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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 65

EM 3 DE JUNHO DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os Dignos Pares

Visconde de Athouguia Fernando Larcher

SUMMARIO: — Leitura e approvação da acta.— Expediente. — O Digno Par Avellar Machado requer que as commissões de fazenda e obras publicas sejam auctorizadas a reunir durante a sessão. Este requerimento é approvado. — O Digno Par Santos Viegas requer que, dispensado o Regimento, entre em discussão o parecer n.° 61. Approvado este requerimento, é em seguida approvado o parecer sem discussão. — O Digno Par Sebastião Baracho refere-se novamente á questão pendente entre os operarios manipuladores de tabacos no Porto e a companhia. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda. — O Digno Par Sebastião Baracho allude depois a factos occorridos em diversos concelhos do districto de Coimbra. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. — O Digno Par Avellar Machado mania para a mesa um parecer sobre o projecto que se destina a conceder á Sociedade de Geographia isenção de franquia postal. Foi a imprimir. — O Digno Par Visconde de Chancelleiros manda para a mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro da Guerra sobre a deportação de praças de infantaria 18, advoga a conveniencia da construcção do ramal da Merceana a Dois Portos, allude ao requerimento em que o Exmo. Sr. Conde de Mossamedes pediu que lhe fosse permittido entrar na Camara por direito hereditario, e requer que seja publicada nos Annaes uma mensagem que apresentou no final da sessão legislativa do anno passado. A Camara approvou este requerimento

Ordem do dia. — Discussão do parecer n.° 60, Orçamento Geral do Estado. — O Digno Par Carrilho apresenta uma proposta que tem por fim regular os termos da discussão e votação do projecto. É approvada. - Usa da palavra sobre o assumpto o Digno Par Laranjo, que justifica uma moção. É lida e admittida, e ficou em discussão conjuntamente com o projecto. — O Digno Par Visconde de Chancelleiros requer que a mesa marque, desde já, dia para a interpellação que annunciou ao Sr. Ministro da Guerra Acerca d'este requerimento, sobre o qual a Camara não chegou a pronunciar-se, trava-se discussão em que tomam parte os Srs. Ministro da Guerra, Mattoso Côrte Real, Eduardo Coelho, Ministro da Marinha, Moraes Carvalho e Carrilho..— Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás 2 horas e meia da tarde, verificando-se a presença de 22 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Marinha, satisfazendo um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio da Camara Municipal de Elvas, pedindo, para a biblioteca d'aquella Camara, alguns livros e publicações que pelo archivo d'esta Camara possam ser cedidos.

Á secretaria.

Requerimento do Exmo. Sr. Conde das Galveas, pedindo para prestar juramento por direito hereditario.

Á commissão de verificação de poderes.

Officios da presidencia da Camara dos Senhores Deputados, remettendo as proposições de lei que teem por fim conceder a Maria da Graça Lopes a pensão mensal de 12$000 réis; a garantir ao capitão de artilharia João Gomes do Espirito Santo o direito de reclamar do castigo que lhe foi imposto em 30 de setembro de 1897; a permittir a varias fabricas de destillação a exploração do fabrico do açucar; a regalar a promoção dos officiaes no? quadros não combatentes; a contar para o effeito de promoção a antiguidade no posto de tenente a Francisco José Dinis; a manter ao conductor de obras publicas Arthur Gomes da Silva os vencimentos que percebia antes do decreto de 20 de agosto de 1892; a contar, para a reforma, ao capitão Frederico Luis Gomes, todo o tempo de serviço nas obras publicas do estado da India; a contar para a reforma, ao coronel Joaquim Carlos Paiva de Andrada, o tempo que servia na Companhia de Moçambique, em Africa; a determinar os encargos do emprestimo que se contrahir para a compra de armamento; e a isentar do pagamento de porte do correio a correspondencia aberta da Sociedade de Geographia de Lisboa. Foram ás commissões respectivas.

O Sr. Avellar Machado: — Requer seja consultada a Camara sobre se permitte que as commissões de fazenda e obras publicas reunam durante a sessão.

Consultada a Camara, concedeu a permissão pedida.

O Sr. Santos Viegas: — Por parte da commissão de administração publica, requer seja consultada a Camara, sobre se permitte que o projecto de lei a que se refere o parecer n.° 61 entre em discussão antes da ordem do dia.

Consultada a Camara, approvou o requerimento e, posto o referido projecto em discussão, foi approvado, sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade.

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É do teor seguinte:

Parecer n.° 61

Senhores. — Á vossa commissão de administração publica foi apresentada a mensagem, vinda da outra casa do Parlamento, sobre o projecto de lei n.° 60, apresentado pelos Srs. Deputados pelo districto de Beja, para ser auctorizada a Camara Municipal de concelho da Vidigueira a contrahir um emprestimo de 25:000$000 réis, com o Banco Hypothecario. a juro de 4 ½ por cento com o fim de pagar a mesma camara os dois emprestimos de 5:940$000 e 5:310$000 réis, que tem a juro e amortização no referido banco e contraindo; em 1891 e 1896, e applicar o resto ai demais dividas da camara devidamente legalizadas.

O emprestimo é contrahido a juro de 4 ½ por cento e amortizavel em sessenta annos, e tem o projecto ainda por fim o auctorizar a camara municipal a elevar a percentagem da parte das contribuições, destinadas ao pagamento das despesas d'este emprestimo e mais encargos da referida camara, a 75 por cento das contribuições geraes do Estado.

É claro que a razão que assiste esta providencia, e o estado em que se encontra a referida camara, que torna impossivel, ou pelo menos muito difficil, a sustentação da sua autonomia, e em taes circunstancias justo é que o projecto vindo da outra casa do Par lamento seja approvado.

Sala da commissão, em 26 de maio de 1903. = Antonio de Azevedo Castello Branco = Julio Marques de Vilhena = Conde de Avila = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Pereira e Cunha = Marguez da Praia e de Monforte, Duarte = Telles de Vasconcellos = Tem voto do Sr. Visconde de Villar Secco.

Parecer n.° 6l-A

Senhores. — A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de administração publica.

Sala das sessões da commissão, 26 de maio de 1903. = Julio de Vilhena = Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio M. P. Carrilho = José da Silveira Vianna = A. de Azevedo Castello Branco = Pereira e Cunha = Avellar Machado = Moraes Carvalho = Telles de Vasconcellos, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 60

Artigo 1.° É auctorizada a camara Municipal do concelho da Vidigeira a contrahir com a Companhia Geral de Credito Predial Português um emprestimo até 25:000$000 réis. ao juro de 4 ½ por cento e amortizavel em sessenta annos, destinado ao pagamento dos emprestimos de réis 5:940$000 e 5:310$000; contrahidos com o mesmo estabelecimento bancario em 1891 e 1896, e bem assim ao de todas as demais dividas passivas devidamente legalizadas.

Art. 2.° Para fazer face aos encargos d'este emprestimo e ás demais despesas geraes do municipio é a mesma camara municipal auctorizada a elevar a percentagem da parte das contribuições, a esse fim destinada, a 75 por cento das contribuições geraes do Estado.

Art. S.3 Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 23 de maio de 1903. = Matheus Teixeira de Azevedo, presidente = Amandio Eduardo da Motta Vaga, 1.° secretario = José Joaquim Mendes Leal, 2.° secretario.

O Sr. Sebastião Baracho: — Referindo-se a ontem, á questão dos operario manipuladores de tabaco no Porto, e pedindo e instando com o Sr. Ministro da Fazenda para que S. Exa. se dignasse manter e sustentar a sua deliberação relativa á reunião do juizo arbitral naquella cidade, respondeu-lhe S. Exa. por forma a elle, orador, perceber que mantinha o que tinha deliberado, e queria que se cumprisse a sua deliberação.

Se efectivamente é essa a interpretação a dar á resposta do Sr. Ministro da Fazenda... (Apoiados do Sr. Ministro da Fazenda) desejava que S. Exa. o confirmasse. como acaba de fazer pelo seu «apoiado», pois poderá nesse caso responder a uma communicação que hoje recebeu d'aquelles operarios.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Se o Digno Par lhe dá licença, desde já responde.

Disse hontem S. Exa. que no Ministerio da Fazenda se tinha recebido um officio da Companhia dos Tabacos, pedindo esclarecimentos sobre o despacho que tinha lavrado, e que elle, orador, respondeu a essas duvidas por forma a manter o seu despacho.

Deve ainda, dizer que hoje entrou tambem no Ministerio da Fazenda um officio dos operarios das fabricas do Porto narrando os factos já pelo Digno Par hontem aqui referidos, e que boje mesmo ordenou que se acatasse o eu despacho, e que o commissario regio no Porto reunisse o juizo arbitral, ainda quando a companhia ali não mandasse delegados seus.

Assim, entende que não pode haver duvidas no cumprimento do seu despacho, a não ser que a companhia por si propria entenda que o Governo saiu ora da lei, e recorra pelas vias competentes.

O Sr. Sebastião Baracho (continuando): — Reconhece a boa vontade do Sr. Ministro da Fazenda neste assumpto; ouviu com attenção a sua resposta, e regista-a porque, tendo recebido de uma commissão de operarios do Porto communicação de que na sexta feira viriam a Lisboa, a fim de dar impulso a esta questão, é de caridade avisá-la, dizendo-lhe que já está attendida e que, portanto, é inutil vir á capital.

Isto vae fazer, visto que se trata de gente proletaria, que não pode estar a abrir a bolsa para despesas inuteis.

Antes de entrar nas razões que imperaram no seu espirito para pedir a presença do Sr. Presidente do Conselho, pergunta a S. Exa. se já ha parecer da Procuradoria Geral da Coroa acêrca da questão que lhe está affecta do provimento de. cadeiras do Curso Superior de Letras.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Ainda lhe não foi remettido esse parecer.

O Orador: — Parece-lhe que igualmente ainda não foi dado parecer sobre a questão do Cabido da Só com a Curia Romana.

Sobre este parecer, o illustre titular da pasta da justiça affirmou nesta Camara que parecia que só faltava fazer-se a copia, isto ha cêrca de dois meses.

Regista estes factos, pedindo e instando para que lhe seja dada copia dos dois pareceres. Ainda não requereu o parecer que diz respeito ao Curso Superior de Letras, mas vae requerê-lo logo.

Agora chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para o que se passa em Miranda do Corvo.

Um antigo membro da municipalidade de Miranda do Corvo foi, pela respectiva commissão districtal, condenado em 1894 a pagar 200$000 réis por causa de um desfalque no cofre da mesma camara. Appellou para o contencioso administrativo e ahi foi, em 1901, confirmada a sentença, que baixou á administração do concelho para ser cumprida.

Mas, dias depois, o governador civil ordenou que o processo lhe fosse reenviado, e nunca mais lhe deu andamento.

A camara municipal representou sobre o facto, e ainda não foi attendida. Com respeito á mesma camara chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para um facto expresso numa representação que em 23 de agosto de 1902 foi dirigida ao Sr. governador civil de Coimbra pela mesma camara. A representação é a seguinte:

«Illmo. e Exmo. Sr. — A camara municipal d'este concelho de Miranda do Corvo, em sessão de 9 de agosto do

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corrente anno, deliberou representar a a V. Exas. expondo os graves acontecimentos que tiveram logar na serra do Vidual, freguesia de Rio de Vide, d'este concelho, no dia 17 de julho, em occasião em que a Camara ali foi officialmente, e, pedir as providencias que a V. Exa. lhe parecerem necessarias, como representante do Governo e chefe da autoridade administrativa d'este districto. Est Camara desde tempos immemoriaes está ha posse da serra do Vidual, que é e .sempre foi considerada baldio municipal, e nessa qualidade está descrita; confrontada e avaliada emdois inventarios de baldios feitos com todas as formalidades legaes, o primeiro em 1885 e o segundo em 1891

Por investigações de individuos estranhos a este concelho, e que procuram explorar para fins eleitoraes com os polvos da freguesia de Rio de Vide, alguns d'estes pretenderam apossar-se do referido baldio, dividindo-o em sortes, demarcando-as com marcos e regoes e fazendo até escrituras de divisão, como se tal baldio fosse d'elles propriedade particular. Chegando estes facetos ao conhecimento da Camara; e conscia esta que o seu primeiro dever consiste em defender os bens e interesses municipaes acima de quaesquer considerações ou conveniencias, procurou por meios suasorios dissuadi los d'aquelle intento, mas, vendo que nada conseguia, resolveu ir em corporação ao referido baldio, para destruir todos os sinaes de demarcação, e assim desforçar-se da usurpação que alguns moradores d'aquella freguesia tentavam effectuar. E não deixou de pedir a assistencia e o auxilio do Sr. administrador do concelho, por entender que a este cumpria auxiliar a Camara no seu intento de defender os interesses municipaes. No dia 17 de julho do corrente anno, pelas 8 horas da manhã, chegou a Camara á serra do Vidual e foi recebida por mais de 300 pessoas d'aquella freguesia armadas de foices, paus, forquilhas, etc. e que com grande algazarra e motim dirigiram á Camara e individualmente a cada um dos seus membros as maiores injurias e ameaças; impedindo a Camara de se aproximar e affirmando em gritaria que fariam ás postas os que d'ali passassem, arremessando ao mesmo tempo pedras, que só por mero acaso não feriram quaesquer dos vogaes da Camara. A tudo isto assistiu o Sr. administrador do concelho, que para ali tinha ido previamente è ainda ali ficou na companhia dos amotinados, depois da Camara se ver obrigada a retirar-se, não prestando aquella autoridade o menor auxilio á Camara e tendo-se negado a requisitar força publica, como official e particularmente lhe tinha sido pedida pela Camara na previsão de que os povos se amotinariam, como já muito antes era publico e notorio.

Vendo-se pois a Camara sem o menor auxilio da auctoridade e força publica, teve de retirar participando estes factos ao poder judicial; e aguardou o procedimento da auctoridade administrativa para punir os auctores de tão grave attentado e evitaria sua repetição. Esperou em vão. Nenhumas providencias deu o Sr. administrador do concelho, e nem ao menos sé dignou alevantar auto de investigação contra esses factos, de que elle proprio fora testemunha presencial e cujos promotores e cabeças de motim elle bem conhecia melhor de que ninguem. Tornam-se pois estes factos mais graves e de peores consequencias futuras pela indifferença com que a elles assistiu a auctoridade administrativa e pela convicção que adquiriram os amotinadores de que lhes está garantida a impunidade, sejam quaes forem os desatinos que pratiquem contra a Camara.

Esta convicção foi revelada e por uma forma evidente na occasião do motim, pois ali, em altos gritos, muitos d'elles declararam que estavam aconselhados a assim proceder pelo proprio Sr. governador civil do districto, que lhes promettera contra a Camara o auxilio da força armada, e que lhe affirmara quê podiam matar dois ou tres vogaes da Camara, que só uma noite dormiriam na cadeia.

Não faz esta Camara á V. Exa. a grave injuria de o suppor connivente e muito menos instigador de taes crimes. Mas decerto foram os mesmos individuos que aconselharam e instigaram o povo os que lhe fazem crer no auxilio e na connivencia da auctoridade; e é por isso que esta Camara se julga na obrigação de revelar estes factos á V. Exa. para que possa manter o prestigio da sua auctoridade, assim desacatada e offendida.

Está esta Camara no firme proposito de não deixar usurpar os baldios, mas precisa do auxilio da auctoridade administrativa e ousa contar com todo o apoio de V. Exa. visto tratar-se de um assumpto tão importante para os interesses d'este municipio.

Levando pois estes factos ao conhecimento de V. Exa., representa pedindo:

1.° Que V. Exa. dê as suas providencias, para que seja restabelecido o prestigio da auctoridade da camara municipal, gravemente offendida rio motim de 17 de julho.

2.° Que no dia que esta Camara resolver ir ao baldio do Vidual desforçar-se da usurpação tentada pelos povos levando a effeito a diligencia que não póde effectuar-se no dia 17 de julho, V. Exa. se digne prestai-lhe o auxilio da auctoridade administrativa e da força armada, por forma a manter-se em respeito os amotinadores, impedindo-se a repetição de taes acontecimentos. = Joaquim Rodrigues da Costa Gonçalves = João de Jesus Lucas = Avelino Domingues = Joaquim Pimentel de Mello.

A Camara, não tendo obtido resposta á sua representação, instou de novo com o Sr. governador civil em janeiro de 1903, num officio que é do teor seguinte:

«Illmo. e Exmo. Sr.— Em 23 de agosto de 1902 enviou esta Camara a V. Exa. uma representação pedindo providencias sobre os graves acontecimentos que se deram na serra do Vidual quando a mesma camara ali foi officialmente desforçar-se dos actos abusivos praticados nos baldios d'aquella serra, que sempre e desde tempos immemoriaes tem estado na posse doeste municipio; impetrando ao mesmo tempo de V. Exa. o auxilio da forca publica para a camara se oppor á usurpação dos mesmos baldios. Como até ao presente não tenha havido resposta alguma foi proposta em sessão de 10 do corrente e approvado unanimemente que se officiasse a V. Exa. instando pela resposta á alludida representação e pelas providencias que nella se pediam, visto esta camara não querer em tempo algum ser accusada de desleixo na defesa dos direitos e interesses do municipio ou de connivencia com os usurpadores ou com quem os instiga, e em cumprimento do que foi deliberado pela camara.

Nestes termos venho rogar a V. Exa. se digne responder á mencionada representação.

Deus guarde a V. Exa. Miranda do Corvo, 13 de janeiro de 1903. = Illmo. e Exmo. Sr. governador civil do districto de Coimbra. = O Presidente da camara, Joaquim Rodrigues da Costa Gonçalves».

Este officio tambem não teve resposta.

Não quer alargar-se em considerações acêrca d'estes factos, que deixa patentes, mas a Camara bem vê quanto elles são irregulares e deploraveis.

Ainda a respeito do orçamento da Camara Municipal de Miranda do Corvo, orçamento que versava apenas sobre despesa obrigatoria, dirá que esse' orçamento foi enviado ao administrador do concelho em 22 de dezembro de 1902. Em 23 de março e 27 de abril a Camara officiou ao governador civil pedindo a approvação do orçamento, que lhe estava fazendo muita falta.

Pois o que é certo é que só na quinta feira passada é que foi approvado o ornamento, que estava sujeito á com-

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missão districtal, e isto depois de elle, orador, ter annunciado aqui que ia pedir a este respeito providencias ao Sr. Presidente do Conselho.

Outro tanto se deu com a Camara de Penella, que enviou o seu orçamento ao administrador do concelho em 17 de dezembro de 1902, e que a commissão districtal recebeu dois dias depois.

Pois tambem só na ultima quinta feira, e pelo mesmo motivo, é que o orçamento foi approvado.

Vae apenas narrando es factos para que se possa apreciar a situação em que se encontram aquelles povos, devido á anarchia mantida Dela auctoridade administrativa.

Quanto ao assumpto que diz respeito a Lousa, é o caso que numa propriedade do Dr. Carlos Saccadura foi por alguns individuos queimado o mato ahi existente.

O Dr. Saccadura fez queixa em juizo, mas os officiaes de justiça encarregados de citar as testemunhas foram desacatados e corridos á pedra.

O juiz levantou auto da occorrencia e pediu força ao governador civil. Demorou-se a resposta. Instou, e foi-lhe então respondido pelo governador civil — que julgava inopportuna - a intervenção da forca armada no assumpto. O juiz communicou o facto á Presidencia da Relação do Porto, que providenciou, mas tambem sem obter resultado algum. O processo parou no cartorio, e os criminosos ficaram impunes.

Quasi um anno depois, em junho de 1902, o Dr. Saccadura, perdida a esperança de obter reparação no juizo crime, propôs contra os auctores do attentado uma acção civel.

Os officiaes encarregados da citação dos réus foram ameaçados de morte, e não puderam realizá-la.

O processo eivei parou tambem porque a auctoridade judicial não conseguiu obter força armada para fazer respeitar e cumprir os seus mandados.

Ultimamente outra propriedade do Dr. Saccadura tem sido ameaçada de devastação pelos agitadores da Lousa.

Elle, orador, chama a attenção do Sr. Ministro do Reino para este facto, a fim de que S. Exa. dê providencias, em respeito á lei e aos direitos dos cidadãos que a mesma lei protege.

Quando se dirigiu ao Sr. Ministro da Justiça sobre este assumpto S. Exa. respondeu-lhe que não conhecia a questão e que este facto estava affecto ao Sr. Ministro do Reino.

É para S. Exa. que vae appellar, pedindo-lhe que ponha termo á anarchia que lavra em Lousa, bem como em outras partes.

E para não sair do districto de Coimbra passa a referir-se á syndicancia feita á Misericordia de Arganil, syndicancia que esteve dormindo o somno dos justos.

Sabe que ha poucos dias a Misericordia foi dissolvida, e que o alvará não foi assinado nem pelo governador civil, nem pelo secretario geral, mas sim por um primeiro official a quem já se referiu quando tratou da eleição de Serpins.

Chame, tambem para este ponto a attenção do Sr. Presidente do Conselho, pedindo igualmente a S. Exa. que restabeleça a normalidade, porque todos estes factos põem bem em evidencia o actuai estado de anarchia.

Sabe que o thesoureiro da Misericordia foi demittido.

Se houve irregularidades, não defenderá quem as praticou. Mas é isso o que ignora e desejaria ser devidamente informado.

Tem-se referido a concelhos na sua maior parte de politica1 franquista, mas elle, orador, continua no seu isolamento e levanta a sua voz, seja a favor de quem for, para que os direitos individuaes não sejam postergados.

Chamando, portanto, a attençào do Sr. Ministro do Reino para estes factos, tem apenas em vista pedir a S. Exa. que ponha termo ás occorrencias que se estão dando.

Vae ainda tratar de outro assumpto, respeitante á situação de um professor de Villa Nova de Milfontes.

O Sr. Presidente do Conselho mandou-lhe um documento pelo qual se vê que este professor está exercendo interinamente a cadeira desde 1881.

Contra isto já os povos da freguesia representaram em 1902, allegando que o professor estava invalido e em avançada idade, e não tinha habilitações.

Não teve resposta esta representação.

Ha pouco tempo a junta de parochia representou no mesmo sentido ao Governo, e si Camara Municipal de Odemira officiou ao sub-inspector do districto, lembrando o alvitre de reformar aquelle professor e substitui-lo por quem quer que seja.

Vae ler á Camara o documento que o Sr. Presidente do Conselho lhe enviou, e para o qual chama a attençào dos Dignos Pares:

«Despacho: — Conformo-me. — Portaria de 26 de dezembro de 1901. — Hintze.

Francisco Angelo de Sousa Prado rege interinamente a escola de Villa Nova de Milfontes, concelho de Odemira, desde 8 de dezembro de 1881, tendo tambem regido interinamente a escola de S. Martinho das Amoreiras desde 24 de julho de 1880. Pede este professor o seu provimento definitivo na escola de Milfontes, onde serviu por oito annos, sendo certo que as escolas primarias só podem ser providas temporariamente por concurso, e definitivamente com professores temporarios com tres annos de bom e effectivo serviço, é comtudo fora de duvida que o requerente tem dada provas de competencia para o magisterio, sem nada constar em seu desabono, por muito mais tempo (dezasete annos) do que seria necessario para o seu provimento definitivo, se temporariamente fosse. É este um caso excepcional que a lei em vigor não prevê, mas que julgo dever attender se. Não pode, em boa equidade, desprezar-se o serviço prestado por este professor com tão longo periodo de interinidade, a qual, se não lhe dá direito para ser provido definitivamente, é comtudo bom fundamento moral para justificar o despacho que o colloque com caracter effectivo na escola de Milfontes. Se ha differença entre um professor temporario com tres annos de serviço e um professor interino com vinte annos de magisterio, ninguem ousará affirmar que a differença não é favoravel para o ultimo. É por isto que esta repartição não Duvida de submetter a despacho a pretensão do professor de que se trata. V. Exa., porem, resolverá.

Secretaria do Reino, em 23 de dezembro de 1901. — O chefe da repartição, interino, Caldeira Rebollo.

Está conforme. — Secretaria, em 30 de maio de 1903 = O chefe da 2.ª Repartição, interino, João da Conceição Barreto».

Tudo isto é doutrina falsa; tudo isto se dispensa por causa dos dezasete annos de tolerancia que já teve de serviço; depois d'esta tolerancia que já teve de serviço, deve ser provido definitivamente.

Os povos queixaram-se porque queriam que o professor fosse substituido por quem estivesse habilitado a reger cadeira.

Chama pois a attençào do Governo para todos estes assumpos que acaba de se referir, porque todos são dignos da maior consideração.

O Sr. Presidente: — Chegou a hora de se passar á ordem do dia e por isso não poderá dar a palavra ao Sr. Presidente do Conselho sem o consentimento da Camara.

Vozes: — Fale, fale.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Depois da condescendencia que a Camara teve com elle, orador, será o mais breve possivel na sua resposta ao Digno Par o Sr Baracho.

S. Exa. tocou nos seguintes assumptos:

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Referiu se á Camara Municipal de Miranda do Corvo, que tinha intentado um processo relativo a um desfalque de 200$000 réis com que foi condemnado um membro da mesma camara.

E diz S. Exa. que se lavrou um accordão que até hoje ainda não foi cumprido.

A verdade é que sobre este assumpto ainda ninguem lhe pediu explicações, a não ser hoje o Digno Par.

Mas desde que S. Exa. a elle se referiu, vae inquirir o que ha a este respeito.

Depois S. Exa. referiu-se ainda á mesma camara acêrca d'uma questão sobre uns baldios e notou que a camara, querendo reivindicar esses baldios, a que se julgava com direito, se dirigiu ao governador civil para que lhe desse a força necessaria para effectuar a reivindicação.

E como não recebesse resposta, dirigiu-se ao mesmo magistrado, instando.

Deve dizer que o governador civil não tem que intervir nestes assumptos, e não tem que intervir porque a questão dos baldios é uma questão de propriedade. As questões de propriedade são resolvidas pelos tribunaes.

O Sr. Sebastião Baracho: — Era uma questão de ordem publica.

O Orador: — Uma cousa é a questãa de ordem publica e outra o direito de propriedade.

A Camara Municipal de Miranda do Corvo podia julgar-se lesada; mas não é perante o governador civil que tem de fazer prevalecer os seus direitos; é perante os tribunaes que ella deve recorrer.

Elle, orador, tem sempre recommendado aos governadores civis que só intervenham com a forca armada para manter e fazer cumprir as decisões dos tribunaes.

Referiu-se depois o Digno Par aos orçamentos das Camaras de Miranda do Corvo e Penella, mostrando ter havido demora na approvação d'esses orçamentos.

Deve dizer que as Camaras Municipaes de Miranda do Corvo e Penella são camaras de segunda ordem, e que os seus orçamentos não são sujeitos, por isso, á approvação do Governo. São as commissões districtaes que tomam conhecimento d'elles. O Governo só é chamado a intervir quando para elle se recorre, e não houve da parte d'essas camaras recurso para o Governo.

Todavia, mandou inquirir do que havia a este respeito, e recebeu do Sr. governador civil de Coimbra um telegramma: (Leu).

No tocante á questão da Lousa, o Digno Par contou o succedido com o

Sr. Dr. Saccadura, a quem foi queimado o mato de uma propriedade, e que já foi ameaçado de que lhe seriam queimadas outras propriedades.

No tocante á ameaça, toma a na devida consideração, a que não faltará.

No que respeita ao mais, todo o cidadão pode queixar-se, e a queixa, quando justa, tem que ser attendida.

Mas o Sr. Dr. Saccadura não se queixou ao Ministerio da Justiça, nem ao do Reino.

Offendido, molestado, nos seus direitos, e nas suas garantias individuaes, um medico distincto, o Dr. Franqueira, recorreu aos meios legitimes: fez a sua queixa para que se procedesse contra um juiz de direito que elle entendia ter abusado do poder.

Agora, neste caso, pode informar o Digno Par de que nenhuma queixa chegou até hoje ao conhecimento d'elle orador, e se a houve ainda não foi impetrada a sua intervenção para que não deixasse de ser cumprido qualquer mandado judicial, por incuria ou reluctancia da auctoridade administrativa.

O Digno Par, depois, referiu-se á Misericordia de Arganil, que foi dissolvida.

Disse o Digno Par, com aquelle espirito de t rectidão que o caracteriza, que, se effectivamente houve factos irregulares, abusivos, e que se o correctivo foi a dissolução da mesa da Misericordia, e a demissão do thesoureiro, não tem que impugnar, em vez de combater.

Elle, orador, torna o Digno Par, com o seu espirito de rectidão, juiz dos factos que constam das informações que se colheram, e consta do processo que está aqui.

(Leu).

Este documento vae publicado no fim da sessão.

Como a Camara vê, a mesa da Misericordia apenas se defendeu, dizendo que não era a unica culpada nas faltas apontadas pelo syndicante, pois que as mesas transactas procediam de igual modo.

Esta foi a unica defesa da mesa arguida por irregularidades tão graves.

Em vista d'isto a informação do governador civil foi pela dissolução, e elle, orador, conformou-se com a dissolução.

Aqui está o que se passou.

O Sr. Sebastião Baracho: — Quer V. Exa. mandar publicar esse documento que leu?

O Orador: — Vae mandá-lo para a mesa. Fica á disposição do Digno Par e da Camara.

Agora, quanto ao professor de Milfontes, que foi o ultimo assumpto a que o Digno Par se referiu, dirá que este professor tem regido a cadeira ha perto de vinte annos, com zelo e assiduidade.

Nenhum professor queria aquella cadeira.

Isto, pelas condições da terra, a 11 leguas da estação do caminho de ferro de Odemira.

Na transição do antigo regime de instrucção primaria para o actual, este professor foi tornado electivo.

Aqui tem S. Exa. qual é o granda erro d'elle, orador.

O Sr. Sebastião Baracho: — Mando para a mesa um requerimento. Pede tambem ao Sr. Presidente se digne consultar a camara sobre se consente que seja publicado o documento relativo á dissolução da misericordia de Arganil.

A Camara assentiu ao pedido do Digno Par e o requerimento foi lido e mandado expedir. É do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada, com urgencia, copia da consulta da Procuradoria Geral da Coroa sobre o provimento das duas cadeiras do Curso Superior de Letras. = Sebastião Baracho.

O Sr. Avellar Machado: — Manda para a mesa um parecer sobre o projecto de lei que tem por fim conceder á Sociedade de Geographia de Lisboa isenção da franquia postal para a sua correspondencia.

Foi a imprimir.

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — Pediu a palavra na sessão de hontem, insinuaram lhe que falasse hoje antes da ordem do dia, mas o Sr. Presidente do Conselho tomara todo o tempo destinado a essa parte da sessão; e elle, orador, que não tem culpa d'isso, pediu a palavra antes da ordem do dia e não a cede.

Consultada a Camara sobre se deve ser dada a palavra ao Sr. Visconde de Chancelleiros, com prejuizo da ordem do dia, resolveu affirmativamente.

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — Tem tomado pouco tempo á Camara nesta sessão, por infelicidade sua e felicidade da Camara — tem estado doente — mas, apesar de doente, sentiu no seu espirito uma tão funda impressão quando se deu o caso da deportação dos militares compromettidos na insubordinação de Santo Ovidio que, se soubesse que se tinha feito uma modificação no artigo 62.° do Regimento d'esta casa, no sentido de ser permittido a um Par dirigir por carta ou officio a nota de interpellação, tê-la-hia dirigido, tal foi a impressão profunda que

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no seu espirito causou o facto a que se refere.

Vae, pois, mandar para a mesa uma nota de interpellação a esse respeito. Se o Sr. Ministro da Guerra estivesse presente, requeria á Camara dispensa do Regimento para ter ensejo de dirigir algumas palavras a S. Exa. a esse respeito.

Vê, pela assistencia dos seus collegas, que estão em numero de 20, quando ao todo são 120, que hoje se discute uma questão importante, a mais importante que temos tido entre nós, como é a do orçamento. (Apoiados).

A assistencia de 20 membros d'esta Camara á sessão prova a demasiada confiança na gerencia do Governo, ou um tão fundo desalento de espirito que vae até á infracção de um dever constitucional, não vindo aqui.

Não ha muito tempo ouviu nesta Camara um discurso arte nova; passados dias elle, orador, usou da palavra e fez um discurso arte velha.

A modificação do artigo do Regimento a que se referiu é um processo novo, mas pede ao Sr. Presidente que, contra os habitos estabelecidos nesta casa, lhe communique por officio quando o Sr. Ministro da Guerra se der por habilitado a responder á sua interpellação.

Não vê presente na bancada do Governo o Sr. Ministro das Obras Publicas, cuja voz maviosa ouve todavia na sala, perto de si, e ao qual desejava annunciar uma interpellação sobre o ramal do caminho de ferro da Merceana.

Quando ha alguns minutos um dos Dignos Pares perguntou a elle, orador, se esse caminho de ferro tinha sido contemplado agora, respondeu-lhe que não precisava TJ e o ser porque o ramal da Merceana já está ha muito tempo construido.. . no papel!

Como não é só elle, orador, a malbaratar o tempo, contará á Camara um episodio a proposito do ramal da Merceana.

Ha annos teve a honra de ser visitado pelo actual Sr. Ministro da Justiça, que o era do Obras Publicas, com um então collega d'elle, cujo nome não repetirá.

Por essa occasião recebeu tambem a visita do Sr. Bispo de Coimbra, que tinha saido de Lisboa em caminho de ferro e ido de carruagem desde Villa Franca até á Cortegana.

S. Exa. chegara fatigado.

Elle, orador, observou lhe: E pena que V. Exa. não se lembrasse do ramal da Merceana. O illustre prelado respondeu: — Á volta. Elle, orador, con testou: — Não pode ser; esse ramal está apenas no papel.

Consta-lhe até que a companhia concessionaria nem pagou o imposto do registo quando a linha passou para as suas mãos.

Está presente o Sr. Ministro da Fazenda e S. Exa. poderá dizer se sim ou não.

Vae-se alongando. Tenha o Sr. Presidente paciencia, que a palavra falada vale tanto como a escrita, e diz aqui do lado um seu i illustre amigo que palavra puxa palavra. Ninguem o sabe melhor de que o Sr. Presidente do Conselho.

Teve occasião, quando falou na sessão passada, de pronunciar aqui umas palavras com referencia a um discurso que anteriormente acabava de pronunciar o seu honrado amigo Sr. Moraes Carvalho. Foram palavras improvisas, sob a inspiração de momento, mas eram palavras justificativas do seu desejo de ver approvada a mensagem que em tempo apresentou a esta Camara.

Nas circunstancias extraordinarias que atravessamos, julga que durante o periodo constitucional, desde 1833 até hoje, não foi dirigida nenhuma outra mensagem a El-Rei.

Queria que essa mensagem fosse ao menos publicada nos nossos Annaes parlamentares. Annaes lhe chamamos; banaes lhe chamará alguem. (Riso).

Surprehendeu o muito outro dia que, por insistencia do Sr. Jacinto Candido, fossem publicadas paginas e paginas de documentos da iniciativa de S. Exa. quando Ministro da Marinha.

Se é necessario pede ao Sr. Presidente que consulte a Camara para que a sua mensagem seja publicada; hoje com mais razão que hontem, ámanhã com mais razão do que hoje.

Elle, orador, não quer senão um Governo de economias, de justiça, de moralidade; o que pede á Camara é que lembre a El-Rei. . . (Pausa) a palavra, diz o orador, ficou-lhe suspensa.

Quando falar na questão politica então dirá. . .

Vae mandar para a mesa a sua mensagem e deseja que ella venha publicada nos Annaes parlamentares»

Quer que d'aqui a alguns annos ella possa ser ida no Parlamento como tantos outros documentos que teem sido publicados desde 1834 para cá, e pelos quaes se podem apreciar os actos dos homens publicos.

Pede ao Sr. Presidente que, logo que acabe de falar, consulte a Camara sobre se permitte que esta publicação seja feita.

Mas deixará este assumpto.

Ha dias um Digno Par que foi seu collega no Ministerio, o Sr. Costa Lobo, fez um requerimento pedindo que todos os documentos relativos ao assumpto que é objecto da sua interpellação fossem enviados pelo Ministerio da Guerra á mesa d'esta Camara. Não sabe se já vieram.

Se vieram, deseja consultá-los; se não vieram...

O Sr. Presidente: — Os documentos pedidos pelo Digno Par o Sr. Costa Lobo já foram enviados á Camara e, por auctorização daquelle Digno Par, foram entregues ao Digno Par o Sr. Mattoso Côrte Real.

Uma explicação tem a dar a S. Exa. Não se recorda, e quasi pode affirmar que por nenhum Digno Par foi annunciada por officio qualquer interpelação a algum dos Srs. Ministros.

O Orador (Continuando): — Perdoe-lhe S. Exa. dizer que ha um mal entendido, o que não é para estranhar, visto que nas raras vezes que fala talvez difficilmente explique o seu pensamento.

Não disse o que S. Exa. julga; disse que o Digno Par arquem se referiu tinha usado um processo novo para annunciar interpellações aos Srs. Ministros. Aquelle Digno Par, usando da palavra, começou por dizer que annunciara uma interpellação ao Governo sobre um assumpto que classificava de muita importancia, dirigindo uma carta ao Sr. Presidente do Conselho e outra ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Foi em virtude d'estas cartas ou annuncio previo, que não vem consignado no regulamento d'esta Camara, que elle, orador, disse, e com propriedade, que era uma nova forma de annunciar interpellações.

Para elle, orador, pede a forma inversa, isto é, que lhe communiquem para o sitio onde estiver a data em que o Sr. Ministro da Guerra se declare habilitado para responder á sua interpellação.

Virá immediatamente pelo caminho de ferro, porque não pode utilizar outro meio de transporte, pois a estrada que lhe passa ao pé da porta está convertida num matagal, naquelle matagal a que hontem se referiu o Digno Par o Sr. Baracho.

Mandou ha tempo para a mesa um requerimento do Sr. Conde de Mossamedes pedindo que lhe fosse permittido tomar assento nesta casa como successor do seu pae.

Ha ou não ha uma commissão de verificação de poderes?

Ha ou não ha um parecer lançado sobre esse requerimento?

Ha, porque o leu.

Os membros da commissão teem obrigação de pronunciar o seu voto para que se não diga que obedecem a instrucções do Sr. Presidente do Conselho a fim de não considerarem nem o pedido de um dos candidatos, nem o pedido do outro, quando um dos dois

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pedidos ha de ser, por força, justificado por provas seguras.

Isto para que se não diga que a commissão, sob a influencia d'esse pedido ou recommendação, não dá o seu parecer.

Uma commissão de verificação de poderes é de verificação de poderes.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — É absolutamente inexacto que fizesse qualquer intimação, nem ninguem lh'a recebia, para ser dado ou não qualquer parecer.

O Orador: — Não affirmou; disse para que se não diga; e podia-se interpretar por essa forma, porque a commissão tem obrigação restricta de dar parecer.

Com este prurido de palavras que o Sr. Presidente lhe accendeu no espirito, quereria ir mais longe e a responsabilidade era de S. Exa., não querendo que elle, orador, falasse quando lhe cabia a palavra: e a questão é tão grave que por força seria protrahida a questão do orçamento.

Refere-se a factos que não quer sublinhar mais, mas que dizem tambem respeito a S. Exa. como Presidente d'esta assembleia, a quem cabe mais de que a ninguem o desforçar a Camara de qualquer affronta que se lhe possa dirigir.

Espera ainda ter occasião de largamente desenvolver as considerações que hoje faz.

Não quer por forma alguma que a Camara dos Pares, que tão preoccupada está com a questão financeira, deixe de considerar e ponderar essa questão, na qual tomará a palavra, se S. Exa. lh'a conceder, com mais benevolencia e mais desejo de o ouvir e garantir o uso d'ella, uso que tem livre e liberrimo.

Consultada a Camara, ficou auctorizada a publicação nos «Annaes» parlamentares da mensagem apresentada pelo Sr. Visconde de Chancelleiros.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 60

Orçamento do Estado

O Sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia, e vae ler-se o parecer n.° 60.

Foi lido e é do teor seguinte:

Parecer n.° 60

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou com a attenção que o assumpto merece a proposição de lei n.° 58 vinda da Camara dos Senhores Deputados, referente á autorização das receitas e á sua applicação ás despesas geraes do Estado na metropole, umas e outras relativas ao exercicio de 1903-1904.

E não obstante os lucidos e desenvolvidos pareceres emittidos pela commissão competente da Camara electiva, tanto sobre a proposta inicial do Governo, como sobre as emendas offerecidas durante a discussão do referido paracer, elaborado d'acordo com o Governo— a vossa commissão de fazenda julga util consignar aqui e meudamente as differenças finaes, que se encontram nas tabellas entre o que primitivamente fora proposto no orçamento datado de 7 de janeiro ultimo e o que se lê na proposição de lei, cujo exame nos está commettido.

Segundo a proposta de lei apresentada pelo Governo, datada como fica dito de 7 de janeiro ultimo, as receitas e as despesas do Estado na metropole para o exercicio futuro eram avaliadas nos termos seguintes:

RECEITAS :

Ordinarias:

Impostos directos 14.189:375$000
Sêllo e registo 5.432:300$000
Impostos indirectos 25.128:480$000
Impostos addicionaes 1.067:400$000
Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos 3.703:836$000
Compensações de despesa 4.618:950$090 54.140$341$090

Extraordinarias:

Imposto addicional de 5 por cento, etc -$- 785:000$000 54.925:341$090

DESPESAS:

Ordinarias:

Encargos geraes -$- 9.489:076$810
Divida publica fundada -$- 21.272:397$970
Differenças de cambios, alem das da divida publica -$- 400:000$000

Serviço proprio dos Ministerios:

Fazenda 3.987:001$554
Reino 3.120:428$912
Ecclesiasticos e de Justiça 1.092:467$430
Guerra 6.441:218$471

Marinha e Ultramar:

Marinha 3.272:332$540
Ultramar 915:608$500 4.187:941$040
Estrangeiros 363:150$260
Obras Publicas, Commercio e Industria 4.921:415$867 24.113:693$534
Caixa Geral de Depositos -0- 68:337$500

Extraordinarias: 55.343:435$814

Ministerios:

Fazenda 55:088$000
Reino 21:300$000
Guerra 133:775$809

Marinha e Ultramar:

Marinha 122:940$000
Ultramar 465:000$000 587:940$000
Estrangeiros 50:000$000
Obras Publicas, Commercio e Industria 535:000$000 1.381.603$809 56.725:039$623
Excesso das despesas sobre as receitas — Rs 1.799:698$533

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Segundo o respectivo parecer e seu pertence da respectiva eommissao da Camara dos Senhores Deputados, fizeram-se nestes numeros as seguintes alterações, que, como já dissemos, nos dois documentos a que nos referimos, estão largamente fundamentadas:

RECEITAS:
Ordinarias:
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Continuação do mapa

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Differenças no pareceres e pertence
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Differenças no parecer e pertence
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728 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Differenças no parecer e pertence
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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DAS OBRAS PUBLICAS COMMERCIO E INDUSTRIA

Differenças no parecer e pertence
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Differenças no parecer e pertence
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Differenças no parecer e pertence
Extraordinarias:
MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA

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As modificações expostas dão, em resumo, o seguinte resultado:
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Deve, porem, advertir-se que, alem das alterações referidas, ha, na proposição de lei, mais as seguintes:

A despesa ordinaria do Ministerio das Obras Publicas foi augmentada no cap. 2.°, art. 13.°, — construcção e conservação de estradas, verba que desdobra em duas secções, — com a importancia de 480:000$000 réis; e a extraordinaria do mesmo Ministerio, com a de 1.200:000$000 réis que se inseriu no cap. 5.°, para pagamento de construcção e grandes reparações de estradas de 1.ª e 2.ª ordem no corrente exercicio de 1902-1903, nos termos da alinea d) do art. 20.° da carta de lei de 14 de maio de 1902 e art. 53.° do actual projecto de lei para 1903-1904.

Não se mencionaram porem na recapitulacão que fizemos acima para os calculos, em consequencia d'estas verbas, na quantia de 1.680:000$000 réis, não influirem no resultado do déficit, por terem compensações iguaes.

Da importancia descripta na despesa ordinaria 80:000$000 réis, compensam-se com diminuição egual no cap. 2.° da despesa extraordinaria, de onde se transferiram ; os restantes 400:000$000 réis e mesmo os 1.200:000$000 réis para despesas de estradas no corrente exercicio de 1902—1903 são do mesmo modo balanceados com o producto da operação a realizar com destino E estradas, a qual tambem nos calculos anteriores se omittiu, pelas razões expostas, mas que, em conformidade das disposições que ficam citadas, se descreve no mappa da receita extraordinaria.

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 733

Assim, teremos perfeitamente balanceadas as seguintes verbas:
Receitas extarordinarias (Parecer) 1.200:000$000
(Annexo). 400:000$000 1.600:000$000

Despesas:

o Ordinarias — Ministerio das Obras Publicas (Annexo) + 480:000$000
(Annexo) — 80:000$000 400:000$000

Extraordinarias — Ministerio das Obras Publicas (Parecer) 1.200:000$000 1.600:000$000

Feitas na proposta de lei inicial todas as correcções a que nos referimos, as receitas e as despesas previstas ou autorizadas para o exercicio de 1903-1904 são as que constam da proposição de lei, vinda da Camara dos Senhores Deputados, a saber:

RECEITAS :

Ordinarias:
Impostos directos 14.188:425$000
Sêllo e registo 5.470:500$000
Impostos indirectos 25.093:080$000
Impostos addicionaes 1.067:400$000
Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos 3.777:036$000
Compensações de despesa 4,574.323$500 54.170:764$500

Extraordinarias:
Imposto addicional extraordinario de 5 por cento, etc .. 785:000$000 Importancia das sommas levantadas e a levantar, nos termos da alinea d) do artigo 20.° da carta de lei de 14 de maio de 1902 e artigo 53.° do projecto de lei para 1903-1904, etc., com destino a construcções e grandes reparações de estradas, etc 1.600:000$000 2.385:000$000 56 555.754$500

DESPESAS:

Ordinarias:
Encargos geraes -$- 9.484:022$810
Divida publica fundada -$- 21.272:397$970
Differenças de cambios, alem das da divida publica -$- 260:000$000

Serviço proprio dos Ministerios:

Fazenda 3.810:429$284
Reino 3.002:800$089
Ecclesiasticos e de Justiça 1.093:967$430
Guerra 6.411:218$471

Marinha e Ultramar:

Marinha 3.289:416$540
Ultramar 915:608$500 4:205:025$040
Estrangeiros 359:650$260
Obras Publicas, Commercio e Industria 5.118:935$087 24 002:025$661
Caixa Geral de Depositos, etc. 63:837$500
55.082:283$941

Extraordinarias: Ministerios:

Fazenda 35:588$000
Reino 32:190$000
Guerra 115:775$809

Marinha e Ultramar:

Marinha 122:940$000
Ultramar 465:000$000 587:940$000
Estrangeiros 40:000$000
Obras Publicas, Commercio e Industria 1.465:000$000 2.276:793$809 57.358:777$750

Excesso das despesas sobre as receitas — Rs 803:013$250

No texto da primitiva proposta de lei da Camara dos Senhores Deputados fizeram-se tambem importantes alterações, já explicando, na parte relativa ao alcool, o decreto de 14 de junho de 1901, em relação á producção das fabricas d'esse producto nos Açores; já declarando o rendimento collectavel dos predios urbanos inscriptos na matriz depois de 29 de julho de 1899, não comprehendido no contingente da contribuição predial, antes sujeito ao imposto unico de 10 por cento, passivel apenas dos addicionaes legalmente lançados pelas camaras municipaes, e bem assim declarando como deve ser lançado o addicional para o fundo de instrucção primaria; já estabelecendo novas providencias relativas á abertura de creditos especiaes, aos fornecimentos de qualquer ordem para o expediente das secretarias d'Estado e suas dependentes, ao pessoal da Inspecção Geral dos Impostos, á isenção excepcional de direitos de importação aduaneira, aos titulos de divida publica que servirem de caução, aos empregados

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addidos e alem dos quadres legaes; á modificação no decreto com força de lei de 23 de julho de 1902 relativo ao municipio de Setubal; ás installações do hospital do Rego em Lisboa, e do Senhor do Bomfim no Porto; á concessão do extincto edificio de Desaggravo na capital; á reformação do n.° 97 da verba XX do n.° 101.° e o n.° 102.° da tabella annexa á lei de 24 de maio de 1902; ao fundo geral de quotas; e, repetindo na integra, para maior clareza, muitas disposições orçamentaes que, habitualmente, eram mantidas só por simples referencia aos diplomas iniciaes.

Todas estas modificações estão, por forma tão clara e circunstanciada, no expostas parecer da illustre commissão do orçamento da Camara dos Senhores Deputados, que verdadeiro pleonasmo seria repeti-las aqui, tão facil e prompto é o seu exame.

Mas á vossa commissão afigura-se, porem, conveniente descrever as alterações feitas nesse parecer, já em resultado da discussão do orçamento, conforme com o respectivo pertence, já pela discussão d'este na sessão nocturna da Camara electiva de 18 do corrente.

São as seguintes:

No artigo 1.°, § 3.°, determinou-se que o rendimento collectavel dos predios urbanos inscritos novamente nas matrizes, e que não entra no contingente da contribuição predial, fosse o inscrito posteriormente ao encerramento das matrizes de 1902.

No mesmo artigo addicionou-se um paragrapho (3.°) determinando que a organização das novas matrizes prediaes fosse de preferencia incumbida a empregados addidos, sem augmento dos actuaes vencimentos; e limitando-se absolutamente a despesa total com este serviço á verba de 100:000$000 réis para tal fim inscrita no logar competente da tabella do Ministerio da Fazenda (Cap. 12.°, art. 71.° da mesma tabeliã).

O § 4.° passa a numerar-se 5.°

No artigo 3.° determinou-se em § unico que as despesas com o pessoal e material dos serviços a que a lei de 12 de junho de 1901 se refere (saude) fiquem limitadas á dotação ali estabelecida.

No artigo 4.º acrescentou-se que a sobrecarga a imprimir nas estampilhas fiscaes, designando o imposto de rendimento a que pertençam, importa substituição do artigo 1.° e seu § unico da lei de 14 de maio de 1901.

No artigo 10.° escreveu-se em vez de «durante o anno de 1903-1904»: «emquanto durarem as contribuições extraordinarias estabelecidas na lei de 26 de fevereiro de 1892».

O § unico do artigo 19.° foi dividido em dois, um, o 1.°, dando redacção mais clara ao antigo § unico, mas sem modificação do preceito, e o 2.º declarando que a Camara Municipal de Lisboa continue a contribuir para o fundo de instrucção primaria com a quantia dê 90:000$000 réis, fixada pela lei de 18 de marco de 1397.

Ao § unico do artigo 20.°, relativamente ao alcool, acrescentou-se: «mas de forma que a importação não exceda o supplemento necessario para o consumo provavel do anno, nem o preço do alcool importado seja inferior a 2,62 réis por grau centesimal e por litro».

Ficou assim explicado o pensamento do Governo e da commissão da Camara dos Senhores Deputados, em conformidade das declarações feitas, principalmente ne, referida sessão nocturna de 18 d'este mês.

No § 1.° do artigo 35.° limitou-se a faculdade alli concedida para a abertura de credites especiaes só ás despesas novas, autorizadas por lei, que não puderem ter sido eliminadas nas tabellas do respectivo exercicio, eliminando se essa faculdade em relação ao exercicio immediatamente posterior.

Ao artigo 39.° deu-se-lhe nova redacção, mas sem alterar o pensamento da proposta unica.

O § unico do art. 46.° foi assim substituido:

«§ 1.° A importancia proveniente da amortização de quaesquer titulos que se acharem na posse da Fazenda será integralmente empregada na acquisição de titulos de divida publica fundada, qualquer que seja a categoria e natureza dos titulos amortizaveis.

§ 2.° É o Governo autorizado a regular a forma da autorização dos titulos de divida publica que fôrem creados nos termos d'este artigo».

Ao artigo 51.°, modificado ainda na sessão nocturna da Camara electiva de 18'do corrente, foram incluidas mais as seguintes autorizações ao Governo:

«§ 6.° A cobrar as seguintes taxas de desembarque dos passageiros sujeitos, no porto de Lisboa, ao tratamento sanitario, nos termos do regulamento de 24 de dezembro de 1901, com as excepções consignadas no art. 230.° do regulamento de 21 de janeiro de 1897:

De cada passageiro de 1.ª e 2.ª classes 2$000 réis
De cada passageiro de 3.ª classe 1$000 »

Esta receita será destinada a satisfazer os encargos da amortização de um emprestimo de 150:000$000 réis para a construcção do posto de desinfecção, autorizado pelo decreto de 11 de dezembro de 1902».

«§ 7.° A modificar a organização dos serviços policiaes da cidade do Porto, sem aggravamento das actuaes dotações e sem prejuizo dos direitos e interesses legaes dos respectivos empregados.

8.° A approvar o emprestimo que seja contraindo pela Camara Municipal do Porto, até a quantia d e 1.700:000$000 réis, amortizavel em mais de 30 annos, com encargo annual de juro e amortização não superior a 6 por cento, para occorrer ás despesas do saneamento d'aquella cidade e a conceder á mesma Camara os excessos de receita sobre a verba de 129:500$000 réis inscrita no orçamento de 1903-1904 sob a rubrica — Imposto especial do vinho, etc., entrado no Porto e Villa Nova de Gaia, excepto o destinado á exportação, até a concorrencia de metade das annuidades fixadas para serviço do dito emprestimo.

9.° A importar, com isenção de direitos, todo o material necessario para a construcção da canhoneira Patria, e cuja acquisição não possa ser feita em boas condições nos mercados do país.

§ unico. A isenção dos direitos a que se refere o n.° 8.° d'este artigo tornar-se-ha extensiva a todo o material já importado para idêntico fim, cujos direitos se achem escriturados em conta corrente com o Ministerio da Marinha e Ultramar.

10.° A reorganizar a representação diplomatica e consular de Portugal no Extremo Oriente.

§ unico. O excesso de despesa d'esta organização será pago pelas receitas da colonia de Macau».

O artigo 52.° foi substituido nos termos seguintes:

«Art. 52.° É o Governo autorizado, de acordo com a Camara Municipal de Setubal, a fazer as seguintes alterações no decreto com força de lei de 23 de julho de 1902:

1.° Que seja reduzido o numero de empregados fiscaes fixado no artigo õ.° do mesmo decreto, supprimindo-se os terceiros fiscaes e augmentando se o numero dos segundos, de modo que resulte economia, podendo a sua nomeação ser feita pela Camara, independentemente de requisição á inspecção geral dos impostos, mas como fiscalização privativa municipal, sem obrigação para o Governo de receber esses empregados quando a Camara deixe de effectuar a cobrança do real de agua;

2.° Que seja augmentada até cinco annos a avença autorizada no artigo 6.° do mesmo decreto;

3.° Que alem das applicações dos augmentos da receita prevista na lei de 12 de julho de 1901, e no referido decreto, esses augmentos e os que resultem das presentes disposições possam tambem ser destinados ao augmento do

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SESSÃO N.° 6õ DE 3 DE JUNHO DE 1903 735

corpo de policia até 60 guardas com o vencimento diario de 500 réis.

4.° Que nas tabellas B e C annexas ao mesmo decreto possam ser feitas as seguintes alterações: na tabella B, inclusão do imposto do real de agua e seus addicionaes sobre o arroz; nas tabellas B e C, fixação do imposto sobre o vinho de pasto e agua pé, em 23 e 15 réis respectivamente; do imposto sobre o trigo, farinha e pão cozido em 2,5 réis por litro para o trigo imposto e equivalente para a farinha e pão cozido, e eliminação do imposto sobre o carvão mineral, coke e sobre a palha.»

5.° No novo decreto devem tirar-se quaesquer duvidas de errada interpretação acêrca da incidencia e fiscalização dos impostos municipaes indirectos na cidade de Setubal, os quaes, conforme a lei de 14 de maio de 1902, recaem sobre todos os generos introduzidos na cidade e mencionados nas tabellas annexas ao decreto de 23 de julho de 1902, que não sejam reexportados ou não passem em transito».

Foram acrescentados os seguintes novos artigos:

«Art. 53.° O emprestimo de réis 1.600:000,5.000 autorizado pela alinea d) do artigo 20.º da lei de 14 de maio de 1902 poderá ser emittido pela maneira que mais convenha aos interesses do Thesouro».

Art. 54.° São autorizadas as Juntas Geraes dos districtos de Angra do Heroismo, Ponta Delgada e Funchal a concorrer com as despesas necessarias para a reorganização do serviço de policia preventiva contra a emigração clandestina, nos respectivos districtos.

O artigo 53.° do primitivo projecto de lei passou, nestes termos, a ser o 55.°»

Afigura-se á vossa commissão desnecessario explicar as demais causas e razões das differenças que se encontram entre a proposta inicial do Governo e a proposição de lei submettida a exame d'esta Camara.

Está convencida esta commissão de que as receitas e despesas do exercicio futuro, guardada, como é de esperar e uma boa administração sempre reclama, a mais severa economia, mostrar-se-hão equilibradas com as providencias que no projecto se acham estabelecidas, principalmente com as contidas no § 3.° do artigo 1.°; no artigo 20.° e no numero 4.° do artigo 43.°, alem das vacaturas nos diversos serviços.

E para a fortalecer neste convencimento a vossa commissão tem nos lucidos relatorios da commissão do orçamento da Camara dos Senhores Deputados elementos valiosos, que dispensam quaesquer outros da nossa parte.

E por isso a vossa commissão entende que devemos approvar a proposição de lei n.° 58, tal como veiu da Camara dos Senhores Deputados, a fim de poder subir á sancção real.

Sala das sessões da Commissão de Fazenda, aos 23 de maio de 1903. = Julio de Vilhena = Moraes Carvalho = Pereira e Cunha = Telles de Vasconcellos = A. d'Azevedo Castello Branco = Avellar Machado = A. Hintze = José da Silveira Vianna = Conde da Azarujinha = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra por parte da commissão de fazenda o Sr. Carrilho.

O Sr. Carrilho: — É para mandar para a mesa a seguinte proposta:

(Leu).

Foi lida na mesa e approvada sem discussão a proposta, que é do teor seguinte.

Proponho que na discussão do orçamento de receita e despesas geraes do Estado do exercicio de 1903-1904 haja duas inscrições: uma na generalidade e outra na especialidade, fazendo-se a votação na especialidade da lei, por capitulos do mappa da receita no seu conjunto e dos mappas das despesas por Ministerios.

Em 3 de junho de 1903. = A. Carrilho.

O Sr. Frederico Laranjo: — Ha 24 annos que, pela benevolencia dos seus patricios e da grande maioria dos eleitores das terras visinhas, entrara no Parlamento Português; poucos annos estivera sem d'elle fazer parte; e nos que restam que são muitos, em quasi todos ouvira discutir o orçamento; na grande maioria d'elles discutira tambem, e nalguns conferira-lhe o seu partido o honroso mas pesado encargo de ser o relator geral; se o orçamento fosse cousa que se aprendesse, já devia sa-sabê-lo; mas cada vez se vão tornando mais obscuras as finanças portuguesas, e quando em nome da lei recomeça a discussão, elle diria de boa vontade, se a lei tivesses ouvidos e se a lei fosse rainha, aquelle verso de Virgilio, dirigido por Eneas a Dido:

Infandum, regina, jubes renovare dolorem.

Com effeito, que fadiga e que dor ter que discutir o orçamento! Esta improba e inutil tarefa lembrava-lhe o lendario supplicio de Sysipho, que constantemente rolava uma enorme pedra do alto de uma montanha, constantemente a vinha buscar a baixo; a soltava outra vez; outra vez a vinha carregar, e que com tanto acarretar pedra não construia nada senão a propria fadiga.

Como o suppliciado da fabula, nós traziamos todos os annos para este monte Sinai do país esta enorme pedra, cujo feitio custava annualmente 10 contos de réis (orçamento, capitulo 14.°, artigo 78.°, secção 3.ª) e cujo peso a nação sente; e, mais infelizes do que elle, construamos alguma cousa peor do que a propria fadiga, porque com illusões e com prodigalidades de que resultavam deficits e bancarrotas, iamos collaborando na ruina do país.

Em 1852 fizeramos uma bancarrota. Podiamos dizer que fora a liquidação das lutas civis desde 1828 até 1851; mas d'esse tempo até 1892, em que fizeramos outra, houve deficits na importancia de 269.693:569$197 réis, dos quaes abatendo, de 5 annos em que houve saldos, 10.125:469$603 réis ficam, deficits de 41 annos, réis 259.568:099$594, o que dá para esse periodo um deficit annual medio de 6.330:929$258 réis; podiamos dizer que foi a liquidação de importantes melhoramentos publicos, alguns caminhos de ferro, estradas ordinarias, colonias, exercito, instrucção publica, etc.

Mas em 1892 elevaramos as taxas do maior parte dos impostos e a 30 por cento a do imposto do rendimento dos titulos de divida interna; reduziramos os juros da divida externa a um terça em ouro e um supplemento por um determinado excesso no rendimento das alfandegas; tudo isto devia produzir mais de 6:000 contos de réis; portanto parece que deveria desapparecer o déficit; mas porque durante alguns annos os cambios se tornaram muito contrarios, o déficit não desapparece; tornam-se porem os cambios muito mais favoraveis e todavia o caminho é o mesmo, o resultado são deficits!

A bancarrota de 1892 liquidariamo-la o anno passado por um convenio, que aumentou os encargos annuaes da divida externa, segundo o relatorio do orçamento, em 529:830$461 réis, e suppanhamos que assim é, e que trouxe, segundo o mesmo orçamento (observação 8.ª do capitulo 3.°, artigo 20.º da despesa), para este anno corrente, encargos no convenio da divida externa de 1:700 contos de réis.

Tudo isto era previsto; era necessario habilitar o país para este supplemento de despesas; era necessario fazer entrar as finanças do Estado num novo caminho, de modo que pelo desenvolvimento natural das receitas, e não aumentando despesas pelo menos improductivas, as receitas se lhes tornassem superiores ou iguaes; mas em vez d'isso as despesas tem sido aumentadas enormemente e iamos numa velocidade accelerada para uma outra bancarrota, num caminho de ruina e de deshonra.

Segundo o quadro n.° 1 da parte 2.ª do ultimo relatorio do Sr. Mattozo San-

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736 NNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tos, os deficits de gerencia de 1893 a 1901-1902 são:

Contos do réis

1893-1894 357
1894-1895 2:163
1895-1896 1:367
1896-1897 8:483
1897-1898 8:474
1898-1899 4:784
1899-1900 8:301
1900-1901 856
1901-1902 4:483
Somma 39:268

O que dá um deficit animal medio de 4:363 contos de réis.

Diz o relatorio que as tres ultimas verbas estão sujeitas a rectificações.

Na outra Camara o Sr. Fuschini deu como somma do déficit d'esses nove annos 37:447 contos de réis; é naturalmente o resultado das rectificações a que o Sr. Mattozo se referia.

Contos de réis

Ha de curioso que no mappa Mattozo o anno de 1898 a 1900, deficit 8:301
Mappa Fuschini 2:287

O anno de 1900-1901:

Mappa Mattozo 856
Mappa Fuschini 5:528

Explicação dada pelo Sr. Fuschini no documento que publica:

«Os deficits de gerencia nestes annos, segundo as contas do Thesouro, são:

1899-1900 7:110
1900-1901 705
7:815

porque a lei de 11 de abril de 1901, publicada no Diario do Governo de 20 de novembro de 1901, mandou passar da gerencia de 1900-1901 para a anterior 4:823 contos de réis. Rectifica-se esta monstruosa contabilidade, mas o resultado é o mesmo».

A lei de 11 de abril de 1901, que mandou operar esta passagem, diz no artigo 2.° que ella se faz sem embargo das disposições em contrario da lei de contabilidade!

Esta attribuição dos deficits a esta ou áquella gerencia pode servir para as bulhas partidarias; para a nação o resultado é o mesmo.

Mas seria este o deficit annual medio?

Contos de réis

A divida fluctuante em 30 de junho de 1893, reduzido o ouro a réis, a 35 por cento de premio, era de 35:833

Em 31 de março de 1903 (Diario do Governo n.° 114, de 25 de maio):

No país 53:966
No estrangeiro 4:291
58:257
Operação de indemnização de Berne 4:266
62:523
Differença, augmento 26:691
Media de augmento 2:736
Divida fluctuante em 30 de junho de 1900 47:920
Em 31 de marco de 1903 62:524
Augmento 14:604
o que dá em media por anno.. 4:868

E o deficit deve ser muito maior, porque, como veremos, o Governo tem tem tido outros recursos, um d'elles — a venda de titulos.

Póde isto continuar assim?

E, todavia, nós fazemos todos os annos orçamentos que, quando se apresentam, se dizem mathematicamente certos, mas que quando se transformam em contas, se mostra, ainda mais mathematicamsnte, que estavam errados ou que se não cumpriram.

Seria um estudo curioso o das leis de receita e despesa em que se traduz o orçamento com o das contas correspondentes; comparar as phantasias optimistas do orçamento, os sonhos da noite de S. João d’esse tempo com a tragedia das contas.

A ultima conta geral da administração financeira do Estado na metropole, publicada em appendice no Diario do Governo, de 9 de maio d'este anno, é a da gerencia de 1896 a 1897; elle tomava por isso para comparação o orçamento, o relatorio de fazenda e a conta relativos a este anno.

Orçamento ou antes lei de receita e despesa de 13 de maio de 1896-1897:

Receita ordinaria 49.700:970$926
Despesa ordinaria 46.913:567$640
Saldo 2.877:403$286
Despesa extraordinaria 2.516:500$000
Saldo ainda 370:903$286

Relatorio, e projecto de lei apresentados na Camara dos Senhores Deputados na sessão de 16 de março de 1896:

A pag. 6. — Apresentam-se saldadas as contas do exercicio de 1894-1895.

É já o segundo exercicio que se fecha sem deficit.

A pag. 7. — A um deficit de réis 14:653$356 réis, em 1891-1892, succedeu um deficit de 5.634:053$708 réis em 1892; o exercicio de 1893-1894 deu um saldo de 20:019$453 réis; o de 1894-1895 um saldo de 29:830$745 réis.

Do exercicio corrente não podia, por emquanto, fazer juizo fundado.

O orçamento julgava-o justificado; e no relatorio do orçamento a pag. l:

Excedente das receitas do Thesouro, 323:575$570 réis.

Vissem-se agora as contas:

Tinham sido as receitas ordinarias calculadas em 49.700:970$926

As receitas arrecadadas durante os doze meses da gerencia foram 49.777:701$902

Mais do que o orçado 76:720$976

É verdade que nessas receitas entraram do exercicio anterior 3.657:884$173

Portanto as receitas da gerencia foram 46.043:086$753

Menos do que se tinha calculado 3.657:884$173

para o exercicio; mas é possivel que com o exercicio se equilibrassem.

Não tinham sido calculadas receitas extraordinarias; a conta mostra que essa receita para navios de guerra foi de 710:627$079

Portanto, excluindo recursos ao credito, as receitas foram 50.488:328$981

Vissem-se as despesas:

As ordinarias tinham sido calculadas em 49.913:567$640

A conta mostra que foram, sem distincção de exercicio 51.888:122$322

Mais 1.973:554$682

A lei tinha calculado despesas extraordinarias 2.516:500$000

A conta mostra que foram 6.372:557$608

Mais 3.856:057$608

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 737

A lei de receita e despesa tinha previsto nas receitas e despesas ordinarias um excedente de 2.887:403$286

E nas receitas, não fazendo differença de exercicios, ou julgando equilibrada a differenca do exercicio com a do anterior, não se enganava muito; havia até 76 contos de réis, a mais nas ordinarias.

Mas nas despesas, ha a mais nas ordinarias 1.974:000$000
Em vez de menos 2.887:403$286
Erro em relação ao orçamento ordinario 4.661:403$286

Nas despesas extraordinarias tinha orçado 2.516:500$000 réis, mas foram réis 6.372:557$908.

Erro 3.866:056$908
Erro total 8.527:460$194

Deficit, ou excesso final dos pagamentos na gerencia de 1896-1897, pag. 415 e 416 7.772:351$269

Para quem calculara um saldo de 323 a 370 contos de réis, já é boa previsão ou bom cumprimento!

Os augmentos foram os que constavam do mappa seguinte:

Conta geral Lei da receita e despesa
[ver valores do mapa na imagem]

Elle, orador, sabia que havia muitas vezes casos de força maior que não se podiam prever e que desarranjavam todos os calculos; a lei tinha prevenido o modo de occorrer a essas circunstancias; eram os creditos supplementares e extraordinarios; mas decerto não tinham sido casos d'essa natureza que tinham determinado as despesas extraordinarias que mencionava por quasi todos os Ministerios na gerencia de que falava.

É que se gastava arbitrariamente. É que o orçamento, como dissera o Sr. Fuschini na outra Camara, é um documento confuso feito para não ser comprehendido e para não ser cumprido; mas podia isto continuar assim ? (Apoiados).

E se os orçamentos eram assim, as contas eram atrasadas; estas eram de ha seis annos.

Seria impossivel fazer acompanhar o orçamento do anno seguinte da conta de gerencia do anno anterior?

O Acto Addicional, no artigo 13.°, ordena que assim se faça, e o Acto Addicional não é uma constituição de politicos sem experiencia.

Porque é que o Governo não cumpre a lei?

O que é a discussão de um orçamento sem as contas immediatamente anteriores?

Porque é que o orçamento da despesa não ha de trazer nas observações da despesa, relativamente a cada secção de cada artigo, a nota do que se gastou no ultimo triennio, como nas observações da receita trazia a nota do que se recebeu nesse tempo?

E peor do que atrasadas, as contas são confusas, são obscuras, tão incompletas, e bem o provam os incidentes que de quando em quando se dão nas discussões. Já uma vez o Sr. Conde de Burnay disse na Camara dos Senhores Deputados que pelas contas não se sabia onde estavam 18:000 contos de réis!

Era a accusaçcão dirigida á de uma gerencia de regeneradores, que não atinaram com a resposta immediata; elle, orador, que era accusado de faccioso, e que tinha o facciosismo que lhe dava o seu sentimento de amor do país, rebatera, como pudera, a accusação, com a qual não tinha nada o seu partido, não com a consciencia clara do que dizia, mas com a crença firme de que na politica e na administração não havia rombos por onde se escoasse tamanha quantia, nem na escrituração inepcias de tal magnitude que omittissem verbas tão importantes e não reparassem na omissão. Esse, que era faccioso, não quisera que o publico ficasse sob a impressão de que uma accusação tão grave tinha sido ouvida em silencio, como sendo de uma verdade incontestavel; quis dar tempo aos adversarios politicos para estudarem nas contas publicas a resposta.

Olhe, dizia lhe um correligionario seu importantissimo; olhe que não acerta com a resposta.

Deixe, respondia elle, num campo de batalha tambem se sustenta uma luta desigual, á espera que acudam reforços e se compense a desproporção; e trata-se de uma cousa mais alta do que uma rixa de partidos, trata-se da honra da politica e da administração portuguesa, da honra do país. Mas o que é que provava o episodio se não o confuso, o escuro, o incompleto da escrituração financeira? (Apoiados).

E na Camara dos Senhores Deputados deu-se na discussão d'este orçamento outro episodio igual.

O Sr. Deputado Fuschini na sessão de 21 de abril fez a seguinte accusação, que reproduziu, sustentou e documentou na sessão nocturna de 18 de maio:

«Segundo as contas da gerencia dos 9 annos, que decorrem de 1893-1894 a 1901-1902, inclusive, os dejicits orçamentaes subiram a 37:447 contos de réis.

É evidente que os Governos tiveram para fazer face a esta deficiencia de receita duas origens:

1.° A divida fluctuante, o seu augmento durante este periodo;

2.° As receitas extraordinarias, que não estão comprehendidas na divida fluctuante e não foram descritas nas

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738 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

respectivas contas, tambem durante o mesmo periodo.

Alem d'estas, não existe nenhuma outra origem de receita.

Extractando cuidadosamente as verbas das duas origens, tomando em attenção os cambios para as sommas em ouro, e deduzindo da divida fluctuante a verba correspondente á indemnização de Berne, chega se ás conclusões seguintes, que todos podem verificar:

Contos de réis

1.° Augmento da divida fluctuante nos 9 annos considerados 30:833
2.° Receitas extraordinarias não escrituradas, no mesmo periodo 12:767
Total 48:600

Fazendo a comparação temos:

Deficits escriturados 37:447
Receitas ut supra 48:600
Saldo positivo 11:153

Sob que forma existe este saldo?

Em verdadeiros saldos reaes, existentes em dinheiro? Se assim é, estamos razoavelmente fornecidos de dinheiro.

Em operações do Thesouro. forma que temos de não escriturar despesas, em documentos interinos? Então vá o Sr. Ministro a esse saco e diga-nos o que por lá encontra.

Estão errados os seus calculos? Então pede-lhe a fineza de os acertar.

Em todo o caso esclareça o país....»

O Sr. Pereira Carrilho: — As contas estavam erradas.

O Orador: — Não estava a dizer que as contas estão certas ou erradas; estava a demonstrar que são obscuras, confusas e incompletas, e que é necessario que sejam claras, breves e completas. (Apoiados).

Acontecera ao Sr. Ministro da Fazenda a mesma cousa que acontecera ao seu correligionario quando o Sr. Conde de Burnay accusava a falta de 18:000 contos de réis; tomado de improviso, confessou que não podia dar uma resposta completa e immediata.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Elle não dissera isso; refutara a accusação, rectificara a conta.

O Orador: — Elle lera o que estava no extracto da sessão como dito pelo illustre Ministro, era que o Sr. Fuschini não levara em conta a indemnização de Berne, nem um emprestimo á Companhia de Ambaca, mas o Sr. Fuschini incluira a primeira verba, e sommando as duas ainda se não achava a quantia referida: a resposta do illustre Ministro fora, pois, insufficiente.

O raciocinio do Sr. Fuschini era irreductivel; ou os elementos do calculo não eram certos, ou o dinheiro existia em cofre, ou devia saber-se em que se tinha gasto.

No dia seguinte o Popular, cuja direcção pertence a um estadista de clarissima intelligencia e insuspeito ao Governo, porque tem sido dos seus mais estrénuos defensores, trazia o seguinte artigo de fundo, que a Camara lhe permittirá que leia e que deixe, como documento, intercalado no seu discurso:

«Contas. — Um incidente minimo da discussão do orçamento continuada ainda hontem na Camara dos Deputados provou mais uma vez como as contas publicas são um dédalo inextrincavel, como é illusiva, vã, inane a fiscalização parlamentar, tão apregoada em rhetoricas e tão nulla nos seus effeitos.

Foi o caso que o Sr. Fuschini, tomando os deficits desde 1893 até o anno passado, achou cerca de 37:000 contos de réis, numero redondo, e por outro lado, sommando o augmento da divida fluctuante e as varias receitas extraordinarias do Taesouro não constantes do orçamento, encontrou 48:000 contos de réis no mesma periodo. O Sr. Fuschini allegou ter feito todas as correcções conhecidas, incluindo a applicação do agio cambial á divida fluctuante externa. Logo, concluiu S. Exa., que ha uma differença a favor do activo de 1:000 contos de réis, es quaes deviam estar inteirinhos e intactos no Thesouro. Então, fingindo suppor que estivessem, deu parabens ao Sr. Ministro da Fazenda, por assim ter o Thesouro, as famosas arcas do Thesouro, repletas de dinheiro. Ora suppondo não existirem, como decerto não existem, disse que o Sr. Ministro da Fazenda não seria capaz de explicar de repente qual caminho leva ram aquelles 11:000 contos de réis.

Este processo de demonstração do Sr. Fuschini é velho, porque já o Sr. Conde de Burnay o empregou em 1897 ou 1898. Mas as conclusões são sempre as mesmas.

«O Sr. Ministro da Fazenda quis responder de improviso, mas não conseguiu fazê-lo, nem poderia elle nem ninguem, tomado assim de improviso.

S. Exa. francamente o confessou, mas disse que, por exemplo, o dinheiro levantado para pagar a indemnização de Lourenço Marques, cerca de 4:000 contos de réis em ouro, não figurava nas contas de déficit por ser operação de thesouraria ainda pendente. O Sr. Fuschini contestou essa resposta, allegando já ter mettido aquella quantia nas suas contas. Continuando o Sr. Teixeira de Sousa lembrou que tambem ha dispêndios por adeantamentos a companhias, os quaes sendo operações de thesouraria reembolsaveis (suppostos reembolsaveis, dizemos nós) tambem não figuram nas contas do deficit.

Como não vimos os calculos do Sr. Fuschini não podemos com certeza apontar mais verbas, mas lembraremos algumas. O Sr. Mattoso Santos, vendendo inscrições, com o producto comprou divida externa. Figura o custo d: esta operação nas contas do Sr. Fuschini? Foi o Governo auctorizado a emittir um emprestimo de 1:800 contos de réis para estradas, mas não o emittiu. Então precisando o Ministerio das Obras Publicas de dinheiro, foi-lh'o emprestando o Thesouro e cremos que esse emprestimo não será inferior a 900 contos de réis. Outros haverá ao mesmo Ministerio ou a differentes.

Em todas estas operações nada ha de deshonesto, mas tanto a arguição do Sr. Fuschini como a resposta do Sr. Ministro da Fazenda demonstram a nossa opinião acêrca da confusão labyrinthica das contas publicas e da inanidade da fiscalização legislativa a respeito da gerencia financeira. Prova tambem quanto são phantasticas as avaliações de deficits e as apreciações acêrca da verdadeira situação do Thesouro. Tudo isso são apenas variações de dilletantismo financeiro sem nenhuma importancia, e da mesma natureza é quasi tudo quanto se diz, rediz e desdiz na discussão do orçamento. Tudo palavras, palavras, palavras mais leves que o leve vento.

Discute-se dias e dias, pisa-se e repisa-se a mesma cousa por causa de qualquer despesa a mais ou a menos de alguns centos de mil réis. Ao mesmo tempo podem fazer-se taes pagamentos como 4:000 contos de réis da indemnização de Lourenço Marques, ficando esse dispêndio, já feito e irreparavel, sem figurar nas contas da Fazenda publica. Prega-se, declama-se, perora-se, porque um Ministro concedeu tal ou tal gratificação de algumas dezenas de mil réis a qualquer empregado, e ao mesmo tempo o Thesouro pode adeantar centos de contos de réis todos os annos a qualquer companhia. E não dizemos, que não devesse assim proceder-se, notamos apenas o que são as contas publicas, o que vale a fiscalização parlamentar, que não servem para nada; torrentes de eloquencia vã.

Barafusta-se a perder de vista sobre qual deva de ser o orçamente de despeza de cada Ministerio, mas ao mesmo tempo o thesouro por despachos surdos empresta dinheiro aos Ministerios a quem falta.

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Se tudo isto acontecesse num banco, casa bancaria ou commercial, o estabelecimento que procedesse assim perderia todo o credito e, se falisse, o tribunal do commercio declararia a fallencia culposa e metteria os responsaveis na cadeia. Logo, concluimos apenas, a escrituração da gerencia financeira do Estado acha-se. . . abaixo de toda a critica.

Não sentimos o minimo appetite de intentar defezas inuteis, mas não é mau recordar. Um Ministro, para evitar a bancarrota fulminante e ruinosa, emprestou dinheiro do thesouro a qualquer companhia, e com tantas seguranças o fez, que o dinheiro emprestado foi rehavido e com elle se póde pagar a indemnização de Lourenço Marques. Choveram improperios e accusações contra esse Ministro, que nem cura de defender-se, julguem d'elle o que quizerem.

Mas antes d'elle, outro e outros Ministros, que foram, são e continuarão sendo pessoas conspicuas e seriisimas, emprestavam a bancos e companhias, sem segurança, quantias avultadas que não se rehaveram nem rehaverão.

Depois outros Ministros, dos mais serios e conspicuos, conforme hontem confessou o Sr. Teixeira de Sousa, a uma só companhia teem emprestado durante annos e annos quantias que já chegam a 2:000 contos de réis. Boas razões tiveram para fazê lo. Não os censuramos, mas diremos que tal dinheiro nunca se rehaverá, nem o seu emprestimo tem segurança como o primeiro citado.

Já dissemos de mais e até nos envergonhamos de tal dizer. Mas registamos para edificação das gentes.

Gritam por vida nova. Pois ahi teem a vida nova verdadeira. É a nossa delação completa, mas completissima, da escrituração financeira do Estado. E mais uva de actos e menos parra de palavrorio inane».

Já via o illustre Ministro que a affirmação de que as contas são confusas, obscuras, incompletas não é somente de um adversario politico, vem de toda o parte, resulta da natureza das cousas.

O Sr. Ministro já sabe a resposta completa á accusação do Sr. Fuschini, que não é ao Sr. Ministro, mas ás contas, ao systema?

Mas se no Popular de 22 de abril se lia o artigo Contas, no de 2 de junho lê-se o seguinte:

«Notas politicas. — Como os Srs. Francisco Machado, Oliveira Mattos, etc., fundando se em contas do Sr. Fuschini, balanceando receitas e despesas do Estado num certo periodo, falassem de não ser possivel explicar o emprego de cerca de 11:000 contos de réis, consta que na Direcção Geral de Contabilidade Publica se tem procedido a um apuramento de contas, e que, no es tado em que se acha, apenas ha actual mente uma differenca de 107 contos de réis em vez de 11:000 e tantos, e grande parte d'essa pequena differença existente provem apenas de pequeno dispendios, ou de desprezo de minimo no calculo num longo decurso de tempo Trabalha-se para formular a conta definitiva com rigor.

Já está apurado que o Sr. Fuschini esqueceu verbas importantes e saidas de fundos, taes como as relativas a differenças de cambios, adeantamentos Ministerios, fundos de remissões, etc. Uma verba importante, por exemplo esquecida por S. Exa. anda por 1:137 contos de réis e é relativa a vales de correio emittidos em Moçambique e pagos na metropole, a qual a devia receber de Moçambique, mas não a recebeu porque lá foi paga».

Um mês e dez dias para se dar com uma conta e ainda não está completa! O que era queo isto provava senão que era preciso mudar de systema? (Apoiados}.

Ordena o regulamento geral de contabilidade que os creditos supplementares e extraordinarios não possam ser abertos sem audiencia do Conselho de Estado, reunido na presença do Rei, etc., e só estando encerradas as Côrte e apresentados ás Côrtes dentro dos primeiros quinze dias depois da constituição da Camara dos Deputados, a fim de serem examinados e confirmados. Com os creditos apresentar-se-ha proposta de lei especial, motivada e acompanhada de todos os esclarecimentos necessarios (artigo 55.°).

Tem o Governo cumprido esta disposição do regulamento? O Governo sophisma o regulamento, abrindo creditos supplementares ou extraordinarios, mesmo estando abertas as Côrtes, mudando-lhes o nome, chamando lhes creditos especiaes, como se por serem especiaes, não fossem ou supplementares ou extraordinarios.

O artigo seguinte, 56.°, diz que: Pelo Tribunal de Contas será enviada á Camara dos Deputados, dentro do prazo marcado no artigo antecedente, uma relação de todos os creditos extraordinarios e supplementares que tiver registado, e bem assim o relatorio em que emitta o seu juizo acêrca da regularidade do processo com que foram abertos os creditos. Foram cumpridos estes dois artigos? Receberam-se do Governo é do tribunal estes documentos? A somma das despesas da ei de receita e despesa a que o tribunal tenha posto o visto com os creditos supplementares e extraordinarios que tenha registado deve dar a somma total das despesas annuaes do país; dá?

Os deficits que apparecem, quando os não ha na lei de receita e despesa, a não serem na totalidade provenientes de creditos supplementares ou extraordinarios, só podem ter a seguinte explicação: ou o tribunal põe o visto a despesas illegaes, ou o Governo não apresenta ao tribunal todas as despesas. Qual dos dois casos possiveis é o verdadeiro? É o tribunal que põe o visto a despesas illegaes? Então é necessario reprimir e punir este abuso do tribunal. É o Governo que faz despesas sem as mandar ao visto do tribunal? Então é necessario reprimir e punir este abuso do Governo. O que é certo é que deficits tão grandes e tão persistentes não se explicam sem a infracção constante do regulamento de contabilidade por um (Testes dois modos ou por ambos conjuntamente. Podia isto continuar assim?

A lei de receita e despesa de 30 de junho de 1891, lei considerada de salvação publica, determinou no § 23.° do artigo 1.° que, a contar de 1 de julho de 1891, não poderiam ser auctorizadas quaesquer gratificações ou remunerações extraordinarias aos empregados civis, por serviços effectivamente prestados nas repartições a que pertencem, salvo quando tenham logar fora das horas do expediente ordinario, fixadas nos regulamentos respectivos, e quando para as satisfazer haja verba especial no Orçamento do Estado, fazendo-se publicação previa no Diario do Governo de decreto especial, mencionando a qualidade do serviço, os motivos da sua utilidade e urgencia e de não poder ser prestado dentro das horas do expediente ordinario.

Ordenou o paragrapho seguinte que se publicasse mensalmente no Diario do Governo a relação nominal dos empregados a quem se tivessem concedido taes gratificações. Emquanto esta publicação na o estiver feita é expressamente prohibido ao Tribunal de Contas visar as ordens para os pagamentos respectivos.

E o artigo 4.° do decreto de 23 de julho do mesmo anno, regulando as disposições de diversos paragraphos do artigo 1.° d'aquella carta de lei, diz:

«É restabelecida a publicação da relação geral e nominal dos funccionarios e empregados do Estado, de qualquer ordem ou natureza.

§ 1.° A primeira relação referir-se-ao ultimo dia do anno economico de 1891-1892 e será apresentada ás Côrtes juntamente com o orçamento do exercicio de 1892-1893. As seguin-

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740 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tes relações annuaes referir-se-hão, successivamente e respectivamente, aos mesmos prazos.

§ 2.° A relação conterá, por cada Ministerio, os nomes, vencimentos e retribuição de qualquer ordem, pagos pelos cofres do Estado, em um anno, aos diversos empregados publicos, classificados tambem por capitulos, artigos e secções do orçamento. Quando o mesmo individuo receber vencimentos por diversas verbas orçamentaes, far-se ha na columna das observações menção do facto, ainda mesmo que o pagamento seja realizado por mais de um Ministerio».

O artigo õ.° manda organizar immediatamente a tal relação nominal, a fim de que o Tribunal de Contas possa devidamente exercer a fiscalização que lhe incumbe pelo § 33.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891. O decreto é assinado por todo o Ministerio: João Chrysostomo, Lopo Vaz, Moraes Carvalho, Marianno de Carvalho, Julio de Vilhena, Conde de Valbom e João Franco.

Mostrara o anno passado a vantagem que haveria nesta publicação; é o unico meio de se fiscalizar se se cumpre a lei que prohibe que empregados que accumularem diversos empregos ou commissões recebam alem e determinada quantia, e a unica maneira de introduzir luz nas secretarias do Estado, luz que é necessaria, porque do mesmo modo, que no mundo animal os micróbios prolongam indefinidamente a vida fóra da acção da luz e um raio de sol os mata; assim acontece tambem no mundo social; o parasitismo medra á sombra; a luz da publicidade fere-o de morte; perguntava, pois o anno passado, porque fôra que juntamente com o orçamento não se publicara esta relação nominal marcada no citado decreto; fora-lhe respondido que não se publicara pelo mesmo motivo por que não se publicara nos annos anteriores, e com tal resposta a Camara e o país ficaram, esclarecidos e garantidos os direitos do Estado.

Este anno, quando o actual Ministerio se apresentou ás Camaras, parecendo contricto, e com propositos de emenda e de vida nova, perguntara se o Governo estava disposto a cumprir estas disposições da lei e do decreto, fora-lhe respondido que essa disposição e outras que elle, orador, citara eram da da lei de 30 de junho de 1891, que caducara com a lei orçamental do anno seguinte, e que por essa razão não tinham que se cumprir.

Mas não é verdade que caducassem; não é verdade que só tivessem força por um anno; a lei que edita essas disposições declara muito terminantemente no n.° 39.° do mesmo artigo 1.° que:

São de execução permanente as disposições dos §§ 9.° (abertura de creditos para cumprimento de leis especiaes); l5.° (suppressão do orçamento rectificado); 16.° (prohibição de abertura de creditos supplementares durante os primeiros seis meses por insufficiencia de verba); 17.° (sobre o provimento de vacaturas no fim do trimestre); 18.° (sobre a importancia dos vencimentos de aposentação); 21.° a 35.° (gratificações para carruagens, gratificações ou remunerações extraordinarias e sua publicação mensal, limites de accumulação de ordenados), etc.

Não bastava pois o facto d'essas disposições se não repetirem nas leis orçamentaes seguintes para se julgarem revogadas; era exactamente pelo facto de terem sido declaradas de execução permanente que se não repetiam. Não lhe levasse pois a Camara a mal que elle lhe diga, como no anno passado, que ha no país duas categorias de empregados publicos: uma cujo ordenado real está muito abaixo do nominal, porque incide sobre elle toda a especie de deducções; outra cujo ordenado real está muito acima do nominal, porque incide sobre elle toda a especie de gratificações. Elle, erador, sabia que ha posições e serviços que não se remuneram com os mesquinhos ordenados marcados no orçamento; dê se o que for justo, mas saiba o país o que se dá: como o anno passado, repetia : luz, mais luz; é necessario introduzir os raios X em todos os ramos da administração publica, só assim ella será honesta e salubre. (Apoiados).

E se são precisas publicidade e luz, em parte nenhuma as são mais necessarias do que nas chamadas operações de thesouraria. Não diria que o esconso gabinete das operações de thesouraria é uma fabrica de moeda falsa; mas é uma fabrica de emprestimos não autorizados. A Constituição diz no artigo 15.°: É da attribuição das Côrtes: §.11.° Auctorizar o Governo para contrahir emprestimos. Na lei de receita e despesa, as Côrtes votam todos os annos um artigo auctorizando o Governo a representar uma parte da receita, dizendo em § unico que os escritos e letras do Thesouro, nonovamente emittidos como representação da receita, não podem exceder a 3:500 contos de réis, somma que acará amortizada dentro do exercicio.

Á sombra d'este artigo, o Governo contrahe emprestimos até onde encontra quem lhe empreste, não respeitando o limite marcado, nem fazendo nunca a amortização obrigatoria; e é d'ahi que vem a ruina. (Apoiados). O artigo vae-se transformando; ampliando-se constantemente, augmentando a licença e os meios de gastar, e accelerando a ruina.

Em 1882, ha vinte e um annos, o paragrapho na lei de receita e despesa, de 22 de junho, era assim:

«Artigo 4.° O Governo é auctorizado a levantar, por meio de letras e escritos do Thesouro, as sommas necessarias para a representação, dentro do exercicio de 1882-1883, de parte dos rendimentos publicos relativos ao mesmo exercicio, e bem assim a occorrer por essa forma á deficiencia das receitas geraes do Estado, assegurando a regularidade no pagamento das despesas legaes.

§ unico. Os escritos e letras do Thesouro, emittidos em virtude da ultima parte d'esta auctorização, não poderão exceder a somma de 2:500 contos de réis».

Passam vinte e um annos, a criança de então tomou feições diversas; vão vê-lo na actual proposta de lei:

«Artigo 17.° O Governo é auctorizado a levantar, por meio de letras e escritos do Thesouro, caucionados, se for mister, por titulos de divida fundada interna, cuja criação tambem fica auctorizada, as sommas necessarias para a representação, dentro do exercicio dó 1903-1904, de parte dos rendimentos publicos relativos ao mesmo exercicio, e bem assim a occorrer pela mesma forma ás despesas extraordinarias a satisfazer no dito exercido de 1903—1904, incluindo no maximo da divida a contrahir, nos termos d'esta parte da auctorização, o producto liquido de quaesquer titulos, amortizaveis ou não, excepto obrigações dos tabacos, que o Thesouro emittir, usando de auctorizações legaes.

§ unico. Os escritos e letras do Thesouro, novamente emittidos como representação da receita, não podem exceder nos termos d'este artigo, a 3:000 contos de réis, somma que ficará amortizada dentro do exercicio».

Portanto caucionam-se os escritos do Thesouro com titulos de divida interna; para isso criam-se; depois em a cotação subindo, libertam-se e vendem-se; em a cotação descendo criam-se outros; em subindo libertam-se em parte; os libertos vendem-se, e assim por deante; é assim que a machina funcciona; é uma bomba aspirante e premente. (Apoiados}.

E isto não são phantasias: — Quem ler os relatorios do Banco de Portugal, gerencia de 1901 e gerencia de 1902, vê a pag. 18 do primeiro o Quadro das cauções do Thesouro:

Cujo nominal importava em réis 142.260:800$000, cujo effectivo impor-

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 741

tava em 47.853:741$170 réis e cuja cotação media, fôra 33,63; e a pag. iguaes do segundo o Quadro das cauções do Thesouro:

Nominal, 132.004:000$000 réis, effectivo 48.449:7994$027 réis, cotação media, 36,68.

Portanto, o Governo retirou de cauções 10.211:300$000 réis, o que lhe fez? Vendeu-os? Com que autorização? (Apoiados).

Quanto renderam? Em que empregou o producto?

Em o Ministro entrando para o esconderijo das operações de thesouraria, levando no bolso este talisman, esta pedra philosophal d'este artigo com o seu § unico, transforma-se de Ministro constitucional em alchimista da idade media, e Fausto acompanhado de qual quer mephistophelico corrector de emprestimos, terá d'aquelles fornos e d'aquellas retortas tudo o que se quer: — Pede-se dinheiro, gasta-se, empresta-se a companhias, como a de Ambaca, embora sem auctorização, sem direito e sem utilidade; criam se titulos, empenham-se, convertem-se, vendem-se, em summa, a mais completa, a mais discricionaria ditadura financeira. É a principal, a inexhaurivel fonte de disperdicio e de minas. (Apoiados).

Entrou no espirito publico a convicção da necessidade de limitar e regularizar as operações de thesouraria. Já o fallecido estadista Barros Gomes julgava essa reforma uma necessidade inadiavel; e este anno, na outra Camara, o distincto jurisconsulto e parlamentar o Sr. Medeiros, na sessão de 27 de abril, propunha ao artigo 34.° do actual projecto de lei de receita e despesa a seguinte substituição:

«Artigo 34.° (Substituição). É permittido ao Governo abrir creditos extraordinarios somente para occorrer a despesas exigidas por caso de força maior, como guerra interna ou externa, epidemia, inundação, incêndio e outros imprevistos.

§ 1.° Os creditos extraordinarios só podem ser abertos, estando encerradas as Côrtes, depois de ouvido o Conselho de Estado, e mediante decreto fundamentado em Conselho de Ministros, por todos elles assinado, e previamente publicado no Diario do Governo; e serão apresentados ás Côrtes, logo que ellas se reunam, para que sejam confirmados, ou revogados por lei.

§ 2.° É applicavel a disposição do § 1.° d'este artigo ás operações de Thesouraria que, não tendo sido autorizadas por lei, importarem por qualquer titulo obrigações ou dispendio effectivo para o Estado, ou acrescentamento das despesas do Thesouro.

§ 3.° As disposições d'este artigo e seus §§ 1.° e 2.° são de execução permanente».

Na mesma ordem de ideias, formulou tambem a seguinte proposta:

«Artigo 46.° (Substituição). — Os titulos de divida publica fundada — e outros quaesquer titulos de credito ou valores mobiliarios — na posse da Fazenda — não poderão ser alienados sem auctorização legal —; e só poderão ser applicados para caução de contratos, legalmente — auctorizados — e celebrados, mediante decreto fundamentado em Conselho de Ministros, por todos elles assinado e previamente publicado no Diario do Governo.

§ 1.° Nos titulos de caução será cancellada a clausula d'esta, logo que os mesmos titulos estejam disponiveis.

§ 2.° Os titulos que provierem da cobrança de rendimentos publicos, da alienação de bens nacionais, ou dos pagamentos de alcance de exactores, poderão ser convertidos em recursos effectivos nos termos da lei da receita geral do Estado.

§ 3.° As disposições d'este artigo e seus §§ 1.° e 2.° são de execução permanente».

Apresentara na sessão de 20 do corrente mês a proposta seguinte:

«Artigo novo. — Desde a promulgação da presente lei, as contas dos Ministerios serão prestadas por annos economicos, sendo mencionadas nellas a despesa auctorizada no orçamento para cada capitulo e, com a necessaria individuação, a despesa effectuada no mesmo capitulo em virtude da auctorização orçamental, de transferencia de fundos de um artigo para outro, de creditos especiaes, de creditos extraordinarios, e de operações de thesouraria. Nenhuma outra despesa importará responsabilidade para o Estado. Nas contas dos Ministerios da Fazenda e da Marinha e Ultramar será tambem mencionada a importancia de cada especie de receita auctorizada e arrecadada durante o respectivo anno economico.

§ l.° As contas relativas a cada anno economico serão publicadas no Diario do Governo, quanto aos Ministerios da Fazenda e da Marinha e Ultramar no prazo improrogavel de seis meses, e quanto aos outros Ministerios no prazo improrogavel de tres meses, seguintes ao respectivo anno economico.

§ 2.° As disposições d'este artigo e seu § 1.°, são de execução permanente».

O que respondeu o Sr. Ministro relativamente ás operações de thesouraria e á venda de titulos?

Sessão de 16 de maio:

«Alem d'isso a exigencia que nessas propostas se faz, de serem sujeitas á apreciação do Conselho de Estado e á sancção real as operações de thesouraria, é inteiramente impossivel de executar porque são tantas, tão variadas e tão constantes as operações de thesouraria, que seria necessario que o Conselho de Estado reunisse todos os dias, por assim dizer.

Poderá limitar S. Exa. as operações de thesouraria; isso sim, mas não ha de empregar os meios que propõe.

Com relação á venda de titulos na posse da Fazenda todos os Governos teem lançado mão d'esse recurso».

Pois era por serem tantas, tão variadas, tão constantes, que era necessario limitá-las para serem menos e sujeitá-las pelo menos ao visto do Tribunal de Contas, para só irem por deante as que fossem legaes, e publicá-las para que o publico as conheça e saiba o que são. (Apoiados).

E se é preciso regularizar e simplificar as operações de thesouraria, é necessario tambem simplificar as leis de receita e despesa.

Essas leis a principio eram, como deviam ser, simples, contendo apenas as normas de cobrança das receitas e as da sua applicação ás despesas; assim, ha 21 annos, a lei de 27 de junho consta de 13 pequnos artigos; a actual é o monstrengo composto de 55 artigos, quasi todos com uma multidão de paragraphos, contendo no amplo bojo as mais variadas propostas de lei. É um enorme chapéu de prestidigitador, com a seguinte differença, que do chapéu d'este no theatro saem fitas, fitas fitas, do chapéu, que se chama a lei de receita e despesa, em vez de fitas, saem impostos, saem viboras.

A proposta contem:

1.° Uma alteração á lei de contribuição predial urbana de 29, de julho de 1899 (artigo 1.°, §§ 3.° e 4.°).

2.° Uma auctorização ao Governo para fixar a unidade sobre que recaem as taxas estabelecidas pelo artigo 17.° e seu paragrapho da lei de 19 de julho de 1902. (Especialidades pharmaceuticas).

3.° Modificação do artigo 1.° e § unico da lei 14 de maio de 1901 sobre estampilhas fiscaes.

4.° Elevação a 20 por cento do actual addicional ás contribuições geraes directas do Estado, com que as camaras municipaes concorrem para o fundo de instrucção primaria (artigo 19.° e n.° 1.°).

Õ.° Auctorização relativa ao imposto e importação de alcool (artigo 20.°).

6.° Limitação das quotas por compensação de emolumentos (artigo 26.°).

7.° Mudença de repartições da Inspecção Geral dos Impostos para a Direcção Geral de Contabilidade.

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8.° Acordo acêrca da concessão do convento do Desaggravo em troca do edificio do Rego (artigo 5l.°).

9.° Um emprestimo de 300 contos de réis para o hospital do Rego.

10.° Custeamento das despesas do hospital da Senhora do Bomfim, pelo producto das receitas das extinctas juntas geraes, até 12 contos.

11.° Auctorização para reformar o regulamento geral de contabilidade.

Para reformar uma parte da lei do sêllo.

Para licencear todos os empregados addidos que o requeiram.

Para cobrar taxas de desembarque.

Para modificar a policia do Porto.

Para approvar o emprestimo contrahido pela camara Municipal do Porto, para o saneamento da cidade.

Importar, com isenção de direitos, o material para a canhoneira Patria.

12.° Reorganizar a representação diplomatica e consular no Extremo Oriente, pago o excesso da despesa pela colonia de Macau.

13.° Auctorização para, de acordo com a Camara Municipal de Setubal, fazer determinadas alterações no decreto com forca de lei de 23 de julho de 1902.

13.° Auctorização para se emittir o emprestimo de 1:600 contos de réis, da lei de 14 de maio de 1902, da maneira que for mais conveniente aos interesses do Estado.'

14.° Auctorização ás juntas geraes dos districtos de Angra do Heroismo, Ponta Delgada e Funchal, para concorrerem com as despesas necessarias para a reorganização do serviço de policia preventiva contra a emigração clandestina.

Como hão de os deputados e pares, que querem entrar na discussão do orçamento, habilitar-se para discutil-o e para discutirem ao mesmo tempo todos estes assumptos especiaes? E como se ha de introduzir ordem e luz numa discussão tão varia, tão desordenada? (Apoiados).

Poderá esta complexidade da lei de receita e despesa ser uma invenção habil, para fazer passar duzias de projectos de lei sem estudo, sem a discussão necessaria, mas é por isso mesmo uma invenção nefasta. (Apoiados).

De todos estes assumptos apenas pediria ao Governo que lhe explicassem o mysterio da contribuição predial urbana, que não comprehende.

E sabido que Lisboa tem ha annos augmentado enormemente, tendo uma grande porção de bairros novos; nas cercanias de Lisbna ha povoações que ainda ha annos não existiam, por exemplo, o tres Esto ris; quasi todas as terras á beira mar teem augmentado: sendo a contribuição predial fixa, permanecendo o dividendo o mesmo e augmentando o numero dos divisores, ha de dar-se uma de duas cousas, ou a contribuição diminuir para cada predio, ou haver predios que não pagam contribuição; qual dos dois casos se dá?

E porque é que em vez de se alterar a lei, se não cumpre?

Pedem se 100 contos para a organização de matrizes.

Mas para estas matrizes se tinham votado já as seguintes verbas:

Orçamento de 1899-1900, capitulo 12.°, artigo 73.°:

Organização e escrita de novas matrizes 70:000$000
1900-1901 70:000$000

Orçamento de 1901-1902, capitulo 12.°, artigo 25.°:

Despesa com o serviço para a organização das bases para a liquidação da contribuição predial 200:000$000

No orçamento de 1902-1903. capitulo 12.°, artigo 75.°: Despesa com a organização das bases para a liquidação da contribuição predial — 100 contos de réis. Em vista de tantas centenas de contos de réis gastas com as novas matrizes, deviam estas estar muito adeantadas; estavam? Pedia ao Governo que despe á Camara esclarecimentos a este respeito.

Ia agora tratar do orçamento actual.

A proposta primitiva apresentava o deficit de 1.799:698$533

Em virtude de augmentos no calculo das receitas e de reducções nas despesas, por iniciativa do Sr. Ministro da Fazenda actual e da Camara dos Srs. Deputados, houve diminuições na importancia de 996:685$283

Ficando por isso o deficit reduzido a 803:013$250

Mas havia muitas receitas mal calculadas; por exemplo, o rendimento de 300 contos de réis a mais no real de agua do Porto, em consequencia do alargamento da area das barreiras; já anno passado se consignara esse augmento; já anno passado demonstrara que era impossivel; este anno confessa-se que o augmento previsto se não dera, porque as barreiras se não concluiram; mas calcularam-se para o anno economico, que começa em julho, mais 300 contos de réis. Ou as barreiras se concluam ou não, tal augmento é impossivel: seria necessario para que elle se desse que a nova area fiscal incluis-se uma população a mais, maior do que toda a população da cidade do Porto. E se muitas receitas estão avolumadas, algumas das economias são impossiveis, por exemplo: a que se faz com annullações de contribuições por sinistros; a que se faz com a despesa nos hospitaes, a que se tiram 8:500$000 réis.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Elle não cortara nada á dotação dos hospitaes; em primeiro logar porque lhe seria desagradavel fazer esse corte; em segundo logar porque era um modesto medico e não cortaria quantia alguma á dotação dos hospitaes; havia na proposta ministerial a dotação de 58:500$000 réis para o hospital do Rego, mas como este não poderá funccionar no principio do anno economico, calculou-se o que seria preciso para o resto do anno.

O Orador: — Estimava a rectificação feita pelo illustre Ministro; mas o equivoco d'elle, orador, se equivoco havia, provinha de se ler no parecer da com missão, no mappa das despesas em que houve reducções:

«Ministerio do Reino — Capitulo 6.°

— Beneficencia publica — Artigo 31.° — Hospitaes — Menos 8:500$000 réis».

E apesar do que o illustre Ministro dissera, era de parecer que a verba para hospitaes mais se devia augmentar do que diminuir, porque todos os dias se estão noticiando miserandos factos de se não poderem acceitar doentes em hospitaes, porque não ha logar e porque não ha receita para os sustentar e tratar; e ainda ha dias, na outra Camara, o Sr. Deputado Oliveira Mattos, narrou uma grande porção de factos de miseria dados nos hospitaes. Que dolorosa situação a da incuria ou penuria do Estado, accrescentados á doença e á dor de enfermos sem recursos! (Apoiados).

Mas apesar de todos os córtes, de todas as economias do Sr. Teixeira de Sousa, o que é certo é que, quando se comparava o orçamento actual com a lei de receita e despesa de 5 de julho de 1900, a despesa se achava enormemente augmentada, como a Camara ia ver.

O Sr. Pereira Carrilho: — Mas criam-se as receitas correspondentes. É bom dizê-lo desde já.

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 743

0 Orador: — V. Exa. fala logo; dirá então quaes foram as receitas criadas correspondentes ao augmento de despesa.

Orçamento Geral do Estado. — Comparação das despesas segundo a lei de 5 de julho de 1900 e a proposta actual:

Ministerio dos Negocios da Fazenda.

1.ª Parte: Encargos geraes:

Lei de 5 de julho de 1900 9.779:762$306
Proposta 9.484:022$810
Para menos 295:739$496

Estas diminuições são nos juros e amortizações a cargo do Thesouro — numeros redondos 134 contos
Nas classes inactivas 181 contos

Mas nas Côrtes a despesa augmenta 18 contos.

Na segunda parte.— Divida publica fundada. Lei de 5 de julho 19.954:093$403
A proposta 21.272:397$970
Mais 1.318:304$567

D'estes 1:318 contos, 548 são augmentados na divida publica interna e 765 na divida publica externa.

Nas pensões vitalicias ha a mais 4:458$000 réis.

Na terceira parte. — Serviço proprio do Ministerio:

Lei de 5 de julho de 1900 3.686:060$680
Proposta 3.810 429$284
Para mais 124:368$604

D'estes 124 contos as repartições de fazenda gastam a mais 108:865$000 réis, e o serviço ficou peor.

Empregados addidos e reformados:

Lei de 5 de julho 364:266$704
Proposta 428:575$856
Para mais 64:309$152

É o resultado da reforma das alfandegas, que diminuiu guardas, mas os diminuiu aposentando os, conservando portanto a despesa, para criar fiscaes de impostos, criando portanto uma despesa nova, fiscaes de impostos que teem sido optimos agentes de provocação de tumultos, alguns sangrentos. (Apoiados).

As duas verbas a mais — repartições de fazenda e addidos e reformados sommam a quantia de 173:174$000 réis; e se apparece, em vez d'isto, apenas uma differença de 133 contos de réis, 40 contos de réis menos, é porque se apresenta diminuida a administração superior da fazenda publica em 3S contos de réis e as diversas despesas em 400$000 réis.

Segue-se a quarta parte — Fundo permanente da defesa nacional; e aqui, tanto a lei de 5 de julho de 1900, como o orçamento actual inscrevem a mesma verba —, um grande, um constante zero!

Tem-se descutido nesta Camara, discutiu-se ainda ha dias entre os nossos melhores e mais graduados oradores militares, tem-se discutido em excellentes publicações, qual é o melhor systema de defesa nacional; se são as fortificações, se é o exercito bem armado; é fortificar Lisboa, pensam uns, porque o inimigo virá por mar; é armar bem o exercito, dizem outros, porque o inimigo virá por terra. Com effeito, por onde virá o inimigo?

O inimigo, dizia um dia o Sr. Visconde de Chancelleiros, creio que em resposta ao Sr. Fontes, o inimigo não entrará nem por mar nem por terra; entrará pelas portas e janellas do Ministerio da Fazenda; e é a absoluta, a incontrastavel verdade.

Não ha inimigo nenhum externo que se atreva, que tenha o impudor de vir atacar uma nação pequena e pacifica; e se não estamos perpetuamente neutralizados, como a Bélgica e a Suissa, por convenção das grandes potencias, estamo-lo pelo respeito do direito, pelas leis do equilibrio e do interesse das mesmas potencias. O unico inimigo a temer é o inimigo interno; o inimigo são aquelles Governos que pela epilepsia do augmento continuo das despesas levam ao augmento dos impostos e dos emprestimos, e por um e por outro meio ás perturbações da ordem no país e ás reclamações de outros povos, e por ellas ás interdicções e á deshonra. (Apoiados).

Segue-se a quinta parte. — Differença de cambios:

Na lei de 5 de julho de 1900 500:000$000
Na proposta orçamental 60:000$00
Para menos 40:000$00

É a unica economia importante.

Mas a differenca de cambios é o resultado da acção do Governo?

Teem-se aproveitado d'estas circumstancias favoraveis para equilibrarem a receita e a despega? Não.

Vejamos agora o

Ministerio do Reino:

Lei de 5 de julho de 1900 2.435:280$356
Proposta 3.002:800$089
Para mais 5677529%$737

Ministerio da Guerra:
Lei de 5 de julho de 1900 5.948:665$897
Proposta 6.411:218$471
Para mais 462:552$574

Ministerio da Marinha e Ultramar:
Lei de 5 de julho de 1900 4.358:087$490
Proposta 4.205:025$040
Para menos 153:062$450

Ministerio dos Negocios Estrangeiros:

Lei de 5 de julho de 1900 352:696$430
Proposta 359:650$260
Para mais 6:953$830

Ministerio das Obras Publicas:

Lei de 5 de julho de 1900 4.598:082$021
Proposta 5.118:935$087
Para mais 520:853$066

Ao todo differença entre, a despesa ordinaria da lei de 5 de julho de 1900 52.741:916$326
e a da proposta 55.082:283$941
Para mais 2.340:367$615

Mas cortou o Sr. Teixeira de Sousa nas despesas ordinarias 741:151$873
~
tinham pois em tres annos aumentado a despesa em 3.081:519$488

Augmento annual medio 1:000 contos de réis! Repito, pois, a minha pergunta: Pode isto continuar assim? (Apoiados).

A propria intervenção do Sr. Ministro da Fazenda actual para se fazerem algumas reducções mostra a necessidade de se mudar de orientação; mas foi tardia a sua iniciativa; teria sido melhor não se terem criado despesas inuteis do que fazerem-se depois reducções, algumas nocivas, outras impossiveis. (Apoiados).

E quem analysava a proposta orçamental, esta e a anterior, via que se tinham augmentado despesas improductivas e que se tinham diminuido despesas productivas. Ha muito tempo

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744 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que as estradas não tintam sido tão mal dotadas, como teem sido por este Governo, como mostra a tabella seguinte:

Estradas: Despesa ordinaria Despesa extraordinaria
1892-1893 470:000$000 700:000$000
1893-1894 419:037$360 450:000$000
1894-1895 (Por decreto de 5 de julho de 1894 foi determinado que a distribuição das despesas ordinaria e extarordinaria do Ministerio de Obras Publicas se regule pelas tabellas de 1893-1984).

1895-1896 350:055$000 620:000$000
1897-1898 512:235$000 700:000$000
1898-1899 480:000$000 -$-
1899-1900 431.640$000 700:000$000
1900-1901 400:800$000 700:000$000
1901-1902 432:450$000 400:000$000
1902-1903 330:000$000 100:000$000
1903-1904 330:000$000 200:000$000

Precisava concluir e concluia perguntando o que significa todo aquelle conjunto de factos que apresentara. Significa que infelizmente o regimen representativo teve entre nós uma evolução morbida, soffreu um desvio da evolução normal.

Outr'ora na Inglaterra, desde que lá houve parlamento, e noa outros países do continente da Europa em que houve cortes, as cortes reuniam-se quando o rei as convocava, e na maior parte d'estes países, o clero, a nobreza e os procuradores dos povos expunham os seus aggravos, a que entre nós se chamavam capitulos, o os réis decidiam; eram elles que legislavam; mas quando se tratava de impostos, os papeis invertiam-se; então o rei pedia a quantia que julgava necessaria, e as duas casas do parlamento ou os tres estados decidiam o que queriam dar e o modo como se havia de levantar o que davam; a somma era mais ou menos fixa e em globo destinada para as necessidades do rei e do reino; o rei não clava contas.

Os ingleses, povo commercial, gente pratica, notaram porem que muitas vezes os soberanos applicavam os impostos para fins diversos d'aquelles para que se tinham concedido, e a existencia do poder ministerial, intermediario entre o Rei e o Parlamento, permittiu a este operar importantissimas reformas, a primeira das quaes foi abrir-se nas receitas uma grande divisão; umas que se deviam applicar ás necessidades do Rei e da sua familia: é a origem da lista civil; as outras para as necessidades do reino; assim nasceu o principio da especialização das despesas; os historiadores da constituição inglesa, Hallam e Erskine May, por exemplo, dão tanta importancia a este facto que o signalam como o inicio de uma nova ordem de cousas, como marcando uma epoca: e, entrando se neste caminho, era facil a evolução no sentido de se especializarem todas as applicações que deviam ter as receitas. O Parlamento concedia ao Governo determinada somma. de impostos com a condição de que os havia de applicar a determinadas despesas e não a outras; era um mandato. e tiraram-se de o ser todas as consequencias e applicaram se todas as regras relativas ao mandato: portanto o Governo havia de dar contas do uso que tivesse feito das receitas que tinha cobrado; uma commissão ou um tribunal technico fiscalizava o procedimento cio Governo nesta materia e tomava contas, que depois se apresentavam ao Parlamento para as confirmar: os Ministros tornaram-se responsaveis, como o são os mandatarios, peie uso legal do producto dos impostos: e, se tinham abusado, eram-lhes applicaveis os artigos do Codigo Penal relativos a abuso de confiança, abuso que os codigos punem, como o nosso no artigo 453.°, com as penas de furto.

A deshonra, quando se dá a uma receita uma applicação illegal, não é a mesma do que quando se furta; mas as consequencias materiaes podem ser as mesmas e os codigos equiparam os crimes.

As receitas são pois mais ou menos fixas; as despesas são fixas; e porque a vida dos Estados é muito complexa e pode haver despesas imprevistas de força maior, marcam-se formalidades legaes rigorosas, segundo as quaes se hão de custear essas despesas.

Foi assim, pouco mais ou menos, que o systema nasceu e se aperfeiçoou na Inglaterra; foi assim que passou da Inglaterra para os outros povos; foi assim que d'esses povos passou para nós; mas do salutar systema desprezámos a substancia e conservámos a apparencia um formalismo infecundo, illusorio e pernicioso. (Apoiados).

O systema é que as receitas são marcadas por lei e calculadas segundo regras de probabilidades e que as despesas são fixas por lei e as imprevistas e absolutamente indispensaveis custeadas segundo formalidades legaes; aqui as despesas não teem o limite que a lei lhes impõe; mas, á sombra do artigo que permitte a representação da receita, ampliam-se até onde as quer levar o arbitrio dos Ministros, que não tem outro limite senão o do credito que encontram nas suas pretensões a emprestimos. É este o primeiro desvio do systema constitucional: é a principal fonte de ruina e é preciso destrui-la. (Apoiados).

O systema é — contas breves, claras, completas; aqui as contas são atrazadas, obscuras, ncompletas. (Apoiados).

O systema é — responsabilidade, não só politica e moral, mas civil e penal por toda a applicação illegal de dinheiros publicos; e aqui não ha ninguem responsavel. (Apoiados).

Estamos num país em que o rei é irresponsavel, porque a Constituição assim o determina; em que nós, os legisladores, somos tambem irresponsaveis pelas nossas opiniões aqui expressas, porque é isso uma condição da liberdade d'essas opiniões e do cumpri mento do nosso dever; mas os Ministros, que a Carta declara responsaveis, arranjaram com sophismas não terem outra responsabilidade que não seja a de palavras sonoras, que a vaidade e o talento inspiram e que o vento leva. (Muitos apoiados). É precisa uma lei de responsabilidade ministerial. (Apoiados).

Elle sabia que com a lei de responsabilidade ministerial não se ficaria salvo; sabia que os effeitos não serão tão efficazes como se esperam, porque os ruins costumes podem mais do que as boas leis; mas cumpra-se o dever e talvez algum dia a lei se applicasse e qualquer salutar exemplo nos lançasse noutro caminho.

O systema é a mais completa publicidade sobre todos os actos financeiros do Governo: e aqui a luz não penetra senão a muito custo em muitos d'esses actos. (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Deu a hora, V. Exa. deseja concluir o seu discurso?

O Orador: — Se S. Exa. lhe desse licença, em 5 minutos concluiria as suas considerações.

Estavamos num momento historico, psychologico, como se costuma dizer, solemne, decisivo e que é preciso que se comprehenda bem para bem nos orientarmos.

Formam-se partidos novos, em concorrencia com os antigos; ha o partido franquista, e o partido nacionalista ; ha outros; o facto é symptomatico; o que é que significa?

Quem serão os vencidos? Serão os partidos novos, ou serão os antigos?

(Interrupção do Sr. Eduardo José Coelho, que se não ouviu).

Se os partidos antigos encontrarem na intelligencia, no coração e na. vontade dos seus principaes homens a orientação e as energias necessarias para mudarmos de processos de administração, para não continnarmos a patinhar, e patinhar é o termo, nesta rotina viciosa e ruinosa, os partidos antigo serão vencedores; se não, serão vencidos todos aquelles que não sou-

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 745

berem accommodar aos seus interesses politicos aos interesses da nação. (Apoiados}.

Quem tem a culpa de tudo isto? A culpa temo-la todos, todos sem excepção, era variadas proporções; todos, desde o mais alto funccionario do Estado, continuando pelo Governo, pelas Camaras e pelos partidos até os mais humildes cidadãos do país. (Apoiados).

Todos. Está hoje, demonstrado que aquella celebre formula de Thiers — O Rei reina, mas não governa — é mais concisa do que exacta. A formula verdadeira é esta — O Rei reina e governa, mas não administra; não ficaria pois mal a um Chefe de Estado impor aos seus governos o seguinte programma: Governarem dentro da Constituição, dentro da lei e dentro dos recursos do país, ou fóra do Governo. (Muitos e repetidos apoiados). Toda a gente, um povo inteiro agradeceria ao Chefe de Estado que impusesse ao seu Governo este programma de alta moralidade e de urgente necessidade. (Muitos e repetidos apoiados).

Teem culpa os Governos, porque, embora esse programma lhes não seja imposto, deviam impo-lo a si proprios. (Muitos apoiados). Teem culpa as Camaras e os partidos, porque teem muitas vezes condescendencias de mais e resistencia de menos. (Apoiados). Tem culpa o país pela sua indifferença e pelo seu torpor ordinarios, e de quando em quando pelas suas exigencias; mas devia dizer que não podem os Governos desculpar-se com essas exigencias, porque os governos existem para governar e não para serem governados. (Apoiados).

Se não mudamos de rumo, o augmento dos impostos e dos emprestimos produzirá uma situação cada vez mais dolorosa e mais perigosa; qualquer anno agricola mau, qualquer crise politica ou financeira europeia, qualquer reclamação possivel de credores que nos humilhe, poderão occasionar uma tormenta, que não se sabe onde irá parar.

Quaes serão os desgraçados que estarão a esse tempo nessas cadeiras, chamadas do poder?

Não serão provavelmente os que mais culpas teem; serão talvez alguns minimamente culpados ou de todo innocentes; porque a justiça mysteriosa e pavorosa da historia é esta: não são as mais das vezes os grandes factores e os grandes cumplices da ruina das nações que soffrem as consequencias, quando do excesso do soffrimento e do desespero nascem as vagas das revoluções. Foram Luiz XIV, a Regencia e Luiz XV que arruinaram as finanças da França; o sangue que correu foi o do bom, do sóbrio, do manso e dedicado Luiz XVI. (Vozes: — Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

Foi lida na mesa, admittida e, ficou em discussão conjuntamente com o projecto a moção de ordem do Digno Par Frederico Laranja, que é do teor seguinte:

A Camara, convencida de que a discussão do orçamento do anno seguinte sem a conta de gerencia do anno findo e a do exercicio ultimamente encerrado, em harmonia com o artigo 13.° do Acto Addicional de 18.02, é incompleta e illusoria;

Convencida de que não pode fazer uma ideia precisa da administração do Governo sem que lhe seja presente a, relação de todos os creditos extraordinarios e supplementares registados pelo tribunal de contas, segundo o que preceitua o artigo 56.° do regulamento de contabilidade publica de 31 de agosto de 1881;

Convencida de que são de execução permanente os §§ 23.° e -24.° da lei de receita e despesa de 30 de julho do mesmo anno, que restabeleceu a publicação da relação geral e nominal dos empregados do Estado, e que deve ser apresentada ás Côrtes juntamente com o orçamento;

Convencida de que as operações de thesouraria para representação de receita e para quaesquer outros fins devem ser submettidas ao visto do Tribunal de Contas para verificar se estão dentro das auctorizações legaes, e expostas todas num relatorio ás Côrtes, e incluidas nas contas do Estado, sem o que o systema parlamentar é completamente falsificado;

Convencida de que a lei de receita e despesa deve ser simples e clara e conter apenas as normas de cobrança e applicação das receitas e não projectos de lei especiaes;

Convencida de que a auctorização de cobrar impostos é só para se applicarem de modo legal; que esta auctorização e este dever impõem a obrigação de dar contas; e que não se comprehende nada d'isto sem a responsabilidade civil e penal por todos os abusos que se commetterem do exercicio d'estas funcções;

Convida o Governo:

1.° A apresentar as contas de gerencia e de exercicio na forma da constituição;

2.° A mandar á Camara, pelo Tribunal de Coutas, os creditos extraordinarios e supplementares por elle registados com o respectivo relatorio;

3.° A publicar a relação geral e nominal de todos os funccionarios de Estado, na forma do decreto mencionado, e mensalmente, no Diario do Governo, as gratificações concedidas;

4.° A apresentar ás Côrtes a relação circunstanciada de todas as operações de thesouraria, escriturando-as nas contas do Estado, e submettendo-as de futuro ao Tribunal de Contas para lhes pôr o visto, se estiverem dentro das auctorizações legaes;

5.° A simplificar a lei de receita e despesa, retirando d'ella os projectos de lei especiaes;

6.° A apresentar ás Côrtes uma proposta de lei definindo a responsabilidade civil e pessoal dos Ministros e de quaesquer funccionarios do Estado por quaesquer irregularidades commettidas na cobrança e applicação dos dinheiros publicos; e passa á ordem do dia.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, em 4 de maio de 1903. = José Frederico Laranjo.

Foi lida uma mensagem, vinda da Camara dos Srs. Deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim contar, para os effeitos de promoção, a varios officiaes da armada, o serviço em commissôes especiaes.

Á commissão respectiva.

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — Começa por mandar para a mesa uma nota de interpelação que passa a ler.

«Requeiro que, pela Secretaria d'esta Camara, seja prevenido S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra de que desejo, com urgencia, interpellar S. Exa. sobre a deportação para a Africa dos soldados do regimento n.° 18 implicados nos successos que ultimamente se deram em Santo Ovidio, no Porto.

Sala das sessões. = O Par do Reino, Visconde de Chancelleiros».

Soube, depois de ter pedido a palavra, que já havia sido annunciada uma interpellação neste sentido pelo Digno Par Francisco de Castro Mattoso.

Ao Sr. Ministro da Guerra tambem pede, como S. Exa., que com urgencia declare em que dia está habilitado para responder a esta interpellação.

Elle, orador, sabe que foi annunciada uma interpellação por carta; pede, ao inverso, ao Sr. Presidente que, se elle, orador, não estiver presente á sessão do dia em que o Sr. Ministro fizer essa declaração, S. Exa. lhe communique a resolução do Sr. Ministro para que elle, orador, venha tomar parte nesse debate.

A interpellação annunciada por carta, como viu num dos Annaes da nossas sessões, foi a do Sr. Arrojo.

Segundo os Annaes, consta ter aquelle Digno Par dirigido uma carta ao Sr. Presidente do Conselho, prevenindo-o de que ia levantar nesta camara

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uma certa discussão, a que elle, orador, não assistiu.

Já teve occasião de se referir rapidamente a este assumpto. Não torna a fazê lo agora, porque a occasião não é opportuna; mas não pode calar a voz da sua consciencia á vista da forma por que se procedeu contra aquelles militares, em virtude dos successos occorridos em Santo-Ovidio, no Porto.

Uma voz: — Ha alguma interpellação annunciada por carta?!

O Orador: — S. Exa. o Sr. Arroyo disse que tinha pedido, por carta, o comparecimento dos Srs. Ministros para quando proferisse o seu discurso.

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): — Pede a palavra.

O Orador: — S. Exa. pediu a palavra, naturalmente para se declarar habilitado a responder á interpellação. Sendo assim, caducam as considerações que fez. Mas ha outro pedido do qual não pode desistir por forma alguma.

Queria que o Sr. Presidente consultasse a Camara sobre se ella permitte que a mensagem que elle, orador, mandou na ultima sessão para a mesa seja publicada nos Annaes parlamentares.

O Sr. Presidente: - Já está auctorizada a publicação.

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): — Recorda-se a Camara de que, em seguida a serem mandados para a Africa alguns soldados de infantaria 38, o Digno Par Sr. Jacinto Candido, numa sessão em que elle, orador, não estava presente, mandou para a mesa uma nota de interpellação, dizendo que desejava interpellar o Ministro da Guer rã sobre as ordens dadas para castigar o procedimento d'esses soldados.

Talvez a Camara se recorde tambem, e consta dos Annaes parlamentares, de que na sessão immediata elle, orador, disse ao Sr. Presidente que se julgava habilitado para responder á interpellação do Digno Par.

Decorridos alguns dias, o Digno Par Sr. Francisco de Castro Mattoso, antes da ordem do dia, fez algumas considerações sobre o mesmo motivo, isto é, sobre a ordem dada por elle, orador, para sairem de Lisboa as praça de infantaria 18 que mereceram esse castigo.

Nessa occasiao elle, orador, teve s honra de responder a S. Exa.; e o Digno Par Mattoso, não concordando com as suas considerações, annunciou tambem a sua interpellação, sobre o mês mo motivo.

Nesse dia elle, orador, tornou a dizer ao Sr. Presidente que já se declarara habilitado a responder a essa interpellação, quando o Sr. Jacinto Candido annunciara a sua; e elle, orador, untou o seu pedido ao do Digno Par Sr. Castro Mattoso para que o Sr. Presidente, marcasse dia para a interpellação.

Nada mais tem a dizer.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Pediu a palavra com outro intuito; mas, felicita-se por o Sr. Ministro da Guerra declarar, por maneira tão peremptoria, que está habilitado a responder á interpellação de que se trata, esperando por isso que o Sr. Presidente marque dia para essa interpellação.

Tem a maior consideração por S. Exa. como toda a Camara; mas declara a S. Exa. que, se tal designação se não fizer, tratará, do assumpto como entende que deve ser tratado, em qualquer occasião em que esteja no uso da palavra.

O Sr. Castro Mattoso: — Folga com a declaração do Sr. Ministro da Guerra, que é a mesma por S. Exa. feita logo e elle, orador, annunciou a sua interpellação; e assim pede ao Sr. Presidente que se não demore em marcar dia para a realização d'ella, pois nesse dia elle, orador, ha de demonstrar, com a ajuda de Deus, que não ha lei que auctorizasse o procedimento havido para com aquelles soldados.

Fará ainda uma pergunta ao Sr. Ministro da Marinha, que vê presente.

Elle, orador, foi informado de que os referidos soldados, quando chegaram á costa de Africa, foram mandados alistar em companhias de correcção, onde estão os criminosos e condemnados como taes pelos tribunaes.

Parece-lhe pouco provavel que assim se tivesse procedido; mas é certo que lhe deram tal informação e quem lh'a deu é pessoa em quem confia.

Não tem o gosto de conhecer pessoalmente o Sr. Ministro da Marinha, mas o seu passado auctoriza-o a fazer de S. Exa. o melhor conceito; e por isso espera de S. Exa. uma resposta clara e precisa á pergunta que lhe dirigiu, e que se resume no desejo que tem de saber o que ha de verdade na informação que lhe foi dada.

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão): — Pode informar o Digno Par de que os soldados de infantaria 18 foram encorporados no batalhão disciplinar.

Discutiu-se qual o destino que lhe devia ser dado, assentando-se naquella resolução, pois que iam cumprir uma pena disciplinar.

Ainda assim, o Ministerio da Marinha não tomou uma determinação positiva a tal respeito, não sabia se aquellas ser convenientemente alojados no quartel daquelle batalhão; governador geral Angola, que, como a Camara sabe, é um homem de lei.

Eis o que tem a responder á pergunta do Digno Par.

0 Sr. Visconde de Chancelleiros: — Pediu a palavra para dizer ao Sr. Presidente que, em vista das considerações que o Sr. Ministro da Guerra apresentou, o mais conveniente seria fixar já hoje o dia em que a interpelação se deve realizar: amanhã, ou o mais proximamente possivel.

O Sr. Presidente: — Não pode fixar desde já dia para se realizar a interpellação, porque depende de haver occasião compativel com a regularidade dos trabalhos da Camara.

O Sr. Francisco Castro Mattoso: — Agradece ao Sr. Ministro da Marinha a sua resposta, mas declara que esta não o satisfez.

O Sr. Ministro da Guerra não podia condemnar aqueles homens: isso competia aos conselhos de guerra.

Não quer antecipar considerações que para em occasiao opportuna. Então mostrará quanto foi incorrecto o procedimento do Governo.

O Sr. Visconde de Chancelleiros : — Requer ao Sr. Presidente que consulte a Camara sobre se permitte que amanhã ou depois se realize a interpellação.

O Sr. Moraes Carvalho (sobre o modo de votar): — É simplesmente para lembrar á Camara que o requerimento do Sr. Visconde de Chancelleiros vae contra a disposição do Regimento queda ao Sr. Presidente o direito de dirigir os trabalhos.

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — Mas eu peço dispensa do Regimento.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Então não se pede todos os dias a dispensa do Regimento?

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — O Sr. Presidente tem de sujeitar á deliberação da Camara o seu requerimento.

O Sr. Moraes Carvalho: — Requer, e se S. Exa. quer por escrito, que á deliberação do Sr. Presidente fique a direcção dos trabalhos relativamente a este incidente.

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SESSÃO N.° 65 DE 3 DE JUNHO DE 1903 747

O Sr. Pereira Carrilho: — A sessão não está prorogada. Já deu a hora; e por isso não se pode votar cousa alguma neste momento.

O Sr. Presidente: — O Sr. Visconde de Chancelleiros liça inscrito.

Como já deu a hora vae encerrar a sessão.

A proximo sessão é amanhã, 4, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje, isto é, a continuação do parecer n.° 00, sobre o Orçamento do Estado; n.° 14, que reorganiza a Academia Portuense e Museu das Bellas Artes; n.° 53, que auctoriza a Camara Municipal de Celorico da Beira a lançar e cobrar uma percentagem ás contribuições directas do Estado; n.° 56, que auctoriza um adeantamento á Companhia do Caminho de Ferro do Mondego para exploração do caminho de ferro de Coimbra a Arganil; n.° 57, que auctoriza o Governo a cunhar e a emit-tir até 500 contos de réis em moeda de prata, destinada a reforçar a circulação monetaria da provincia de Angola.; n.° 62, que approva a convenção addicio-nal ao tratado de commercio e navegação entre Portugal e a Noruega; n.° 63, que auctoriza a Camara de Villa Yiçosa a vender a cerca do extincto convento de Santa Cruz; n.° 64, que releva a administração da Misericordia de Villa Viçosa de certas responsabilidades; n.° 66, que auctoriza a Camara Municipal de Grandola a conceder á Misericordia da mesma villa, pelo fundo de dação, o subsidio de 3 contos de réis para construcção de um edificio hospitalar, e mais o parecer n.° 65, que auctoriza a Camara de Cabeceiras de Basto a levantar todas as quantias que tiver do fundo de viação; ri.° 67, que trata de reorganizar o ensino nas Escolas Medico-Cirurgicas do Porto e Lisboa, e n.° 68, que auctoriza a Camara Municipal de Leiria a desviar certa quantia do seu fundo de viação.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Os Redactores

ALBERTO PIMENTEL. JOÃO SARAIVA.

Dignos Pares presentes na sessão de 3 de junho de 1903

Exmo.s Srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa; Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marqueses: de Fontes Pereira de Mello, de' Penafiel; Condes: de Ávila, da Azarujinha, de Fi-gueiró; Viscondes: de Athouguia, de Chancelleiros, de Monte-São; Antonio de Azevedo, Pereira Carrilho, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo,

Teixeira de Sousa, Telies de Vascon-cellos, Campos Henriques, Arthur Hin-tze Ribeiro, Bernardo de Aguilar, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Coelho de Campos, Francisco de Castro Mattoso, Ferreira do Amaral, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, Mendonça Côrtez, Avellar Machado, José de Azevedo, Frederico Laranjo, Silveira Vianna, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dan tas, Pedro Ferrão, Pedro Victor, Poly-carpo Anjos, Sebastião Telies, Sebastião Dantas Baracho.

Documentos a que se faz referencia nesta sessão

O administrador do concelho de Ar-gánil informou o governador civil de Coimbra sobre o conflicto havido entre a mesa da Misericordia e os phar-maceuticoô Torres e Galvão, fornecedores de hospital.

Desejando a mesa diminuir a despesa com o receituario, propôs diversos alvitres aos mencionados pharma-ceuticos, os quaes foram rejeitados p m absoluto. Em consequencia do que a mesa resolveu:

1.° Que os facultativos do hospital lançassem o receituario no livro competente deixando tres linhas em branco entre cada formula.

2.° Que nessas tres linhas fizessem os pharmaceuticos a respectiva conta especificada, de modo que se conheça o preço dos medicamentos e o das manipulações.

3.° Que as contas sejam lançadas diariamente pelos mesmos pharmaceuticos, sem que d'este preceito possam ser relevados, seja qual for a razão invocada.

4.° Que, habilitado com estes elementos, o provedor proponha a melhor e a mais pratica solução tendente a obter a maxima economia sem prejuizo da boa manipulação dos remedios.

Como os pharmaceuticos se não sujeitassem a aviar os medicamentos, em vista das referidas deliberações, por as considerarem deprimentes e offensivas da sua dignidade profissional, a mesa propalou que os pharmaceuticos não observavam o regimento quanto ao preço dos medicamentos fornecidos para o hospital, passando desde então os medicamentos a ser fornecidos por uma pharmacia de Cuja, que dista da villa de Arganil uns doze kilometros, sendo tal medida nociva e perigosa para um regular regime hospitalar.

A mesa da Misericoidia, para justificar os seus actos, mandou proceder a um exame ás contas correntes d'aquel-

les pharmaceuticos, em que foram peritos os dois facultativos do hospital e o novo fornecedor, serviço que foi interrompido, em consequencia de um dos facultativos ser chamado para serviço clinico urgente por ser subdelegado de saude, e não consta que o dito exame tivesse acabado.*

É voz publica que o provedor usou d'este plano para entregar o fornecimento exclusivo dos medicamentos ao actual fornecedor.

A proposito d'estes factos diz ainda o administrador do concelho que muitas queixas e accusacões se formulam contra a actual mesa gerente, taes como:

Beneficiar de preferencia os que politicamente lhe são affeiçoados;

Desviar dinheiro da Santa Casa para fins occultos;

Conceder avultadas gratificações aos .seus empregados, os quaes estão altamente compensados com ordenados fabulosos;

Dar esmolas a quem d'ellas não carece;

Auctorizar os enfermeiros a não pernoitarem no hospital, ficando os enfermos sem soccorros durante a noite;

E ainda outras queixas a que urge pôr cobro.

Em vista do exposto o governador civil encarregou o administrador do concelho de Góes de proceder a inquerito e syndicancia á administração da referida mesa.

O syndicante no seu relatorio diz:

Que é irregularissimo o estado em que se encontra a escrituração, e como synthese de um parecer cita o seguinte facto. Querendo conhecer quaes as importancias emprestadas nos annos de 1892 a 1902 requereu certidão; esta levou quinze dias a passar, e d'ella consta o seguinte: «certifico dos elementos que foi possivel colher, sem com-tudo responder pela certeza absoluta das sommas que vou apresentar, que», e te., e termina da seguinte forma: «nada mais posso certificar a este respeito pela deficiencia dos assentos que ao assumpto se referem».

Mais acrescenta:

Que o inventario se reporta ao anno de 1880, e d'essa data em deante deixou de ser revisto, revisão que devia ser feita no principio do anno, como manda o regulamento do hospital •

Que não existe o livro de dividas por isso não é possivel averiguar á quanto montam as dividas activas- no Diario não se teem lançado estas verbas, nem tambem constam da receita e despesa da corporação, como a mesa allega ;

Que não existe o livro de doentes no consultorio do hospital, pelo que foi impossivel averiguar se a mesa terá auctorizado o pagamento de medica-

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748 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mentos a enfermos externos não indigentes;

Que a cobrança dos juros de capitães mutuados é feita per uma forma muito irregular, não sendo facil descobrir em que data foram pagos ao thesoureiro;

Que ha devedores com três, quatro, cinco e doze annos de juros caidos, o que representa evidente prejuizo para a Santa Casa;

Que os orçamentos são confeccionados por uma forma illegal, occultando-se em falsas medias as verdadeiras importancias dos diversos rendimentos da Misericordia;

Que a entrada e saida de generos no celleiro são feitas por um systema que o regulamento do hospital não autoriza; a mesa na sua resposta não destroe esta accusação, tendo arranjado á ultima hora um livro, para de alguma forma se justificar a falta de guias e recibos que deviam existir;

Que não ha livro ou simples apontamento d'onde constem os gastos diarios com as dietas dos doentes e sustento do pessoal hospitalar, existindo apenas um livro em que se escrituram as compras feitas diariamente:

Que com a compra de gallinhas se notam grandes irregularidades, quer quanto ao preço, quer quanto á forma por que é escriturada esta despesa.

A mesa confessa que tem pensado em modificar a escrituração, e que não é só a ella que cabe a censura nas faltas apontadas pelo syndicante, pois as mesas transactas procediam de igual modo.

O governador civil diz que a gerencia da actual mesa é nociva aos interesses da Santa Casa, pelo que propõe a sua dissolução.

Se as faltas apontadas pelo syndicante vêem já d'outras administrações, isso não absolve a actual mesa, porque devia cortar abusos e regular a sua administração por forma que rapidamente se conhecesse qual a receita e despesa do mesmo estabelecimento. O facto apontado pelo syndicante com respeito á certidão mostra que a mesa não tem elementos precisos para conhecer quaes são os seus devedores, e isto é uma prova da anarchia em que se encontra a escrituração.

Com respeito á questão dos pharmaceuticos a mesa procedeu ilegalmente e sendo para notar que um dos ayndicantes seja o actual fornecedor, que pode ser muito boa pessoa, mas neste caso é suspeito.

Em vista do processo de syndicancia a repartição é de parecer que a mesa deve ser dissolvida nos termos da alinea e) do n.° 3.° d) artigo 203.° do Codigo Administrativo.

V. Exa. se dignará resolver.

Em 6 de maio de 1903. = Carlos Augusto de Oliveira.

Senhor. — A Camara dos Pares do Reino, tendo votado o adiamento do projecto de lei sobre as bases do convenio com os credores estrangeiros, vem respeitosamente apresentar a Vossa Majestade as razões que determinaram o seu voto sobre tão grave questão, e, pelo muito que ella importa á dignidade e aos interesses do país, e á responsabilidade dos poderes publicos, que o representam, vem ainda pedir a Vossa Majestade que, no uso das faculdades que a constituição lhe confere, e em cumprimento do preceito consignado na formula do juramento que Vossa Majestade, antes da sua aclamação, prestou nas mãos do Presidente d'esta Camara: «haja de prover ao bem geral da nação».

Senhor! em 1852, por decreto dictatorial de 18 de dezembro, foi decretada a conversão de toda a divida consolidada interna e externa, passando o juro d'ella de 5 a 3 por cento. Justificava o Governo, no preambulo d'esse decreto, a conversão, pela urgente necessidade de reduzir o encargo que a divida publica trazia ao Thesouro, absorvendo-lhe dois terços da sua receita; e expondo com lucidez e verdade o seu pensamento, sobre as bases em que devia assentar a organização definitiva da fazenda publica, dizia: «que essa organização prendia essencialmente com o necessario equilibrio que deve existir entre a receita e a despesa, e que, emquanto houver um deficit, pequeno ou grande, que actue constantemente sobre o Thesouro, o país caminhará para um abysmo inevitavel. E, depois, justificando a reducção do juro, acrescentava: «é necessario fixar, de uma vez para sempre, uma taxa de juro uniforme, unica para a divida interna e externa, que esteja em harmonia com os nossos recursos, que não seja uma promessa falaz, impossival de se cumprir, e que fortifique o credito publico, pela unica maneira por que é possivel assegurá-lo, isto é pela confiança que inspira a capacidade que tem o devedor de satisfazer os seus encargos».

Se os Ministros que depois geriram a Fazenda Publica, no largo periodo de quarenta annos, tivessem tido sempre, como orientação da sua gerencia, a doutrina que acabamos de citar, não teria Vossa Majestade, no principio do seu reinado, por certo com grande confragimento do seu animo generoso, mas sob o impulso de um verdadeiro sentimento patriotico, sanccionado a lei da salvação publica, pela qual se pediram ao país, se impuseram aos credores da divida interna e externa, os grandes e dolorosos sacrificios que a crise financeira de 1892 tornou indispensaveis.

Infelizmente, porem, Senhor! nem na escola da adversidade colhemos da experiencia a lição severa, que essa crise nos trouxe. Nos dez annos decorridos até hoje temos continuado no mesmo desregramento e imprevidencia, saldando sempre as contas do orçamento com grandes deficits, que accumulados elevaram a divida fluctuante de 27:000 contos, em 31 de dezembro de 1892, a 58:000 contos em dezembro de 1901, apesar de haverem crescido nesse periodo as receitas publicas 15:000 contos!

Nestas circunstancias, todo o esforço que o país faça, para conjurar a crise que o opprime, é contrariado e combatido pela acção funesta que na economia publica exerce fatalmente a desorganização financeira.

Nem o trabalho nacional, a cuja actividade devemos o desenvolvimento e expansão da nossa industria, com tão benéfica influencia na liquidação da contribuição respectiva, dando o augmento de muitos centos de contos de réis na sua receita, e de milhares d'elles a nosso favor na balança commercial, nem o progressivo desenvolmento da agricultura, reconstituindo com tamanha somma de capital, e tão desajudada do Governo, a principal fonte da sua riqueza — a vinha — e tambem aproximando das exigencias do consumo a nossa producção cerealifera, cujo deficit tem sido um dos principaes factores do agio do ouro, nem a valorização das nossas colonias pela exportação dos seus productos, sem a qual mal podemos calcular onde teriamos chegado; nada, Senhor, tem conseguido vencer a crise financeira, cuja permanencia aggrava as condições do Thesouro, que continua sendo o concorrente obrigado de todas as industrias, no recurso ao credito, afugentando d'ellas os capitães que as suas exigencias' deixam disponiveis, e que o sobresalto e desconfiança de quem os possue, leva a collocar em valores de facil realização, e, não poucas vezes, a capitalizar no estrangeiro.

E, Senhor, nem sequer podemos, não já justificar, mas mesmo explicar as razões d'este descalabro financeiro. Temos quasi sustado de todo o movimento de regeneração economica, que os melhoramentos materiaes tinham trazido ao país. Da viação accelerada, nestes ultimos dez annos; construiram-se apenas alguns kilometros, e a viação ordinaria, que nos custou 50:000 contos, nem sequer tem merecido os indispensaveis trabalhos de conservação; e tão pouco tem progredido, que até nas linhas ferreas que o Estado explora parte das estações estão ainda sem communicação com os centros de pro-

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ducção das regiões que essas linhas atravessam. Não ha navegação directa com as nossas possessões ultramarinas, a não ser com as da Africa Occidental, onde aliás, em concorrencia com as possessões estrangeiras, pouco temos feito em defesa dos nossos direitos, e dos nossos interesses. Não temos marinha mercante, e dos 6:000 contos de réis, que o nosso commercio paga, pela importação e exportação dos seus productos, apenas 1:000 cabem á navegação portuguesa.

Isto, com relação aos encargos que ao Orçamento do Estado trazem os melhoramentos materiaes. Aquelles que são o preço obrigado de toda a civilização: a dotação da instrucção publica, desde a escola primaria até aos lyceus e escolas superiores, cifram-se apenas em alguns centos de contos de réis: o sufficiente para assegurar o pão nosso de cada dia aos primeiros evangelizadores do progresso e civilização de um povo!

E é nestas condições, Senhor, que os Governos, que se teem alternado no poder, occupados, e preoccupados com a negociação de um convenio com os credores estrangeiros, põem de lado em dez annos successivos todas as questões, em que está interessado, e de que depende o futuro do país, e por isso tambem a firmeza e o robustecimento do credito publico.

Senhor: o brio e o pundonor nacional não podem engeitar a obrigação, que corre ao país, de pagar a quem deve, e sobretudo áquelles que nos deram os meios de promover pelos melhoramentos materiaes, de que careciamos em absoluto, a nossa regeneração economica, e que, sem a responsabilidade dos erros que temos commettido, não teem tambem, nem o direito, nem a faculdade de os corrigir. Mas por isso mesmo o brio e o pundonor nacional nos obrigam a não criar compromissos com os nossos credores, sem a segura e reciproca confiança de que tenhamos os meios e condições para os poder solver. Essa confiança, e d'ella se inspira, e nella se firma o credito publico, Senhor, depende de termos uma administração rigorosamente economica, honesta e severa na cobrança e applicação dos dinheiros publicos, pondo os interesses do país acima dos interesses partidarios, e ainda aproveitando a força, que a justificada reacção do espirito publico contra os erros commettidos dá a qualquer Governo, que se proponha corrigi-los, procurando remodelar de vez o nosso systema tributario, regime absurdo de luta entre o Estado e o contribuinte, que vê sempre a injustiça na incidencia e distribuição do imposto, aggravada pelos addicionaes, e pelo labyrintho de leis e regulamentos, que juntam á desordenada confusão dos seus artigos a exageração das penas comminatorias e o incomparavel vexame da delação obrigada.

Tal regime parece propositadamente criado para atrophiar, em todas as suas manifestações, a actividade social, retardando assim o progressivo desenvolvimento da nossa economia publica.

Para vencer todas estas difficuldades, que urge resolver quanto antes, porque successivamente se vão aggravando, é necessario que um Governo, constituido em condições de força, e estranho ás suggestões da politica partidaria, tome a direcção dos negocios publicos. Esse Governo vem, como a letra da Carta prescreve, do exercicio da attribuição que ella confere a Vossa Majestade: «de nomear e demittir livremente os seus Ministros». Assim tem sido em todo o periodo do reinado de Vossa Majestade, sem que por isso esses Governos, nascidos fora das indicações parlamentares como o espirito da nossa constituição politica poderia pedir, tivessem força para governar. Nem ella lhes resulta tambem do expediente artificioso, a que todos se teem soccorrido, de accommodar as maiorias de ambas as casas parlamentares, para eleição de Deputados e pela nomeação de Pares, ás exigencias da sua politica. Governam em nome do país, sem que o país seja ouvido, nem attendido, na consideração e satisfação dos seus direitos e dos seus interesses. Convem, pois, como razão suprema de salvação publica, que Vossa Majestade, associado já virtualmente á politica dos Ministros, que nomeia, assuma directa e effectivamente a direcção d'ella, marcando lhe, como Chefe do Poder Executivo, a orientação que ella deve seguir, e que Vossa Majestade, na alta comprehensão da sua missão, e inspirado pelo sentimento de amor que professa ao país, cujos destinos rege, symbolizará, dentro do regime liberal, em tres palavras: justiça, economia e moralidade.

A esse Governo, Senhor, prestará a Camara dos Pares o seu mais devotado e leal apoio.

Sala da camara dos Pares, 10 de maio de 1902. = O Par do Reino, Visconde de Chancelleiros.

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