do sr. Manuel Vaz e do sr. Lopo Vaz, mas respeito mais a disposição da lei, que é clara.
Sr. presidente, eu peço licença para não dizer mais nada sobre a questão da idade, porque os factos são concordes em reconhecer a maioridade aos vinte e um annos.
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Está sobre essa questão de accordo o governo, estão de accordo os tribunaes, e não se tem suscitado duvidas sobre este direito. E se o direito do cidadão não está absorvido nem contestado, devemos ficar satisfeitos.
Não posso, porém, sr. presidente, dispensar-me de dizer alguma cousa em resposta ao sr. Vaz Preto.
S. exa. não se limitou só a estabelecer principios, mas disse que este projecto era um verdadeiro escandalo por causa da circumscripção.
Eu creio, sr. presidente, que a circumscripção não é perfeita, que tem de certo defeitos, mas tenho a convicção de que não é um escandalo. Se o fosse, não seria approvado na outra casa do parlamento, não teria tido a sancção da commissão d'esta casa, nem seria discutido, porque um escandalo não se discute, repelle-se e rejeita-se.
Se fosse um escandalo, não indicaria eu á camara a justiça da sua approvacão, mas pelo contrario seria o primeiro a provocar a sua rejeição.
Não é pois, um escandalo, e se se adoptassem as indicações do digno par, havia de certo haver muitos individuos que discordassem d'ellas.
O digno par considera justas as suas opiniões, e os que professam, opiniões contrarias estão igualmente conscios da justiça que lhes assiste; portanto creio que podemos discutir esta materia sem nos cobrirmos com a nuvem do escandalo.
Sr. presidente, é cousa notavel, no parlamento belga ha mais de quinze dias que se discute esta questão da circumscripcão eleitoral, e por um extracto das sessões, que hoje li, vejo que são apresentadas na Belgica rasões similhantes ás que se apresentam aqui.
O partido catholico quer a circumscripcão a seu modo, dizem os liberaes; os liberaes querem a circumscripcão a seu modo, dizem os catholicos; e assim vão debatendo o assumpto.
A circumscripção eleitoral é uma cousa muito difficil de realisar, de modo que agrade a todos.
Na Inglaterra esta questão é muito antiga, data de seculos; mas especialmente desde de 1852, depois da reforma de lord Russell, tem sido debatidissima. Já se supprimiram 143 circulos depois da circumscripção.
(Interrupção do sr. Vaz Preto que não se ouviu.)
É exactamente o que lá falta, por não haver uma base é que se dão as difficuldades.
Depois de feita a circumscripção já foram supprimidos 143 circulos, a que lá se dá o nome de burgos; mas apesar d'isso, e sendo por esta fórma muito melhorada a circumscripção, o partido constitucional mais exaltado, os wighs, continuam sempre a discutir o assumpto; e em 1867 e 1868 de novo tornou a ser reformada, ampliando-se uns quinze ou dezeseis circulos; e ainda mais, cassando-so o direito eleitoral a quatro circulos, por differentes processos eleitoraes, isto é, por motivos de corrupção.
Esta discussão continuou em 1870 e 1871, quando se tratou da questão do voto secreto e da representação das minorias.
A questão eleitoral é questão permanente do parlamento inglez.
Em França, desde a carta de 1814 até hoje, quasi que diariamente não se discute outra questão.
Foi o mesmo de que se serviu Napoleão III para dominar o suffragio. Actualmente estabeleceram a regra que cada grupo de 70:000 habitantes tinha direito a apresentar um deputado. Estes principios abstractos, por isso mesmo que eram geraes, não passaram sem contrapeso.
Já v. exa. vê que a base adoptada foi destruida pelo contrapeso, estabelecendo-se assim duas regras - a da população, e em segundo logar a divisão dos departamentos.
Ora, para pôr em harmonia estes dois principios, houve uma commissão do parlamento encarregada de fazer a divisão. O resultado dos trabalhos da commissão foi á camara, houve discussão sobre esse negocio, e ninguem ficou
satisfeito, como acontece aos dignos pares. Entre nós esta questão data do estabelecimento do systema representativo.
Tivemos já collegios eleitoraes provinciaes, collegios de districto, circulos grandes de dois e tres deputados, depois circulos de um deputado, segundo a base adoptada pela lei de 1859.
Porventura saiu perfeita esta lei?
Saiu tão perfeita, que em 1869 foi revogada.
O sr. Vaz Preto: - Foi em nome das economias.
O sr. Barros e Sá: - Permitta-me o digno par que lhe diga que não posso acceitar essa rasão.
Pois por uma economia insignificante havia de se fazer com que o direito eleitoral fosse restringido?
O facto é que a circumscripção não agradou, e tanto não agradou, que foi revogada e alterada, e ninguem a restabeleceu.
A circumscripcão de 1859 não foi adoptada pelo digno presidente d'esta casa, que propoz uma nova que lhe pareceu melhor. Já se ve, pois, que esta foi condemnada a primeira vez, e a segunda pela proposta ultimamente apresentada ao parlamento.
Mas a circumscripção adoptada por v. exa. foi alterada pela commissão de legislação da outra casa do parlamento, que, se póde dizer, fez outra nova, que é a que está em discussão.
Agora o digno par diz que esta circumscripcão não é perfeita, e eu tambem não assevero que o seja, póde agradar a uns e desagradar a outros, como tambem póde acontecer áquella que s. exa. propõe, que tambem não é perfeita, e por isso ha de por força desagradar a uns por uma causa e a outros por outra.
Sr. presidente, ou nós havemos de desconhecer o que é um parlamento, ou não podemos admittir que a população seja o unico elemento para a circumscripção eleitoral.
(Áparte do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)
A commissão não admittiu apenas a base da população; admittiu a população, o numero de fogos, o numero de eleitores, a area territorial, a riqueza, a affinidade, as relações, como diz muito expressamente no seu relatorio.
Quando trata da população, exprime-se do seguinte modo:
(Leu.)
Quando se diz - termo medio - quer-se dizer que a população não é o elemento decisivo, exclusivo e unico, que serviu para a divisão dos circulos eleitoraes, mas que foi o termo medio de todos os elementos aproveitados que serviu para essa divisão.
Ha cousas que se mettem pelos olhos de todos: se a circumscripção eleitoral dependesse só do numero de fogos, da população, a consequencia seria estar representado no parlamento o numero, e não a rasão, a justiça e os interesses sociaes.
Eu entendo, e creio que a camara o entenderá tambem, que no parlamento devem estar representados: a rasão, a justiça, e os interesses sociaes, publicos, intellectuaes, a industria, o commercio, a agricultura, a marinha, etc.
A população só, não a quero representada, porque nos levaria ao predominio do proletariado.
Eu peço licença á camara para ler algumas palavras do relatorio que tive a honra de formular, e que me parece ter algum merito, não pela auctoridade do relator, mas pelas idéas de justiça que encerra.
(Leu.)
(Áparte do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)
A mim não me incommoda a discussão, não me aterram argumentos, quando tenho a consciencia de que não são verdadeiros.
Não fujo aos debates, e quando deixo de responder a algum ponto, não é porque me escuse de o fazer, mas por esquecimento, e creio que o esquecimento não é um crime.
(Continuou a leitura.)
Pois, sr. presidente, haverá cousa mais justa, mais san-
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ta, do que esta doutrina consignada no relatorio da commissão. Queria o digno par que se attendesse á representação do numero, e que se desprezasse a dos interesses sociaes? Parece-me que não.
Porventura, devemos suppor que a assembléa franceza é melhor representada pelo cidadão Baronnet, candidato da demagogia, do que o seria se tivesse sido eleito o antigo ministro dos negocios estrangeiros, mr. Remusat?
O digno par póde dizer que o relator estabelece boas doutrinas, mas que as desconhece quando trata da applicação.
O sr. Vaz Preto: - O que eu disse foi que as bases estabelecidas pela commissão da camara dos senhores deputados existiram só no relatorio e não foram applicadas.
Não tratei de nenhuma d'essas bases a que o digno par se refere, porque não foram as adoptadas; o que fiz foi comparar os circulos uns com os outros, para mostrar a injustiça com que se fez a divisão, e combati as irregularidades que se davam com relação a extensão dos circulos e ao numero dos fogos, a qual variava muito de uns para os outros.
O sr. Barros e Sá: - Não digo que o digno par não tenha rasão; mas eu ouvi o que s. exa. disse, e li o que escreveu; e, se bem eu não queira dizer que ha contradicção da parte do digno par entre o que disse e o que escreveu, é certo, todavia, que eu dei mais attenção ao que li do que ao que ouvi.
O digno par propoz o seguinte:
(Leu.)
Já se vê que s. exa. queria que se tomasse por base o numero de fogos, pelo menos é o que deprehendo d'esta sua proposta, que é a nona, que vem no parecer.
O sr. Vaz Preto: - O que eu queria era que houvesse harmonia na circumscripção, para não ficarem uns circulos com 12:000 fogos e outros com menos de 5:000.
O sr. Barros e Sã: - Em todo o caso o numero dos fogos e a extensão das comarcas não podem ser os unicos elementos que ha a attender n'uma circumscripção eleitoral. É preciso attender tambem aos interesses das localidades, á afimidade dos povos, aos meios de communicação, e a outras condições que repugnam á idéa de um elemento exclusivo, o da população, como base da divisão eleitoral.
O digno par, a proposito da divisão dos circulos, disse que entendia que essa divisão era um escandalo inaudito. Ora, eu antes de fallar nas questões costumo informar-me das cousas, e se me engano ou venho a errar, não é por falta de trabalho para alcançar a verdade.
Tenho aqui o mappa do circulo de Castello Branco. Examinei a divisão do projecto, e, combinando-a com a planta que tenho presente, convenci-me que se essa divisão não era perfeita tornava-se comtudo difficil arranjar outra melhor.
O mappa está aqui, e offereço-o á consideração dos dignos pares que o quizerem examinar.
O sr. Vaz Preto disse que no districto de Castello Branco a circumscripção foi feita não se attendendo ao numero de fogos, e entendia que fôra viciada a base adoptada para essa circumscripção. S. exa. faz-nos de certo a justiça de acreditar que nem eu, nem os outros membros da commissão eramos capazes de viciar a base da divisão.
O sr. Vaz Preto: - Apoiado.
O Orador: - Nós regulámo-nos pelo mappa official, que acredito ser verdadeiro, e do qual não posso pôr em duvida a exactidão sem ter prova em contrario. O digno par diz que o concelho de Oleiro faz parte da comarca da Certã, e que logicamente este concelho devia fazer parte do circulo da Certã. É necessario, porém, que s. exa. attenda que havendo 180 comarcas, e sendo os circulos só 137, indispensavelmente algumas comarcas haviam de ser divididas ou juntar-se a outras.
Já vê, pois, a camara que o argumento do digno par não procede, porque havendo mais comarcas que circulos, necessariamente tinha-se que dividir algumas; pelo menos umas 40 não podiam deixar de o ser.
O sr. Vaz Preto: - A Certã tem um numero de fogos inferior ao que tem o Fundão.
O sr. Barros e Sá: - Pois vamos agora ao numero de fogos, que é outro argumento de s. exa. Tomo a liberdade de ler do novo estas minhas palavras:
(Leu.)
Diz-me o digno par que o circulo do Fundão fica com o numero maior de fogos que a Certã. A differença que s. exa. acha actualmente entre a Certã e o Fundão, com relação ao numero de fogos, achal-a-ia alguem, adoptando-se a idéa do digno par, entre o Fundão e a Certã; quer dizer, no primeiro caso a differença é contra a Certã, e no segundo seria contra o Fundão. Por consequencia, se se fizesse o que o digno par propõe, a differença ficava perfeitamente a mesma; o argumento, que agora é a favor da Certã, tinha de ser applicado a favor do Fundão. Temos, pois, que o argumento dos fogos apresentado pelo sr. Manuel Vaz Preto falha tambem, como o das comarcas de que s. exa. se serviu.
Ha outra objecção do digno par, e essa pôde, parecer mais forte; é com relação á distancia que ha entre o concelho de Oleiro e o Fundão. Diz o digno par que entre a Certã e o Fundão ha uma distancia de oito a dez leguas. Haverá, mas que importa isso? Os eleitores vão votar ao Fundão ou á Certã? Não vão. Logo, não têem de percorrer essas estradas; e, por consequencia, o argumento que se funda nas distancias não procede, porque o eleitor vae votar aos collegios eleitoraes ou ás freguezias, que são numerosas, e não têem grandes distancias entre si.
O sr. Vaz Preto: - Eu demonstrei que as relações de commercio entre os concelhos do Fundão e de Oleiro não são nenhumas. Estes concelhos não têem os mesmos interesses; emquanto que o de Oleiro e o da Certã têem interesses communs, e até votam juntos na eleição dos membros para a junta geral do districto.
O sr. Barros e Sá: - Agradeço a explicação do digno par; e como já mostrei que não procedem os argumentos apresentados com relação ás comarcas, ás distancias e á população, passarei a examinar se procede o que diz respeito á afinidade de interesses.
Sr. presidente, eu sei muito pouco, mas tenho uma cousa a que chamo a minha consciencia, o meu palpite, que me diz o seguinte: Fundão e Oleiro, sendo dois concelhos ruraes, têem provavelmente os mesmos interesses, porque devem lavrar da mesma maneira, devem cultivar a vinha, colher a azeitona, etc.
Não são commerciaes, não são industriaes, têem só interesses agricolas.
Cultivando os mesmos generos, levando a mesma vida, é muito de suppor que tenham grande affinidade entre si. Se isto não é assim, se acontece o contrario, desejo que mo provem; aliás, ficarei firme no principio de que são dois concelhos vizinhos, que têem relações um com outro, que ambos são montanhosos, pastoris, que lavram a terra, e tem os mesmos interesses.
Sr. presidente, como não quero tornar-me fastidioso, dou por terminada a minha missão, desejando que não me torne a ser confiada a defeza de negocios d'esta importancia, para que sou o primeiro a reconhecer-me incompetente.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. O digno par, sr. marquez de Sabugosa, requereu que houvesse votação sobre a sua proposta, para que se insira na lei que a maioridade legal é a designada no codigo civil, e alem d'este requerimento pediu tambem que a votação se faça nominalmente.
Portanto, vou consultar a camara sobre se quer votar o parecer da commissão, independente da resolução a tomar ácerca da proposta do sr. marquez de Sabugosa, e se corda que a votação sobre esta proposta seja nominal.
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Consultada a camara sobre se approvava o parecer da commissão, independente da proposta do sr. marquez de Sabugosa, resolveu affirmativamente, assim como que a votação sobre esta proposta fosse nominal.
O sr. Presidente: - Agora vae proceder-se á votação nominal sobre a proposta apresentada pelo sr. marquez de Sabugosa.
Os dignos pares que approvam esta proposta, dizem approvo; e os que lhe negam o seu voto, dizem rejeito.
O sr. Vaz Preto: - Desejava saber se a proposta é para se designar no projecto a idade dos vinte e um annos.
O sr. Presidente: - A proposta do sr. marquez de Sabugosa é para que se designe na lei que a maioridade legal é a estabelecida no codigo civil.
O sr. Vaz Preto: - N'esse caso hei de rejeital-a.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.
Feita a chamada disseram approvo os dignos pares: Marquez de Sabugosa; Condes, de Cavalleiros, da Ribeira, e de Rio Maior; Visconde de Fonte Arcada, Xavier da Silva, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, e duque d'Avila e de Bolama (presidente).
Disseram rejeito os dignos pares: Duque de Loulé; Marquezes de Fronteira, de Monfalim; Condes, das Alcaçovas, do Bomfim, do Casal Ribeiro, da Fonte Nova; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho; D. Affonso de Serpa, Agostinho Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier Palmeirim, Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Mamede, Vaz Preto, Marino Franzini, Menezes Pitta, Visconde de Soares Franco (primeiro secretario), Eduardo Montufar Barreiros (segundo secretario)
O sr. Presidente: - Está rejeitada a proposta por 34 votos contra 9.
Vae entrar agora em discussão o parecer n.° 324,
Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:
Parecer n.° 324
Senhores. - As vossas commissões de guerra e fazenda reunidas, examinaram a proposição de lei n.° 317, procedente da camara dos senhores deputados, auctorisando o governo a despender a somnia de 680:000$000 réis na compra de armamento e material de guerra para o exercito, sendo applicado para amortisação e juros da quantia levantada o que necessario for da receita disponivel proveniente de leis do recrutamento; e, attendendo ás necessidades cue temos de adquirir armas para o exercito em boas condições balisticas, e que possam competir com aquellas com que estão armados os outros exercitos; e, attendendo igualmente á precisão que temos de completar o material de artilheria de campanha e de nos provermos do que é necessario para armar as baterias de defeza, são as vossas commissões de parecer que a referida proposição n.° 317 merece ser approvada e convertida no seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 317
Artigo 1.° é auctorisado o governo a despender até á somma de 680:000$000 réis, destinada á compra de armamentos e material de guerra para o exercito.
Art. 2.° A somma de que trata o artigo antecedente poderá ser levantada pelos meios que o governo julgar mais convenientes, comtanto que os encargos annuaes de juro e amortisaÇão não excedam 7 por cento.
§ unico. Ao pagamento d'esses encargos será applicada a parte que necessario for da receita disponivel proveniente das leis do recrutamento.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 12 de abril de 1878. - Visconde da Praia Grande = Marino João Franzini = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde de Bivar = Barros e Sá = Visconde
de Seisal = D. Antonio J. de Mello e Saldanha = Antonio Florencio de Sousa Pinto.
Projecto de lei n.° 317
Artigo 1.° É auctorisado o governo a despender até á somma de 680:000$000 réis, destinada á compra de armamentos e material de guerra para o exercito.
Art. 2.° A somma de que trata o artigo antecedente poderá ser levantada pelos meios que o governo julgar mais convenientes, comtanto que os encargos annuaes de juro e amortisação não excedam 7 por cento.
§ unico. Ao pagamento d'esses encargos será applicada a parte que necessario for da receita disponivel proveniente das leis do recrutamento.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 8 de abril de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, eu não sei, na realidade, para que estamos ainda a discutir n'esta casa.
O melhor é deixar a cada uma das casas do parlamento interpretarem as cousas como quizerem, e ao governo deixar o arbitrio.
Aqui já se disse que o munus portuguez, quer dizer, que o direito social não dimanava do direito individual, mas do direito divino.
Temos, pois, o direito divino; temos as leis sem serem votadas pelas duas casas do parlamento, interpretando-as cada uma d'ellas a seu bel-prazer; temos o governo calando-se em uma e dizendo na outra a sua opinião, dando assim occasião a poder haver conflicio entre elle e a outra camara.
Ora, isto não é systema representativo; e eu, só por descargo de consciencia, é que ainda levanto aqui a minha voz para discutir este projecto.
Na realidade, sr. presidente, custa-me a negar ao governo do meu paiz os meios necessarios para a sua defeza.
Eu reconheço que é necessario que o paiz esteja armado para qualquer eventualidade, e que se trate da sua defeza.
Mas com que governo?
Com um governo que se cala e que tem receio de dizer qual é a sua opinião a respeito de uma questão importante, e que póde occasionar um conflicto entre elle e a outra camara?
Havemos de ir dar uma auctorisação d'esta natureza a este governo?
Nas actuaes circumstancias do thesouro devemos ir gastar 680:000$000 réis em armamento? Eu não desejo votar contra os meios necessarios para a defeza do paiz, mas não posso dar o meu voto ao governo n'esta questão.
Sr. presidente, alem d'estas considerações geraes, que acabo de fazer sobre o projecto, vejo que no § unico do artigo 2.° ha uma disposição que me parece altamente injusta. Ê a seguinte:
(Leu.}
Ora, eu pergunto ao governo o que poderá existir nos cofres publicos, provenienie da lei do recrutamento, quando o que lá exista tem uma applicação determinada, hoje, que as substituições são de homem por homem, e não a dinheiro? Não havendo remissões a dinheiro, o que poderá existir nos cofres? Só se for alguma quantia proveniente de algum individuo que, tendo faltado ao preceito da lei por não ter sido recenseado, acceitou algum emprego publico, e teve,
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por consequencia, de satisfazer esse encargo a dinheiro; ou então, de algum fiador de qualquer individuo ausente que foi recenseado, e que, não podendo apresental-o, teve de satisfazer a fiança. Mas essas quantias hão de necessariamente ser muito diminutas.
Portanto, parece-me isto mais uma mystificação do que outra cousa.
Importa uma duplicação de encargo para o paiz, porque este dinheiro que entra nos cofres publicos para substituir o soldado, deve ser applicado a procurar o substituto, e não a qualquer outro fim, pedindo-se um outro homem. Dar a este dinheiro outra applicação é duplicar este encargo, o que importa uma flagrante injustiça.
Sr. presidente, eu não entrarei nas particularidades d'este projecto, nem se elle será preferivel ao que originariamente foi apresentado pelo sr. Florencio de Sousa Pinto, porque do assumpto nada entendo, mas o que reconheço é que é necessario, para se votar, ter confiança no governo que o executa, sabendo que elle não ha de despender illegalmonte estas sommas, como fez da outra vez este gabinete.
Sr. presidente, eu concluo as observações que tenho a fazer, lamentando que v. exa. tivesse vindo ha pouco em auxilio do sr. presidente do conselho, quando elle requereu para que se lançasse na acta o seu discurso na integra, e a assembléa rejeitou, persuadindo-se que era minha a proposta, e não de s. exa.
O fazer-se a declaração por que eu insistia não era indifferente, era uma declaração essencial; mas eu não quiz ir contra o conselho que v. exa. me dava da presidencia, e por isso não insisti.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, antes de fazer algumas reflexões sobre o projecto em discussão, permitta-me a camara que eu declare, que votei contra a proposta do sr. Vaz Preto, e votei contra, porque entendo que as declarações na acta são um acto espontaneo de quem faz o discurso. A camara póde determinar que se lancem na acta essas declarações, mas n'esse caso só se procede em circumstancias extraordinarias, pois que o facto importa um acto politico que obriga a queda de gabinetes, e não me parece que valesse a pena elevar a questão a essa altura. Por isso votei para que se não lançasse na acta a declaração de s. exa., sobretudo tendo-se prestado a que fosse feita a publicação do discurso por inteiro no Diario. - Esta necessidade de se fazerem, declarações, do que aqui se passa, no Diario do governo, o que prova é o estado de atrazo da publicação das nossas sessões, e os defeitos que reconhecemos e temos notado. Estamos reduzidos unicamente ao testemunho dos espectadores das galerias e a nada mais, porque as sessões do Diario d'esta camara só se. publicam no fim de vinte dias, quando deviam ser distribuidas dois dias depois das respectivas sessões. E assim infelizmente vamos indo, faltando a publicidade tão necessaria nos governos liberaes.
Sr. presidente, eu quizera concorrer para que o governo desse melhor organisação ao exercito, a fim d'este estar preparado para todas as guerras imaginaveis; mas n'este momento não posso dar o meu voto silencioso; porque, o que é facto é que cruelmente foi distrahido o producto das remissões para compra de armas! Cruelmente, digo, porque para as familias que deram o dinheiro é realmente uma crueldade, desde que o governo empregava esse mesmo dinheiro na compra de armas e não no engajamento de soldados, como o devia fazer. O que é certo, porém, é que todos os dias os pobres contribuintes vão continuando a dar o seu dinheiro, emquanto que o governo vae com elle comprando armas!
O digno par, o sr. Vaz Preto, fez ha pouco um requerimento, com referencia á verba estavel das remissões. Não propriamente das remissões, porque estas já não existem, mas existem as quantias das fianças creadas por portaria de 19 de janeiro de 1876. Em virtude d'esta portaria todo aquelle que for ao governo civil dar uma fiança em dinheiro é dispensado de entrar logo no serviço do exercito.
Mas, se o individuo que deve prestar esta fiança, não comparece depois, é condemnado refractario. Eu, sr. presidente, entendo que se não pôde, ou pelo menos que se não deve, considerar refractario o homem que já havia entrado com aquella quantia, que se lhe exigiu, nos cofres do estado, pois de contrario elle soffreria duas penas.
No entanto o que digo é que deve existir em cofre uma porção de dinheiro, não só d'essa proveniencia, como da dos refractarios, que eu calculo que não será inferior a réis 400:000$000, mas que, segundo um documento que se apresentou, se reduz a 42:000$000 réis!
Quer a camara saber mais? Eu leio.
"Em doze annos, até 1852, houve 15:861 remissões e só 4:570 engajamentos! Veiu a faltar 11:291 praças que se pediram depois a mais aos povos, que já as tinham pago. Annualmente remiam-se 1:321 praças e engajavam-se 381, vindo assim a faltar annualmente 940 praças que o povo pagava duplicadamente!"
Isto quando o governo era obrigado a dar conta ás côrtes todos os annos de que tinha dado esse dinheiro o desetino devido. Mas a unica cousa que d'aqui se deprehendo claramente é que o governo deixou de engajar soldados durante doze annos, e gastou-se o capital que os representava, fazendo-se novas exigencias ao povo, que tudo paga. Quer dizer que as remissões annuaes eram 1:321, e os engajamentos 381.
Portanto, faltavam todos os annos 940 recrutas, as quaes se iam pedir ao povo, que já tinha pago o seu tributo!
Todo o dinheiro das remissões, que andava em 24 de fevereiro de 1867 em 2.485:000$000, gastou-se. Foram applicados pelo governo para compra de armas 1:644:000$000 réis!
Oh! Sr. presidente, pois gastam-se 1.644:000$000 réis, o exercito está desarmado!
Quem foram os officiaes, quem os homens de confiança que foram comprar as armas?
Os homens competentes dizem que o exercito está tão mal armado que, a distancia de mil metros, comparando a força explosiva, o nosso exercito ha de ser aniquilado por outro de igual força! E para isto gastam-se 1.644:000$000 réis!
Como posso eu dar um voto de confiança ao governo para que hoje se faça o mesmo?! É impossivel. Ver a infanteria ainda com armas de grande peso e comprimento, com enormes bayonetas, pesando sobre os hombros dos soldados, arruinando-lhes a saude, quando se gastaram réis 1.644:000$000!
Parece incrivel!
Sr. presidente, eu não estou em estado de discutir cousa alguma, apenas poderei, quando der o meu voto, explicar as rasões d'elle, é por isso que não prolongo o debate, e não porque esteja proximo a encerrar-se a sessão, não porque tenha receio que os negocios tenham de voltar á outra camara, isto para mim é me indifferente, procedo como entendo, e voto conforme a minha consciencia me dicta, e não me importo com o resultado.
É o governo que na sua alta sabedoria devia tratar dos negocios mais importantes ha mais tempo, e não os reservar para o fim da sessão, obrigando a haver sessões extraordinarias e a horas extraordinarias.
Antigamente viam-se acabar as sessões com a mesa cercada de pretendentes, ou de pessoas que vinham, proteger os projectos dos seus afilhados; este anno, porém, quem cerca a mesa é o governo! É o governo com estes immensos projectos, com estas continuadas despezas! Mas isto é defeito da sua organisação.
Um governo, que resuscita como este resuscitou, faz reviver as pretensões dos seus amigos nas emprezas e exigencias.
Apparecem os empenhos, apparecem os favores, apparece tudo, porque o governo resuscitou em corpo e alma! E
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quando elle resuscitou o que farão os amigos, que nunca abandonam o poder quando n'elle estão os srs. ministros?! Mas, depois que elles sáem, isso é outra cousa.
Eu não digo mais nada, porque os meus nobres amigos e collegas ás vezes dizem de mais; direi eu de menos agora.
O sr. Sousa Pinto: - Sr. presidente, ainda mesmo que eu não tivesse o dever de defender este projecto, como relator da commissão, não podia deixar de o sustentar por isso que é uma das propostas apresentadas por mim quando tive a honra ds pertencer aos conselhos da corôa.
Por este projecto de lei vae auctorisar-se a despoza de 680:000$000 réis na compra de armamento e material de guerra; não me parece exagerado; nas minhas propostas ainda pedia mais 90:000$000 réis, e agora direi a rasão porque.
Quando era director geral da arma da artilheria, recebi do ministerio da guerra ordem para dizer o que faltava de armamento, equipamento o mais material de guerra respectivo a um exercito de 50:000 homens, com 200 bôcas do fogo; mandei fazer um apanhamento do tudo quanto faltava, e principalmente em equipamento de cavallos, que era o que mais avultava, tanto para a arma de cavallaria como para a de artilheria, e remetti ao ministerio da guerra no fim do anno de 1876.
Sendo a minha opinião continuar com o que foi encetado por meu illustre antecessor, quando fui encarregado da gerencia da pasta da guerra ordenei que se fizesse um minucioso trabalho sobre aquelle importante assumpto, e por elle cheguei á conclusão de que, comquanto o nosso arsenal do exercito se ache hoje provido de muito material de guerra, com respeito ao fabrico de alguns artefactos, e especialmente a armamento, ainda faltava muito a providenciar para acompanhar o grande movimento dos outros paizes amestrados na arte da guerra.
Fez-se, portanto, o orçamento com relação ao que faltava, e conheceu-se que era urgente despender 80:000$000 réis só com material propriamente dito, isto é, o necessario para prover as fabricas com algumas machinas indispensaveis para regularisar a sua producção, e com a compra de materia prima e despeza da mão de obra, o que não admira, porque actualmente tudo no mercado está por preços assás elevados, não só pelo que respeita ao material das officinas, como no que é relativo ao armamento dos exercitos, que têem soffrido nos ultimos annos tão repetidas mudanças, que quasi se póde dizer que o que hoje é considerado muito bom, d'aqui a um anno não estará em circumstancias de assim ser classificado.
Não é, portanto, de admirar que estando o exercito armado com as armas Snider, se entenda agora que essa arma já não satisfaz, visto que as ha de melhor systema.
A adopção da arma Snider foi uma necessidade, pois que, possuindo nós armas de Enfield em grande numero, convinha aproveital-as, e transformámos muitas d'essas no referido systema.
Tinhamos 23:000 promptas, e alem d'estas mais 6:000 canos, e havia por isso uma grande economia em as aproveitar.
E assim o entendeu tambem a Inglaterra com respeito ás suas espingardas, que igualmente mandou transformar.
A arma que dá hoje melhores resultados é aquella cujos limites de calibre são entre 9mm e llmm; e por isso é reputada a Martini-Henry superior á Snider, porque o seu calibre está admittido como melhor, visto que é de llmm e o da Snider de 14mm.
Conheci, portanto, que eram necessarios, pelo menos, 80:000$000 réis para a compra de machinas, materia prima e mão de obra; e n'esse sentido fiz uma proposta de lei, que o actual governo adoptou.
Pedi depois mais 90:000$000 réis para completar os regimentos de artilheria de campanha. Esta especialidade de artilheria compõe-se hoje de dois regimentos, tendo cada um d'elles seis baterias armadas com peças de aço, de carregar pela culatra, ou 72 bôcas de fogo d'esta especie, e mais duas baterias armadas com peças de bronze de carregar pela bôca, ou 24 bocas de fogo d'esta qualidade. A existencia d'estes dois systemas n'um mesmo regimento é muito inconveniente por demandar exercicios diversos e municiamentos de duas especies, e para os regularisar pedi o auxilio necessario para a compra de 24 peças de aço de systema igual ao que têem os regimentos, o que tudo deveria importar em 72:000$000 réis; e alem d'esta verba pedia mais alguma cousa para outra artilheria de que tambem se carece.
Como entendo que um exercito, quanto mais pequeno é, melhor precisa estar armado para supprir pela qualidade o que lhe falta no numero; e como entendo tambem que nos devemos achar, pelo menos, tão bem armados como os exercitos com os quaes nos podemos relacionar, julguei de absoluta necessidade propor a compra de 37:000 armas, podendo mesmo este numero elevar-se a 40:000 armas, para ficar alguma reserva nos arsenaes; e para leval-o a effeito pedi! 600:000$000 réis, calculando 540:000$000 réis para compra de armas, e o restante para os transportes, seguro e mais despezas indispensaveis.
As propostas apresentadas por mim na camara dos senhores deputados, em 19 de janeiro d'este anno, constam, pois, de 80:000$000 réis para material de guerra, réis 90:000$000 para compra de artilheria, e 600:000$000 réis para a de armas de fogo portateis.
Nada do que propuz me pareceu exagerado.
Emquanto ás armas temos absoluta necessidade da sua acquisição, ficando as que possuimos para armar uma segunda linha que em occasião de guerra se julgue necessario crear.
Nós devemos considerar que um milhão de cartuchos metallicos, dos que são usados no nosso exercito, custa réis 6:000$000, e que um exercito de 50:000 homens carece de ter, pelo menos, trinta milhões de cartuchos em reserva.
Em vista do que acabo de expor não considero exagerada a somma proposta, para completar o armamento do exercito e mais material de guerra.
Eu tinha solicitado, como já disse, 600:000$000 réis só para a compra de armas, calculando a 13$500 réis cada uma. Ora tendo eu apresentado, quando ministro da guerra, estas propostas, já se vê que não podia agora deixar de acceitar as que o governo actual apresenta, impetrando uma somma menor d'aquella que eu reclamava, e que, como já declarei, excedia 90:000$000 réis.
As espingardas com que o exercito está armado estavam ha nove annos em boas circumstancias relativamente; tinham então muito valor; mas hoje não acontece isso. Logo é necessario mudarmos de systema, para que o nosso exercito possua um armamento igual ao das nações mais adiantadas da Europa.
Por todas estas rasões, e por outras muitas que poderia ainda adduzir, parece-me que a camara fará um bom serviço ao paiz approvando o projecto que está em discussão.
O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Sr. presidente, requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se ella consente que a sessão se prorogue por mais uma hora.
Consultada a camara, foi este requerimento approvado.
O sr. Garlos Bento: - Eu não desejo embaraçar a approvação d'este projecto, muito menos depois de ouvir as rasões apresentadas pelo digno relator da commissão.
As reflexões que s. exa. apresentou com relação aos assumptos militares, demonstram que aquelle cavalheiro não descurava esses assumptos quando estavam a seu cargo. E eu que tive a honra de ser companheiro de s. exa. no ministerio, folgo de ter esta occasião de dizer que as insinuações que se quizeram fazer valer a respeito do meu illustre collega, accusando-o de não se occupar seriamente das cousas militares, eram completamente infundadas.
Eu posso prestar testemunho de que essas accusações
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eram infundadas, e n'este ponto é da minha obrigação prestal-o.
É verdade que se trata de uma despeza, e uma despeza consideravel; mas, sr. presidente, nem todas as despezas devem desagradar ao parlamento, sobre tudo quando se prova que ellas são uteis e necessarias, e se apresenta uma receita para lhes fazer face.
Esta consideração, que concorre para a approvação d'este projecto, é a que nos deve levar ao ponto de não acceitarmos indistinctamente qualquer reforma em que não se de uma circumstancia similhante.
Sr. presidente, tanto menor é a força numerica de um exercito, quanto maior é a necessidade de supprir o que falta em numero com armamento que esteja em harmonia com os progressos da arte da guerra. Disse isto o digno outra par, e disse muito bem.
N'este ponto os progressos são incessantes, não param, de modo que esta despeza que vamos fazer agora não nos habilita a contar que não teremos de fazer dentro em breve não menos consideravel.
Todos sabemos que os allemães, depois da guerra que tiveram com os francezes, modificaram o seu armamento, que era excellente, com relação ao que tinham quando entraram em luta com os austriacos em 1866, e hoje tratam já de novas modificações n'esse mesmo armamento.
N'esta questão de armamentos não ha uniformidade. Cada paiz tem adoptado os typos que lhe parecem melhores para os seus exercitos, e, portanto, é grande a diversidade que ha n'esta parte.
O armamento portatil, que se cita na proposta de lei do sr. Sousa Pinto, é dos que têem tido maior approvação. Não sei qual o armamento que se adoptará, mas seja qual for a escolha, o que não influe para a minha questão, recommendo muito ao sr. ministro da guerra que tome todas as precauções quando houver de fazer o contrato de compra. A um homem de bem, como é s. exa., póde-se dizer isto.
N'um paiz muito adiantado, como é a França, fez-se um inquerito sobre os contratos do compra de armamentos feitos por varias administrações em differentes fórmas de governo, e o presidente actual do senado francez foi o mais severo possivel na apreciação das condições d'esses contratos celebrados, como disse, em circumstancias diversas, e por differentes administrações.
Por isso eu recommeado ao sr. ministro da guerra que tenha toda a cautela n'este negocio, para que se obtenham resultados vantajosos, e se evite que sejam malbaratados os recursos do paiz, que mal póde prescindir d'estas sommas que vão ser destinadas para o armamento do exercito.
Este projecto apresenta um meio de attenuar até certo ponto os encargos d'esta despeza, que aqui se propõe. Gosto de ver nos projectos de despeza a indicação de uma receita para fazer face ao encargo que essa despeza traga comsigo.
No meio de receita que aqui se indica póde não inspirar inteira confiança, mas, em todo o caso, tem alguma significação, e é um bom precedente.
N'esta occasião não deixarei de lamentar que prescindissemos do systema que se adoptara com relação ás remissões a dinheiro, para se manter ao mesmo tempo a substituição de homem por homem por dinheiro pago a companhias.
Os que são contra o systema de remissões, dizem que por esse systema o estado tinha dinheiro, mas não tinha homens. Não me parece isto inteiramente exacto, como posso demonstrar.
A nação vizinha é um exemplo que se póde trazer com relação a esta questão, para provar que o systema das remissões se póde manter sem os inconvenientes que lhe apontam.
A Hespanha, conservando este systema, teve sempre dinheiro e teve homens, mesmo nas occasiões de guerra, como aconteceu ultimamente nas lutas civis que teve de sustentar. Nas ultimas guerras, sem abandonar o systema das remissões, póde ter em armas um exercito de 300:000 homens. Não digo que seja este um systema excellente, mas não acho que se devesse prescindir d'elle nas circumstancias em que nos achavamos.
O serviço obrigatorio, que para uns paizes é um bello ideal; e para outros é já uma bella pratica, está sendo no nosso paiz ha uns tempos a esta parte uma aspiração que se deseja ver realisar em breve espaço.
Quando se passou do systema das remissões para o das substituições, entendeu-se que isto era um passo para o serviço obrigatorio.
O estado prescindiu por esta fórma das sommas que recebia em resultado das remissões. Essas sommas, provenientes d'aquelle encargo pessoal, passaram para a mão de companhias, que se encarregam das substituições. D'isto tudo resulta a final, que o serviço obrigatorio não foi estabelecido, e que nós, actualmente, ficámos sem dinheiro o sem homens.
Entendo que outro meio de receita, para se poder realisar esta despeza, consiste em diminuir, quanto possivel, as necessidades do serviço, dentro dos limites necessarios para que não haja prejuizo no mesmo serviço.
Ora, o ministerio anterior de que fazia parte o digno par, que acabou de fallar, entendeu que podia fazer o serviço com 21:000 homens, e, se não estou enganado, entendeu que se podia dispensar o resto do contingente annual, sem prejuizo do ensino dado ás recrutas, e até me parece que este alvitre se poderia adoptar, dispensando este augmento de numero de homens que ultimamente se pediu, quando é certo que no ministerio anterior se julgavam sufficientes 21:000.
Sr. presidente, quando se trata rasoavelmente do armamento do exercito, pela minha parte não nego geralmente o meu voto, comquanto reconheço o direito que outros cavalheiros têem de o negar.
Devo tambem, sr. presidente, dar n'esta casa o testemunho de que houve um militar de uma patente superior, que recusou vantagens que lhe eram offerecidas, para que se encarregasse de uma compra de armamento, e isto prova que muitas vezes se deve fugir á tentação de acceitar commissões de certa importancia.
O sr. Vaz Preto: - Eu pedia ao sr. presidente do conselho e á camara, que attendessem ao que vou dizer.
Chegaram-me agora á mão uns esclarecimentos, que eu tinha reclamado do ministerio da guerra, por intermedio da camara, e com referencia ao parecer n.° 324. Como ainda não tive tempo de os examinar, pedia a s. exa., o sr. presidente do conselho, que concordasse no adiamento da discussão d'este parecer até á sessão seguinte.
Espero que a camara tambem se não opporá a este meu pedido, porque não perderá tempo, visto que póde occupar-se no resto da sessão de hoje com a discussão de outros pareceres que estão dados para ordem do dia.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, desde que um digno par declara que precisa examinar alguns documentos para poder entrar na discussão d'este parecer, eu não me opponho a que elle seja adiado, uma vez que esse adiamento seja limitado até á sessão immediata. O que eu pedia a v. exa. e á camara era que de preferencia se occupasse agora da discussão de outros projectos que se acham distribuidos, e que dizem respeito ao ministerio da guerra.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara aobre o pedido feito pelo digno par, o sr. Vaz Preto, para que a discussão d'esse projecto fique adiada até á proxima sessão.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Passâmos por consequencia á discussão do parecer n.° 327, que tambem diz respeito ao ministerio da guerra.
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Leu-se na mesa o parecer n.° 327, e é do teor seguinte:
Parecer n.° 327
Senhores. - Foi presente ás vossas commissões de guerra e fazenda reunidas a proposta de lei n.° 318, apresentada pelo governo, e votada pela camara dos senhores deputados, modificando a tabella dos soldos dos capitães, primeiros tenentes, tenentes, alferes e segundos tenentes das differentes armas do exercito e das guardas municipiaes de Lisboa e Porto, dos officiaes não combatentes e dos empregados civis com esta graduação, dos officiaes combatentes e não combatentes da armada real e do regimento de infanteria do ultramar; proposta esta pela qual é concedido a cada um d'estes officiaes um augmento de vencimento de 5$000 réis mensaes.
Considerando as vossas commissões quanto são pesados os encargos a que se acham obrigados os officiaes das classes mencionadas para conservar o decoro correspondente á sua posição;
Considerando que são muito escassos os recursos de que podem dispor estes officiaes, nomeadamente os de infanteria e cavallaria, e que é modica a remuneração dos serviços prestados á nação por estes servidores do estado;
Considerando que a carestia dos generos e das habitações se torna cada vez mais sensivel;
Considerando igualmente que as actuaes circumstancias do thesouro não permittem no momento presente conceder aos individuos das classes referidas um augmento mais consideravel dos seus vencimentos:
São ás vossas commissões de parecer, que deve ser approvado pela camara dos dignos pares para subir á sancção regia o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 318
Artigo 1.° Os capitães, primeiros tenentes, tenentes, alferes e segundos tenentes, das diversas armas do exercito, os officiaes não combatentes, e os empregados civis com estas graduações, quando estiverem na effectividade do serviço, vencerão os seus soldos pela tabella que faz parte da presente lei.
§ unico. Os officiaes das referidas graduações, que servirem em commissão nas guardas municipaes de Lisboa e Porto, gosarão vantagens correspondentes, tendo os seus vencimentos mensaes acrescentados com o mesmo augmento de 5$000 réis.
Art. 2.° São applicaveis as disposições do artigo 1.° aos officiaes combatentes e não combatentes, e aos empregados civis com graduações militares da armada real e aos do regimento de infanteria do ultramar, de graduações correspondentes ás especificadas no mesmo artigo.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das commissões de guerra e fazenda, 12 de abril de 1878. = Marquez de Fronteira - D. Antonio José de Mello e Saldanha = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde da Praia Grande = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Marino João Franzini = Barros e Sá = Visconde de Bivar = Visconde de Seisal.
Tabella do vencimento mensal a que se refere o artigo 1.° da lei d'esta data
Capitão............................................ 35$000
Tenente ou primeiro tenente........................ 33$000
Alferes ou segundo tenente......................... 30$000
Sala das commissões de guerra e fazenda, 10 de abril de 1878. = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Visconde da Praia Grande = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde de Bivar = Marino João Franzini = Barros e Sá = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Visconde de Seisal.
O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.
O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para declarar que é esta a unica despeza que voto. E voto-a, porque entendo que os militares estão muito mal remunerados.
Quem quizer ter bons exercitos precisa ter officiaes e soldados bem pagos.
Nós estamos sempre a citar a Prussia, mas a verdade é que se os officiaes do exercito d'aquelle paiz têem menos soldo do que os nossos, têem comtudo outras muitas vantagens que os nossos não têem.
Voto, pois; o projecto em discussão.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu entendo que este projecto de lei é que deve ser approvado, e que todos nós devemos ter em attenção os serviços prestados por aquelles a quem somos credores da nossa independencia o segurança, passando uma vida trabalhosa dedicada ao serviço do paiz.
Approvo, pois, este projecto, que tem por fim augmentar os soldos aos officiaes do exercito, porque não podemos deixar de o fazer.
Entretanto, pedirei licença n'esta occasião para expor algumas reflexões.
Eu desejo que o paiz de ao exercito uma prova de que confia n'elle como deve confiar. Mas, para isso é necessario que nos compenetremos dos verdadeiros sentimentos de humanidade que nos ensina a lei do Christo, e que nos manda amarmos mutuamente.
Ora, eu entendo que este principio do christianismo deve ser applicado ao nosso exercito em geral; não basta, portanto, que tratemos de melhorar a condição dos officiaes, é necessario tambem que se melhore sensivelmente a condição do soldado.
N'este sentido, já aqui apresentei, por exemplo, uma proposta contra a pena de morte, estabelecida pelo codigo de justiça militar, porque entendo que no estado de civilisação que existe não se deve conservar uma tal penalidade para o soldado, quando ella já está abolida pela nossa legislação civil.
Acontece, porem, sr. presidente, uma cousa muito notavel. Quando se trata de objectos importantes, que já foram sanccionados em diversos paizes e com bom resultado, cá nega-se-lhe o voto, como por exemplo, á lei de incompatibilidades, e ao imposto sobre o juro dos capitães emprestados ao governo.
E porque?!...
Mas ao mesmo tempo que se faz isto, applica-se a pena de morte ao exercito, sem se ver que esta pena não se deve impor, porque já está banida do codigo civil entre nós (o que mostra que vamos pouco a pouco trilhando o verdadeiro caminho da justiça), e porque as condições de progresso que o espirito humano tem attingido tendem a riscal-a do codigo de todos os paizes civilisados.
Portanto, vou repetir a minha proposta, para ser abolida a pena de morte, que ainda se conserva na legislação militar.
Permitta-me, porem, a camara, que antes de o fazer, lembre o que aqui se passou quando pela primeira vez apresentei esta proposta. Foi ella unicamente approvada pelos dignos pares duque de Loulé, marquez de Sabugosa, condes de Podentes, da Ribeira Grande e Xavier da Silva. E alguns srs. deputados, como se deprehende de um discurso do sr. marquez de Sabugosa, approvaram tambem identica proposta apresentada pelo sr. Ayres de Gouveia, em 1863, em que este senhor pedia a abolição da pena de morte em geral, proposta que teve quatro votos a favor, e tres contra, da commissão de guerra.
Os quatro votos a favor, que constituiam maioria, foram dos srs. Camara Leme, Agostinho de Macedo, Villas Boas e Francisco Maria da Cunha.
Não admira, entretanto, que este assumpto tivesse tão poucos votos a favor, em uma e outra camara, porque os principios mais justos foram sempre os mais difficeis era serem reconhecidos.
Honra, por isso, a uns e a outros dos que votaram a favor de mais esta conquista na esphera do direito e da liberdade.
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Dos dignos pares que votaram a favor da minha proposta, um, o sr. marquez de Sabugosa, fez; um brilhante discurso, impugnando a pena de morte, sendo um dos poucos que se pronunciaram contra ella.
Disse o sr. marquez de Sabugosa, que "desejaria ver mantida a disciplina no exercito, porque não julgava que elle podesse existir sem ella, mas não a queria exercida pelo terror nem pela barbaridade, não julgando que fossem estes os meios para conseguil-o. E citando, para prova das suas asserções, o facto de um official distincto, o sr. Mello de Brederode, ter conseguido manter a ordem na sua companhia apesar da indisciplina que imperava em todas as outras, por occasião da insubordinação do corpo de lanceiros estacionado em Extremoz, disse que fôra pelo exemplo do cumprimento dos seus deveres, e pela justiça dos seus actos, que esse official conseguira a estima e o respeito dos seus subordinados, e a moralisação d'elles. Em vista disto propoz tambem s. exa. que "o projecto do codigo de justiça militar voltasse á commissão para que a pena de morte fosse substituida por outra que coubesse nas attribuições sociaes". E a proposito do mesmo assumpto citei eu tambem a opinião, que agora repetirei, de um illustre magistrado,, Antonio Xavier Teixeira de Brederode, jurisconsulto com muita pratica do fôro, amigo particular da minha familia, o qual, fallando commigo sobre a condenmação dos duques de Aveiro, e lastimando eu muito os tratos a que foram condemnados por essa sentença, me disse que "no tempo em que os homens barateavam a vida e desprezavam a morte, os tratos e os tormentos eram necessarios para os intimidar e evitar os crimes".
Quando ha tantos annos era está a opinião de um juiz intelligente, poderem vista d'isto afoutamente concluir-se que a pena de morte, por si só, de nada vale hoje. Assim o entendo eu tambem.
Voltando, porem, ao assumpto, approvo o projecto do augmento dos soldos aos officiaes; porque, não posso deixar de o fazer, por isso que é justo; mas o que quero é que se attenda tambem ás condições do soldado, e que se evitem as enormes despezas propostas n'esta camara, e contra as quaes eu tenho votado.
Por esta occasião, e porque tem relação com o objecto de que estou tratando, peço licença para fazer algumas considerações sobre a necessidade extrema que temos de organisar uma segunda linha de exercito, porque sem ella não se poderá defender a independencia do paiz. Se desgraçadamente o nosso exercito tiver de entrar em campanha, e for necessario ir guarnecer os pontos importantes das fronteiras, quem fará o serviço das cidades? Não temos ninguem para isso. Por consequencia, é indispensavel que haja uma segunda linha, que sempre tivemos. E por mais de uma vez a historia tem mostrado, as grandes vantagens que d'ahi resultam. Basta recordarmos do que succedeu em 1808, 1809, 1810, etc., em que as nossas milicias e ordenanças prestaram importantes serviços. Mais tarde tivemos os batalhões nacionaes, que tambem foram da maxima utilidade.
Duas cousas são indispensaveis para a nossa independencia uma boa organisação do nosso exercito, e uma cuidadosa administração das nossas possessões ultramarinas. E isto o que eu entendo; e concluindo aqui as minhas considerações sobre a materia, vou mandar para a mesa a proposta, que prometti apresentar.
Tenho dito.
Proposta:
Proponho que do codigo de justiça militar, capitulo 2.°, artigo 9.° se elimine a pena de morte. = Visconde de Fonte Arcada.
O sr. Presidente: - A proposta que o digno par mandou para a mesa não tem relação com o assumpto que se discute; no entanto, parece-me que a camara quererá dar uma prova da consideração que tem por. s. exa., consentindo que ella seja enviada á commissão respectiva.
Os dignos pares que são de voto que a proposta, que o sr.º visconde de Fonte Arcada acaba de mandar para à mesa, seja remettida á commissão respectiva, tenham a bondade de se levantar.
Assim se resolveu.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, direi poucas palavras, porque desejo apenas exprimir o meu voto.
Eu partilho da opinião de um homem illustre que disse, que um paiz que descurava o seu exercito tinha em si o proprio germen da destruição.
Eu queria ver o nosso exercito na sua verdadeira, altura, e assim não posso negar o meu voto a uma proposta cujos preceitos estão conformes com os principios de justiça.
Sr. presidente, applaudo, portanto, a doutrina do projecto, e entendo que o augmento é justo; se bem que noa devemos ter todaa cautela no augmento de despezas, más esta é absolutamente necessaria. Eu não posso negal-o de maneira nenhuma.
Mas por esta occasião permitta-me o nobre ministro que diga, ou que lembre a s. exa., que se ha toda a justiça em reclamar este augmento, o qual eu voto com o maior prazer, não posso deixar de dizer, que os sargentos tambem estão em pessimas condições.
Eu folgo de levantar a minha voz a favor dos sargentos do nosso exercito, que estão em pessimas condições.
Não mando nenhuma emenda para a mesa, mas espero que este governo, que qualquer governo, haja de attender ás tristes e muito precarias circumstancias dos sargentos.
Constou-me pelos jornaes... eu não costumo vir aqui referir boatos sem terem, um fundamento. É cousa grave, muito grave. Vi escripto em um dos jornaes, que se publicam n'esta capital, que haviam requerido, os srs. Officiaes e muito isoladamente, e sem contrariar nenhum preceito da lei, o augmento de soldo.
Ouvi tambem, que alguns sargentos tinham apresentado requerimentos que não foram admittidos. Ignoro a rasão porque. Se elles requeressem collectivamente, então era natural essa recusa; mas, requerendo isoladamente, creio que não devia haver a minima duvida em os attender, embora por quaesquer circumstancias não fossem desde já satisfeitos os seus desejos.
Não sei se é verdadeiro este boato, mas referiram-no alguns jornaes dos que se publicam na capital e fôra da capital.
Portanto, votando de todo o meu coração esta medida, lembro aos poderes publicos, lembro aos actuaes srs. ministros, e lembral-o-hei áquelles que lhes succederem, se eu continuar a pertencer a esta camara, que tenham na maior consideração as precarias circumstancias dos sargentos do nosso exercito.
O sr. Carlos Bento: - O exercito portuguez não precisa dos meus elogios; por consequencia, dispensar-me-hei n'este momento de commemorar as qualidades que o distinguem.
Sr. presidente, fiquei satisfeito de que no projecto que esteve ha pouco em discussão houvesse a indicação de uma verba destinada a occorrer aos encargos que resultam da necessidade de comprar armamento.
Comquanto no projecto de que ora nos occupâmos, se trate de augmento de despeza sem crear receita para lhe: fazer face, eu tambem, por motivos especiaes, dou o meu voto a favor d'elle.
Ha, todavia, uma circumstancia, sobre a qual eu chamo a attenção da camara.
N'este momento, em que se trata de augmentar o soldo aos officiaes, julgo conveniente ponderar que na legislação de outros paizes à fixação dos quadros militares é feita em harmonia com as necessidades do exercito, e não está, como entre nós, á mercê dos individuos que desejam habilitar-se para o posto de alferes.
Se o despacho para esses postos continuar sujeito á fa-
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cuidado de os obter, estudando unicamente dois annos na escola do exercito, será muito difficil podermos contar com um quadro de officiaes que não exceda os limites do necessario.
Lembra-me que, sendo eu ministro da fazenda em 1871, fui ter com um homem, que não póde ser suspeito nem para os paizanos nem para os militares, o sr. marquez de Sá da Bandeira, e lhe disse que me parecia extraordinario o numero de individuos que num praso muito curto se tinham habilitado e sido retribuidos para o posto de alferes.
O sr. marquez de Sá representou n'este sentido ao ministro da guerra, o sr. general Rego, o qual entendeu que se devia fixar o numero preciso de alferes.
Serem as familias que fixem esse numero não me parece conveniente de fórma alguma.
Este objecto vale a pena de se considerar, mesmo porque não é a grande quantidade de officiaes que póde garantir efficazmente o resultado victorioso dos combates; aliás, tambem a França, que tem mais officiaes do que a Prussia, haveria ganho a campanha contra esta nação.
Ainda ultimamente Moltke teve que desenvolver toda aquella eloquencia que tem, quando a quer ter, para sustentar a necessidade de se augmentar mais um capitão nos regimentos allemães, onde havia apenas doze.
Moltke gastou mais de duas horas a provar a necessidade d'este augmento, e a sua rasão de ser.
Entre nós ha um motivo para termos um numero relativamente grande de officiaes; e esse motivo consiste em não podermos ter em armas um grande numero de individuos, limitando-nos, comtudo, a ter os officiaes sufficientes para n'uma occasião dada podermos ter os elementos necessarios de defeza, quando haja de se elevar o exercito a pé de guerra.
Ha, pois, um motivo para termos um numero maior de officiaes, mas não ha nenhum para que o governo não fixe o quadro para os que se habilitam a entrar na fileira.
Nos outros paizes, quando o numero de habilitados é superior ao necessario, o preenchimento é feito por concurso, o que dá uma vantagem para o serviço.
Sobre este assumpto nada mais direi, limitando-me a declarar que voto o projecto.
Com respeito aos sargentos, confesso que é uma rasão para a camara se occupar muito da sua sorte o proprio facto d'elles se lhe não terem dirigido, pois as camaras não devem, para attender aos interesses das diversas classes, esperar que se lhes dirijam.
Eu fallo sobre este assumpto um tanto mais desassombrado, por ver o modo por que elles são considerados lá fóra. Todos os paizes lamentam e procuram melhorar a sorte dos sargentos, e Portugal não ha de ser uma excepção.
Em toda a parte se trata d'este assumpto.
Dizia com rasão um homem distinctissimo, que os sargentos são uma classe, e não são uma classe; são uma profissão, e não são uma profissão.
Sem mesmo se recorrer ao augmento de despeza, ha muitos meios de melhorar a sorte dos sargentos, e um d'esses meios seria a preferencia que se lhes desse para um certo numero de empregos, como lá fóra se faz. Isto seria uma vantagem para elles; e permitta-se-me que o diga, era tambem uma vantagem, e não pequena, para os srs. ministros, pois lhes facilitava o livrarem-se de um certo numero de pretendentes, que não tinham a habilitação de haverem servido já no exercito.
Em Inglaterra, sr. presidente, onde até 1871 os sargentos não tinham accesso a officiaes, desde esse anno, em que acabou a compra dos postos, tem esse accesso.
Estas preferencias dadas aos sargentos acho-as muito rasoaveis, pois habilitam a poder-se fazer justiça sem crear encargos novos; ha ainda de certo um outro meio, que é o poderem ser promovidos em uma escala superior aquella em que o são em concorrencia com os que sáem das escolas.
Limito por aqui as minhas considerações, desejando que a sorte d'aquella classe possa ser melhorada.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, poucas palavras direi porque o projecto não foi combatido por nenhum dos dignos pares que me precederam. Fizeram-se a proposito d'elle algumas observações, ás quaes responderei de passagem, sobretudo ás que foram produzidas pelo digno par, e meu amigo, sr. Carlos Bento da Silva.
Parece-me que s. exa. está em equivoco suppondo, como me pareço que suppõe, que os officiaes que sáem da escola do exercito são comprehendidos n'este projecto.
Os alferes graduados não recebem este beneficio, porque a lei só é applicavel aos alferes effectivos, e esses são os que fazem parte dos quadros do exercito.
Pela carta de lei de 24 de dezembro de 1863, que organisou a escola do exercito, determinou-se que houvesse umas certas vantagens para as praças do exercito que fossem cursar aquellas aulas, e se habilitassem com os cursos de infanteria, de cavallaria ou de alguma das armas especiaes.
Foi um convite ao estudo, e não se póde duvidar que o auctor d'aquella lei, que era um general benemerito, conhecido e respeitado no paiz, só pretendeu promover, quanto em si cabia, e de accordo com o parlamento, o desenvolvimento do gosto pelo estudo, e fazer com que o exercito tivesse officiaes habilitados.
Para conseguir este fim concedeu umas certas vantagens aos que completassem os cursos, e estas vantagens consistem na graduação do posto de alferes, e no vencimento de 600 réis diarios, que tem o caracter de pret.
Já se vê, sr. presidente, que a lei de 24 de dezembro de 1863, só teve em vista um pensamento, que não póde ser combatido, porque se destina a dar estimulo aos que se dedicam á carreira das armas, e a fazer com que o nosso exercito seja composto de officiaes habilitados.
Estes officiaes entram por dois terços nas vacaturas que se dão no posto de alferes, e o outro terço é destinado aos sargentos.
Ora, claro está que o projecto não comprehende estes officiaes, nem elles o são verdadeiramente senão na parte honorifica.
A lei a que me tenho referido estabelecia o internado, e fixava o numero dos individuos que ali podiam estudar, mas, como isso dependia de certas despezas, e de um edificio com as condições necessarias para estarem os alumnos não se póde realisar essa disposição.
E se, uma ou outra vez algum ministro tem procurado restringir a disposição que se tem manifestado para esses estudos, eu confesso que não tenho tido animo para destruir a tendencia, ou, para melhor dizer, vocação que têem os nossos mancebos para a carreira das armas.
Aqui tem, portanto, o digno par a rasão por que eu não tenho limitado o numero de individuos que vão estudar ás escolas superiores.
A respeito dos officiaes inferiores do exercito reconheço a necessidade e conveniencia de se melhorar a sua condição, e se lhes abrir um futuro mais risonho do que têem actualmente. Ha muitas nações em que elles não têem accesso como têem no nosso paiz.
Póde-se dizer que o sargento portuguez traz na mochila o bastão de marechal, o que não succede na Allemanha e noutros paizes. Já me comprometti na outra casa do parlamento a apresentar na sessão seguinte uma proposta de lei, onde se designem quaes os empregos publicos em que possam ser providos os officiaes inferiores do exercito, que tenham servido com boa nota.
Quanto ao projecto em discussão, como elle não foi impugnado, não julgo necessario dizer mais nada.
(O orador não reviu as notas dos seus discursos.)
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, para o exame da minha proposta ácerca da pena de
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morte nos crimes militares, lembrava a conveniencia de que a commissão de guerra fosse augmentada com alguns dignos pares, que não sejam militares.
O sr. Presidente: - Na conformidade da indicação que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, acaba de fazer, se a camara annue, julgo que o mais conveniente é convidar a commissão de guerra a indicar os nomes dos dignos pares que deseja que lhe sejam aggregados. (Apoiados.)
Convido, portanto, a commissão a que indique esses nomes.
O sr. Carlos Bento: - Em relação ao melhoramento da condição da classe dos officiaes inferiores do exercito, estou persuadido que s. exa., o sr. presidente do conselho, se ha de occupar do futuro d'esta classe, tanto mais que, do modo indicado por s. exa., não resulta nenhum augmento de despeza.
Em França acaba de adoptar-se o principio de que os individuos d'essa classe não podessem ser demittidos, sem previamente serem ouvidos em conselho de investigação, e isto com o fim de lhes dar mais esta garantia.
Na Italia tambem se tem melhorado muito a condição dos officiaes inferiores, e talvez que hoje em dia seja a nação onde esta classe gosa de mais vantagens.
Quanto aos alumnos militares das escolas superiores lembra-me que quando eu era ministro da fazenda, achava sempre uma differença de alguns contos de réis entre a approvação do orçamento e o que se chama a rectificação do orçamento, proveniente do crescente numero de alumnos da escola do exercito.
Fiz notar esta circumstancia ao sr. marquez de Sá da Bandeira, o qual era então director da escola do exercito. O nobre marquez tratou logo de proceder de modo á obviar á continuação de um estado de cousas que tinha origem na faculdade de se concederem certas vantagens aos alumnos da escola do exercito.
Creio que ninguem negará o zelo que aquelle distincto general tinha pela illustração da classe militar, nem os serviços que prestou a esta classe.
Pois o nobre marquez não hesitou em representar sem demora ao ministro da guerra de então, que era o sr. general Rego, a fim de se modificar o systema até então seguido, e acabar com a causa que motivava o desequilibrio orçamental que eu havia notado.
Posteriormente, porém, houve alteração no systema que se julgara dever adoptar, em consequencia da representação do sr. marquez de Sá.
O meu amigo, o actual sr. ministro da guerra, entendeu que não devia tornar completamente effectiva a providencia adoptada; e entendeu assim pela rasão, conforme s. exa. declarou, de haver direitos adquiridos da parte d'aquelles que anteriormente á resolução do sr. general Rego frequentavam os estudos da escola do exercito, e era mister respeitar esses direitos.
N'estes termos, pois, nada tenho a acrescentar ao que já disse, e só me resta observar que, se fiz as reflexões que ha pouco tive a honra de apresentar á camara, foi em presença de uma opinião tão illustrada como era a do illustre marquez de Sá da Bandeira.
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção e vae votar-se o projecto na sua generalidade.
Posto á votação o projecto na sua generalidade, foi approvado.
Passando-se á especialidade, foi igualmente approvado.
Leu-se na mesa o parecer n.° 325 sobre o projecto de lei n.° 323.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 325
Senhores. - As commissões reunidas de fazenda e guerra examinaram o projecto de lei n.° 323 de iniciativa do gogoverno, approvado na camara dos senhores deputados, modificando a organisação actual da arma de artilhem. Pelas alterações propostas passam os regimentos de artilheria de campanha a ter dez baterias armadas com quatro peças, em tempo de paz, sendo o seu estado maior augmentado com 1 major e 1 veterinario, e reduzido o numero de praças de pret e de muares em cada bateria; as duas baterias de montanha, hoje reunidas ao regimento de guarnição, passam a formar um corpo independente, com o estado maior e menor a que se refere a tabella junta; o regimento de artilheria de guarnição é augmentado com 4 companhias; as companhias das ilhas dos Açores e Madeira são diminuidas no seu effectivo e ampliado o da companhia da torre de S. Julião da Barra, resultando das alterações mencionadas a necessidade de augmentar o quadro actual dos officiaes combatentes com 1 major e 8 capitães. As modificações introduzidas, tendem a uma melhor distribuição da força pelos differentes corpos da arma, permittindo a passagem immediata ao pé de guerra a um maior numero de baterias, o distribuindo mais, convenientemente para as necessidades do serviço os effectivos das companhias de guarnição. Considerando por outro lado que não é mui avultado o augmento de despeza, julgam as commissões que o projecto de lei n.° 323 merece a vossa approvação.
Sala das commissões reunidas de fazenda e guerra, 12 de abril de 1878. = Marquez de Fronteira = Augusto Xavier Palmeirim = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Visconde da Praia Grande = Visconde de Bivar = Sarros e Sá = Visconde de Seisal = Marino João Franzini.
Projecto de lei n.º 323
Artigo 1.° Os regimentos de artilheria de campanha terão dez baterias montadas, sendo cada uma d'estas armada com quatro peças, em tempo de paz.
§ 1.° O estado maior de cada regimento de campanha será augmentado com 1 major e 1 veterinario.
§ 2.° Em tempo de paz o numero de segundos sargentos de cada bateria dos referidos regimentos ficará reduzido a 3, o dos soldados a 32 serventes 32 conductores, e o das muares a 28, incluindo 4 de reserva.
Art. 2.° As actuaes duas baterias de montanha formarão um corpo independente denominado "brigada de artilheria de montanha".
§ unico. O estado maior e menor da brigada de artilheria de montanha será o constante da tabella A que faz parte da presente lei.
Art. 3.° O regimento de artilheria de guarnição será composto de 12 companhias, tendo cada uma das novamente creadas igual organisação á das actualmente existentes.
Art. 4.° O numero de soldados do quadro de cada uma das companhias de guarnição das ilhas dos Açores e Madeira será reduzido a 60, e o da companhia de S. Julião da Barra elevado a 120.
Art. 5.° Para os fins designados n'esta lei, será o actual quadro dos officiaes combatentes da arma de artilheria augmentado com 1 major e 8 capitães.
Art. 6.° Fica por esta forma alterado, ampliado e modificado o decreto com força de lei de 26 de abril de 1877, e revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario - Alfredo Filgueiras da Mocha Peixoto, deputado secretario.
Tabella A, a que se refere o § unico do artigo 2.° da lei d'esta data
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Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
Entrou em discussão na sua generalidade.
O sr. Vaz Preto: - Declaro que voto contra este projecto, assim como voto contra todo o augmento do despezas que não for indispensavel, e só fiz excepção do que ha pouco se approvou, visto a pequena remuneração que têem os nossos officiaes de fileira.
Portanto, rejeito o projecto em discussão, porque o julgo extemporaneo em presença do estado da fazenda publica.
O sr. Sousa Pinto: - Não tenho intenção de impugnar o projecto que se discute, mas não posso deixar de dizer alguma cousa com respeito a este assumpto, por isso que, quando tive a honra de estar nos conselhos da corôa, fiz uma alteração no quadro da arma de artilheria, em virtude da auctorisação que me foi concedida pelo parlamento, e devo sustental-a.
Já vê a camara que tenho necessidade de dar algumas explicações a este respeito.
A arma da artilheria tem soffrido diversas organisações, mas até hoje não se conseguiu ainda dotal-a com uma que satisfaça completamente.
Quasi sempre quando se trata de fazer nova reforma n'esta arma diz-se que a existente não correspondeu ao fim a que se destinou.
A organisação de 1869, feita sob o principio de economia que então predominava, constava de um regimento do campanha e dois de guarnição, e mais duas companhias destacadas nos Açores.
Dos dois regimentos de guarnição, um era destinado a guarnecer o norte do reino e o outro as provincias do sul.
O regimento de campanha compunha-se de 8 baterias, sendo 6 montadas com 4 peças cada uma e 2 de montanha com 6, o que perfazia 36 bôcas de fogo.
Este regimento, e um dos de guarnição, tinham os seus quarteis em Lisboa, e o outro d'esta ultima especie na cidade do Porto.
Logo no principio foi a organisação alterada, ficando em Elvas o regimento destinado para o Porto, por se attender ao pedido dos habitantes d'esta praça, que solicitaram para ali um regimento.
Mais tarde, e com o fim de guarnecer com artilheria as provincias do norte, o governo que então estava, que é o actual, mandou para ali o regimento de artilheria de guarnição que pertencia a Lisboa, e devia dar a guarnição do sul do reino e ilha da Madeira, ficando assim ainda mais transtornada a organisação.
Não tardou muito tempo que este regimento não voltasse d'ali, sendo mandado aquartelar em Santarem, e depois foi transformado em regimento de campanha. É n'este estado que achei a organisação da arma do artilheria quando entrei no ministerio da guerra. O meu primeiro empenho foi legalisar a transformação que se tinha feito do regimento n.° 3, que era de guarnição e se achava transformado em artilheria de campanha. Essa transformação foi convertida em lei a pedido meu.
Pedi tambem auctorisação para reorganisar os quadros dos corpos d'esta arma, o que me foi concedido com a clausula, porém, de que não haveria augmento de despeza.
Foi, fechado n'este estreito circulo, que fiz a reorganisação, formando dois regimentos de campanha, cada um com oito baterias montadas de seis bôcas de fogo. Mandei as duas baterias de montanha que excediam dos regimentos n.ºs 1 e 3, unir ao regimento de guarnição para os effeitos de administração e disciplina, e augmentei a força de artilheria de guarnição com mais duas companhias, uma para guarnecer a ilha da Madeira e outra a praça de S. Julião da Barra, a fim de evitar os longiquos e demorados destacamentos áquella, e esta para poder servir a nova artilheria do systema Krupp com que fôra mandada artilhar a praça e as sortalezas de defeza do Tejo.
Em vista da nova feição dada á arma de artilheria, alterei tambem o seu quadro no tempo de guerra, formando dois regimentos de campanha e mais um outro de montanha para o qual serviram de nucleo as duas baterias de montanha que possuimos.
Preparadas as cousas por esta fórma, parecia-me ser o sufficiente para as necessidades do serviço; mais tarde, porém, vim no conhecimento, que não havia a força precisa para o serviço de guarnição, e em consequencia d'isso apresentei na outra camara uma proposta para a formação de um novo regimento de guarnição composto de seis companhias, tendo o quartel na cidade do Porto, e ao qual se uniriam as baterias de montanha que actualmente se acham unidas ao regimento de Lisboa, ficando assim composto tudo para poder passar facilmente ao pé de guerra.
No projecto que presentemente só discute augmenta-se com quatro companhias o unico regimento de guarnição, que existe, e os regimentos de campanha são tambem augmentados com duas baterias cada um. Fica, portanto, em tempo de paz um regimento de guarnição com doze companhias, que tem de passar em tempo de guerra a ter sómente oito, o que não é regular; e dois regimentos de campanha de dez baterias cada um, mas cada bateria de quatro bôcas de fogo, o que perfaz no total quarenta, emquanto que o regimento que temos têem oito baterias com quarenta e oito peças. Diminuem-se, portanto, dezeseis bôcas de fogo, e augmenta-se a despeza sem proveito.
Por consequencia, parece-me que a proposta que apresentei na camara dos senhores deputados era mais racional, mais economica e mais facil para se poder passar de pé de paz para o pé de guerra.
Como, porém, no projecto que se discute se attende ao fim principal, que é o augmento da artilheria de guarnição, de que muito se precisa, não o impugno; e limito-me a apresentar estas observações á consideração da camara, que as apreciará como julgar conveniente.
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vá e votar-se o projecto na generalidade.
Consultada a camara, approvou a generalidade do projecto.
O sr. Presidente: - Entra em discussão na especialidade ámanhã.
Eu creio que os dignos pares quererão que a sessão ámanhã comece tambem á uma hora. (Apoiados.)
A ordem do dia será a continuação da que estava dada para hoje, acrescentando-se-lhe o parecer n.° 357, que fixa o numero de recrutas para a armada.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 25 de abril de 1878
Exmos. Srs. Duque d'Avila e de Bolama; Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, do Sabugosa, do, Vallada; Condes, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Linhares, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Fonte Nova, das Alcaçovas; Viscondes, de Alves de Sá, de
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Bivar, de Fonte Arcada, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, dos Olivaes; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Eugenio de Almeida.