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N.º 56

SESSÃO DE 8 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margioch

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O digno par Vaz Preto insta pela remessa dos documentos que requereu pelos ministerios das obras publicas e guerra. - Ordem do dia: Discussão do parecer n.° 63, sobre o projecto de lei n.° 36, que determina que as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro voltem a fazer parte da comarca e concelho de Soure, a que pertenciam. - O digno par Barjona de Freitas propõe o adiamento, ou que pelo menos seja ouvida a commissão de legislação no que respeita á divisão comarca. - Usam da palavra contra o adiamento e a favor do projecto os srs. ministro da justiça e Egypcio Quaresma, e defende o adiamento impugnando o projecto o sr. Barjona. - O digno par Quaresma apresenta um additamento que passará a ser artigo 2.°, passando o actual artigo 2.° a ser 3.°, - É admittido o additamento. - O sr. conde do Rio Maior declara que approva a proposta do adiamento. - Posto á votação o adiamento é rejeitado. - Approvação do projecto e do additamento do digno par Quaresma.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 28 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estava presente o sr. ministro da justiça, e entraram durante a sessão os srs. ministros da marinha e do reino.)

O sr. Conde de Samodães: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre a lei da receita e despeza do estado para o anno economico de 1880-1881.

Lido na mesa, foi a imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pedia a v. exa. que tivesse a bondade de me informar se na mesa já estão os documentos que requeri pelos ministerios da guerra e obras publicas.

O sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O sr. Vaz Preto: - N'esse caso, espero que o sr. ministro da justiça, visto não estar presente nenhum d'aquelles seus collegas, lhes communicará que continuo a instar pelos documentos que pedi, e que me são necessarios para a discussão do orçamento. Todos os outros srs. ministros têem satisfeito aos meus pedidos, apenas faltam os srs. ministro da guerra e ministro das obras publicas.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.

Começaremos pela discussão do parecer n.° 63.

É do teor seguinte:

Parecer n.° 63.

Senhores. - A vossa commissão da administração publica examinou, como lhe cumpria, o projecto de lei n.° 36, enviado pela camara dos senhores deputados, o qual, assentando sobre uma proposta do governo, restitue á comarca e concelho de Soure as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que foram annexadas á comarca e concelho de Montemór o Velho, por decreto de 12 de novembro de 1875, e lei de 19 de julho de 1879. Attendendo-se simplesmente á maior distancia d'estas freguezias á sede da comarca e concelho de Soure, do que á séde da comarca e concelho do Montemór o Velho, fez-se a referida annexação, desattendeu-se a rasões mais ponderosas, era virtude das quaes reclamaram as juntas de parochia das referidas freguezias, a fim de serem restituidas á comarca e concelho de Soure, aonde pertenceram judicialmente desde 1852 até ao fim do anno de 1875, e administrativamente desde o dito anno de 1852 até ao mez de agosto de 1879, sem que da parte dos povos houvesse reclamação alguma.

E não podia haver reclamação fundada: l.°, porque existiam de longa data relações, tanto pessoaes como commerciaes, entre os povos de Alfarellos e Granja do Ulmeiro e a villa de Soure; 2.°, porque n'esta villa ha um mercado semanal no domingo, que não é dia de trabalho, emquanto que em Montemór o Velho ha só um mercado quinzenal, e ordinariamente em dia de trabalho; havendo ainda proximo de Soure uma feira mensal de gado, extraordinariamente concorrida pelos povos das duas freguezias; 3.°, porque os povos de Alfarellos e da Granja do Ulmeiro podem ir quando e como quizerem á villa de Soure, tanto para os actos judiciaes e administrativos a que forem obrigados, como para tratar dos seus negocios particulares, o que não podem fazer em relação a Montemór, porque se lhes interpõe o rio Mondego, que nos invernos abundantes de chuvas, interrompe absolutamente toda e qualquer communicação em muitos dias seguidos, tendo igual sorte todas as freguezias do sul ao mencionado rio Mondego.

A todas estas ponderações acresce ainda a muito attendivel consideração de que o concelho de Montemór o Velho tinha antes da annexação das duas freguezias 5:187 fogos, emquanto que o concelho de Soure era composto de 4:268, resultando depois que o concelho de Montemór ficou elevado, pelo augmento das duas freguezias, a 5:697, em detrimento do concelho de Soure, que ficou reduzido a 3:758 fogos (recenseamento de 1864).

Por todas estas considerações é a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto n.° 36 deve ser approvado para receber a real sancção.

Sala da commissão, em 21 de abril de 1880. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = José Augusto Braamcamp = Conde de Castro = Luiz de Carvalho Daun e Lorena = Augusto Cesar Xavier da Silva = Tem voto do sr. Conde de Rio Maior = Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos, relator.

Projecto de lei n.º 36

Artigo l.º As freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro que, pelo decreto de 12 de novembro de 1875 e pela lei de 19 de junho de 1879, foram annexadas á comarca e concelho de Montemór o Velho, voltam a fazer parte da comarca e do concelho de Soure, a que pertenciam.

Art. 2.° Ficam revogados o citado decreto de 12 de novembro de 1875, a lei de 19 de junho de 1879 e toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1880. - José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.° 102-D

Senhores. - O decreto de 12 de novembro de 1875 e a

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lei de 19 de junho de 1879 desannexaram da comarca e do concelho de Soure, e annexaram á comarca e ao concelho de Montemór o Velho as freguesias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro. Este desmembramento feito á comarca e concelho de Soure contrariou evidentemente os habitos e as erudições dos habitantes das duas freguezias, e tornou até impraticavel, em uma grande parte do anno; a sua communicação com a cabeça do concelho e da comarca, Montemór, separada das duas freguezias pelo Mondego, invadiavel no inverno. As relações commerciaes frequentes entre as duas freguesias e a villa de Soure, consequencia da communidade de interesses e da annexação por largos annos, são nullas ou insignificantes com Montemór, e nenhuma conveniencia publica persuade que se contrariem os habitos e interesses dos povos das duas freguesias para se manter uma annexação que lhes repugna. Movido por estas considerações e attendendo ás representações que recebeu, o governo tem a honra de apresentar-vos a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° As freguesias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que pelo decreto de 12 de novembro de 1875 e pela lei de 1£ de junho de 1879 foram annexadas á comarca e concelho do Montemór o Velho, voltam a fazer parte da comarca e do concelho de Soure, a que pertenciam.

Art. 2.° Ficam revogados o citado decreto de 12 do novembro de 1875, a lei ele 19 de junho de 1878 e toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 28 de fevereiro de l88O.= José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado.

O sr. Barjona de Freitas: - Entro na discussão d'este projecto, forçado pelo dever da minha situação especial. A camara sabe e v. exa. tambem que, quando se tratou da divisão judicial, o governo, de que eu tinha a honra de fazer parte, foi auctorisado a effectuar, estas duas freguezias, Alfarellos e Granja de Cimeiro, foram annexadas, para os effeitos judiciaes, á comarca de Montemór o Velho. Hoje propõe-se a sua desannexação, tanto para os effeitos administrativos como para es judiciaes.

V. exa. comprehendo, pois, que, por um dever de posição, eu não podia forrar-me a dizer á camara quaes os motivos em que me fundei para que as freguezias a e que se trata ficassem, pertencendo á comarca de Montemór e deixassem de pertencer á de Soure.

Tendo eu de propor o adiamento d'este projecto, não sei se o regimento me obriga a mandar desde já para a mesa essa minha proposta antes de passarmos á discussão. (Leu.)

É certo que o sr. ministro da justiça reforçou a commissão que estava estabelecida no seu ministerio para examinar quaesquer reclamações que se fizessem sobre a circumscripção judicial, e na outra casa do parlamento já s. exa. declarou que muito brevemente apresentaria uma proposta para a reforma da mesma circunscripção. Sendo verdadeiros todos estes factos, estando o governo na intenção de corrigir quaesquer defeitos que, porventura, tenha encontrado na reforma de 1874, o que me admira, porque a obra do homem nunca é perfeita, e eu mesmo sor. o primeiro a reconhecer que a divisão actual carece de aperfeiçoamento; n'estas circumstancias, querendo o sr. ministro que a nova divisão sáia o melhor possivel, era natural que, na occasião de se discutir a respectiva proposta, fosse considerado o assumpto d'este projecto, examinando-se então se as duas freguezias a que elle se refere tinham sido mal annexadas á comarca de Montemór.

O que eu não comprehendo é que, tendo o partido a que o sr. ministro da justiça pertence, clamado na imprensa que havia grandes incorrecções na circumscripção judicial decretada em 1874, e que contra ella se levantavam os clamores dos povos, esteja ha tanto tempo no poder, não tenha até hoje trazido ao parlamento nenhuma proposta para emendar os defeitos d'essa circumspecção, e se limite a propor que sejam desannexadas duas freguezias. A final, parece que de tantos que se enumeravam, era este o unico defeito: pertencerem á comarca de Montemór as freguezias de Alfarellos o Granja do Ulmeiro.

Se eu tivesse vaidade n'este assumpto, devia estar muito satisfeito por ver que na circumscripção geral de todo o paiz só houve a iniquidade ele passarem para Montemór o Velho as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro.

Ora, sr. presidente, as circumstancias não mudaram, o rio Mondego não mudou ele direcção, não está agora mais caudaloso do que era, não se tornou n'elle impraticavel a navegação, não se deu facto algum extraordinario que torne penosa áquellas freguezias a sua annexação á comarca de Montemór o Velho em nome, pois, de que principio vem o governo com tanta pressa propor a desannexação das mesmas freguezias d'aquella comarca, para voltarem a pertencer á comarca de Soure, em vez de se reservar para considerar este assumpto quando tratasse da reforma geral da divisão comarca? Não comprehendo, e por isso propuz o adiamento do projecto que v. exa. poz em discussão, no que me parece faço até serviço ao governo, como logo mostrarei.

Alem d'isso sabe v. exa. que este projecto propõe não só a desannexação das referidas freguezias para os effeitos administrativos, mas tambem para os effeitos judiciaes. Nunca veiu á camara um projecto d'esta ordem em que se tratasse de uma medida com effeitos judiciaes, que não fosse ouvida a commissão de legislação.

A camara está dividida em commissões, cada uma com competencia especial, e realmente parece-me falta de consideração, de certo não intencional, ou pelo menos não é regular, que em uma desannexação que tem effeitos judiciaes se não ouça aquella commissão, a fim d'ella dar o seu parecer sobre o assumpto.

O meu adiamento, como disse, e é preciso que se note não envolve idéa alguma politica; esta questão é demasiado insignificante para ser levantada até á altura ele questão politica; o eu não encontro motivo algum que me faça persuadir de que o governo possa ter rasão para se oppor ao adiamento d'este projecto. Pelo contrario, entendo que deveria reservar esta questão para quando tratasse de reformar a divisão judicial.

A desannexação das duas freguezias, de que trata o projecto da comarca de Soure, foi um assumpto muito debatido, sendo decretada a annexação das mesmas freguezias ao concelho de Montemór o Velho em 13 de junho de 1879; ora nós estamos em maio, o que quer dizer que apenas são passados onze mezes depois que o parlamento votou a lei que determinou esta annexação; portanto, vir agora o governo pedir a esta mesma camara que reconsidere o sou voto, sem que se désse alguma circunstancia urgente, ou motivo que tivesse mudado as condições d'aquellas duas freguezias, não me parece uma cousa regular.

Sr. presidente, o prestigio da individuos vale alguma cousa, mas o prestigio das instituições vale muito mais, extremamente mais.

Se se quer que ellas sejam respeitadas, que se elevem á altura devida, é preciso que ellas comecem por se respeitar a si proprias, e que haja entre todos os poderes do estado mutuo respeito pela sua dignidade.

Querer o poder executivo que o corpo legislativo cáia em contradicções, obrigando-o sem rasão admissivel a reconsiderar o seu voto, tendo apenas decorrido onze mezes depois d'elle o ter dado, acho que é um facto muito pouco agradavel para esta camara.

Não quero alongar o debate, entrando desde já no assumpto do projecto; limito aqui, por emquanto, as minhas considerações para apoiar o adiamento que propuz.

Leu-se na mesa a proposta de adiamento do sr. Barjona de Freitas.

É do teor seguinte:

Proposta

Proponho o adiamento do parecer n.° 63, para ser con-

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siderado o assumpto em qualquer reforma de circumscripção judicial.

E que, pelo menos, seja ouvida a commissão de legislação no que respeita á divisão comarca. = Barjona de Freitas.

O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - O adiamento proposto pelo digno par, o sr. Barjona de Freitas, tem duas partes e dois fundamentos.

O primeiro fundamento é que não foi ouvida a commissão de legislação. S. exa. propõe que o projecto vá a esta commissão para dar o seu parecer na parte que envolve alteração na divisão judicial.

O segundo adiamento e mais largo. E até que o governo apresente a sua proposta da divisão judicial de todo o reino.

Quanto á primeira parte, pertence á camara resolver se se julga, ou não, sufficientemente informada com o parecer da commissão de administração publica, para base dos debates.

Com relação á segunda parte do adiamento, direi que me não parece necessaria nem conveniente.

É certo que se reconheceu por defeituosa em algumas partes a ultima divisão judicial, e o sr. Mexia Salema tinha nomeado uma commissão para a rever. Reforcei esta commissão com o intuito do poder dividir-se em sub-commissões que distribuissem o serviço entre si por districtos, a fim de se concluir mais brevemente este trabalho.

A commissão partiu da antiga organisação judicial. Mas tendo eu apresentado á camara dos senhores deputados uma proposta que altera esta organisação, tive de sujeitar a divisão judicial ás bases estabelecidas n'esta proposta. Assim tive de estudar de novo a circumscripção das comarcas.

O digno par, o sr. Barjona de Freitas, conhece perfeitamente as difficuldades do assumpto. Apesar da sua intelligencia e prompta comprehensão, gastou s. exa. uns poucos de annos para elaborar a sua divisão judiciai. Ninguem está mais habilitado para conhecer as repugnancias que é necessario vencer, e as pretensões oppostas que é preciso conciliar quando for possivel.

Tenha feito a proposta, o espero apresental-a na proxima sessão á camara dos senhores deputados. Tenho ouvido muitos cavalheiros que representam as localidades, para que possa satisfazer ás necessidades das povoações, e, quanto for possivel, aos seus desejos. Assim, quando esta proposta for apresentada, vae quasi estudada e discutida por quem tem de aprecial-a. Ella, porém, está dependente da outra proposta, já apresentada n'aquella camara, sobre a organisação judicial. Esta ultima proposta póde levar muito tempo a discutir. Espero que passe n'esta sessão, mas póde não se realisar esta esperança, e por isso entendi que não devia expor a esta contingencia a pretensão que o conselho de Soure tinha de readquirir desde já as duas freguezias que ainda o anno passado lhe pertenciam.

Pareceu-me conveniente harmonisar a divisão judicial com a administrativa dos dois concelhos, na parte de que se occupa esta proposta. Ainda não fica bem harmonisada, mas fica melhor do que estava.

Na determinação dos limites onde confrontam entre si as duas comarcas de Soure e Montemór o Velho, este projecto concorda perfeitamente com o meu plano geral de divisão do territorio. Por isso acceitei este projecto, que me parece justo.

Depois de restituidas as duas freguesias de que se trata, ao concelho do Soure, este ainda fica inferior em população ao de Montemór o Velho. O movimento judicial d'esta comarca é muito maior do que o da comarca do Soure, á qual tenho de tirar a freguezia da Ega. do concelho de Condeixa, para crear na séde d'este concelho uma comarca. Mas ainda com esta freguezia, e com as duas de Granja e Alfarellos, a comarca de Soure fica inferior á de Montemór o Velho.

Asseveram-me que estas duas freguezias desejam pertencer antes á comarca de Soure, á qual pertenciam muito antes que Montemór se lembrasse de ser comarca. Não tenho documento que confirme o desejo que se attribue aos moradores d'aquellas freguezias, mas a não haver grande repugnancia dos povos, é conveniente igualar, quanto for possivel, as comarcas. Mas isto é entrar já na materia principal, e o que se discute é o adiamento.

Tambem me não parece que envolva quebra do prestigio o dignidade d'esta camara o revogar uma lei que o anno passado approvou. É attribuição das côrtes fazer leis e revogal-as. - O parlamento revoga bem as leis, ou quando as circumstancias mudaram, ou quando melhor informado, reconhece que a lei anterior não era boa. Não fica mal ás côrtes aperfeiçoar cada vez mais os serviços publicos. O ponto é que o façam com acerto e justiça, como me parece que o fazem approvando este projecto.

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, eu folgo de ter ouvido o sr. ministro da justiça, porque s. exa. não fez senão confirmar a necessidade da approvação da minha proposta, o que de certo não foi por defeito da intelligencia de s. exa., mas em consequencia da ruindade da causa que s. exa. defende.

Eu propuz o adiamento d'este projecto até que se fizesse uma outra circumscripcão judicial. Ora, quando de mais a mais o sr. ministro da justiça nos diz, que qualquer d'estes dias apresentará uma proposta em sentido geral para uma nova divisão judicial, em vez de provar contra o meu adiamento, vem s. exa. em meu reforço, porque mostra que mais curto será o adiamento.

Pois então que anciedade, que precipitação, que desejo deve haver em fazer passar este projecto, que abrange só duas freguezias, quando o sr. ministro da justiça na semana proxima traz aqui uma reforma geral n'este sentido? Quando o sr. ministro trouxer aqui essa reforma geral, então se tratará d'este negocio debaixo de um ponto de vista tambem mais geral.

Ainda mais; o sr. ministro da justiça declarou que não tinha duvida em concordar com o trabalho do sr. ministro do reino; e disse que, pelo estudo que fez d'este negocio na sua secretaria, lhe pareceu não haver inconveniente em prestar a sua assignatura a esta proposta de lei, mas que lhe parecia, que a importancia das duas comarcas de Montemór o Velho e de Soure não ficava ainda bem harmonisada com a reunião d'estas duas freguezias, de que o projecto falla, á comarca de Soure.

O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - Creio que não disse isso; eu disse que ainda assim não ficava mais importante a comarca de Soure do que a do Montemór.

O Orador: - Muito bem; se não foram estas as palavras, eu vou mostrar que o que s. exa. d'isso significa a mesma cousa.

O sr. ministro disse, que na sua proposta para a reforma da circumscripção judicial fazia tenção de crear uma comarca em Condeixa, e que para esse fim precisava de tirar á comarca de Soure algumas freguezias, entre as quaes figurava a freguezia de Ega. Aqui é que está o segredo de todo este projecto: crear uma comarca em Condeixa. Mas, se esse é o plano, esperemos pela discussão da reforma em que o sr. ministro fallou, e então veremos se a desannexação d'estas duas freguezias, ora pertencentes ao concelho de Montemór, é ou não inconveniente.

O sr. ministro foi o melhor defensor do adiamento que propuz, o que não admira nada, porque a s. exa. sobram luzes de intelligencia para o fazer muito mais proficientemente. O sr. ministro não só declarou que trazia ás côrtes na semana proxima uma proposta em que considerava o assumpto da circumscripção judicial, mas que tencionava crear uma comarca em Condeixa. É claro, portanto, que este projecto não póde ser considerado isoladamente d'aquelle plano.

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Mas a minha proposta tem ainda outra parte. Eu peco que pelo menos seja ouvida a commissão de legislação no que diz respeito á divisão comarca. Sobre este ponto, o sr. ministro apenas disse que á camara competia seguir o methodo de trabalho que julgasse melhor. Não disse mais nada.

Basta-me um facto para provar que eu tenho rasão, quando peço que sobre o projecto seja ouvida a commissão de legislação. Quem e que está hoje aqui representando o governo? É o sr. ministro do reino? Não; é o sr. ministro da justiça. Pois se o projecto que se discute pertence ao numero d'aquelles em que sómente deve ser ouvida a commissão de administração, como é que, em vez de estar aqui o sr. ministro do reino, a quem competem os negocios administrativos, está o sr. ministro da justiça, que trata dos negocios judiciaes?

Ha mais. Tem estado presente n'esta casa muitas vezes o sr. ministro do reino, mas em nenhuma d'ellas foi este projecto dado para a discussão: e porque? Porque faltava o sr. ministro da justiça.

Agora vou apresentar muito succintamente as rasões por que em 1874, por occasião da divisão judicial, entendi, e entendeu a commissão encarregada d'esse trabalho, aliás composta de homens muitissimo competentes, que as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro fossem desannexadas de Soure.

A comarca de Montemór o Velho, como a comarca da Figueira, está atravessada pelo rio Mondego, o tem freguezias na margem direita, e na margem esquerda do rio, ao norte e ao sul. Na Figueira, porém, as circumstancias são peiores que em Montemór o Velho, porque ali o rio, na proximidade da sua Foz, é mais caudaloso, o pela intervenção das marés, ha maior difficuldade na navegação, e d'ahi tem resultado não se terem podido effectuar as audiencias geraes em alguns mezes do anno; emquanto que em Montemór o Velho nunca se sentiram estes inconvenientes, a administração da justiça nunca esteve demorada por causa da passagem do rio; e não obstante esta comarca ter, como já notei, freguezias de um e do outro lado do rio, nunca as audiencias geraes deixaram de se effectuar em Montemór o Velho. E devo acrescentar que essas audiencias ali são em novembro e dezembro, isto é, na epocha mais invernosa.

Já vê; pois, a camara que não ha difficuldades de navegação n'esta ultima comarca, e que, portanto, não ha inconvenientes para a administração da justiça pelo facto de estarem algumas freguezias do outro lado do rio.

Mas ha mais alguma cousa. Se isso fosse inconveniente para as duas freguezias de que se trata, era-o tambem para mais cinco, que igualmente ficam na margem opposta do rio, pertencentes tambem á comarca de Montemór.

Essas freguezias são: Pereira, Santo Varão, Verride, Villa Nova da Barca e Revelles. Ao todo são em numero de sete as freguezias que estão do outro lado do Mondego e pertencem á comarca de Montemór o Velho; apesar d'isso pede-se, em nome das difficuldades da navegação, que só duas d'essas freguezias sejam desannexadas d'aquella comarca; dando-se a circumstancia de que as outras freguezias ficam muito mais longe de Montemór do que Alfarellos e Granja, que ficam defronte da villa, e não ha senão que atravessar o rio para se pôrem em communicação com aquelle concelho.

Notarei ainda outra circumstancia. Aquellas sete freguezias seguem-se umas ás outras por esta ordem: Pereira, na extremidade do concelho de Coimbra, e em seguida, para o poente, Santo Varão, Granja, Alfarellos, Villa Nova da Barca, Verridc e Revelles; ficando exactamente no meio d'ellas Alfarellos e Granja. De maneira que, annexando-se estas duas freguezias a outra comarca, ficam sem communicações administrativas e judiciaes com as outras: abre-se entre ellas uma solução de continuidade, o que será de grandissima desvantagem para aquelles povos no que toca aos effeitos judiciaes, e sobretudo aos effeitos adimnistrativos.

Se a camara municipal de Montemór quizer fazer uma estrada que ligue todas aquellas freguezias, como já resolveu, logo que sejam desannexadas estas, as de Alfarellos e Granja, a estrada tem que parar no meio, e depois voltando por cima d'ellas, ir continual-a nas outras.

Foram estas as rasões por que a commissão comarca entendeu que as ditas freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro deviam ser annexadas á comarca de Montemór o Velho.

O sr. ministro da justiça argumentou unicamente com a população. Todos sabem que a população não é igual em todas as comarcas, ha-as que têem 9:000 fogos, outras têem 8:000, outras 3:500, etc. Não é essencial para a divisão judicial que a população das comarcas seja exactamente igual em todas ellas. Nem com esta desannexação se restabeleceria essa igualdade.

Por consequencia o augmento da população não colhe. Estas foram as rasões que imperaram no meu animo para propor que estas freguezias passassem da comarca de Soure para a de Montemór o Velho.

No parecer que está em discussão parece indicar-se que esta divisão, que se propõe agora, é mais conveniente para o commercio e para a industria d'estas freguezias.

Ora, toda a gente sabe que a industria d'aquellas localidades é toda agricola, e eu posso dizer que o mercado que se faz em Montemór é muito mais frequentado pelos habitantes d'estas freguezias do que o de Soure, porque tanto a freguezia do Alfarellos como a de Granja do Ulmeiro ficam muito mais distantes da villa de Soure do que da de Montemór, para chegar á qual têem apenas que passar o rio.

Por consequencia nenhuma das rasões em que se funda o parecer e producente.

Não me parece sobretudo que, sem motivos importantes, se deva vir pedir á camara dos pares, pouco tempo depois d'ella ter votado uma certa divisão, que desfaça o que fez.

Sr. presidente, eu não quero alongar mais esta discussão. Só acrescentarei, portanto, que tenho amigos em Soure, a quem de certo agradaria esta annexação, e mesmo que eu não desejava contrariar o sr. relator da commissão; mas que entendo que este projecto não tem rasão de ser, sobretudo agora, como me parece ter demonstrado, por isso o combato.

O sr. Quaresma (relator): - Sr. presidente, não admiro os esforços feitos pelo digno par, o sr. Barjona, para impugnar o projecto, envidando todas as suas forças para que continuem a pertencer ao concelho e comarca de Montemór o Velho as freguezias em questão; mas por motivo identico, e ainda mais, porque me parece que pugno pelos principios de rigorosa justiça, é que eu deve sustentar o mesmo projecto, combatendo os argumentos do s. exa.

O primeiro argumento que o digno par apresentou, e em que muito insistiu, porque é de certo aquelle que mais impressão poderia causar na camara, e que tendo votado ha menos de um anno que fossem desannexadas do concelho e comarca de Soure as freguezias, cuja restituição está consignada no projecto que se discute, praticaria uma retractação impropria d'ella, e daria provas de menos gravidade.

Sr. presidente, eu vou demonstrar que, se a camara só retracta, se reconsidera, está a isto obrigada, reparando a injustiça feita, a qual praticou por ter sido menos bem informada, senão illudida, como vou provar.

O ministro que então representou o governo na discussão do projecto votado em maio de 1879 foi o sr. Thomás Ribeiro, ministro da marinha, o qual, instado pelos dignos pares os srs. marquez de Vallada e Vaz Preto, disse:

(Leu.)

Vê-se que o sr. ministro da marinha de então declarou

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que se não tinham pedido informações algumas ás auctoridades, e que nem havia necessidade de se pedirem; porquanto, tendo a questão de ser resolvida pelas camaras, e não pelo governo, não tinha este necessidade alguma de pedir informações.

Ora, sr. presidente, pondo de parte a extravagancia d'esta theoria, eu vou provar á camara que as informações tinham sido pedidas, e que, se lhe não foram apresentadas, foi porque não convinha.

Em virtude dos esclarecimentos que solicitei pelo ministerio do reino, foi remettido a esta camara o orneio que passo a ler.

(Leu.)

Do que a camara acaba de ouvir collige-se que as informações foram effectivamente pedidas ás auctoridades de confiança do governo, e que até hoje não foram enviadas para a secretaria do reino, não obstante terem sido exigidas já em 30 de junho de 1876. Porque é então que não vieram as taes informações, sendo pedidas a auctoridades de confiança do governo, que apresentou a proposta de lei que aqui foi votada no anno passado, e que de certo seriam dadas se ellas conviessem ao governo?

A resposta parece-me muito simples. Não vieram, porque não podiam vir em harmonia com os desejos do governo, o que prova que a proposta do anno passado era injusta. Já a camara vê que foi menos bem informada n'esta parte, e por isso em logar de sustentar a sua deliberação, deve pelo contrario revogal-a.

Mas ha mais.

Na discussão do anno passado disse-se tambem que as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro tinham passado judicialmente para a comarca de Montemór em virtude de representações dos povos d'aquellas freguezias. O digno par, o sr. Barjona, não sei se por cautela, se por habito, não restituiu os seus discursos proferidos então, e tenho d'isso muita pena. É certo, porém, que se quiz fundamentar a mudança das freguezias nas representações dos povos.

Eis aqui outro ponto em que a camara foi completamente illudida.

O documento que vou ler, e que, por exigencia minha, foi enviado pela secretaria da justiça, prova evidentemente que taes representações nunca existiram.

(Leu.)

Já vê a camara que foi inteiramente enganada quando votou a desannexação das freguezias em questão, e que, longe de dever sustentar a votação do anno passado, deve pelo contrario reparar a injustiça que inconscientemente praticou.

Resumindo. Fez-se a desannexação sem informações das auctoridades e sem reclamação dos povos. Agora ha representações das juntas de parochia das duas freguezias, favoravelmente informadas pelas auctoridades competentes. Reflicta a camara, compare e resolva.

Mas, sr. presidente, se a posição especial do digno par, o sr. Barjona, o obriga pela sua gratidão a impugnar o projecto, visto que foi eleito deputado por mais de uma vez pelo circulo de Montemór, permitia me s. exa. que lhe diga que podia ser grato a Montemór, sem ser ingrato a Soure e Condeixa, porque d'estes dois concelhos recebeu s. exa. exuberantes provas de consideração. E basta que eu refira um facto para provar a minha proposição. Solicitou o digno par, o sr. Barjona, os votos dos concelhos de Soure, Condeixa e Penella para ser eleito deputado pela opposição o digno par, o sr. Andrade Corvo. Foi unanime a votação da concelhos de Soure e Condeixa a favor do sr. Corvo. E unanime foi tambem a do concelho de Penella, mas contra o sr. Corvo.

O sr. Barjona de Freitas: - Não alludi nem a esse nem a outro ponto.

O Orador: - Quer a camara saber como o digno par, o sr. Barjona, se desempenhou da sua gratidão em relação aos tres concelhos na divisão comarca que decretou? Tirou ao concelho de Soure as duas freguezias da questão, e levou-as para Montemór, dando-lhe sómente em compensação a freguezia da Ega do concelho de Condeixa, que não póde comparar-se com as outras duas freguezias. Ao concelho de Condeixa fez-lhe o especialissimo obsequio de o retalhar em tres partes, mandando umas freguezias para a comarca de Coimbra, a freguezia da Ega para a comarca de Soure, como já disse, e outras para a comarca de Penella, que creou de novo, para agradecer-lhe o favor de não ter consentido que se desse um unico voto ao seu amigo o sr. Corvo!

Fez ainda mais. Deixou a freguezia de Belide do concelho de Condeixa pertencendo ecclesiasticamente ao concelho de Soure, administrativamente ao concelho de Condeixa, e judicialmente a Coimbra a distancia de mais de 18 kilometros. E tudo isto porque? Porque os dois concelhos de Soure e Condeixa não têem sido ultimamente favoraveis ás pretensões de s. exa., á parte o obsequio que s. exa. quiz fazer-me pessoalmente.

Permitta-me, porém, que lhe diga que não procedeu bem, e é possivel que no futuro tenha de arrepender-se. E a proposito referir-lhe-hei um conselho, que me deu um dos primeiros, senão o primeiro, estadista do nosso paiz, e que de certo não é suspeito ao digno par. O sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, meu conterraneo, e que me honrava com a sua amisade, disse-me, em certa occasião que sendo eu ainda muito novo (n'essa epocha já se entende), e por isso pouco experimentado nas cousas publicas me dava o seguinte conselho - "nunca se lembre ámanhã do mal que hontem lhe fizeram em politica". Ora reflicta o digno par n'este conselho, e diga-me depois se fez bem ou mal em hostilisar os concelhos de Soure e Condeixa. E não repita s. exa. que o concelho de Soure ficou perfeitamente compensado, fazendo passar para ali a freguezia da Ega, porque esta só passou judicialmente, emquanto que as freguezias de Alfarellos e Granja passaram para o concelho de Montemór judicial e administrativamente, e basta a falta de rendimento de uma barca pertencente á freguezia de Alfarellos para fazer grande prejuizo ao concelho de Soure, porque ha annos em que rende para cima de réis 300$000. E diz o digno par, o sr. Barjona, que tem amigos em Soure. Parece impossivel que os tenha; mas se os tem, elles que lhe agradeçam os obsequios, que até aqui lhes tem feito, e ainda hoje lhes está fazendo. Disse mais o sr. Barjona, que entre Alfarellos e Montemór se interpunha sómente o rio Mondego.

Permitta-me, porém, que lhe responda que isso não é exacto. Entre Alfarellos e o rio Mondego ha ainda uma grande porção de campo, e s. exa. sabe perfeitamente que o que eu assevero é rigorosamente verdadeiro. Disse mais o digno par, que ficando tão proximo das duas freguezias o mercado de Montemór, era isso de grande vantagem para os seus habitantes.

Em primeiro logar responderei que, apesar de taes vantagens, os povos não representaram para ficar pertencendo a Montemór, emquanto que agora reclamaram para voltar para Soure.

Mas, sr. presidente, eu vou mais adiante dizendo, em segundo logar, que as vantagens a que se refere o digno par não podem comparar-se com as que os povos das duas freguezias recebem do mercado de Soure.

Como já fiz sentir no relatorio que precede o parecer, ha um mercado semanal em Soure, sendo o domingo o dia designado para elle; dia em que o povo póde frequentar o referido mercado sem perda alguma de tempo para os trabalhos agricolas, emquanto que o mercado de Montemór é quinzenal, ordinariamente em dia de trabalho, e, portanto, de mais difficil concorrencia.

Mas ha mais ainda. É que o mercado de Montemór não é de tanta vantagem para os pequenos proprietarios, os quaes constituem o maior numero, por isso que ali se fazem

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transacções de maior vulto, que pouco interessam á maior parte dos lavradores d'aquellas localidades. É um mercado mais util a uma área mais larga, porque concorre gente não só do districto de Coimbra, mas até de muitos outros pontos do paiz.

O mercado de Soure é muito mais vantajoso aos pequenos lavradores, que muitas vezes querem vender sómente 3, 4, 5 e 6 alqueires de milho ou trigo, e acham mais facilidade da compra e venda dos differentes productos; porque, repito, faz-se em todos os domingos, e por isso em todas as semanas.

Acresce ainda, que desde tempo immemorial estão estabelecidas entre Soure e os povos do poente d'esta villa relações commerciaes e de toda a ordem, e os habitos dos povos devem sempre ser respeitados.

Disse mais o digno par, que ao concelho e comarca de Montemór pertenciam as freguezias de Pereira, Santo Varão, Villa Nova da Barca, Revelles e Verride, que todas esteio ao sul do Mondego, e com as mesmas difficuldades de communicações que se allegam para as freguezias de Alfarellos e Granja, e que por isso estas duas freguezias não deviam fazer excepção á regra.

Parece-me que a conclusão contida n'estes principios deve ser a completamente opposta. Pois se ha effectivamente difficuldades reaes de communicações de todas as freguezias mencionadas, e creio que essas difficuldades ninguem poderá deixar de as reconhecer, a consequencia rigorosa é que todas as freguezias ao sul do Mondego, que ainda pertencem a Montemór, devem ser desannexadas d'esse concelho, e annexadas a qualquer outro, em que se não dêem taes difficuldades. Isto é que é logico; e convença-se o digno par de que havendo governo que faça inteira justiça aos povos, e que promova as suas commodidades e interesses, ha de chegar necessariamente a esta consequencia, e estou certo de que tempo virá em que se leve a execução uma medida de tanto alcance e de tanta conveniencia para os povos do sul do Mondego. Mas disse ainda o digno par que, não obstante as inundações do rio Mondego, não. deixaram de fazer-se as audiencias geraes nos mezes de novembro e dezembro do anno passado, e que a ellas concorreram os jurados de Alfarellos e da Granja.

Sr. presidente, eu não contesto este facto, e nem d'isso preciso. A questão não é se o Mondego póde permittir passagem nos mezes de novembro e dezembro, porque annos ha em que n'estes mezes não ha chuvas abundantes que produzam as grandes enchentes; a questão é se durante todo o anno se póde atravessar o rio Mondego em todos os mezes d'elle; isto é que o digno par deve provar a bem da sua causa, mas é justamente o que não póde demonstrar.

A comarca da Figueira, tambem tem freguezias ao sul do Mondego, disse o digno par, e ninguem pensa na sua desannexação.

Sr. presidente, este argumento é simplesmente capcioso, porque na Figueira pelo refluxo das marés nunca a passagem do Mondego é completamente interrompida, por maior que seja a enchente do Mondego. Tambem Coimbra tem freguezias ao sul d'este rio, mas tem uma ponte que assegura as communicações. Dão-se, porventura as mesmas condições com a comarca de Montemór? De certo não, e por isso nada colhe este argumento.

Sr. presidente, o antigo concelho de Montemór tem conseguido a dissolução successiva de alguns concelhos vizinhos para se apropriar d'elles em proveito proprio. Se assim continua está arriscado a morrer de apoplexia ou indigestão. Já lhe foram annexados os antigos concelhos de Tentugal, Verride e o de Santo Varão, exceptuando as duas freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que foram annexadas ao concelho de Soure em. 1852, em que foi dissolvido o ultimo dos tres concelhos.

No concelho de Soure se conservaram sem impugnação alguma até 1875 judicialmente, e até 1879 administrativamente. Durante todo este longo periodo de tempo existiram sempre as melhores relações pessoaes e commerciaes, sem haver nunca uma unica queixa, uma unica reclamação. Frequentaram sempre a cabeça do concelho e comarca sem obstaculo algum, emquanto que os povos não podiam fazer o mesmo em relação a Montemór, ou não podiam ir quando queriam, como já disse, e mesmo quando podiam tinham de pagar o imposto da barca, o que me parece lhes não podia ser muito agradavel, porque creio que ninguem paga com prazer.

Ha ainda outras rasões attendiveis. Não sei se com motivo justificado, ou sem elle, não é muito sympathica ás freguezias do sul do Mondego a justiça de Montemór. Referiram-me, entre outros, o seguinte facto, que é curioso. Havia um proprietario, a quem collectaram o rendimento de uma pequena gleba de terra em 30 réis, para a congrua do parodio. Esqueceu-se de pagar aquella quantia, talvez pela sua insignificancia, mas o resultado foi instaurarem-lhe um processo, cujas custas importaram em 6$400 réis.

Parecendo-lhe exagerada a quantia, pretendeu reagir, mas pediram-lhe tres libras para preparo da contestação. N'este caso preferiu pagar os 6$40O réis.

Póde ser exagerada a narração do facto; é, porém, certo que ha a crença geral de que é carissima a justiça de Montemór. Não admira por isso que os povos queiram afastar-se d'ella.

Ninguem melhor do que o digno par sabe que o interesse dos povos d'estas freguezias os leva antes para Soure do que para Montemór, mas já de longa data ha o pensamento reservado de os arrastar para este ultimo concelho, embaraçando-se por todos os modos que se estabeleçam communicações faceis entre Soure e as freguezias do poente. Traçou-se primeiramente uma estrada, que partia da estação do caminho de ferro até ao moinho do Almoxarife; fizeram-se por conta do governo, os competentes estudos, porque era considerada estrada do estado; pois, sr. presidente, appareceu de repente convertida em estrada municipal. Pelos meus esforços, fundados em rigorosa justiça, foi pela junta geral do districto elevada á categoria de estrada districtal, o que foi confirmado pela junta consultiva das obras publicas, com a approvação do governo.

Quer v. exa. saber, sr. presidente, o que aconteceu? Foram abandonados os estudos e trabalhos feitos, para se construir outra estrada ao sul de Soure, por onde ninguem transita, porque não atravessa povoação alguma de importancia. É que a junta geral e a sua commissão executiva era e é influenciada pelo digno par, e pelos seus amigos politicos.

Ainda ha pouco tempo tratou a camara de Soure de contrahir um emprestimo no banco hypothecario, para construir uma estrada municipal de Soure até Alfarellos, não havendo embaraço que a actual commissão executiva da junta geral não tenha posto para contrariar os desejos da camara municipal de Soure, tirando-se argumento da falta de boas communicações entre a cabeça do concelho e as freguezias de Alfarellos e Granja, para as annexar a Montemór.

Sr. presidente, eu creio ainda nas boas intenções do digno par, o sr. Barjona, que convencido, como está, das rasões que acabo de expor, combate este projecto arrastado por uma forte pressão estranha. Se deixassem a solução d'esta questão sómente á sua intima consciencia, affirmo e juro que elle não procederia como tem procedido.

Sá agora passâmos a comparar o numero dos fogos que tinha o concelho de Soure antes da desannexação das freguezias com o numero da fogos que tinha o concelho de Montemór antes da annexação das mesmas freguezias, vê-se que pelo censo de 1864 Soure tinha 4:268 fogos e Montemór 5:187, resultando depois que este ultimo concelho ficou elevado a 5:691, ficando Soure reduzido a 3:758. Achará a camara, de justiça e de conveniencia que se ani-

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quile um concelho para elevar outro que já lhe era superior em numero de fogos?

Depois que começou a executar-se a ultima reforma administrativa, que augmentou consideravelmente os encargos locaes, poderão reduzir-se os concelhos por esta fórma? Não será ainda altamente inconveniente, e inteiramente impolitico, accender a guerra entre dois concelhos limitrophes, que viveram sempre em perfeita harmonia? Donde partiu a provocação? Não deveriam estar satisfeitas já as ambições do concelho de Montemór, tendo-lhe sido annexados dois concelhos e parte de um terceiro? Pretendeu até desannexar uma freguezia do concelho de Coimbra!

Creio que só ficariam satisfeitos se o engrandecimento chegasse a ponto de ser para ali transferida a capital do districto.

Não me parece, sr. presidente, que seja boa administração augmentar prodigiosamente um concelho para reduzir os outros a proporções incompativeis com os encargos a que se acham presentemente obrigados.

Concluindo, repito que me parece ter demonstrado que não ha desaire algum para a camara votando o projecto que se discute. Não se trata de desannexar freguezias de um concelho para as annexar a outro. Trata-se de restituir a um concelho o que outro lhe extorquiu.

Resolva, pois, a camara como entender na sua alta sabedoria.

Emquanto ao adiamento proposto pelo digno par, vê a camara que se realisou o prognostico que fiz na sessão de hontem. É o modo indirecto de não ser approvado o projecto. O sr. ministro da justiça já respondeu n'esta parte ao digno par, e por isso nada mais acrescentarei senão que o adiamento proposto para ser ouvida a commissão de legislação poderia ainda ter rasão de ser se se tratasse sómente da restituição judicial das duas freguezias, mas trata-se alem d'isso da restituição administrativa.

Sr. presidente, a camara comprehende perfeitamente o intuito do digno par o sr. Barjona; julgue-o, pois, como merece.

O sr. Presidente: - Vão ler-se tres mensagens vindas da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa, e são as seguintes:

l.ª Auctorisando o governo a applicar, no anno economico de 1880-1881, as sobras das verbas inscriptas na secção 9.ª do artigo 21.° do capitulo 8.° do orçamento do ministerio do reino á conclusão das obras do edificio do observatorio astronomico de Lisboa.

Ás commissões de obras publicas e fazenda.

2.ª Auctorisando o governo a abonar a Lino Maria de Sousa Araujo as percentagens de verificador da alfandega de Loanda durante o tempo em que esteve suspenso do exercicio do mesmo logar.

Ás commissões de fazenda e marinha.

3.ª Auctorisando o governo a contratar com a camara municipal do Porto a expropriação das lojas existentes nos baixos edificios da academia polytechnica.

Ás commissões de obras publicas e fazenda.

O sr. Mendonça Cortez: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto que tem o n.° 45.

Lido na mesa, foi a imprimir.

O sr. Barjona de Freitas: - Não desejo cansar a attenção da camara, mas sou obrigado a dizer ainda algumas palavras em resposta, ao meu amigo e illustre relator da commissão.

Considera, s. exa. o projecto de tal modo util e tão salvador das nossas finanças, que imagina que ninguem o póde vir combater senão em virtude de alguma pressão externa.

Emfim, s. exa., no ardor das suas convicções, até jurou aos santos evangelhos!

Não posso acompanhar o digno par no terreno que escolheu para discutir.

Não respondo ao argumento dos 30 réis, pois creio que o projecto vale mais alguma cousa do que esta quantia; nem me parece que a justiça de Montemór deva ser responsavel pelo facto de ter um advogado pedido as tres libras a que o sr. relator alludiu.

Emquanto á circumstancia de ser o mercado de Montemór um mercado para o paiz, apenas se conclue das considerações de s. exa. que os povos de Alfarellos e Granja do Ulmeiro não gostam senão dos mercados pequenos.

Diz s. exa. que o transito pelo rio se faz com mais facilidade de Alfarellos ou da Granja para Soure do que para Montemór.

A isto observarei que, não se fazendo a passagem a vau, será forçosamente necessario pagar; e, portanto, não ha commodidade para, aquelles povos em os obrigar a percorrer uma muito mais longa distancia.

Tambem não posso, responder a outro ponto a que o sr. relator alludiu, isto é, emquanto á gratidão que devo ter para com os povos do concelho de Soure.

Sr. presidente, eu acabei as minhas anteriores reflexões por declarar que era para mim bastante penoso ter de impugnar este projecto, porque tenho amigos, que muito prezo, no concelho de Soure, os quaes talvez considerem esta questão sob o ponto de vista do engrandecimento do territorio do seu concelho.

Para mim a questão é mais larga, e só a posso apreciar pelo prisma das conveniencias publicas. Alem de que as circumscripções, quer judiciaes, quer administrativas, devem ser estudadas menos strictamente do que se faz n'este projecto; e a minha proposta de adiamento está justificada desde que o sr. ministro da justiça declarou, que na semana proxima apresentava a proposta para fazer uma nova circumscripção judicial, e em tal caso nada mais rasoavel que considerar n'essa proposta o assumpto em questão. E isto o que eu peço.

S. exa. não combateu a outra parte do meu adiamento para que sobre este projecto seja ouvida a commissão de legislação, como é indispensavel, visto que a desannexação de que trata esta lei tem effeitos judiciaes. O sr. ministro apenas, nesta parte, se limitou a dizer que isto era um negocio meramente da competencia da camara, e ella é que o devia, portanto, resolver.

Depois tratou s. exa. de justificar o projecto, dizendo que estas duas freguezias deviam pertencer á comarca de Soure. Ora, eu vou provar á camara, e chamo a sua attenção para este ponto, que ainda que as freguezias de Alfarellos o Granja devessem ser desannexadas da comarca de Montemór o Velho para serem incorporadas no concelho de Soure, ainda que se demonstrasse até á evidencia a justiça d'esse acto, o projecto de lei em discussão não podia ser approvado. E admira-me que o sr. ministro do reino se não preoccupasse senão dos effeitos administrativos d'este projecto, que nada providenceia com relação aos seus effeitos judiciaes. Esta falta explica-se, de certo, pelo facto do sr. ministro da justiça ter apenas dado a sua approvação ao projecto, sem attender a que pela desannexação d'estas duas freguezias da comarca de Montemór o Velho, formando ellas actualmente com as de Pereira e Santo Varão um julgado com juizo ordinario, e passando para a comarca de Soure, não se sabe em que situação judicial ficarão.

A que julgado pertencerão? Sabe v. exa. e a camara, e sabem todos, mesmo aquelles que mais alheios são aos negocios da justiça, que, os julgados são circumscripções mais pequenas, onde os juizes ordinarios exercem as suas funcções, mas dentro sempre da mesma comarca. Portanto, desde o momento em que estas duas freguezias sejam desannexadas da comarca de Montemór o Velho, e passem para o concelho de Soure, a que julgado ficam pertencendo? Não podem pertencer á comarca de Montemór, porque a desannexação tem effeitos judiciaes; não podem pertencer á de Soure, porque esta lei nada determina a tal res-

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peito: logo, os povos d'aquellas duas freguezias, em todas as questões que são da competencia do juiz ordinario, ficam sem ter quem lhes administre justiça; ficam tendo absoluta negação de justiça, porque a lei determina que aquelles funccionarios só tenham competencia dentro do seu julgado.

Aqui está a rasão por que eu disse que entendia que fazia um serviço ao governo propondo o adiamento do projecto em discussão para ser consultada sobre elle a commissão de legislação, se se insiste n'esta desannexação que eu reputo injusta e prejudicial. Se a camara entender de outra fórma, não póde comtudo deixar de querer que este projecto se formule de modo que fique regular, e não fiquem os povos d'aquellas duas freguezias com absoluta negação de justiça.

O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - O digno par, o sr. Barjona de Freitas, referiu-se a uma circumstancia a que eu tinha alludido muito de longe, que é a de não deixar este projecto harmonisada a divisão dos julgados dos juizes ordinarios com a das comarcas.

Quando este projecto foi elaborado, já o governo tinha decidido propor a suppressão dos actuaes juizes ordinarios. Portanto, não parecia bem que uma proposta da iniciativa do governo se occupasse da circumscripção d'estes julgados.

Assim, esta proposta, passando antes da outra de organisação judicial, deixará ficar uma anomalia, qual é a de pertencerem as duas freguezias a uma comarca diversa d'aquella a que pertence a séde do seu julgado de juiz ordinario.

Mas em compensação d'esta anomalia que se cria, destroe-se outra que existe hoje.

Na verdade, as duas freguezias de Alfarellos e Granja, por ora pertencentes á comarca de Montemór o Velho, constituem um districto de juiz de paz com a freguezla rio Figueiró do Campo, que faz parte da comarca de Soure.

Esta anomalia cessa com o presente projecto, e fica a outra do julgado.

Tal situação, porém, durará pouco, se for approvada na presente sessão a proposta da reforma judicial.

Nem me carece que esta situação seja tão complicada como se afigurou ao digno par.

Se tiver de ser demandado um morador de Alfarellos ou Granja do Ulmeiro em negocio da competencia do juiz ordinario, o processo tem de correr perante o seu juiz ordinario legal que é o de Santo Varão. Se houver recurso dos despachos ou sentenças d'este juiz, esse recurso deve ser interposto para o juiz do direito de Montemór o Velho que é o seu superior legitimo. Se, porém, o negocio for da competencia do juiz de direito, o réu terá de ser demandado perante o juiz do seu fôro, que é o de Soure.

Assim não me parece que fique indefinida a situação juridica dos habitantes d'aquellas freguezias.

(O sr. Barjona de Freitas e outro digno par pedem a palavra.)

A circumstancia de serem estas freguezias separadas de Montemór o Velho pelo rio Mondego, é mais importante do que a descreveu o digno par.

Para o commercio o rio é de muita utilidade; mas para os negocios forenses, que têem prasos fataes, as inundações d'aquelle rio podem dar causa a grandes prejuizos ou obrigar os povos da margem esquerda ao incommodo de uma longa jornada.

O digno par deu pouco valor á desigual população das duas comarcas.

Ha certamente muitas desigualdades n'esta parte. Acceitam-se, quando não ha outro remedio: mas devem evitar-se, sempre que assim o consintam os interesses dos povos.

S. exa. equivocou-se quando suppoz que, eu disse que apresentaria brevemente n'esta camara a proposta da divisão comarca. As propostas do governo têem de ser apresentadas na camara dos senhores deputados. Assim, da breve apresentação d'aquella proposta não se segue que ella possa brevemente ser discutida n'esta casa. O projecto que nos occupa leva-lhe um grande adiantamento, por que já tem a approvação da outra camara.

Pela minha parte creio que não devo tomar com elle por mais tempo a attenção dos dignos pares.

O sr. Quaresma (relator): - Eu previa a duvida do digno par, o sr. Barjona, e era por isso que esperava que se votasse o artigo 1.° para propor o additamento seguinte:

(Leu.)

Para supprir a falta que se notou, e para ficar mais harmonica esta divisão com a circumscripção do juizo de paz, fiz logo tenção de propor, que estas tres freguezias ficassem constituindo um julgado ordinario, e então mando para a mesa a minha proposta, que peço seja votada depois do artigo 1.° ser approvado.

O sr. Presidente: - Vae-se ler o additamento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Quaresma.

Leu-se o seguinte

Additamento

As freguezias de Alfarellos, Granja do Ulmeiro e Figueiró do Campo constituem um julgado de juizo ordinario com séde em Alfarellos. = Quaresma.

Foi admittido.

O sr. camara Leme (sobre a ordem): - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre o projecto de lei n.° 67.

Foi a imprimir.

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, não imaginava que a discussão d'este projecto tomasse as dimensões que vão tomando, principalmente depois das declarações feitas agora pelo sr. ministro da justiça.

Não tratarei já da annexação elas duas freguezias á comarca de Soure, e occupar-me-hei simplesmente da ultima questão que s. exa. levantou.

Pois se estas duas freguezias formam um julgado, como quer o sr. ministro da justiça alterar a competencia que provém da lei e não da vontade da parte?...

Toda a gente sabe que os julgados são pequenas circiumscripções constituidas dentro da mesma comarca: ora, se as duas freguezias, de que trata o projecto, passam para a comarca de Soure, como podem ficar pertencendo a um julgado dependente de Montemór o Velho?... S. exa. não podia vir dizer aqui, que o que é da competencia do juiz do direito vão á comarca do Soure, e o que é da competencia do juiz ordinario vae á de Montemór o Velho.

Eu não pretendo censurar o sr. ministro, o que desejo é dar-lhe um conselho, isto é, conselho que para a outra vez não ponha o seu nome em um projecto, que não tenha examinado.

Sr. presidente, v. exa. sabe, e isto é tão verdade, que na propria lei dos juizes ordinarios se determina, que, quando se verificar o impedimento do juiz ordinario, é chamado o de um julgado mais proximo, dentro da mesma comarca.

Escuso, pois, de mostra; o absurdo de tal declaração feita por parte do governo; mas suppondo que o sr. ministro tinha rasão no modo de resolver a difficuldade, e as freguezias, apesar do passarem para a comarca de Soure, fossem resolver as suas questões dependentes do juizo ordinario a Montemór o Velho, nem por isso s. exa. deixaria de ter proferido uma blasphemia juridica.

Tão absurda é a declaração do sr. ministro, que o sr. relator da commissão vem corrigil-a, fazendo uma proposta pura que as duas freguezias constituam um julgado na comarca de Soure.

Sr. presidente, para esta e todas as outras divisões de territorio, sempre o governo julgou que devia, ouvir as auctoridades. Agora mudou-se de systema. São os relatores das commissões que, sem ouvirem os seus collegas, fazem uma divisão de julgados. D'antes mandavam-se ouvir ao auctoridades competentes; ouviam-se os delegados, as camaras municipaes, sobre a disposição natural d'aquellas

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freguezias, para que umas não fossem prejudicadas por outras.

Agora não é assim. São os relatores que fazem essas divisões judiciaes em plena camara.

Não direi mais nada, porque a minha proposta de adiamento está plenamente justificada. A commissão de legislação não póde deixar de ser ouvida a este respeito, a fim de concordar com o governo no modo de resolver mais convenientemente este assumpto.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Ha, porém, sobre a mesa uma proposta do sr. Barjona de Freitas, que diz o seguinte:

"Proponho o adiamento do parecer n.° 63, para ser considerado o assumpto em qualquer reforma de circumscripção judicial. E que pelo menos seja ouvida a commissão de legislação no que respeita á divisão comarca."

Rigorosamente são dois adiamentos, isto é, se o primeiro for rejeitado, o digno par propõe segundo.

Creio que é esta a intenção de s. exa.

O sr. Barjona de Freitas: - Se v. exa. me dá licença, para provar que a minha intenção não é demorar o projecto, prescindo do primeiro adiamento, ficando só o segundo.

O sr. Presidente: - O que me parece é que se o primeiro adiamento for rejeitado deve pôr-se á votação da camara o segundo.

O sr. Barjona de Freitas: - Eu peço para retirar o meu primeiro adiamento.

O sr. Presidente: - Qualquer que seja a sorte do primeiro adiamento, se elle for approvado...

O sr. Barjona de Freitas: - Eu peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire o meu primeiro adiamento, ficando apenas o segundo.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o pedido do digno par.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Conde de Rio Maior: - Eu não tive occasião de me entender com os meus collegas na commissão, que assignaram este parecer.

Elle tem a minha assignatura, e, portanto, tem o meu voto.

Devo, porém, dizer que as discussões servem para alguma cousa, e por isso declaro com toda a franqueza perante a camara, que depois da discussão que acaba de ter logar não posso deixar de acceitar a proposta do sr. Barjona, para que sobre este assumpto seja ouvida a commissão de legislação.

O sr. Presidente: - A discussão sobre este assumpto, está terminada. Vou, portanto, pôr á votação da camara a proposta de adiamento apresentada pelo sr. Barjona de Freitas, nos termos em que s. exa. a expõe, e que é "que seja ouvida a commissão de legislação no que respeita á divisão comarca."

Posta á votação esta proposta, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Agora vae votar-se um additamento proposto pelo sr. Quaresma, ao artigo 1.° Este additamento já foi admittido á discussão e ha de ser votado depois da votação sobre o artigo 1.°

O additamento é o seguinte:

"As freguezias de Alfarellos, Granja do Ulmeiro e Figueiró do Campo, constituem um julgado de juizo ordinario com séde em Alfarellos."

Vou pôr á votação o artigo 1.°

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - Agora vou pôr á votação o additamanto do sr. Quaresma.

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - O artigo 2.° passa a ser 3.° Vou pôl-o á votação.

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - Está extincta a ordem do dia. O parecer n.° 76 completa tres dias na proxima terça feira.

Portanto, como me parece desnecessario que haja sessão na segunda feira, darei sessão para terça feira, sendo a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 67, 76 e 77.

Devo tambem declarar que mandei ordem para a imprensa, para que o parecer sobre o orçamento fosse impresso com urgencia, a fim de poder ser ámanhã distribuido pelas casas dos dignos pares. Na terça feira, 11 do corrente, a camara resolverá quando deve ser dado para ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 8 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada, de Sabugosa; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Paraty, de Podentes, de Rio Maior, de Samodães, de Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Bivar, de Borges de Castro, de Condeixa, de S. Januario, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior, da Praia Grande; Barão de Ancede, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Pestana Martel, Braamcamp, Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Placido de Abreu, Carneiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Sequeira Pinto, Eugenio de Almeida.

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