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N.º 67
SESSÃO DE 9 DE MAIO DE 1884
Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Joaquim de Vasconcellos Gusmão
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par o sr. Barros e Sá participa não poder comparecer á sessão por motivo justificado o digno par o sr. conde de Rio Maior. - O digno par o sr. Henrique de Macedo declara que deseja dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha com respeito ao caminho de ferro de Lourenço Marques. - Os dignos pares os srs. Mexia Salema e conde de Gouveia mandam para a mesa pareceres de commissões. - Ordem do dia; Discussão do parecer n.° 283 sobre o projecto de lei n.° 299, que modifica algumas disposições do codigo penal. - Usam da palavra os dignos pares os srs. Mexia Salema, Barros e Sá, Sequeira Pinto, ministro da justiça, conde do Casal Ribeiro e Mártens Ferrão, sendo em seguida approvado o projecto: - O digno par o sr. Francisco Costa manda para a mesa um requerimento do chefe da contabilidade da caixa geral de depositos. - O digno par o sr. Barros e Sá manda para a mesa um parecer da commissão dos negocios ecclesiasticos.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio do ministerio da guerra, remettendo, para conhecimento da camara, os esclarecimentos requeridos pelo digno par o sr. conde de Rio Maior em 21 de abril proximo passado.
Para a secretaria.
Quatro officios da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo as seguintes proposições de lei:
l.ª Tendo por fim auctorisar o governo a despender annualmente a quantia de 800$000 réis com os serviços anti-phylloxericos.
As commissões de agricultura e de fazenda.
2.ª Auctorisando o governo a contratar por mais quatro annos e com subsidio a navegação a vapor no rio Sado.
Ás commissões de obras publicas e de fazenda.
3.ª Supprimindo o logar vago de conservador da 2.ª repartição da bibliotheca nacional de Lisboa, dando a este estabelecimento a sua primitiva organisação.
Á commissão de instrucção publica.
4.ª Remetttendo 150 exemplares do annuario da camara dos senhores deputados, relativo ao anno de 1883, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.
Mandaram-se distribuir.
(Estavam presentes os srs. ministros do reino e da justiça.)
O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, estou incumbido pelo sr. conde de Rio Maior de participar á camara que, por motivo justificado, s. exa. não póde comparecer ás sessões de hoje e de ámanhã.
O sr. Henrique de Macedo: - Ha dias, por intermedio do sr. ministro da fazenda, que estava presente, dirigi varias perguntas ao sr. ministro da marinha a respeito da execução de algumas clausulas da concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques.
S. exa. não veiu a esta camara, mas dignou-se enviar documentos que são resposta cabal ás minhas perguntas; no emtanto a leitura d'esses documentos suscitou-me a necessidade de mais alguns esclarecimentos, que s. exa. só poderá dar verbalmente; portanto, eu peço a v. exa. convide o nobre ministro da marinha a vir n'uma das proximas sessões a esta camara, para que possamos tratar d'este assumpto especial.
O sr. Presidente: - Será avisado o sr. ministro, conforme deseja o digno par.
O sr. Mexia Salema: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação sobre o projecto vindo da camara dos senhores deputados, tendente a alterar os artigos 1076.° e 1077.° do codigo commercial.
Foi a imprimir.
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 283.
PARECER N.° 283
Senhores. - A vossa commissão de legislação examinou attentamente o projecto n.° 299, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual, sob o titulo de nova reforma penal, são substituidas, modificadas e alteradas muitas disposições do codigo penal de 1852 e da lei do 1.° de julho de 1867.
Este projecto teve origem na iniciativa do governo, e divide-se, em duas partes essencialmente distinctas. Na primeira trata-se da penalidade em geral. Definem-se os crimes, determinam-se, em harmonia com os progressos da sciencia do direito criminal, os principios que regem a criminalidade e a responsabilidade dos agentes de factos criminosos, e alem d'isto satisfaz-se á necessidade imperiosa e inadiavel de harmonisar as regras por que hão de ser applicadas as penalidades, tanto as do systema penitenciario, como as que determinam a applicação das decretadas no codigo penal.
Na segunda parte do projecto estabelecem-se muitas disposições que alteram a redacção de alguns artigos do codigo actual, modificando, umas vezes; as penas, e prevendo outras muitos casos que eram omissos na legislação criminal.
Não se demora a vossa commissão em longos desenvolvimentos, para expor os principios geraes da sciencia em que assenta o projecto. Elles estão amplamente indicados no desenvolvido e lucido relatorio que a precede, no qual encontra, a commissão, um irrecusavel testemunho da elevada competencia scientifica do seu auctor, e bem assim, da assiduidade, zêlo e trabalho com que elle se dedica a resolver, com auxilio do parlamento, os mais difficeis e complicados problemas da governação do estado.
A obra legislativa de 1852, que constitue o codigo penal actualmente em vigor, não póde nem deve ser esquecida, e o seu merecimento não póde ser posto em duvida. Abriu ella á sciencia penal, no nosso paiz, novos e dilatados horisontes.
Os esclarecidos jurisconsultos que para ella concorre-
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ram e que consagraram as suas vigilias, para levantar um tão notavel monumento de sabedoria, são dignos do nosso respeito e gratidão. Mas. desde 1852 até hoje a sciencia tem percorrido larguissimos espaços, como que se a ella tambem tivessem sido applicados os prodigiosos meios da communicação material de que gosam os povos modernos. A experiencia e a observação não só regista, em cada dia, novos adiantamentos, mas a unidade e a universalidade da sciencia é por todos os modos attestada.
São muitos os factores que concorrem e determinam os progressos da sciencia na esphera do direito penal, mas são tres principalmente os que devem fixar a attenção do philosopho e do jurisconsulto. A acção continua do direito in- ternacional e legislação comparada a qual faz evidenciar que é certa a noção de um direito universal, o que historicamente se revela na importancia permanente do direito romano; á influencia vivificadora da sciencia é pratica penitenciaria; e, finalmente, o conjuncto das observações e dados que a psychologia analytica e a philosophia nos offerecem, pelas quaes o jurisconsulto aprecia as noções primarias do delicto e da imputabilidade, sem o que as decisões da justiça podem ser temidas mas nunca serão respeitadas. Da influencia d'estes factores no progressivo andamento da legislação criminal dos povos cultos dão saliente testemunho os recentes codigos criminaes da Allemanha do 1.° de janeiro de 1871, de Zurich do 1.° de fevereiro de 1871, de Tessino de 25 de janeiro de 1873, de Friburgo do 1.° de janeiro de 1874, de Saleta de 12 de julho de 1874, de Genebra de 21 de outubro de 1874, de Buenos Ayres de 29 de outubro de 1877, da Hungria de 22 de maio de 1878, do Paraguay de 21 de julho de 1880, da Hollanda de 3 de março de 1881, da Hespanha de 24 de maio de 1870, e os notaveis projectos de reformas de 1882 e de 1883.
Os congressos scientificos, as obras doutrinarias dos jurisconsultos e philosophos, e as discussões parlamentares têem coadjuvado tambem e auxiliado extraordinariamente o progresso da sciencia penal, indicando ao legislador o rumo em cuja direcção devem dirigir-se as reformas. E a acção da consciencia universal, procedendo lenta mas constantemente, não tem concorrido pouco para despojar o direito penal, da sua feição materialista de que estava revestido, e ao juiz do quasi illimitado arbitrio que tinha para definir o delicto e aggravar a pena, mas não da faculdade de a modificar e harmonisar. Antigamente era generico o delicto, especifica a pena, e tão variada como as differentes gradações da paixão, e da vingança. Actualmente o delicto tende a individualisar-se, e a pena, que não é um fim, generalisar-se e unifica-se, revestindo o caracter de meio ou de occasião para o restabelecimento da ordem juridica pelo interior, impulso d'aquelle mesmo que o violou.
O projecto de reforma penal que está submettido á vossa sabia apreciação não se ajusta, em verdade, completamente ás exigencias, de todos os principios mais sublimes da justiça punitiva, taes como são apresentados pelos philosophos modernos, mas approxima-se muito ás suas aspirações e desejos, e é de presumir que em breve tempo a elles possamos obtemperar completamente. Mas as regras auctorisadas de boa pratica legislativa, e rasões concludentes de boa politica impedem que agora tentemos ir mais longe do que no projecto se propõe.
O systema do nosso codigo penal, quaesquer que sejam os seus defeitos e imperfeições, constitue um todo logico e harmonico no conjuncto das suas disposições, e o mesmo facto se observa tambem na lei de 1867, que estabeleceu o systema penitenciario. Como, porém, em virtude do disposto no artigo 64.° e § unico d'esta lei, os juizes têem de applicar alternativamente as penas estabelecidas nos dois systemas, grandes e salientes desharmonias ou incongruencias resultavam da relação em que elles estão entre si, visto que presidiu a mesma ordem de principios á confecção dos preceitos que regulam a applicação das duas escalas de penalidade.
Assim, por exemplo, no caso de reincidencia, o codigo penal estabelece no artigo 86.° as duas seguintes regras para as duas hypotheses, no mesmo artigo formuladas:
1.° Se a pena do ultimo crime for perpetua, o reincidente será condemnado na pena perpetua immediatamente superior;
2.° Se for temporaria, será condemnado no maximo da mesma pena, aggravada.
Na lei de 1 de julho de 1867 designam-se as penas applicaveis aos reincidentes, nos artigos 14.° e 15.°, estabelecendo-se que, se a correspondente ao crime for qualquer das de prisão cellular seguida de degredo, seja applicada, a mesma pena, soffrendo o condemnado metade do tempo de degredo em prisão no logar d'este, e se a correspondente for a de prisão cellular por dois a oito annos, seja applicada a mesma pena, mas nunca inferior a dois terços pela primeira reincidencia, e o maximo da pena pela segunda.
Exposta a doutrina, cumpre demonstrar a existencia das incongruencias. Supponha se, em primeiro logar, que a pena applicavel ao crime é a de prisão perpetua segundo o codigo penal, correspondendo-lhe por consequencia, nos termos expressos no artigo 7.° da lei de 1 de julho, a pena de seis annos de prisão cellular, seguida dedegredo por dez annos. Como applicar em alternativa estas duas penas no caso de reincidencia?
Se, em obediencia ao artigo 86.°. do codigo penal, se applica ao reincidente a pena de trabalhos publicos perpetuos, que é a immediatamente superior á prisão perpetua, não é possivel cumprir a disposição do artigo 14.° da lei de 1 de julho, porque, segundo o artigo 4.° da mesma lei, combinado com o artigo 64.°, a pena de trabalhos publicos perpetuos joga em alternativa com a pena de oito annos de prisão cellular, seguida de degredo por doze annos.
Se, pelo contrario, se pretende observar a disposição do mencionado artigo 14.°, será applicada ao reincidente a pena de seis annos de prisão cellular seguida de degredo por dez annos, cumprindo o criminoso cinco annos d'estes dez em prisão no logar de degredo; mas em tal hypothese não é possivel cumprir o preceito do artigo 86.° do codigo penal, porque a pena correlativa áquella, embora aggravada, não é em caso algum a pena de trabalhos publicos, como se vê do confronto dos citados artigos 4.° e 64.° da lei de 1 de julho.
Se para se fugir a estes inconvenientes, dermos ao artigo 64.° da lei uma interpretação mais latitudinaria, observando ao mesmo tempo a disposição do artigo 14.°, em relação á pena do systema penitenciario, e a do artigo 86.° do codigo em relação á pena do mesmo codigo, a incongruencia é igualmente manifesta e a injustiça relativa é evidente, porque a pena de trabalhos publicos perpetuos seria equivalente no caso de reincidencia a seis annos de prisão cellular, mais cinco annos de prisão no logar do degredo e mais cinco annos do mesmo degredo, emquanto que em todos os demais casos ficaria equivalente a oito annos de prisão cellular seguidos de doze de degredo; dois termos altamente heterogeneos, duas penas de tão diversa gravidade a equivalerem á mesma pena de trabalhos perpetuos.
Nem só isso.
Se a pena applicavel ao crime for, por exemplo, a prisão maior temporaria, o codigo penal estabelece que ao reincidente seja applicado o maximo da mesma pena aggravada; ora, para haver harmonia entre esta disposição e a que lhe é correlativa na lei de 1 de julho, seria mister que ao reincidente fosse tambem applicado o maximo da pena do systema penitenciario, que é correlativa áquella, a qual é a de prisão cellular por dois a oito annos. Pois, ao contrario d'isso, a lei de 1 de julho de 1867, no artigo 15.°, apenas consigna esse preceito para o caso de segunda
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reincidencia, mas na primeira a pena póde ser unicamente de duas terças partes de oito annos de prisão cellular.
Em relação ao modo de punir a cumplicidade nos crimes brigam tambem as disposições do artigo 18.° da lei de 1 de julho de 1867 com as do artigo 88.° do codigo penal, porque, segundo este ultimo artigo, o cumplice é punido com a pena applicavel ao auctor a favor do qual concorram circumstancias attenuantes; e, segundo aquelle, estabelecem-se regras fixas e determinadas de natureza diversa d'aquella e cujo alcance é comprehendido pelo confronto do mesmo artigo com os artigos 16.° e 17.° da citada lei.
Como estes, muitos outros exemplos poderiam adduzir-se para demonstrar a incongruencia entre as disposições do codigo penal e as que lhe são correlativas na lei de 1 de julho de 1867, e portanto a necessidade urgente de remediar o actual estado de cousas, que, alem de dar logar a muitas injustiças e desigualdades, póde ser origem de interminaveis questões nos tribunaes e de annullação de sentenças, o que é altamente nocivo á regular administração da justiça e á auctoridade e prestigio do poder judicial.
A estes inconvenientes e a muitos outros, postos em evidencia pela experiencia, cuja exposição a vossa sabedoria dispensa, põe cobro a parte geral da nova reforma penal, satisfazendo assim a uma exigencia da administração da justiça, imposta pela desharmonia relativa das leis em vigor e reclamada pela opinião. Entre muitas disposições, que encerra esta parte do projecto, avultam não só as que tendem a harmonisar, quanto possivel, os dois systemas penaes em vigor entre nós, mas tambem as que supprimem as penas perpetuas, substituindo-as por outras de duração limitada. A abolição da pena de prisão cellular perpetua não póde soffrer contestação valiosa, porque a perpetuidade de uma pena que satisfaz mediocremente e imperfeitamente á tendencia de sociabilidade, innata á natureza humana, nem é conforme com os principios em que assenta o systema penitenciario, nem com os sentimentos de humanidade.
Seria, porventura, questionavel se mais valeria substituil-a por uma pena de alguns annos de prisão cellular seguidos de degredo perpetuo, ou aliás por uma pena de duração limitada, como está consignado no projecto; como quer que seja, porém, a pena de oito a dez annos de prisão cellular, seguida de degredo por vinte annos, é de tal arte grave, envolve tamanho soffrimento, produzirá certamente tal grau de intimidação que, sem duvida, a ordem publica não perigará, nem a sociedade ficará insufficientemente garantida pela approvação d'esta disposição do projecto.
O rigor da prisão cellular e a maior intensidade de soffrimento inherente ao cumprimento d'esta especie de pena serão, por certo, compensação bastante a diminuição da pena no que respeita á sua duração. A nova reforma penal é, por sua natureza, uma lei de transição; apoz alguns annos de experiencia parcial do systema penitenciario ha de ser substituida por um novo codigo penal, no qual se consignarão disposições de caracter permanente, que tenham por si a auctoridade que só póde dar-lhes a observação dos factos, que hão de verificar-se no periodo transitorio d'aquella experiencia. Se a observação indicar a necessidade de mitigar o rigor do regimen penal consignado na lei de 1867, poderão restabelecer-se as penas perpetuas ou augmentar a duração das penas de duração limitada. Pelo que respeita ás penas perpetuas do codigo penal a sua substituição por penas de duração limitada era naturalmente aconselhada pela justiça relativa, desde que essa penas têem de ser applicadas em alternativa com penas não perpetuas e, em vista do pensamento do governo, claramente expresso do relatorio, e propostas do sr. ministro da justiça, não offerece receio algum para a ordem moral da sociedade porque a penitenciaria central tem capacidade mais do que a necessaria para n'ella cumprirem as penas do systema penitenciario os réus do sexo masculino a quem sejam applicaveis aquellas em alternativa.
reducção de quinze a doze annos do maximo das penas maiores temporarias, que está exarada no projecto, era ha muito tempo reclamada e já estava consignada em duas propostas de lei apresentadas ao parlamento, uma em 1870 a outra em 1871 pelos ministros, que n'essas datas estiveram dirigindo os negocios da justiça.
Pelo que respeita á parte especial, a commissão, reconhecendo que a imperfeição é inseparavel das obras humanas, hão póde dizer que o projecto escreve a ultima palavra sobre o assumpto das incriminações.
É elle pela sua extensão e pela vastidão das doutrinas, que abrange, quasi um codigo, é por isso impossivel fôra expor em um succinto relatorio, que o adiantado da sessão legislativa força a redigir com a maxima rapidez, o complexo das suas disposições, e apreciar devidamente cada uma d'ellas. Representa, porém, no seu conjuncto um notavel melhoramento na nossa legislação penal, melhoramento que os factos apontados; a circumstancia de começar a funccionar brevemente a penitenciaria central e muitas outras rasões, que seria ocioso expor, tornam inadiavel.
Se sobre um assumpto qualquer é difficil obter duas opiniões absolutamente conformes, essa difficuldade transforma-se em impossibilidade quando se trata de projectos, como este, que regulam centenas de hypotheses; mas a commissão entende que mais vale aos interesses publicos approval-o, como veio da outra casa do parlamento, do que, no intuito de o melhorar e aperfeiçoar, e no de affirmar as opiniões de cada um ácerca de cada hypothese, protrahir a sua approvação e obstar a que seja lei antes de encerrada a presente sessão legislativa. Rapidamente foi approvado n'esta casa do parlamento o codigo civil, sem que essa approvação significasse da parte dos membros da assembléa adhesão integral a todas as disposições contidas no mesmo codigo, mas sim e unicamente em obediencia á convicção de que, quaesquer que fossem os seus defeitos, elle exprimia um melhoramento inadiavel em relação á legislação que então estava em vigor.
Por todas estas rasões a commissão é de parecer que o projecto seja approvado.
Sala da commissão, em 6 de maio de 1884. = Visconde de Alves de Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens (com declaração quanto ao maximo da pena) = Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto (vencido) = Antonio Maria do Couto Monteiro = Barros e Sá, relator.
Projecto de lei n.° 299
Artigo 1.° É approvada á nova reforma penal, que vae junta a esta lei, e que d'ella faz parte.
Art. 2.° As disposições da nova reforma penal terão plena observancia logo que a presente lei for promulgada, guardando-se para sua melhor execução, em tudo o que favoreça os réus, as seguintes regras:
1.ª Nos processos ainda pendentes de julgamento, quer em primeira, quer em segunda instancia, os juizes farão em suas sentenças a devida applicação das mencionadas disposições;
2.ª Quando houver sentença proferida em segunda instancia, mas ainda não passada em julgado, os juizes da sentença, embora se tenha já interposto recurso, farão, a requerimento do ministerio publico ou da parte, igual applicação por accordão declaratorio em conferencia, expedindo-se depois o recurso;
3.ª Se, porém, o recurso se achar já expedido, o supremo tribunal de justiça, não encontrando fundamento de nullidade sobre que prover, mandará igualmente, por accordão em conferencia e a requerimento do ministerio publico ou da parte, que os autos baixem á relação respectiva para ahi se proceder nos termos da regra antecedente.
§ unico. Dos accordãos declaratorios, de que se trata
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n'este artigo, cabe sempre recurso de revista nos termos da lei geral.
Art. 3.° Da sentença condemnatoria, proferida em processo de policia correccional, ha sempre recurso, com effeito suspensivo, até ao supremo tribunal, quando a pena applicavel ao crime exceder a alçada do juiz, se não se tiver prescindido do recurso no principio do julgamento.
§ 1.° O juiz poderá todavia exigir do réu appellante fiança, que nunca será arbitrada em quantia superior a 50$000 réis, sem o que poderá o réu ser detido em custodia.
§ 2.° Fica por esta fórma interpretado e restringido o artigo 95.° do codigo penal.
Art. 4.° imposição de pena de prisão correccional, o juiz na sentença levará sempre em conta ao réu o tempo de prisão preventiva que houver soffrido.
§ unico. A prisão preventiva será considerada como simples circumstancia attenuante para o effeito da imposição de pena maior.
Art. 5.° É auctorisado o governo a fazer uma nova publicação official do codigo penal, na qual deverão inserir-se as disposições da presente lei.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 3 de abril de 1884. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos deputado secretario = Luiz Antonio Gonçalves de Freitas, deputado vice secretario.
Nova reforma penal
PARTE GERAL
TITULO I
CAPITULO II
Disposições preliminares
Artigo 1.° A lei penal não tem effeito retroactivo, salvas as seguintes excepções:
1.º A infracção punivel por lei vigente, ao tempo em que foi commettida, deixa de o ser se uma lei nova a eliminar do numero das infracções.
Tendo havido já condemnação transitada em julgado, fica extincta a pena, tenha ou não começado o seu cumprimento.
2.º Quando a pena estabelecida na lei vigente ao tempo em que é praticada a infracção for diversa das estabelecidas em leis posteriores, será sempre applicada a pena mais leve ao infractor que ainda não estiver condemnado por sentença passada em julgado.
3.ª As disposições da lei sobre os effeitos da pena têem effeito retroactivo, em tudo quanto seja favoravel aos criminosos, ainda que estes estejam condemnados por sentença passada em julgado, ao tempo da promulgação da mesma lei, salvo os direitos de terceiros.
Art. 2.° A maioridade estabelecida no artigo 311.° do codigo civil produzirá todos os seus effeitos nas relações da lei penal quando a menoridade for a base para a determinação do crime, e sempre que a mesma lei se refira, em geral, á maioridade ou á menoridade.
Art. 3.° As disposições do livro 1.°, titulo 1.° do codigo penal, continuam em vigor em tudo o que não for contrario á presente lei.
APITULO II
Da criminalidade
Art. 4.º São puniveis não só o crime consummado mas tambem o frustrado e a tentativa.
Art. 5.° Sempre que a lei designar a pena, applicavel a um crime, sem declarar se se trata de crime consummado, de crime frustrado, ou de tentativa, entender-se-ha que a impõe ao crime consummado.
Art. 6.° Ha crime frustrado quando o agente pratica com intenção todos os actos de execução que deveriam produzir como resultado o crime consummado, e todavia não o produzem por circumstancias independentes da sua vontade.
Art. 7.° Ha tentativa quando se verificam cumulativamente os seguintes requisitos:
1.° Intenção do agente;
2.° Execução começada e incompleta dos actos que deviam produzir o crime consummado;
3.° Ter sido suspensa a execução por ciscumstancias independentes da vontade do agente, excepto nos casos previstos no artigo 9.° do codigo penal;
4.° Ser punido o crime consummado com pena maior, salvo os casos especiaes em que, sendo applicavel pena correccional ao crime consummado, a lei expressamente declarar punivel a tentativa d'esse crime.
Art. 8.º Ainda que a tentativa não seja punivel, os actos que entram na sua constituição são puniveis se forem classificados como crimes pela lei, ou como contravenções por lei ou regulamento.
Art. 9.° São actos preparatorios os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do crime, que não constituem ainda começo de execução. Os actos preparatorios não são puniveis, mas aos factos que entram na sua constituição é applicavel o disposto no artigo precedente.
CAPITULO III
Dos agentes do crime
Art. 10.° Os agentes do crime são auctores, cumplices ou encobridores.
Art. 11.° São auctores:
1.° Os que executam o crime ou tomam parte directa na sua execução;
2.° Os que por violencia physica, ameaça, abuso de auctoridade ou de poder constrangeram outro a commetter o crime, seja ou não vencivel o constrangimento;
3.° Os que por ajuste, dadiva, promessa, ordem, pedido, ou por qualquer meio fraudulento e directo determinaram outro a commetter o Crime;
4.° Os que aconselharam ou instigaram outro a commetter o crime nos casos em que sem esse conselho ou instigação não tivesse sido commettido;
5.° Os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que sem esse concurso não tivesse sido commettido crime.
§ unico. A revogação do mandato deverá ser considerada como circumstancia attenuante especial, não havendo começo de execução do crime, e como simples circumstancia attenuante, quando já tiver havido começo de execução.
Art. 12.° O auctor, mandante ou instigador é tambem considerado auctor:
1.° Dos actos necessarios para a perpetração do crime, ainda que não constituam actos de execução;
2.° Do excesso do executor na perpetração do crime nos casos em que devesse tel- o previsto como consequencia provavel do mandato ou instigação.
Art. 13.° São cumplices:
1.° Os que directamente aconselharam ou instigaram outro a ser agente do crime, não estando comprehendidos no artigo 11.°;
2.° Os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que sem esse concurso podesse ter sido commettido o crime.
Art. 14.° São encobridores:
1.° Os que alteram ou desfazem os vestigios do crime como proposito de impedir ou prejudicar a formação do corpo de delicto;
2.º Os que occultam ou inutilisam as provas, os instru-
6. Us que occuit-aiTi ou
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mentos ou os objectos do crime com o intuito de concorrer para a impunidade;
3.° Os que sendo obrigados em rasão da sua profissão, emprego, arte ou officio a fazer qualquer exame a respeito de algum crime, alteram ou occultam n'esse exame a verdade do facto com o proposito de favorecer algum criminoso;
4.° Os que por compra, penhor, dadiva ou qualquer outro meio se aproveitam ou auxiliam o criminoso para que se aproveite dos productos do crime, tendo conhecimento no acto da acquisição da sua criminosa proveniencia;
5.° Os que dão coito ao criminoso ou lhe facilitam a fuga com o proposito de o subtrahirem á acção da justiça.
§ unico. Não são considerados encobridores o conjuge, ascendentes, descendentes e os collateraes ou affins do criminoso até ao terceiro grau por direito civil, que praticarem qualquer dos factos designados nos n.º 1.°, 2.° e 5.° d'este artigo.
Art. 15.° Não ha encobridor, nem cumplice sem haver auctor; mas a punição; de qualquer auctor, cumplice, ou encobridor não está subordinada á dos outros agentes do crime.
Art.º 16.° Nas contravenções não é punivel a cumplicidade nem o encobrimento.
CAPITULO IV
Da responsabilidade criminal
Art. 17.° A responsabilidade criminal consiste na obrigação de reparar o damno causado na ordem moral da sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e applicada por tribunal competente.
Art. 18.° A responsabilidade criminal recáe unica e individualmente nos agentes de crimes ou de contravenções.
Art. 19.° Não eximem de responsabilidade criminal:
l.º A ignorancia da lei penal;
2.º A illusão sobre a criminalidade do facto;
3.° O erro sobre a pessoa ou cousa a que se dirigir o facto punivel;
4.º A persuasão pessoal da legitimidade do fim ou dos motivos que determinaram o facto;
5.° O consentimento do offendido, salvos os casos espetificados na lei;
6.° A intenção de commetter crime distincto do commettido, ainda que o crime projectado fosse de menor gravidade;
7.° Em geral, quaesquer factos ou circumstancias, quando a lei expressamente não declare que elles eximem de responsabilidade criminal.
§ 1.° As circumstancias designadas nos n.os 1.° e 2.° d'este artigo nunca attenuam a responsabilidade criminal.
§ 2.° O erro sobre a pessoa a que se dirigir o facto punivel aggrava ou attenua a responsabilidade criminal, segundo as circumstancias.
§ 3.° A circumstancia designada no n.° 6.° não póde dirimir em caso algum a intenção criminosa, não podendo por consequencia ser por esse motivo classificado o crime como meramente culposo.
Art. 20.° A responsabilidade criminal é aggravada ou attenuada, quando concorrerem no crime ou no agente d'elle circumstancias aggravantes ou attenuantes.
A esta aggravação ou attenuação é correlativa a aggravação ou attenuação da pena.
Art. 21.° As circumstancias aggravantes ou attenuantes inherentes ao agente só aggravam ou attenuam a responsabilidade d'esse agente.
Art. 22.° As circumstancias aggravantes relativas ao facto incriminado só aggravam a responsabilidade dos agentes que d'ellas tiveram conhecimento ou que devessem tel-as previsto antes do crime ou durante a sua execução.
Art. 23.° A responsabilidade criminal por contravenção não póde ser aggravada nem attenuada, salvo o disposto no artigo 26.°
Art. 24.° São unicamente circumstancias aggravantes:
1.º Ter sido commettido o crime com premeditação;
2.ª Ter sido commettido o crime em resultado de dadiva ou promessa;
3.ª Ter sido commettido o crime em consequencia de não ter o offendido praticado ou consentido que se praticasse alguma acção ou omissão contraria ao direito ou á moral;
4.º Ter sido commettido o crime como meio de realisar outro crime;
5.ª Ter sido precedido o crime de offensas, ameaças, ou condições de fazer ou de não fazer alguma cousa.
6.º Ter sido o crime precedido de crime frustrado ou de tentativa;
7.ª Ter sido o crime pactuado entre duas ou mais pessoas;
8.º Ter havido convocarão de outra ou outras pessoas para o commettimento do crime;
9.ª Ter sido o crime commettido com o auxilio de pessoas que poderiam facilitar ou assegurar a impunidade;
l0.ª Ter sido o crime commettido por duas ou mais pessoas;
1l.ª Ter sido commettido o crime com espera, emboscada, disfarce, surpreza, traição, aleivosia, excesso de poder, abuso de confiança ou qualquer fraude;
12.ª Ter sido commettido o crime com arrombamento, escalamento ou chaves falsas. É arrombamento o rompimento, fractura ou destruição, em todo ou em parte, de qualquer construcção que servir a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente de casa ou logar fechado d'ella dependente, ou de moveis destinados aguardar quaesquer objectos. É escalamento a introducção em casa ou logar fechado d'ella dependente por cima de telhados, portas, paredes, ou de quaesquer construcções que sirvam a fechar a entrada ou passagem, e bem assim por abertura subterranea não destinada para entrada. São consideradas chaves falsas: 1.°, as imitadas, Contrafeitas ou alteradas; 2.°, as verdadeiras, existindo fortuita ou subrepticiamente fóra do poder de quem tem o direito de as usar; 3.°, as gazuas ou quaesquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras;
13.ª Ter sido commettido o crime com veneno,, inundação, incendio, explosão, descarrilamento de locomotiva, naufragio ou avaria de barco ou de navio, instrumento ou arma cujo porte e uso for prohibido;
14.ª Ter sido commettido o crime com o emprego simultaneo de diversos meios ou com insistencia em o consummar depois de mallogrados os primeiros esforços;
15.º Ter sido commettido o crime entrando o agente ou tentando entrar em casa do offendido;
16.ª Ter sido commettido o crime na casa de habitação, do agente, quando não haja provocação do offendido;
17.ª Ter sido commettido o crime em logares sagrados, em tribunaes ou em repartições publicas;
18.ª Ter sido commettido o crime em estrada ou logar ermo;
19.ª Ter sido commettido o crime de noite, se a gravidade do crime não augmentar em rasão de escandalo proveniente da publicidade;
20.ª Ter sido commettido o crime por qualquer meio de publicidade ou por fórma que a sua execução possa ser presenciada, nos casos em que a gravidade do crime augmente com o escandalo da publicidade;
21.ª Ter sido commettido o crime com desprezo de funccionario publico no exercicio das suas funcções;
22.ª Ter sido commettido o crime na occasião de incendio, naufragio, terremoto, inundação, obito, qualquer calamidade publica ou desgraça particular do offendido;
23.ª Ter sido commettido o crime com quaesquer actos de crueldade, espoliação ou destruição, desnecessarios á consummação do crime;
24.ª Ter sido commettido o crime, prevalecendo-se o agente da sua qualidade de funccionario;
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25.º Ter sido commettido o crime, tendo o agente a obrigação especial de o não commetter, de obstar a que seja commettido ou de concorrer para a sua punição;
26.º Ter sido commettido o crime, havendo o agente recebido beneficios do offendido, quando este não houver provocado a offensa que haja originado a perpetração do crime;
27.ª Ter sido commettido o crime, sendo o offendido o ascendente, descendente, esposo, parente ou affim até segundo grau por direito civil; mestre ou discipulo, tutor ou tutelado, amo ou domestico, ou de qualquer maneira legitimo superior ou inferior do agente;
28.ª Ter sido commettido o crime com manifesta superioridade em rasão da idade, sexo ou armas;
29.ª Ter sido commettido o crime com desprezo do respeito devido ao sexo, idade ou enfermidade do offendido;
30.º Ter sido commettido o crime estando o offendido sob a immediata protecção da auctoridade publica;
31.º Ter resultado do crime outro mal alem do mal do crime;
32.º Ter sido augmentado o mal do crime com alguma circumstancia de ignominia;
33.º. Haver reincidencia, ou successão de crimes;
34.º Haver accumulação de crimes.
Art. 25.° Dá-se a reincidencia quando o agente, tendo sido condemnado por sentença passada em julgado, por algum crime, commette outro crime da mesma natureza, antes de terem passado oito annos desde a dita condemnação, ainda que a pena do primeiro crime tenha sido prescripta ou perdoada.
§ 1.° Quando a pena do primeiro crime tenha sido amnistiada, não se verifica a reincidencia.
§ 2.° Se um dos crimes for intencional e o outro culposo não ha reincidencia.
§ 3.° Os crimes podem ser da mesma natureza ainda que tenham sido consummados ambos, ou algum d'elles.
§ 4.° Não são computadas para a reincidencia por crimes previstos e punidos no codigo penal, as condemnações proferidas pelos tribunaes militares por crimes militares não previstos no mesmo codigo, nem as proferidas por tribunaes estrangeiros.
§ 5.° Não exclue a reincidencia a circumstancia de ter sido o agente auctor de um dos crimes e cumplice do outro.
Art. 26.° Nas contravenções dá-se a reincidencia quando o agente, condemnado por uma contravenção, commette contravenção identica antes de decorrerem seis mezes contados desde a dita punição.
Art. 27.° Verifica-se a successão de crimes nos termos declaradas no artigo 25.°, sempre, que os crimes não sejam da mesma natureza e sem attenção ao tempo que mediou entre a primeira condemnação e o segundo crime, ou sempre que, sendo da mesma natureza, tenham passado mais de oito annos entre a condemnação definitiva pelo primeiro e a perpetração do segundo.
§ unico. Para os effeitos do que dispõe o artigo, 71.° e paragraphos da presente lei, é applicavel á successão de crimes o que para a reincidencia estabelecem os §§ 2.° e 5.º do artigo 25.°
Art.º 28.° Dá-se, a accumulação de crimes, quando o agente commette mais de um crime na mesma occasião, ou quando, tendo perpetrado um, commette outro antes de ter sido condemnado pelo anterior por sentença passada em julgado.
§ unico. Quando o mesmo facto, é previsto e punido em duas ou mais disposições legaes, como constituindo, crimes diversos, não se dá a accumulação de crimes.
Art. 29.° São, circumstancias attenuantes da responsabilidade criminal do agente:
l.ª O bom comportamento anterior.
2.º A prestação de serviços relevantes á sociedade.
3.ª Ser menor de quatorze (sendo punivel), dezoito ou vinte e um annos, ou maior de setenta annos.
4.ª Ser provocado, se o crime tiver sido praticado em acto seguido á provocação, podendo esta, quando consistir em offensa directa á honra da pessoa, ser considerada como violencia grave para os effeitos do que dispõe o artigo 370.° do codigo penal.
5.ª A intenção de evitar um mal ou a de produzir um mal menor. ^
6.ª O imperfeito conhecimento do mal do crime.
7.ª O constrangimento physico, sendo vencivel.
8.ª A imprevidencia ou imperfeito conhecimento dos maus resultados do crime.
9.ª A espontanea confissão do crime.
10.ª A espontanea reparação do damno.
ll.ª A ordem ou o conselho do seu ascendente, tutor, educador ou amo, sendo o agente menor e não emancipado.
12.ª O cumprimento de ordem do superior hierarchico do agente, quando não baste para justificação d'este.
13.º Ter o agente commettido o crime para se desaffrontar a si, ao seu conjuge, ascendente, descendente, irmãos, tios, sobrinhos ou affins nos mesmos graus, de alguma injuria, deshonra ou offensa, immediatamente depois da affronta.
14.ª O subito arrebatamento despertado por alguma causa que excite a justa indignação publica.
15.ª O medo vencivel.
16.º A resistencia ás ordens do seu superior hierarchico, se a obediencia não for devida e se o cumprimento da ordem constituisse crime mais grave.
17.ª O excesso da legitima defeza.
18.ª A apresentação voluntaria ás auctoridades.
19.ª A natureza reparavel do damno causado ou a pouca gravidade d'este.
20.ª O descobrimento dos outros agentes, dos instrumentos do crime ou do corpo de delicto, sendo a revelação verdadeira e proficua á acção da justiça.
21.º A embriaguez quando for: l.° incompleta e imprevista, seja ou não, posterior ao projecto, do crime;
2.°, incompleta, procurada sem proposito criminoso e não posterior ao projecto do crime;
3.° incompleta, procurada sem proposito criminoso e posterior ao projecto do crime.
22.ª As que forem expressamente qualificadas como taes, nos casos especiaes previstos na lei.
23.º Em geral, quaesquer outras circumstancias que precedam, acompanhem ou sigam o crime, se enfraquecerem a culpabilidade do agente ou diminuirem por qualquer modo a gravidade do facto criminoso ou dos seus resultados.
Art. 30.° As circumstancias indicadas como aggravantes deixam de o ser:
1.° Quando a lei expressamente as considerar como elemento constitutivo do crime;
2.° Quando forem de tal maneira inherentes ao crime que sem ellas não possa praticar-se o facto criminoso punido pela lei;
3.° Quando a lei expressamente declarar, ou as circumstancias e natureza especial do crime indicarem que não devem aggravar ou que devem attenuar a responsabilidade criminal dos agentes em que concorrem.
§ unico. Quando qualquer das circumstancias indicadas no artigo 24.° constituir crime, não aggravará a responsabilidade criminal do agente, senão pelo facto da accumulação de crimes.
Art. 31.° São circumstancias dirimentes da responsabilidade criminal:
l.ª A falta de imputabilidade;
2.ª A justificação do facto.
Art. 32.° Não são susceptiveis de imputação:
1.° Os menores de dez annos;
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2.° Os loucos que não tiverem intervallos lucidos.
Art. 33.° Não têem imputação:
1.° Os menores que, tendo mais de dez annos e menos de quatorze, tiverem procedido sem discernimento;
2.º Os loucos que, embora tenham intervallos lucidos, praticarem o facto no estado de loucura;
3.° Os que por qualquer outro motivo independente da sua vontade, estiverem accidentalmente privados do exercicio das suas faculdades intellectuaes no momento de commetter o facto punivel.
§ unico. A negligencia ou culpa considera-se sempre como acto ou omissão dependente da vontade.
Art. 34.° Justificam o facto:
1.° Os que praticam o facto violentados por qualquer força estranha, physica e irresistivel;
.° Os que praticando facto dominados por medo insuperavel de um mal igual ou maior, imminente ou em começo de execução;
3.° Os inferiores que praticam o facto em virtude de obediencia legalmente devida a seus superiores legitimos, salvo se houver excesso nos actos ou na fórma da execução;
4.° Os que praticam o facto em virtude de auctorisação legal, no exercicio de um direito ou no cumprimento de uma obrigação, se tiverem procedido com a diligencia devida, ou o facto for um resultado meramente casual;
5.° Os que praticam o facto em legitima defeza propria ou alheia;
6.° Os que praticam um facto cuja criminalidade provém sómente das circumstancias especiaes que concorrem no offendido ou no acto, se ignorarem e não tiverem obrigação de saber a existencia d'essas circumstancias especiaes;
7.° Em geral, os que tiverem procedido sem intenção criminosa e sem culpa.
Art. 35.° Só póde verificar-se a justificação do facto nos termos do n.° 2.° do artigo precedente, quando concorrerem os seguintes requisitos:
1.° Realidade do mal;
2.° Impossibilidade de recorrer á força publica;
3.° Impossibilidade de legitima defeza;
4.° Falta de outro meio menos prejudicial do que o facto praticado;
5.° Probabilidade da efficacia do meio empregado.
Art. 36.° Só póde verificar-se a justificação do facto nos termos do n.° 5.° do artigo 34.°, quando concorrerem os seguintes requisitos:
1.° A aggressão illegal em execução ou imminente, que não seja motivada por provocação, offensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende;
2.° Impossibilidade de recorrer á força publica;
3.º Necessidade racional do meio empregado para prevenir ou suspender a aggressão.
Art. 37.° Os loucos, que, praticando o facto, forem isentos de responsabilidade criminal, serão entregues a suas familias para os guardarem, ou recolhidos em hospital de alienados se a mania for criminosa, ou se o seu estado o exigir para maior segurança.
Art. 38.° Os menores, que, praticando o facto, forem isentos de responsabilidade criminal por não terem dez annos, ou por terem obrado sem discercimento sendo maiores de dez e menores de quatorze annos, serão entregues a seus paes ou tutores ou a um qualquer estabelecimento de correcção, ou colonia penitenciaria, se a houver no continente.
Art. 39.° Os menores, a que se refere o artigo precedente, só podem ser entregues a um estabelecimento de correcção em alguns dos seguintes casos:
1.° Sendo vadios;
2.° Não tendo paes ou tutores;
3.° Nâo sendo estes idoneos;
4.° Não tendo estes os meios indispensaveis ou recusando-se a dar-lhes educação idonea;
5.° Dando estes o seu consentimento;
6.° Tendo os menores commettido outro crime só justificado pela idade.
Art. 40.° A privação voluntaria e accidental do exercicio da intelligencia, inclusivamente a embriaguez voluntaria e completa, no momento da perpetração do facto punivel não dirime a responsabilidade criminal, apesar de não ter sido adquirida no proposito de o perpetrar, mas constitue circumstancia attenuante de natureza especial quando se verifique algum dos seguintes casos:
1.° Ser a privação ou a embriaguez completa e imprevista, seja ou não posterior ao projecto do crime;
2.° Ser completa, procurada sem proposito criminoso e não posterior ao projecto do crime.
Art. 41.° A isenção de responsabilidade criminal não envolve a de responsabilidade civil, quando tenha logar.
Art. 42.° Têem responsabilidade criminal todos os agentes de factos puniveis, em que não concorrer alguma circumstancia dirimente d'essa responsabilidade, nos termos do artigo 31.° e subsequentes, salvas as excepções expressas nas leis.
Art. 43.° Ficam assim substituidas e de nenhum effeito as disposições contidas nos artigos 6.°, 7.°, 8.°, 10.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 19.°, 20.°, 21,°, 23.°, 24.°, 25.°, 26.º 70.° e § unico, 73.°, 78.°, 85.° e §§ 1.° e 2.° do codigo penal.
TITULO II
CAPITULO VI
Das penas
Art. 44.° Emquanto não estiver em inteira execução o systema de prisão cellular estabelecido na lei de 1 de julho de 1867, as penas do codigo penal continuam a ser applicaveis nos termos da legislação em vigor, com as modificações que constam da presente lei.
Art. 40.° A condemnação em alternativa impõe aos réus, que forem condemnados antes de estar em inteira execução o systema penitenciario, a obrigação de cumprir na sua totalidade qualquer das penas alternativamente comminadas na sentença.
Art. 46.° Fica desde já abolida a pena de prisão cellular perpetua estabelecida pelo artigo 3.° da lei de 1 de julho de 1867.
Art. 47.° Ficam tambem abolidas desde já as penas perpetuas de trabalhos publicos, prisão e degredo estabelecidas pelo codigo penal.
Art. 48.° Ficam do mesmo modo abolidas a pena de trabalhos publicos temporarios estabelecida pelo codigo penal, e a pena correlativa de prisão maior cellular por tres annos seguida de degredo em Africa por tempo de tres até dez annos, estabelecida pelo artigo 5.° da lei de 1 de julho de 1867.
Art. 49.° Aos crimes a que pelo codigo penal era applicavel a pena de morte, será applicada segundo o systema penitenciario, a pena de prisão maior cellular por oito annos seguida de degredo por vinte annos, com prisão no logar do degredo até dois annos, ou sem ella, conforme parecer ao juiz.
Art. 50.° Para o effeito do que dispõe o artigo 64.° e § unico da lei de 1 de julho de 1867, observar-se-ha o seguinte em relação ás penas do codigo penal:
1.° A pena de morte é substituida pela pena fixa de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar do degredo por oito a dez annos;
2.° A pena de trabalhos publicos perpetuos é substituida pela pena fixa de degredo por vinte e cinco annos;
3.º A pena de prisão perpetua é substituida pela pena fixa de degredo por vinte annos;
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4.° A pena de degredo perpetuo é substituida pela pena fixa de degredo por quinze annos.
Art. 51.° Fica reduzido a doze annos o maximo das penas temporarias de prisão maior e degredo estabelecidas pelo codigo penal.
§ 1.° A prisão maior temporaria obriga o condemnado a trabalhar dentro da fortaleza, cadeia ou estabelecimento publico em que cumprir a pena, conforme as suas disposições e aptidão, applicando-se o producto nos termos do que dispõe o artigo 23.° da lei de 1 de julho de 1867.
§ 2.° É applicavel aos condemnados a prisão maior o disposto nos artigos 24.° e § unico e artigo 25.° da lei referida no paragrapho antecedente.
Art. 52.° A pena de degredo, ou seja fixo ou temporario, obriga o condemnado a residir e trabalhar no presidio ou colonia penal no ultramar, nos termos em que for regulado, havendo-os na possessão a que for destinado.
§ l.° A disposição d'este artigo é extensiva aos casos em que o degredo for applicado como complementar da prisão maior cellular.
§ 2.° A pena de degredo é sempre em Africa e é-lhe applicavel o disposto no § unico do artigo 4.° da lei de 1 de julho de 1867, ficando revogado para todos os effeitos o artigo 50.° e seu § 1.°, o § 4.° do artigo 78.° do codigo penal e quaesquer disposições correlativas, geraes ou especiaes.
Art. 53.° É abolida a pena perpetua de expulsão do reino, salvos os casos que forem previstos em leis especiaes.
Art. 54.° Aos crimes a que pelo codigo penal é applicavel a pena de expulsão perpetua do reino, será applicada a pena de expulsão do reino sem limitação de tempo.
§ 1.° O condemnado a esta pena fica expulso do reino por vinte annos, se antes d'isso não lhe for moderada a pena pelo poder moderador, ou espaçado o praso da sua duração pelo poder executivo, comtanto que a totalidade d'essa duração não exceda a trinta annos.
§ 2.° Fica expressamente revogado o artigo 76.° do codigo penal.
Art. 55.° O maximo da pena temporaria da expulsão do reino fica reduzido a doze annos.
Art. 56.° Fica abolida a pena da perda dos direitos politicos e substituida pela pena fixa da suspensão dos direitos politicos por tempo de vinte annos.
Art. 57.° O maximo da pena de prisão correccional é fixado em dois annos e o da pena de suspensão temporaria dos direitos politicos em doze annos.
§ unico. Fica assim interpretado o artigo 33.° da lei de 1 de julho de 1867.º
CAPITULO VII
Da applicação das penas em geral
Art. 58.° Quando forem applicaveis quaesquer das penas fixas estabelecidas nos artigos 4.°, 7.° e 9.° da lei de 1 de julho de 1867, e nos n.os 2.°, 3.° e 4.° do artigo 50.° da presente lei, o juiz applicará essas penas sem exceder nem abreviar o termo legal da sua duração, salvos os casos em que a lei expressamente o auctorisar.
§ unico. O disposto n'este artigo é igualmente extensivo a todos os casos especiaes em que a lei fixar precisamente a duração da pena.
Art. 59.° Quando forem applicaveis as penas estabelecidas no artigo 49.° e no n.° l.º do artigo 50.° da presente lei, o juiz observará o disposto no artigo antecedente, mas póde, tendo em attenção a gravidade do crime, embora não haja circumstancias aggravantes, ordenar na sentença em relação á primeira d'aquellas penas que o condemnado expie na prisão no logar do degredo até dois annos do tempo do degredo, e em relação á segunda pena que o tempo de prisão no logar do degredo se eleve até dez annos.
Art. 60.° Quando for applicada qualquer pena temporaria (de duração variavel entre o maximo e o minimo fixados por lei), o juiz fixará na sentença condemnatoria a duração d'essa pena dentro do maximo e do minimo legaes, tendo em attenção a gravidade do crime.
§ unico. Quando as penas maiores temporarias de prisão ou de degredo não excederem a tres annos, o condemnado não será obrigado a trabalho, salvo se não tiver meios de prover ao seu sustento.
Art. 61.° Para o effeito das condemnações na pena de prisão maior cellular estabelecida na lei de l de julho de 1867, e em alternativa nas penas maiores temporarias estabelecidas pelo codigo penal, os juizes terão em vista a seguinte tabella de equivalencias:
1.° O tempo de prisão maior cellular será igual a duas terças partes do tempo de prisão maior temporaria;
2.° O tempo de prisão maior cellular não será inferior a seis decimas partes, nem superior a duas terças partes do tempo de degredo temporario.
§ 1.° O disposto no n.° 2.° da tabella de que trata este artigo é applicavel á aggravação ou attenuação das penas fixas.
§ 2.° A multa accumulada com a pena applicada em alternativa é sempre igualmente accumulada com a do systema penitenciario.
CAPITULO VIII
Da applicação das penas quando ha circumstancias aggravantes e attenuantes
Art. 62.° Se nos casos em que for applicavel a pena de que trata o artigo 49.° da presente lei, ou em alternativa a estabelecida no n.° 1.° do artigo 20.° da mesma lei, concorrerem circumstancias aggravantes ou attenuantes, nos termos dos artigos 77.° e 80,° do codigo penal, observar-se-ha o disposto nos paragraphos seguintes:
§ 1.° A pena do artigo 49.° será aggravada nos termos declarados no artigo 59.°, ou alem d'isso, augmentando-se a pena quanto á duração da prisão maior cellular, que poderá ser elevada a dez annos.
§ 2.° A mesma pena será attenuada, ou applicando-se sem prisão no logar do degredo, ou sendo alem d'isso diminuida quanto á duração da prisão maior cellular, que em todo o caso não será inferior a seis annos.
§ 3.° A pena do n.° l.° do artigo 50.° será aggravada e attenuada dentro do maximo e do minimo de tempo de prisão no logar do degredo, ou sendo alem d'isso augmentada ou diminuida quanto á duração com mais ou menos tres annos de degredo.
Art. 63.° As penas fixas de degredo por vinte e cinco, vinte e quinze annos serão aggravadas ou attenuadas quanto á duração, que póde ser augmentada com mais tres annos ou reduzida a menos tres.
Art. 64.° As penas temporarias de prisão maior e degredo, e quaesquer outras penas temporarias estabelecidas pelo codigo penal, aggravam-se e attenuam-se unicamente quanto á duração dentro do maximo e minimo das mesmas penas, salvo o disposto no n.° 2.° do artigo subsequente.
Art. 65.° Poderão extraordinariamente os juizes, considerando o numero e a importancia das circumstancias attenuantes:
1.° Substituir as penas fixas mais graves pelas penas fixas menos graves, ou ainda pelas penas maiores temporarias de prisão e de degredo;
2.° Reduzir as penas maiores temporarias de prisão e de degredo a dois annos de prisão maior, e a de prisão maior cellular a um anno, ou substituil-as por prisão correccional não inferior a dezoito mezes.
§ unico. Poderão os juizes nos termos d'este artigo e em relação ás penas fixas designadas no artigo 49.° da presente lei e nos artigos 4.°, 7.° e 9.° da lei de 1 de julho de 1867, substituir as penas mais graves pelas menos graves, ou ainda pela de prisão maior cellular por dois a oito annos.
Art. 66.° A gravidade das penas do systema penitencia-
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rio considera-se, em geral, segundo a seguinte ordem de precedencia:
1.° A pena estabelecida no artigo 49.° da presente lei;
2.° A de prisão maior cellular por oito annos seguida de degredo por doze;
3.° A de prisão maior cellular por seis annos seguida de degredo por dez;
4.° A de prisão maior cellular por quatro annos seguida de degredo por oito;
5.° A de prisão maior cellular;
6.° A de prisão correccional.
Art. 67.° A gravidade das penas não comprehendidas no artigo antecedente considera-se, em geral, segundo a seguinte ordem de precedencia:
1.° A pena do n.° 1.° do artigo 50.°;
2° A do n.° 2.° do mesmo artigo;
3.° A do n.° 3.°;
4.° A do n.° 4;
5.° A de prisão maior temporaria;
6.° A de degredo temporario;
7.° A de prisão correccional.
Art. 68.° Nos casos em que a lei decretar a pena immediatamente superior ou inferior, será observada a ordem de preferencia estabelecida nos artigos antecedentes, salvo o disposto no paragrapho seguinte.
§ unico. Considerar-se-ha a pena de prisão correccional immediatamente inferior a qualquer das penas de prisão maior temporaria ou de degredo temporario, e a de degredo por quinze annos como immediatamente superior a qualquer das penas temporarias de prisão maior ou de degredo.
CAPITULO IX
Da applicação das penas nos casos de reincidencia e nos de accumulação e de successão de crimes
Art. 69.º A accumulação de crimes será punida segundo as seguintes regras geraes, applicaveis igualmente no systema penitenciario e no do codigo penal, modificados pela presente lei.
§ 1.° No concurso de crimes, a que seja applicavel a mesma pena, será applicada a pena immediatamente superior se aquella for fixa, e a mesma pena nunca inferior a metade da sua duração maxima, se for temporaria.
§ 2.° Quando sejam applicaveis penas differentes será applicada a pena mais grave, aggravando-se, segundo as regras geraes, em attenção á accumulação de crimes. O mesmo se observará quando uma das penas for a do artigo 49.°, ou em alternativa a do n.° 1.° do artigo 50.° da presente lei.
§ 3.° Exceptua-se do disposto n'este artigo e §§ 1.° e 2.° a pena ou as penas de multa, que serão sempre accumuladas com as outras penas.
§ 4.° Ficam por este modo alterados o artigo 19.° da lei de 1 de julho de 1867, o artigo 87.º do codigo penal e mais disposições correlativas.
Art. 70.° No caso de reincidencia observar-se-ha o seguinte:
1.° Se as penas applicaveis forem a do artigo 49.° e em alternativa a do n.° 1.° do artigo 50.° da presente lei, será applicada a primeira d'essas penas com prisão no logar do degredo por doze annos e em alternativa a segunda com prisão no logar do degredo por vinte annos;
2.° Se a pena for a de degredo por vinte e cinco annos será applicada a mesma pena com prisão no logar do degredo por seis annos;
3.° Se a pena for a de degredo por vinte annos será applicada a mesma pena com prisão no logar do degredo por cinco annos;
4.° Se a pena for a de degredo por quinze annos será applicada a mesma pena com prisão no logar do degredo por quatro annos;
5.º Se a pena for a de prisão maior temporaria, ou a de degredo temporario, a condemnação nunca será abaixo de dois terços da pena pela primeira reincidencia, e será applicado o maximo da pena pela segunda.
Art. 71.° No caso de successão de crimes, se for applicavel pena mais grave do que a estabelecida na lei para o crime pelo qual já houve condemnação passada em julga-o, observar-se-hão as regras estabelecidas para a reincindencia no artigo antecedente, e nos artigos 14.° e l5.° da lei de 1 de julho de 1867.
1.° Sendo applicavel a mesma pena será essa applicada no maximo da sua aggravação se for pena fixa, e aggravada segundo as regras geraes, mas nunca inferior a um terço da sua duração maxima se for temporaria.
§ 2.° Sendo applicavel pena menos grave será applicada esta, aggravando-se segundo as regras geraes.
§ 3.º O disposto n'este artigo e seus paragraphos é extensivo á applicação das penas do codigo penal, da lei de 1 de julho de 1867 e da presente lei.
CAPITULO X
Da applicação das penas em alguns casos especiaes
Art. 72.° No caso de crime frustrado observar-se-hão as seguintes regras:
l.ª Se as penas applicaveis, suppondo-se consummado o crime, fossem quasquer das penas fixas designadas nos n.os 1.°, 2.° e 3.° do artigo 66.° e nos n.os 1.°, 2.° e 3." do artigo 67.° da presente lei, serão applicadas respectivamente as penas fixas immediatamente inferiores;
2.ª Se as do n.° 4.° do artigo 66.° e do n.° 4.° do artigo 67.°, serão applicadas respectivamente as do n.° 5.° do artigo 66.° e n.° 6.° do artigo 67.°;
3.ª Se a de prisão maior cellular por dois a oito annos, ou as de prisão maior temporaria ou degredo temporario, serão applicadas respectivamente as mesmas penas, nunca excedente a quatro annos a duração da primeira d'aquellas penas e a seis annos qualquer das outras duas.
Art. 73.° As regras estabelecidas nos artigos 17.° e 18.º da lei de 1 de julho de 1867 serão tambem observadas na applicação das penas estabelecidas pela presente lei e pelo codigo penal.
Art. 74.° O encobridor será punido nos termos seguintes:
1.° Se ao crime for applicavel qualquer das penas fixas estabelecidas no artigo 49.° da presente lei e na lei de 1 de julho de 1867, ou em alternativa qualquer das penas fixas estabelecidas no artigo 50.° da presente lei, ser-lhe-ha applicada a pena de prisão correccional;
2.° Se for a pena de prisão maior cellular, ou em alternativa uma das penas temporarias de prisão maior e de degredo, ser-lhe-ha applicada a de prisão correccional por seis mezes a um anno;
3.° Se a pena de prisão correccional for applicavel ao crime ser-lhe-ha applicada a mesma pena, attenuada e nunca superior a tres mezes.
§ unico. Ficam de nenhum effeito os artigos 197.°, 463.º e 464;° do codigo penal.
Art. 75.° Se o criminoso for menor de vinte e um annos ao tempo da perpetração de qualquer crime, nunca lhe serão applicadas penas mais graves do que a de prisão cellular por seis annos seguida de degredo por dez annos, ou em alternativa a de degredo por vinte annos.
Art. 76.° Se o criminoso tiver menos de dezoito annos ao tempo da perpetração do crime, nunca lhe serão applicadas penas mais graves do que a de prisão maior cellular por dois a oito annos, ou em alternativa a de prisão maior temporaria, ou degredo temporario.
Art. 77.° Quando o criminoso, tiver menos de quatorze annos, ao tempo da perpetração do crime, observar-se-ha o seguinte;
1.º Se ao crime for applicavel alguma das penas fixas estabelecidas no artigo 49.° da presente lei e na lei de 1 de Julho de 1867, ou em alternativa alguma das penas
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fixas estabelecidas no artigo 50;° da presente lei, ser-lhe-ha applicada a pena de prisão maior cellular, nunca excedente a quatro annos, ou em alternativa a prisão maior temporaria, ou o degredo temporario por tempo correspondente;
2.° Se for applicavel a pena de prisão maior cellular por dois a oito annos; ou em alternativa qualquer das penas temporarias de prisão maior e de degredo, serão applicadas as mesmas penas, reduzidas ao minimo ou prisão correccional.
Art. 78.° No caso do crime meramente culposo nunca serão applicaveis, penas superiores á de prisão correccional e multa correspondente.
Art. 79.° O disposto no artigo antecedente é extensivo aos criminosos, em que concorrer alguma das circumstancias especificadas no artigo 40.° da presente lei.
Art. 80.° As disposições dos artigos 69.°, 70.º, 71.°, 72.°, 73.° e 74.° entendem-se, salvos os casos especiaes em que a lei decretar pena determinada.
CAPITULO XI
Dos effeitos das penas
Art. 81.° Os effeitos das penas estabelecidas pelo codigo penal, pela lei de 1 de julho de 1867 e pela presente lei, são unicamente os declarados na presente lei.
Art. 82.° O réu definitivamente condemnado, qualquer que seja a pena, incorre:
1.° Na perda a favor do estado, dos instrumentos do crime, não tendo o offendido, ou terceira pessoa, direito á sua restituição;
2.° Na obrigação de restituir ao offendido as cousas de que pelo crime o tiver privado, ou de pagar-lhe o seu valor legalmente verificado, se a restituição não for possivel, e o offendido ou os seus herdeiros requererem esse pagamento;
3.° Na obrigação de indemnisar o offendido do damno causado, e o offendido ou os seus herdeiros requeiram a indenmisação;
4.° Na obrigação de pagar as custas do processo e as despezas de expiação.
Art. 83.° O réu definitivamente condemnado a qualquer pena maior, incorre:
1.° Na perda de qualquer emprego, ou funcções publicas, dignidades, titulos, nobreza ou condecorações;
2.° Na incapacidade de eleger, ser eleito ou nomeado para quaesquer funcções publicas;
3.º Na de ser tutor, curador, procurador em negocios de justiça, ou membro do conselho de familia.
Art. 84.º O réu definitivamente condemnado a pena de prisão correccional de suspensão temporaria dos direitos politicos ou de desterro, incorre:
l.º Na suspensão de qualquer emprego ou funcções publicas;
2.º Nas incapacidades estabelecidas nos n.os 2.° e 3.° do artigo precedente.
Art. 85.° As incapacidades de que trata o artigo. 83.° n.os 2.° e 3.°, e o artigo 84.° n.° 2.°, e a suspensão decretada n'este ultimo artigo, n.° 1.°, cessam ipso facto pela extincção da pena que as produziu.
Art. 86.º Continuam em vigor as disposições do § unico do artigo 58.°, e o artigo 63.° do codigo penal.
Art. 87.° O condemnado á pena de demissão de emprego, incorre:
1.° Na, incapacidade de tornar a servir o mesmo emprego;
2.° Na perda de direito de se jubilar, aposentar ou reformar, por serviços publicos anteriores á condemnação.
CAPITULO XII
Da extincção da responsabilidade criminal
Art. 88.º Todo o procedimento criminal e toda a pena acaba não só nos casos previstos no artigo l.°, da presente lei, mas tambem:
l.° Pela morte do criminoso, salvo o disposto no artigo 101.° §,2.° do codigo penal;
2.° Pela prescripção, embora não seja allegada pelo réu ou este retenha qualquer objecto por effeito do crime;
3.° Pela amnistia;
4.° Pelo perdão da parte, quando tenha logar.
§ 1.° A morte do criminoso e a amnistia não prejudicam a acção civil pelo damno e perda, nem têem effeito retroactivo pelo que respeita aos direitos legitimamente adquiridos por terceiro.
§ 2.º O procedimento judicial criminal prescreve passados quinze annos, se ao crime for applicavel pena maior, passados cinco, se lhe for applicavel pena correccional, e passados um anno se lhe for applicavel pena que caiba na alçada do juiz de direito em materia correccional.
§ 3.° Se, para haver procedimento criminal, for indispensavel a queixa do offendido ou de seus parentes, prescreverá o direito da queixa passados dois annos, se ao crime corresponder pena maior, e passado um anno se a pena correspondente ao crime for correccional.
§ 4.° A prescripção de que tratam os paragraphos antecedentes conta-se sempre desde o dia em que foi commettido o crime, ou, se antes d'ella algum acto judicial teve logar a respeito do crime, desde o dia do ultimo acto.
§ 5.° Os mandados de captura contra o réu que não estiver preso nem afiançado, não se consideram actos judiciaes para os fins designados no paragrapho actece-dente.
§ 6.° As penas maiores prescrevem passados vinte annos, as correccionaes passados, dez annos, e as penas por contravenções, passado um anno.
§ 7.° A prescripção conta-se para o effeito do que dispõe o § 6.°, desde o dia em que a sentença condemnatoria tiver passado em julgado, mas, evadindo-se o condemnado e tendo cumprido parte da pena, conta-se desde o dia da evasão.
§ 8.° Nenhuma prescripção corre emquanto não passa em julgado a sentença de que dependa a instrucção do processo criminal.
§ 9.°, Ácerca da acção civil, resultante do crime, cumprir-se-ha, no que lhe for applicavel, o disposto nos §§ 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 8.° d'este artigo, se tiver sido cummulada com a acção criminal, mas em todos os mais casos prescreverá, assim como a restituição ou reparação civil mandada fazer por sentença criminal passada em julgado, segundo as regras do direito civil.
§ 10.° O individuo a quem tiver aproveitado a prescripção da pena não póde residir na comarca em que residir o offendido, ou, se esteja não existe, o seu conjuge sobrevivo, ascendentes ou descendentes, emquanto não passar depois da prescripção tanto tempo como o fixado na lei para essa prescripção.
§ 11.° O perdão da parte só extingue a responsabilidade criminal do réu, quando não ha procedimento criminal sem denuncia ou sem accusação particular, salvo os casos especiaes declarados na lei, e para que produza effeito é necesario que a parte seja legitimamente auctorisada, se for menor não emancipado.
Art. 89.° A pena tambem acaba:
l.° Pelo seu cumprimento;
2.° Pelo perdão real;
3.° Pela rehabilitação.
§ 1.° Reputa-se cumprida a pena, quando o condemnado a houver expiado pelo tempo marcado na sentença condemnatoria, e pelo modo expresso na lei.
§ 2.° O perdão real póde abranger a extincção total ou parcial da pena.
§ 3.° A extincção parcial da pena comminada na sen-
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ença verifica-se nos termos do paragrapho antecedente, por algum dos seguintes modos:
1.° Reduzindo a pena comminada na sentença;
2.º Substituindo-a por outra menos grave, e de duração igual ou inferior á da parte da pena ainda não cumprida.
§ 4.° A acceitação do perdão real é obrigatoria para o condemnado, salvos os incidentes contenciosos que forem fundados em não terem sido observadas as disposições do paragrapho antecedente.
e § 5.° A rehabilitação, que consiste na reintegração do condemnado julgado innocente em consequencia de revisão extraordinaria da sentença condemnatoria, no seu estado de direito anterior á condemnação, resulta immediatamente da sentença de revisão, logo que esta sentença passe em julgado.
§ 6.° A sentença absolutoria de revisão arbitrará ao rehabilitado (se este assim o houver requerido), a justa indemnisação do prejuizo que houver soffrido com o cumprimento da pena, se esta não for a de multa. Se a pena tiver sido a de multa e estiver já cumprida, ordenará a sua restituição. Tanto esta restituição como aquella indemnisação incumbem ao estado.
§ 7.° A sentença absolutoria de revisão será publicada no Diario do governo em tres dias consecutivos, e affixada por certidão á porta do tribunal da comarca do domicilio ou residencia do rehabilitado, e á porta do tribunal da comarca em que teve logar a condemnação.
Art. 90.° Ficam assim substituidas as regras para a extincção dos crimes e das penas consignadas no codigo penal, liv. 1.°, tit. 4.°, cap. 2.°
PARTE ESPECIAL
TITULO III
Art. 91.° Os artigos 152.°, 154.° e paragrapho, 157.°, 160.°, 168.° e paragrapho, 169.° e paragrapho, 177.° e paragrapho, 179.° e paragraphos, 180.° e paragraphos, 181.° e paragraphos, 182.°, 183.° e paragraphos, 184.°, 185.°, 186.° e paragraphos, 188.°, 189.° e paragraphos, 190.° e paragraphos, 191.° e paragraphos, 192.° e paragrapho, 194.° e paragrapho, 196.° e paragraphos, 206.° e paragrapho, 207,º, 208.° e paragraphos, 210.°, 211.°, 215.°, 216.°, 218.°, 219.°, 220.° e paragrapho, 221.°,222.° e paragrapho, 224.° e paragrapho, 228.° e paragraphos, 229.° e paragrapho, 230.° e paragraphos, 232.°, 238.° e paragraphos, 240.° e paragraphos, 246.°, 247.º e paragrapho, 248.°, 249.°, 25O.°, 253.° e paragraphos, 263.º° e paragraphos, 284.° e paragraphos, 285.°, 287.°, 288.°, 290.° e paragraphos, 295.° e paragrapho, 297.° e paragraphos 301.º, 302.°, 304.°, 306.°, 310.° e paragraphos, 311.º e paragrapho, 312.° e paragrapho, 313.,° e paragraphos 315.° e paragraphos, 319.°, 331.°, 341.°, 344.° e paragraphos, 345.° e paragraphos, 352.°, 359.°, 360.°, 361.º e paragraphos, 363.°, 365.°, 366.º, 379.° e paragraphos, 380.° e paragraphos, 390.°, 391.° e paragrapho, 392.° 393.°, .394.° e paragrapho, 395.° e paragraphos, 396.° paragrapho, 398.°, 399.º, 400.º e paragrapho, 407.º 408.°, 409.º 410.º e paragrapho, 411.º e paragrapho 412.º, 413.º 414.°, 418.°, 420.° e
Paragrapho,421.º, e paragrapho, 422.º, 423.º, 424.º e paragraphos, 425.º e paragrapho 431.º e paragrapho, 432.º, 434.º 435.º, 436.º, 437.º, 438.°, 441.°, 443.º, 444.°, e paragrapho 450, 451.º e paragrapho, 452,°, 453.º 454.º, 461 e paragraphos, 466.º, 467.º, 474.º, 475.º e paragraphos, 484.° e paragrapho do codigo penal serão substituidos pelos seguintes:
"Art. 152.° Aquelle que, exercendo funcções officiaes relativas a negocios com potencia estrangeira, abusar de seus poderes, offendendo ou dando causa a que seja offendida a dignidade, a fé ou os interesses da nação portugueza, ou
tomando quaesquer compromissos em nome do governo ou da nação para que não esteja devidamente auctorisado, será condemnado a prisão maior temporaria.
"Art. 154.º Será condemnado a prisão correccional e multa correspondente:
"1.° Aquelle que maliciosamente arrancar, ou por qualquer modo supprimir marcos, balizas ou outros signaes indicativos de territorio portuguez;
"2.° Aquelle que, sendo portuguez e violando as leis, decretos ou regulamentos, se passar em tempo de guerra para paiz estrangeiro neutro ou amigo, não devendo a prisão correccional exceder a um anno. Se não for em tempo de guerra, a pena será a de multa até seis mezes.
"§ unico. O disposto no n.° 2.° d'este artigo, é sómente applicavel ao caso de não haver logar por disposição especial a pena mais grave.
"Art. 157.° Será condemnado a demissão, ou suspensão, segundo as circumstancias, e a prisão correccional e multa, até seis mezes, qualquer empregado diplomatico que faltar á protecção que as leis mandam prestar a qualquer portuguez no paiz estrangeiro em que se achar empregado.
"Art. 160.° Aquelle que offender publicamente, por palavras, ou por escripto ou desenho publicado, ou por qualquer meio de publicação, qualquer soberano ou chefe de nação estrangeira, será condemnado a prisão correccional até seis mezes e multa até um mez.
"Art. 168.° A entrada violenta na casa de morada das pessoas designadas no artigo antecedente será punida com degredo temporario. A injuria ou a offensa contra as mesmas pessoas e em sua presença será punida com prisão correccional e multa correspondente.
"§ unico. Se unicamente houver falta de respeito, que pelas suas circumstancias se deva considerar leve, applicar-se-ha sómente a prisão até um mez.
"Art. 169.° A offensa commettida publicamente, de viva voz, ou por escripto ou desenho publicado, ou por qualquer meio de publicação contra o Rei ou Rainha reinante, será punida com prisão correccional até seis mezes e multa até um mez.
"§ 1.° O crime declarado n'este artigo, commettido contra as outras pessoas designadas nos artigos antecedentes, será punido com prisão correccional até seis mezes.
"§ 2.° No caso previsto n'este artigo não é admissivel prova sobre a verdade de qualquer facto a que a offensa se refira.
"Art. 177.° Em todo o ajuntamento ou reunião de povo que se reunir, contravindo as condições legaes de que dependa essa reunião, os promotores ou convocadores d'ella serão punidos como desobedientes.
"& 1.° Na mesma responsabilidade incorrem aquelles que, ordenada competentemente a dispersão do ajuntamento, ou seja convocando ou fortuito, não se retirarem; e,
se forem os promotores ou convocadores da reunião ser-lhes-ha imposta a pena de desobediencia qualificada.
"& 2.º Em qualquer ajuntamento ou reunião de que trata este artigo e § 1.° serão isentos da responsabilidade criminal, a elle respectiva, os que, não sendo promotores nem convocadores, se retirarem voluntariamente depois da advertencia da auctoridade ou antes de praticado qualquer do acto.
"§ 3.° Se em algum ajuntamento ou reunião incriminada n'este capitulo se praticarem actos para que esteja estabelecida pena mais grave do que as comminadas para o mesmo ajuntamento ou reunião, os que os praticaram serão condemnados segundo as regras geraes estabelecidas para a accummulação de crimes.
"Art. 179.° Aquelles que, sem attentarem contra a segurança interior do estado, se ajuntarem em motim ou tumulto, ou com arruido, empregando violencias, ameaças ou injurias, ou tentando invadir qualquer edificio publico, ou a casa de residencia de algum funccionario publico: 1.°, para impedir a execução de alguma lei, decreto, regula-
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mento, ou ordem legitima da auctoridade; 2.°, para constranger, impedir ou perturbar no exercicio das suas funcções alguma corporação que exerça auctoridade publica, magistrado, agente da auctoridade ou funccionario publico; 3.°, para se eximirem ao cumprimento de alguma obrigação; 4.º, para exercer algum acto de odio, vingança ou desprezo contra qualquer funccionario, ou membro do poder legislativo, serão condemnados a prisão correccional até um anno, se a sedição não for armada.
"§ 1.° Se a sedição for armada, applicar-se-ha a pena de prisão correccional.
"§ 2.° Se não tiver havido violencias, ameaças ou injurias, nem tentativa de invasão dos edificios publicos ou da casa de residencia de algum funccionario publico, a prisão correceional não excederá a seis mezes na hypothese do artigo, e a um anno na do paragrapho antecedente.
"§ 3.° Se os criminosos conseguirem a realisação do fim sedicioso, serão condemnados a degredo temporario, se esta, não constituir crime, a que por lei seja applicavel pena mais grave.
"§ 4.° Os que excitaram, provocaram ou dirigiram a sedição, serão condemnados ao maximo da pena que, em virtude do disposto n'este artigo e §§ 1.° e 2.°, for applicavel ao crime, e a prisão temporaria no caso previsto no § 3.°
"§ 5.° A conjuração para a sedição é punida com prisão correccional até tres mezes e multa correspondente, se a sedição não se houver verificado. Tendo havido sedição, a conjuração será considerada circumstancia aggravante em relação aos criminosos a que se refere o § 4.° d'este artigo.
"Art. 180.° Aquelles que se ajuntarem em qualquer logar publico para exercer algum acto de odio, vingança ou desprezo contra qualquer cidadão, ou para impedir ou perturbar o livro exercicio ou goso dos direitos individuaes, ou para commetter algum crime, não havendo começo de execução, mas sómente qualquer acto preparatorio ou aliás motim ou tumulto, arruido ou outra perturbação da ordem publica, serão condemnados a prisão correccional até seis mezes, se a reunião for armada, e a prisão correccional até tres mezes no caso contrario.
"§ unico. A conjuração só é punivel, se tiver havido começo de ajuntamento, ou algum acto preparatorio, e n'esse caso ser-lhe-ha applicada a prisão até tres mezes.
"Art. 181.° Aquelle que offender directámente por palavras, ameaças ou por actos offensivos da consideração devida á auctoridade, algum ministro ou conselheiro d'estado, membro das camaras legislativas, ou deputações das mesmas camaras, magistrado judicial, administrativo ou do ministerio publico, professor ou examinador publico, professor ou examinador publico, jurado ou commandate da força publica, na presença e no exercicio das funcções do offendido, posto que a offensa se não refira a estas, ou fóra das mesmas funcções, mas por causa d'ellas, Será condemnado a prisão correccional até um anno. Se n'este crime não houver publicidade, a prisão não excederá a seis mezes.
"§ 1.° O funccionario publico, que no exercicio das suas funcções offender o seu superior hierarchico por palavras, ameaças ou acções na presença d'elle, ou por escripto que lhe seja directamente dirigido, ainda que n'este caso o faça no exercicio das suas funcções, se todavia se referir a um acto de serviço, haja ou não publicidade na offensa, será condemnado a prisão correcional até um anno e multa correspondentes.
"& 2.º A offensa commettida em sessão publica de alguma das camaras legislativas contra algum dos seus membros ou dos ministro d'estado, posto que não esteja presente, ou contra a mesma camara, e bem assim em sessão publica de algum tribunal judicial ou administrativo ou corporação que exerça auctoridade publica, contra algum dos seus membros, posto que não esteja presente, ou contra o mesmo tribunal ou corporação, será punida com a pena declarada no & 1.º d'este artigo.
"Art. 182.° O crime declarado no artigo precedente, commettido contra algum agente da auctoridade ou força publica, perito ou testemunha no exercicio das respectivas funcções, será punido com prisão correccional até tres mezes.
"Art. 183. A offensa corporal contra alguma das pessoas designadas no artigo 181.° no exercicio das suas funcções ou por causa d'estas, será punida com prisão correccional até um anno e multa correspondente.
"§ 1.° Se a offensa consistir em ameaças com arma, ou for feita por uma reunião de mais de tres individuos em disposição de causar mal immediato, a pena será de prisão correccional e multa.
"§ 2.° Se resultar algum dos effeitos especificados no artigo 360.°, n.os 1.°, 2.°, 3.º e 4.° a pena será de degredo temporario.
§ 3.° Quando o effeito da offensa for algum dos especificados no n.º 5.° do artigo. 360.° ou outro qualquer de superior gravidade, será applicada a pena especificada para o crime commettido como se n'elle concorressem circumstancias aggravantes.
"Art. 184.° Se as offensas corporaes, de que trata o artigo antecedente, forem praticadas contra as pessoas designadas no artigo 182.°, serão punidas com as penas estabelecidas para as offensas corporaes nos artigos 359.° e seguintes, mas sempre aggravadas.
"Art. 185.° Aquelle que levantar volta ou arruido perante algum magistrado judicial ou administrativo, ou professor publico no exercicio das suas funcções, ou em sessão de alguma das camaras legislativas, corporação administrativa, ou jury de exames, será condemnado a prisão correccional até seis mezes.
"§ 1.° Aquelle que perturbar a ordem nos actos publicos, em qualquer estabelecimento, espectaculo, solemnidade, ou reunião publica, será condemnado a prisão correccional até tres mezes.
"§ 2.° Aquelle que n'algum logar publico levantar gritos subversivos da segurança do estado, da ordem, ou da tranquilidade publica; será condemnado á pena estabelecida no paragrapho antecedente.
"§ 3.° Aquelle que n'algum logar publico se apresentar em manifesto estado de embriaguez será condemnado como contraventor a multa até oito dias.
"A primeira reincidencia será punida com prisão por dez dias; a segunda com prisão por quinze dias; as subsequentes com prisão por um mez e multa.
"§ 4.° Se alguem romper ou quebrar os sellos postos por ordem do governo ou da auctoridade judicial ou administrativa em qualquer logar ou em quesquer objectos moveis, ou arrancar ou por qualquer fórma inutilisar os editaes das mesmas auctoridades, será condemnado a prisão correccional até tres mezes, nos casos em que a lei não estabelecer pena diversa.
"§ 5.° O rompimento ou quebramento de sellos postos por ordem do governo ou da auctoridade judicial ou administrativa em papeis ou outros objectos pertencentes a algum individuo arguido de crime, a que corresponda pena maior, será punido com o maximo da prisão correcional.
"Art. 186.° Aquelle que, empregando violencias ou ameaças, se oppozer a que a auctoridade publica exerça suas funcções, ou a que seus mandados a ellas respectivos se cumpram, quer tenha logar a opposição immediatamente contra a mesma auctoridade, quer tenha logar contra qualquer dos seus subalterno ou agentes, conhecido por tal e exercendo suas funcções para a execução das leis ou da ditos mandados, será condemnado:
"l.° A prisão correccional até dois annos e multa até dois annos, se a opposição houver produzido effeito, impedindo se aquelle exercicio ou execução, e tiver sido feita com armas ou por mais de duas pessoas;
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"2.° A prisão correccional até dois annos e multa até seis mezes, se no caso previsto no n.° 1.° d'este artigo a opposição tiver sido feita sem armas ou por menos de tres pessoas;
"3.° A prisão correccional até um anno em todos os outros casos.
"§ unico. Se os meios empregados para a resistencia, ou o objecto d'esta, constituirem crime, a que seja applicavel pena mais grave do que as estabelecidas n'este artigo, serão observadas as regras geraes para a accumulação de crimes.
"Art. 188.° Aquelle que se recusar a prestar ou deixar de prestar qualquer serviço de interesse publico, para que tiver sido competentemente nomeado ou intimado, ou que faltar á obediencia devida ás ordens ou mandados legitimos da auctoridade publica ou agentes d'ella, será condemnado a prisão correccional até tres mezes, se por lei ou disposição de igual força não estiver estabelecida pena diversa.
"§ 1.° Comprehendem-se n'esta disposição aquelles que infringirem as determinações de editaes da auctoridade competente, que tiverem sido devidamente publicados.
"§ 2.° A pena estabelecida n'este artigo será aggravada com a de multa por seis mezes, se a desobediencia for qualificada.
"A desobediencia diz-se qualificada, quando consistir em recusar ou deixar de fazer os serviços ou prestar os soccorros, que forem exigidos em caso de flagrante delicto ou para se impedir a fugida de algum criminoso, ou em circumstancias de tumulto, naufragio, inundação, incendio ou outra calamidade, ou de quaesquer accidentes em que possa perigar a tranquillidade publica.
"Art. 189.° É considerada desobediencia qualificada, a que for feita na qualidade de jurado, testemunha, perito, interprete, tutor ou vogal do conselho de familia.
"Art. 190.° Se alguem tirar ou tentar tirar algum preso, por meio de violencias ou ameaças á auctoridade publica, aos subalternos ou agentes d'ella, ou a qualquer pessoa do povo nos casos em que esta póde prender, será condemnado ás penas de resistencia.
"§ unico. Se a tirada do preso se fizer por meio de algum artificio fraudulento, a prisão correccional não excederá a um anno.
"Art. 191.° O preso que antes do julgamento passado em julgado se evadir, será punido com as penas disciplinares dos regulamentos da prisão, ou casa de custodia ou de detenção, sem prejuizo de responsabilidade pelos crimes commettidos para se realisar a fuga; mas, se for condemnado, a evasão será tomada em conta como circumstancia aggravante.
"Art. 192.° Qualquer empregado ou agente encarregado da guarda de qualquer preso, que tiver dolosamente procurado ou facilitado a fugida do mesmo preso, se este o estava por crime a que a lei impõe pena mais grave do que a prisão maior temporaria, será condemnado a degredo temporario nunca inferior a seis annos.
"§ unico. No caso de ser a prisão maior temporaria, ou qualquer outra pena menos grave, a pena d'esse crime; ou de que a prisão fosse por qualquer outro motivo, o empregado ou agente será condemnado a degredo temporario ou ao maximo da prisão correccional, segundo as circumstancias.
"Art. 194.° Se a fugida da prisão ou do logar de custodia ou detenção, tiver logar com arrombamento, escalamento ou chave falsa, ou qualquer outra violencia, todo o empregado ou agente encarregado da guarda do preso, que ou for auctor do arrombamento, escalamento ou violencias, ou fornecer, ou concorrer, ou dolosamente não obstar a que se forneçam instrumentos ou armas para aquelle fim, será condemnado a degredo por quinze annos ou a prisão maior temporaria, segundo as circumstancias.
"§ 1.° Se alguns outros individuos fizerem o arrombamento, escalamento, abertura de porta ou de janella com chave falsa ou qualquer outra violencia, para procurar ou facilitar a fugida do preso, serão condemnados a degredo temporario.
§ 2.° Os individuos declarados no paragrapho antecedente, que apenas tiverem fornecido ao preso armas ou outros instrumentos para se evadir, serão condemnados á pena de degredo temporario, se se realisar a evasão, e á de prisão correccional no caso contrario; mas se forem ascendentes, descendentes, conjuge, irmãos ou irmãs, ou affins nos mesmos graus, do preso, só incorrerão em responsabilidade criminal, se este tiver feito uso das armas ou outros instrumentos contra alguma pessoa.
"Art. 196.° Aquelle que, estando condemnado por sentença passada em julgado, se evadir sem que tenha cumprido a pena, será prolongada a pena da sentença pelo dobro do tempo em que andar fugido, salvo o disposto noa paragraphos seguintes.
§ 1.° O augmento de duração da pena da sentença não excederá em caso algum a metade do tempo da mesma pena.
"§ 2.° Quando a pena seja mixta, o augmento, de que trata o paragrapho precedente, será calculado sómente em relação á especie da pena que o condemnado estiver cumprindo quando se evadir.
"Art. 206.° Aquelle que falsificar moeda de oiro ou prata, da fórma d'aquellas que têem curso legal no reino, e a passar usando d'ella por qualquer maneira, ou a expozer á venda; e bem assim aquelle que, por concerto com o fabricador ou sendo seu cumplice, praticar qualquer d'estes actos ou n'elles tiver parte, será condemnado na pena fixa de degredo por vinte e cinco annos.
§ 1.° Na mesma pena incorrerão os que falsificarem notas de bancos nacionaes, ou inscripções, ou obrigações de divida publica portugueza.
"§ 2.° Se houver sómente a fabricação, a pena será a de degredo por quinze annos.
"Art. 207.° Aquelle que, sem concerto com o fabricador e sem que seja seu cumplice, passar a dita moeda, notas, inscripções ou obrigações falsificadas, ou as pozer á venda, será condemnado a degredo temporario.
"Art. 208.° A pena de degredo temporario será imposta:
"1.° Ao que sem auctorisação legal fabricar ou passar ou expozer á venda qualquer peça de moeda de oiro ou prata com o mesmo valor das legitimas;
"2.° Ao que cercear ou por qualquer modo diminuir a valor de alguma das ditas peças de moeda legitimas, e passar ou expozer á venda a moeda assim falsificada;
"3.° Ao que, por concerto ou cumplicidade com o falsificador, praticar algum dos actos declarados n'este artigo, ou n'elles tiver parte.
"§ 1.° Se a moeda assim falsificada não foi exposta á venda, nem chegou a passar se, a pena será a de prisão correccional.
"§ 2.° O que passar a dita moeda falsificada por qualquer dos modos declarados n'este artigo ou a expozer á venda, não se concertando nem sendo cumplice com o falsificador, será condemnado ao maximo da prisão correccional e ao maximo da multa.
"Art. 210.° As penas determinadas nos artigos d'esta secção para os passadores da moeda, notas, inscripções ou obrigações falsificadas, se applicam aos que as introduzem em territorio portuguez.
"§ 1.° A pena de degredo temporario será imposta áquelle que fabricar, importar, expozer á venda, vender, ou por qualquer modo fornecer, subministrar, possuir ou retiver cunho para moeda e chapa ou fórmas com letras de agua que sirvam exclusivamente para falsificação de moeda, ou de notas de banco, ou de quaesquer titulos do estado de divida ou representativos de moeda.
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"§ 2.° A pena de prisão correccional e multa será imposta áquelle que sem licença do governo fabricar, importar, expozer á venda, vender, ou por qualquer modo fornecer, subministrar, possuir ou retiver balancés ou prensas de cunhar e serrilhas que sirvam, posto que não exclusivamente para a falsificação da moeda, notas ou titulos especificados no paragrapho antecedente.
"§ 3.° O disposto nos paragraphos antecedentes não é applicavel aos bancos companhias ou estabelecimentos em relação á fabricação de moeda, notas ou outros papeis que por leis especiaes lhes estiver commettida ou permittida, nem aos individuos que para o mesmo fim contratarem com o governo, ou com os referidos bancos, companhias ou estabelecimentos.
"Art. 211.º Nos diversos casos declarados nos artigos antecedentes, se a moeda não for de oiro ou prata, mas de outro metal, terão logar nas penas as seguintes modificações:
"l.° Se a pena for a de degredo por vinte e cinco annos, impor-se-ha, a de degredo temporario;
"2.° Se for a de degredo temporario, o maximo da prisão correccional com ou sem multa;
"3.° Se for o maximo da prisão, correccional, a de prisão correccional até um anno;
"4.° Se for a de prisão correccional, a mesma pena até seis mezes.
"Art. 215.° Aquelle que falsificar cheques de bancos ou de estabelecimentos bancarios, ou outros titulos de credito não especificados nos artigos precedentes, cuja emissão no reino estiver legalmente auctorisada, ou os introduzir ou pozer em circulação em territorio portuguez, ou d'elles fizer uso, será condemnado a degredo por quinze annos.
"Se a emissão estiver legalmente auctorisada só em paiz estrangeiro, e o crime for commettido em territorio portuguez, a pena será de degredo temporario.
"§ unico. Se na introducção, passagem ou uso dos mesmos titulos não houver concerto com o falsificador ou com outro introductor ou passador, a pena será a de prisão correccional e multa.
"Art. 216.° Será condemnado a degredo temporario aquelle que commetter, por quaesquer dos modos abaixo declarados, falsificação que prejudique, ou possa por sua natureza prejudicar terceira pessoa ou o estado:
"1.° Fabricando disposições, obrigações, ou desobrigações em qualquer escriptura, titulo, diploma, auto ou escripto, que pela lei deva ter a mesma fé que ás escripturas publicas;
"2.° Fazendo nos ditos documentos alguma falsa assignatura ou supposição de pessoa;
"3.° Fazendo falsa declaração de qualquer facto que os mesmos documentos têem por fim certificar e authenticar, ou que é essencial para a validade d'esses documentos;
"4.° Acrescentando, mudando ou diminuindo em alguma parte os ditos documentos, depois de concluidos, de modo que se altere a substancia ou tenção d'elles pela addição, diminuição ou mudança das disposições, obrigações ou desobrigações, ou dos factos que estes documentos têem por objecto certificar ou authenticar;
"5.° Fabricando algum dos ditos documentos inteiramente falsos.
"§ unico. Se se provar que alguma das falsidades declaradas n'este artigo foi commettida por mera inconsideração, negligencia ou inobservancia do respectivo regimento, a pena será em todos os casos a de prisão correccional.
"Art. 218.° Será condemnado á pena de prisão maior temporaria o empregado publico que no exercicio das suas funcções commetter alguma falsificação que prejudique ou possa prejudicar terceira pessoa ou o estado, em escriptura publica, titulo, diploma, auto ou escripto de igual força:
"1.° Fabricando um documento inteiramente falso;
"2.° Imitando ou fingindo letra, assignatura, firma, rubrica, ou signal de outrem;
"3.° Suppondo n'um acto a intervenção, de pessoas que não figuraram;
"4.° Attribuindo aos que intervierem n'um acto declarações que não fizeram, ou differentes das que realmente tiverem feito;
"5.° Faltando á verdade na narração ou declaração dos factos essenciaes para a validade de um documento, ou na d'aquelles que este tenha por objecto certificar;
"6.° Alterando as datas verdadeiras;
"7.° Fazendo em documento verdadeiro alguma alteração ou intercalação, que lhe mude o sentido ou o valor;
"8.° Certificando ou reconhecendo como verdadeiros factos falsos;
"9.° Passando traslado, certidão, copia que haja de fazer fé, ou publica fórma de documento supposto, ou em que declare cousa differente da que se achar no original;
"10.° Intercalando qualquer acto em protocollo, livro ou registo official, ou registando, sem que tenha existencia juridica, algum acto da natureza d'aquelles, para que a lei estabelece o registo, ou cancellando o que deva subsistir;
"§ unico. Se se provar que alguma das falsidades declaradas n'este artigo for commettida por mera inconsideração, negligencia ou inobservancia do respectivo regimento, a pena será a de prisão correccional e multa.
"Art. 219.° Aquelle que, por qualquer dos modos declarados no artigo 218.°, falsificar escripto não, comprehendido no mesmo artigo, será condemnado a prisão correccional e multa.
"Art. 220.° Será punida com as mesmas penas, a falsificação commettida, por qualquer dos modos declarados nos artigos antecedentes, por cima de uma assignatura em branco, ainda que voluntariamente entregue pelo signatario.
"Art. 221.° Serão impostas as penas da cumplicidade á testemunha de documento publico ou particular, que intervier com conhecimento na falsidade, salvo se dever ser considerada como auctor.
"Art.º 222.° Aquelle que fizer uso dos documentos falsos declarados nos artigos antecedentes, ou dolosamente fizer registar algum acto ou cancellar algum registo, será condemnado como se fosse auctor da falsidade.
"Art. 224.° Serão, condemnados a prisão correccional e multa:
"1.° Todo o facultativo ou pessoa competentemente auctorisada pela lei para passar certificados de molestia, ou lesão, que, com intenção de que alguem seja isento ou dispensado de qualquer serviço publico, certificar falsamente molestia ou lesão que deva ter esse effeito;
"2.° Todo aquelle que com o nome de algum facultativo ou pessoa competentemente auctorisada pela lei, fabricar algum certificado da mesma natureza;
"3.° Todo aquelle que fabricar em nome de um empregado publico algum certificado de recommendação, attestando quaesquer circumstancias em favor da pessoa n'elle designada, e bem assim aquelle que alterar com a mudança de nome da pessoa designada o attestado de um empregado publico originariamente verdadeiro;
"4.° Todo o funccionario publico que, faltando á verdade geralmente sabida, attestar ou certificar falsamente alguns factos ou circumstancias que possam interessar ou prejudicar a pessoa a favor de quem, ou contra quem foram passados estes attestados ou certificados, salvo se estiver incurso no artigo 218.°;
"5.° Aquelle que fizer uso de qualquer d'estes certificados ou attestados falsos, sabendo que o são;
"6.° O funccionario publico encarregado do serviço dos telegraphos, que suppozer ou falsificar algum despacho telegraphico recebido ou a transmittir; ou aquelle que, não sendo o funccionario competente, commetter este crime ou fizer uso do despacho falso, sabendo que o é.
"§ 1.° O dono de hospedaria ou de outra casa onde se
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dê albergue por dinheiro, que no respectivo livro ou registo fizer com conhecimento de causa alguma inscripção falsa ou supposta, será condemnado a prisão correccional até dois mezes e multa.
"§ 2.° Aquelle que não estando incluido n'este artigo nem em algum dos antecedentes passar attestado ou certificado falso, e bem assim o que d'elle fizer uso, sabendo da sua falsidade, será condemnado a prisão correccional até tres mezes e multa correspondente.
"§ S.° O disposto n'este artigo e seus paragraphos entende-se sem prejuizo de pena mais grave, se os factos incriminados fizerem parte, da execução do outro crime. Os prejuizos immediatos produzidos pelo despacho telegraphico falsificado, serão para os effeitos d'este paragrapho e dos artigos que regulam as responsabilidades dos auctores e cumplices, considerados como subtracção fraudulenta de haveres alheios.
"Art. 228.° Aquelle que falsificar sellos, cunhos, marcas ou chancella de qualquer auctoridade ou repartição publica, os introduzir no reino, ou d'elles fizer uso, que não esteja especificadamente incriminado n'outro artigo, será condemnado á prisão maior temporaria.
"Art. 229.° A mesma pena haverá aquelle que falsificar papel sellado, estampilhas de sêllo ou postaes, ou outros objectos timbrados, cujo fornecimento seja exclusivo do estado, e os que dolosamente os introduzirem no reino, emit-tirem, passarem, expozerem á venda ou d'elles fizerem uso.
"Art. 230.° Aquelle que commetter alguma falsificação, usando de marcas, sellos ou cunhos falsificados de contraste ou avaliadores, cujos certificados têem pela lei fé em juizo, será condemnado á prisão de um até seis mezes, sem prejuizo de qualquer outra pena, se houver logar.
"§ 1.° Se as marcas, sellos ou cunhos falsificados forem de qualquer estabelecimento de industria ou commercio, a pena será a de prisão de um até tres mezes, sem prejuizo de pena maior, se houver logar, e salva a reparação, segundo as regras geraes.
"§ 2.° A mesma pena será imposta ao que expozer á venda ou pozer em circulação objectos marcados com nomes suppostos ou alterados, ou que tiver posto ou feito apparecer de qualquer modo sobre objectos fabricados o nome ou firma de fabrica diversa d'aquella em que teve logar a fabricação.
"§ 3.° A mesma pena será tambem imposta aquelle que fizer desapparecer das estampilhas de sêllo ou postaes, ou de bilhetes para transporte de pessoas ou cousas o signal de já haverem servido, ou d'elles fizerem uso n'este estado.
"§ 4.° Aquelle que em bilhetes ou senhas de admissão a estabelecimento ou logar publico, ou em cautelas de loteria ou na respectiva lista, e com o fim fraudulento de tirar para si ou para outrem algum lucro, ou de prejudicar terceira pessoa, falsificar a numeração, data ou valor, ou d'elles fizer uso, ou os vender ou expozer á venda, será condemnado a prisão correccional.
"Art. 232.° As penas determinadas nos artigos das antecedentes secções d'este capitulo, contra o uso da cousa falsa, não terão logar quando aquelle que usou d'ella não conheceu a falsificação.
"§ 1.° Nos crimes de falsidade é sempre circumstancia attenuante o facto de não se ter feito uso do documento publico ou particular, ou objecto falsificado, ou de não ter resultado d'esse uso o prejuizo ou o proveito que determinou a falsidade; inclusivamente no caso em que o apresentante de um documento falso em juizo tenha declarado desistir d'elle nos termos da lei civil, depois de arguido de falso.
"§ 2.° Em todos os crimes de falsidade ordenar-se-ha na sentença condemnatoria a destruição dos instrumentos especialmente destinados ao commettimento d'elles, se tiverem sido encontrados, e o perdimento em favor dos offendidos, quando tenha logar, dos objectos dos mesmos crimes que tenham sido apprehendidos.
" Art. 238.° Aquelle que em causa criminal e sobre as circumstancias essenciaes do facto que é o objecto da accusação, testemunhar falso contra o accusado, será condemnado a prisão maior temporaria.
"§ 1.° Se porém o accusado foi condemnado e soffreu pena mais grave, será aquelle que assim testemunhou falso contra elle, condemnado na mesma pena.
"§ 2.° O que der o mesmo testemunho falso a favor do accusado, será condemnado a degredo temporario.
"§ 3.° Quando o crime tiver sómente pena correccional, a pena do referido testemunho falso, ou contra ou a favor do accusado, será o degredo temporario.
"§ 4.° O testemunho falso em processo preparatorio será punido com as penas immediatamente inferiores.
"§ 5.° O testemunho falso em materia civil será punido com o degredo temporario.
"Art. 240.° Em todos os casos declarados nos artigos antecedentes, se o que testemunhou falso foi subornado com dadivas ou promessas, a pena, que nos termos dos mesmos artigos lhe for applicavel, será sempre aggravada.
"§ 1.° O que se recebeu, perder-se-ha a favor do estado.
"§ 2.° O subornador será punido com as mesmas penas.
"§ 3.° A tentativa de suborno será punida em conformidade com as regras geraes da lei.
"Art. 246.° O enterramento de qualquer individuo em contravenção das leis ou regulamentos, quanto ao tempo, logar e mais formalidades prescriptas sobre inhumações, será punido com prisão correccional.
"§ unico. A mesma pena aggravada com multa será imposta ao facultativo que sem intenção criminosa passar certidão de obito de individuo que depois se reconheça que estava vivo.
"Art. 247.° Aquelle que commetter violação de tumulos ou sepulturas, praticando antes ou depois da inhumação quaesquer factos tendentes directamente a quebrantar o respeito devido á memoria dos mortos, será condemnado á pena de prisão correccional até um anno e multa correspondente.
"§ 1.° Não estão comprehendidos, na disposição d'este artigo os casos, em que, nos termos das leis ou regulamentos e em virtude da ordem da auctoridade competente, se proceda á trasladação do cadaver de um para outro tumulo ou sepultura do mesmo ou diverso cemiterio ou logar de enterramento, á beneficiação do tumulo ou sepultura, e outros similhantes.
"§ 2.° Aquelle que praticar quaesquer factos directamente tendentes a quebrantar o respeito devido á memoria do morto ou dos mortos sem violação do tumulo ou sepultura, será condemnado a prisão correccional até um anno.
"§ 3.° Se o crime previsto no paragrapho antecedente, consistir em facto que, praticado contra pessoa viva, constituisse crime previsto na ultima parte do artigo 393.°, será punido com degredo temporario. A violação de sepultura será para este effeito considerada como circumstancia aggravante do crime consummado.
"Art. 248.° Aquelle que exposer á venda, vender ou subministrar substancias venenosas ou abortivas, sem legitima auctorisação e sem as formalidades exigidas pelas respectivas leis ou regulamentos, será condemnado á pena de prisão correccional não inferior a tres mezes e multa correspondente.
"Art. 249.° A pena de prisão correccional nunca inferior á um mez e multa correspondente será imposta ao boticario ou pharmaceutico que, vendendo ou subministrando qualquer medicamento, substituir ou de qualquer modo alterar o que se achar prescripto na receita competentemente assignada, ou vender ou subministrar medicamentos deteriorados.
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"Art. 250.° O facultativo que em caso urgente recusar o auxilio da sua profissão, e bem assim aquelle que competentemente convocado ou intimado para exercer acto da sua profissão necessario, segundo a lei, para o desempenho das funcções da auctoridade publica, recusar exercel-o, será condemnado a prisão correccional de dois mezes a um anno, e multa correspondente.
"§ unico. O não comparecimento sem legitima escusa, no logar e hora para que for convocado ou intimado, será considerado como recusa para todos os effeitos do que dispõe este artigo.
"Art. 253.° Aquelle que fabricar, ou importar, ou vender, ou subministrar, ou guardar qualquer mechanismo, tendente a determinar explosão, que possa servir á destruição de pessoas ou de edificios, será condemnado na pena de quinze annos do degredo, sem prejuizo da aggravação que lhe possa competir por cumplicidade em qualquer crime d'essa natureza;
"§ 1.° Aquelle que, sem licença da auctoridade administrativa, fabricar, ou importar, ou vender, ou subministrar quaesquer armas brancas ou de fogo, e bem assim aquelle que d'ellas usar sem a mesma licença, ou sem auctorisação legal, será condemnado a prisão correccional até seis mezes, e multa correspondente.
"§ 2.° Na mesma pena serão condemnados os individuos comprehendidos no paragrapho antecedente, a quem tiver sido cassada a respectiva licença, e que, não obstante, d'ella continuem usando como se estivesse em vigor.
"§ 3.° A simples detenção na casa de residencia ou do detentor, ou em outro local, será punida com a multa de oito dias a um mez.
"§ 4.° Não se comprehendem nas disposições d'este artigo e seus paragraphos, as armas que devem ser consideradas como objectos de arte e de ornamentação.
"§ 5.° Em todos os mais casos, declarados n'este artigo e seus paragraphos, as armas serão apprehendidas e perdidas a favor do estado.
"Art. 263.° Aquelles que fizerem parte de qualquer associação formada para commetter crimes, e cuja organisação ou existencia se manifeste por convenção ou por quaesquer outros factos, serão condemnados a pena de degredo temporario, salvo se forem auctores da associação ou n'ella exercerem direcção ou commando, aos quaes será applicada a pena de prisão maior temporaria.
"§ unico. Serão punidos como cumplices, os que a estas associações ou a quaesquer divisões d'ellas fornecerem sciente e voluntariamente armas, munições, e instrumentos do crime, guarida ou logar para reunião.
"Art. 284.° Todo o juiz que proferir sentença definitiva manifestamente injusta, por favor ou por odio, será condemnado na pena fixa de suspensão dos direitos politicos por quinze annos.
"§ 1.° Se esta sentença for condemnatoria em causa criminal, a pena designada no artigo será accumulada com a de degredo temporario.
"§ 2.° Se a sentença definitiva for proferida em causa não criminal, a pena do artigo será accumulada com a de multa maior.
"§ 3.° Se a sentença não for definitiva, a pena será a de suspensão temporaria de todos os direitos politicos.
"§ 4.° A mesma pena será imposta aquelle que aconselhar uma das partes sobre o litigio que pender perante elle.
"§ 5.° As disposições d'este artigo e seus §§ 2.°, 3.° e 4.° são applicaveis a todas as auctoridades publicas que, em virtude das suas funcções, decidirem ou julgarem qualquer negocio contencioso submettido ao seu conhecimento.
"Art. 285.° Todo o empregado publico que, sendo obrigado pela natureza das suas funcções, a dar conselho ou informação á auctoridade superior, consultar ou informar dolosamente com falsidade do facto, será condemnado ás penas de demissão e prisão correccional até seis mezes.
"Art. 287.° O empregado publico que, faltando ás obrigações do seu officio, deixou dolosamente de promover o processo ou castigo dos delinquentes ou de empregar as medidas da sua competencia para impedir ou prevenir a perpetração de qualquer crime, será demittido, sem prejuizo de pena mais grave no caso de encobrimento ou cumplicidade.
"Art. 288.° Se o agente do ministerio publico proceder criminalmente contra determinada pessoa, tendo conhecimento de que as provas são falsas, será condemnado como auctor do crime de falsidade, se a falsidade da prova resultar necessariamente da falsidade do titulo que a constitue, e ás penas de demissão e de prisão correccional até seis mezes em qualquer outro caso.
"Art. 290.° Será condemnado a prisão correccional até seis mezes e multa correspondente o funccionario:
"1.° Que revelar segredo de que só tiver conhecimento ou for depositario em rasão do exercicio do seu emprego;
"2.° Que indevidamente entregar papel ou copia de papel que não devia ter publicidade e lhe esteja confiado ou exista na respectiva repartição, ou d'elle der conhecimento sem a devida auctorisação.
"§ 1.° Esta disposição é applicavel a todos aquelles que, exercendo qualquer profissão que requeira titulo e sendo em rasão d'ella depositarios de segredos que lhes confiarem, revelarem os que ao seu conhecimento vierem no exercicio do seu ministerio.
"§ 2.° As disposições precedentes entendem-se sem prejuizo da pena de injuria ou diffamação, se houver logar.
"Art. 295.° Qualquer empregado do serviço publico dos correios que supprimir, subtraír ou abrir alguma carta confiada ao mesmo serviço publico, ou para isso concorrer, será condemnado a prisão correccional e multa correspondente, salvas as penas maiores em que incorrer, se pela subtracção, suppressão ou abertura commetter algum outro crime qualificado pelas leis.
"§ 1.° Se o crime for commettido por outro qualquer funccionario publico ou agente da auctoridade, a pena de prisão designada no artigo não excederá a um anno.
"§ 2.° As disposições do artigo e do § 1.° não comprehendem os casos em que a auctoridade competente proceda, para a formação do processo criminal, ás investigações necessarias, com as formalidades prescriptas na lei.
"Art. 297.° O empregado publico que, sendo competente para requisitar ou ordenar o emprego da força publica, requisitar ou ordenar este emprego para impedir a execução de alguma lei, ou de mandado regular da justiça ou de ordem legal de alguma auctoridade publica, será condemnado a prisão correccional até um anno e multa correspondente.
"§ 1.° Se o impedimento não se consummar, mas a requisição ou ordem tiver sido seguida de algum effeito, a pena será de prisão correccional e multa correspondente.
"§ 2.° Se o impedimento se consummar, a pena será de degredo temporario, se esse impedimento não constituir crime a que por lei seja applicavel pena mais grave.
"Art. 301.° Será condemnado á pena de demissão, e alem d'isso á de degredo temporario ou á de prisão correccional, segundo a gravidade do crime:
"1.° Todo o empregado publico que se ingerir no exercicio do poder legislativo, suspendendo quaesquer leis ou arrogando-se qualquer das attribuições que exclusivamente competem ás côrtes com a sancção do rei;
"2.° O juiz que fizer regulamentos em materias attribuidas ás auctoridades administrativas ou prohibir a execução das ordens da administração;
"3.° Todo o funccionario publico que commetta o crime previsto no artigo 291.°, n.° 1.°, contra qualquer membro do poder legislativo, e bem assim o que contra essa pessoa executar a ordem a que se refere aquelle n.° 1.°, não tendo logar em caso algum n'esta hypothese a isenção estabelecida no artigo 298.°;
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"4.° A auctoridade administrativa que com quaesquer ordens ou prohibições tentar impedir ou perturbar o exercicio do poder judicial.
"Art. 302.° Será condemnado a suspensão até um anno e multa até dois annos:
"1.° O juiz que, depois de apresentado em juizo o despacho que nos termos da lei levantar conflicto positivo entre a auctoridade administrativa e judicial, não sobreestiver em todos os termos da causa, ou continuar a despachar n'ella, sem que a lei expressamente o auctorisse, depois de lhe terem sido oppostos artigos de suspeição;
"2.° A auctoridade administrativa que, depois da reclamação de qualquer das partes interessadas, decidir em materia da competencia do poder judicial, sem que a auctoridade competente tenha julgado a reclamação ou depois que a tenha julgado procedente.
"Art. 304.° Todo o empregado publico civil ou militar que, tendo recebido requisição legal da auctoridade competente para prestar a devida cooperação para a administração da justiça ou qualquer serviço publico, se recusar a prestal-a, ou sem motivo legitimo a não prestar, será condemnado a prisão correccional por dois mezes a um anno, e, alem d'isso, se do crime resultar prejuizo grave para a administração da justiça ou para o serviço publico, á pena de demissão.
"Art. 306.° Todo o empregado publico que exercer as funcções do emprego, tendo voluntariamente omittido a prestação do juramento requerido pela lei, será condemnado á multa de 2$000 réis a 10$000 réis.
"Art. 310.° Os empregados publicos, encarregados da guarda de papeis, titulos, ou outros objectos sellados por ordem da auctoridade competente, que abrirem ou romperem os sellos, serão condemnados a prisão maior temporaria.
"§ 1.° O furto com rompimento dos sellos, commettido pelos mesmos empregados publicos, será punido com degredo por quinze annos.
"2.° Se alguma outra pessoa commetter os crimes declarados n'este artigo e no § 1.°, será condemnado no primeiro caso a prisão correccional, e no segundo a degredo temporario.
"Art. 311.° Será condemnado a degredo temporario todo o empregado publico encarregado da guarda e conservação dos documentos e papeis existentes nos archivos, cartorios ou quaesquer depositos publicos, que subtrahir, supprimir, ou desencaminhar algum d'esses documentos ou papeis, ou parte de qualquer d'elles.
"§ unico. Se aos empregados de que tratam este artigo e o antecedente, se imputar unicamente e provar a negligencia, nos casos em que os crimes declarados nos mesmos artigos forem commettidos por outra pessoa, a pena da negligencia será a suspensão até seis mezes.
"Art. 312.° Todo o empregado publico que voluntariamente desencaminhar, destruir ou subtrahir quaesquer documentos ou titulos, ou parte de qualquer d'elles, cuja perda ou descaminho possa ser prejudicial a outra pessoa, ou ao estado, e que lhe tenham sido confiados em rasão do seu officio, será condemnado a degredo temporario.
"§ unico. A mesma pena será applicada no caso d'este artigo a qualquer pessoa encarregada da guarda dos documentos ou titulos n'elle referidos, pela auctoridade legitima, ou por commissão do empregado publico a quem houverem sido confiados.
"Art. 313.° Todo o empregado publico que em rasão das suas funcções tiver em seu poder dinheiro, titulos de credito, ou effeitos moveis pertencentes ao estado, ou a particulares, para guardar, despender ou administrar, ou lhes dar o destino legal, e alguma cousa d'estas furtar, maliciosamente levar, ou deixar levar ou furtar a outrem; ou applicar a uso proprio ou alheio, faltando á applicação ou entrega legal, será condemnado a prisão maior temporaria:
"l.° Se a cousa levada ou furtada exceder ao valor de 600$000 réis, quando o emprego não for sujeito a fiança ou caução ou não tenha sido ainda prestada, ou se a cousa levada ou furtada exceder a mais de 600$000 réis o valor da fiança ou caução quando tenha sido prestada;
"2.° Se igualar ou exceder ao terço da receita ou deposito, tratando-se de dinheiros ou effeitos, uma vez recebidos e depositados;
"3.° Se igualar ou exceder ao terço do producto ordinario da receita de um mez, tratando-se de receitas provenientes de entradas successivas e não sujeitas a fiança.
"§ 1° Quando o valor for inferior aos declarados n'este artigo, a pena será a de degredo temporario, a qual será sempre applicada no seu minimo, se o valor da fiança ou caução, havendo-a, exceder ou igualar o da cousa levada ou furtada.
"§ 2.° Em todos os casos enumeradas n'este artigo e paragrapho, será o réu condemnado tambem a multa de um a dois annos.
"§ 3.° Se der o dinheiro a ganho ou o emprestar ou pagar antes do vencimento, ou se, estando encarregado da arrecadação ou cobrança de alguma cousa pertencente ao estado, der espaço ou espera ao devedor, será condemnado a prisão correccional não inferior a um anno e multa correspondente.
"§ 4.° Se der ao dinheiro publico um destino para uso publico differente d'aquelle para que era destinado, será suspenso até seis mezes e condemnado em multa de 60$000 réis.
"§ 5.° As disposições d'este artigo e seus paragraphos, comprehendem quaesquer pessoas que pela auctoridade legitima forem constituidas depositarios, cobradores ou recebedores, relativamente ás cousas de que forem depositarios publicos, cobradores ou recebedores.
"Art. 3l5.° Todo o empregado publico que sem auctorisação legal impozer arbitrariamente uma contribuição, receber por si ou por outrem qualquer importancia d'ella com destino ao serviço publico; e bem assim todo o empregado publico encarregado da cobrança ou arrecadação de impostos, rendas, dinheiro ou qualquer cousa pertencente ao estado ou a estabelecimentos publicos, que receber com o mesmo destino o que não for devido ou mais do que for devido, sendo d'isso sabedor, será punido com a suspensão de um a tres annos e multa correspondente.
"§ 1.° Os propostos ou encarregados da cobrança por commissão dos empregados publicos, de que trata este artigo, se commetterem o crime enunciado no mesmo artigo, serão punidos com a multa de um a dois annos.
"§ 2.° Se as cousas indevidamente recebidas, cobradas ou arrecadadas, forem convertidas pelo criminoso em seu proprio proveito, serão impostas, em attenção ao valor d'essas cousas, as penas do artigo 313.° e § l.°
"Art. 319.° Os juizes e jurados que forem corrompidos para julgarem ou ordenarem, ou pronunciarem em materia criminal, a favor ou contra alguma pessoa, antes ou depois da accusação, serão condemnados a degredo por quinze annos, e multa de 1:000$000 réis distribuida por todos os co réus.
"Art. 331.° Em qualquer dos casos em que se verifique o crime de carcere privado, a pena será a de prisão maior temporaria e o maximo da multa, verificando-se alguns dos seguintes requisitos:
"1.° Se o criminoso commetter o crime simulando por qualquer modo auctoridade publica;
"2.° Se o crime tiver sido acompanhado de ameaças de morte ou de tortura ou qualquer outra offensa corporal a que não corresponda pena mais grave.
"Art. 341.° Será punida com degredo temporario e multa a falsa declaração dos paes de um infante, feita ou com consentimento ou sem consentimento d'elles, perante a auctoridade competente e com o fim de prejudicar os direitos de alguem, e bem assim falsa declaração feita perante a
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mesma auctoridade é com o mesmo fim do nascimento e morte de um infante que nunca existiu.
"Art. 344.° Aquelle que occultar ou fizer occultar, ou trocar ou fizer trocar por outro, ou desencaminhar ou fizer desencaminhar um menor de sete annos, será condemnado a prisão maior temporaria.
"§ 1.° Se for maior de sete annos e menor de dezoito, será condemnado a degredo temporario, salvas as penas maiores de carcere privado, se houverem logar.
"§ 2.° Em todos os casos até aqui enunciados n'esta secção, aquelle que não mostrar onde existe o menor será condemnado a degredo por vinte e cinco annos.
"§ 3.° O que, achando-se encarregado da pessoa de um menor, não o apresentar aos que têem direito de o reclamar, nem justificar o seu desapparecimento, será condemnado a degredo temporario, salvo se estiver incurso na disposição do artigo.
"Art. 345.° Aquelle que expozer ou abandonar algum menor de sete annos em qualquer logar que não seja o estabelecimento publico, destinado á recepção dos expostos, será condemnado na pena de prisão correccional e multa correspondente.
"§ 1.° Se a exposição ou abandono for em logar ermo, será condemnado a prisão maior temporaria.
"§ 2.° Se este crime for commettido pelo pae ou mãe legitimos, ou tutor ou pessoa encarregada da guarda ou educação do mener, será aggravada a pena com o maximo da multa.
"§ 3.° Se com a exposição ou abandono, se poz em perigo a vida do menor, ou se resultou lesão ou morte, a pena será o maximo da prisão maior temporaria.
"Art. 352.° A premeditação consiste no designio, formado ao menos vinte e quatro horas antes da acção, de attentar contra a pessoa do um individuo determinado, ou mesmo d'aquelle que for achado ou encontrado, ainda que este designio seja dependente de alguma circumstancia ou de alguma condição; ou ainda que depois na execução do crime haja erro ou engano a respeito d'essa pessoa.
"Art. 359.° Aquelle que voluntariamente com alguma offensa corporal maltratar alguma pessoa, não concorrendo qualquer das circumstancias enunciadas nos artigos seguintes, será condemnado a prisão correccional até tres mezes.
"Art. 360.° A offensa corporal voluntaria de que resultar, como effeito necessario da mesma offensa, doença ou impossibilidade do trabalho profissional ou de qualquer outro, será punida:
"1.° Se a doença ou impossibilidade de trabalho não durar por mais de dez dias, com prisão correccional até seis mezes e multa até um mez;
2.° Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de dez dias, sem exceder a vinte, ou produzir deformidade pouco notavel, com prisão correccional até um anno e multa até dois mezes;
"3.° Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de vinte dias, sem exceder a trinta, ou produzir deformidade notavel, com prisão correccional e multa;
"4.° Se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de trinta dias, com prisão correccional nunca inferior a dezoito mezes e multa nunca inferior a um anno;
"5.° Se da offensa resultar cortamento, privação, aleijão ou inhabilitação de algum membro ou orgão do corpo, com a pena de degredo temporario.
"Art. 361.° Se por effeito necessario da offensa ficar o offendido privado da rasão ou impossibilitado por toda a vida de trabalhar, a pena será de prisão maior temporaria.
"§ unico. A mesma pena aggravada será applicada, se a offensa corporal for commettida voluntariamente, mas sem intenção de matar, e comtudo occasionar a morte.
"Art. 363.° O tiro de arma de fogo, o emprego de arma de arremesso contra alguma pessoa, posto que qualquer d'estes factos não seja classificado como tentativa de homicidio, nem d'elle resulte ferimento ou contusão, e bem assim a ameaça com qualquer das ditas armas em disposição de offender, ou feita por uma reunião de tres ou mais individuos em disposição de causar mal immediato, consideram-se offensa corporal e são punidos:
"l.° O tiro de arma de fogo ou o emprego de qualquer arma de arremesso, com prisão correccional até seis mezes;
"2.° A ameaça com arma de fogo ou com qualquer arma de arremesso, em disposição de offender, ou feita por tres ou mais individuos em disposição de causar mal immediato, com prisão correccional até tres mezes.
"Art. 365.° Se qualquer dos crimes declarados nos artigos antecedentes d'esta secção for commettido contra o pae ou mãe, legitimos ou naturaes, ou contra algum dos ascendentes legitimos, o réu será condemnado:
"1.° Se a pena do crime for a de prisão correccional por tempo não excedente a tres mezes, a prisão correccional nunca inferior a um anno;
"2.° A degredo temporario em todos os demais casos, em que a pena do crime seja de prisão correccional;
"3.° Se a pena do crime for a de degredo temporario, a mesma pena aggravada e nunca inferior a seis annos;
4.° Se a pena do crime for a de prisão maior temporaria, a mesma pena aggravada e nunca inferior a seis annos ou a degredo por quinze annos segundo a gravidade do damno causado.
"Art. 366.°Se alguem commetter o crime de castração amputando a outrem qualquer orgão necessario á geração, será condemnado a prisão maior temporaria.
"§ unico. Se resultar a morte do offendido dentro de quarenta dias depois do crime por effeito das lesões produzidas, a pena será de degredo por vinte e cinco annos;
"Art. 379.° Aquelle que, por escripto assignado ou annonymo ou verbalmente, ameaçar outrem de lhe fazer algum mal que constitua crime, quer lhe imponha, quer não, qualquer ordem ou condição, será condemnado a prisão correccional até tres mezes e multa até um mez.
§ unico. Aquelle que por qualquer meio ameaçar ou intimidar outrem para o constranger a fazer ou deixar de fazer alguma cousa a que por lei não é obrigado, será condemnado a prisão até dois mezes, se não estiver incurso na disposição d'este artigo, nem ao meio empregado corresponder pena mais grave por disposição especial.
"Art. 380.° Aquelle que fóra dos casos em que a lei o permitte, se introduzir na casa de habitação de alguma pessoa, contra vontade d'ella, será, condemnado a prisão correccional até seis mezes.
"§ 1.° Se houver violencia ou ameaça ou se tiver empregado escalamento, arrombamento ou chaves falsas, a pena será de prisão correccional.
"§ 2.° No caso do paragrapho antecedente é sempre punivel a tentativa segundo as regras geraes.
"§ 3.° Aquelle que, fóra dos casos em que a lei o permitte, persistir em ficar na casa de habitação de alguma pessoa contra a vontade d'ella, não tendo commettido o crime enunciado n'este artigo e § 1.°, será condemnado a prisão correccional até tres mezes, não havendo violencia ou ameaça, e até seis mezes no caso contrario.
"Art. 390.° O ultrage publico ao pudor, commettido por acção, ou a publicidade resulte do logar ou de outras circumstancias de que o crime for acompanhado, e posto que não haja offensa individual da honestidade de alguma pessoa, será punido com prisão até seis mezes e multa até um mez.
"Art. 391.° Todo o attentado contra o pudor de uma pessoa de um ou outro sexo, que for commettido com violencia, quer seja para satisfazer paixões lascivas, quer seja
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por outro qualquer motivo, será punido com prisão correccional.
"§ unico. Se a pessoa offendida for menor de doze annos, a pena será em todo o caso a mesma, posto que não se prove violencia.
"Art. 392.° Aquelle que, por meio de seducção, estuprar mulher virgem, maior de doze e menor de dezoito annos, terá a pena de degredo temporario.
"Art. 393.° Aquelle que tiver copula illicita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violencia physica, de vehemente intimidação, ou de qualquer fraude que não constitua seducção, ou achando-se a mulher privada do uso da rasão, ou dos sentidos, commette o crime de violação e terá a pena de prisão maior temporaria.
"Art. 394.° Aquelle que violar menor de doze annos, posto que não se prove nenhuma das circumstancias declaradas no artigo antecedente, será condemnado a degredo por quinze annos.
"Art. 395.° O rapto de qualquer mulher com fim deshonesto, por meio de violencia physica, de vehemente intimidação ou de qualquer fraude que não constitua seducção, ou achando-se a mulher privada do uso da rasão ou dos sentidos, será punido como attentado ao pudor com violencia, se não se consummou o estupro ou violação; e será considerado como circumstancia aggravante do crime consummado.
"§ 1.° O rapto de menor de doze annos com fim deshonesto considera-se sempre como violento.
"§ 2.° Se por crime de carcere privado ou de outro se deverem impor ao criminoso penas mais graves, serão estas applicadas.
"Art. 396.° Será considerado como circumstancia aggravante do estupro o rapto de qualquer mulher virgem maior de doze e menor de dezoito annos, da casa ou logar em que com a de vida auctorisação ella estiver, que for commettido com o seu consentimento; se o estupro, porém, se não consummar, será punido o rapto por seducção com prisão correccional até um anno;
"Art. 398.° Nos crimes de que trata esta secção, as penas serão substituidas pelas immediatamente superiores, se o criminoso for:
"l.° Ascendente ou irmão da pessoa offendida;
"2.° Se for tutor; curador ou mestre d'essa pessoa, ou por qualquer titulo tiver auctoridade sobre ella; ou for encarregado da sua educação, direcção ou guarda; ou for ecclesiastico ou ministro de qualquer culto, ou empregado publico de cujas funcções dependa negocio ou pretensão da pessoa offendida;
"3.° Se for creado ou domestico da pessoa offendida ou da sua familia, ou, em rasão de profissão que exija titulo, tiver influencia sobre a mesma pessoa offendida;
"4.° Se tiver communicado á pessoa offendida affecção syphilitica ou veneria.
"Art. 399.° Nos crimes previstos nas secções l.º e 2.º do presente capitulo, não tem logar o procedimento criminal sem previa denuncia do offendido, ou de seus paes, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores, salvo nos casos seguintes:
"l.° Se a pessoa offendida for menor de doze annos;
"2.° Se foi commettida alguma violencia qualificada pela lei como crime cuja accusação não dependa da denuncia ou da accusação da parte;
"3.° Sendo pessoa miseravel ou achando-se a cargo de estabelecimento de beneficencia.
"§ unico. Depois de dada a denuncia e instaurado o processo criminal, o perdão ou desistencia da parte não susta o procedimento criminal.
"Art. 400.° Nos casos de estupro e nos de violação de mulher virgem, o criminoso será obrigado a dotar a mulher offendida.
"§ unico. Em qualquer dos casos a que se refere este artigo e em todos os outros casos previstos nas secções 1.ª e 2.ª do presente capitulo, cessará todo o procedimento ou toda a pena, quando o criminoso casar com a mulher offendida.
"Art. 407.° Se alguem diffamar outrem publicamente, de viva voz, por escripto ou desenho publicado ou por qualquer meio de publicação, imputando-lhe um facto offensivo da sua honra e consideração, ou reproduzindo a imputação, será condemnado a prisão correccional até quatro mezes e multa até um mez.
"Art. 408.° Não é admissivel prova alguma sobre a verdade dos factos imputados, salvo nos dois casos seguintes:
"1.° Quando os factos imputados aos empregados publicos por elles responsaveis, forem relativos ás suas funcções;
"2.° Quando for imputado a pessoa particular ou em pregado publico fóra do exercicio das suas funcções um facto criminoso sobre que houver condemnação ainda não cumprida, ou accusação pendente em juizo; mas em um e outro caso será unicamente admissivel a prova resultante da sentença em juizo criminal passada em julgado. No caso de a accusação estar pendente em juizo, sobreestar-se-ha no processo por diffamação até final decisão sobre o facto criminoso.
"§ unico. Para os effeitos unicamente do disposto n'este artigo, são equiparados aos empregados publicos os membros responsaveis de qualquer corporação, que exerça auctoridade publica.
"Art. 409.° Se em qualquer dos casos declarados no artigo antecedente o accusado provar a verdade dos factos imputados nos termos ahi prescriptos, será isento de pena. Se não provar a verdade das imputações, será punido como calumniador com prisão correccional até um anno e multa correspondente.
"Art. 410.° O crime de injuria, não se imputando facto algum determinado, se for commettido contra qualquer pessoa publicamente, por gestos, de viva voz, ou por desenho ou escripto publicado, ou por qualquer meio de publicação, será punido com prisão correccional até dois mezes e multa até um mez.
§ unico. Na accusação por injuria não se admitte prova sobre a verdade de facto algum a que a injuria se possa referir.
"Art. 411.° Se os crimes declarados nos artigos 407.° e 410.° forem commettidos contra corporação que exerça auctoridade publica, a pena será a de prisão correccional até seis mezes no primeiro caso, e a do artigo 407.° no segundo caso.
§ unico. Se forem commettidos contra alguma das camaras legislativas, a pena será a de prisão correccional até seis mezes e multa até um mez.
"Art. 412.° Se nos crimes previstos nos artigos antecedentes não houver publicidade, a pena será a de multa até dois mezes.
"Art. 413.° Se alguma offensa corporal for publicamente commettida contra qualquer pessoa com intenção de a injuriar, será punida com a pena da diffamação, commettida com circumstancias aggravantes, salvo se á offensa corresponder pena mais grave, que n'este caso será applicada como se no crime concorressem tambem circumstancias aggravantes.
"Art. 414.° A pena da diffamação será applicada áquelle que maliciosamente commetter algum facto offensivo da consideração devida á auctoridade publica com o fim de injuriar, salvo quando a offensa tiver pela lei pena mais grave, que n'este caso será applicada como se no crime concorressem circumstancias aggravantes.
"Art. 418.° Será isento de pena aquelle que em juizo der explicação satisfactoria da diffamação ou injuria de que for accusado, se o offendido acceitar essa satisfação.
"Art. 420.° O ultrage á moral publica, commettido publicamente por palavras, será punido com a prisão até tres mezes e multa até um mez.
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"§ unico. Se for commettido este crime por escripto ou desenho publicado, ou por outro qualquer meio de publicação, a pena será a de prisão até seis mezes e multa até um mez."
"Art. 421.° Aquelle que commetter o crime de furto, subtrahindo fraudulentamente uma cousa que lhe não pertença, será condemnado:
"1.° A prisão até seis mezes e multa até um mez, se o valor da cousa furtada não exceder a 10$000 réis;
"2.° A prisão até um anno e multa até dois mezes se exceder a esta quantia e não for superior a 40$000 réis;
"3.° A prisão correccional até dois annos e multa até seis mezes, se exceder a 40$000 réis e não for superior a 100$000 réis;"
"4.° A degredo temporario com multa até um anno, se exceder a 100$000 reis.
"§ 1.° A tentativa de furto será sempre punida.
"§ 2.° A segunda reincidencia será punida com prisão correccional e multa correspondente, se a pena applicavel for a do n.° 1.° do presente artigo, com degredo temporario se for alguma das designadas nos n.ºs 2.° e 3.°, a degredo por quinze annos se for a do n.° 4.°
"Art.º422.° As penas de furto serão impostas ao que fraudulentamente subtrahir uma cousa que lhe pertença, estando ella em penhor ou deposito em poder de alguem, ou a destruir ou desencaminhar estando penhorada ou depositada em seu poder por mandado de justiça.
"Art. 423.° Aquelles que, tendo achado algum objecto pertencente a outrem, deixarem fraudulentamente de o entregar a seu dono, ou de praticar as diligencias que a lei prescreve, quando se ignora o dono da cousa achada, serão condemnados ás penas de furto, mas attenuadas.
"Art. 424.° Aquelle que furtar algum processo ou parte d'elle, livro de registo ou parte d'elle, ou qualquer documento, será punido com degredo temporario e multa até um anno.
"§ 1.° A mesma disposição se applica ao que subtrahir um titulo, ou documento ou peça do processo, que tiver produzido em juizo em qualquer causa.
"§ 2.° Se o processo for criminal e n'elle se tratar de crime a que a lei imponha alguma das penas maiores, será punido o furto com o degredo temporario e multa até um anno; e se a pena não for alguma das penas maiores, será punido o furto com a prisão até dois annos e multa até tres mezes.
"§ 3.° Se o furto for de papeis ou quaesquer objectos depositados em depositos publicos ou estabelecimentos encarregados pela lei de guardar estes objectos, será aggravada a pena segundo as regras geraes.
"§ 4.° As disposições d'este artigo e seus paragraphos serão applicadas ao que desencaminhar ou destruir os referidos papeis ou objectos.
"Art. 425.° Serão punidos com degredo temporario e multa até um anno, quando o furto exceder a 40$000 réis:
"1.° Os creados que furtarem alguma cousa pertencente a seus amos;
"2.° Os creados que furtarem alguma cousa pertencente a qualquer pessoa na casa de seus amos, ou na casa em que os acompanharem ao tempo do furto;
"3.° Qualquer servidor assalariado ou qualquer individuo, trabalhando habitualmente na habitação, officina ou estabelecimento em que commetter o furto;
"4.° Os estalajadeiros ou quaesquer pessoas que recolhem e agasalham outros por dinheiro ou seus propostos, os barqueiros, os recoveiros, ou quaesquer conductores ou seus propostos, que furtarem todo ou parte do que por este titulo lhes era confiado.
"§ 1.° Quando o valor do furto não exceder a 40$000 réis nem for inferior a 10$000 réisa pena será de prisão até dois annos e multa até seis mezes.
"§ 2.° Quando o valor do furto for inferior a 10$000 réis, a pena será de prisão até um anno e multa até um mez.
"§ 3.° No caso de furto de objectos confiados para transporte, se estes se alterarem com substancias prejudiciaes á saude, será tambem imposta a prisão no logar do degredo, pelo tempo que parecer aos juizes.
"Art. 426.° O furto será punido nos termos dos artigos seguintes, quando for qualificado, segundo as regras n'elles estabelecidas, pelo concurso de alguma ou algumas das seguintes circumstancias:
"1.° Trazendo o criminoso ou algum dos criminosos no momento do crime armas apparentes ou occultas;
"2.° Sendo commettido de noite ou em logar ermo;
"3.° Por duas ou mais pessoas;
"4.° Em casa habitada ou destinada a habitação, em edificio publico ou destinado ao culto religioso, ou em cemiterio;
"5.° Na estrada ou caminho publico, sendo de objectos que n'elle forem transportados;
"6.° Com usurpação de titulo, ou uniforme, ou insignia de algum empregado publico, civil ou militar, ou allegando ordem falsa de qualquer auctoridade publica;
"7.° Com arrombamento, escalamento ou chaves falsas, em casa não habitada.
"Art. 427.° Quando o furto for commettido com qualquer das circumstancias declaradas nos n.os 6.° e 7.° do artigo antecedente, será punido com a pena do n.° 2.° do artigo 421.°, se o valor da cousa furtada for o declarado no n.° 1.° do mesmo artigo;
"Com a do n.º 3.°, se for a do n.° 2.°;
"Com a do n.° 4.°, se for a do n.° 3.°;
"Com a do n.° 4.°, aggravada, se for a do mesmo n.° 4.°
"Art. 428.° O furto commettido de noite, em casa habitada, ou destinada a habitação, ou em edificio publico ou destinado ao culto religioso ou em cemiterio, ou em estrada ou caminho publico, sendo de objectos que por elle forem transportados, se for acompanhado de qualquer das outras circumstancias enumeradas no artigo 426.°, será punido:
"Com a pena do n.° 3.º do artigo 421.°, se o valor da cousa furtada for o declarado no n.° 1.° do mesmo artigo:
"Com a do n.° 4.°, se for o declarado no n.° 2.°;
"Com a do n.° 4.°, aggravada e nunca inferior a cinco annos, se for o do n.° 3.°;
"Com o maximo do degredo temporario, se for o do n.º 4.º
" § unico. São applicaveis as disposições d'este artigo ao furto commettido por duas ou mais pessoas, com o concurso de duas ou mais das restantes circumstancias enumeradas no artigo 426.°
"Art. 430.° Em todos os casos declarados n'esta secção, não excedendo o furto a quantia de 500 réis, nem sendo habitual, só terá logar a pena, queixando-se o offendido.
"1.º O que entrar em terreno alheio para colher fructos e comel-os no mesmo logar, será punido, queixando-se o offendido, com a pena de reprehensão.
" § 2.° O que do mesmo modo entrar em terreno alheio para rebuscar ou respigar, não estando ainda recolhidos os fructos, será preso até seis dias, queixando-se o offendido.
"§ 3.° Nos casos dos dois paragraphos antecedentes, a pena será de prisão correccional, se for segunda reincidencia ou se forem habituaes os crimes ahi declarados.
"Art. 431.° A acção criminal de furto não tem logar pelas subtracções commettidas:
" 1.° Pelo conjuge em prejuizo do outro, salvo havendo separação judicial de pessoas e bens;
"2.° Pelo ascendente em prejuizo do descendente.
"§ 1.° Outra qualquer pessoa que n'estes casos participar no facto, fica sujeita á responsabilidade penal, segundo a natureza da participação.
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" § 2.° A acção da justiça não tem logar sem queixa do offendido, sendo o furto praticado pelo criminoso contra seus ascendentes, irmãos, cunhados, sogros ou genros, padrastos, madrastas ou enteados, tutores ou mestres, cessando o procedimento logo que os prejudicados o requererem.
" Art. 432.° É qualificada como roubo a subtracção da cousa alheia que se commette com violencia ou ameaça contra as pessoas.
" § unico. A entrada em casa habitada com arrombamento, escalamento ou chaves falsas é considerada como violencia contra as pessoas, se ellas effectivamente estavam dentro n'essa occasião.
" Art. 434.° A pena de degredo por vinte annos será applicada quando o roubo for commettido, concorrendo crime de careere privado ou o de violação, ou alguma das offensas corporaes declaradas no artigo 361.° e seu paragrapho.
" § 1.° Quando o roubo for commettido em logar ermo por duas ou mais pessoas, trazendo armas apparentes ou occultas, qualquer dos criminosos, se da violencia resultou ferimento ou contusão, ou vestigio de qualquer soffrimento, será punido, segundo a gravidade dos resultados da violencia, com prisão maior temporaria nunca inferior a oito annos ou com degredo por quinze annos.
" § 2.° As tentativas de roubo, nos casos previstos n'este artigo e § 1.°, serão punidas como o crime consummado com circumstancias attenuantes.
" Art. 435.° A pena de prisão maior temporaria será applicada:
"1.° Quando o roubo for commettido por uma pessoa só com armas em logar ermo;
"2.° Quando o roubo for commettido por duas ou mais pessoas fóra dos casos declarados na artigo antecedente e seu § 1.°
"Art. 436.° O co-réu, que tiver convocado ou seduzido os outros ou dado instrucções para o roubo ou dirigido a sua execução, será condemnado:
"1.° No caso do artigo 433.°, á pena fixa de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar do degredo por oito a dez annos, no maximo da sua aggravação;
"2.° No caso do artigo 434.° á pena fixa de degredo por vinte e cinco annos, mas aggravada;
"No caso do § 1.° do artigo 434.°, a uma das penas fixas de degredo por quinze ou vinte annos, segundo a gravidade dos resultados da violencia;
"No caso do § 2.° do artigo 434.°, ás penas do crime consummado;
"No caso do n.° 2.° do artigo 435.°, a prisão maior temporaria nunca inferior a oito annos.
"Art. 437.° Fóra dos casos declarados nos artigos antecedentes d'esta secção, o roubo será punido com degredo temporario e multa até um anno.
"Art. 438.° É extensiva aos crimes de roubo a disposição do artigo 431.° e seus numeros e paragraphos, na parte applicavel.
"Art. 441.° Se as cousas furtadas ou roubadas em edificio destinado ao culto, ou em acto religioso, forem objectos sagrados, serão applicadas as penas respectivas de furto ou de roubo no maximo da sua aggravação.
"Art. 443.° Quando não houver logar a pena mais grave pelo crime commettido, será condemnado:
"1.° A prisão até tres mezes e multa até um mez aquelle a quem for achada gazua ou outro artificio para abrir quaesquer fechaduras;
"2.° A prisão correccional até um anno e multa até dois mezes, aquelle que, em prejuizo de alguem, tiver feito uso d'essa gazua ou artificio.
"Art. 444.° Aquelle que fizer gazuas ou os referidos artificios, taes como falsificar ou alterar chaves, será condemnado a prisão correccional nunca inferior a um anno e a multa até seis mezes.
"§ unico. Se for ferreiro de profissão soffrerá o maximo da prisão correccional e a multa de seis mezes.
"Art. 450.° Será punido com prisão correccional por mais de seis mezes, podendo ser aggravada com a multa, e com suspensão dos direitos politicos por dois annos, segundo as circumstancias:
"1.° O que, fingindo-se senhor de uma cousa, a alhear, arrendar, gravar ou empenhar;
"2.° O que vender uma cousa duas vezes a differentes pessoas, ou seja mobiliaria ou immobiliaria a cousa vendida;
"3.° O que especialmente hypothecar uma cousa a duas pessoas, não sendo desobrigado do primeiro credor, ou não sendo bastante, ao tempo da segunda hypotheca especial, para satisfazer a ambas, havendo proposito fraudulento;
"4.° O que, de qualquer modo, alhear como livre uma cousa especialmente obrigada a outrem, encobrindo maliciosamente a obrigação.
"Art. 45l.° Será punido com as penas de furto, segundo o valor da cousa furtada ou do prejuizo causado, aquelle que defraudar a outrem, fazendo que se lhe entregue dinheiro ou moveis, ou quaesquer fundos ou titulos, por algum dos seguintes meios:
"1.° Usando de falso nome ou de falsa qualidade;
"2.° Empregando alguma falsificação de escripto;
"3.° Empregando artificio fraudulento para persuadir a existencia de alguma falsa empreza, ou de bens, ou de credito, ou de poder suppostos, ou para produzir a esperança de qualquer accidente.
"§ unico. A pena mais grave de falsidade, se houver logar, será applicada.
"Art. 452.º Aquelle que por meio de ameaça verbal ou escripta de fazer revelações ou imputações injuriosas ou diffamatorias, ou a pretexto de as não fazer, extorquir a outrem valores, ou coagir a escrever, assignar, entregar, destruir e falsificar, ou por qualquer modo inutilisar escripto ou titulo que constitua, produza ou prove obrigação ou quitação, será condemnado ás penas do furto, aggravadas, mas só terá logar o procedimento criminal havendo queixa previa do offendido.
§ 1.° Se os valores não foram extorquidos, nem o titulo ou escripto foi assignado, entregue, escripto, destruido, falsificado, ou por qualquer modo inutilisado, a pena será a do § unico do artigo 379.°
§ 2.° Aquelle que com o pretexto do credito, ou influencia sua ou alheia para com alguma auctoridade publica, receber de outrem alguma cousa, ou acceitar promessa pelo despacho de qualquer negocio ou pretensão, e bem assim o que receber de outrem alguma cousa, ou acceitar promessa com o pretexto de remuneração ou presente a algum empregado publico, será punido com o maximo da prisão correccional e a multa até um anno, sem prejuizo da acção que compete ao empregado publico pelo crime da injuria.
"Art. 453.° Aquelle que desencaminhar ou dissipar, em prejuizo de proprietario, ou possuidor ou detentor, dinheiro ou cousa movel, ou titulos ou quaesquer escriptos que lhe tenham sido entregues por deposito, locação, mandato, commissão, administração, commodato, ou que haja recebido para um trabalho, ou para uso ou emprego determinado, ou por qualquer outro titulo que produza obrigação de restituir ou apresentar a mesma cousa recebida ou um valor equivalente, será condemnado ás penas de furto.
"Art. 454.° Aquelle que abusar da impericia, necessidades ou paixões de menor não emancipado, ou de individuo interdicto, em rasão de affecção mental ou de prodigalidade, levando-o a contrahir em seu prejuizo obrigação verbal ou escripta ou a subscrever desobrigação ou transmissão de direitos, por emprestimo de dinheiro ou de bens mobiliarios, ainda que debaixo de outra fórma se encubra o emprestimo, será condemnado a prisão correccional e multa correspondente.
"Art. 461.° Aquelle que maliciosamente abrir alguma
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carta ou papel fechado de outra pessoa, será condemnado a prisão até um anno e multa até tres mezes, se tomar conhecimento dos seus segredos e os revelar, a prisão até seis mezes se os não revelar e a prisão até tres mezes se nem os revelar, nem d'elles tomar conhecimento, tudo sem prejuizo das penas de furto, se houverem logar.
"§ 1.° A disposição d'este artigo não é applicavel aos maridos, paes e tutores, emquanto ás cartas ou papeis de suas mulheres, filhos ou menores que se acharem debaixo da sua auctoridade.
"§ 2.° Se o criminoso for creado, feitor ou qualquer outra pessoa habitualmente empregada no serviço da pessoa offendida, será a prisão pelo maximo do tempo mencionado n'este artigo.
"§ 3.º Se as cartas ou papeis abertos forem pertencentes ao serviço publico e emanados de alguma auctoridade publica ou a ella dirigidos, ou instrumentos ou autos judiciaes, a pena será a de prisão correccional e multa, nunca inferiores a um anno.
"Art. 466.° Será condemnado a degredo por vinte e cinco annos aquelle que voluntariamente pozer fogo e por este meio destruir em todo ou em parte:
"1.° Fortificação, arsenal, armazem, archivo, fabrica, embarcação pertencentes ao estado, ou edificio, ou qualquer logar contendo ou destinado a conter cousas pertencentes ao estado;
"2.° Edificio ou qualquer logar habitado;
"3.° Edificio destinado legalmente á reunião de cidadãos;
"4.º Edificio destinado á habitação dentro de povoado, posto que não habitualmente habitado.
"§ unico. Para os effeitos do disposto n'este artigo n.° 2.° considera-se logar habitado nos comboios em movimento ou por occasião de entrarem em movimento para transportar passageiros, qualquer dos carros do mesmo comboio, ainda que os passageiros não vão no mesmo carro.
"Art. 467.° A pena será a de degredo por quinze annos, se o objecto do crime for:
"1.° Embarcação, armazem ou qualquer edificio, dentro ou fóra do povoado, não habitados nem destinados a habitação;
"2.° Seara, floresta, mata ou arvoredo.
"Art. 474.° As regras estabelecidas nos artigos antecedentes serão applicadas nos casos de submersão ou varação de embarcação, explosão de mina ou de machina de vapor ou agente de igual poder.
"Art. 475.° Aquelle que por qualquer meio derrubar ou destruir voluntariamente, no todo ou em parte, edificação ou qualquer construcção concluida ou sómente começada, pertencente a outrem ou ao estado, será condemnado:
"1.° A prisão correccional até dois annos e multa até seis mezes, se o valor do prejuizo exceder a 100$000 réis;
"2.° A prisão até um anno com multa até tres mezes, se não exceder esta quantia, mas for superior a 40$000 reis;
"3.° A prisão até seis mezes e multa até um mez, se exceder a 10$000 réis, não sendo superior a 40$000 réis;
"4.° A prisão até tres mezes e multa até quinze dias, se não exceder a 10$000 réis;
"§ 1.° Se o valor do damno não exceder a 500 réis, só terá logar a pena, havendo queixa em juizo do offendido.
"§ 2.° A segunda reincidencia será punida no caso do n.° 4.° com a pena do n.° 3.°, no do n.° 3.° com a do n.° 2.°, no do n.° 2.° com a do n.° 1.°, no do n.º 1.° com a de degredo temporario.
"§ 3.° Aquelle que voluntariamente destruir ou desarranjar em todo ou em parte qualquer via ferrea, ou collocar sobre ella algum objecto que embarece a circulação ou que tenha por fim fazer saír o comboio dos carris, será condemnado a degredo temporario.
"§ 4.° Se de qualquer dos factos indicados no paragrapho antecedente resultar a morte de algum pessoa, a pena será a de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar de degredo por oito a dez annos, aggravada; se resultar alguma das offensas corporaes especificadas no artigo 361.°, a pena será a de degredo por vinte annos; se for alguma das designadas no artigo 360.°, a pena será a de degredo temporario nunca inferior a seis annos.
"§ 5.° A destruição do telegrapho, posto ou linha telegraphica ou telephonica, a destruição ou córte de fios, postes ou apparelhos telegraphicos ou telephonicos, ou a opposição com violencia ou ameaça ao seu restabelecimento, será punida com prisão correccional e multa.
"Art. 484.º Fóra dos casos especificados n'este capitulo, todos os damnos causados voluntariamente em propriedade alheia movel, immovel ou semovente, serão punidos com prisão até seis mezes e multa até um mez.
"§ unico. Não concorrendo circumstancia aggravante, a pena será de multa até um mez, a qual será imposta accusando o offendido, e salva a pena de contravenção se houver logar."
Palacio das côrtes, em 3 de maio de 1884. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Luiz Antonio Gonçalves de Freitas, deputado vice-secretario.
O sr. Conde de Gouveia (sobre a ordem): - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.
Foi a imprimir.
Q sr. Mexia Salema: - Sr. presidente, não pense v. exa. e a camara que me levanto para impugnar o projecto em discussão. O meu fim não é esse, é simplesmente, em poucas e breves palavras, fazer uma declaração na camara a respeito d'elle.
Logo que este projecto de reforma penal veiu da camara dos senhores deputados da nação, foi sem demora submettido ao exame da commissão de legislação a que tenho a honra de pertencer. Fui eu ali na sessão de segunda feira passada, o primeiro de meus dignos collegas a reconhecer a importancia do trabalho de que nos occupavamos, e que o reputava um grande serviço publico, pelo qual devia ter gloria e desvanecimento o nobre ministro da justiça, porque em tão pouco tempo como aquelle em que exerce esse cargo, é para admirar, que emprehendesse trabalho de tanto alcance, tendo de occupar-se tambem dos muitos que são forçados encargos do mesmo logar.
Mas manifestei logo que tão momentoso assumpto era impossivel discutir-se e votar-se de uma assentada, para que a lei saísse com a maxima perfeição, tanto como o permittia a natureza humana.
Disse que eu pela minha parte não tinha tido tempo para estudar senão muito por alto as disposições d'este largo e valioso trabalho, e que por isso pedia que se marcassem algumas sessões para ser discutido com todo o cuidado que merecia.
Ponderei já então que no projecto achava disposições de grande interesse e conveniencia publica, mas, a par d'ellas, havia outras que precisavam de ser corrigidas para que a lei, em meu entender, fique perfeita.
Ha, na realidade, n'elle disposições que, redigidas como estão, podem offerecer difficuldades na pratica pela falta de clareza e diversidade de expressões usadas em varios artigos.
Ha algumas disposições geraes que me não parecem muito conformes com os principios da rasão. E ha outras, em relação apenas tão modificadas, que me parece não attingem o fim que se tem em vista com o castigo dos criminosos.
Desde o momento, porém, que eu, com os meus collegas da commissão, e pelas declarações feitas pelo illustre ministro da justiça, me convenci de que este trabalho ficaria inteiramente perdido, caso não fosse discutido e votado n'esta sessão, pois que o governo não tinha tenção de pro-
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por ao poder moderadora prorogação das camaras, deliberei-me a approvar o projecto por não querer em taes circumstancias concorrer para se inutilisar um trabalho que julgo conveniente e bom, não obstante essas disposições que não estão conformes com as minhas idéas ou não me satisfazem.
Disse, porém, logo por essa occasião no seio da commissão que, votando assim o projecto, queria salvar-me de responsabilidade e assignaria com declarações, para depois dar explicação n'esta camara.
Por este meio tive em vista que aquelles que entendem d'estas materias, juizes ou advogados, na applicação da lei não me impozessem a responsabilidade que mais devo ter que outros, como juiz do supremo tribunal de justiça, que tenho a honra de ser, e membro da commissão de legislação d'esta camara, de não ter conseguido que saísse melhor a lei discutindo-se.
Se ha no projecto, como já reflecti, disposições imperfeitas na redacção, e outras não muito conformes á minha rasão, é tambem incontestavel que ha muitas que são um grande melhoramento, acabando algumas com a crueldade que se nota no codigo penal, na punição de crimes, principalmente nos moraes, nos de roubo, e que leva á inobservancia da lei.
Estas vantagens, a necessidade de abrir a cadeia penitenciaria e a consideração d'esta projectada reforma penal não poder ter-se senão como transitoria, foram e são para mim, e creio que para todos, nas circumstancias em que nos achâmos, rasões mais que sufficientes para a approvação do projecto.
Tendo, assim manifestado o meu voto no seio da commissão de legislação n'essa sessão de segunda feira, e não tendo eu podido comparecer na camara na terça feira, por terem terminado os trabalhos da minha sessão do supremo tribunal de justiça perto das cinco horas da tarde, foi com espanto meu que soube no outro dia, pelo extracto das sessões nos jornaes, que tinha sido mandado para a mesa da presidencia n'aquelle dia um parecer d'esta ordem sem a minha assignatura, tendo eu assistido á sessão da commissão, e feito as considerações que deixo resumidas.
Eu sei perfeitamente os passos que se deram para obter a minha assignatura, mas o que é certo é que o meu voto não apparece no parecer, e que appareceria se se tivesse a devida consideração.
Não lamento isto porque a minha assignatura faça falta, e desse mais importancia ao parecer que por si se recommenda, mas porque entendo que elle devia ser por mim assignado, e com essa resalva das declarações, attenta a importancia do assumpto e tudo quanto se tinha passado no seio da commissão.
Dadas estas explicações, eu declaro a v. exa. e á camara que voto o projecto tal qual está, e sem discussão, com o pensamento de não poder deixar de ser por causa do bem publico.
E termino declarando tambem ao meritissimo relator do projecto, o digno par o sr. Barros e Sá, que desde antiquissimos tempos me honra com a sua amisade, que estou certo de que o facto de não vir o meu nome no parecer não foi por desconsideração para commigo de que o meu illustre amigo tivesse culpa, mas devido á força das circumstancias, que eu não tenho direito se não a lamentar.
O sr. Barros e Sá (relator): - Pedíra a palavra apenas para dar uma pequena explicação ao sr. Mexia Salema. Em todas as suas declarações tinha s. exa. sido exactissimo, menos n'aquella em que por excessiva modestia, se havia julgado menos competente para apreciar o assumpto da proposta com o fundamento de não a ter se não muito ligeiramente estudado.
S. exa. era, nem podia deixar de, ser, muito conhecedor do assumpto, como um dos mais respeitaveis membros que era da magistratura. (Muitos apoiados.)
Quanto á falta de assignatura do digno par no parecer da commissão, talvez elle, orador, se tivesse devido julgar auctorisado, pelo costume ao menos, a declarar no parecer, que elle tinha o voto de s. exa. Comquanto porém, o auctorisasse o uso estabelecido, teve certo melindre em fazer essa declaração. Cumpria lhe declarar que, não só pela sua parte, mas tambem por parte do sr. ministro todas as diligencias foram feitas para que a assignatura do digno par não faltasse no parecer; como porém mau grado seu essas diligencias se frustraram, restava lhe asseverar ao digno par que elle, orador, nem o sr. ministro, nem qualquer dos membros da commissão podia ter nunca a menor intenção de melindrar a dignidade de s. exa.
Com relação ao assumpto apenas diria que era effectivamente grande a importancia do projecto, mas n'um periodo tão adiantado da sessão e quando era urgente a resolução de outras questões ainda pendentes, era de tamanho alcance a adopção de um systema de transição do codigo penal para o systema penitenciario, que na sua opinião nem um dia, nem uma hora se devia perder, porque se este projecto não fosse approvado, o trabalho ficaria perfeitamente inutilisado, porque, como todos sabiam, as côrtes iam ser dissolvidas.
Fôra por estas considerações que elle, orador, se prestára a ser relator do projecto e a assignal-o sem declarações, pois era evidente que elle não podia absolutamente conformar-se com todas as disposições contidas em seiscentos e tantos artigos, nem ninguem podia exigir-lhe o seu accordo n'esses termos.
O mesmo succedia com cada um dos seus collegas da commissão, mas em virtude das rasões, que apontou, não hesitava em votar o projecto que no seu conjuncto julgava em sua consciencia um valioso melhoramento.
(O discurso a que se refere este resumo será publicado logo que s. exa. o devolva.}
O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, assignei vencido o parecer da commissão de legislação d'esta camara, que recahiu sobre o projecto do codigo penal, corre me portanto obrigação de dizer os fundamentos que me convenceram a tomar esta resolução.
Começo por pedir desculpa ao digno relator d'este projecto, de não fazer referencia ao seu relatorio, que de certo está redigido com toda a proficiencia, e não considere o digno par o sr. Barros e Sá o meu silencio a este respeito como falta de menos deferencia para com s. exa., mas apenas este facto significa que não tive tempo para o ler, por isso que só ha poucos momentos, e depois de aberta a sessão de hoje, é que soube que se discutia a reforma penal.
Sr. presidente, não recebi o parecer que se vae discutir, não incrimino pessoa ou empregado algum, exponho a verdade; parece que o vencido devia ter conhecimento dos fundamentos do voto da maioria para lhe poder responder; terei pois, em vista d'estas circumstancias, de resumir as largas considerações que tencionava fazer; faltam-me os apontamentos, que não tenho agora presentes, e não ha memoria ainda a mais privilegiada, que possa prestar-se á citação de centenas de artigos do codigo penal, hoje substituidos pela reforma penal.
Sr. presidente, presumia que o digno par e meu amigo o sr. Mexia Salema divergia do parecer da maioria da commissão, mas vejo que s. exa. está de accordo.
(Áparte do sr. Mexia Salema.)
Mas v. exa. vota o projecto na generalidade e, quando vier a especialidade eu verei as emendas que se mandam para a mesa.
Sr. presidente, em projectos d'esta grande importancia, cada um de nós tem que solver a sua responsabilidade e, sem grande demora, terei de me referir aos dignos pares membros da commissão de legislação, porque tambem tenho a solver responsabilidades com s. exas.
Sr. presidente, este projecto devia ter seguido o systema inalteravelmente adoptado pela commissão de legisla-
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cão, ser distribuido pelos differentes membros da commissão e designarem-se sessões para a sua discussão.
Na qualidade de membro da commissão de legislação tenho assistido e tomado sempre parte na discussão dos projectos importantes ali presentes, acceitando muitas vezes o encargo de relator; mas os dignos pares meus collegas sem similhantes trabalhos jamais se oppozeram ao debate, abriram, porém, excepção para o projecto da reforma penal; quando foi discutido o codigo do processo, tivemos mais de vinte sessões, para a reforma penal nem ao menos a leitura do projecto.
Sr. presidente, na primeira reunião que a commissão teve para se occupar d'este projecto, estava presente o sr. ministro da justiça, que eu muito considero, e cujo provado talento admiro, e disse logo a s. exa. que preferia o projecto da sua iniciativa ás emendas feitas na camara dos senhores deputados, ao menos tinha o merecimento de ser sincero.
Declarei tambem que eu não queria tomar a responsabilidade de approvar um projecto d'esta ordem em cinco ou dez minutos e sem a minima discussão; apresentando a idéa de termos sessões nocturnas na commissão para irmos corrigindo as imperfeições que encontrassemos na reforma proposta.
E, sr. presidente, tão docil estava eu então que cheguei a asseverar, que os erros, que havia encontrado no projecto eram resultado apenas de copia, ou de imprensa; tão grande era o desejo de ser agradavel ao meu nobre amigo o sr. ministro da justiça.
Sr. presidente, veja v. exa. a boa vontade com que eu estava de discutir o codigo penal.
A minha proposta e insistencia para que fosse discutida a nova reforma penal foi completamente rejeitada por todos os membros da commissão que allegaram que era indispensavel votar o projecto n'esta sessão.
Eu não supponho esta indispensabilidade procedente, nem como elemento de manter a ordem publica, nem por consideração alguma politica; a discussão, porém, não foi permittida.
Eu admirei e admiro, como magistrados de tão elevada posição, como são s. exas. tomaram a grave responsabilidade de approvar em poucos momentos uma reforma do codigo penal, quebrando assim as honrosas tradições que pertenciam á commissão de legislação, a qual até hoje não foi arguida de menos escrupulosa no cumprimento dos seus deveres.
Sr. presidente, se a commissão de legislação da camara dos dignos pares entende que uma reforma penal não deve ser discutida, é melhor então fazer desapparecer o artigo do regimento, que manda proceder á sua eleição; para ficarmos reduzidos a fazer relatorios sobre a conveniencia de crear mais um logar de tabellionato, ou a desannexação de qualquer freguesia de um para outro julgado, não é necessaria a eleição de homens de lei para esta commissão; bastaria um simples exame de instrucção primaria e não umas cartas de formatura pela universidade de Coimbra.
É, porém, certo que os dignos pares, meus collegas na commissão, não tiveram a menor condescendencia com a minha proposta, que dava logar á discussão: foi ella sempre rejeitada e em seguida o projecto approvado; o parecer no dia seguinte apresentado em mesa e hoje já em discussão.
Sr. presidente, de todos os meus collegas devia esperar benevolencia para uma proposta de interesse publico; mas não podia suppor o procedimento por parte dos dignos pares os srs. Alves de Sá e Mártens Ferrão, os quaes rejeitaram a minha proposta, e por fórma que importava uma descortezia e nenhuma consideração por um seu antigo amigo, collega e companheiro em muitos trabalhos judiciaes, e no parlamento; quando eu procurava diminuir as altas responsabilidades de s. exa. correspondiam-me com a rejeição absoluta.
O motivo pelo qual s. exas. não cediam em cousa alguma, seria devido á parte politica, que está comprehendida no projecto em discussão?
Se o foi, o engano é manifesto; o projecto alterado, como está hoje, é apenas uma ficção, e não é com ficções; que póde ser obtido o fim que se pretende.
Sr. presidente, o meu amigo e illustre ministro da justiça, procurou tornar effectiva em processo correccional a responsabilidade pelo crime de injurias dirigidas ao chefe augusto do estado, aos soberanos e aos chefes das nações estrangeiras, applicando a lei actual do processo; julgada procedente a injuria, a pena seria logo dada á execução, não era este preceito uma innovação no direito vigente; existe já consignado na novissima reforma judiciaria; o nobre ministro não fez mais do que applicar para as injurias dirigidas ao Rei a fórma de processo garantida ao cidadão portuguez, particularmente offendido; esta doutrina é a mais acceitavel, por isso que colloca ao lado do criminoso a pena correspondente; e não se confunda a liberdade de imprensa com a calumnia; esta despreza-se, aquella é um elemento indispensavel para a garantia do governo monarchico representativo; são estes os motivos por que apoiava o projecto na sua iniciativa; não devia negar ao chefe do estado o que é ainda hoje regalia para todos os cidadãos do mesmo estado.
Mas esse projecto transformou-se, perdeu a sua importancia pela seguinte alteração que recebeu na camara dos senhores deputados:
"Artigo 3.° Da sentença condemnatoria, proferida em processo de policia correccional, ha sempre recurso, com efeito suspensivo, até ao supremo tribunal, quando a pena applicavel ao crime exceder a alçada do juiz, se não se tiver prescindido do recurso no principio do julgamento.
"§ 1.° O juiz poderá todavia exigir do réu appellante fiança, que nunca será arbitrada em quantia superior a 50$000 réis, sem o que poderá o réu ser detido em custodia.
"§ 2.° Fica por esta fórma interpretado e restringido o artigo 95.° do codigo penal."
Sr. presidente, depois que este projecto for lei, a injuria não ha de temer as suas disposições; soffrerá, sim, uma sentença condemnatoria, mas essa sentença cuja execução deveria ser rapida, passará largos annos em appellações e revistas, e ou não se cumpre por qualquer circumstancia extraordinaria, ou, se chega a executar-se, é tarde, e sem resultado para a apreciação moral de facto; poderá chegar a punir, mas talvez não chegue a desaggravar o offendido.
Sr. presidente, a redacção do § 1.° do artigo 3.° póde dar logar a abusos, e grandes, pois que a fiança não é considerada um direito á que o réu possa soccorrer-se, nem na hypothese sujeita havia necessidade de fiança, quando o recurso é suspensivo; ficará, pois, sendo um elemento poderoso nas mãos do juiz, e que poderá concorrer para assumir responsabilidades ás quaes a magistratura deve ser estranha.
Se, pois, o pensamento do projecto do nobre ministro está prejudicado, se s. exa. e todo o governo entendiam indispensavel n'esta parte a alteração do codigo penal, a fim de porem cobro ás injurias dirigidas ao Rei, como pôde o governo acceitar o artigo 3.°, que destroe pela base a idéa de s. exas.?
Pôde, e acceitou-o para vencer os attritos que encontrou na camara electiva; mais uma vez seguiu a doutrina opportunista e colheu as vantagens do accordo; mas peço ao nobre ministro que me diga aonde está o seu projecto, que ía fazer cessar desde logo todas as injurias contra o chefe do estado!1 O nobre ministro da justiça tem dado provas de que deseja ser energico, mas não o póde ser em presença da situação politica do partido a que pertence.
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Sr. presidente, vou entrar, mas rapidamente, e só para fundamentar o meu voto, na parte da reforma que altera a escala da penalidade, põe fim ás penas perpetuas, e diminue as temporarias que hoje vigoram, e perguntarei ao governo e ao digno par, relator do projecto, quaes foram as rasões que levaram s. exas. a apresentarem estas modificações?
Porventura ás estatisticas que s. exas. têem, as informações recebidas das auctoridades policiaes e administrativas, levaram o paiz já a um estado de moralidade, que os crimes tenham diminuido em grande escala? Nós não temos trabalhos estatisticos completos, e não sei se os ha perfeitos; mas fazemos todos os dias estatistica pelo que lemos nos jornaes.
É de notar a multiplicidade de assassinatos e de crimes consumados e frustrados de maxima responsabilidade, que a imprensa denuncia.
São estes crimes para os quaes a pena vae ser modificada.
Sr. presidente, é para admirar que homens de ordem, como o sr. ministro da justiça, que homens de ordem, como os illustres membros da commissão de legislação, apresentem a tendencia, não para favorecer, mas para tolerar uma certa ordem de cousas, sem quererem attender á grave responsabilidade que assumem perante a sociedade.
O sr. ministro da justiça entendeu dever abolir a pena de prisão cellular perpetua.
Estou de accordo com s. exa. na diminuição no tempo, da prisão cellular, mas esta deve ser acompanhada de degredo perpetuo.
Disse eu ha pouco, e repito, que parece impossivel que cavalheiros dotados da mais alta illustração, tratem de approvar um certo numero de medidas, as quaes eu não posso deixar de considerar subversivas da tranquillidade publica.
Não são estas, com certeza, as intenções do sr. ministro, faço-lhe a completa justiça, mas serão esses os resultados a que necessariamente havemos de chegar.
Diminuiu-se hontem a pena, diminue-se hoje, diminuir-se-ha ámanhã, e vamos assim successivamente trilhando um terreno que nos conduzirá a funestos resultados.
Eu digo ao sr. ministro da justiça o que tenho ouvido dizer muitas vezes em relação aos actos do nobre presidente do conselho, e creio que o sr. Lopo Vaz não póde julgar-se desconsiderado com a comparação, e antes, pelo contrario, deverá ficar não pouco lisonjeado.
Tenho ouvido dizer muitas vezes ao nobre presidente do conselho, o sr. Fontes, que deve ser conservador; é isto o que eu digo tambem ao illustre cavalheiro que tem actualmente a pasta da justiça.
. exa. deve ser conservador, porque nem as leis, nem a organisação d'ellas, nem os tribunaes, devem estar dependentes de uma certa ordem de considerações politicas. São instituições serias muito graves, e pouco variaveis.
Qual é o paiz ao qual s. exa. foi procurar os precedentes que o auctorisam á esta diminuição de penas? Qual é a legislação penal que não tem a disposição de penas perpetuas?
Muitos dignos pares citam o que se faz em Inglaterra; alguns mais avançados invocam o proceder da França; outros pronunciam-se a favor do que se pratica na Allemanha; pois em todos estes paizes está em vigor a pena perpetua, e ainda mais a pena de morte.
Da parte do governo haverá muito boas intenções, mas o erro é evidente.
Repito, ha muito boas intenções, mas estas não dão garantia, e não julgo conveniente que se modifique a toda a hora a lei penal. Eu não citarei pois tudo quanto sobre este ponto se tem passado em França ou em Inglaterra, por que o meu fim não é fazer historia, é apenas solver a minha responsabilidade para com os meus collegas, membros d'esta casa do parlamento, e perante as magistraturas judicial e do ministerio publico, ás quaes muito me honro de pertencer.
Sr. presidente, a minha posição hoje não é de invejar, estou só no campo de debate, pois que o partido a que pertenço ainda não tem vida; em opposição aos diversos partidos activos; alguns dignos pares pediram a palavra, mas não é de certo para me auxiliarem; cumpre-me por isso acceitar e respeitar o espirito da assembléa, e, prescindindo de mandar para a mesa a proposta de adiamento, concluo com a declaração de que rejeito o parecer da commissão de legislação.
O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Disse que não podia concordar com o adiamento do projecto; explicou procedimento da commissão de legislação e as suas declarações perante a mesma commissão. Fez varias considerações em defeza do projecto, e mostrou que as emendas feitas pela camara dos senhores deputados á proposta do governo não haviam modificado substancialmente a indole da mesma proposta, nem lhe prejudicaram o espirito.
(O discurso será publicado na integra logo que s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)
O sr. Barros e Sá: - Prescindo da palavra para que possa fallar o sr. conde do Casal Ribeiro.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Começou por pedir a benevolencia da camara. Bacharel formado havia trinta e seis annos, sem nenhuma pratica do fôro, tendo desde então encaminhado o seu espirito para outra ordem de estudos, embora de quando em quando abrisse um ou outro livro de direito penal para não ser absolutamente estranho ao incessante progredir da sciencia moderna, mas tendo, repetia, mais aturadamente consagrado o seu trabalho e a attenção do seu espirito para outros diversos assumptos, aventurar elle, orador, a sua palavra n'aquelle debate, principalmente depois da lucidissima exposição que á camara acabava de fazer o nobre ministro da justiça, parecia-lhe ousadia, para a qual carecia de pedir a benevolencia da camara.
Sentia não poder concordar com o sr. Sequeira Pinto, cujas opiniões respeitava sempre muito, mas entendia que seria prejudicial o adiamento, que s. exa. propozera d'esta reforma, que não era certamente um codigo penal completo, mas que, alem de facilitar o immediato aproveitamento da penitenciaria, dava ao mesmo tempo, occasião de se fazer uma muito util experiencia da applicação do systema penitenciario, novo entre nós.
Fallou em geral do systema penal penitenciario, citando, entre outros escriptores, Beaumont e Tocqueville e especialmente o trabalho d'este ultimo, que expressamente fôra estudar o systema na sua pratica nos Estados Unidos.
Votava o projecto e, para determinar o seu voto, lhe bastava considerar no estado deploravel das cadeias em Portugal e especialmente da de Lisboa, onde se commettiam horrorosos crimes e que era uma verdadeira fabrica de crimes e de criminosos, o tanto mais que com a conveniencia de acudir a similhante mal concorria a conveniencia de se executar praticamente a lei de 1867, que se achava em vigor.
Ao contrario de outras praticas governativas, cm relação outros ramos de administração, considerava severo e correctissimo o procedimento do sr. ministro da justiça em todas as suas providencias a respeito das occorrencias do Limoeiro, e, se não votava o projecto, como um voto de confiança, não era que o seu espirito não estivesse mais diposto a dar voto de confiança ao nobre ministro do que a outro qualquer; mas as rasões apresentadas determinavam a sua convicção a favor do projecto, que não era de certo uma obra completa, que dispensasse o nobre ministro de estudar a questão do processo, como s. exa. promettia no seu relatorio, nem a mesma questão penal no sentido de melhorar e aperfeiçoar a lei penal, mas a immediata approvação d'este projecto, na sua opinião, não era
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impeditiva do seu successivo aperfeiçoamento, assim como a approvação do codigo de 1852 não impediu que seis mezes depois uma commissao fosse nomeada para proceder á sua revisão, facto este tambem citado no relatorio do sr. ministro.
Era de opinião que não se podia rejeitar o projecto, em nome de alguns defeitos, que effectivamente se podem notar-lhe, quando no seu conjuncto elle era bom e util; quando a somma das suas vantagens era superior á dos seus defeitos, e quando esses defeitos podiam depois ir sendo corregidos.
Ficára-lhe excellente impressão da rapida leitura do relatorio do sr. ministro, a que fez grande elogio, e que se reservava para ler e analysar mais detidamente.
Parecêra-lhe um trabalho conscienciosamente feito, com o que não queria dizer, que sobre uma ou outra opinião ali estabelecida, elle, orador, não tivesse duvidas; assim, por exemplo, a respeito da perpetuidade da prisão cellular, que elle, orador, era de opinião que não devia ser banida absolutamente do systema penal, e que para certos casos, embora muito raros, conviria que podesse ser applicada.
Concordava com o nobre ministro em que a pena de prisão cellular perpetua era barbara, cruel, terrorifica; concordava com o principio que a sciencia proclamava de que a penalidade devia mirar á regeneração do condemnado; mas duvidava da possibilidade da regeneração em certos criminosos, que constituiam uma verdadeira excepção da natureza humana, como um Troppman, um Mattos Lobo, e em todo o caso para esses crimes que denunciavam uma ferocidade excepcional, em que o criminoso mais se approxima de ser fera do que homem; deixaria no codigo a prisão cellular perpetua.
Não via mesmo que n'isso houvesse inconveniente, por que, querendo ainda admittir a possibilidade da regeneração em criminosos d'essa especie, regeneração tal que equivaleria a transformação da fera em homem, se porventura uma tal transformação viesse a dar-se n'um condemnado, verificada que fosse pelos meios de fiscalisação e inspecção constante sobre o estado physico e moral dos condemnados, haveria o recurso do perdão ou da commutação da pena, conforme á regeneração do condemnado se verificasse ser completa ou parcial.
Era de opinião que é direito de commutação devia pertencer ás attribuições do poder moderador, amplo, e apenas auxiliando o esclarecido pelo voto do conselho d'estado.
Indicou as condições em que os processos deviam ser apresentados ao conselho d'estado, para que o seu voto podesse ser consciencioso, justo e um auxilio valioso ao poder moderador para o uso d'aquella prerogativa, e desde que assim se procedesse não havia o menor inconveniente em que no nosso systema penal ficasse incluida a pena de prisão cellular perpetua.
Com relação aos crimes de imprensa, especialmente aos de injurias feitas ao chefe do estado, não o satisfazia o systema, que apenas acceitava como uma experiencia, em que não tinha a maior confiança.
Queria a imprensa livre, liberrima (Apoiados.) e queria que os srs. ministros a lessem, e mal ía quando ella falseava u sua missão, porque assim falharia uma roda importantissima no machinismo politico e social.
Não queria a imprensa no terreno da calumnia e da injuria, mas queria-a e respeitava-a no campo da doutrina.
N'esse campo acceitava-a e respeitava a, qualquer que fosse o fim da sua propaganda, porque a liberdade que uns tinham de a fazerem era igual a liberdade para outros de a impugnarem.
Não temia que combatessem a necessidade de haver Rei, nem que negassem a existencia de Deus, comtanto que se resumissem ao campo da doutrina, porque não era nunca deprimindo a verdade, nem era nunca injuriando ou calumniando que se combatiam as instituições.
ão desejava, pois, a reducção da penalidade senão para certos casos, porque para outros entendia até que ella deveria ser augmentada.
Queria que a questão fosse estudada e que se chegasse a estabelecer uma penalidade rigorosa em assumptos de diffamação.
Fez o elogio da magistratura portugueza, que tinha como imparcial, illustrada, honesta e, comtudo, mal retribuida e luctando com as difficuldades e delongas do accesso, e portanto a sua opinião, n'este caso, não podia nunca significar menos confiança na integridade dos juizes, entretanto em principio desadorava o systema do juiz singular em materia criminal. (Apoiados.)
Combateu n'esta parte o projecto do governo com varios argumentes, fundamentando ao mesmo tempo a sua opinião de que para os crimes de imprensa devia haver uma lei especial.
Mostrou como á injuria, a que sendo feita por um individuo corresponde uma certa punição, deve competir muito maior punição desde que era feita pela imprensa, porque era muito maior tambem a sua gravidade.
Queria a liberdade de imprensa, queria a livre manifestação do pensamento, mas queria, para os abusos é demasias, perfeitamente assegurado o desaggravo da justiça e da sociedade.
Não podia concordar com o sr. Sequeira Pinto na sua opinião de que no projecto deviam ser emendados agora alguns defeitos, para voltar de novo á camara dos senhores deputados, que com ás suas emendas tinha peiorado a proposta do sr. ministro.
Da camara dos senhores deputados viera o artigo 3.°, que na sua opinião era o que o projecto tinha de peior.
Leu o artigo 3.° e fez sobre elle varias considerações, parecendo-lhe que a quem mais utilisam as disposições do artigo não seria ao réu, nem á sociedade, mas talvez aos advogados e escrivães.
Leu tambem o § l.º, chamando a attenção do sr. ministro para o modo como está regulada a concessão de fianças. Não comprehendia que com justiça se podesse negar a um réu, que não possuia 50$000 réis, a fiança, que se concedia á outro que possuisse áquella quantia.
Achava tambem que havia demasiado arbitrio na concessão das fianças, que em casos perfeitamente analogos eram dadas ou negadas ao arbitrio do juiz. Era preciso que houvesse igualdade na distribuição da justiça.
Em conclusão votava o projecto pelas rasões que resumidamente indicára; votava-o porque o considerava um melhoramento do estado actual; votava-o porque o considerava urgente para o aproveitamento da penitenciaria e uma experiencia proveitosa da pratica do systema penal da lei de 1867; votava-o finalmente, porque os precedentes do sr. ministro da justiça na questão das cadeias lhe auctorisavam a convicção de que s. exa., com o seu solido estudo e com o seu provado zêlo, não cessará de trabalhar para o successivo aperfeiçoamento da nossa legislação penal.
(O discurso, a que se refere este resumo, será publicado logo que o digno par o devolva.)
O sr. Mártens Ferrão: - Sr. presidente, tenho guardado completa abstenção das discussões d'esta casa na presente sessão legislativa, e tencionava assim continuar até ao fim; todavia não posso deixar de no momento actual usar da palavra, unicamente para dar uma explicação ao meu particular amigo, e digno par o sr. Sequeira Pinto.
Depois do que acaba de dizer sobre o projecto o sr. ministro da justiça no seu 1ucido discurso, e o meu particular amigo o sr. conde do Casal Ribeiro na sua brilhante oração, eu apenas me limitarei a dar a succinta explicação do meu voto e da maneira, a meu ver correcta, porque procedeu a commissão.
discussão no seio das commissões e como a discussão na camara. Se o meu illustre amigo o sr. Sequeira Pinto
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Tivesse querido discutir o projecto, e apresentar quaesquer emendas, é evidente que a commissão não se poderia oppor e tel-as-ía discutido. O que a commissão resolveu foi discutir desde logo; não espaçar a discussão, e na sua maioria approvou o projecto.
Repito perante a camara o que então disse. Pela minha parte eu não tomaria a responsabilidade de impedir que a commissão se pronunciasse sobre o projecto, attenta a sua urgencia, e considerando o pouco tempo que falta para terminar a sessão. Um longo debate no seio da commissão inutilisaria o projecto, que caducaria se não fosse votado na presente sessão legislativa. A camara na sua sabedoria póde resolver como entender, e dar ao exame do projecto a extensão que entender precisa, o que a commissão entendeu não dever fazer foi por acto seu, espaçar por tal fórma o systema de exame, que viesse a impedir que a camara discutisse o projecto na presente sessão. São obvias as rasões d'esta urgencia. O projecto embora faça muita honra ao sr. ministro da justiça, que em mui pouco tempo o elaborou e o lucido relatorio que o precede, não é todavia um codigo penal completo, é sim uma lei de transição para harmonisar o systema da lei de 1 de julho, de 1867 com o codigo penal; a fim de poder desde já ser posto em pratica o systema penitenciario estabelecido n'aquella lei.
Nós temos uma prisão penitenciaria concluida, e que custou uma somma importante ao estado. Se é para estar fechada e a cidade continuar a presencear as scenas vergonhosas, que se dão na prisão actual, e que nos ultimos tempos têem subido de ponto, n'esse caso, tenho muitas vezes dito ao sr. ministro da justiça que mais valeria dar á penitenciaria outra applicação! Não se diga que não ha quem saiba applicar o systema entre nós, (Apoiados.} que não é hoje uma necessidade, mas sim o seguido em todas as nações.
Mas os factos precipitaram-se, e o que nos ultimos dias tem succedido na prisão collectiva de Lisboa forçou os poderes publicos a tomarem na verdadeira consideração este assumpto, tão importante para a ordem social e para a morigeração publica. É impreterivel tomar desde já uma resolução, e acabar com o que é um escandalo publico, o actual estado da prisão central de Lisboa. É para isso que é necessaria a approvação da lei actual ou de outra que resolva o que é mister fazer-se desde já. A continuação do estado actual seria uma immoralidade publica sem igual no centro da capital do reino. (Apoiados.)
Faz-me impressão, sr. presidente, ver o crescimento espantoso da estatistica dos crimes graves, dos mais graves, dos assassinatos! augmento, a meu ver, devido, á falta de intimidação que resulta do nosso systema pratico de punição. Fui o primeiro que como ministro propuz o estabelecimento do systema penitenciario. Quantos annos têem decorrido até hoje sem que lograsse ser posto em pratica, e que triste influencia nos costumes publicos não tem tido essa falta!
A continuar-se assim, virá a necessidade, que eu desejaria não ver perto, de exagerar o rigor do nosso systema penal. O que não póde ser é o crime continuar sem punição, porque o não é o systema que hoje infelizmente se segue. A prisão collectiva, como a temos é uma escola do crime. (Apoiados.)
Ainda uma outra consideração. O projecto regula por maneira que possa tornar-se effectiva a repressão dos abusos da imprensa contra os soberanos estrangeiros e contra o chefe do estado. A impunidade no primeiro caso já nos poderia ter creado difficuldades.
Aquelle assumpto deu logar na outra casa do parlamento a uma larga questão politica, e mesmo a certa agitação, e eu não desejo, sob responsabilidade minha, inutilisar essa discussão, e protrahir o estado anterior, quando é certo que os partidos politicos com representação constitucional na outra casa do parlamento acceitaram o projecto, e lhe prestaram o seu concurso.
Estas são as rasões de ordem publica que determinaram o meu voto, reconhecendo que precisâmos reformar mais largamente o nosso codigo penal e o do processo, devendo um e outro assumpto ser objecto de maduro exame.
Eu assignei o parecer da commissao com declaração quanto ao maximo da pena. Direi brevemente á camara o motivo por que o fiz.
N'este ponto affasto-me da opinião do meu illustre amigo o sr. conde do Casal Ribeiro.
Não quero a pena cellular perpetua. (Apoiados.}
O systema penitenciario pratico não é hoje para mim o exagero ou o rigor dos primeiros ensaios. Considero actualmente o systema penienciario pratico um systema mixto de isolamento no começo, de trabalho em commum mais tarde por pequenos grupos, com absoluto silencio, o que é cousa perfeitamente pratica nas prisões bem dirigidas, como todos temos visto praticar; isolamento nas cellulas á hora de comida e de descanso, e de noite. A esperança sempre no horisonte de modificação no tratamento e mesmo na pena, pelo bom comportamento posterior. É este o systema praticado na Inglaterra nas suas mais modernas prisões, na Suecia, onde o systema penitenciario tem attingido uma grande perfeição, em quasi todos os paizes. Alem d'isso o trabalho collectivo é o unico productivo e o unico que instrue.
É minha opinião que o isolamento absoluto, demasiadamente prolongado, como que reduz o homem ao estado de bruto, pelo sequestro da sociabilidade, tão necessaria ao espirito como o ar á vida! Não nego á sociedade o direito de impor essa pena perpetua, mas não reconheço a conveniencia de o fazer. Como philosopho não acceito a doutrina, que considera o homem a continuação do bruto, o homem moral. Para mim a intellectualidade não é reductivel ao instincto, sobretudo do bruto. Não desejo por isso que pela acção da lei se leve o homem, embora degradado pelo crime, ao embrutecimento, que o assimilhe do irracional; e a estupidez bestial é a consequencia do isolamento perpetuo. O isolamento no começo é o meio mais efficaz para a regeneração, quando ella é possivel; é a acção da consciencia, no silencio, immediata ao crime, punindo-o pelo remorso; (Apoiados.} perpetua, extingue a luz da esperança, mata o espirito.
Mas, posto isto quanto ao isolamento perpetuo, já assim não penso quanto ás outras penas perpetuas; receio que o seu envolvimento na lei afrouxe ainda mais os laços moraes do receio do castigo; o parrecida não póde mais apparecer na sociedade. (Apoiados.) Se chega a regenerar-se, a sua consciencia dir-lhe-ha isto mesmo.
Eis a rasão por que assignei com declaração quanto ao maximo da pena; quando se voltar a esta minha opinião, não desejo passar por não ter previsto esse resultado, e nada mais.
Agora poucas palavras com relação á parte do projecto que se refere aos abusos da imprensa. Tenho sempre separado a imprensa dos seus abusos. Quando aprecio o homem, é o homem moral, elevado, a imagem de Deus. Não o homem degradado pelo vicio ou pelo crime. Similhantemente, quando aprecio a imprensa é a imprensa elevada, conscia da sua missão social, não a imprensa da injuria ou da calumnia.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Muito bem.
O Orador: - A imprensa, como a considero, é um verdadeiro poder social. É ella que traduz a opinião, e que de ordinario acaba por vencer. Aquella é a sua missão. Assim como não afiro o homem pelo homem degradado; assim não afiro a imprensa, poder social, pela imprensa que se preste a ser pelourinho da injuria ou da calumnia.
Mas se este é o meu modo de apreciar a imprensa, quereria para o julgamento dos seus abusos um jury especial, tão superior a toda a suspeita, tão elevado pela sua res-
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peitabilidade, que o seu veredictum só por si fosse uma verdadeira punição moral, embora a inevitavel applicação da pena. (Apoiados.) Que o seu veredictum fosse o veredictum da nação.
Para isto seria mister a constituição de um jury classificado.
Não faltam exemplos de tribunaes assim constituidos.
Sei que esta minha opinião tem difficuldades praticas, que reconheço, mas considero este o verdadeiro systema.
Ponho aqui termo ás minhas explicações, que outra cousa não foi o que acabo de dizer.
Não devo protrahir o debate.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, por consequencia vou pôr em votação a generalidade do projecto.
Consultada a camara foi approvado o projecto de lei n° 299 na sua generalidade.
Seguidamente e sem discussão foram approvados cada um dos artigos da especialidade.
O sr. Francisco Costa: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento do sr. Carlos Arthur da Cunha, chefe da repartição de contabilidade da caixa geral de depositos, que pede lhe sejam applicadas as disposições contidas no projecto relativo á lei de meios, que foi approvado na camara dos senhores deputados.
Não conheço esta pretensão, e portanto não posso dizer se é justa, mas agora o que posso asseverar é que o requerente tem-se sempre havido com zêlo e intelligencia, e tem merecido os elogios dos seus superiores. Por consequencia,
peço a v. exa. que mande este requerimento á commissão de fazenda para ella o tomar na devida consideração quando tratar do projecto relativo á lei de meios.
O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa um parecer da commissão dos negocios ecclesiasticos.
Mandou-se imprimir.
O. sr. Presidente: - A seguinte sessão terá logar ámanhã, sendo a ordem do dia, alem dos projectos que já estavam dados, a discussão dos pareceres n.ºs 281 e 282.
Está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 9 de maio de 1884
Exmos. srs. João de Andrade Corvo; Buque de Palmella; Marquezes, de Penafiel, de Vallada; Condes, de Alte, do Bomfim, de Cabral, de Gouveia, de Linhares, do Casal Ribeiro, de Valbom; Viscondes, de Bivar, de S. Januario, de Soares Franco, de Almeidinha, de Arriaga; Barão de Santos; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Sousa Pinto, Barros e Sá, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Palmeirim, Bernardo de Serpa, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Henrique de Macedo Mártens, Ferrão, Gomes Lages, Braamcamp, Ponte Horta, Mello Gouveia, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.