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N.º 102
SESSÃO DE 10 DE JULHO DE 1882
Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens
Secretarios - os dignos pares
Eduardo Montufar Barreiros
Visconde de Soares Franco
SUMMARIO
Approvação da acta da sessão antecedente. - Correspondencia. - Declaração de voto do sr. visconde de S. Januario. - Representação ácerca do projecto de lei em discussão na ordem do dia, apresentada pelo mesmo digno par. - Declaração de voto do sr. Bernardo Pimentel. - Representações relativas ao mencionado projecto de lei. - Pareceres de commissões sobre os projectos de lei ácerca do abastecimento das águas das cidades do Porto e Coimbra, e incluindo na tabella n.° 2, annexa ao decreto de 35 de julho de 1862, a estrada que liga Eivas com Évora. - Ordem do dia: Entra-se na discussão na especialidade do projecto a que se refere o parecer n.ºs 94, relativo ao syndicato portuense. - Usam da palavra sobre o artigo 1.° os srs. Franzini, Telles de Vasconcellos e Cortez. - Este digno par manda para a mesa uma representação relativa ao mesmo projecto, e refere se a ter estado vedado o transito publico nos arredores do edificio das côrtes, e ter-se negado a entrada a alguns cidadãos nas galerias. - Respondem os srs. presidente da camara e ministro das obras publicas.
Á uma hora da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Uma mensagem de 1:093 cidadãos do Porto, congratulando-se com a camara pela justiça que acaba de fazer áquella cidade.
Uma representação, assignada por 12:026 cidadãos de Lisboa e algumas outras povoações, contra o projecto relativo ao syndicato portuense.
(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda, ministros das obras publicas, do reino, da justiça, da marinha e dos negocios estrangeiros.)
O sr. Visconde de S. Januario: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que não assisti á sessão de sabbado por incommodo de saude, e que se estivesse presente teria votado contra a generalidade do projecto relativo ao syndicato de Salamanca.
Peço a v. exa. que mande lançar ha acta esta minha declaração.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Porto de Moz contra o projecto que está em ordem do dia, e peço a v. exa. que consulte a camara se consente que seja publicada no Diario do governo.
Mandou-se lançar na acta a declaração de voto.
Leu-se na mesa a representação e foi mandada publicar na folha official.
O sr. Bernardo de Serpa: - Participo a v. exa. e á camara que não me foi possivel comparecer na sessão do dia 8 d'este mez, e que se estivesse presente teria votado a favor da generalidade do projecto que esteve em discussão.
Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar lançar na acta esta minha declaração.
Mandou-se lançar na acta a declaração de voto do digno par.
O sr. Henrique de Macedo: - Mando para a mesa uma representação de varios cidadãos da cidade de Guimarães contra o projecto relativo ao syndicato portuense.
Como está redigida em termos cordatos, peço a v. exa. que consulte a camara se consente que se publique no Diario do governo.
Leu-se na mesa.
Consultada a camara resolveu que fosse publicada na folha official.
O sr. Francisco Costa: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Agueda a favor do projecto que está em discussão na ordem do dia.
Peço a v. exa. que consulte a camara se consente que seja publicada na folha official.
Leu-se na mesa, e foi mandada publicar no Diario do governo.
O sr. Pereira Cardoso: - Mando para a mesa um protesto de varios cidadãos do concelho de Arronches contra a representação que aqui foi apresentada da camara municipal do mesmo concelho com relação ao projecto do syndicato portuense.
Peço a v. exa. que mande publicar esta representação no Diario do governo.
Leu-se na mesa, e foi mandada publicar na folha official.
O sr. Margiochi: - Mando para a mesa tres pareceres da commissão de obras publicas, dois conformando-se com os pareceres da commissão de administração publica que approvam os projectos de lei relativos aos contratos para o abastecimento de aguas da cidade do Porto e Coimbra, e um approvando o projecto de lei que auctorisa o governo a incluir na tabella n.° 2, annexa ao decreto de 15 de julho de 1862, a estrada districtal n.° 104, que liga Elvas com Evora, passando por Juromenha, Alandroal, Redondo e S. Miguel de Machede.
Foram a imprimir.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Vae discutir-se na especialidade o projecto de lei a que se refere o parecer n.° 94, approvado já na generalidade.
Ha umas propostas apresentadas pelo digno par o sr. visconde de Chancelleiros, das quaes uma diz respeito ao artigo 1.°
Vae ler-se o artigo e a proposta.
Leu-se na mesa o seguinte:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a garantir ao syndicato portuense, de que fazem parte os bancos alliança, commercial do Porto, mercantil portuense, união, portuguez, commercio e industria, banco do Minho, nova companhia utilidade publica e um grupo de capitalistas, syndicato que se constituiu para a construcção e exploração da linha ferrea de Salamanca á Barca de Alva e a Villar Formoso, ou á empreza ou companhia que elle organisar, o complemento do rendimento annual liquido d'essa linha até 5 por cento em relação ao custo da sua construcção.
§ 1.°. Para os effeitos d'este artigo, o custo da construcção é o constante dos orçamentos approvados pelo governo hespanhol, que serviram de base ao concurso, deduzida a
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importancia da subvenção, pela qual foi adjudicada essa linha.
§ 2.° Quando o rendimento bruto da linha, excluindo qualquer imposto de transito, for superior a 2:500$000 réis por anno e kilometro, as despezas de exploração para os effeitos do computo da garantia, serão sempre calculadas em 40 por cento d'esse producto bruto.
§ 3.° Se o rendimento bruto, excluindo qualquer imposto de transito, for inferior a 2:500$000 réis por anno e kilometro, as despezas da exploração serão sempre calculadas em 40 por cento da referida quantia de 2:500$000 réis.
§ 4.° Em caso algum poderá, todavia, o encargo annual para o estado, resultante d'esta garantia de furo, exceder a 135:000$000 réis.
Proposta
Additamento, que ficará sendo o § 2.° do artigo 1.°, passando o actual 2.° a 3.°, etc.
Se porém o custo real e effectivo da construcção for inferior ao d'esses orçamentos, deduzida a importancia da subscripção, por ella se regulará o complemento do rendimento annual liquido da linha até 5 por cento com relação ao mesmo custo. - Visconde de Chancelleiros.
O sr. Presidente: - Estão em discussão.
O sr. Franzini: - Sr. presidente, debil é a minha voz, mas quando no recinto do parlamento se apresenta um projecto que fere os mais caros interesses da patria, eu não poderia nem deveria conservar-me silencioso.
Quero aqui levantar a minha voz, já que o não pude fazer quando se discutiu a generalidade do mesmo projecto, porque seguramente havia de protestar contra uma medida que eu qualifico de revoltante e monstruosa, iniquidade. (Apoiados.)
Serão talvez fortes as minhas palavras, mas não posso achar outros termos com que qualifique este projecto, que, com incrivel teimosia e contra as manifestações quasi unanimes da nação, ousa o governo trazer á discussão e sustentar por todos os modos, com risco de lançar e paiz nas calamidades da guerra civil ou quem sabe talvez de que!
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Ora essa!
O Orador: - Este é o primeiro passo que damos na senda do abysmo, para onde estamos caminhando a passos largos.
Pois será na occasião em que se lançam impostos enormes e vexatorios, desde o sal e o pão até á luz, que nós havemos de ir despender os nossos capitaes na construcção de caminhos de ferro em paiz estrangeiro, caminhos de ferro que, pela sua directriz, podem servir para uma invasão, porque as linhas convergentes no territorio estrangeiro servem de base de operações para quaesquer futuras invasões do paiz?
Eu não me alongarei tratando a questão debaixo do ponto de vista militar.
O nosso illustre collega e meu amigo o digno par o sr. Castro ha de tratar a fundo essa questão e mostrar que este projecto, alem de ser attentatorio dos interesses commerciaes e financeiros do paiz, o é tambem da sua independencia, que póde comprometter gravemente. (Apoiados.)
E que tristes argumentos apresenta aqui o governo na sustentação d'este projecto! Contradiccões desde o principio até ao fim. Os unicos argumentos que aqui se têem apresentado são contradictorios com as idéas do governo, manifestadas uma e muitas vezes n'esta e na outra casa do parlamento.
Quando se discutiu o projecto do caminho de ferro de Torres Vedras, sustentava o governo e aquelle s que o apoiam, que era de grande interesse separar as duas partes da linha, a que vae de Lisboa a Torres Vedras e a que se dirige de Torres Vedras a entroncar com a linha do norte.
Hoje sustenta-se opinião inteiramente contraria, e o sr. ministro das obras publicas manifesta elevada satisfação de que a garantia de juro de 5 por cento se estenda aos dois ramaes das linhas de Salamanca. Devo fazer notar que mesmo esta idéa que s. exa. acceita com alvoroço não é sua, é idéa do syndicato.
Depois do syndicato ter obtido a concessão, recorreu ao sr. ministro das obras publicas e pediu-lhe que a garantia de juro de 5 por cento se estendesse a toda a linha.
Ora, pergunto eu uma cousa: o syndicato tem dado provas de saber zelar os seus interesses? Se elle visse que esses interesses ficavam compromettidos ou diminuidos pela garantia de juro n'aquellas duas linhas, de certo não teria pedido ao sr. ministro das obras publicas a garantia de juro para a linha de Boadilla a Villar Formoso.
As companhias têem obrigação de zelar os seus interesses. Sou contra o syndicato, mas não o censuro por elle assim proceder. Censuro o governo por ter permittido a garantia de juro.
N'este projecto ha tudo o que póde ser o mais desfavoravel aos interesses do paiz.
Allega o syndicato que, sendo menos despendiosa a construcção da parte comprehendida entre Villar Formoso e Boadilla, e devendo o seu tranco exceder o da parte que ligará Salamanca á Barca de Alva, a extensão da garantia de juro ás duas linhas será de grande vantagem para o paiz, diminuindo os encargos provenientes da referida garantia. Eu receio muito que o contrario seja a verdade.
Não teriamos nós meio de obter gratuitamente a construcção d'estes dois ramaes até Salamanca?
Parece-me que sim. (Apoiados.)
Será necessario mais uma vez analysar os documentos publicados pelo governo, que são officiaes, e podem servir de base para a argumentação, sem que possam ser contestados?
Que dizem estes documentos?
Os telegrammas:
"De Madrid a ministro negocios. Em 14 de junho. Société financière acceita artigo addicional ás condições publicadas, compromettendo-se construcção em dois annos ramal do Douro, desde que linha portugueza esteja construida até faltarem 30 kilometros para chegar a Barca de Alva. Governo hespanhol não poz obstaculo. Accedendo governo portuguez, société financière fica compromettida a ir a, concurso, ao que por emquanto não está compromettidn. Solução, 30 kilometros, foi o mais que pude obter, attenta difficuldade construir linha portugueza. Société financière deseja resposta, a qual peço a v. exa. pelo telegrapho. = Azevedo."
O sr. ministro das obras publicas não acceitou, porque queria que o maximo periodo de construcção não excedesse tres annos, emquanto que a sociéte financière exigia que o praso fosse de cinco annos - telegrammas de 9 e 10 de junho.
Tendo mais tarde, e ultimamente n'esta camara, declarado o sr. ministro que a construcção da parte da linha do Douro, no territorio portuguez, não se podia fazer em tres annos, e certamente havia do levar muito mais tempo, que motivos existiam, pois, para exigir que a financière construisse a sua parte em tres annos. O sr. ministro das obras publicas devia abraçar a proposta da financière, tão rasoavel, e com a qual podiamos ter a construcção d'estas linhas gratuitamente, sem encargos para o thesouro.
É necessario dizer isto bem alto para que o pais saiba que vae pagar uma subvenção, não direi de 2.700:000$000 réis, mas em todo o caso muito importante, como logo mostrarei, pelos calculos baseados em uma hypothese que não poderá ser taxada de exagero.
Se nós não temos este caminho gratuito, é isso devido a um capricho, a uma leviandade do sr. ministro das obras publicas. E portanto vamos lançar o oiro de Portugal em terras: do Hespanha; oiro que é pedido áquelles que trabalham, e o qual já não podem dar, porque luctam com gra-
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vissimas difficuldades. Os impostos em Portugal são enormes; nós estamos mais onerados do que a Belgica, que é um paiz com muito maior desenvolvimento commercial e industrial do que o nosso.
Nós somos um paiz pobre, sem commercio, nem industria ou agricultura prosperas; e havemos de ir lançar o nosso oiro em terras estranhas, quando do norte ao sul de Portugal se carece de tantos melhoramentos? Não seria melhor concluir o caminho de ferro do Algarve, e as linhas de sul e sueste? Não serão estas do estado? A conclusão d'esses caminhos não augmentaria o seu rendimento, que é um dos argumentos que se apresentam para justificar este projecto?
Fallam no incremento que ha de ter o rendimento da linha do Douro, sem se lembrarem que para se chegar ao resultado que se espera ha que gastar 4.000:000$000 ou 5.000:000$000 reis! Não pôde ser.
É impossivel que este projecto seja sanccionado pelo parlamento.
Eu faço plena justiça ao Porto, áquella população digna e patriotica, que tem mostrado que repelle tal idéa. O que eu vejo é que áquella energica população trabalha sempre para augmentar a sua riqueza sem que até hoje tenha precisado das riquezas da provincia de Salamanca. Quando poderá o governo concluir a linha do Porto a Barca de Alva? Em muito mais de tres annos, sabemos já, como affirmou o sr. ministro das obras publicas.
A situação financeira do paiz é tão grave, é tão perigosa, que não sei qual seja a solução possivel para os nossos males.
Ainda terá tenção o governo de recorrer a novos impostos, ainda terá idéa de para o anno propor mais algum? O povo geme na miseria, e está ameaçado por uma dolorosa crise, que lhe póde destruir a principal fonte de receita, e eu já não sei como havemos de fazer face a estes enormes encargos.
O futuro de Portugal é medonho, para quem encarar esta questão como ella deve ser encarada.
Passarei agora a referir-me aos caminhos de ferro do Algarve, e ao mais que temos a fazer no nosso paiz. No Alemtejo temos absolutamente necessidade da ligação de Extremoz com Elvas. Pois não será importante para aquellas provincias estabelecer a ligação das linhas do sul e sueste com as linhas de norte a leste, acrescentando que faltam apenas uns 40 kilometros ou 40 para a sua conclusão? E acaso o caminho de ferro do Algarve não é um melhoramento muitissimo importante? Pois a natureza não é tão prodiga n'aquelles terrenos, que tão affastados estão do resto do paiz pela difficuldade das communicações, e para onde ha apenas uma viagem em cada mez, e esta mesmo feita em pequenos vapores? E a salubridade de Lisboa, não merecerá tambem alguma attenção dos poderes publicos? Creio que este assumpto é importantissimo, e que não deve ser descurado, porque a mortalidade na nossa capital é muito superior, áquella que se dá em regiões consideradas como das mais inhospitas do globo; mas nada disto se faz, e só se trata de fazer caminhos de ferro em territorio de Hespanha.
E as nossas costas, que de todas as da Europa são as mais obscuras? As nossas costas estão abaixo das costas da Barbaria.
Argumenta-se com os interesses imaginarios da cidade do Porto; digo imaginarios, porque na verdade o que se pretendia era satisfazer á politica. Foi ella um dos principaes moveis d'este projecto. (Apoiados.)
O que desejou o governo? Estabelecer uma scisão no honrado partido progressista. Imaginou que havia de aniquilal-o, e eternisar-se nos bancos do poder. Isto é uma politica má, falsa, anti-nacional. (Apoiados.)
Demais, procura-se estabelecer rivalidades entre o norte e o sul do reino. Para que? Ainda assim, essas rivalidades são muito menos do que se póde suppor. A grande maioria da população do Porto repelle este projecto com a mesma indignação que a opposição e o paiz em geral.
Ainda ha pouco foi enviada á mesa uma representação assignada por 11:400 cidadãos de Lisboa. Isto não significará cousa alguma? Quererá o governo dizer que o paiz está unanime e ancioso por ver approvar este projecto, que vae fazer-nos despender grossas quantias em terras de Hespanha?
Esta questão não é de opposição, e uma questão nacional.
O paiz envia aqui representações cobertas de milhares de assignaturas, e o governo contrapõe-lhe representações das camaras municipaes escriptas por ordem sua, communicada ás auctoridades superiores administrativas.
Alem d'isso, todos sabem que as camaras municipaes, e n'isto não dirijo a minima offensa aos cavalheiros que as compõem, são filhas predilectas da machina eleitoral, tão habilmente manejada pelo governo.
Eu descreria completamente do futuro d'este paiz, se taes representações exprimissem o sentir unanime dos municipios de Portugal, que contra sua vontade se associam, a manifestações antipatrioticas que nos deshonram aos olhos da Europa.
O que se dirá quando na Europa se souber que as municipalidades de Portugal, de um paiz que na sua historia tem tradições tão gloriosas, vem representar a favor da construcção de caminhos de ferro em territorio de Hespanha? Que fortissimo argumento nós vamos fornecer á diplomacia hespanhola, cujo desejo constante é aplanar as difficuldades que se oppõem á união iberica num periodo mais ou menos remoto!
Dirão os diplomatas hespanhoes, - e eu posso referir isto em sessão publica, porque elles são bastante intelligentes para saberem aproveitar e bem explorar este argumento que nós lhe damos -; elles dirão que as interesses de Portugal estão de tal modo fundidos com os da Hespanha, que Portugal pede e recebe com jubilo um projecto de lei que tem por fim construir caminhos de ferro em terra hespanhola, quando e certo que se acham ainda muito longe da sua conclusão os que estão iniciados em terra portugueza.
Assim ha de a diplomacia hespanhola apresentar-nos todos os dias aos olhos das nações estrangeiras, que infelizmente não estão ao facto da nossa politica, visto que Portugal é pouco conhecido na Europa.
Os meneios de uma politica mysteriosa é offensiva dos mais caros interesses do paiz levarão a diplomacia hespanhola a affirmar que as rivalidades de outras eras e as tradições gloriosas da historia de Portugal vão pouco a pouco desapparecendo no espirito do povo! Affirmará que os interesses de uma e outra nação são tão communs, que se dão por muito bem empregados os capitaes despendidos em terras de Hespanha!
A par d'esta prodigalidade vemos o caminho de ferro da Beira Baixa completamente posto de parte, e creio mesmo que tarde ou nunca se realisará um melhoramento destinado a fecundar uma importante região agricola e industrial, e que nos havia de pôr em rapida communicação com a capital de Hespanha. Consideremos tambem a linha parallela á fronteira que, alem do ser de alta importancia commercial e economica, porque estabelece communicação entre todos os differentes caminhos que se dirigem ao paiz vizinho, é tambem um caminho militar, porque permitte accumular, distribuir e concentrar as forças nos pontos que possam ser definitivamente escolhidos pelo invasor. Não existindo esta linha, e existindo outras que se dirijam perpendicularmente á fronteira, e mesmo convergindo algumas no territorio hespanhol, no caso de invasão da nação vizinha, luctariamos com enormes difficuldades, não podendo rapidamente acudir e concentrar as nossas forças nos pontos ameaçados; e como a Hespanha trata activamente da construcção da sua linha fronteira, ficará com
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superioridade enorme para o ataque, fazendo facilmente convergir as suas forças para o ponto escolhido.
Estas considerações não mereceram a menor attenção da parte do governo; só lhe despertou interesse a questão estrategica quando se tratou do caminho de ferro de Torres Vedras, que entroncava na linha do norte muito longe da fronteira, e portanto muito menos perigoso do que as duas linhas que se dirigem directamente á fronteira e convergindo em Boadilla. Então todas as commissões de guerra, eram poucas para serem ouvidas; agora não, agora põe-se tudo de parte. Tratava-se então de estrategia politica e não militar!
Discutiu-se aqui largamente a importantissima questão estratégica sobre o Pombal ou Alfarellos. Pombal, servindo de ponto de entroncamento a duas linhas, ameaçava a nossa independencia, e Alfarellos não. Alfarellos era uma importantissima posição militar, era um dos baluartes da independencia de Portugal.
Vejamos agora se não teria sido possivel obter a ligação do Porto com Salamanca por meio de um caminho de ferro construido dentro do paiz. Há muitos traçados que indicam os differentes modos de obter a ligação do Porto com Salamanca, e com a vantagem de cortar uma das provincias mais ricas e mais trabalhadoras, a provincia da Beira Alta. Um d'elles é o traçado das Devezas a entroncar na linha da Beira Alta, em Villa Franca das Naves, passando por Arouca, pela margem direita do Pavia, a Castro Daire, Fraguas e Villa Franca das Naves, com a extensão de 160 kilometros approximadamente.
Seguindo-se este traçado, seria de 360 kilometros a distancia total do Porto a Salamanca; e como a distancia de Salamanca á Figueira é de 381 kilometros, ficava ainda a favor do Porto uma grande differença, e como obra de arte importante haveria apenas a construir um tunnel de 800 metros nas proximidades de Arouca.
Outro traçado, partindo das Devezas e passando em Souto Redondo, Findaes, Braçal, Serrasses, S. Pedro do Sul, Aguiar da Beira a entroncar na linha da Beira Alta em Villa Franca das Naves, teria de extensão approximada 154 kilometros. N'este caso a distancia do Porto a Salamanca seria de 354 kilometros, com maior vantagem sobre a Figueira, e podendo ainda encurtar-se a distancia com uma modificação na linha da Beira Alta, entre Villa Franca das Naves e Villar Formoso, o que poderia ainda diminuir de 22 kilometros a distancia entre o Porto e Salamanca, ficando reduzida a 332 kilometros.
Convem notar que esta differença ainda é muito superior; porque na parte comprehendida entre Barca de Alva e Hinojosa, ha 18 kilometros em pessimas condições de tracção, com rampas e curvas de nivel extraordinarias, e até é impossivel melhorar o traçado n'esta parte se se não quizer alongar extraordinariamente e percurso, porque não ha outro modo de tornar as rampas mais suaves senão alongando o caminho; (Apoiados.} eu pelo menos não conheço outro meio.
Temos, pois, a possibilidade, mesmo dentro do paiz, e despendendo aqui os capitaes, de ligar o Porto com Salamanca, (Apoiados.) porque é preciso que se note bem que nós, opposição, não combatemos a ligação das linhas portuguezas com as linhas hespanholas, porque é isso conveniente aos dois paizes, mas é por esta mesma rasão que entendemos que, havendo interesses reciprocos, nós não temos necessidade de ir subsidiar caminhos de ferro em paiz estrangeiro. (Apoiados.}
Pergunto eu, a Hespanha quando se tratou da ligação do caminho de ferro do Alinho com os da Galliza, veiu construir ou subsidiar alguma parte d'aquelle caminho? Não veiu, e as despezas da ponte sobre o rio Minho, tão importante para o porto de Vigo, são pagas igualmente pelos dois paizes.
N'outro tempo, Portugal era grande pelas suas aventuras de guerra e maritimas; hoje, que estamos pobres e em via de ruina, as aventuras são de outro genero; vamos ao som da tuba sonora, espalhando oiro pelas terras de Hespanha; que nação poderosa somos nós!
E felizmente, sr. presidente, que não é este o sentimento do povo portuguez, que em massa se levanta por toda a parte protestando contra este projecto. (Apoiados.)
Adoptando, pois, qualquer traçado pela Beira Alta, ligando a estação das Devezas com Villa Fiança das Naves, garantindo o juro de 2 por cento só ore 5 por cento, poderia essa garantia subir no maximo até 112:000$000 réis, e é muito possivel que uma via ferrea n'estas condições se obtivesse ainda com muito maiores vantagens para o paiz; porque a companhia da Beira Alta, que é possuidora da linha de Villar Formoso á Figueira, percebendo que ia ter concorrencia, que lhe desviaria parte importante do seu trafico, viria de certo ao concurso que se abrisse, construindo talvez a linha sem garantia de juro; mas quando mesmo tivessemos de gastar a verba de 112:000$000 réis que ha pouco calcule;, ainda nos restavam 23:000$000 réis que poderiam applicar-se á construcção da linha ferrea de Traz os Montes, que tão necessaria é para fomentar a agricultura, a industria e o commercio n'aquellas regiões, onde ha uma população de 37 habitantes por kilometro quadrado, superior á densidade da população de Salamanca, que apenas conta 23 habitantes por kilometro quadrado; poderiamos, pois, obter estas duas linhas pelo que vamos dar para outras fóra do paiz. (Apoiados.)
Argumentou-se aqui, sr. presidente, com a producção da provincia de Salamanca, dizendo-se que d'ali o commercio ha de necessariamente procurar, na sua maxima parte, a cidade do Porto.
Sr. presidente, este argumento nem tem fundamento, nem tem força; pois Salamanca é, porventura, alguma cidade de primeira ordem, que só possa considerar como o centro obrigado do movimento da provincia? Não é.
Salamanca é uma cidade de pequena importancia, o que tem apenas 18:000 habitantes, e demais, a riqueza da provincia não está concentrada na cidade, está dividida por toda a provincia, aonde ha diferentes centros de producção.
A provincia de Salamanca póde dividir-se em quatro regiões.
Embora se diga que eu venho repetir n'esta casa os argumentos do sr. conselheiro Saraiva de Carvalho, pouco me importa, porque as idéas apresentadas por s. exa. são muito sensatas e dignas do seu elevado talento.
A região oriental tem por centro Penaranda, a qual dista do Porto, pelas vias ferreas, 397 kilometros, e do porto de Santander 367 kilometros, com a vantagem de evitar, para o seu trafico, os 18 kilometros em pessimas condições, situados entre Hinojosa e Barca de Alva, na linha do Douro. Convem ainda notar que Penaranda estará brevemente ligada com a linha de Salamanca a Medina del Campo, por uma via ferrea de 26 a 27 kilometros, concedida por lei de 30 de julho de 1878 a D. Alexandre Fernandes de Oliva.
Já se vê que os productos d'esta parte da provincia não procuram provavelmente o Porto. (Apoiados.)
Muito menos sendo o Porto situado em paiz estrangeiro, porque os productos quando têem de passar as fronteiras são sempre sujeitos a um certo numero de vexames provenientes da fiscalisação; por isso os productos d'esta região hão de procurar de preferencia um porto nacional. Quanto ao porto de Lisboa, esse admitte navios de toda a lotação, mas o porto da cidade do Porto apresenta até bastantes difficuldades á navegação. (Apoiados.)
Ora estas difficuldades não desapparecerão emquanto se não construir o porto artificial de Leixões.
A região septentrional tem por centro Ledesma, e n'ella se encontram os vastos terrenos cerealiferos de Armuna e Socampana, cujos productos são os que haviam de constituir o maior contingente para embarcar na barra do Por-
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to, e, portanto, augmentar o rendimento da linha do Douro. Ha, porém, uma circumstancia a notar; é que estes cereaes sáem quasi sempre d'esta região no estado de farinha, produzida nas azenhas do canal de Castella, e caminhando, portanto, para o norte; em todo o caso hão de preferir Santander, onde embarcam principalmente para a ilha de Cuba, com a vantagem dos direitos differenciaes a favor, da producção nacional.
Tambem se diz que o commercio de cereaes havia de percorrer o Porto, mesmo quando tivesse de se dirigirá Galliza.
De certo que não procurará, porque de Santander a cabotagem os distribuirá pelos pontos d'aquella provincia.
Alem d'estas vantagens a favor do porto de Santander, Ledesma estará brevemente ligada com o porto de Gijon, pelo caminho de ferro em construcção de Zamora a Gijon.
Construida a linha a distancia a este ponto será de 357 kilometros, e ao Porto de 358 kilometros.
A região meridional tem por centro Bejar, que dista 70 kilometros de Salamanca para o sul, e, portanto, é claro que os seus productos que houvessem de se dirigir a Portugal, seguiriam pela linha da Beira Alta a Lisboa, que lhe ficai muito mais proxima do que o Porto, devendo tambem notar-se que brevemente estará construida a linha ferrea, que, de Salamanca por Bejar, se dirige a Malpartida, Caceres, e portanto a Lisboa.
Bejar é um grande centro industrial, onde ha importantes fabricas de lanificios, as quaes são destinadas principalmente para os uniformes do exercito hespanhol. Já se vê, que não podemos esperar grande movimento, mesmo pela linha da Beira Alta, porque os productos de Bejar, hão de dirigir-se todos para o sul e para o interior de Hespanha, onde existem as grandes guarnições militares.
Onde estão, pois, as importantes riquezas que hão de alimentar o trafico das linhas portuguezas?
Fica-nos a, região occidental, que tem por centro Ciudad Rodrigo.
Ciudad Rodrigo occupa a parte menos productiva e mais arida da provincia de Salamanca. É n'esta região, que tem por limites as cidades de Salamanca e Ciudad Rodrigo, Barca de Alva e rio Tormes, affluente do Douro, que se encontram os sitios mais desertos.
Na sua area existe o deserto das Batuecas, com centenares de kilometros quadrados, onde vivem em profunda miseria raros habitantes semi-selvagens, e separados da civilisação pelas enormes montanhas d'aquella região tão singular.
Poderá rasoavelmente esperar-se que d'ali provenha acrescimo de trafico para a linha da Beira Alta?
Eu conheço perfeitamente esta parte da provincia, que já por ella transitei no tempo em que exercia uma commissão militar na fronteira de Portugal; aproveitei a occasião para fazer uma excursão pela provincia de Salamanca.
Aquella região é occupada por estevaes immensos, e a sua população é de 13 habitantes por kilometro quadrado, e com relação á sua exportação de trigo o que é que podemos esperar?
Entrando n'outra ordem de considerações, tudo nos leva a crer, que o transito de cereaes provenientes de Hespanha será diminuto e pouco augmentará com as novas ligações das vias ferreas.
Portugal está ha muito ligado com a Hespanha pela linho de leste, e não obstante, se examinarmos as estatisticas hespanholas com referencia ao commercio de cereaes, vemos o seguinte: a Hespanha exportou cereaes nos quatro annos de 1873 a 1877, excluindo o anno de 1870, do qual, por causa "da guerra carlista, não existe a estatistica do movimento total das alfandegas, no valor medio de 9.792:000$000 réis, e como adiante veremos, Portugal "contribuiu em diminuta parte para este movimento commercial.
Debaixo do ponto de vista do commercio de cereaes, podemos considerar a situação da Extremadura hespanhola, em relação ao porto de Lisboa, como analoga á da provincia de Salamanca em relação ao Porto. Tomando como centros d'esta região cerealifera, Badajoz, Merida e Zafra, e comparando as distancias pelas vias ferreas a Lisboa, Sevilha, Cadiz e Huelva, achâmos o seguinte:
Badajoz a Lisboa ................. 281
Sevilha........................... 446
Cadiz............................. 577
Huelva............................ 556
Merida a Lisboa............................. 340
Seviiha........................... 387
Cadiz............................. 518
Huelva....-.-..................... 497
Zafra a Lisboa............................ 426
Seviiha........................... 473
Cadiz............................ 604
Huelva........................... 583
Vemos, pois, que as distancias dos pontos tomados como centros d'aquella região cerealifera aos portos hespanhoes com relação ao porto de Lisboa são muito superiores, e entretanto o movimento de cereaes pelo caminho de ferro de leste é diminutissimo. Tenho aqui um documento, que é a estatistica da alfandega do anno de 1880, que diz o seguinte:
Farinaceos importados de Hespanha para consumo do paiz, em 1880
Toneladas de 1:000 kilogrammas Valores
[ver valores da tabela na imagem]
No anno anterior de 1879, o valor dos farinaceos importados de Hespanha para consumo, foi de 588:095$000 réis.
Por outro lado mostra-nos a estatistica que a nossa principal importação de cereaes para consumo é dos Estados Unidos.
Farinaceos importados da America para consumo do paiz, em 1880
Toneladas de 1:000 kilogrammas Valores
[ver valores da tabela na imagem]
No anno anterior de 1879, o valor dos farinaceos importados da America para consumo foi de 5.137:599$000 réis.
Comparando a importação de Portugal d'aquelles dois
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paizes, achâmos, portanto, que a proveniente de Hespanha se póde considerar como relativamente insignificante.
Reconhece se evidentemente que, apesar da proximidade de Hespanha, nós abastecemo-nos principalmente dos mercados dos Estados Unidos.
E não se diga que não temos meios de communicação com a Hespanha; temos os portos para fazermos a importação por mar e os caminhos de ferro.
Hoje são os Estados Unidos que abastecem os mercados da Europa, de modo que não vejo rasão para se dizer que nos hão de vir de Hespanha cereaes em grande quantidade pela linha do Douro.
Quaes são os productos de Salamanca que deverão procurar os portos de Portugal? Vejamos.
O trigo creio bem que não, como acabei de demonstrar; ora, a problematica exportação de cereaes pela barra do Porto, provenientes de Salamanca, é um dos principaes argumentos com que se affirma o acrescimo de rendimento da linha do Douro ligada com Salamanca. Convem agora examinar qual o valor do commercio de transito entre Portugal e a Hespanha. É diminuto.
Commercio de transito de ou para Hespanha, em 1880
Toneladas de 1:00' kilogrammas Valores
[ver valores da tabela na imagem]
Examinando este mappa, vemos que mais de metade do valor do commercio de transito é fornecido pelo azougue, sendo tambem importantes os valores do chumbo e phosphorite, e insignificantes o dos cereaes.
Eu creio que entre as grandes riquezas da provincia de Salamanca, não se encontra nem o azougue, nem o chumbo, nem o phosphato de cal.
Sabemos que existem ali topasios prismaticos terminados por pyramides que é a fórma geral por que se apresenta crystallisada aquella gemma, que não é mais do que a silica, aluminosa fluatada.
O que não mo consta, porém, é que companhia alguma de caminhos de ferro tivesse esperanças nos lucros provenientes do transporte de pedras preciosas.
Diz-se tambem que a provincia de Salamanca possue jazigos metallicos abundantes; não parece que seja exacto, porque todos os jazigos mais importantes de Hespanha acham-se situados nas provincias do sul, principalmente na Andaluzia.
Já se vê que não temos a esperar grande incremento do commercio de transito e importação de cereaes de Hespanha para Portugal.
São estes os argumentos que se apresentam para justificar a garantia de juro, dizendo-se que as nossas linhas do Douro e Minho haviam de ter um augmento enorme no seu rendimento kilometrico.
O parecer que precede o projecto, cujo artigo l.º se discute, elaborado pelo meu illustre collega e prezado amigo o digno par sr. Margiochi, diz que o rendimento inicial não será inferior a 2:400$000 réis por kilometro.
Este rendimento é manifestamente exagerado.
Estabelecendo a comparação com outras linhas de Hespanha, temos o seguinte:
A linha de Madrid a Malpartida, com mais de 200 kilometros, não rendia mais do 1:300$000 réis antes da fusão com as linhas portuguezas do norte e leste, apesar de ter como origem a cidade de Madrid com a população de 400:000 habitantes.
A linha de Madrid a Badajoz, com 580 kilometros, rendia 1:665$000 réis antes da fusão com a de Zaragosa a Alicante.
A linha de Salamanca a Medina del Campo, que tende a approximar uma parte da provincia de Salamanca do porto de Santander, deu de rendimento no primeiro anno 500$000 réis e depois de dois annos de exploração réis 1:000$000.
Como poderemos então nós esperar que o caminho do ferro de Salamanca á Barca de Alva, que tem tantas linhas concorrentes, algumas construidas e outras em construcção, que se dirigem ao porto de Santander e a outros portos, e que dão necessariamente derivação ao trafico d'aquella região para esses portos, como havemos de esperar, digo, um rendimento inicial de 2:400$000 réis n'aquella linha? É manifestamente exagerado.
Agora vou buscar o exemplo de uma região muito analoga á provincia de Salamanca. É a nossa provincia do Alemtejo.
Vejamos o rendimento da linha do sul e sueste, depois de vinte annos de exploração. E de 1:400$000 réis escassos, e, todavia, aquella linha dirije-se a um porto importante, como é o de Lisboa, um dos melhores da Europa.
Foi preciso que decorressem vinte annos para que o rendimento do um caminho de ferro, que atravessa uma região analoga á de Salamanca, attingisse a importancia de 1:400$000 réis; portanto, como se póde esperar que o rendimento inicial do caminho de ferro de Salamanca seja de 2:400$000 réis?
Quanto á garantia de juro, a somma maxima annual com que Portugal terá de contribuir é de 135:000$000 réis. Essa somma ha de diminuir á medida que o rendimento augmente.
Vejamos quaes possam ser os encargos provenientes da garantia de juro, isto é, quanto terá o thesouro de adiantar antes de começar o reembolso.
Para chegar ao conhecimento d'esta somma, estabeleci a seguinte hypothese, que declaro desde já absurda, e que escolhi convencido de que é exageradissimo o rendimento inicial que supponho. Essa typothese é a do rendimento inicial de 1:600$000 réis, deduzido o imposto de transito, e suppondo um acrescimo constante de 5 por cento annualmente.
Segundo o orçamento hespanhol, o capital despendido pela empreza, subtrahindo a subvenção concedida pelo governo, será de 8.918:000$000 réis, calculo manifestamente exagerado, como mostrarei, que ao juro de 5 por cento representará uma somma animal de 446:000$000 réis. Sendo consideradas as linhas com a extensão de 200 kilometros, e o augmento annual de 5 por cento, como disse, chegâmos ao seguinte resultado, por cuja exactidão respondo;
Annos Sommas pagas por effeito da garantia de juro de 2 por cento sobre e por cento Juro a 5 por cento das sommas desembolsadas durante o periodo de desembolso
[ver valores da tabela na imagem]
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Annos Sommas pagas por effeito da garantia de juro de 2 por cento sobre 5 por cento Juro a 5 por cento das sommas desembolsadas durante o periodo de desembolso
[ver valores da tabela na imagem]
Portanto, no fim de um periodo de vinte e sete annos, cessarão os encargos do thesouro por effeito da garantia de juro de 2 por cento sobre 5 por cento, tendo despendido a somma de 4.858:340$000 réis, mas continuando ainda por largos annos os encargos dos juros d'esta enorme divida, a qual só mui lentamente vae sendo amortisada pela metade do excesso do rendimento liquido dos caminhos de ferro alem de 5 por cento.
Não continúo os calculos, em que poderia proseguir, até chegar a conhecer qual o numero do annos necessarios para que o thesouro tenha sido completamente reembolsado do seu credito sobre a companhia na empreza exploradora; o que é incontestavel é a enormidade do encargo para o paiz, sendo mui provavel que o thesouro não chegue ao completo reembolso durante o tempo da concessão.
Peço licença a v. exa. para não continuar nas minhas observações, visto que está impedido o accesso nas galerias a quem não trouxer bilhete, e não se dão na secretaria, nem tão pouco se permitte que o publico possa, segundo me consta, entrar no edificio da camara.
Isto são circumstancias anormaes, e eu não posso nem devo continuar as minhas reflexões.
O sr. Presidente: - Não foi dada ordem alguma para que fosse prohibida a entrada ao publico nas galerias.
O Orador: - No entanto, o que está passando revela que as circumstancias são extraordinarias.
O sr. Presidente: - Como esclarecimento ao digno par, devo declarar, que dentro do edificio não se deram instrucções differentes das que têem sido dadas desde o começo da sessão.
Para a galeria reservada são dados os bilhetes em numero equivalente ás pessoas que ella comporta, e para a galeria geral entram todas as pessoas que queiram, até que estejam preenchidos os logares.
É o que se tem praticado e continuará a praticar sem a menor alteração.
O Orador: - Agradeço a explicação de v. exa.; mas a verdade é que estão muito poucas pessoas nas galerias, havendo bilhetes na secretaria, que se não dão a quem os vae pedir.
O sr. Presidente: - O numero de bilhetes para a galeria reservada é limitado, e dão-se a quem os vae pedir na secretaria.
Alem d'isso ha os logares reservados para os membros de imprensa e para as familias dos pares.
Quanto á galeria geral, n'essa entra o numero de pessoas que ella comporta, como já disse, e não tenho necessidade de repetir.
Basta olhar para as galerias para ver que estão preenchidos.
O Orador: - No entanto, peço ao sr. ministro das obras publicas, visto serem graves as circumstancias, que nos de algumas explicações sobre quaes foram os motivos que obrigaram o governo a empregar certo apparato policial, absolutamente desnecessario, a meu ver. Aguardo a resposta de s. exa.
Como, porém, o nobre ministro não pede a palavra, o seu silencio auctorisa-me a suppor que nada sabe do que occorre lá fóra.
O sr. Presidente: - V. exa. terminou o seu discurso?
O Orador: - Vou fazer ainda algumas considerações sobre os orçamentos.
Pelo orçamento hespanhol está calculada a despeza em 11.057:662$800 réis, o que na extensão de 198:051 metros, dá para media kilometrica 55:691$801 réis.
É manifestamente exagerado. Todos sabem que pela corographia da provincia, exceptuando a parte comprehendida entre a Barca de Alva e Lumbrales, a planta e o perfil se apresentam em boas condições.
Deviamos portanto ser escrupulosos no exame dos orçamentos dos traçados, para ver se effectivamente eram verdadeiros ou estavam feitos com exagero. Não podiamos esperar que o governo hespanhol fosse excessivamente meticuloso no exame dos orçamentos, visto ser a subvenção concedida, a maxima, na importancia de 10:750$000 réis por kilometro approximadamente.
Ora, com um traçado facil não se podem calcular as despezas em mais de 40:000$000 réis por kilometro, temos portanto:
De Salamanca a Villar Formoso, traçado facil, 126:339 metros, a 40:000$000 réis, 5.053:560$000 réis;
De Boadilla á Barca de Alva, a parte mais difficil, 18 kilometros comprehendidos entre Hinojosa e Barca de Alva, a 80:000$000 réis, 1.496:960$000 réis.
Parece-me que não é exagerar. Para uma linha n'aquellas condições 80:000$000 réis são de certo sufficientes.
De Boadilla a Barca de Alva, parte facil na extensão de 53:498 metros a 40:000$000 réis por kilometro, réis 2.139:571$440.
Sommando as tres parcellas, temos para custo total réis 8.690:512$000, que diminuindo de 2.139:071$440 réis, importancia da subvenção paga pela Hespanha, se reduz, á somma de 6.550:940$560 réis a cargo do syndicato ou empreza que se organisar.
Não tenho a pretensão de dizer que este orçamento é verdadeiro. Entretanto, parece-me que se approxima da verdade muito mais do que o orçamento hespanhol,
Já se fez a sua analyse ne camara dos senhores deputados, e ahi se provou até á evidencia, comparando-o com o de outras linhas de Portugal, que a despeza era enormemente exagerada.
(Leu.)
Repito, apresento isto como uma hypothese mais ou menos approximada, porem sem ter a pretensão de dizer que esta é a verdade. Do que estou convencido é que não haverá grande exagero para menos.
Segundo o orçamento hespanhol, e conforme as disposições do projecto de lei, o reembolso para o thesouro portuguez começa quando o rendimento bruto, excluido qualquer imposto de transito, for alem de 3:708$000 réis por kilometro. Segundo a minha hypothese, o reembolso começa logo que o rendimento kilometrico, nas mesmas condições, exceda a 3:041$000 réis.
É uma differença enorme que se traduz por um augmento importante do despeza para o thesouro, A conclusão é que deveria haver o maior escrupulo, no exame dos
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orçamentos; da parte do governo e dos que admittem o subsidio ou garantia de juro a caminhos situados em territorio estrangeiro.
Em Hespanha ha actualmente um projecto que faz parte do plano geral de caminhos de ferro e que tem por fim ligar os portos da Andaluzia aos portos de Santander, Gijon, e outros do mar Cantabrico, por meio de uma via ferrea parallela á fronteira de Portugal.
Esta grande linha acha-se actualmente no seguinte estado: construida e em exploração a ponte comprehendida entre Leon e Gijon 172 kilometros 274 metros, exceptuando o troço entre Busdongo e Pola de Lena em. construcção (44:200 metros), e que é a parte mais difficil, porque atravessa os Pyreneus das Asturias. De Leon a Astorga está construida e em exploração uma via ferrea (52 kilometros) que se dirige por Ponferrada e Monfonte a ligar com os portos da Galliza.
Convem notar a influencia d'estas linhas sobre o porto de Gijon, o qual antes da construcção do caminhe tinha a população de 6:200 habitantes, e hoje, construida a linha a que me referi e ligado alem d'isso aquelle porto ás importantes minas de ferro que existem proximas, attingiu a população a 30:600 habitantes.
(Leu.}
A linha de Leon a Benavente, na extensão de 40 a 45 kilometros, foi concedida por lei de 11 de janeiro de 1881 e D. Miguel Gonzalez Buitrago, sendo de um anno o praso para os estudos.
A linha de Astorga a Malpartida de Plasencia por Benavente, Zamora, Salamanca e Bejar está concedida á companhia de Malpartida, tendo primeiramente sido estudada pela companhia de Zamora a Medina a parte comprehendida entre Benavente e o entroncamento de Astorga, pelo que contesta o direito de prioridade á outra companhia, dependendo a resolução do conselho de estado.
Feita a ligação directa de Salamanca com Leon e portanto com o porto de Gijon, terá a linha do Douro e o Porto um terrivel concorrente, porque a distancia de Zamora ao Porto por Salamanca, que seria de 395:800 metros, será apenas de 295 kilometros approximadamente ao porto de Gijon, o que equivale a dizer que o trafico do norte da provincia de Salamanca irá para Gijon e não para o Porto.
Construido o porto de Leixões, estas distancias seriam ainda acrescidas em 11 kilometros, extensão do ramal destinado a ligar o porto artificial com a cidade na estação terminus actual das linhas do Minho e Douro.
Se compararmos a distancia de Salamanca ao porto de Santander, pela linha de Medina dei Campo, achâmos que é de 385 kilometros, isto é, existe uma differença de 58 kilometros a favor do Porto, a qual é em parte destruida pelas pessimas condições dos 18 kilometros entre Hinojosa e Barca de Alva.
Referindo-nos a Leixões seria a differença de 47 kilometros.
Devemos ter em muita consideração as linhas ferreas de Hespanha, tanto as existentes como as que estão em construcção.
Nós não devemos só olhar para o presente, devemos tambem olhar para o futuro.
A Hespanha trabalha effectivamente para completar a sua rede de linhas ferreas, e liga particular importancia á linha que corre ao longo da fronteira de Portugal, a qual, alem da importancia militar, tem a de desviar para os pontos do norte e do sul o trafico que, não existindo ella, havia necessariamente de procurar os portos de Portugal.
Este resultado póde ser alcançado apesar das distancias serem maiores com relação aos portos de Hespanha em alguns casos, por meio das tarifas differenciaes, que têem uma tal influencia que muitas vezes augmenta consideravelmente o percurso, 200 e 300 kilometros, sem que o custo dos transportes se eleve.
Por consequencia, é quasi uma proposição mathematica que o augmento do trafico das nossas linhas ferreas, especialmente da linha do Douro, não terá o enorme acrescimo que muitos esperam, nem as linhas de que se trata hão de trazer para Portugal as conveniencias que se apregoam.
Prosigo ainda nas minhas observações com respeito ao artigo 1.° do projecto que se está discutindo na especialidade, fundando os motivos que me levam a rejeital-o.
Emquanto á organisação do syndicato, está sufficientemente provado pela publicação dos documentos officiaes, e aos quaes já me referi, que a société financière se compromettia a ir ao concurso para a construcção das linhas ferreas de Salamanca á Barca do Alva e a Villar Formoso, e que o praso para a conclusão das duas linhas era de cinco annos, o qual havia de ser muito reduzido, porque a société financière chegara por fim ao accordo solenme de concluir a linha da Barca de Alva em dois annos, contados a partir do dia em que faltassem sómente 30 kilometros a construir na linha do Douro para chegar á fronteira.
O sr. ministro não acceitou e queria, exigia, que a. financière reduzisse este praso a tres annos: nada ha que justifique a rejeição d'estas propostas da companhia financière tão rasoaveis. (Apoiados.)
Demais, sr. presidente, que nem mesmo tinhamos que pagar-lhe subsidio algum. (Apoiados.)
Tem-se dito que o sr. ministro não acceitára as propostas da financière, por haver quasi a certeza que ella concluiria em menos tempo a linha de Villar Formoso do que a de Barca de Alva a Boadilla; não havia duvida que sendo a financière proprietaria das linhas de Salamanca a Medina dei Campo e da Beira Alta, fizesse mais depressa a linha de Villar Formoso, pelo interesse que tinha n'essa ligação, nem isso admirava, comtanto que no praso estipulado ella tivesse concluida a da Barca de Alva; é verdade que a financière a esse tempo sabia já que um outro concorrente se apresentava em circumstancias especiaes.
Portanto, sr. presidente, os argumentos que o sr. ministro das obras publicas apresentou são argumentos de nenhum valor, peço licença para os classificar assim; s. exa. o que fez foi difficultar.
Quanto á questão dos 30 kilometros, todos que sabem o que são caminhos de ferro, sabem tambem que as obras do construcção se atacam por diversos pontos ao mesmo tempo, em differentes secções, e quando ha obras de arte, estas se atacam tambem segundo a sua importancia, de modo que chegado um certo praso estejam todas concluidas; mas, sr. presidente, o sr. ministro nem chegou a entabolar negociações com a financière, para resolver sobre o modo por que se havia de fazer a contagem dos 30 kilometros, repelliu immediatamente as propostas que ella apresentou, (Apoiados.) nem tratou de procurar chegar a um accordo; o que foi, pois, tudo isto? Foi um pretexto para afastar a financière, que já n'essa occasião estava entendida com o syndicato; porque para mim, sr. presidente, syndicato e financière é uma e a mesma cousa; (Apoiados repetidos.) mas ainda que a financière entabolasse negociações não podia ir ao concurso, porque nem ella nem os mais concorrentes serios que se apresentaram podiam lucrar com outro concorrente que podia contar, alem do subsidio hespanhol, com o do governo portuguez, e a financière reservando-se para mais tarde havia de necessariamente chegar a accordo com o syndicato.
O accordo deu-se, e como resultado d'elle havemos de ver a união de Villar Formoso com Salamanca primeiro do que a união de Salamanca com Barca de Alva, o que muito convem aos interesses da financière, quando era isso que tanto se receiava, o que se dizia trazer como consequencia o fazer crescer a herva nas das do Porto, quando era isso, emfim, que se declarava como devendo causar a ruina das provincias do norte.
E essa união de Villar Formoso com Salamanca primeiro que a união de Barca de Alva com aquella cidade hespa-
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nhola não fará senão tornar mais aggravante a concessão da garantia de juro pelo governo portuguez, porque a final irá beneficiar outra companhia, sem que se tirem os taes resultados com que se pretende justificar a necessidade do syndicato e da garantia de juro, isto é, conseguir mais rapidamente a ligação do caminho de ferro do Douro com Salamanca.
Isto não é serio.
Á proposta da financière respondia o sr. ministro em telegrammas de 16 de junho, o seguinte:
"1.° Proposta da société financière, difficil de acceitar. São necessarias explicações. Fôra bom société financière encarregar alguem de se entender aqui commigo a esse respeito.
"2:° Bases propostas société financière impossiveis acceitar sem explicação. Se société financière quer acceitar minhã proposta, que é simples e a ninguem prejudicial, perfeitamente. Do contrario só entrando em explicações muito positivas; n'este caso desejo que as explicações tenham logar aqui."
Não quero de modo algum comparar-me em intelligencia e elevado talento com o sr. ministro das obras publicas, mas eu no caso de s. exa. acceitava logo essa proposta. (Apoiados.}
Entre pagar, e receber gratuitamente, optava pelo segundo meio, embora tivesse de esmerar e receber mais tarde. (Apoiados.)
Já era insistencia em recusar. A financière fazia um beneficio a Portugal, propunha-se a estabelecer a ligação entre o caminho de ferro do Douro e Salamanca, e ainda assim havia de satisfazer o seu commissario a todos os caprichos por parte do governo; não podia ser.
O governo tinha pessoas de confiança a quem podia auctorisar para contratar com a financière ou com os seus delegados, podia por esse meio obter as explicações de que carecesse; não quiz, porém, seguir este caminho, e manda dizer ao nosso encarregado de negocios em Madrid, primeiro que a proposta d'aquella companhia era difficil de acceitar, e logo no mesmo dia, que era impossivel acceitar a proposta sem explicações.
A esta exigencia não annuiu a financière e ficaram rotas as negociações.
N'essa occasião, porém, já o sr. ministro das obras publicas andava estabelecendo negociações por intermedio do sr. Burnay para a organisação do syndicato. Por isso creio que as respostas do sr. ministro á proposta da financière não tinham por fim senão affastal-a apparentemente d'este negocio.
No dia 29 de agosto de 1881, dizia o sr. ministro á commissão do syndicato:
"Vá o syndicato ao concurso para que este não fique deserto; mas não faça na sua proposta uma reducção muito superior a 50 pesetas por kilometro, para que a importancia da reducção não seja causa de ficar o syndicato com a concessão. N'uma palavra: se poder conseguir que outro concorrente obtenha a adjudicação, respeitando os interesses de Portugal, desista o syndicato; se, porém, conhecer que aquelles interesses ficam a descoberto ou ameaçados, procure então obter a concessão, e o governo cumprirá o que eu estou auctorisado a prometter, isto é, o governo apresentará ás côrtes, na proxima sessão, um projecto de lei, garantindo o juro de 5 por cento ao capital a empregar na linha de Salamanca á Barca de Alva."
Diz-se que se não fÕra o syndicato ao concurso, ficaria deserto, e por outro lado afastavam-se os concorrentes, estabelecendo-se previamente conluios, e primeiramente ameaçando o syndicato a société financière, como consta das publicações.
Verdade é que as terriveis ameaças do syndicato se transformaram bem depressa em benevolo accordo com a financière.
Era natural que não apparecessem outros concorrentes, sabendo-se que alem do subsidio pago pelo thesouro hespanhol, tinha mais o syndicato a garantia dos 5 por cento, segundo a promessa formal feita pelo sr. ministro.
Eu dou os meus louvores a s. exa., porque sustentou a sua palavra, e porque vem aqui defender as suas idéas. Não lhe levo isto a mal, mas pergunto eu: como é que a financière podia ir ao concurso, sabendo que havia outro concorrente que tinha a garantia de juro? De modo nenhum lhe vinha concorrer, porque eram desigualissimas as condições, e eu applaudo a abstenção que ella teve. Podia acontecer que o concurso ficasse deserto, e se isto se désse a financière se entenderia depois com o syndicato, e, tanto isto havia de forçosamente dar-se que o syndicato, antes do concurso, tinha estabelecido um accordo com a financière, accordo do qual resultaram grandes vantagens para este estabelecimento de credito, e muito beneficio para as suas linhas da Beira Alta e de Salamanca a Medina del Campo.
(Leu.)
Isto é, não tinha o menor interesse em que as duas linhas de Salamanca á Barca de Alva e a Villar Formoso lhe fossem adjudicadas, visto que tinha o seu interesse completamente garantido.
(Leu.)
O resultado final seria que a financière, depois do concurso, entraria em transacções com o syndicato, para lhe comprar o direito á garantia de juro pago pelo thesouro portuguez; por isso que o syndicato, segundo um artigo da lei, pôde, com auctorisação do governo portuguez, transmittir a concessão.
E é o que necessariamente ha de succeder, porque o syndicato não póde organisar uma companhia de caminhos de ferro com capitaes d'esta importancia.
Todos sabem que a financière tem relações nas principaes praças commerciaes, e exerce influencia nos mercados mais importantes, sendo-lhe portanto facil collocar as acções e obrigações que a empreza ha de emittir para obter os capitaes necessarios.
O syndicato é desconhecido nos mercados monetarios, não poderia fazer com bom exito emissões de titulos nas praças estrangeiras, e não havendo no nosso paiz capital disponivel que somme uma cifra d'aquella ordem, é evidente que esta concessão, mais tarde ou mais cedo, será trespassada.
O projecto, que estamos discutindo dá apenas margem a que o syndicato lucre enormemente á custa do thesouro de Portugal, dando-se alem d'isto a circumstancia aggravante de ir fazer um caminho de ferro em paiz estrangeiro.
Eu hei de votar sempre contra subsidios para a construcção de caminhos de ferro em territorio estrangeiro, porque eu não admitto de modo nenhum esta prodigalidade, que assume as proporções de um insulto lançado ás faces do paiz, o qual está luctando com graves embaraços e difficuldades economicas e financeiras.
Rejeito este projecto, que é monstruoso e attentatorio da liguidade, e quem sabe se da autonomia do paiz. (Apoiados.)
Não lhe admitto tão pouco correctivos, porque o unico correctivo seria o ser rejeitado unanimemente.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)
O sr. Mendonça Cortez: - Mandou para a mesa uma representação dos habitantes do concelho dos Olivaes, queixando-se do procedimento das auctoridades locaes, que prohibiram uma reunião ou meeting, que esses habitantes queriam fazer.
Pedia que, consultada a camara, se consentisse na publicação do mesmo documento no Diario do governo.
Não podia deixar de chamar especialmente a attenção da camara para a mencionada reclamação, que constitue um attentado contra os direitos que a lei confere a todos os cidadãos.
Aproveitava a occasião de estar com a palavra, para se
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referir ao facto de se achar vedado ao publico o transito nas proximidades do edificio do parlamento.
Este facto era mais uma prova da pouca circumspecção do actual governo, e o seu receio exagerado de imaginarias perturbações da ordem publica.
Outro facto tambem para estranhar era o de algumas centenas de cidadãos terem vindo á camara com o fim de assistir á sessão, e ser-lhes prohibida a entrada nas galerias, dizendo-se-lhes que ellas se achavam cheias, quando era certo que a terça parte, pelo menos, dos logares das galerias estavam desoccupada.
Desejava ouvir a explicação de todos estes factos.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, dentro d'esta casa é a v. exa. que cabe a manutenção da ordem, lá fóra é ao governo.
Dentro d'este recinto, o caracter e a dignidade com que v. exa. preside ás discussões é uma garantia mais cio que sufficiente, de que as liberdades parlamentares serão mantidas, e que a discussão correrá dentro dos limites da ordem; lá fóra é ao governo a quem incumbe fazer respeitar a lei e a ordem, como é do seu dever, de medo que os direitos de todos sejam mantidos e respeitados.
Não é verdade que o governo tivesse dado instrucções para se prohibir o transito pelas das proximas ao edificio das côrtes, e portanto a arguição que o digno par o sr. Cortez dirigiu ao governo é completamente distituida do fundamento.
O digno par referiu-se tambem a um comicio, que a auctoridade administrativa, impedira de realisar nos Olivaes.
Não é exacta a informação de s. exa. Eis a exposição dos factos.
(Leu.)
Vê a camara, que se a reunião não se effectuou foi porque o dono da propriedade onde se havia de realisar o comicio se oppoz, e não porque a auctoridade o prohibisse.
Esteja, pois, o digno par tranquillo, porque, se as suas intenções são no sentido de que a ordem publica seja mantida e os direitos de todos respeitados, essas mesmas intenções são as do governo, o qual ha de cumprir o seu dever, e quando o não poder fazer, sabe o caminho que tem a seguir. (Muitos apoiados.)
(O orador não reviu este discurso.)
Havendo algum sussurro nas galerias, disse.
O sr. Presidente: - Eu já tenho prevenido as galerias, de que lhe é prohibido fazer qualquer manifestação. Hei de manter a ordem e a liberdade da camara, e a mais pequena interrupção faço despejar as galerias e não tornam mais a entrar.
Não o tenho já feito, para não incommodar as pessoas serias e graves que estão assistindo á sessão, e que não têem culpa de similhantes desvarios; mas vejo-me obrigado a proceder sem mais advertencia.
O sr. Mendonça Cortez: - Folgava com as explicações que acabava de ouvir ao sr. ministro das obra a publicas, por isso que desejava que a lei fosse acatada, e que todos gosassem das legitimas liberdades a que tinham direito, tanto amigos como adversarios. Estimaria que as providencias tomadas pelo governo, fossem no sentido que o sr. ministro das obras publicas inculcára.
A representação que mandara para a mesa affirmava um facto que o sr. ministro dizia não ser exacto, e entre as asserções encontradas dos cidadãos que reclamavam, e da auctoridade que informara os seus superiores, o paiz é que havia de resolver.
Quanto ao facto do transito publico estar impedido nas proximidades do edificio das côrtes, se elle não procedia de ordens do governo, não era, todavia, menos exacto que o mesmo facto se tivesse dado; ninguem o podia contestar.
Com relação ao caso de se não deixar entrar o publico nas galerias da camara, não se tratava de appellar para a prudencia e imparcialidade da presidencia, que ninguem puzera em duvida: o facto era que, no principio da sessão, a muitos cidadãos que queriam assistir á sessão, lhes fo1 vedada a entrada nas galerias, sob o pretexto de que estavam cheias, não obstante haver ainda n'ellas muitos logares.
Pedia á mesa que désse ordem para que similhante facto se não repetisse.
O sr. Presidente: - Como explicação, devo dizer ao digno par que o regimento, que eu hei de fazer cumprir integralmente, dispõe o seguinte:
(Leu.)
Isto quanto á galeria geral.
Com relação á galeria debaixo, ha numero determinado de bilhetes e separações distribuidas pela secretaria da camara; este numero de bilhetes é determinado, não se pódem dar mais.
Agora devo dizer aos dignos pares que pediram a palavra o seguinte:
O digno par o sr. Cortez mandou para a mesa uma representação, que ha de ser lida na occasião competente.
Fez mais as considerações que a camara acaba de ouvir, ao que o governo respondeu, como sempre tem direito a fazer.
Sobre este incidente increveram-se os srs. Vaz Preto, Cortez e Ferrer, mas eu não posso dar a palavra a s. exas. sem que a camara o consinta.
O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Eu tambem tinha pedido a palavra, mas, se v. exa. não quer interromper a ordem do dia, darei depois algumas explicações, se houver tempo.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara a este respeito.
Os dignos pares que entendem que se interrompa a ordem dia e que se de a palavra a alguns dignos pares que a pediram para continuar o incidente, tenham a bondade de se levantar.
A camara resolveu negativamente por 38 votos contra 34.
O sr. Telles de Vasconcellos: - Folgava que as liberdades do paiz fossem garantidas por quem as deve garantir para todos os cidadãos que se encontravam tanto dentro do recinto da camara como fóra d'ella.
Levantava a sua voz com consciencia segura, e em nome do seu dever.
A questão tomára uma direcção diversa d'aquella que deveria ter tomado, o que sempre succedia quando ás considerações de ordem administrativa se antepunham as conveniencias ou os caprichos da politica partidaria.
Sentia que se tivessem soltado na discussão certas phrases tendentes a amesquinhar o nosso paiz, que apesar de pequeno e pobre, tinha um credito solido nas praças estrangeiras, o que não succedia a outras nações de muito maior importancia.
O assumpto para elle, orador; apresentava-se facil, singelo e claro. Estava costumado a tomar todas as responsabilidades dos seus empregos e deveres, e tinha a coragem das suas opiniões. Tendo estado sempre ao lado do povo, julgava-se auctorisado para dizer que agora o povo não tinha rasão, porque estava sendo enganado e servindo de instrumento a influencias politicas.
O dever dos homens publicos era dizer toda a verdade ao seu paiz, sem olhar para as conveniencias partidarias, é a verdade pura e simples no caso sujeito não era o que se apregoava, porque nem o governo ia dar subvenção alguma, para se construirem caminhos de ferro em Hespanha? nem a nossa autonomia perigava com a ligação das linhas pcrtuguezas com as hespanholas.
Admirava-se dos calculos que via apresentar, e das proposições que se sustentavam. Disse-se, por exemplo, que o governo ia dar uma subvenção de 135:000$000 réis, e para o fazer tinha de ir levantar capitaes no estrangeiro, pelo que havia de pagar juro e juro de juros.
Sobre esta base os que combatiam o projecto tinham feito calculos taes que chegaram á conclusão de que o thesouro portuguez viria a despender sommas fabulosas por effeito da garantia de juro que se propunha.
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Ora isto não era assim, porque todas as sommas que o governo houvesse de dar por effeito d'essa garantia eram reembolsaveis, com o respectivo juro; o governo não teria que fazer mais que um adiantamento, cuja maxima annual estava marcada no projecto.
Havia-se dito, analysando uma proposta apresentada por uma casa bancaria offerecendo pagar a garantia de juro ao syndicato mediante a commissão da exploração das linhas do Minho e Douro, que se ella fosse acceita, a mesma casa tiraria uns lucros enormes. Sendo assim, como era que os proponentes haviam de ganhar com a exploração d'aquellas linhas, apesar de terem que desembolsar a quantia de juro, e o governo nas mesmas ou em melhores circumstancias não podia ter lucro algum, antes havia de perder grandes sommas? Similhantes argumentos caiam á menor analyse.
Não o assustava a idéa de que a approvação do projecto podesse trazer qualquer perigo para Portugal. Nós não podiamos ficar isolados, e fechar a fronteira aos nossos vizinhos, pelo contrario deviamos facilitar as nossas relações com as outras nações, e podiamol o fazer sem que houvesse risco para a nossa autonomia.
Ninguem n'este paiz deixava de ter o maior amor pela sua independencia, e se chegasse um momento em que ella perigasse, não haveria um portuguez que não se apresentasse a defendel-a; não se tratava porém d'isso, mas unicamente de estabelecer mais um meio de communicação internacional, que não era mais perigoso dos que os já existentes; tratava-se de dar mais um passo no caminho do progresso civilisador, de beneficiar a cidade do Porto e as provincias do norte, e ao mesmo tempo de augmentar o rendimento de uma linha que era propriedade do estado.
Commentando outros argumentos apresentados pela opposição, ponderou que o que convinha apurar era se o projecto trazia ou não vantagens ao paiz, e se essas vantagens eram ou não superiores aos inconvenientes ou prejuizos a que elle poderia dar origem.
Pela sua parte estava convencido que elle era assas vantajoso e conveniente, de contrario não lhe daria o seu voto, nem nenhum digno par o approvaria tambem, nem o governo o apresentaria.
Concordava em que o porto de Leixões era muito necessario á cidade do Porto; mas era tambem preciso assegurar-lhe as communicações com o resto do paiz e com o reino vizinho, e algum d'estes melhoramentos se havia de fazer primeiro; mais tarde, quando as circumstancias o permittissem, se trataria da construcção d'aquelle porto.
Tambem era combatido o traçado, via porém, que elle tivera a approvação de homens eminentes d'este paiz, de politica contraria ao governo actual, os quaes tinham tido parte nas negociações para se levar a cabo a ligação da linha de Salamanca com as linhas portuguezas.
Expendeu a sua opinião a respeito do valor das representações, dizendo que nada significam quando não representavam os verdadeiros votos do paiz, mas sim o artificio dos partidos politicos para obter essas manifestações da parte do publico, muitas vezes indifferente a ellas, e concluiu fazendo o elogio das altas qualidades do monarcha, que sabia ser verdadeiro rei constitucional, e cujo espirito liberal e honroso o faziam querido e amado de todo o povo portuguez.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.}
O sr. Mendonça Cortez: - Felicitava o digno par que o precedera, não só pela eloquencia das suas palavras, senão pelo sentimento com que as proferira.
Passando a occupar-se do artigo 1.° em discussão, pergunta se não havia outro meio de conseguir o fim que se teve em vista com a formação do syndicato e com a garantia de juro, e na hypothese de não haver outro meio senão aquelle, se o negocio merecia os encargos importantes que trazia ao thesouro?
Entendia, como toda a opposição, que a cidade do Porto merecia o sacrificio que se ia fazer; mas não era esta a questão porém, se não fôra possivel evitar esse sacrificio.
Tinha de fazer a historia d'este negocio; mas o governo não ministrava todos os documentos que se lhe haviam pedido, sendo do seu dever apresental-os para os membros da camara poderem formar uma opinião segura. Faltava um grande numero de elementos importantes de estudo, que eram indispensaveis para a discussão e que o governo não quiz fornecer, o que obrigava elle, orador, a procurar obtel-os particularmente com muito trabalho e até despendio de dinheiro. Não podia deixar de estranhar essa falta tão grave da parte do governo.
Quando o partido progressista estava no poder, sempre enviou ao parlamento todos os documentos que lhe eram pedidos pelos membros das duas camaras; o actual governo, porém, furtava-se quasi sempre a satisfazer similhantes pedidos, e respondia comi subterfugios.
A questão tinha duas historias, a que resultava dos documentos que tinham sido presentes á camara, e outra mysteriosa, que era a que se podia deduzir dos documentos que não tinham vindo ao parlamento, e que não appareciam, mas aos quaes se referiam alguns dos publicados.
Enumerou os documentos que fôra indispensavel ter presentes para se votar o projecto com plano conhecimento de causa, e poz em relevo a importancia de cada um d'elles. Analysou o procedimento do governo com relação á remessa d'esses documentos, e notou o facto do sr. ministro das obras publicas não querer mandar um documento que se lhe pedira e sobre o qual veiu depois fundamentar a sua argumentação, tirando aos seus adversarios um elemento de analyse. Não lhe parecia que similhante facto provasse que se desejava luctar com lealdade.
Apreciou em seguida o valor de alguns dos documentos que tinham sido remettidos, e fez ver a sua insufficiencia e defeitos.
Como desse a hora, ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.
(O discurso do orador será publicado quando s. exa. o devolver.}
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e trinta e seis minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 10 de julho de 1882
Exmos. srs.: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alte, de Bertiandos, do Bomfim, de Castro, da Fonte Nova, da Louzã, de Paraty, da Ribeira Grande, de Ficalho; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, da Arriaga, de Azarujinha, de Bivar, de Chancelleiros, de S. Januario, de Monte São, de Moreira de Rey, de Seabra, de Seisal, de Sieuve de Menezes, de Soares Franco; Barão de Santos; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Pequito de Seixas, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Arrobas, Xavier da Silva, Palmeirim, Bazilio Cabral, Bernardo de Serpa, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Pinto Basto, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Ponte e Horta, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Lourenço de Almeida, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Calheiros, Thomás Ribeiro, Ferreira de Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.