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CAMARA DOS DIGNOS PAR REINO

SESSÃO N.º 51

EM 2 DE SETEMBRO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — São lidas duas representações em favor do projecto relativo aos hoteis. — O Digno Par Sr. Pereira de Miranda apresenta outra representação sobre o mesmo assunto, e requer dispensa do regimento para entrar em discussão o projecto de lei que autoriza uma antecipação de receitas á Junta Geral do districto de Angra do Heroismo para occorrer a despezas sanitarias naquelle diatricto. A camara approvou o requerimento e, em seguida o projecto, sem discução. – O Digno
Par Sr. Dias Costa apresenta, por parte da commissão de guerra, o parecer sobre o projecto de lei que concede uma pensão a filha sobrevivente do marecheal de campo José Anastacio Miranda. – O Digno Par Sr. Conde de Sabugosa, por parte da commissão de negocios externos, manda para a mesa cinco pareceres sobre convenções internacionaes. — O Digno Par Sr. Conde de Bomfim faz declarações de voto sobre os projectos de lei relativos aos exames em outubro e á pensão á familia do general Galhardo, expondo sobre este ultimo projecto algumas considerações. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra. — O Digno Par Sr. Mattoso Santos requer que aggregados á commissão de agricultura os Dignes Pares Srs. Conde do Cartaxo, Bandeira Coelho e Marquês de Avila, e que esta ccmmissão possa reunir-se durante a sessão juntamente com a de fazenda. A Camara approva estes dois requerimentos. — O Digno Par Sr. Conde de Arnoso refere-se ao inquerito sobre os tragicos acontecimentos de 1 de fevereiro. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. — O Digno Par Sr. D. João de Alarcão apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes sobre o requerimento do Sr. Conde da Ribeira Grande para tomar assento nesta Camara como successor de seu pae. — O Digno Par Sr. Eduardo Villaça apresenta o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de conversão em titulos externos de bens desamortizados.

Ordem ao dia. — Projecto de lei (parecer n.° 39) que dá preferencia para os logares administrativos nas provincias ultramarinas aos individuos habilitados com o curso da Escola Colonial. — Usa da palavra sobre este projecto o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. E o projecto approvado. — O Digno Par Sr. Mattoso Santos apresenta o parecer das commissões reunidas de agricultura e fazenda sobre o projecto relativo á crise vinicola. — E lida na mesa uma representação da Associação Commercial de Lisboa reclamando direitos que lhe foram conferidos pela lei de 17 de fevereiro de 1876. — A requerimento do Digno Par Sr. Pedro de Araujo é dispensado o regimento para entrar em discussão o projecto de lei que autoriza a Camara Municipal do Porto a contrahir um emprestimo de 100 contos de réis para despesas de saneamento da mesma cidade. Após algumas considerações do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, do Sr. Presidente do Conselho e do Digno Par Sr. Pedro de Araujo e o projecto approvado. — Entra em discussão o projecto que autoriza o Governo a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Joaquim Antonio de Aguiar. Usam da palavra os. Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa e Dias Costa, sendo em seguida approvado o projecto. — A requerimento do Digno Par Sr. Mattoso Santos é dispensado o regimento para entrar em discussão o projecto de lei relativo aos alumnos do Conservatorio Real de Lisboa. Este projecto é approvado sem discussão. — O Digno Par Sr. Dias Costa apresenta o parecer sobre o projecto de lei que diz respeito á cunhagem da nova moeda. - Trocam se explicações entre o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa e o Sr. Ministro da Fazenda sobre a abertura de creditos extraordinarios e especiaes. — É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 25 minutos da tarde o Sr. Presidente abre a sessão.

Feita a chamada, verifica-se estarem presentes 21 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão anterior, foi approvada sem reclamação.

Menciona-se o seguinte expediente:

Representações 1:

Da Associação Commercial de Lisboa, Liga Promotora dos Melhoramentos de Cintra e da Associação de Classe dos Operarios Marceneiros do Porto sobre o projecto de lei approvado na

1 As representações lidas nesta sessão vão publicadas no final do presente numero dos Annaes.

Camara dos Senhores Deputados e que se refere á construcção de hoteis.

Telegramma:

Porto, 26, ás 12 e 35, t. — Exa. 50 Presidente Camara Pares. — Palacio Côrtes, Lisboa. — Associação Operarios Entalhadores, norte, Avintes, pedem V. Exa. não seja approvado projecto isenção direitos mobiliario hoteis. = Presidente, Manuel Ramos.

O Sr. Pereira de Miranda: — Tenho a honra de enviar para a mesa uma representação da Sociedade Propaganda de Portugal a favor do projecto de construcção de hoteis; e por parte da commissão de fazenda o parecer sobre a proposição de lei n.° 35, relativa á defesa sanitaria de Angra.

Em vista da urgencia d’este ultimo assunto, peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que, dispensado o regimento, elle entre desde já em discussão.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

Leu se na mesa o projecto de lei, que é do teor seguinte:

Artigo 1.° É autorizado o Governo a conceder á Junta Geral do districto de Angra do Heroismo, por antecipação das receitas d’este corpo administrativo a cobrar nos dois primeiros meses do proximo anno de 1909, a quantia de 10 contos de réis, a fim de ser applicada ás despesas da respectiva competencia, exigidas pelo estado sanitario actual do mesmo districto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente: — Está em discussão. (Pausa). Se ninguem pede a palavra, vae votar-se. (Pausa). Está approvado.

O Sr. Dias Costa: — Por parte da commissão de guerra, mando para a mesa o parecer n.° 58, relativo a uma pensão á filha do marechal de campo José Atanasio de Miranda.

O Sr. Presidente: — Vae a imprimir.

O Sr. Conde de Sabugosa: — Por parte da commissão de negocios externos, mando para a mesa os pareceres relativos ás seguintes convenções internacionaes:

Extradição de criminosos com os Estados Unidos da America do Norte;

Direito internacional privado (entre Portugal e outras nações), Conferencia da Haya, em 17 de junho de 1905;

Sobre emigrantes (com os Estados Unidos da America do Norte);

Sobre o trabalho de mulheres em fabricas e officinas, com varias nações, Conferencia de Berne, em 26 de setembro de L906;

Sobre a radio-telegraphia, em Berlim, em 3 de novembro de 1906.

O Sr. Presidente: — Os pareceres que o Digno Par mandou para a mesa vão ser impressos.

O Sr. Conde de Bomfim: — Sr. Presidente: se eu tivesse assistido á ultima sessão, teria approvado o projecto relativo aos exames em outubro.

Com respeito ao projecto, que nessa sessão tambem se votou, relativo á pensão a dar á familia do general Galhardo, sinto que se tivesse reduzido a verba que primeiro foi fixada, porque conheço os serviços prestados por aquelle distiricto official, as dificuldades e riscos por que passou e a maneira triunfante como se resolveu a campanha dos vatuas que elle dirigiu, e pela qual foi acclamado pelo país inteiro.

Ainda hoje está na memoria de todos o vivo enthusiasmo com que, de volta d'essa campanha, o general Galhardo foi acolhido em Lisboa.

Estranho que esse projecto não tivesse sido, pela Camara dos Senhores Deputados, approvado por unanimidade tal como fôra apresentado e votado aqui, e que se regateasse a pensão reduzindo-a.

Tratando-se de um official seu camarada, o Sr. Ministro da Guerra devia ter instado e insistido para que" o projecto não fosse alterado.

Não me conformo com a reducção feita, que não sei como explicar, a não
ser que sejam verdadeiros os boatos de que o Governo se não encontra com bastante força para que as suas maiorias approvem o que de justiça lhes é apresentado.

Se assim é, se o Governe não tem força para governar, venham ao poder os partidos que a techam e não continuemos neste systema.

O Governo tem á sua frente um illustre militar, timoneiro que sabe bem dirigir a sua embarcação e está habituado a lutar com as tempestades. Se não conseguir realizar o programma com que assumiu o poder depois dos tragicos acontecimentos de 1 de fevereiro, criará maiores difficulades ao Governo que lhe succeder.

E preciso realmente que haja um programma, que o Governo do país assente numas bases claras e definidas e que se não deixe que os partidos governem sem responsabilidades, como poder occulto.

Eu espero que o Governo por sua parte, quando as circunstancias forem outras, quando forem mais prosperas as condições do Thesouro, promoverá que esta pensão possa ser aumentada como é de toda a justiça.

Não será o primeiro caso, e agora, tratando-se de tão relevantes serviços, é indispensavel que o Governe diga se é seu proposito aumentar em occasião opportuna essa pensão.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Sr. Presidente: o Digno Par Sr. Conde de Bomfini fez algumas considerações a respeito do projecto que foi aqui discutido na sessão de hontem.

Se S. Exa. estivesse então presente, ter-me-hia ouvido dizer que o Governo concordava por completo com a proposta; que se não a apresentou como iniciativa propria, foi por entencer que, sendo ella assinada pelos representantes dos partidos, significaria maior homenagem á memoria do general Galhardo, e seria mais viavel.

Eu expliquei a esta Camara a razão porque a Camara dos Senhores Deputados tinha modificado a proposta.

O Sr. Conde de Bomfim: — Como não estava presente, não ouvi.

O Orador: — Pois se o Digno Par estivesse presente, teria ouvido o que eu disse a esse respeito.

As commissões de guerra e fazenda da Camara dos Senhores Deputados apresentaram o seguinte argumento: que já em outras occasiões, e tambem tendo havido grandes serviços prestados por homens notaveis, se tem dado como pensão ás suas familias mesma que elles recebiam em vida.

Em vista d'estas considerações, o Governo viu-se na situação de acceitar a reducção que lhe era indicada ou de concorrer, pela intransigencia, para que o projecto ficasse demorado.

Entendeu que prestava melhor serviço á memoria do general Galhardo, e á sua familia, acceitando a reducção.

O Governo tem prestado sempre homenagem aos actos praticados por aquelle illustre militar, quer em Moçambique quer na India, e não tem responsabilidade no procedimento da Camara nos Senhores Deputados relativamente á modificação que o projecto soffreu.

É isto o que eu tenho a dizer ao Digno Par.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: — Rogo a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente que sejam aggregados á commissão de agricultura os Dignos Pares Srs. Conde do Cartaxo, Bandeira Coelho e Marquez de Avila.

Peço mais a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que as commissões de agricultura e fazenda possan reunir-se durante a sessão.

O Sr. Presidente : — Os Dignos Pares que permittem que sejam aggregados á commissão de agricultura os Srs. Conde do Cartaxo, Bandeira Coelho e Marquez de Avila, tenham a bondade de se levantar. (Pausa). Está approvado. Os Dignos Pares que permittem que as commissões de agricultura e fezenda possam reunir-se durante a sessão, tenham a bondade de se levantar. (Pausa). Está approvado.

O Sr. Conde de Arnoso: — Rogo a V. Exa., Sr. Presidente, e á Camara, a necessaria autorização para me ausentar do reino.

Para que este meu singelo pedido não seja, pelos sombrios tempos que vão correndo, sujeito a erroneas interpretações — só inspiradas no acre sabor das paixões politicas — acrescentarei que vou directamente a Inglaterra deixar ali nnm collegio um dos meus queridos filhos, e, directamente tambem, voltarei a recolher-me a esta nossa, querida, estremecida e tão experimentada patria.

Aproveito estar com a palavra para mais uma vez, e com inteira justiça, classificar de indigno tudo que ha longos sete meses se vem passando com relação ao vergonhosissimo inquerito ao criminoso e vil attentado do dia 1 de fevereiro, sentindo só que a minha palavra não tenha a força, o calor e o vigor de um latego candente para verberar, como seria mester, tamanha iniquidade!

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SESSÃO N.° 51 DE 2 DE SETEMBRO DE 1908 3

Tudo, porem, o que se tem passado está, desgraçadamente, na logica dos actos do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino.

S. Exa. principiou por escrever, estando o corpo do martyrizado Rei D. Carlos ainda na camara mortuaria do Paço das Necessidades, a historica carta, que levou a corrigir a casa do Digno Par Sr. Conselheiro Julio de Vilhena. Continuou com a autorização da torpe peregrinação ao cemiterio, que offendeu e feriu a consciencia de toda a humanidade! Foi até o inqualificavel enxerto dos chamados adeantamentos na lista civil, acocorando-se, agachando-se ainda, para semelhante façanha, por detrás de Sua Majestade El-Rei D. Manuel II. E irá... se o deixarem, até onde o seu mau sestro, se não a sua manifesta duplicidade, o arrastar e nos arrastar!

S. Exa. governa (triste emprego de tão elevada palavra) pela tolerancia do partido regenerador, segundo legitimamente se deprehende das palavras mais de uma vez eloquentemente proferidas nesta Camara pelo seu illustre chefe, visivelmente embaraçado por ver embarcados na galera ministerial dois dos seus mais prestimosos correligionarios.

Tambem, e principalmente, pelo apoio que ainda lhe concede o partido progressista, apoio devido ao estado psychologico d'essa grande agremiação politica, unida em volta do seu prestigioso chefe, que uma doença pertinaz e inclemente afasta de toda a possibilidade de assumir de momento o poder.

Não deixarei de apontar ainda, para nada esquecer, o decidido apoio que directamente dispensa á pessoa do Sr. Presidente do Conselho a imprensa anti-monarchica, que tem para S. Exa. carinhos especiaes.

Tal é, em toda a sua luminosa nitidez e simplicidade, a situação governamental.

D'aqui um equilibrio bem instavel e bem ephemero. No entanto, a não se darem factos extraordinarios e sensacionaes — o que não será por falta de não serem annunciados — tão periclitante equilibrio pode ainda prolongar-se até a nova sessão.

Se assim for, e se o criminoso inquerito - não se lhe pode dar outro nome — continuar a ser a mesma indecorosissima comedia, a mesma burla, com as inverosimeis surpresas de cada instante, o Sr. Presidente do Conselho encontrar-me-ha aqui, como até agora, firme no mesmo inalteravel e irreductivel proposito de lhe mostrar, e ao país, como tão malevolamente nos tem diminuido aos olhos de todas as nações, atraiçoando dia a dia a confiança dos chefes dos grandes partidos tradicionaes, que na mais angustiosa e mais tragica crise da nossa historia tiveram a fraqueza de lhe testemunhar, indicando-o para tão alto cargo ao Augusto Chefe do Estado.

O Sr. Presidente: — Aviso o Digno Par de que está a dar a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: — Se V. Exa. me permitte, são só mais dois minutos.

Sr. Presidente: como tudo nesta vida tem um fim, o inquerito tambem ha de terminar.

Para então me reservo.

De tudo pedirei estreitas contas ao Sr. Presidente do Conselho. De tudo. Não esquecendo o tranquillo somno de um mês dormido pelo inquerito nos archivos do juizo de instrucção criminal.

Nada esquecerei, não clamando vingança, mas tão somente que se restaure, nesta nossa amargurada patria, o culto da justiça e o sagrado respeito que a todas as victimas se deve.

Posto isto, só me resta acrescentar que sinto ver-me forçado a abandonar os trabalhos da nossa Camara antes de ter negado o meu voto ao conhecido projecto dos açucares de Moçambique.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — Pedi a palavra, não para responder aos doestos permanentes do Digno Par.

O Sr. Conde de Arnoso: — Não consinto que V. Exa. classifique de does.-tos as palavras que lhe dirigi. Se tivesse proferido doestos, se me tivesse afastado do que devo a mim proprio, o nosso Digno Presidente teria sido o primeiro a chamar-me á ordem, a retirar me mesmo a palavra. S. Exa. não o fez e eu não posso consentir que V. Exa. a empregue semelhante expressão.

O Sr. Presidente: — O Digno Par não proferiu doestos.

S. Exa. empregou algumas palavras um pouco vivas, que ao Sr. Presidente do Conselho pareceram doestos. Mas, se o fossem, eu teria chamado á ordem o Digno Par ou ter-lhe-hia retirado a palavra.

O Orador: — Não insisto, e simplesmente responderei á parte do discurso do Digno Par relativa ao inquerito.

Tenho feito quantas diligencias em mim cabem, para que se chegue ao fim do inquerito, e se quisesse alijar responsabilidades já o teria dado por findo, sem que me pudessem attribuir a menor responsabilidade legal.

O inquerito está em andamento.

Cada vez que se censura o Governo por esta questão, perde-se a occasião de deixar adormecer os cumplices ou indiciados que, por esse facto, ficam alerta.

O Digno Par não tem o monopolio da justiça e não tem direito a acousar quem cumpre o seu dever.

O Sr. D. João de Alarcão: — Envio para a mesa, em nome da commissão de verificação de poderes, o parecer sobre o requerimento em que pede para tomar assento nesta Camara, por direito de successão, o Sr. Conde da Ribeira Grande.

O Sr. Presidente: — Vae a imprimir.

O Sr. Eduardo Villaça: — Envio para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de conversão em titulos externos de bens desamortizados.

O Sr. Presidente: — Vae a imprimir. Vamos passar á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o projecto de lei a que diz respeito o parecer n.° 39 e que é do teor seguinte:

PARECER N.° 39

Senhores. — A vossa commissão do ultramar apreciou devidamente o projecto de lei n.° 48, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que dá preferencia para os logares administrativos das provincias ultramarinas e districto autonomo de Timor aos individuos habilitados com o curso ordinario da escola colonial.

Presidiu á elaboração d’este projecto o principio de que todos devem concorrer quanto em suas forças caiba para a colonização do que nos resta do nosso património de alem-mar. Mas assim, justo será tambem que aquelles que a elle se dedicam tenham jus a uma collocação sem a concorrencia dos que, favorecidos apenas por um mero acaso da fortuna, possam prejudicá-los nas .suas mais legitimas aspirações.

Sem prejudicar ninguem, mas dando, em igualdade de circunstancias, preferencia aquelles que devotadamente se dedicam ao estudo colonial, seria um incentivo muito para louvar, por isso que deriva para as provincias ultramarinas uma corrente promettedora da sua prosperidade e civilização.

Nestes termos, é a vossa commissão de parecer, de acordo com o Governo, que o mencionado projecto deve ser approvado, para converter-se em lei.

Sala das sessões da commissão, em 29 de agosto de 1908. = Francisco Maria da Cunha = D. João de Alarcão = Julio de, Vilhena = Conde do Carta-

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

xo = A. Eduardo Villaça = Marquez do Lavradio.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 48

Artigo 1.° Nos concursos para os logares que constituem o 2.° e 3.° graus do artigo 115.° da organização administrativa da provincia de Moçambique de 23 de maio de 1907, e para os de caracter administrativo das outras provincias ultramarinas e districto autonomo de Timor, formarão o primeiro grupo os concorrentes habilitados com o curso ordinario da Escola Colonial, ou com o curso colonial da faculdade de direito, a que se referem os artigos 99.° e 108.° do decreto de 24 de dezembro de 1901.

§ unico. Para todas as outras nomeações para o ultramar a posse do mesmo curso constituirá, em igualdade das restantes condições logaes, motivo de preferencia.

Art. 2.° Nos concursos para os logares de amanuenses, segundos officiaes e primeiros officiaes da Direcção Geral do Ultramar, Direcção dos Caminhos de Ferro Ultramarinos e Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar, formarão o 1.° grupo os concorrentes que, alem das circunstancias que a lei exige, possuam o curso ordinario da Escola Colonial, ou o curso colonial da faculdade de direito, a que se referem os artigos 99.° e 108.° do decreto de 24 de dezembro de 1901.

§ unico. Os funccionarios das referidas direcções e inspecção, ao tempo da promulgação d’esta lei, que quiserem de futuro tomar parte nestes concursos, entrarão tambem no 1.° grupo, constituindo dentro d'este o curso ordinario na Escola Colonial motivo de preferencia em igualdade de classificação.

Art. 3.° Os alumnos extraordinarios da escola, matriculados até a data da presente lei, terão os mesmos direitos e regalias dos alumnos ordinarios, quando provem possuir as condições para a matricula do curso ordinario, passando-se-lhes então a respectiva carta do curso.

Art. 4.° Os Ministros da Guerra e da Marinha e Ultramar concederão todos os annos licença especial, para frequentarem como alumnos do curso ordinario da Escola Colonial, a um numero determinado de officiaes subalternos do exercito, da armada e dos quadros ultramarinos, que for aconselhada pelas necessidades do serviço do ultramar.

§ 1.° Os officiaes matriculados na Escola Colonial serão contados nos quadros das suas respectivas armas ou serviços e conservarão todos os vencimentos a que tenham direito pelas suas patentes.

§ 2.° Os officiaes que, sem motivo justificado, não concluirem o curso no prazo legal da sua duração, recolherão immediatamente ás suas respectivas armas ou serviços, sendo-lhes descontado, para effeitos de reforma, o tempo de permanencia na escola. Iguaes disposições serão observadas logo que no conselho de instrucção se reconheça que estes alumnos, pela sua frequencia irregular, não podem já concluir o curso no prazo legal.

§ 3.° Os officiaes habilitados com o curso da Escola Colonia! terão preferencia para o desempenho das commissões militares e administrativas privativas da sua classe nas provincias ultramarinas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 18 de agosto de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.° 42

Senhores. — Reza a historia que na escola de Africa se educavam aquelles que na India se iam bater pela nome e grandeza de Portugal. E, combatendo um contra dez. contra vinte, contra cem, uma mole gigantesca, fantasmatica, epopeia de sangue mas que foi de muita gloria, sabendo morrer, deram á historia da sua patria paginas de tanta grandeza, que ainda hoje, no meio da nossa triste decadencia, ellas são o escudo que nos defende.

Na Escola de Sagres, sob a direcção do grande Infante, essa figura épica que mais parece uma personagem criada para synthetizar uma epoca, que realidade incarnada num só homem, se educaram aquelles que, em frageis bateis arriscando a sua vida, levaram o nome português aos mais longinquos páramos do mundo.

Tempos que lá vão, ha muito já, e dos quaes temos vivido de mais, para desgraça nossa.

Hoje as circunstancias mudaram. Sem nada mais podermos descobrir, subjugados aquelles que ao nosso dominio quereriam oppor resistencia, urge para o seu desenvolvimento concorrer, urge arrancar de feracissimos terrenos as riquezas que contêem.

Ás cegas não poderemos caminhar para attingirmos este desideratum. Assim o teem comprehendido todas as nações coloniaes que, com a consciencia da missão que teem a cumprir, dos encargos que essa missão lhes traz, pesados em verdade, porque coloniaes não é só largar uma terra em busca de outra que maiores garantias de vida dê, mas fim exercer uma acção profundamente civilizadora sobre as causas e gentes do territorio para onde se emigrou, teem procurado educar os seus colonos e organizar a administração dos seus dominios da melhor forma possivel, adaptando-a ao modo de ser e á natureza d’essas colonias: E um tal plano só poderá ser executado quando se faça rigorosa escolha dos funccionarios a quem deve ser entregue o desempenho dos diversos serviços, funccionalismo que, para que tenha condições de idoneidade, precisa conhecer a natureza e aptidões da colonia em que exerce a sua actividade, unico modo de, sem obstaculos, sem peias que desmoralizam e cansam, para o progresso da colonia efficazmente concorrer; só poderá ser executado quando se ensinar a todos os que nas colonias vão trabalhar a bem empregar o esforço do seu braço e da sua intelligencia, de modo que, embora longe, nem por isso elles deixem de concorrer, na medida das suas forças, para o bem e prosperidade da nação, cuja bandeira sobre todos ondula e a todos protege.

Para isso a Escola Colonial é absolutamente necessaria. Assim o comprehenderam todos os grandes países coloniaes. E, entre nós, com os decretos de 18 de janeiro de 1906 e 23 de maio de 1907, alguma cousa se andou já nesse caminho. Mas não basta. É necessario que o curso da Escola Colonial seja motivo de preferencia para o provimento não só da maioria dos cargos administrativos no ultramar, mas tambem de alguns na metropole que com as colonias intimamente estão ligados, unica maneira de, com perfeito conhecimento de causa, os poder desempenhar.

Não se fez isto até agora. E a remediar esta deficiencia que se destina o projecto de lei que esta commissão apresenta á vossa esclarecida e sã apreciação.

Num só ponto foi alterada a proposta de lei & que se refere este parecer: Frequentando actualmente a Escola Colonial, como alumnos extraordinarios, alguns individuos a quem falta algum dos requisitos para a matricula como ordinarios: mas sendo o curso extraordinario naquella escola o mesmo que o ordinario, pareceu á vossa commissão do ultramar que seria razoavel dar aquelles alumnos, quando provem ter todos os requisites para a matricula como ordinarios, as mesmas garantias que a estes dá este projecto de lei.

E assim se mudou o § unico do artigo 1.° em § 1.° e se juntou áquelle artigo um outro paragrapho, que diz: «Os alumnos extraordinarios, matriculados até a data da presente lei, terão os mesmos direitos e regalias dos alumnos ordinarios, quando provem possuir as condições necessarias para a matricula do curso ordinario, passando-se-lhes então a respectiva carta de curso».

E, feita esta alteração á proposta em questão, entende a vossa commissão do ultramar que pode, de acordo com o

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Governo, apresentar á apreciação da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Nos concursos para os Io gares que constituem o 2.° e 3.° graus do artigo 115. ° da organização administrativa da provincia de Moçambique de 23 de maio de 1907, e para os de caracter administrativo das outras provincias ultramarinas e districto autónomo de Timor, formarão o primeiro grupo os concorrentes habilitados com o curso ordinario da Escola Colonial.

§ 1.° Para todas as outras nomeações para o ultramar a posse do mesmo curso constituirá, em igualdade das restantes condições legaes, motivo de preferencia.

§ 2.° Os alumnos extraordinarios da escola, matriculados até a data da presente lei, terão os mesmos direitos e regalias dos alumnos ordinarios, quando provem possuir as condições para a matricula do curso ordinario, passando-se-lhes então a respectiva carta do curso.

Art. 2.° Nos concursos para os Jogares de amanuenses, segundos officiaes e primeiros officiaes da Direcção Geral do Ultramar, Direcção dos Caminhos de Ferro Ultramarinos e Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar, formarão o 1.° grupo os concorrentes que, alem das circunstancias que a lei exige, possuam o curso ordinario da Escola Colonial.

§ unico. Os funccionarios das referidas direcções e inspecção, ao tempo da promulgação d'esta lei, que quiserem de futuro tomar parte nestes concursos, entrarão tambem no 1.° grupo, constituindo dentro d'este o curso ordinario da Escola Colonial motivo de preferencia em igualdade de classificação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, 3 de agosto de 1908. = Paulo Cancella = João Carlos de Mello Barreto = Ernesto Jardim de Vilhena = Christiano José de Senna Barcellos = Vicente M. C. dá Almeida de Eça = Manuel Fratel = Manuel de Brito Camacho = Lourenço Cayolla = Thomaz de Aquino de Almeida Garrett, relator.

Senhores. - Em 18 de janeiro de 1906 foi referendado o decreto organizando no nosso país uma Escola Colonial, procurando-se assim acudir a uma das deficiencias mais reconhecidas da nossa administração ultramarina. Ha muito que todos os que se interessam pelo desenvolvimento e progresso das nossas colonias, como condição primordial do futuro e prosperidades da nação a que pertencemos, vinham pugnando pela ideia de se organizar entre nós, em bases intelligentes e serias, o estudo das sciencias que concorrem para uma boa obra de colonização e o das linguas que, no maior numero, falam os indigenas das nossas possessões de alem-mar, cujo conhecimento se torna indispensavel para podermos exercer sobre elles a acção educativa que é necessario realizar, a fim de os transformarmos em elementos uteis de trabalho e civilização.

Essa ideia foi brilhantemente defendida, no Congresso Colonial, de 1901, reunido na Sociedade de Geographia de Lisboa e ali se encontrou a formula precisa de se resolver tão importante problema. O ensino colonial, num país como o nosso, que tem, na conservação e prosperidade das suas colonias, um elemento precioso para a manutenção da sua autonomia e prestigio das suas tradições e do seu bom nome, possue um valor decisivo, porque é por meio d'elle que conseguiremos tornar geral a convicção de que todos devem concorrer, quanto em suas forcas caiba, para a valorização do que ainda nos resta do nosso patrimonio colonial e obtermos um recrutamento de colonos que, alem das mais nobres qualidades de energia, de tenacidade e de coragem, contem com os conhecimentos sufficientes para tornarem verdadeiramente productiva e util a acção do seu esforço. Mas um outro resultado, não menos benéfico do que este, provirá ainda da existencia e consolidação do referido ensino. Será o de se alcançarem funccionarios para todos os serviços das colonias, fortemente preparados pelo conhecimento dos recursos da região, por todos os principios de colonização, administração e hygiene e pelo saber dos habitos, costumes, religião e lingua dos respectivos indigenas, para poderem desempenhar os seus cargos pela forma mais proveitosa para os interesses da mãe patria. A esse resultado aspirava principalmente o autor do decreto de 18 de janeiro de 1906. No seu relatorio, que antecedia o citado decreto, descrevendo-se a instrucção geral, util a quantos para as colonias vão, e, particularmente, para os que se empreguem em funcções administrativas, que deveria ser ministrada na Escola Colonial, dizia assim:

"Os funccionarios administrativos, propriamente ditos, dificilmente poderão desempenhar em cada colonia o seu cargo, com evidente utilidade, sem os conhecimentos que da referida instrucção adveem".

Pouco depois desenvolvia esta mesma ideia, nos seguintes periodos:

"Facilmente se comprehende a urgente necessidade de possuir o pessoal administrativo colonial a instrucção conveniente, evitando, o que tantas vezes tem succedido, irem para as colonias funccionarios inscientes da região em que a sua actividade terá de se desenvolver, da lingua dos povos com que. hão de lidar, bem como desconhecedores dos seus usos e costumes, das suas producções e até da sua situação geographica".

Para complemento d'este pensamento o mesmo relatorio incluia ainda estas palavras:

"Como incentivo a seguir-se o curso colonial, estabelece este projecto de decreto a preferencia para a nomeação dos concorrentes ás vagas em que a promoção não esteja definida pela antiguidade do serviço. Derivar para o curso colonial muitos dos que a outros cursos se destinariam, na falta d'aquelle, não só é serviço valioso feito ás colonias, pela cultura intellectual dos seus futuros funccionarios, mas vantajoso será tambem contribuindo para diminuir o numero dos que ás profissões liberaes, com exercicio na metropole, se entregariam".

Este mesmo principio foi confirmado no decreto da organização administrativa da provincia de Moçambique. Ahi, o legislador dividiu os funccionarios administrativos em tres graus, estabelecendo que as vagas do 2.° e 3.° grau serão preenchidas por meio de concurso, de provas publicas, podendo concorrer a elles officiaes do exercito de mar e terra e guarnições ultramarinas, que já tenham servido no ultramar, por espaço mininio de dois annos, com boas informações, funccionarios civis de categoria não inferior a segundo official, individuos habilitados com qualquer curso superior ou da Escola Colonial, sendo condição de preferencia esta ultima habilitação.

Essa condição de preferencia torna-se porem, em geral, de effeitos nullos ou meramente platonicos, não constituindo attracção sufficiente para um curso que nenhuma outra vantagem pode dar alem da de facilitar o ingresso na carreira administrativa do ultramar.

A posse do referido curso deve ainda constituir qualidade de excepcional valor para o desempenho cabal dos logares dos funccionarios, até a graduação de primeiro official, da Direcção Geral do Ultramar, Direcção dos Caminhos de Ferro Ultramarinos e inspecção Geral de Fazenda do Ultramar.

Por isso se nos afigura que o direito de preferencia para os cargos administrativos nas colonias e para os que acabamos de estudar na metropole se deve converter num direito mais positivo e expresso, que dê todas as garantias

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

aos que adquirirem o curso ordinario da Escola Colonial, de que o seu esforço não filiará improficuo e de que os seus conhecimentos e aptidões serão utilizados para bem do nosso dominio ultramarino.

Se assim se fizer, cremos que a referida escola alcançará a importancia a que tem direito e poderá cumprir a patriotica missão a que foi destinada, e, no futuro, desenvolver e alargar a esfera de conhecimentos que deve ministrar para fornecer a mais solida educação e ensino dos assuntos coloniaes.

Por assim o pensarmos, sujeitamos á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Nos concursos para os logares que constituem o 2,° e 3.° graus do artigo 115.° da organização administrativa da provincia de Moçambique de 23 de maio de 1907, e para os de caracter administrativo das outras provindas ultramarinas e districto autónomo de Timor, formarão o 1.° grupo os concorrentes habilitados com o curso ordinario da Escola Colonial.

§ unico. Para todas as outras nomeações para o ultramar, a posse do mesmo curso constituirá, em igualdade das restantes condições legaes, motivo de preferencia.

Art. 2.° Nos concursos para os logares de amanuenses, segundos officiaes e primeiros officiaes da Direcção Geral do Ultramar, Direcção dos Caminhos de Ferro Ultramarinos e Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar, formarão o 1.° grupo os concorrentes que, alem das circunstancias que a lei exige, possuam o curso ordinario da Escola Colonial,

§ unico. Os funccionarios das referidas direcções e inspecção, ao tempo da promulgação d'esta lei, que quiserem de futuro tomar parte nestes concursos, entrarão tambem no 1.° grupo, constituindo dentro d'este o curso ordinario da Escola Colonial, motivo de preferencia, em igualdade de classificação.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, 11 de julho de 1908. = Manuel Antonio Moreira Junior = José Augusto Moreira de Almeida = Ernesto Julio de Carvalho Vasconcellos = Vicente M. C. de Almeida de Eça = Manuel de Brito Camacho = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla.

O Sr. Teixeira de Sousa:-Desejo fazer, sobre o assunto do projecto em discussão, ligeirissimas reflexões.

A Escola Colonial foi criada em 1900 á sombra de uma disposição do Acto Addicional. A ella ligou o seu nome um dos mais illustres homens publicos, a
quem voto especial estima pelas suas qualidades de intelligencia e de caracter, o Sr. Moreira Junior.

Presto homenagem ás intenções que presidiram á criação da Escola Colonial e é-me grato que essa escola ficasse fazendo parte da Sociedade de Geographia de Lisboa.

Nunca me tenho servido da ditadura de 1907 para as discussões parlamentares em que entro, mas concordo em que ha necessidade inadiavel de rever essa ditadura.

Estranho que isso se não tenha feito e, principalmente, que num projecto d'esta ordem se considere com existencia legal o decreto de 23 de maio de 1907 que ainda não tem bill ds indemnidade, sobre o qual ainda não recaiu a acção do Parlamento e que estabelece a descentralização adminisirativa da provincia de Moçambique, descentralização que tão nefasta e ruinosa tem sido aos interesses do país.

Que vantagens advieram, sob este ponto de vista, da descentralização administrativa da provincia de Moçambique?

O desmoronar, dia a dia, do edificio de vantagens que se havia construido com o auxilio do Transvaal. Tudo se tem sacrificado, e supportado como boa moeda de lei a sofisma cão do modus vivendi, dando-se pretexto a alterações nas tarifas, e sem que para ts.1 se combinassem reducções proporcionaes. E, numa conferencia que ha meses se realizou em Johannesburgo, o resultado foi nullo, sob o ponto de vista economico, para Lourenço Marques, onde até se teem contratado veterinarios estrangeiros, esquecendo-se os portugueses!

Pergunto: o governo tem o pensamento de manter o decreto de 23 de maio de 1907?

Não pode ser. Eu já demonstrei aqui que o Conselho do Governo de Moçambique tinha feito um orçamento escandaloso, que criara logares, que criara repartições, que aumentara o subsidio de renda de casas a diversos funccionarios, que aumentara enormemente o vencimento de s empregados, que os chefes de serviço .passaram a receber 6 contos de réis em cada anno, e que os proprios vencimentos do governador foram aumentados, embora elle declarasse que não receberia tal aumento.

Mas, não bastando o que já tem succedido, entendeu o Sr. governador geral de Moçambique que devia fazer incidir um aumento de direitos sobre os vinhos idos da metropole, o que levou o Governo a proceder, e muito bem, pois não podia tolerar-se tal medida, que tão gravemente vinha perturbar mais a nossa j á tremenda crise vinicola. (Apoiados).

O Governo entendeu, e muito bem, repito, que devia dar instrucções para Moçambique, no sentido da tributação sobre o vinho ser aquella que vigorava até 1 de junho.

Deu, assim, o Governo uma satisfação á lei, mas deu, francamente o digo, meia doze de satisfação, porquanto alei de 7 de maio de 1902, que trata das bebidas alcoolicas em Moçambique, isenta os vinhos de procedencia portuguesa de qualquer imposto addicional que vá alem de 4 réis, e do imposto municipal.

Protesto, mais uma vez, contra a forma como está correndo a administração Colonial, e a minha voz, sob este ponto, não emmudecerá emquanto não se conseguir uma profunda remodelação no decreto de 23 de maio de 1907.

Não sou contra a descentralização administrativa. Sou suficientemente liberal para comprehender que a descentralização, em certos casos, é conveniente, mas sim conforme as localidadades e a illustração do povo. (Apoiados). Numa provincia onde a maioria dos brancos são estrangeiros, tal descentralização é prejudicialissima.

(O Digno Par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso, nem este extracto).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Devo declarar, em nome do Governo, como já foi declarado na Camara dos Senhores Deputados, que o projecto em discussão em nada valida o decreto ditatorial a que se referiu o Digno Par.

O decreto de 23 de maio de 1907 fica na mesma situação em que estava antes do projecto de lei que se acha em discussão.

Isto mesmo foi dito na outra casa do Parlamento pelo Sr. relator da commissão.

Quanto á descentralização, o Digno Par, que foi um illustre Ministro da Marinha e que é muito trabalhador, teve talvez occasião de ler alguns officios que eu remetti quando era governador de Angola.

Dei-me sempre muito bem com a lei de 1869. Nunca precisei de outra. A lei de 1869 serviu-me sempre, e muito bem; e a deficiencia de faculdades que por ella tinha ajudava-me magnificamente a não fazer mal, a não ceder a indicações que me eram feitas e a que seria difficil não annuir sem produzir difficuldades de governo, de ordem politica e por vezes pessoal, que sempre diligenciei evitar.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Por V. Exa. ter essas qualidades é que é hoje Presidente de Conselho.

O Orador: - Com respeito a assuntos financeiros, entendo que se a me-

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SESSÃO N.° 51 DE 2 DE SETEMBRO DE 1908 7

tropole tem de pagar os deficits coloniaes, não é muito que tenha tambem alguma intervenção no Governo das colonias.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Estamos perfeitamente de acordo.

O Orador: - Como V. Exa. vê, estamos perfeitamente de acordo.

Todo o passado administrativo das nossas colonias e o que eu relatei á Camara, são o melhor canto funebre que se pode entoar á lei a que S. Exa. largamente se referiu.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado, apoiado.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscrito, vae votar-se o projecto.

Foi approvado.

O Sr. Mattozo Santos: - Mando para a mesa o parecer das commissões de agricultura e fazenda sobre o projecto vinicola.

O Sr. Presidente: - Vae a imprimir. (Pausa). Vae ler-se na mesa uma representação da Associação Commercial de Lisboa reclamando direitos que reputa incontestaveis, e que lhe foram conferidos pela lei de 17 de fevereiro de 1876, e confirmados por outra lei de 17 de setembro de 1885. (Pausa). Os Dignos Pares que permittem que esta representação seja publicada no Diario do Governo, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Pedro de Araujo: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que, com dispensa do regimento, entrem desde já em discussão os pareceres n.ºs 47 e 48.

O Sr. Presidente: - A Camara ouviu o requerimento do Digno Par Sr. Pedro de Araujo. Os Dignos Pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei a que diz respeito o parecer n.° 47.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 47

Senhores: - Demorando-se a vossa commissão de administração publica no exame de todos os periodos do relatorio com que o Governo precede o projecto de lei n.° 54, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que autoriza a Camara Municipal do Porto a contrahir um emprestimo para despesas de saneamento;

Attendendo a que o emprestimo é só de 100 contos de réis, amortizavel até junho de 1979, nas mesmas condições de juro, amortização e garantia do anterior emprestimo de 1.700:000$000 réis, autorizado pela carta de lei de 27 de junho de 1903, pelo n.° 8.° do seu artigo 51.°;

Attendendo á necessidade urgente de continuar uma obra de tanta magnitude, evitando-se a contingencia da sua suspensão, pelo esgotamento da verba principal ;

Attendendo a que aquelle municipio não aggrava as condições de fazenda municipal com esta nova operação, evitando que a despesa já feita se perca totalmente, por uma mal entendida economia, ou pelo receio de um maior numero de annos no pagamento de suas dividas, é a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto, de acordo com o Governo, deve ser approvado.

Sala das sessões da commissão, em 29 de agosto de 1908. = Pereira de Miranda. - Julio de Vilhena = Francisco Beirão = Vasconcellos Gusmão. - Tem voto dos Dignos Pares: D. João de Alarcão - Alexandre Cabral Paes do Amaral.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 54

Artigo 1.° É autorizada a camara municipal do Porto a contrahir, para despezas de saneamento da mesma cidade, um emprestimo de 100 contos de réis, amortizavel até 30 de junho de 1979, nas mesmas condições de juro, amortização e garantia do emprestimo de 1:700 contos de réis, autorizado pelo n.° 8.° do artigo 51.° da carta de lei de 27 de junho de 1903 e approvado pelo decreto de 21 de novembro do mesmo anno.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 25 de agosto de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.º 11

Senhores. - A vossa commissão de administração publica, tendo examinado com a devida attenção a proposta de lei n.° 11-A, autorizando a camara Municipal do Porto a contrahir um emprestimo de 100 contos de réis nas condições designadas na proposta do Governo, e que é destinado a despesas de saneamento da cidade do Porto; visto os fins a que o emprestimo se destina e de que depende a boa hygiene da mesma cidade, é de parecer que a proposta, estando devidamente fundamentada, pode ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É autorizada a Camara Municipal do Porto a contrahir, para despesas de saneamento da mesma cidade, um emprestimo de 100 contos de réis, amortizavel até 30 de junho de 1979, nas mesmas condições de juro, amortização e garantia do emprestimo de 1:700 contos de réis, autorizado pelo n.° 8.° do artigo 51.° da carta de lei de 27 de junho de 1903 e approvado pelo decreto de 21 de novembro do mesmo anno.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos Senhores Deputados, 19 de agosto de 1908. = José Caeiro da Matta = Manuel Fratel - Paulo Cancella = José Joaquim da Silva Amado = Francisco Cabral Metello = Ernesto de Vasconcellos relator.

N.° 11-A

Senhores. - Pelo n.° 8.° do artigo 51.° da carta de lei de 27 de junho de 1903 foi autorizado o Governo a approvar o emprestimo que contrahisse a camara Municipal do Porto, até a quantia de 1:700 contos de réis, amortizavel em mais de trinta annos e não excedendo a 6 por cento o encargo annual, para occorrer ás despesas do saneamento da mesma cidade.

Com audiencia das competentes estações technicas foram os projectos d'esta obra, orçada em 1:800 contos de réis, approvados por despacho de 18 de julho de 1903, e o contrato da respectiva execução o foi tambem sob as clausulas expressas no despacho de 11 de novembro do mesmo anno e entre as quaes se consignou a de que seria custeado pelas receitas geraes do municipio o excesso de 100 contos de réis do preço da empreitada sobre a importancia do sobredito emprestimo, vindo este a ser approvado, pelo decreto de 21 d'esse mês, nos termos dos referidos despachos.

As prestações bimensaes do preço da empreitada, que pela camara deviam ser pagas á empresa adjudicataria das obras, em cumprimento do estipulado nos artigos 13.°, 16.° e 19.° do mesmo contrato, foram satisfeitas pontualmente até o fim do anno de 1907 pelo producto do emprestimo, cujo saldo porem ficou nessa data reduzido a 1:875$680 réis.

Em vista do disposto nos diplomas citados deviam as gerencias municipaes cuidar, desde o anno de 1903, do aumento gradual dos seus rendimentos e economias, a fim de se achar habilitado opportunamente o cofre do municipio com as prestações excedentes ao capital do emprestimo.

Não o tendo porem feito assim, a

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consequencia foi que já no mês do janeiro do corrente anno carecia não só de 67:897$450 réis para satisfazer os 69:772$130 réis, era que importava a respectiva prestação, mas tambem de mais 32:102$550 réis, para complemento do preço total da empreitada, representando então a camara ao Governo, que não podia obter estas sommas por applicação immediata das suas receitas ordinarias sem detrimento dos differentes serviços municipaes, nem pelo aggravamento dos seus impostos sem penoso sacrificio dos contribuintes, onerados já com pesados encargos.

Para acudir a tamanho embaraço, autorizou o Governo o acordo a que haviam chegado a municipalidade e a empresa, para esta fornecer áquella por um anno e ao juro de 5 por cento, as indicadas sommas pela venda de titulos da mesma empresa com deposito no cofre do municipio e pelas quantias retidas no pagamento de cada prestação na forma estabelecida no artigo 16.°, § 5.°, do contrato.

Este expediente em nenhum modo aggravou as condições da fazenda municipal, visto que esta se achava onerada já com o juro de 5 por cento pela mora, nos termos do artigo 20.° do mesmo contrato, e, libertando a camara da contingencia da suspensão das obras, tambem nelle facultada á empresa, deu folga, embora limitada, para a definitiva resolução do assunto, contrahindo a camara, como pretende, novo emprestimo.

Em vista do que fica ponderado, este é o meio mais pronto e, na estreiteza do tempo, o menos gravoso quer para a administração municipal quer para os municipes, fazendo-se nas mesmas condições que pela carta de lei de 27 de junho de 1903 foram estabelecidas para o de 1:700 contos de réis, de que este é verdadeiro complemento, e por isso tenho a honra de submetter á vossa il-lustrada approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É autorizada a Camara Municipal do Porto a contrahir para a? despesas do saneamento da mesma cidade um emprestimo de 100 contos de réis, amortizavel até 30 de junho de 1979, nas mesmas condições de juro, amortização e garantia do emprestimo de 1:700 contos de réis autorizado pelo n.° 8.° do artigo 51.° da carta de lei de 17 de junho de 1903 e approvado pelo decreto de 21 de novembro do mesmo anno.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 1 de junho de 1907.= Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não tenho, do projecto que acaba de ser posto em discussão, cutro conhecimento que não seja o de o ter ouvido, ler na mesa, pelo que não me julgo habilitado a votá-lo seu: que tenha sobre elle qualquer explicação.

O projecto em discussão tem por fim autorizar a Camara Municipal do Porto a contrahir, para despesas de saneamento da mesma cidade, um emprestimo de 100 contos de réis, amortizavel até 30 de junho de 1979, nas mesmas condições de juro amortização e garantia do emprestimo de 1:700 contos de réis, autorizado pelo n,° 8 ° do artigo 1.° da carta de lei de 27 de junho de 1903 e approvado pelo decreto de 21 de novembro do mesmo anno.

Quer a Camara Municipal do Porto contrahir um emprestimo? Estou de acordo, dou para isso o meu voto. Mas pergunto: da autorização que 3 se vae conceder resulta para o Thesouro algum encargo ou diminuição de receita?

Se assim é, não posso ciar lhe o meu voto.

E, como não posso saber se o projecto traz qualquer encargo ou diminuição de receita, peço que o Sr. Presidente do Conselho ou o Sr. Ministro da fazenda me elucide sobre o assunto.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Devo dizer que os encargos do presente projecto são pagos exclusivamente pelos rendimentos municipaes do Porto, não havendo, portanto, despesa alguma para o Estado.

Não ha aumento de despesa, como não ha diminuição de receita para o Thesouro.

O encargo resultante do emprestimo de 100 contos de réis que pretende fazer a. Camara do Porto está perfeitamente dentro das suas receitas.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Fico completamente satisfeito com a resposta do Sr. Presidente do Conselho; e, se fiz a pergunta que a Camara acaba de ouvir, não foi por menos consideração para com a segunda cidade do reino, mas sim para cumprir aquillo a que me obriguei: não votar projecto algum que envolva aumento ds despesa ou diminuição de receita.

Reputo extremamente perigosa a situação financeira de Portugal, pelo que, repito, não voto cousa alguma que possa prejudicar mais as finanças portuguesas.

O Sr. Pedro de Araujo: - Limitar-me-hei a dizer que, em tempo, a Camara Municipal do Porto foi autorizada a proceder o bronze e a fundição para
proceder a obras de saneamento na importancia de 1:800 contos de réis. Contrahiu, para fazer face a essa despesa um emprestimo de 1:700 contos de réis, pelo que a referida camara se viu obrigada a despender mais 100 contos de réis.

O projecto que ora se discute limita-se, pois, a regularizar uma despesa já feita, e o Estado em nada é prejudicado, visto que o pagamento do emprestimo sairá das receitas do municipio.

O Sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscrito, vae votar-se o projecto.

Foi approvado.

Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto a que diz respeito o parecer n.° 48.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 48

Pelo projecto de lei n.° 57, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que é commettido á vossa commissão de fazenda, pretende-se celebrar uma, das figuras historicas de maior relevo dos tempos modernos, perpetuando pelo bronze a memoria de Joaquim Antonio de Aguiar, o grande Ministro do Principe Glorioso, que implantou no paiz o systema representativo, lutando tão denodadamente pela liberdade.

Tudo quanto possa, nesta epoca de resurgimento liberal, arreigar no espirito nacional o amor da patria, pela apresentação dos seus homens mais illustres, quer como estimulo a futuros commettimentos, quer como homenagem de um povo agradecido; tudo quanto na alma nacional venha acordar o sentimento da sua independencia, a conservação da sua liberdade; quanto possa fazer-lhe pulsar o coração de generoso e altivo, de grande e ousado, de corajoso e digno; quanto na batalha da vida possa contribuir para avigorar o animo de quem lucta pela independencia deve ser glorificado sem receios nem hesitações.

Tendo a vossa commissão apreciado o projecto de lei de que se trata, e com a devida attenção a proposta que o motivou, entende que deveis dar-lhe a approvação, para ser convertido em lei.

Sala das sessões da commissão, em 19 de agosto de 1908. = Pereira de Miranda = A. Eduardo Villaça = F. F. Dias Costa = Mattozo Santos. - Tem o voto dos Dignos Pares: D. João de Alarcão = Alexandre Cabral Paes do Amaral.

PROJECTO DE LEI N.° 57

Artigo 1.º É o Governo autorizado a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Joaquim Antonio de Aguiar, e a mandar collocá-la no monumento,

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SESSÃO N.° 51 DE 2 DE SETEMBRO DE 1908 9

levantado em Coimbra, á gloria d'este illustre estadista.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 26 de agosto de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Editarão da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.º 72

Senhores. - Celebrar, nesta epoca de renascimento liberal, as grandes figuras historicas da liberdade, é dar exemplos e lições de civismo a um povo, em cuja alma ha muito se vem amortecendo a lição de uma historia heroica.

Num patriotico intuito, digno de estimulos generosos, procura-se avigorar no espirito nacional o sentimento patrio, pelo conhecimento difundido dos lances grandiosos em que a nação se ergueu de crises tragicas, e é assim, realmente, que se pode fazer vibrar a alma nacional e levantá-la na sagrada crença de um futuro luminoso que seja uma resultante lógica do seu nobilissimo passado.

Na sua já larga historia de oito seculos, fecunda de ensinamentos civicos avultam, de entre o povo de lutadores, que se affirmou em tantos e tão graves momentos, figuras homericas de cidadãos portugueses, que souberam sentir e interpretar os anseios da nação: nas armas, affirmando-se nos campos de batalha; na paz, notabilizando-se nas lutas do pensamento; na administração do Estado, reformando, dando corpo a aspirações nobres, preparando o futuro e rasgando o caminho de progressos novos, esses vultos gigantes dominam a historia de Portugal, como manifestações grandiosas da for ca collectiva da nação. Tantos d'elles saidos do seio uberrimo do povo; todos elles amparados e protegidos pelo amor que votaram á sua patria, pela qual tantos sacrificaram a propria vida, todos elles merecem a consagração nacional, homenagem de justiça devida a quem tanto enobreceu e honrou o seu país.

Monumentos erguidos nas praças publicas, para ensinamento das gerações que perpassam, exemplo de raras virtudes civicas e recompensa de serviços altos generosamente prestados á patria, já alguns commemoram gloriosas figuras da nossa historia. Ha, porem, outros que é necessario erguer; deve-se perpetuar no bronze incorruptivel a memoria imperecedoura d'aquelles a quem Portugal não significou ainda, por um monumento publico, a homenagem da sua admiração e do seu affecto.

Entre estes avulta a figura de alto relevo na nossa historia liberal, do estadista constitucional - Joaquim Antonio de Aguiar.

Desde bem novo, ainda estudante da Universidade, começou este cidadão illustre a votar a sua vida á causa santa da patria, fazendo parte do batalhão academico organizado para combater os franceses; ardente nas lutas pela liberdade, foi perseguido depois da contra-revolução de 1823, obrigado a emigrar em 1828, refugiando-se na liberal Inglaterra, de onde passou á heroica Ilha Terceira. Tendo se ali alistado no batalhão academico, foi soldado valoroso da generosa expedição do Mindello, soffrendo as agruras e correndo os riscos do epico cêrco do Porto.

Quer no desconforto do penoso exilio, quer no fragor dos combates ou nas incertezas lancinantes do apertado cerco, o soldado e o estadista irmanavam-se no mesmo espirito de sacrificio, na mesma devoção pela causa sagrada de uma patria nova, que se cimentava no sangue generoso de seus filhos.

Orador notavel das assembleias politicas, magistrado superior, estadista audacioso, de intelligencia firme e animo decidido nas difficeis circunstancias que se atravessavam, foi Joaquim Antonio de Aguiar figura culminante no primeiro Ministerio liberal.

Como Ministro do Reino, ligou o seu nome á reforma administrativa e á organização das guardas nacionaes, difundindo o seu largo espirito democratico pelos trabalhos da sua difficil pasta politica; como Ministro da Justiça teve a coragem civica de affrontar todos os preconceitos, receios e hesitações, fazendo publicar o celebre decreto de 28 de maio de 1834, pelo qual extinguiu as ordens religiosas em Portugal.

Sem pretensão a apreciar este notavel diploma, sirva elle para documentar a indomavel energia civica do estadista, que a tudo antepunha o seu amor inabalavel aos principios liberaes, que vinha sustentando através das perseguições dos inimigos irreconciliaveis e dos lances graves em que arriscava a sua vida.

Orgulha-se a cidade de Coimbra d'este seu filho tão illustre, honra da sua terra e do seu país, e pretende, por subscrição publica, elevar lhe um monumento numa das suas praças prinecipaes, monumento que atteste o reconhecimento civico d'esta geração pelas virtudes do cidadão relevante, que tanto brilho deu á causa liberal, e que ao mesmo tempo seja lição ás gerações futuras de que a patria deve a exaltação gloriosa dos cidadãos prestantes, que pela patria se sacrificam.

Para esta obra de patriotico civismo, de uma tocante demonstração local, solicitamos a cooperação do Estado na providencia legislativa que é objecto d'este projecto de lei. Não poderá deixar de se considerar modesta esta legitima participação, perante a grandeza effectiva da ideia e o alto valor moral do cidadão que se glorifica.

Apresentamo-vos; pois, Srs. Deputados na nação, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Joaquim Antonio de Aguiar, e a mandar collocá la no monumento, levantado em Coimbra, á gloria d'este illustre estadista.

Art. 2.° E revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões; 25 de agosto de 1908. = Conde de Pacô- Vieira = Antonio A. de Oliveira Guimarães = Antonio José de Almeida = João Pinto dos Santos = Manuel Antonio Moreira Junior = Francisco Miranda da Costa Lobo.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para declarar que voto este projecto, porque elle representa uma homenagem á memoria de um homem que teve no partido regenerador uma situação singular, e que foi um estadista de primeira grandeza, prestando ao seu país assinalados serviços.

A nação faz um pequenissimo sacrificio na homenagem a prestar ao homem que foi um cidadão benemerito, e paga uma divida de honra a quem, honrando-se a si e honrando o partido de que foi um astro brilhante, prestou ao mesmo tempo serviços de grande, transcendencia á nação que foi seu berço. (Apoiados).

Faço esta declaração por mim, e creio bem que, nas minhas palavras, interpreto o modo de sentir e de pensar dos meus correligionarios. (Apoiados).

O Sr. Dias Costa: - Pedi a palavra para, em nome do partido progressista, me associar gostosamente á homenagem que se vae prestar á memoria de um homem a quem a causa liberal deve a maior gratidão. (Apoiados).

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pôs em relevo, em breves palavras, as qualidades de Joaquim Antonio de Aguiar; e o partido progressista não podia deixar de se associar á homenagem a prestar á memoria de um vulto por tantos titulos benemerito. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Não havendo ninguem mais inscrito, vae votar-se o projecto.

Foi approvado.

O Sr. Mattozo Santos: - Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara

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sobre se permitte que, com dispensa do regimento, entre desde já em discussão o projecto sobre que recaiu o parecer n.° 52.

O Sr. Presidente : - Os Dignes Pares que approvam este requerimento, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 52

Senhores: - Submettido ao exame da vossa commissão de instrucção publica o projecto de lei n.° 53, vindo da camara dos Senhores Deputados, cumpre-lhe sobre elle dizer:

Se em absoluto se propusesse dispensar os alumnos do Conservatorio Real de Lisboa da obtenção da classificação distincta nos tres ultimos annos de qualquer dos cursos ali professados, cuja condição é indispensavel para alcançar o subsidio de estudo no estrangeiro, estabelecida no artigo 44.° dá carta de lei de 30 de junho de 1893, não seria proposta a que a vossa commissão desse o seu apoio. Mas como do exame attento. a que a mesma commissão se entregou, resulta o conhecimento de que no alludido estabelecimento de ensino ha cursos com exames só nos dois ultimos annos e ainda cursos superiores de dois annos somente; e não podendo exigir se tres onde ha apenas dois, e muito menos não havendo nenhum, quando não queira admittir-se o absurdo; e attendendo a que o raciocinio deve corrigir a extravagancia da lei, é a vossa commissão de parecer que o projecto de que se trata merece ser approvado.

Sala das sessões da commissão, em 31 de agosto de 1908. = Joaquim de Vasconcellos Gusmão = Alexandre Cabral Paes do Amaral = A. Eduardo Villaça = Fernando Mattozo Santos = F. Beirão = D. Antonio Maria de Lencastre.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 53

Artigo 1.° Ficam dispensados de ter obtido distincção nos ultimos tres annos dos respectivos cursos professados no Conservatorio Real de Lisboa os alumnos do mesmo estabelecimento de ensino, para os effeitos da doutrina do artigo 44.° da lei de 30 de junho de 1893.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, era 25 de agosto de 1908.= Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.° 55

Senhores. - A vossa commissão de instrucção superior e especial apreciou o projecto de lei do illustre Deputado Sr. Eduardo Schwalbach e que, sem alteração, a vossa commissão apresenta ao estudo esclarecido da Camara.

O relatorio que precede esse projecto é de tal modo preciso e justificativo da medida que se propõe legislar, que a vossa commissão só vos tem a declarar a sua adhesão franca a essa iniciativa, deveras salutar sob o ponto de vista da instrucção nacional.

Palacio das Côrtes, em 18 cê agosto de 1908. - Sala da commissão de instrucção superior e especial. = Arthur Montenegro = João Soares Branco = Alfredo Carlos Le Cocq = Miguel Bombarda = Francisco M. da Costa Lobo = José Maria Queiroz Velloso = Salino Coelho = Abel Andrade = Claro da Ricca, relator.

N.º 48-A

Senhores.- A carta de lei de 30 de junho de 1893 diz o seguinte, no seu artigo 44.°:

"Das verbas réis 2:160$000 e réis 1:660$000, descritas nas secções 1.ª e 2.ª do artigo 33.° do orçamento do Ministerio do Reino, logo que se dê alguma vacatura dos actuaes pensionistas, por terminar o tempo pelo qual lhes foi concedido o respectivo subsidio, o Governo applicará a quantia de 720$000 réis a subsidiar, nas mesmas condições, um alumno do Conservatorio Real de Lisboa, mediante concurso entre os que houverem terminado, com distincção nos ultimos tres annos, qualquer dos cursos professados naquelle estabelecimento".

Dando-se o caso de haver para os alumnos do Real Conservatorio mais tres pensões de igual quantia, vindas do legado Valmor, e de para estes não se exigir que tenham os seus cursos com distincção nos ultimos tres annos; havendo cursos com exames apenas nos dois ultimos annos; e havendo ainda cursos superiores apenas de dois annos, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ficam dispensados de ter obtido distincção nos ultimos tres annos dos respectivos cursos professados no Conservatorio Real de Lisboa os alumnos do mesmo estabelecimento de ensino, para os effeitos da doutrina do artigo 44.° da lei de 30 de junho de 1893.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes. - Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 12 de agosto de 1908. = O Deputado, Eduardo Frederico Schwalbaeh Lucci.

O Sr. Presidente: - Não havendo ninguem inscrito, vae votar-se.

Foi approvado.

O Sr. Dias Costa: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer sobre o projecto relativo á cunhagem da nova moeda.

O Sr. Presidente: - Vae a imprimir. Dou agora a palavra ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, que a pediu para antes de encerrada a sessão.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Desejo simplesmente ser esclarecido sobre um ponto em que tenho interesse, visto que sigo attentamente a administração financeira do Estado.

A lei de contabilidade publica votada pelo Parlamento o anno passado permitte simplesmente que se abram creditos extraordinarios e especiaes nos seguintes termos do artigo 18.° da referida lei.

(Leu).

Mas em que epoca e em que circunstancias podem abrir-se taes creditos?

Di-lo claramente o artigo 19.° da mesma lei.

(Leu).

Ora hoje, por uma informação publicada nos jornaes da manhã, vê se que acaba de ir á assinatura um decreto autorizando um credito especial de 31 contos de réis para pagar despesas pelo Ministerio Reino. E, como pelos artigos 25.° e 26.° da lei de contabilidade anterior, só podem ser abertos creditos especiaes, ou extraordinarios, estando as Camaras fechadas, desejo saber qual é a disposição legal que autorizou o Governo a, estando as Camaras abertas, levar á assinatura regia o referido credito.

Decerto ha, para tal procedimento, uma disposição legal que o autorize. Qual é

Trata-se de um assunto digno de consideração, porque a abertura do citado credito pode representar mais um golpe no systema parlamentar, que já não goza de grande prestigio.

O Sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Como não tenho aqui elementos necessarios para responder á pergunta do Digno Par, não posso dar-lhe agora uma resposta que o satisfaça. No entanto posso affirmar que não é só o Ministerio da Fazenda que abre creditos d'esta natureza. Todos os demais os abrem. Espero poder, em breve, elucidar o Digno Par.

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é na sexta feira, 4 do corrente,

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SESSÃO N.° 51 DE 2 DE SETEMBRO DE 1908 11

e a ordem do dia a discussão dos projectos a que se referem os pareceres nos 4C, 50, 51, 53 e o projecto dos vinhos, se for distribuido a tempo por casa dos Dignos Pares. - Está encerrada a sessão.

Eram 4 horas e 10 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 2 de setembro de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Marqueses: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Pombal, de Tancos, de Sousa Holstein; Condes: das Alcáçovas, de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, das Galveias, de Monsaraz, de Sabugosa; Visconde de Athouguia; Pereira de Miranda, Eduardo Villaca, Teixeira de Sousa, Carlos Palmeirim, Carlos du Bocage. Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Simões Margiochi, F. M. da Cunha, Ressano Garcia, D. João de Alareão, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Silveira Vianna, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Telles e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

Representações que foram lidas nesta sessão

Dignos Pares do Reino da Nação Portuguesa. - A Associação Commercial de Lisboa viu com satisfação ter sido approvado pela Camara dos Senhores Deputados o projecto de lei apresentado por S. Exa o Sr. Ministro da Fazenda sobre a construcção de hoteis.

Esta associação, que durante bastantes an nos trabalhou para obter as maiores facilidades aos passageiros que quisessem visitar o nosso país, conseguiu ver aumentar consideravelmente o movimento do porto de Lisboa depois da abolição dos passaportes, do estabelecimento do posto de desinfecção, da criação do sud-express diario, etc.

Como complemento d'estes melhoramentos torna-se indispensavel a criação de grandes hoteis com o conforto e luxo que hoje existe em todos os países, o que só se pode conseguir com o projecto de lei approvado pela Camara dos Senhores Deputados

Certa, pois, esta associação de que da approvação d'aquelle projecto beneficios muito importantes resultarão para o aumento da riqueza publica, ousa pedir a V. Exas para que aquelle projecto seja approvado na actual sessão legislativa.

Associação Commercial de Lisboa, 2 de setembro de 1908. = Pela Associação Commercial de Lisboa, o Presidente, Ernesto Driesd Schrõter.

Dignos Pares do Reino. - Pela Camara dos Senhores Deputados foi approvado o projecto de lei em que a respectiva commissão de fazenda transformou a proposta ministerial d'esta nada a promover a criação de grandes hoteis, dotados com todos os confortos e commodidades mediante a concessão de determinadas isenções tributarias, entre as quaes se conta a dos direitos de importação para o mobiliario, apparelhos e utensilios da primeira installação.

A Sociedade Propaganda de Portuga], empenhada em promover o desenvolvimento do excursionismo, não podia ser indifferente essa iniciativa.

Da discussão a que se procedeu no seio da sua direcção, resultou, a despeito da opposição do seu vogal, o digno e zeloso Presidente da Associação Industrial de Lisboa, o convencimento para a maioria de que essa isenção de direitos de importação era indispensavel para que a proposta de lei surtisse effeito.

Igualmente se convenceu de que essa providencia, longe de prejudicar a industria nacional do fabrico de moveis, protegida por direitos prohibitivos e extraordinariamente superiores aos que os seus representantes de Lisboa e Porto pediram em 1892, a beneficiaria.

Os grandes hoteis teem, com o tempo, de renovar gradualmente a mobilia. O desenvolvimento do excursionismo suscitaria o da industria da hospedagem e o estabelecimento de numerosos hoteis mais modestos, que constituirão nova e excellente clientela para o mobiliario nacional, orientado pelos excellentes mo delos importados á sombra da nova lei.

O modo de ver da Sociedade, foi exposto á commissão de fazenda e Camara dos Senhores Deputados no orneio dirigido ao seu Presidente e que fui impresso em seguida ao respectivo parecer.

Inutil é repetir os argumentos nelle aduzidos a favor do projecto, tal qual foi votado.

Estamos certos de que os industriaes, que representam agora contra elle, mal orientados por uma concepção errónea do seu interesse, serão levados pela reflexão a reconhecer que sem a isenção de direitos não é possivel a criação dos grandes hoteis destinados a serem centros de irradiação do excursionismo e que portanto nenhum lucro advem á industria nacional de se pôr estorvo a essa criação.

Reconhecerão mais que a industria nacional, no seu conjunto, só tem que lucrar com o desenvolvimento do excursionismo, cabendo nos respectivos beneficios a sua quota-parte, e não pequena, á propria industria que agora reclama contra uma providencia altamente benefica para a economia nacional.

É por isso que a direcção da Sociedade Propaganda de Portugal vem insistir nas suas representações, pedindo respeitosamente a V. Exas. que se transforme em lei o projecto tal qual foi approvado pela Camara dos Senhores Deputados.

Lisboa, 1 de setembro de 1008. - O Presidente da direcção, José Fernando de Sousa.

Dignos Pares do Reino. - No desempenho da missão que lhe foi incumbida pela assembleia geral da Liga Promotora dos Melhoramentos de Cintra, vem a mesa da referida assembleia representar á Camara dos Dignos Pares, pedindo que approve o projecto de lei, já approvado pela Camara dos Senhores Deputados, para o fomento da industria da hospedagem luxuosa no país.

Este projecto, de iniciativa do Exmo. Ministro da Fazenda, é o primeiro passo para dar cumprimento á promessa contida no ultimo Discurso da Coroa, de se promover por medidas adequadas a visita dos excursionistas estrangeiros á nossa terra, tendo em vista os beneficios de ordem moral e economica que da visita d'esses estrangeiros hão de advir para Portugal.

Inutil é neste momento insistir pormenorizadamente nas razões que recommendam a approvação pela Camara dos Dignos Pares do projecto para a construcção de hoteis de luxo, depois do que a tal respeito foi escrito no relatorio da proposta de lei inicial e no relatorio da commissão de fazenda da Camara dós Senhores Deputados.

Inutil igualmente é querer mostrar a sem-razão de algumas reclamações da industria nacional, depois do que tão brilhantemente a essas reclamações foi respondido pelo Exmo. Relator do projecto na Camara dos Senhores Deputados em documento que corre publico. Bastará accentuar neste ponto que, longe de prejudicar a industria portuguesa da marcenaria, o projecto em questão, quando convertido em lei, será um poderoso incentivo para os progressos d'essa mesma industria, abrindo-lhe indirectamente novos mercados e fornecendo-lhe typos e modelos para aperfeiçoar a sua producção.

O voto da Camara dos Dignos Pares sendo, pois, indispensavel constitucionalmente para que o projecto dos hoteis de luxo se converta em lei, significará tambem moralmente que esta alta instituição do Estado está resolvida a collaborar com os Governos na obra patriotica da regeneração economica do país, que não poderá conseguir-se sem a elle attrahir a corrente dos viajantes e excursionistas europeus e americanos, só ella capaz de valorizar as bellezas inestimaveis que possuimos, convertendo em manancial de riqueza o "capital morto" que, mercê do nos o desleixo, tem até agora sido o "monopolio natural" de que somos os descuidados detentores.

intra e sala das sessões da Liga Promotora dos Melhoramentos de Cintra, 31 de agosto de 1908. - Duque de Palmella = Antonio Augusto de Carvalho Monteiro = Frederico Pereira Palha = Francisco Gomes de Amorim = José de Mello = Marquês de Valle Flor.

Senhores. - A Associação de Classe dos Operarios Marceneiros do Porto, agremiação que tem por principal objectivo advogar os interesses do operariado d'esta importante industria, ao ter conhecimento de que na Camara dos Senhores Deputados tinha sido approvado o projecto de lei n° 57, o qual se refere a isenção de direitos alfandegarios sobre o mobiliario que se destina aos hoteis de luxo, e ao mesmo tempo apreciando as referencias feitas á marcenaria nacional pelo Exmo. Sr. D. Luiz de Castro, referencias essas que por maneira alguma concorda com ellas, pois provado está, com desassombro o pudemos dizer, que a marcenaria nacional se encontra apta e em condições de poder competir com a estrangeira, como seja em perfeição e arte.

E sendo assim, nós, na qualidade de representantes do grande nucleo de operarios que se empregam na referida industria na cidade do Porto, apresentamos ao lucido e esclarecido conhecimento de V. Exas. esta representação, na qual esclarecemos a maneira desgraçada em que nós, operarios, ficaremos, uma vez esse projecto approvado.

Exmos. Srs. Os operarios marceneiros do Porto, assim como os de todo o país, tendo em seu favor actualmente uma pauta que bastante os favorece, já teem um viver tão difficil que se limitam a um alimento tão parco que conduz uma grande parte dos nossos camaradas ao terrivel batalhão denominado tuberculose

Isto, Exmos. Srs., é como acima dizemos com a protecção actual! mas uma vez que o referido projecto se encontre com força de lei, então os operarios marceneiros não terão tempo de se enfileirarem nesse negro batalhão, mas sim procurar o meio mais viavel de descerem á valia commum!

Pois se nós hoje já lutamos com difficuldade em encontrarmos collocação quando por qualquer facto nos desempregamos de uma

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

officina! amanhã com o referido projecto approvado centenas de operarios marceneiros serão lançados á rua sem que encontrem collocação.

E se assim o dizemos, Examos. Srs., é porque praticamente conhecemos o aproveitamento que costuma fazer-se de projectos d'esta natureza. Pois não só nos falha o mobiliario que os referidos hoteis de luso teem que importar, como tambem á sombra do mesmo projecto entrará talvez mobiliario com destino supposto.

E isto, Exmos. Srs., não porque a marcenaria nacional não forneça artigos que rivalizem com os estrangeiros em preço e arte, mas sim porque é norma dos portugueses deliciarem-se com artigos estrangeiros ainda que em prejuizo proprio.

Terminamos, pedindo nos desculpem a franqueza com que rudemente nos dirigimos a

V. Exas., pois como humildes operarios que somos não possuimos instrucção para nos dirigirmos a V. Exas. como seria nosso desejo.

Deus guarde a V. Exas. - IIImos. e Examos. Srs. Dignissimos Pares do Reino da Nação Portuguesa.

Porto e secretaria da Associação de Classe dos Operarios Marceneiros, 31 de agosto de 1908. = A commissão, Serafim Gomes Resende, João Pereira Guimarães, Augusto de Araujo.

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