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N.º 63

SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1883

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia. — O sr. Pereira de Miranda propõe que entre em discussão o parecer n.° 217. — A camara approva. — O sr. Francisco Costa apresenta um parecer das commissões de marinha e de fazenda. — Por proposta do sr. Palmeirim resolve a camara que opportunamente entre em discussão este parecer, dispensando-se o regimento. — Entra em discussão o parecer n.° 217 sobre o projecto de lei n.° 233. — Usam da palavra os srs. Pires de Lima, Viscondes de Moreira de Rey e de Bivar, Pereira de Miranda, e ministro das obras publicas, sendo em seguida approvado o projecto. — É tambem approvado sem discussão o parecer n.° 209 sobre o projecto de lei n.° 226.— O sr. Mexia Salema manda para a mesa o parecer sobre o projecto de lei que adjudica ás respectivas juntas de parochia os bens pertencentes ás antigas cathedraes de Leiria e Elvas, e pede se dispense a impressão para ser discutido opportunamente. — A camara assim resolve. — O sr. Visconde de Villa Maior pede que se discuta o parecer n.° 214. — A camara não approva este pedido. — Ordem do dia: Discussão do parecer n.° 193 sobre o projecto n.° 141. — Usam da palavra sobre a ordem os srs. Henrique de Macedo, Jayme Larcher, Pereira de Miranda, e Visconde de Moreira de Rey, que todos mandam para á mesa as suas moções. — Respondem-lhes os srs. ministro das obras publicas e Conde de Gouveia, relator. — Esta sessão foi prorogada por uma hora a requerimento do sr. Conde de Fonte Nova.

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes o nu-numero legal de dignos pares para a camara poder funccionar, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver, reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos srs. deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim approvar o plano da organisação do corpo de engenheiros das obras publicas.

Ás commissões de fazenda, de guerra, e das obras publicas.

(Assistiram a sessão os srs. ministros da marinha e das obras publicas.}

O sr. Visconde de Bivar: - Mando para a mesa alguns pareceres da commissão de fazenda.

Foram a imprimir.

O sr. Visconde de S. Januario: — Mando para a mesa uma representação de alguns conductores de obras publicas que reclamam contra o projecto sobre a organisação da engenheria civil, já approvado na camara dos senhores deputados.

Foi á commissão de obras publicas.

O sr. Francisco Costa: — Mando para a mesa o parecer das commissões de fazenda e de marinha sobre o projecto de lei que auctorisa o governo a conceder a Salomon Benchimol, ou á empreza ou companhia que elle formar, até 20:000 hectares de terreno na provincia de Moçambique.

Foi a imprimir.

O sr. Palmeirim: — Pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se consente que p parecer que o digno par, o sr. Francisco Costa, acaba de mandar para a mesa, seja discutido desde já e antes de ser impresso. Trata elle de um negocio importante, e que diz respeito a uma concessão de terreno na provincia de Moçambique.

O sr. Pereira de Miranda: — Pedia a v. exa. consultasse a camara sobre se quer discutir desde já o parecer n.° 217, que é da iniciativa do governo, e que tem de voltar á outra camara em consequencia de uma emenda que lhe foi feita na commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — O digno par, o sr. Palmeirim; acaba de pedir que seja consultada a camara, a fim de que entre desde já em discussão, embora não esteja impresso, o parecer que foi mandado para a mesa e que se refere a uma concessão de terreno na provincia de Moçambique, Os dignos pares- que approvam esta proposta tenham, a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Tambem o digno par o sr. Pereira de Miranda, propoz que o parecer n.° 217, que estava já dado para ordem do dia, entre desde já em discussão, attendendo ás rasões que s. exa. acaba de apr,e-sentar."0s dignos pares que approvam este pedido, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o parecer n.° 217, que a camara resolveu entrasse desde já em discussão.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

PARECER N.° 217

Senhores. — Á vossa commissão: de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 233, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim conceder aposentação aos escrivães de fazenda que se impossibilitarem physica ou moralmente para continuar no exercicio de suas funcções.

Esta medida proposta pelo governo é por sem duvida um acto de boa administração, e a vossa commissão, compenetrada das justas bases em que assentou a approvação que lhe foi dada pelo outro ramo do poder legislativo, não póde deixar de vos aconselhar identico procedimento.

O limite maximo dos encargos em que importa a referida proposta é de 10:000$000 réis, e para esta quantia contribue com somma relativamente avultada, a importancia da deducção de 5 por cento das quotas dos funccionarios que se pretende beneficiar.

A vossa commissão, porem, attendendo ás rasões que foram apresentadas pelos escrivães de fazenda de Lisboa na petição de 12 do corrente mez, e que pela camara lhe foi remettida, entende ser de justiça que a tabella dos vencimentos destes empregados seja alterada elevando os mesmos vencimentos, no caso de aposentação de 600$000 a 900$000 réis. quanto áquelles que tiverem sessenta annos de idade e trinta de serviço.

N’estes termos, é a vossa commissão, de accordo com o governo, de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° Os escrivães de fazenda que tiverem sessenta annos de idade e se inhabilitarem para continuar a servir, por impossibilidade physica ou moral devidamente com-

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provada, poderão ser aposentados nos termos e com os vencimentos constantes da tabella junta a esta lei e que d’ella faz parte. No computo do tempo para os effeitos da aposentação conta-se só o serviço prestado em qualquer repartição de fazenda.

§ unico. O encargo annual e total das aposentações de que trata esta lei não poderá exceder a 10:000$000 réis. Para satisfazer este encargo concorrerão todos os escrivães de fazenda por meio de uma deducção de 5 por cento sobre a importancia das quotas de cobrança que lhes forem abonadas, desde o principio do proximo anno economico, sendo a importancia d’essa deducção escripturada em conta especial, para ter exclusivamente a applicação determinada na presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 de junho de l883. = Barros e Sá = A. X. Palmeirim = Francisco Costa = Thomás de Carvalho = Visconde de Bivar = Gomes Lages.

Tabella dos vencimentos annuaes de aposentação para os escrivães de fazenda, a que se refere a lei d’esta data
[ver valores da tabela na imagem]
Condições de tempo de serviço para as aposentações Nas escrivanias de Lisboa Nas escrivanias do Porto, Belem, Olivaes, Villa, Nova de Gaia e capitães dos districtos Nas escrivanias da outros concelhos de l.ª ordem Nas escrivanias dos concelhos de 2.º ordem Nas escrivanias dos concelhos de 3.º ordem

Escrivães de fazenda com trinta ou mais annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos, pelo menos, nas respectivas escrivanias 900$000 600$000 500$000 400$000 300$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 500$000 500$000 400$000 300$000 200$000
Escrivães de fazenda com menos de trinta e mais de vinte annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos, pelo menos, nas respectivas escrivanias 300$000 300$000 250$000 200$000 150$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 250$000 250$000 200$000 150$000 100$000
Escrivães de fazenda com menos de vinte e mais de quinze annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos, pelo menos, nas respectivas escrivanias 200$000 200$000 166$000 138$000 100$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 166$000 166$000 133$000 100$000 66$000

Sala das sessões, 14 de junho de 1883. = Thomás de Carvalho = Francisco Costa = Visconde de Bivar = Augusto Xavier Palmeirim = Gomes Lages.

Projecto de lei n.° 233

Artigo 1.° Os escrivães de fazenda que tiverem sessenta annos de idade e se inhabilitarem para continuar a servir, por impossibilidade physica ou moral devidamente comprovada, poderão ser aposentados nos termos e com os vencimentos constantes da tabella junta a esta lei e que della faz parte. No computo do tempo para os effeitos da aposentação conta-se só o serviço prestado em qualquer repartição de fazenda.

§ unico O encargo annual e total das aposentações de que trata esta lei, não poderá exceder a 10:000$000 réis. Para satisfazer este encargo concorrerão todo os escrivães de fazenda por meio de uma deducção de 5 por cento sobre a importancia das quotas de cobrança que lhes forem abonadas, desde o principio do proximo anno economico, sendo a importancia d’essa deducção escripturado em conta especial, para ter exclusivamente a applicação determinada na presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 12 de junho de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Luiz Antonio Gonçalves de Freitas, deputado vice-secretario.

Tabella dos vencimentos annuaes de aposentação para os escrivães de fazenda, a que se refere a lei d’esta data

[ver valores da tabela na imagem]
Condições de tempo de serviço para as aposentações Nas escrivanias de Lisboa, Porto, Belem, Olivaes, Villa Nova de Gaia e capitães dos districtos Nas escrivanias dos outros concelhos de l.ª ordem Nas escrivanias dos concelhos de 2.ª ordem Nas escrivanias dos concelhos de 3.º ordem

Escrivães de fazenda com trinta ou mais annos de bom e effectivo serviço:


Escrivães de fazenda com menos de trinta e mais de vinte annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos pelo menos nas respectivas escrivanias 600$000 500$000 400$000 300$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 500$000 400$000 300$000 200$000
Escrivães de fazenda com menos de trinta e mais de vinte annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos pelo menos nas respectivas escrivanias 300$000 250$000 200$000 150$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 250$000 200$000 150$000 100$000
Escrivães de fazenda com menos de vinte e mais de quinze annos de bom e effectivo serviço:
Sendo cinco annos pelos menos nas respectivas escrivanias 200$000 166$000 133$000 100$000
Não chegando a cinco annos nas respectivas escrivanias 166$000 133$000 100$000 66$000

Palacio das côrtes, em 12 de junho de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Luiz Antonio Gonçalves de Freitas, deputado vice-secretario.

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O sr. Presidente: — Está em discussão.

O sr. Pires de Lima: — Pedi a palavra, porque desejo algumas informações a respeito d’este projecto. Desejo saber se da sua approvação resulta algum encargo para o thesouro é a quanto montará. Tenho duvidas a este respeito, porque o § unico diz o seguinte:

(Léu.)

Creio que 10:000$000 réis são applicados para este fim, e para fazer face a esta despeza se recorre á deducção das quotas aos escrivães de fazenda. Pergunto eu, se esta deducção não for suficiente para perfazer a somma de réis 10:000$000, ter-se-ha de recorrer ao thesouro publico?

Desejo ser informado a este respeito.

Agora permitia v. exa. que lamente, que este projecto venha- tão incompleto, pois1 não vejo aqui disposição alguma á respeito dos recebedores de fazenda, cuja responsabilidade é gravissima, e cujo futuro não está garantido.

Eu desejaria que no caso d’esta providencia ser util e justa ella se ampliasse tambem a estes funccionarios.

Não ouso fazer uma proposta n’este sentido, porque na altura em que está a sessão legislativa era prejudicar o seu andamento.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - (S. exa. não reviu) — Pedi a palavra unicamente para responder á pergunta que acaba de formular o digno par o sr. Pires de Lima.

S. exa. deseja saber se n’este projecto a, importancia de deducção de 5 por cento das quotas aos escrivães de fazenda, compensa o augmento de despeza que resulta d’este projecto.

Tenho a responder ao digno par, que a deducção de que trata o projecto, dá em resultado approximadamente 7:000$000 réis, e que o encargo proveniente das aposentações, nunca será superior a 10:000$QOO réis. Por consequencia a differença entre os 7:000$000 réis de deducção das quotas dos escrivães de fazenda, e o maximo da despeza, a que se refere Q § unico do artigo 1.° deste projecto é de 2:000$000 réis a 3:000$000 réis.

Ora crescendo a receita, as quotas augmentarão necessariamente, e talvez em curto praso a deducção chegue, para. satisfazer a despeza. relativa ás aposentações.

É está a resposta que tenho a dar ao digno par.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Votou contra o projecto em discussão, lastimando a par d’isso que só n’aquella altura tivesse vindo á camara. E esclarecendo melhor o que pretendia dizer, em consequencia de uma reflexão que o sr. presidente da camara lhe fizera, observou que não procedia a sua lastima de ter resolvido a camara, que esse projecto viesse á discussão, mas por elle só ter vindo, quando estava prestes a encerrasse a, actual sessão legislativa, sendo aliás assumpta que requeria detida meditação..

Em seguida notou que em tempo eram importunados os membros de ambas as casas do parlamento com successivas rogativas de empregos; agora succedia peior: todos os funccionarios molestavam-n’os com incessantes pedidos de reforma. Que para obviar ás despezas occasionadas por este facto, não haveria orçamento, nem força tributaria possiveis, a não ser que um fortuito milagre ou á conquista em paizes- estranhos viessem deparar-nos os precisos recursos.

Era, pois, opinião sua dever revogar-se a facilidade nas aposentações, e para que as indispensaveis se realisassem, procurar meios permanentes na deducção dos vencimentos dos mesmos- empregados, deducção que n’esse intuito convergiria para uma caixa commum.

Mais: se hoje vinham os escrivães de fazenda, se já tinham vindo tambem os directores do correio e se o sr. Pereira de Miranda lembrava que igualmente viessem os recebedores de concelho, melhor fôra de uma vez tornar a reforma extensiva a todos os funccionarios publicos.

D’estes, comtudo, os que reputava com menos direito a ella, eram precisamente os escrivães de fazenda.

(A seu tempo se publicarão os discursos de s. exa.)

O sr. Pires de Lima: — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente porque desejo que o meu pensamento a este respeito fique bem claro, visto que não quero a responsabilidade de opiniões que não tenho.

Não vim aqui pedir a aposentação para os recebedores. . O que disse apenas, é que, se a providencia estabelecida neste projecto era justa, entendia que se devia applicar tambem a outros empregados, e que se se fazia este beneficio aos escrivães de fazenda, se fizesse tambem aos recebedores, cuja responsabilidade é maior.

Foi isto que eu disse.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Bivar: — Sr. presidente, eu pedia aos dignos pares, que discutiram o projecto que tivessem a bondade de ler os documentos que o acompanham.

Estou persuadido de que d’essa leitura haviam de conhecer as rasões porque este projecto se apresentou.

É talvez o primeiro projecto sobre aposentações em que os proprios interessados contribuem com a somma necessaria para as suas aposentações, porque é principalmente de uma deducção de 5 por cento das quotas que são abonadas aos escrivães de fazenda que se tira a quantia necessaria para a despeza proveniente d’este projecto.

O unico encargo que o projecto póde trazer para o thesouro será de 2:000$000 a 3:000$000 réis.

Por consequencia, são os primeiros empregados, que serão aposentados, sem que o beneficio que se lhes concede traga, a bem dizer, encargo para o estado, tão diminuta é a despeza.

As verbas das aposentações estão marcadas no projecto: e, se é certo, como ouvi num aparte, que alguns fazem 2:000$000, 3:000$000 e 4:000$000 réis é certo tambem que o maximo das aposentações são 600$000 réis e o minimo 30 e tantos mil réis.

N’estes termos, sr. presidente, parece-me ter dito o bastante para demonstrar que a commissão approvando este projecto, não praticou um acto que lhe possa ficar mal; e approvou uma medida, que me parece de boa administração, porque estes funccionarios no fim da sua vida, não haviam de ser votados ao abandono, e por consequencia é justo que se lhes dê como aposentação um ordenado com que elles possam viver: e assim se evitará que estejam fazendo serviço, que não póde ser bom, homens de avançada idade, e que já não podem trabalhar, como devem e convem ao serviço publico.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Pereira de Miranda: — Eu voto o projecto em discussão, porque o não considero como um favor feito aos funccionarios, mas como uma conveniencia para o serviço. Confesso, que estimei ouvir as considerações, que acabou de fazer o. sr. visconde de Moreira de Rey; porque tenho a certeza de que mais tarde, quando o partido progressista for ao poder, se for, póde contar com o voto de s. exa., quando apresentar um projecto, tratando das reformas dos empregados publicos.

Sr. presidente, como eu dizia este projecto vem remediar um grave inconveniente no serviço que fazem os escrivaes de fazenda, que estão precisando de ser substituidos por outros: era necessario fazer esta substituição de modo que sem prejudicar o thesouro não fiquem aquelles empregados sem meios de subsistencia; o projecto até certo ponto satisfaz; eu preferiria de certo uma reorganisação mais completa e cabal, no serviço das repartições de fazenda; mas depois das declarações do governo e desde que o projecto significa um melhoramento de um serviço publico, eu voto por elle. (S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Em resposta ao sr. visconde de Bivar, relator da commissão de fazenda,

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disse que o § unico do artigo l,° significava diametralmente o opposto do que lhe acabava de ouvir, salvo se era licito presumir-se de si proprio que já não sabia ler, ou tolerado que se forçasse a significação das palavras e o diccionario da lingua portugueza, ainda alem do que estava costumado a ver, principalmente na legislação do nosso paia. E se pois., a idéa do relator não era a que elle mesmo traduzira por escripto, então pedia se declarasse, com toda a precisão, que o thesouro só era obrigado a concorrer annualmente ao fim proposto com a quantia necessaria até completar 10:000$000 réis, a cima d’aquella com a qual os escrivães tivessem concorrido.

Passou em seguida a felicitar o sr. Pereira de Miranda, não pela prioridade, senão pela descoberta de um projecto identico ao que se discutia, attribuido vangloriosamente pelo sr. Pereira de Miranda ao ministerio progressista. Porém, sentia dizer-lhe que antes da epocha por s. exa. assignalada para a sua descoberta, a saber, onze annos antes de 1880, já elle, orador, tinha submettido essa mesma medida á apreciação da outra camara. Mas se não conhecia a do ministerio progressista e pouco se lembrava da sua, não obstante tinha a certeza de que esta era melhor do que aquella. Se porém da leitura das duas resultasse igualdade para ambas, n’esse caso pedia a côrtezia que se congratulasse com o partido progressista, por lhe haver perfilhado uma idéa sua, a que realmente tinha amor, embora lhe clamasse a brados a consciencia que melhor fora engeitar a honra de tão nobre mãe.

Todavia compromettia-se a votar um projecto identico a qualquer ministerio progressista, justamente por ignorar se era possivel tornar a haver mais algum neste paiz. (Riso.)

Insistiu então em que não hesitaria em votar qualquer projecto a nenhum governo, sendo util, pois não costumava regular-se pelas corporações politicas de uma dada situação, mas tão sómente pela sua consciencia.

No entanto, com referencia ao projecto que se discutia, devia a commissão estudar convenientemente e reduzir a principios genericos este assumpto, de modo que os empregados fossem obrigados a concorrer para a caixa das aposentações, e só como acto transitorio devesse o thesouro contribuir para isso, alem de que em vez de se reformarem empregados novos e válidos, conviria muito que no intervallo cãs sessões se formulasse um projecto de lei ácerca das condições em que o deviam ser.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae votar-se o projecto.

Posto á votação foi approvado tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer a.° 209.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PARECER N.° 209

Senhores. — A vossa commissão de marinha foi presente o projecto de lei n.° 22, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim approvar a proposta do governo n.° 12-A, para ser aberto um credito de 342:000$000 réis no ministerio da fazenda a favor do da marinha, no anno economico de 1883-1884, para as seguintes construcções:

Metade do custo de uma corveta e duas canhoneiras............... 250:000$000

Um rebocador para o arsenal da marinha.......................... 30:000$000

Artilheria para os navios de guerra e reparação da ponte da cábrea e obras do mesmo arsenal. ................................................... 62:000$000
342:000$000

A commissão, depois de ouvir o governo, e bem informada;

Lamentando que as construcções maritimas, em presença da exiguidade do orçamento do estado, não se possam determinar em maior escala para o desenvolvimento colonial e para serem protegidos e respeitados os subditos e interesses portuguezes nos diversos portos do globo, como o exige a honra nacional; reconhece, comtudo, que é indispensavel para o serviço ordinario satisfazer a verba pedida pelo governo, até que melhores orçamentos e um futuro mais prospero auctorisem construcções maritimas em maior escala; e por isso tem a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É aberto um credito extraordinario no ministerio da fazenda, a favor do da marinha e ultramar, da somma de 342:000$000 réis, applicavel a pagar no futuro anno economico:

1.° Por metade do custo de uma corveta e duas canhoneiras, para a armada nacional, construidas no estrangeiro, 250:000$000 réis;

2.° Por acquisição de um rebocador para o arsenal da marinha, 30:000$000 réis;

3.° Por compra de artilheria para os navios da armada, reparação da ponte da cabrea e obras do arsenal da marinha, 62:000$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer desta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 11 de maio de 1883.= Visconde de Soares Franco = Francisco Costa = Visconde de S. Januario = Marino João Franzini = Visconde de Arriaga, relator.

A commissão de fazenda não tem objecção alguma que oppor ao projecto n.° 226, que considera digno de approvação.

Sala da commissão, 11 de junho de 1883. = Carros e Sá = Francisco Costa = Visconde de Bivar = Thomás de Carvalho.

Projecto de lei n.° 226

Artigo 1.° É aberto um credito extraordinario no ministerio da fazenda, a favor do da marinha e ultramar, da somma de 342:000$000 réis, applicavel a pagar no futuro anno economico:

1.° Por metade do custo de uma corveta e de duas canhoneiras, para a armada nacional, construidas no estrangeiro, 200:000$000 réis;

2.° Por acquisição de um rebocador para o arsenal da marinha, 30:000$000 réis;

3.° Por compra de artilheria para os navios da armada, reparação da ponte da cábrea e obras do arsenal da marinha, 62:000$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer desta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 8 de junho de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

Entrando em discussão, como nenhum digno par pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado na generalidade e na especialidade.

O sr. Mexia Salema: — Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios ecclesiasticos sobre o projecto de lei que tem por fim adjudicar ás respectivas juntas de parochia para satisfação dos encargos do culto e conservação das igrejas matrizes os bens mobiliarios e immobiliarios pertencentes ás fabricas das extinctas cathedraes de Leiria e Eivas.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja dispensado o regimento para deixar de ser impresso e entrar na ordem do dia de hoje ou de ámanhã.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Visconde de Villa Maior: — Peço a v. exa.

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que consulte a camara sobre se permitte que entre desde já em discussão o parecem n.º 214.

O sr. Presidente: — Devo observar que a camara resolveu que a ordem do dia começasse pelos pareceres, que o governo julgue de necessidade urgente. A camara, porém, votará agora como entender, porque é soberana na decisão d’estas questões.

O sr. visconde de Villa Maior pediu que entrasse desde já em discussão o parecer n.° 214. Os dignos pares que são d’essa opinião, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 193. É o seguinte:

PARECER N.° 193

Senhores. — Foi presente ás vossas commissões reunidas de fazenda, marinha e obras publicas que o examinaram como lhes cumpria, o projecto de lei n.° 204 vindo da camara, dos senhores deputados, relativo á construcção de um porto de abrigo no recinto denominado das pedras de Leixões em frente de Leça da Palmeira e Matosinhos, proximo á cidade do Porto.

Inutil parece ás vossas commissões enumerar-vos as vantagens resultantes da construcção de um porto de abrigo ao norte do paiz, junto da segunda cidade do reino, que permitia a entrada livre e desembaraçada mesmo a navios de forte catadura, em todas as estações do anno, que lhes offereça um ancoradouro facil e seguro, e attráhia á si muitas embarcações que hoje demandam outros portos, embora mais distantes, por não encontrarem na costa norte de Portugal porto seguro onde entrem e estacionem, e isto com grave prejuizo do commercio e riqueza nacionaes.

Ninguem ignora o mau estado da barra do Douro, todos mais ou menos conhecem as difficuldades com que lucta, os perigos a que se expõe qualquer navio na entrada daquelle porto, e por isso facil é de calcular quanto soffre o commercio da cidade do Porto e das provincias do norte, que têem de pagar fretes caros e seguros muito fortes pelos productos que recebe ou expede. A entrada da barra do Douro, sempre difficil e perigosa, torna-se muitas vezes impossivel pela agitação frequente do mar junto á costa ou pela corrente impetuosa do rio, ou por ambas estas causas reunidas, impedindo assim a entrada ou saída de qualquer embarcação durante periodos de tempo mais ou menos longos.

De ha muito conhecidas as péssimas condições d’aquella barra, algumas obras se teem feito no sentido de a melhorar, colhendo-se bons resultados dos trabalhos até hoje executados; isto, porém, não basta, porque, apesar de tudo, as dificuldades e perigos, embora menores, continuam a subsistir e, não tendo desapparecido nem sendo possivel fazer desapparecer as causas que apontâmos, continua por vezes a estar vedada aos navios a entrada ou saída por aquella barra.

Por isso têem os governos mandado estudar repetidas vezes por engenheiros distinctos e muito competentes qual o systema de obras mais adequado para dotar a segunda cidade do reino e as provincias do norte com um porto de mar em condições de corresponder ao movimento commercial sempre crescente d’aquelle grande centro de actividade.

O assumpto tem sido maduramente estudado por pessoas da maior competencia, e, em vista dos alvitres apresentados, dos estudos feitos e das opiniões colhidas resolveu o governo submetter á approvação do parlamento o projecto de lei n.° 204, que foi já approvado pela camara dos senhores deputados, e que tem por fim auctorisar o governo a mandar construir um porto de abrigo no recinto formado pelas pedras de Leixões em frente de Leça da Palmeira e Matosinhos, seguindo na execução das obras e com pequenas modificações o projecto do engenheiro inglez sir John Cood, que mereceu o apoio das estações technicas competentes junto ao ministerio das obras publicas. Não póde, porém, obter-se rapidamente a construcção d’este importante melhoramento, e emquanto se não consegue é conveniente não descontinuar com as obras necessarias para melhorar e preparar o actuai porto de estacionamento e ancoradouro dos navios, de modo que elles tenham as commodidade se segurança necessarias. O presente projecto de lei habilita tambem o governo à continuar com esses indispensaveis trabalhos.

Differentes estudos se têem feito para melhorar o porto de Lisboa, que, apesar das vantagens naturaes que offerece aos navios de maiores dimensões, não tem as commodidades necessarias que a natureza não dá e só a arte realisa, tendentes a facilitar a baldeação das mercadorias, limpeza de navios e segurança e abrigo de pequenas embarcações, etc. São, porem, ainda estes estudos muito dificientes e não habilitam a julgar com segurança do que mais convem fazer. Unia commissão está nomeada para se occupar d’este importante assumpto, e logo que ella dê o seu parecer e depois de ouvida a estação technica competente junto ao ministerio das obras publicas, o governo conta apresentar ao parlamento um projecto de lei relativo aos melhoramentos a effectuar no porto de Lisboa. Por não existir neste porto estabelecimento adequado para visita e reparação de avarias nas embarcações de forte lotação, vêem-se estas obrigadas a demandar para esse. fim portos estrangeiros com desvantagem propria e prejuizo para o commercio da capital

Para desde já prover de remedio este mal pede tambem o governo auctorisação para auxiliar a acquisição do uma doca fluctuante ou a fundação de um estabelecimento marginal do Tejo, em condições que ás vossas commissões parecem acceitaveis.

Para realisar, porém, estes tão grandes melhoramentos materiaes que hão de indubitavelmente de futuro fomentar consideravelmente a riqueza publica, indispensavel se torna desde já o dispendio de sommas importantes que não seria prudente distrahir da receita ordinaria do estado.

Por isso, a par da auctorisação para realisar os melhoramentos indicados, propõe o governo um meio de receita que parece ás vossas commissões o mais adequado para occorrer ás despezas a fazer com esses melhoramentos.

Para não difficultar a .exportação que, quanto ser possa, nos devemos esforçar por augmentar e desenvolver, propõe o governo, e as vossas commissões acham justo, o lançamento de um imposto especial ad valorem sobre as mercadorias importadas dos paizes estrangeiros ou das provincias ultramarinas, supprimindo-se ao mesmo tempo os impostos; sobre a exportação e importação que por differentes leis têem sido especialmente destinados ás obras dos portos e barras de Aveiro, Figueira da Foz, Villa Nova de Portimão, Vianna do Castello, Ponta Delgada, Horta e Espozende, continuando a executar-se os trabalho s, principiados n’estes differentes portos.

Facilitar quanto possivel os meios de communicação, é contribuir da maneira a mais efficaz para o desenvolvimento e progresso da riqueza publica. E se a construcção de uma estrada, de um caminho de ferro ou de um canal, se não considera unicamente vantajosa para a região que atravessa, mas sim util para todo o paiz, nas mesmas circumstancias se encontram as obras a fazer para melhorar as condições da navigabilidade de um rio ou para facilitar o accesso, estacionamento, carga, descarga, etc., n’um porto de mar. Por isso o imposto ad valorem sobre a importação é extensivo a todos os portos molhados e seccos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Attendendo pois, ás considerações que deixâmos expostas, são as vossas commissões de fazenda, marinha e obras publicas de parecer que deve ser approvado o referido projecto de lei,

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Sala das commissões, 19 de maio de 1883. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Placido de Abreu = Francisco Costa = José Baptista de Andrade = Visconde da Azarujinha = A. Telles de Vasconcellos = Barros e Sá = Marina João Franzini (com declarações) = Jayme Larcher (vencido em parte) = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde, de S. Januario = Visconde de Bivar = Visconde de Soares Franco = Gomem Lages = Francisco Simões Margiochi = Conde de Gouveia, relator.

Projecto de lei n.º 141

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

1.° A adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, e segundo as bases que formam parte integrante d’esta lei, a construcção de um porto artificial de abrigo dentro do perimetro das pedras denominadas Leixões, em frente de Leça e Matosinhos;

2.° A executar, nos termos do § 6.°, as obras que mais promptamente possam contribuir para facilitar a entrada pela barra do rio Douro e para melhorar as condições de navegação d’este rio, podendo para esse fim. empregar os serviços de dragagem;

3.° A auxiliam a acquisição de uma doca fluctuante, ou a fundação de um estabelecimento marginal de Tejo, para limpeza e Reparações das embarcações de maior lotação no commercio, que demandarem o porto de Lisboa, concedendo, por espaço do quinze annos, á empreza que para isso se organisar, e a que em concurso se fizer a respectiva adjudicação, uma subvenção annual não excedente a réis 40:000$000, levando-se á conta d’essa subvenção o que o estado annualmente pagar pela limpeza e reparação dos seus navios, segundo a tabella que se estabelecer.

O governo proseguirá nos estudos a que mandou proceder, quanto á construcção de um canal entre o porto artificial de Leixões e o rio Douro, e concluidos que sejam, proporá ás côrtes as providencias legislativas que esses estudos aconselharem.

§ 1.° O governo levantará os fundos necessarios para a construcção do porto artificial de Leixões, emittindo obrigações do typo de 5 por cento amortisaveis em cincoenta annos, não podendo o encargo annual que para o thesouro resultar d’esta operação exceder a 7 por cento sobre o capital realisado, comprehendendo juros e amortisação.

§ 2.° O governo proporá opportunamente ás côrtes as taxas e tabellas de direitos a que ficarão sujeitas as embarcações que derem entrada no porto artificial.

§ 3.° Para occorrer ao pagamento dos encargos annuaes provenientes da, construcção do porto de Leixões e da subvenção auctorisada no n.° 3.° deste artigo e para substituir os impostos especiaes da importação e exportação mencionados no § 5.°, é o governo auctorisado a applicar o producto dos direitos a que se refere o paragrapho antecedente e a lançar um imposto especial ad valorem até 1 por cento, sobre as mercadorias importadas de paizes estrangeiros ou das provincias ultramarinas por todos os portos molhados e seccos do continente do reino e ilhas adjacentes, exceptuando-se o tabaco, carvão de pedra, coke e metaes preciosos amoedados ou em barra.

§ 4.° O imposto especial ad valorem de que trata o paragrapho antecedente começará a cobrar-se logo que se emprehendam es trabalhos de construcção do porto de Leixões e poderá elevar-se até 2 por cento quando, alem das obras de que trata o n.° 3.° do artigo 1.°, se emprehenderem outras obras e melhoramentos do porto de Lisboa, para cuja execução o governo pedirá ao parlamento a necessaria auctorisação legislativa, logo que para isso estiver devidamente habilitado com o parecer da commissão nomeada em portaria de 17 de março do corrente anno e com o das competentes estações technicas. A percentagem deste imposto não excederá em cada anno a que se deva presumir necessaria, para que o seu producto calculado sobre a media dos valores das mercadorias não exceptuadas, que nos tres annos precedentes se haja importado, corresponda á importancia dos encargos que n’esse anno houver a satisfazer, e mais o equivalente da receita que actualmente é produzida pelos impostos especiaes de importação e exportação, designados no paragrapho seguinte.

§ 5.° Desde que se cobre o imposto especial ad valorem estabelecido por esta lei, ficarão supprimidos os impostos sobre importação e exportação, que por differentes leis teem sido especialmente destinados ás obras dos portos e barras de Aveiro, Figueira da Foz, Villa Nova de Portimão, Vianna do Castello, Ponta Delgada, Horta e Espozende, ficando em vigor e com applicação a esses portos todos os demais direitos e impostos estabelecidos n’essas leis.

§ 6.° O producto do imposto especial, que ao presente se cobra para as obras da barra do Douro, subsistirá com exclusiva applicação ás despezas resultantes da auctorisação . concedida pelo n.° 2.° d’este artigo, podendo o governo levantar os fundos necessarios para mais promptamente occorrer a essas despezas, comtanto que o encargo annual que d’ahi provier, comprehendendo juro e amortisação, não exceda a media do producto d’aquelle imposto nos ultimos tres annos.

§ 7.° O governo, ouvindo a associação commercial de Lisboa, formulará o programma do concurso para a concessão a que se refere o n.° 3.° d’este artigo, fixando-se ahi as condições a que deve satisfazer a doca fluctuante ou o estabelecimento marginal de reparação e as respectivas tabellas de preços, versando a licitação sobre a subvenção annual que o estado terá a pagar.

§ 80° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d’esta lei, e dará annualmente conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 12 de maio de 1883.= João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

Bases da auctorisação concedida ao governo para a construcção do porto artificial de Leixões

1.ª

As obras do porto artificial de Leixões serão adjudicadas em uma só empreitada geral.

2.ª

O programma do concurso para essa empreitada será formulado em harmonia com o projecto do engenheiro sir John Cood, acceito pela junta consultiva de obras publicas e minas, com as modificações que forem julgadas convenientes, e tendo-se em vista a construcção de um porto propriamente de abrigo.

3.ª

No programma do concurso se designará o systema da construcção que de preferencia se deva adoptar. No decurso dos trabalhos poderá o governo determinar as modificações que a experiencia aconselhar, ouvidas as estações competentes.

4.ª

A licitação versará sobre o custo da construcção, que não poderá exceder a 4.500:000$000 réis.

5.ª

Nenhum licitante será admittido a concurso:

1.° Sem que tenha previamente depositado na caixa gerai de depositos, e á ordem do governo, uma quantia igual a 2 por cento do custo orçamental das obras, que servir de base á licitação em dinheiro ou em titulos de divida publica, pelo seu valor no mercado;

2.° Sem que prove, por certificado authentico, ter já executado trabalhos de natureza e importancia similhantes

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aos das obras projectadas, e tel-os concluido com perfeição e solidez.

6.ª

O governo não é obrigado a fazer a adjudicação quando entender que a proposta mais vantajosa ainda é prejudicial aos interesses publicos, e n’esse caso abrirá novo concurso por noventa dias, e com as mesmas condições do precedente.

Se ainda forem reputadas. desvantajosas as propostas apresentadas n’este novo concurso, o governo poderá mandar executar as obras por administração.

7.ª

O deposito definitivo na adjudicação das obras será de 5 por cento do valor contratado, em dinheiro ou em fundos publicos, pelo seu valor no mercado. Se o deposito for em titulos de divida publica, poderá o adjudicatario receber os juros correspondentes; se for em dinheiro abonar-se-ha ao depositante juro igual ao que vencerem os depositos obrigatorios na caixa geral de depositos.

8.ª

O praso da construcção não excederá a oito annos, devendo os respectivos trabalhos começar dentro de seis mezes, a coutar da data da assignatura do contrato da empreitada.

9.ª

Se a empreza adjudicataria não começar os trabalhos da construcção dentro do praso acima determinado, perderá o deposito que houver effectuado.

10.ª

Se no praso fixado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, pagará a empreza pela mora de cada mez uma multa não excedente a 8:000$000 réis, sendo a sua importancia fixada pelo governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos e a junta consultiva de obras publicas e minas.

Exceptuam-se os casos de força maior devidamente comprovados.

ll.ª

Os pagamentos e todos os direitos e obrigações, tanto do estado como dos emprezarios ou empreiteiros, serão regulados pelas clausulas e condições geraes dos contratos de empreitadas, salvas as modificações que o governo julgar convenientes, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas, em attenção á grandeza e especialidade das obras a executar, encontrando-se todavia a importancia do deposito definitivo nos decimos retidos, de fórma que a caução em poder dó estado não seja nunca superior á decima parte do preço total da adjudicação, nem inferior á importancia do deposito definitivo.

O deposito definitivo, bem como os decimos effectivamente deduzidos aos emprezarios ou empreiteiros, ficarão retidos por tres annos depois dás obras serem recebidas pelo governo, servindo de caução e garantia á boa execução dellas, e no caso de sé manifestar prejuizo ou ruina causada por via dá construcção devidamente reconhecida por peritos, terá o governo direito a mandar proceder ás necessarias reparações, pagando o custo d’ellas pela importancia daquelle deposito e dos decimos retidos.

12.ª

Serão isentos do pagamento de direitos de importação os materiaes destinados á construcção, que como taes forem especificados no programma do concurso, devendo ahi fixar-se as quantias em que possam ser importados livres de direitos, e tendo em attenção os materiaes que no paiz possam ser fabricados em rascaveis condições.

Palacio das côrtes, em 12 de maio de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

(Varios dignos pares pedem a palavra.)

É preciso estabelecer uma certa ordem, e peço aos dignos pares que declarem se são a favor ou contra o projecto.

O sr. Henrique de Macedo: — Eu não sou contra nem a favor do projecto. Concordo com a idéa fundamental que o determinou, mas preciso justificar a moção, que tenho de mandar para a mesa e que tem por fim modificar algumas das partes principaes do mesmo projecto.

(Varios dignos pares reclamam a palavra.)

O sr. Presidente: — Não posso dar a palavra a todos ao mesmo tempo.

O sr. Pereira de Miranda: — Peço a palavra sobre a materia e para uma questão previa.

O sr. Presidente: — Chamo á attenção da camara. O digno par que pediu primeiro a palavra, foi o sr. Henrique de Macedo, e pediu-a sobre a ordem. Estão tambem inscriptos: sobre a ordem o sr. Jayme Larcher; sobre a materia os srs. Franzini, conde de Castro e conde de Rio Maior, e o sr. Pereira de Miranda. Dou, pois, á palavra ao sr. Henrique de Macedo.

O sr. Pereira de Miranda: — Peço a palavra para um requerimento;

O sr. Henrique de Macedo: — O meu collega, d sr. Pereira de Miranda, pediu a palavra para um requerimento. Apesar de v. exa. haver-m’a concedido, parecia-me conveniente - permittir que ò meu illustre amigo apresentasse o seu requerimento, que naturalmente é feito com o desejo de anteceder com algumas considerações, de certo resumidas, o resto da discussão, e eu fallarei em seguida.

O sr. Presidente: — Não posso acceder aos desejos do digno par sem uma votação da camara.

O sr. Henrique de Macedo: — Estou convencido de que os dignos pares inscriptos não se oppõem á minha indicação.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu concordo.

O sr. Pereira de Miranda: — Eu termino a questão desistindo da palavra para um requerimento e pedindo a v. exa. que me inscreva para apresentar uma questão previa.

O sr. Henrique de Macedo (sobre a ordem): — Lamentou que o sr. presidente do conselho não estivesse presente, pois que alem de ser aquella a ultima das actuaes sessões legislativa e de notavel importancia o projecto em discussão, poderia alguem lembrar-se de ventilar accidentalmente a questão politica, embora o versal-a por ora não aprouvesse ao partido progressista.

Depois, referindo-se áquelle projecto, escusou-se de não ter começado por ler primeiro uma sua moção de ordem, attento urgir-lhe antecedel-a de algumas considerações politicas, por emfim se terem quebrado os frageis vinculos, que sustinham a opposição, na sua attitude benevolente para com o governo, mas cautelosa e vigilante.

Em virtude, porém, de factos recentes, entendêra ella dever alterar a lenidade do seu proceder.

E, de entre elles, como o de maior peso, mencionou o parecer ácerca da reforma eleitoral, apresentado já na outra casa do parlamento, averbando este caso de repto audacioso a todos os homens liberaes do paiz.

Que sobre ser um erro, fôra ainda um crime politico aventurar-se o governo ao projecto de tal reforma e a leval-a a feliz termo, sem previamente concertar a esse fim com qualquer outro partido politico, acolhido sob a mesma bandeira da monarchia liberal.

Todavia, que não obstante, o sr. presidente do conselho fôra d’isso delinquente, e só tarde buscára reparar o mal,

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por meio do negociações com os varios grupos da opposição parlamentar, maiormente com o partido progressista, o qual, sob a forma de um projecto de lei, manifestára a sua opinião.

Rotas infelizmente as negociações, por dizerem reclamar-se em demasia do governo, se retrahira este ao seu projecto primitivo, que era a maior antithese da genuina expressão do suffragio nacional, e motivo a que surgindo a opposição da, sua pacifica expectativa, desde já franca e resolutamente arremettesse contra o governo.

A fóra este facto politico, outros ainda citou de ordem administrativa, os quaes, por já muito discutidos, apenas e de passagem substanciou, roborando à condemnação d’elles com a memoria do que tão persuasiva, quanto justamente haviam dito os seus amigos, os srs. conde de Vai bom e Mendonça Cortez, isto é, que as receitas publicas decresciam sobremodo.

D’esta, a seu ver, incontestavel verdade, uma dupla consequencia se deduzia: a confirmação absoluta do que disseram aquelles que se oppunham aos impeditivos expedientes financeiros, suggeridos o anno anterior pelo sr. presidente do conselho; e a demonstração patente de um symptoma, qual o de haver entrado o paiz na primeira phase de uma crise economica importante.

Attribuiu promiscuamente ao sr. presidente do conselho e á conversão que para fóra do paiz levara grande quantidade de numerario, a causa principal de tamanha calamidade; e, secundariamente, á paralysação das obras publicas, e a um acto do seu respectivo ministro, de cuja gravidade já fôra convidado a illibar-se na outra casa do parlamento, sem que por ora o tivesse feito.

Quanto ao sr. presidente do conselho, esse respondia ás recriminações dos srs. conde de Valbom e Mendonça Cortez, apenas com o regulamento de contabilidade., para justificar a má organisação do orçamento; e com o invento de um barómetro seu, para nos convencer de que a receita do estado só decrescêra no ultimo e decorrido mez, como se a fim de apreciar a situação financeira se devesse invocar tal regulamento ou se ignorássemos que a divida fluctuante se avoluma ou diminue, num dado momento, a talante do ministro da fazenda.

Em abono d’este acerto allegou o facto de nas ultimas contas encontrar-se como despeza do ministerio da guerra, em dez mezes, uma quantia inferior aos soldos e prets.

Quem, pois, em vista d’estas adulterações, ousaria sentenciar sobre se a escripturação se fizera para desvendar eu mascarar a verdade?

Quem não hesitaria, em presença d’ellas, ácerca da existencia ou preexistencia de um poder pessoal, consoante o diziam os jornaes e melhor alguem o insinuara n’aquella casa?

(Aqui, o sr. presidente da camara advertiu-lhe que sem ofensa do regimento, não lhe era licito pronunciar taes palavras.)

Protestou o orador, que sem embargo da liberdade de fallar, o faria de modo a que sempre se mantivesse nos limites do regimento; e para reatar o fio do que tinha interrompido, acrescentou que não se referia tão sómente ao sr. presidente do conselho, mas tambem a um cano dado na outra camara e conceituado pela imprensa de embuscada parlamentar.

De novo o sr. presidente da camara tentou admoestar o orador; mas este atalhou-o logo, com observar-lhe que apenas repetia o que a imprensa dissera, ao que aquelle replicou, que tal proceder não era parlamentar, treplicando-lhe o seu interlocutor com a mesma insistencia, a qual reputava de valiosa importancia para a sua argumentação.

E, assim, rememorou o haver-se ali mesmo insinuado a responsabilidade que adviria á corôa da politica do gabinete, a cujo proposito, respondendo na véspera o sr. presidente do conselho, apenas dissera que se abstinha de tratar a questão politica, limitando-se a breves termos quanto á financeira.

Então encareceu sobremaneira a propria magua, pela indiscripção com que o dito sr. presidente, ainda que involuntariamente, ía por este meio dar margem a que se confirmasse em animos malevolentes o titulo de valido, com que a imprensa o cognominara.

Nova interrupção, mas provinda agora de um grande e quasi geral susurro, após o qual, o sr. Henrique de Macedo, porfiou em sustentar que não garantia a verdade do que se dizia, e antes de si para comsigo ajuisava de modo opposto, se bem o sr. presidente do conselho se houvesse de maneira a contrastar-lh’o.

N0’este sentido é que os dignos pares deviam interpretar as suas palavras, e não pretender deturpar-lhes a intenção por via de interrupções, talvez habeis, mas de certo improficuas.

Que, pois, ao sr. presidente, como causa originaria do mal, e a mais ninguem, é que se dirigia.

Incidindo, por fim, na apreciação do projecto que se discutia, conformou-se com elle na sua essencia, ainda que de alguns dos seus accidentes não pouco discrepava, taes como a exiguidade da verba para obras, aggravada com a circumstancia de que sendo maximas, se propunham dal-as de empreitada, como se costuma fazer com as relativamente minimas; e o imposto que deveria fundir o necessario para a sua construcção, já de si tambem aggravado pela duplicação da taxa complementar, pelo addicional de 6 por cento e pelo augmento dos direitos de importação, sendo que tanto este como os demais projectos do governo só tendiam a diminuir a receita do estado e a multiplicar a divida publica.

Que ía, portanto, contrapor-lhe uma substituição com que se grangearia mais vantajosa receita e de origem diversa daquella a que se atinha a do sr. ministro das obras publicas.

Leu depois o projecto de 1880, concernente ao mesmo assumpto, bem como o respectivo parecer da commissão de fazenda, o que tudo se resumia em que a verba de réis 720:000$000 para estradas, accumulada e capitalisada em cinco annos, daria o preciso, não só para as obras da barra do Porto, como tambem para as de Lisboa, e podendo começar-se desde já e simultaneamente esses trabalhos, que por serem realmente urgentes lhes não era adverso.

(Publicar-se-na na integra o discurso do orador, se por acaso nol-o devolver.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o projecto volte ás commissões do obras publicas e fazenda, para que estas o refundam e remodelem sobre as seguintes bases:

1.° Suppressão dos §§ 3.°, 4.° e 5.° do proje-cto;

2.° Incorporação no projecto de todas as disposições do projecto de lei approvado na camara dos senhores deputados na sessão legislativa ordinaria de 1880, sob o n.° 124;

3.° Imputação da despeza a fazer com as obras mencionadas no projecto nos primeiros quatro annos da sua construcção, á verba de 720:000$000 réis, destinados annualmente no orçamento da despeza á construcção e grande reparação de estradas reaes.

Sala das sessões, em 15 de junho de 1883.=J?. de Macedo.

Foi admittida e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O sr. Ministro das Obras Publicas (s. exa. não reviu este discurso.): — Sr. presidente, v. exa. comprehende bem que avizinhando-se a actual sessão legislativa do seu termo, e discutindo-se um projecto de lei importante, sobre o qual se tem dito e bastante, mal faria eu tomando

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o tempo aos dignos membros d’esta assembléa, que desejam exprimir a sua opinião sobre o assumpto.

Seria por isso extremamente breve, sem todavia deixar de responder ás considerações que apresentou o sr. Henrique de Macedo, com quanto tenha principalmente de responder áquellas a que se referiu na ultima parte do seu discurso, porque as primeiras dizem respeito a uma questão a que o mesmo digno par chamou questão politica, e que me parece mal cabida na discussão do porto de Leixões.

Não discutirei por isso o que diga respeito á apresentação do projecto sobre a reforma eleitoral.

Não discutirei se é ou não um repto, como o digno par considerou.

Não foi de certo essa a intenção do governo.

O governo na apresentação d’essa proposta não tinha outro intuito senão affirmar as suas idéas, as suas doutrinas, os seus principios, deixando aos membros do parlamento o affirmarem tambem livremente as suas convicções é as idéas de que se achavam possuidos.

A seu tempo, quando esse projecto se discutir, as opposições de ambas as camaras poderão entrar no debate.

Então poderá vir a pêllo a historia das differentes negociações.

Uma vez que o digno par acha boa a phrase, eu direi, que houve negociações entre o governo e os representantes da opposição, a respeito de uma proposta de lei que não era de um partido só, mas que interessava a todos os partidos.

Sr. presidente, não houve quebra de dignidade para o governo em querer esclarecer-se com a opinião dos homens mais competentes, quando mesmo fossem seus adversarios politicos, nem tão pouco a haveria, se porventura elle entendesse dever acceitar-lhes quaesquer indicações que podessem concorrer para melhorar o projecto antes de o converter em lei.

Se as negociações se romperam não foi nossa a culpa.

Mais tarde se liquidará este ponto.

Depois d’este facto é evidente que o governo tem de caminhar com as suas idéas, e só com ellas é que póde vir ao parlamento a sua proposta de lei.

A outra ordem de considerações que o digno par produziu e que se referem ao decrescimento das nossas receitas, porque os expedientes financeiros do anno passado não foram tão productivos como s. exa. desejava, essa ordem de considerações foram objecto de um largo debate a proposito do orçamento do estado.

Esteve aqui presente o me a collega o sr. ministro da fazenda para responder aos dignos pares. Se os não póde convencer de certo que não foi por falta de vontade.

Em assumptos partidarios é sempre difficil convencer aquelles que nos combatem.

O que s. exa. não póde estranhar é que a proposta de lei venha assignada pelo sr. ministro da fazenda.

Esta proposta podia ser assignada pelo sr. ministro da fazenda tambem e até por todo o ministerio. O ministerio é só um, e todos os seus membros são solidarios.

Referiu-se tambem o digno par a uma interpellação que me foi dirigida por uns membros da outra casa do parlamento.

Desejo, a esse proposito, rectificar um facto. Eu apresentei-me n’aquella camara, e por duas vezes declarei que estava prompto para responder quando o sr. presidente entendesse que devia dar esse assumpto para ordem do dia, isto estando presentes os srs. deputados interpellantes.

Tambem ha uma phrase proferida pelo digno par, de quem sou amigo pessoal, embora não sejamos amigos politicos, e cujo caracter respeito, assim como o seu talento tantas vezes affirmado n’esta casa, phrase que s. exa. foi arrancar das discussões da imprensa para a discussão parlamentar, e que eu bem mais desejava que o digno par tivesse deixado de reproduzir n’esta camara. (Apoiados.)

Nós estâmos em um paiz sobremaneira livre, onde não ha validos nem poderes pessoaes, (Apoiados) mas só a affirmação verdadeira dos principies constitucionaes. E esses ha de o governo saber mantel-os.

Emquanto tiver maioria nas duas casas do parlamento e a opinião publica não se lhe demonstrar desaffecta, o governo deve conservar-se nas suas cadeiras. É esse o seu dever e, quaesquer que sejam os obstaculos, quaesquer que sejam as difficuldades, qualquer que seja a violencia da phrase de um ou de outro membro do parlamento, ha de cumpril-o. (Apoiados.)

Se estes são os principios, perguntarei eu a s. exa. qual é a manifestação parlamentar que tenha indicado ao governo a necessidade de se retirar do poder? Qual é manifestação publica que o aconselhe a resignar o seu mandato?

No momento actual ambas as casas do parlamento dão o seu apoio ao governo, e o paiz está manifestamente tranquillo.

Porque é então que os ministros devem depor as pastas nas mãos do augusto chefe do estado? N’estas circumstancias onde, ficaria a dignidade dos ministros que resignassem o seu mandato? (Apoiados.)

Ha ainda uma outra phrase que me diz respeito e a qual eu desejo levantar.

O digno par referiu-se mais ou menos directamente a um facto occorrido na outra casa do parlamento, pelo qual s. exa. me tornou responsavel chamando-lhe até como, segundo me consta, alguns jornaes lhe chamaram, uma embuscada.

A esse respeito direi apenas isto: Não ha embuscada possivel, quando a opposição está presente.

Pelo que toca á falta de coragem, de que o digno par quiz accusar-me, para defender no parlamento os projectos de lei da minha iniciativa, francamente, não me incommoda a phrase do digno par.

Tenho uma vida politica ainda muito curta, data apenas de 1879; mas desde então como deputado da maioria, em 1880 como deputado da opposição, em 1881 já nos conselhos da coroa, em 1882 e em 1883, posso de cabeça erguida invocar o testemunho dos membros de ambas as casas do parlamento para que digam se em algum projecto da minha iniciativa me furtei nunca ás responsabilidades que me podessem competir. (Apoiados.)

Ainda no anno passado, durante vinte dias successivos, em sessões de quatro horas, sustentei aqui com toda a energia de que era capaz, uma proposta que por mim fôra trazida ás côrtes. (Apoiados.)

Creio, pois, sr. presidente, que tenho pleno direito de perguntar a quem quer que seja qual o motivo porque duvida da minha coragem parlamentar, quando não ha um só projecto da minha pasta que eu não haja sustentado frente a frente, com independencia e com esforço que me ufano de empregar, com a energia e com a firmeza de quem tem a consciencia de cumprir o seu dever. (Apoiados.)

Depois d’isto, em resposta ainda á phrase do digno par, só me resta acrescentar, que uma cousa é a responsabilidade de membro do parlamento e outra a de ministro, da coroa. As funcções d’este são subordinadas a muito maior numero de considerações, porque tem sobre si muito maior numero de responsabilidades. Ninguem diga, porém, que eu fugisse nunca ás minhas, que eu nunca me furtasse a responder pelos meus actos.

De resto interpellem-me quando quizerem. Encontrar-me-hão sempre prompto a responder.

E agora, sr. presidente, direi muito breves palavras em relação propriamente ao assumpto do debate, ou antes em relação á parte financeira dó projecto que se discute, porque foi a essa unicamente que o digno par se referiu.

S. exa. absteve-se de entrar em quaesquer considerações sobre se elle era util ou não, por isso que se limitou a dis-

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cutir as condições ou forma da sua realisação. E não parece que as observações de s. exa. fossem de ordem tal que em nome d’ellas fosse de justiça a condemnação do projecto, deixando-se de dotar o paiz com um melhoramento de ha muito reclamado, em nome de importantissimos interesses.

Não concordo, pois, com a opinião do digno par e não me parece que sejam acceitaveis os dois argumentos que apresentou para justificar o seu modo de ver a este respeito.

S. exa. entende que é diminuta a cifra que se calcula, para realisar a obra a que o projecto se refere. Temos umas poucas de propostas de engenheiros nacionaes e estrangeiros, e todas ellas concordam com aquella cifra. O concurso é aberto sobre a base de 4.500:000$000 réis e o orçamento mais, elevado é o do projecto que serviu de base ao programma do concurso.

O orçamento do engenheiro inglez Cood, limita a cifra de 4.100:000$000 réis, e já vê portanto o digno par que entre o orçamento do projecto que serviu de base ao concurso e a cifra que eu tomo como base da licitação, ha uma differença consideravel e é natural presumir-se que não faltem concorrentes ao concurso.

Eu sei perfeitamente que as empreitadas de ordinario são applicadas a obras de pequena monta, mas como se trata de um melhoramento de grande importancia, a adjudicação não será feita sem que seja ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas.

O digno par fez tambem alguns reparos á parte financeira do projecto, invocando uma proposta que foi apresentada pelo meu illustre antecessor o sr. Saraiva de Carvalho para a conclusão das nossas estradas reaes, a qual indicava a necessidade de se contrahir um emprestimo nunca inferior a 9.000:000$000 réis.

Direi ao digno par que tratâmos apenas de apreciar o pensamento desse projecto e não o proprio projecto, que não está em discussão, e a que não sou, de resto, absolutamente adverso.

Pelo contrario, o pensamento d’esse projecto de lei era para mim perfeitamente sympathico, porque acho muito conveniente ao desenvolvimento da viação ordinaria, e effectivamente um dos meios mais proprios a desenvolvel-a era o que propunha o meu illustre antecessor na gerencia da pasta das obras publicas.

A rasão todavia porque eu não acceitei desde logo o pensamento d’aquelle projecto foi pelo meio que n’elle se propunha para occorrer ás despezas, isto é, por ter de se contrahir um emprestimo, devendo saír os encargos resultantes desse emprestimo das contribuições directas, que eu entendia que não deviam ser augmentadas, preferindo o augmento das contribuições indirectas. E a este mesmo eu não desejava ter de recorrer.

Entretanto estas obras são tão necessarias que de alguma maneira se haviam de fazer, e eu entendi que a melhor maneira de occorrer á despeza que tem de se fazer era a que eu propunha.

Quem, pois, estiver convencido da grande necessidade d’estas obras e da sua utilidade, parece-me que deve acceitar o projecto, e quem combater a utilidade d’estes melhoramentos propostos não admira que o não acceite. A mim parece me que o digno par não combateu a necessidade nem a utilidade d’estas obras, e ás observações de s. exa. com relação á fórma da sua realisação, creio ter respondido ao digno par.

O sr. Larcher (sobre a ordem): — Obedecendo ás prescripções do regimento vou mandar para a mesa a minha moção de ordem que é a seguinte:

(Leu.)

Sr. presidente, eu approvaria de certo este projecto se obtivesse resposta satisfatoria a todas as duvidas que aqui

acabo de manifestar; mas essas respostas não mas podem dar.

Como complemento do porto de Leixões exige-se a construcção de um canal que o ponha em communicação directa com o rio Douro, canal que tem de ser aberto em rocha e que deverá ter largura e profundidade sufficientes para dar passagem a navios de grande lotação para bem corresponder á magnitude de idéas e de aspirações que a cidade do Porto nos tem feito sempre sentir.

D’esta obra, julgada indispensavel, não temos nem projecto nem orçamento; apenas antevemos que ha de custar somma bastante importante, e tão grande que póde transtornar sensivelmente o quantum de 4.117:975$000 réis em que, segundo nos disse o exmo. ministro das obras publicas, o engenheiro Cood orçou os dois quebramares que formam o abrigo propriamente dito, o que não é absolutamente exacto senão quando se applique o valor forçado de 4$500 réis, por unidade, ás 914:950 libras esterlinas que constituem aquelle orçamento.

Não insistirei n’este ponto aliás insignificante em confronto dos largos limites em que, todos sabem, podem variar as despezas com obras hydraulicas, e sobre todas as maritimas.

Mas ainda ha mais outra eventualidade a que devemos attender.

No projecto o rio Leça desembocará no recinto do porto de abrigo, até agora têem-se conservado num equilibrio estavel as areias ali depositadas sob a acção das duas forças contrarias da corrente fluvial e d’quellas que se effectuam de norte a sul ao longo da costa maritima.

Mas quando cessem de actuar estas ultimas, pela construcção dos quebramares, conservar-se-ha aquelle equilibrio? Ou preponderando então as cheias do rio, não se produzirão assoriamentos prejudiciaes para a manutenção do porto de abrigo em conveniente estado?

Será então necessario fazer a derivação do rio, não para o sul porque a isso obsta o canal de juncção de que já fallei, mas ainda para cima do molhe do norte.

E quanto custará esta derivação?

Não convirá porventura esperar pelos estudos do canal e da derivação, estudos que pouco tempo demandam, para livramos de mais estas incertezas a obra principal de custo grandioso e naturalmente incerto?

E se por acaso bastassem, o que não creio, as receitas com que o governo parece contar para accudir ao avultado custo do porto de Leixões, não se encontrariam ellas in sufficientes em frente de um encargo addicional não pouco formidavel? E não succederia a indispensabilidade de onerar ainda mais as circumstancias já tão aggravadas das nossas finanças?

Sr. presidente tenho lido todas as memorias e relatorios que se teem produzido ácerca do porto de Leixões, e d’entre elles citarei os dos engenheiros Espregueira, Affonso Nogueira Soares e Cood. Li tambem cuidadosamente as consultas da junta consultiva de obras publicas, e os pareceres das commissões especiaes que tratam d’este mesmo assumpto. Em todos vi preferencia decidida pelo porto de Leixões como meio verdareiramente efficaz para assegurar ao commercio portuense as vantagens que elle merece; mas tambem notei o conselho que todos dão de se não descurarem os melhoramentos da barra do Douro.

Sem o porto de Leixões nunca terá o commercio portuense as condições de segurança e de commodidade que competem a portos de primeira ordem, mas com as obras da barra já se podem melhorar consideravelmente as circumstancias que na actualidade o deprimem; assim dizem todos os que citei.

Não seria, portanto, conveniente começar-se por estes melhoramentos da barra do Douro, que estão orçados pelo sr. Nogueira Soares, em 1.550:000$000 réis?

Comprehendem-se n’esta totalidade tres secções de obras

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distinctas, mas de custo quasi igual, que vem a ser, em numeros redondos:

Muros de regularisação das duas margens e molhe da esquerda........ 566:000$000

Quebramento de rochas submarinas e remoção de rocha................ 479:000$000

Dragagem (installação e custeio)................................... 500:000$000

Eis aqui uma obra de utilidade reconhecida por todos, cujo custo anda proximamente pela quarta parte d’aquelle que tudo parece annunciar-nos para o porto de abrigo com o seu canal de juncção, e cujos effeitos benéficos appareceriam á medida do adiantamento de todas ou mesmo das duas ultimas secções componentes.

Concluindo assim o que tinha a dizer sobre o primeiro ponto da minha moção de Ordem, passarei a tratar do que respeita ao melhoramento requisitado para o porto de Lisboa.

A questão dos melhoramentos deste porto ainda está por decidir.

Uma commissão nomeada para a estudar apresentou em 9 de dezembro de1 1873 um extenso relatorio que levou dois annos a fazer-se. Mas ainda não ha muito o governo entendeu dever submetter este mesmo estudo ao engenheiro Cood que já apresentou a memoria sobre a qual não tardará que as estações competentes se pronunciem.

Mas emquanto não apparece opinião definitiva sobre este assumpto importante e vital, destinam-se no projecto réis 40:00$000 para auxiliar durante quinze annos uma empreza que se proponha adquirir uma doca fluctuante ou fundar um estabelecimento marginal no Tejo para limpeza e reparações de navios.

Esta alternativa de estabelecimento ou acquisição leva-me a chamar a attenção do governo para um facto digno della e comtudo descurado.

Em30 de maio de 1861 celebrou-se um contrato para a construcção de planos inclinados em Porto Brandão.

Eram tres os planos a construir-se: um de 135 metros de comprido para navios de 400 toneladas, outro de 195 metros para navios de 1:200 toneladas, e o ultimo de 285 metros para navios de 3:000 toneladas.

Só o primeiro d’estes se construiu, começado em junho de 1862 e concluido em dezembro de 1863: n’elle entrou em 8 de junho de 1864 o primeiro navio, que foi um hiate do arsenal da marinha, chamado Vallado.

O segundo deveria ter sido principiado em janeiro de 1864; porem a desastrada morte do principal concessionario, White, e uma serie de peripecias desgraçadas que seguiram depois, não só impediram o proseguimento d’esta util obra, mas prostraram a empreza.

Dos trabalhos feitos arruinado ficou provavelmente, tudo quanto saiu para cima do nivel de agua, mas as fundações do primeiro plano inclinado e dos muros de cães devem existir ainda, e não é por certo o que menos custou.

Num parecer do conselho de trabalhos, cuja leitura .me facultou a condescendencia do digno par o sr. Pereira de Miranda, le-se que merece approvação a idéa da acquisição de uma doca fluctuante por ser de rapida realisação e de preço relativamente barato, cerca de 400:000$000 réis para a construcçao d’ella em Inglaterra e para o seu reboque até ás aguas do Tejo. Mas diz-se que as despezas de conservação elevam-se a muito 5 que num porto sujeito, como o nosso a temporaes, são necessarias grandes precauções; que nem todas as reparações se podem ali fazer com segurança e commodidade; e, como recommendação muito especial que a propriedade da doca fique sempre pertencendo ao estado.

Tambem ali se aponta como muito conveniente o estudo da applicação dos planos inclinados do systema Labat ás margens do nosso rio, por serem preferiveis ás docas fluctuantes.

Vem por isso a pello recordar que no anno passado apresentou-se aqui, e a camara approvou, um projecto para se estabelecer na margem esquerda do Tejo um plano inclinado d’este systema.

Não conviria, portanto, indagar em que ponto pára este projecto e o que falta pára poder concluir-se o antigo projecto de Porto Brandão, e virar para estes estabelecimentos os auxilies alludidos no projecto que se discute?

Talvez para tanto bastaria muito menos do que aquelles 40:000$000 réis annuaes ficando muito mais bem servidos os interesses do commercio de Lisboa e os do estado.

Sr. presidente, o tempo aperta e vou concluir logo que tiver dito algumas palavras sobre o terceiro e ultimo ponto da moção.

No anno passado o nosso illustre collega, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, demonstrou claramente quanto era improducente, ou para melhor dizer, quanto seria contraproducente o augmento de direitos lançado sobre alguns generos de primeira necessidade, como eram os álcoois, os farináceos, os productos coloniaes, etc.

Isto foi dito na sessão de 24 de março do anno passado; os argumentos adduzidos por aquelle digno par deixaram-me inteiramente convencido.

Sem embargo o projecto foi approvado.

Uni mez depois, um outro collega nosso, o sr. Pereira Cardoso, fallando ácerca dos 6 por cento addicionaes que se projectava lançar sobre a importação em geral insistiu sobre o prejuizo que similhante proposta daria á receita publica.

Votou-se tambem aquelle projecto.

Tive depois a curiosidade de verificar se a pratica tinha vindo confirmar as asserções d’aquelles dois dignos pares.

Tenho aqui os mappas officiaes da importação em Portugal, e comparando os dois primeiros semestres dos annos de 1882 e 1883, vejo que houve n’este ultimo anno diminuição total de mais de 37 ½ por cento.

No artigo bebidas subiu esta diminuição a quasi 66 por cento; nos generos coloniaes baixou ella a 55 ½ por cento, e nos farinaceos a 50 por cento; e d’ahi vae descendo pelos quatorze artigos restantes até 9 ½ por cento, que representa a diminuição no artigo animaes vivos.

O valor da importação foi, em 1882, primeiro trimestre, 10.867:261$000 réis, e baixou a 6.772:928$000 réis; no primeiro trimestre de 1883, apresentando contra este ultimo, differença de 4.094:333$000 réis, ou, como já disse, 37 ½ por cento.

Não desconheço, sr. presidente, quanto póde enganar se quem quiz tomar o succedido num trimestre qualquer como regra certa do que succederá em todo o anno; mas forçoso é confessar que o governo não mostra habilidade escolhendo, na pressa de crear receita nova, uma base que assim ameaça ruina.

Digo mais, ainda que os pronuncies fossem outros, ninguem poderia assegurar que ella não cederia sob este excesso de encargo, pois que, passando alem de certos limites, o direito fatalmente convida o contrabando, e a diminuição da receita é a consequencia necessaria e immediata de similhante convite.

Não podemos, portanto, contar com o expediente imaginado pelo governo, que deverá procurar outro que effectivamente de para as despezas j á annunciadas e tambem para aquellas que facil e rasoavelmente se podem prever.

Tenho dito, sr. presidente, o bastante, creio eu, para fundamentar a minha proposta de adiamento, e mais não digo.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção do digno par o sr. Larcher.

Foi lida na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que a execução do projecto de lei n.° 141 seja adiada para quando:

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1.° O projecto do canal de ligação do porto de Leixões com o rio Douro, delineado e orçado, fixe e defina com maior approximação as despezas;

2.° O projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa seja definitivamente determinado;

3.° Se descubram os meios proficuos da receita.

Sala das sessões, em 15 de junho de 1883. = O par do reino, Jayme Larcher.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Gouveia.

O sr. Conde de Gouveia (relator): — Sr. presidente, poucas palavras terei de dizer á camara em resposta ás observações apresentadas pelo digno par, o sr. Larcher, porque tambem foram poucas as considerações que s. exa. fez contra o projecto em discussão.

S. exa. disso que não tinha duvida nenhuma de votar o projecto se o convencessem a respeito de algumas duvidas que o digno par apresentou.

Eu, sr. presidente, não posso de modo nenhum ter a pretensão de convencer o digno par, e limitar-me-hei a fazer algumas considerações em contraposição aos argumentos apresentados por s. exa.

O digno par apresentou, como era natural, fallando sobre a ordem, a sua moção e dividiu-a em tres partes.

A primeira é uma proposta de adiamento do projecto até que esteja concluido o orçamento do canal que deve ligar o porto de Leixões ao rio Douro.

Ora, sr. presidente, eu não estou de accordo com s. exa. O canal far-se-ha muito rapidamente em comparação com o porto de abrigo, e não é justo que reconhecida a necessidade imperiosa de dar ás provincias do norte um porto seguro para a entrada e saída das differentes mercadorias, reconhecido como está que esse melhoramento só se consegue com o porto de abrigo em Leixões, não é justo, digo eu, que demoremos ainda a construcção d’este porto porque o canal de ligação ainda não está estudado. O que é indispensavel, e muitissimo vantajosa é a construcção do porto de Leixões.

S. exa. preferia que se começassem as obras da barra, mas não nega a vantagem do porto artificial. S. exa. que é muito illustrado, conhece pelo estudo que tem feito sobre este assumpto, a necessidade da construcção d’aquelle porto.

Todas as opiniões que tenho ouvido até hoje a este respeito, principalmente as das pessoas encarregadas officialmente de estudarem este assumpto, e que por consequencia não têem interesse em dar uma opinião menos verdadeira, são conformes nas vantagens que resultam do porto de Leixões.

Ora, desde que as pessoas mais auctorisadas sobre este ponto, cuja competencia nem o digno par contesta, estão de accordo, creio que não devemos ter duvida alguma a este respeito. Mas diz s. exa. que nem só o porto de Leixões póde resolver a questão.

Eu esperei as observações do digno par a este respeito, escutei-o com toda a attenção, como sempre o costumo fazer, e conforme as minhas forças vou responder ao digno par, dizendo que sendo reconhecida a vantagem da construcção do porto de Leixões, ha tantos annos desejada por todos, não me parece rasoavel adiar esta questão até que se faça o projecto e orçamento do canal, que sendo de grande vantagem, não deve comtudo fazer com que o porto de Leixões se perca.

Eu não digo que no canal não haja vantagem, mas parece-me que a vantagem do porto de Leixões continua subsistindo. O porto de Leixões leva oito annos e o canal leva tres.

Não me parece, pois, que se deva adiar por mais um anno a construcção do porto de Leixões por causa do canal.

Em resposta á objecção que s. exa. apresentou na segunde, parte da sua moção, permitta-me que diga que o engenheiro inglez Frubody, em uma memoria antiga que escreveu com respeito ao abrigo natural das pedras de Leixões, affirma que da formação das areias se vê que ellas não têem augmentado, e desde então até hoje todos os estudos e todos os factos provam que os assoriamentos não teem continuado.

Diz s. exa. que é isto devido ás grandes correntes que ha no mar do norte para sul, mas permitia-me que eu lhe diga que para que fosse verdadeiro esse facto era necessario que ou essas correntes passassem muito perto da costa, ou que a impetuosidade das aguas do rio Leça fosse tal que podesse levar até fóra do recinto formado pelas pedras de Leixões as areias que trouxesse em suspensão.

Ora, o digno par sabe perfeitamente que o ponto da costa onde se encontra a foz do Leça é completamente abrigado, que o volume de aguas d’este rio é diminutissimo, e que, por isso, a sua corrente não póde ser forte.

Não são por isso de temer os assoriamentos.

(Interrupção do sr. Larcher que se não ouviu.)

Respondo a s. exa. com as palavras escriptas na memoria do engenheiro inglez Frubody, e ainda que fosse, como s. exa. indicou, tudo se alcançaria, fazendo o desvio do rio para fóra do porto de abrigo, o que, com mais facilidade, se conseguiria para o norte do que para o sul.

A despeza tambem não poderia ser grande porque, sendo necessario fazer um abrigo para as embarcações empregadas na construcção da obra, poderia este abrigo ser feito ao norte da foz do rio e ser aproveitado mais tarde para o desvio em questão, se isso fosse julgado necessario.

Em todo o caso não me parece que isto seja motivo sufficiente para deixar de votar o projecto.

Referiu-se tambem s. exa. á receita a crear para fazer face ás despezas que nos trará esta obra, despezas que se não podem prever, não acreditando nos orçamentos elaborados, e julgando mal escolhida a incidencia do imposto, visto que a importação tem diminuido.

Permitta-me s. exa. que lhe diga que não ha engenheiro nenhum, que eu saiba, que em obras hydraulicas possa, com antecipação, calcular exactamente, e sem a menor descrepancia, a despeza a fazer, porque estas obras teem de luctar com um elemento muito variavel e inconstante.

Mas, sr. presidente, tem havido ácerca d’estas obras diversos projectos: primeiro o do engenheiro inglez Frubody, depois o do sr. Rennie, mais tarde o do sr. Manuel Affonso de Espregueira que, durante alguns annos, dirigiu os trabalhos da barra do Douro, e homem competentissimo no assumpto; em seguida o de sr. Nogueira Soares, actual director dos mesmos trabalhos, e que ha doze annos lhes dedica a sua muita actividade, intelligencia e conhecimentos; e, finalmente, o de sir John Cood.

E do exame de todos esses projectos resulta a convicção de que as despezas a fazer serão antes inferiores do que superiores aos 4.500:000$000 réis indicados no projecto; que a receita que pretendemos applicar aos encargos resultantes d’estes melhoramentos é tambem sufficiente, e a importação longe de ter diminuido tem, pelo contrario, augmentado, senão vejamos:

Em 1880 foi, excluindo tabaco, metaes em barra e moeda, coke e hulha, de 31.438:692$000

Em 1881.......................... 31.618:874$000

Em 1882.......................... 31.687:899$000

O que nos dá uma media de 31.581:821$000 réis; o, como de certo s. exa. leu o relatorio apresentado ás curtes pelo sr. ministro da fazenda, terá visto perfeitamente justificado este augmento de receita.

Parece-me ter respondido a todas as objecções até aqui apresentadas.

Usarei, comtudo, novamente da palavra se a continuação do debate me impozer esse dever.

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O sr. Conte de Fonte Nova (para um requerimento): — Proponho que se prorogue a sessão por mais uma hora, alem do ordinario.

Posto este requerimento á votação foi approvado.

O sr. Pereira de Miranda (sobre a ordem): — Começou por lamentar que um projecto de tanta importancia, e que envolve despezas de muitos mil contos, viesse á apreciação da camara tão tarde e para ser discutido na precipitação da ultima hora..

Que factos d’estes tiravam aos corpos legislativas todo o prestigio.

Não encarava o projecto senão como uma questão de administração e tanto, que até desejaria, que o sr. ministro das obras publicas, pondo de parte, todas as considerações de ordem politica e até de simples melindre ou capricho pessoal, lhe acceitasse algumas modificações ao projecto.

Perguntava ao sr. ministro ou á commissão, .pedindo-se um encargo até 40:000$000 réis, durante quinze annos, os fundamentos que o governo ou a commissão tiveram para acceitar aquelle limite de tempo e de. dinheiro.

Em seguida referiu-se ao porto de Lisboa que urgentemente reclamava melhoramentos indispensaveis a um porto de primeira ordem.

Não se pedia a construcção de dezenas de docas na extensão, de muitos kilometros, como em Liverpool, nem as, obras assombrosas do porto do Havre, pedia-se apenas o melhoramento indispensavel, obras que poderiam custar, todas ellas, o que n’aquelle porto custou uma só doca chamada a doca da rainha.

Não se pedia a construcção de armazens e caminhos de ferro como ha no. porto de Marselha, o que se reclamava, poderia quando muito custar ao estado de 1.200:000$000 a 1.400:000$000 réis, mas isso bastaria para transformar o porto de Lisboa.

Tinha a certeza de que o sr. ministro tinha sincero desejo de melhorar o porto de Lisboa, mas condemnou a modificação, que na outra camara havia soffrido o projecto, expondo as rasões da sua opinião.

Propunha e desejava que o sr. ministro acceitasse a sua proposta, a auctorisação para o governo adjudicar estas obras de melhoramento do porto de Lisboa, logo que os projectos estivessem concluidos e propunha a adjudicação com garantia de juro.

No caso, porém, do sr. ministro não acceitar aquella auctorisação teria então de mandar para a mesa outra proposta com relação aos termos em que estava redigido o § 7.° do. artigo 1.°

Para a garantia do juro lembrava o orador a verba de 30:000$000 réis consignada no orçamento para melhoramentos de Lisboa e. os direitos do café vindo das nossas colonias para consumo no paiz.

Fallou extensamente dos melhoramentos mais indicados para o porto de Lisboa, dos pontos mais convenientes para a construcção das docas o concluiu renovando o seu pedido ao sr. ministro das obras publicas para acceitar a sua proposta feita com absoluto desprendimento de qualquer consideração de ordem politica.

Terminou lendo as suas propostas.

(O discurso do digno par será publicado logo que s. exa. devolva as notas tachygraphicas.)

Seguem as

Propostas

Proponho que as obras a que se refere o n.° 3.°. do artigo 1.° sejam feitas directamente pelo estado ou adjudicada a sua construcção,. sendo a exploração por conta d’aquelle. = Pereira de Miranda. j

Proponho que o n.° 3.° do artigo,1.°. seja substituido, pelo modo seguinte:

3.° Adjudicar em hasta publica, precedendo concurso, igualmente de noventa dias, a execução dos seguintes trabalhos na margem do Tejo, no local que for mais apropriado, desde o arsenal da marinha até ao edificio da cordoaria nacional:

a) Uma doca de marés adoptada para embarcações de grande lotação;

6) Uma doca de fluctuação com eclusa de entrada pela doca de marés;

c) Uma ou duas docas de reparação, proporcionadas ao movimento maritimo do porto;

d) Uma doca de marés destinada aos pequenos barcos costeiros e fluviaes;

e) Armazens, cães e linhas, ferreas que completem os melhoramentos indicados.

§ 1.° O programma do concurso e o caderno das condições será feito sobre a base do plano geral de obras para melhoramento do porto de Lisboa, elaborado pela commissão nomeada em 1871, do relatorio do engenheiro John Cood de julho de 1882, e do relatorio que apresentar a commissão nomeada em 17 de março ultimo, para apreciar os referidos documentos.

Proponho que o § 1..° do projecto passe a ser 2.°, substituindo ás palavras «para a construcção do porto artificial de Leixões», pelas seguintes: «para a construcção das obras a que se referem, os n.ºs 1.° e 3.°»

Proponho que o § 2.° do projecto passe a ser 3.°, e seja redigido pela maneira seguinte:

§ 3.° O governo, ouvidas as associações commerciaes de Lisboa e Porto, apresentará opportunamente. ás côrtes. as taxas, e tabellas de direitos e de alugueres a que ficarão sujeitas as embarcações e mercadorias que aproveitarem os melhoramentos indicados.

Proponho que o § 3.° do projecto passe a ser 4.° e seja assim redigido:.

Para occorrer aos encargos da operação a que se refere o § 2.° sejam destinados os seguintes recursos:

1.° Averba de 30:000$000 réis que figura no artigo 12.°, secção 10.ª do orçamento do ministerio das obras publicas, com destino a melhoramentos do porto de Lisboa;

2.° A modificação do artigo 22.° dos preliminares da pauta das alfandegas, em relação ao café importado das colonias, que ficará sujeito, quando importado para consumo, a 75 por cento do direito geral da pauta;

3.° Um imposto especial, aã valorem sobre as mercadorias, importadas dos paizes estrangeiros ou das provincias ultramarinas por todos os portos seccos e molhados do continente do reino e ilhas adjacentes, com excepção de tabaco, carvão de pedra, coke, metaes preciosos, amoedados ou em obra, e café colonial;

4.° O rendimento das obras, nos termos do § 3.°

Proponho que o § 4.° do projecto passe a ser 5.°, e assim redigido:

§ 5.° O imposto ad valorem, de que trata o n.° 3.° do paragrapho antecedente, não poderá exceder a 2 por cento, e será lançado gradualmente e em harmonia com o progresso das obras, de modo que a percentagem não excederá, em cada anno, a que se deve presumir necessaria para o seu producto, calculado sobre a média dos valores das mercadorias não exceptuadas, que nos tres annos precedentes se hajam importado, corresponda á, importancia dos encargos que n’esse anno houver a satisfazer, e mais o equivalente da receita que actualmente é produzida pelos impostos especiaes de importação e exportação, designados no paragrapho seguinte.

Proponho que os §§ 5.° e 6.° passem a ser 6.° e 7.°

Proponho a suppressão do § 7.° do projecto.

Proponho mais dois paragraphos, que serão 9.° e 10.°, assim redigidos:

§ 9.° O governo poderá, se o tiver por. mais conveniente, fazer a concessão e confiar a exploração dos melhoramentos na. margem direita do Tejo, a que se refere o n.° 3.° do artigo 1.°, a uma empreza, mediante garantia de juro, que não poderá exceder a 6,5 por cento, e por um periodo não superior a cincoenta annos.

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§ 10.° O encargo para o estado restante da garantia, a que se refere o paragrapho antecedente, não póde ir, em caso algum, alem de 2,5 por cento da importancia fixada no projecto approvado pelo governo, nos termos do § 1.° do artigo 1.°, devendo os encargos a que se refere o § 3.° do mesmo artigo ser fixados por accordo entre o governo e a empreza.

Sala das sessões, 15 de junho de 1883. = Pereira de Miranda.

O sr. Presidente: — A camara ouviu a leitura que o sr. Pereira de Miranda fez das suas propostas, o portanto parece-me que dispensa a formalidade da segunda leitura na mesa.

Os dignos pares que assim o entendem, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Foram admittidas e ficaram em discussão.

O sr. Ministro das Obras Publicas (S. cx.3- não reviu este discurso): - Sr. presidente, sinto deveras não poder concordar com a proposta que o sr. Pereira de Miranda mandou para a mesa, e vou dizer os motivos da minha recusa, declarando antecipadamente que tenho em muita consideração os argumentos que s. exa. apresentou, e muito desejo teria de annuir ao pedido que me fez.

Rasões ha, porém, de ordem superior, pelas quaes não me é possivel acompanhar o digno par no seu desejo, e são essas rasões que vou expor resumidamente.

S. exa. fez-mo na verdade justiça, quando reconheceu o deseja sincero que eu tenho, de dotar o porto de Lisboa com os melhoramentos ha muito, e com maior justiça reclamados.

Isto não é para mim uma questão accessoria ou secundaria, peio contrario, considero-a de primaria importancia.

Não referirei agora aqui, as importantes indicações do fallecido engenheiro João Evangelista de Abreu, nem as do outro engenheiro francez; fallarei apenas da opinião do engenheiro inglez sir John Cood, e no projecto da commissão nomeada para propor os melhoramentos a fazer nas nossas barras e portos.

Estes projectos differem todos entre si.

O projecto da commissão de melhoramentos das barras era o mais vasto de todos, incluindo até o estabelecimento de boulevards, armazens, etc. Ia inclusivamente, alterar a testa da linha ferrea de norte e leste.

Emfim, era um plano vastissimo, cuja execução importaria em mais, de 8.000:000$000 réis.

O projecto de sir John Cood é differente d’aquelle em muitos pontos, por exemplo, na collocação de parte d’estas obras marginass, como são as docas.

Effectivamente, uma das condições a que mais é preciso attender nos melhoramentos do porto de Lisboa, é sem duvida a de salubridade, e deve por isso haver todo o cuidado na rectificação da margem do Tejo.

Quanto á alfandega, é preciso tambem attender á melhor collocação de todas as suas acommodações e depencias.

Ha mais, sr. presidente; já depois de submettido este projecto á deliberação da outra casa do parlamento, recebi outro projecto do engenheiro inglez Goulart. Segundo este ultimo projecto, na margem norte do rio só se fanam docas de marés, sendo as docas de reparação collocadas no pontal de Cacilhas.

Já vê o digno par que são differentes os alvitres apresentados e que nem é facil, nem seria prudente preparar repentinamente um plano definitivo sobre bases, que tanto variam. Nem convinha escolher precipitadamente qualquer dos alvitres apresentados, sem submetter todos os planos e relatorios dos diversos engenheiros que têem emittido a sua opinião sobre o assumpto, ao parecer das estações competentes.

O digno par referiu-se ainda a outros pontos, e entre elles aos estabelecimentos para reparação de navios.

Insiste s. exa. em que esta despeza não é mais do que uma despeza productiva.

Com relação a este ponto direi ao digno par que a rasão porque eu acceitei este expediente, é a seguinte: todos os projectos apresentados para os melhoramentos do porto de Lisboa exigiam oito, dez e doze annos, e assim por este espaço de tempo nós continuavamos no mesmo estado, que é deploravel, porque não temos se quer onde fazer uma vestoria a um navio, uma reparação qualquer urgente, ficando finalmente espostos a ter um desgosto como o que já tivemos, de ver chegar um vapor que tenha soffrido avaria grossa no occeano, entrar, a nossa barra e, como ha pouco succedeu, ter de aproar á terra encalhando, e chegando a perder-se: isto é uma vergonha!

É preciso que factos destes não sejam possiveis no porto de Lisboa. Foi uma vergonha que não deve repetir-se e é precisamente o que eu procuro evitar desde já, preferindo a esperar dez ou doze annos, esperar apenas um anno ou pouco mais, e tratando para esse fim, de obter uma doca fluctuante ou um plano inclinado, ainda não me decidi por qualquer dos alvitres.

Temos de ver como póde ter applicação um plano inclinado pelo systema Labarre.

Eu não desejava mesmo que o plano inclinado fosse na margem direita, uma vez que temos de fazer-lhe uma rectificação, e na margem esquerda, do pontal de Cacilhas para lá, o terreno é tão lodoso que com difficuldade se poderá encontrar uma base firme, que garanta a solidez da construcção, e póde ser que para leste do pontal, embora seja ali grande a profundidade do rio, seja o local mais conveniente.

Em todo o caso o que na minha opinião não póde ser é esperar ainda os oito, dez ou quinze annos, que se calcula necessarios para a realisação de uma obra completa que offereça abrigo seguro aos navios que o demandam; isto é que não póde ser. Um porto da importancia do nosso porto de Lisboa não póde por tanto tempo continuar a esperar o seu melhoramento.

Aqui tem o digno par muito succintamente expostas as rasões do meu procedimento.

Em primeiro logar, se não proponho desde já o melhoramento do porto de Lisboa, é porque desejo ouvir a commissão que nomeei para tratar d’esse assumpto e conhecer a sua opinião ácerca d’aquillo que de preferencia deve ser executado.

Em segundo logar, apresento este expediente, que é de occasião, porque me parece indispensavel acudir de prompto ás instantes necessidades de uma cidade tão importante como é a nossa capital.

Dadas estas explicações, creio que o digno par se convencerá de que não é por menos consideração para com s. exa. que deixo de annuir á sua proposta; mas simplesmente em consequencia do ponto de vista, pelo qual eu considero este assumpto. Posso errar, é verdade; mas ninguem duvidará de que o meu desejo é proceder com acerto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Tendo a palavra sobre a ordem, começou por ler a sua moção.

Tratando em seguida de a sustentar disse que julgava o projecto importante, principalmente como melhoramento para a cidade do Porto.

Sempre associou os seus esforços a todos os que promovessem melhoramentos de qualquer ordem para aquella cidade, como ainda na passada sessão legislativa fizera a favor da ligação do caminho de ferro do Douro com a linha de Salamanca. Podia, pois, imaginar-se a violencia que a si mesmo tinha de fazer para impugnar um projecto apresentado como um importante melhoramento para o Porto. Mas prompto sempre a votar melhoramentos para o Porto, que o fossem realmente, e representassem ao mesmo tempo vantagem para o paiz, não podia deixar de rejeitar o projecto em discussão porque o não julgava n’aquellas

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condições. Julgava-o incerto, aventuroso e sobremodo oneroso para o estado. Por isto propunha o seu adiamento.

Referiu-se ao discurso quasi exclusivamente politico com que o sr. Henrique de Macedo abrira este debate, fazendo por parte do partido progressista a declaração de guerra sem tréguas ao governo, e lamentando o systema parlamentar portuguez que ainda na questão mais puramente administrativa enlaça sempre a questão politica, sentia que mais violento lhe era ainda o sacrificio de impugnar e rejeitar este projecto por ter de associar a votos determinados por politica o seu voto, que tão sómente traduzia uma apreciação, talvez errónea, mas conscienciosa, de uma importante medida de administração, nada mais.

Referiu-se tambem ao ultimo discurso do sr. conde de Valbom na discussão do orçamento na sessão passada, na parte em que s. exa. proclamara a necessidade de se reduzirem os partidos politicos monarchicos a dois somente, para se poder conseguir a solução conveniente das tres grandes questões, que aquelle digno par via a resolver, e eram: a questão politica, a questão administrativa e a financeira.

Esta opinião do sr. conde de Valbom era precisamente a contraria da d’elle, orador, que nunca soubera, nem saberia nunca votar ás ordens de qualquer homem, ou de qualquer partido. Entendia que n’esta camara, alem dos filiados nos differentes partidos politicos, convinha que, como representantes da verdadeira Índole desta camara, houvesse um certo numero de pares sufficientes para estabelecer o equilibrio nas differentes situações e garantir a votação de todas as medidas de administração, livre das imposições partidarias.

Declarou que ouvíra com profundo pesar, e quasi com indignação, duas insinuações que muito disfarçadamente aqui foram feitas — uma na presente sessão, outra na anterior, e que seguramente não teriam sido ouvidas na presidencia da camara.

Que professava com enthusiasmo os principios liberaes, mas entendia que a liberdade de um termina onde começa o direito dos outros.

Queria a liberdade, mas não a licença; o uso, mas não o abuso.

Que pela nossa constituição politica era monarchico-representativo o nosso systema de governo, mas o que elle, digno par, via, era que todos se lembravam, até exageradamente muitos, de que elle era representativo, e todos se esqueciam de que elle era tambem monarchico.

Que no mesmo codigo politico está estabelecida a divisão dos poderes politicos, e determinada a sua absoluta independencia reciproca. Nenhum membro, pois, do poder legislativo podia, nem pela mais indirecta insinuação, menospresar a independencia de qualquer outro poder do estado.

Entrando na apreciação do projecto disse que achava a obra excessivamente cara, quando mesmo por excepção este orçamento não tivesse de ser excedido.

Desconfiava sempre dos orçamentos de obras publicas, mesmo das que se fazem em terra firme, e muito mais desconfiava de uma obra a fazer sempre á mercê das ondas. Citou a obra da penitenciaria que custara ao estado talvez cerca de 2.000:000$000 réis, tendo sido orçada em réis 300:000$000.

Residira alguns annos no Porto, e ainda que com olhos de profano, viu muitas vezes e conhecia o sitio onde se projecta a construcção do porto de abrigo; chegava, pois, a não comprehender como o engenheiro inglez, o sr. Cood, pudera em tão pouco tempo tomar conhecimento tão profundo do sitio de Leixões, que o seu projecto podesse inspirar uma tão absoluta confiança. Por isso receiava bem que os 4;000:000$00 réis em que era orçada a obra não crescessem na proporção do orçamento da penitenciaria até 17.000:000$000 ou 18.000:000$000 réis.

Receiava que com esta obra venha a succeder o mesmo que succedia com as obras hydraulicas de Ponta Delgada e da Figueira, de que apenas consta que têem custado muito dinheiro. Mas, quando mesmo a realisação da obra não fosse para elle, orador, verdadeiramente problematica, ainda assim a não votaria, porque não acreditava que ella podesse satisfazer ás necessidades da segunda cidade do reino, a não ser que o porto de abrigo fosse depois ligado ao Douro por meio de um canal, o que seria de certo possivel, mas de certo um pouco, difficil sob o ponto de vista financeiro.

Era sabido que as obras da barra a teem melhorado consideravelmente, e entendia que, se um certo dispendio e um certo trabalho têem dado esse resultado, o dobro ou o quádruplo do trabalho e do dispendio, dobrará ou quadruplicará o resultado. Era este na sua opinião, e na? de muita gente do Porto, o grande melhoramento a emprehender a favor do Porto e do seu importante commercio.

Fallou da reconhecida necessidade do melhoramento da barra de Lisboa, e entendia que, se era verdade, como affirmam os competentes no assumpto, que obras d’esta natureza, como a do porto de Leixões e as de melhoramentos do porto de Lisboa, sendo bem feitas, tinham em si proprias elementos de importantissima receita, muito mais conveniente seria para o paiz que o governo mandasse estudar e fazer os projectos definitivos de todas essas obras, e abrisse concurso, a que de certo não deixariam de vir companhias estrangeiras, podendo o paiz conseguir a realisação d’esses grandes melhoramentos, gratuitamente talvez.

Terminou, declarando que ninguem mais do que elle desejava ver realisados todos os melhoramentos de que o paiz carece; mas precisamente para que elles lhe sejam proveitosos, pensa tambem nos sacrificios que elles poderão custar-lhe.

(O discurso do digno par será publicado logo que s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção

Proponho o adiamento até á apresentação dos projectos definitivos.

Sala das sessões, 15 de junho de 1883. = Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Presidente: — A seguinte sessão terá logar amanhã ao meio dia e meia hora, sendo a ordem do dia, na primeira parte a discussão dos projectos que o governo reputar mais urgentes; e a segunda parte da ordem do dia, que começará ás duas horas e meia, será a continuação do debate sobre o parecer n.° 193.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de junho de 1883

Exmos. srs. João de Andrade Corvo; Marquezes, de Penafiel, de Vallada; Condes, de Alte, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, da Praia e de Monforte, de Rio Maior, de Ficalho; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, da Azarujinha, de Bivar, de S. Januario, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Villa Maior; Barjona de Freitas, Ornellas, Pereira de Miranda, Barros e Sá, Barreiros Arrobas, Couto Monteiro, Pequito de Seixas, Costa Lobo, Palmeirim, Bazilio Cabral, Serpa Pimentel, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Abreu e Sousa, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Pinto Basto, Reis e Vasconcellos, Serpa Pimentel, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Lourenço de Almeida, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida Fernandes Vaz.

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