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CAMARA DOS SENADORES.

14.ª Sessão, em 14 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella - continuada pelo Sr. Machado, 1.° Secretario.)

Sendo uma hora e meia da tarde, abriu-se a Sessão, presentes 51 Srs. Senadores. Leu-se a Acta da precedente, e foi approvada.

O Sr. Vellez Caldeira pediu que os dous Projectos de Lei — sobre a reforma do Terreiro Publico de Lisboa, e para a repressão do Contrabando de Cereaes — fossem remettidos á Commissão de Agricultura; e assim se resolveu.

O mesmo Sr. Senador, como Relator da Commissão de Legislação, leu e mandou para a Mesa o seguinte

Parecer.

Na Commissão de Legislação compareceu o Sr. Ministro das Justiças, como havia sido convidado, para a discussão do Projecto n.º 1.° apresentado pelo Sr. Senador Lopes Rocha; e ponderando o Sr. Ministro, que o Ministerio havia apresentado na Camara dos Deputados um Projecto de Lei para o mesmo fim do que se queria discutir, Projecto, sobre que a Commissão de Legislação daquella Camara tinha já o seu parecer prompto, e que deve discutir-se quanto antes, por ter o seu objecto sido declarado urgente a requerimento do Governo, pediu o Sr. Ministro das Justiças que se sobreestivesse na discussão do Projecto do Sr. Senador Lopes Rocha. — A Commissão de Legislação, de accôrdo com o Sr. Senador Auctor do projecto, é de parecer, que se deve sobreestar na sua discussão, até que venha a esta Camara o apresentado pelo Governo na Camara dos Deputados. Casa da Commissão, em 11 de Junho de 1840. = Manoel Duarte Leitão = Antonio de Azevedo Mello e Carvalho = Feliz Pereira de Magalhães = Manoel Antonio Vellez Caldeira Castel-branco = Visconde

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DIARIO DO GOVERNO.

occupada interina mente pelo Sr. Secretario Machado, que deu a palavra a

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Pedi a palavra porque, depois que o nobre Senador acabou de fallar, vi reinar silencio nesta Assembléa, e não tinha reparado que o Sr. Presidente della, largando a sua cadeira, se dirigia a tomar uma de Senador, seguramente para apresentar á Camara algumas observações que o seu talento, a sua experiencia de negocios, e tambem o seu patriotismo muito conhecido (e muito mais conhecido fóra desta Nação do que dentro della) lhe tivessem suggerido sobre a materia.

Longa está de mim o querer contradizer em nada a expressão de sentimentos Portuguezes apresentada pelo illustre Senador, e tarefa indigna de mim como Portuguez, e indigna de mim como Ministro, seria a de defender os excessos commettidos por uma Potencia estrangeira contra nós, e contra a justiça, para dar razão a esses que a não tem, e que além disso são estrangeiros, e tira-la a nós que soffremos, que padecemos pelos insultos que se nos tem feito, e que além disso soffremos esses Insultos sem, em muita parte, os ter merecido.

Eu convenho que tem sido o pensamento e o sentimento de todas as Administrações Portuguezas, desde a restauração do Throno da Rainha até agora, acabar com o trafico da escravatura; neste intuito de o acabar, e de o acabar dignamente, começaram as negociações, se me não engano, em 1835, e progrediram até 1836, pelas Administrações anteriores á epocha da mudança que houve em Setembro nas Instituições politicos da Monarchia; convenho ainda, e o digo com toda a sinceridade, que essas Administrações, e as subsequentes não menos que as primeiras, todas tiveram a peito o acabamento desse trafico illicito pois feitura de um Tractado; tudo isto é exacto; mas é preciso confessar uma cousa, uma verdade (verdade amarga) que apezar das providencias dadas, das medidas tomadas pelas Administrações que se seguiram é mudança politica de Setembro de 1836, muito commercio da escravatura se fez, içadas, sobre os navios negreiros, as côres e as Quinas Portuguezas. E dir-se-ha que a bandeira Portugueza não servia de capa a esse commercio desgraçado? Não serve por vontade dos Governos, é pelo contrario contra a vontade dos Governos; e a expressão de que se servio o nobre Senador, como attribuida a um Ministro Inglez, que se queixa de que a bandeira Portugueza tenha servido de cubrir esta carga iniqua, deve ser explicada deste modo. O Governo não póde, á vista de certos factos e de muitos factos, deixar de convir que fraudulentamente se tem levantado a bandeira Portugueza para cubrir o infame trafico da escravatura (apoiados); não sendo menos certo que o Governo deseja oppôr-se a que similhantes fraudes se commetam, e que tem dado providencias para isso; a verdade tambem pede que se diga que essas providencias não tem sido effectivas, que se tem zombado das ordens do Governo, e que estrangeiros tem obtido passaportes e outros papeis de alguns Empregados de Portugal, para se darem a este trafico. Então subsiste o objecto da questão; então vem as considerações do nobre Senador, as medidas de rigor, e as medidas de violencia que tam sido exclusivamente executadas contra os navios Portuguezes. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Exclusivamente, apoiado) Eu não o nego, nem o posso negar, mas tambem o não posso confessar absolutamente; casas ha em que esses violencias tem sido commettidas innocentissimamente contra navios Portuguezes, mas acerto que muitos e muitos navios, que hasteara as Quinas do Portugal, leiu sido tomados com escravos abordo, com signaes de que se empregam no commercio da escravatura, e que finalmente não são Portuguezes. E então é uma dolorosa verdade que nós temos sido — primeiro, insultados pelos contrabandistas, depois pelos Inglezes; primeiro, por contrabandistas impunes que tem levado a bandeira Portugueza a duas infamias, uma a de cubrir o trafico da escravatura, o a outra a de nos expor á prepotencia dos cruzadores Britannicos, sem que esses navios sejam Portuguezes, sem que os insultos sejam feitas a Portuguezes, mas á roubada bandeira que os contrabandistas levantam nos topes de suas embarcações. Isto é um mui que carece de remedio, e eu não sei que ainda até agora se lhe tenha dado, ou procurado. A Russia, de que fallou o nobre Senador, Nação grande e poderosa, abandonou todos os navios Russos, ou que levantassem a bandeira Russa, á discripção dos Inglezes, quando fossem encontrados fazendo o trafico (apoiados). Eu vi a cópia das Instrucções mandadas aos seus Agentes Consulares em todos os portos, declarando-lhes que o Governo Russo não protegia, e abandonava inteiramente como não seus, os vasos, embora trajassem as côres Russas, que fossem encontrados a traficar em escravos. E não se pejou o Governo Russo deste abandono, para com os navios dessa Nação, ou que se dissessem taes pela sua bandeira, ou se fingissem taes pelos papeis fraudulentos que levassem a seu bordo. É pois o caso de haver «ma necessidade absoluta de punição para com os contrabandistas de escravos que com fraude escandalosa levantam as Quinas Portuguezas nos mastros de seus navios; é uma necessidade, repito, em quanto ao nosso dever e á nossa propria utilidade.

Eu não direi aqui uma novidade se disser que a repressão do trafico da escravatura me não parece um mal para Portugal, e para as nossas Possessões Ultramarinas, um bem (apoiados); é um bem, e digo mais, que é uma necessidade. Esta é a opinião de todos os homens que conhecem os paizes d’Africa, esta é a opinião de todos os Estadistas, que não sei como se possa compadecer com a opinião do nobre Senador. Se não me engano, percebi que o illustre orador assegurava que se pretendia, debaixo da apparencia de philantropia, a commetter o commercio da escravatura, os navios que se empregavam nelle, e os recursos que delles podessem resultar aos traficantes, ou mesmo ao paiz donde os escravos fossem exportados; que, digo, os inglezes, debaixo de um falso pretexto de philantropia, procuravam oppôr-se a todas estas transacções para acabarem de arruinar as nossas Possessões. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — apoiado) Eu digo que isto está em opposição com a minha opinião, e com a de quasi todos os homens conhecedores dos paizes da Africa, que fazem depender a sua prosperidade do numero de braços. Se os Inglezes (fallemos claro) tem em vista arruinar as nossas Possessões Africanas, como pretendem elles reprimir o commercio da escravatura para fazerem que esses braços lá fiquem! Não dependendo senão do Governo Portuguez usar deste recurso para tornar prosperas essas Possessões, porque já está muitas vezes dito, que o que alli falta são bragas, não será certo, que se nós consentirmos que esses braços se exportem em proveito de outras Possessões que não são as nossas, onde elles são de summa necessidade, não será certo, digo, que somos nós mesmos quem se oppõem a que as nossas Possessões caminhem para o gráu de prosperidade de que são susceptiveis! Certissimo; entendendo que um Governo qualquer deve ter juizo bastante para de modo algum tolerar que se trafique em braços que, se não fossem levados da Africa, produziriam a nosso favor o lucro que vão produzir em favor dos traficantes nas terras para onde elles os importam (apoiados). Se isto não é contradicção no juizo que fez o nobre Senador, cujos talentos respeito muito, não sei que cousa seja contradicção; e permitta-me S. Ex.ª dizer-lho que a pezar da minha docilidade, porque tenho muita tendencia para deixar-me vencer da sua opinião, neste ponto não posso sujeitar-me a ella.

Sr. Presidente, não ha duvída alguma que as violencias tem sido feitas contra nós, e tem sido feitas contra nós desde certo tempo em diante; e tem sido feitas contra nós pela persuasão (falsa ou não falsa, ajustada ou não ajustada) de que da parte do Governo Portuguez não havia boa vontade de concorrer para o perfeito acabamento do trafico da escravatura, Eu estou longe desta supposição, mas é certo que em algumas apparencias se fundaram aquelles que chegaram a convencer-se que da nossa parte não havia o dezejo, que manifestavam as palavras, de concorrer para a feitura de um Tractado para supprimir o trafico da escravatura; e que em quanto todas as Nações maritimas tinham feito Tractado com Inglaterra para esta suppressão, quero dizer, a Hespanha, Napoles, Sardenha, o Brasil etc, não existia, porque ainda não existo, Tractado feito por nós para este fim. E não é muito que houvesse uma grande diferença de procedimento para com as Nações que tinham Tractado, e que estavam de intelligencia sobre este objecto, relativamente áquelle que havia para comnosco. Isto não quer dizer que eu pretenda attenuar a gravidade dos insultos, estou muito longe dessa idéa; irias é Certo, e no fim de todo devemos concluir, como se expressa no Projecto de

Resposta ao Discurso do Throno (desta Camara) - que se torna indispensavel fazer um Tractado para a repressão do trafico da escravatura. Eu considero isto uma necessidade não tanto real como de circumstancias; das circumstancias a que temos chegado, circumstancias que vieram (não sei quero as trouxe, circumstancias em que nos achâmos; porque aliás, Sr. Presidente, eu entendo que para uniformar-nos com as opiniões de todos os Governos da Europa, de todos os homens da Europa que podem emittir opiniões, com as mesmas prevenções e perjuisos relativamente ao trafico da escravatura, n'uma palavra para não ficarmos atraz disso que se chama civilisação; entendo, digo, nos cumpria, ainda sem obrigações de Tractado algum, pormos todos os meios da nossa parte para reprimir esse trafico; e, se não dessem as circumstancias de que fallei, eu dissera — pois não façamos Tractado, mas façamos todos os esforços mandemos para os mares d'Africa todos os navios que podermos, aprezemos e condenemos á morte todos aquelles que ousarem levantar as nossas côres fraudulentamente para as empregar no trafico da escravatura (Apoiados geraes).

Sr. Presidente, seja embora, ou diga-se embora que é uma prevenção, que é um prejuiso (eu não estou por isso); soltem-se todos os doestos que se quizerem saltar, a respeito dos motivos porque se empregam meios para cohibir o trafico da escravatura; que se perde em attribuir um augmento de virtude ou de humanidade a qualquer Mação que procura acabar com esse trafico? Mas, quando não fosse senão um prejuiso, ha perjuisos a que os Governos se não podem oppôr; seria uma chymera, e seria perigosissimo se no tempo das Cruzadas, quando todo o inundo corria a sepultar-se nos areaes da Palestina, houvesse um Governo que reprimisse esse movimento, ou que intentasse dissuadir essa imaginação santa, porque em todos os tempos ha uma força de opinião que se manifesta por factos, e é sempre arriscadíssimo o querer oppôr-se a ella. Mas eu não considero isto assim em quanto ao trafico da escravatura, e partilho os sentimentos daquelles que reputam abominavel aquelle trafico. Eu fui testimunho occular do tratamento que se dá aos Africanos nas terras do Brasil (e é de advertir que nas terras do Brasil são elles mais bem tractados do que em parte nenhuma), e quando outras razoes não tivesse, o que vi bastava para dictar-me a condemnação de similhante trafico.

Mas, Sr. Presidente, as circumstancial deram-se, e umas encadeadas nas outras nos vieram collocar na necessidade de fazer um Tractado para a suppressão do trafico da escravatura; nós estamos obrigados a faze-lo; démos a nossa palavra ha muitos annos de que o fariamos, pertence-nos cumpri-la; se o não temos feito, não attribuo a culpa a ninguem, graves circumstancias se dariam; mas é bem certo que os males que tem resultado da não feitura do Tractado são reaes e são funestos (apoiados); ao manos a Camara me permittirá que diga que eu não tenho parte nelles; não culpo a ninguem de ater tido, mas a Administração actual achou os negocios no estado em que elles estão agora, e talvez peior.

Sr. Presidente, seguirei o episodio de um nobre Senador, longe estou eu de vir aqui tomar a defeza de uma Nação, ou de uma parte de uma Nação estrangeira; fallo dos Irlandezes, a quem se fez o favor de os comparar aos porcos. Se vai contra os Irlandezes a authoridade poetico-missantropa de Lord Byron, como poderá quem a esta recusar contra os Portuguezes o testimunho de Lord Byron? Recuso-o eu. (Apoiados).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Elle mesmo se desdisse.

O Sr. Ministro: — Eu não entendo agora de desdizer, entendo do testimunho ennunciado por esse homem. Quem diria isso de boa fé, um Francez, ou Lord Byron É preciso buscar melhores testemunhos (apoiado). Um Francez não é bom Juiz a respeito d’Inglaterra, assim como um Inglez o não é a respeito de França. Lord Byron era um homem de muitissimo talento, como todos nós sabemos, nunca póde estar quieto nem satisfeito em parte alguma nem de cousa alguma, a sua imaginação foi o seu bem e o seu mal, assim como os vituperios que escreveu, os seus elogios pela maior parte recaíam mais sobre o modo com que elle via os objectos do que sobre a realidade das cousas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — E Sir Robert Inglish....

O Sr. Ministro: — Mais o testimunho de um

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homem. — Senhores, vamos á verdade: pois a Irlanda estará além do Indostão ou da China?... O nobre Senador terá lido, porque é muito curioso, a viagem de um Principe Alemão, que pertence a uma Nação cujo caracter impaciencia em pensar, quero dizer a perseverança desapaixonada em dar o justo valor ás cousas, sem mais affeição á Inglaterra do que á França. O escripto que cito tem uma grande reputação de imparcialidade, eu o preferiria por isso aos epigramas e aos doestos em prosa ou verso de nacionaes ou de estrangeiros. Não digo que a Irlanda está em civilisação e prosperidade ao par de Inglaterra, sei que está muito abaixo; mas, Sr. Presidente, a comparação com os porcos, em verdade não convem a nenhum ente que tenha a nossa fórma (apoiadas). A Nação Irlandeza, assim como todas as Nações, tem o seu bom e o seu mau, tambem tem os seus grandes homens, e bastaria contar um para não dever comparar-se com porcos. Mas deixemos este episodio trazido habilmente pelo nobre Senador, e respondido pôr mim com outro episodio, sem que por isso pretenda as honras de defensor ou advogado dos Irlandezes.

Vista a approvação dada á primeira parte do paragrapho, não tenho mais observações que fazer por agora; nem entrarei nas particularidades produzidas pelo nobre Senador, se bem que provam que temos sido maltratados e insultados por uma Nação estrangeira, não deixam tambem de provar a necessidade em que estamos de fazer o Tractado; este é o grande objecto, porque está reconhecido que não ha possibilidade de acabar com os effeitos desse bill infausto e prepotente senão a celebração de um Tractado. É a isso que uns Governo prudente se deve applicar, conformando as suas estipulações com a nossa honra e dignidade, tendendo directa e sinceramente ao duplicado fim de alcançar a abolição desse bill, e a repressão efficaz do commercio da escravatura (Apoiados).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não é possivel responder de uma maneira mais polida e brilhante, do que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino acaba de fazer; mas permitta S. Ex.ª que eu diga, que illudiu todas as perguntas, parque não respondeu a nenhuma cabalmente.

Acabou S. Ex.ª dizendo, que era necessario fazer um Tractado sobre escravatura: e quem é que duvida disso, Sr. Presidente! Ninguem, por certo. Pois que não é possivel apresentar documento mais authentico, para mostrar o grande interesse que nós manifestamos pela abolição da escravatura, do que o Decreto publicado em 10 de Dezembro de 1836, e as medidas que para o fazer executar, se tem empregado desde então até hoje. Como se diz pois, que não queremos fazer um Tractado depois do que se tem passado, e á vista daquelle Decreto, no qual se com minaram as penas mais severas contra os traficantes de escravos? Sr. Presidente, ainda não sahio do Gabinete Britannico papel algum, em que se manifestem idéas que se não encontrem exaradas no Decreto de 10 de Dezembro de 1836, depois do qual, ninguem tem direito para dizer que a Corôa Portugueza não quer essa abolição do trafico (apoiados). Ninguem, certamente tem mostrado mais vontade pela total extincção do trafico, do que o Governo Portuguez. E isto foi reconhecido pelo proprio Tenente Tucker, da marinha Britannica, que assim o confessa na Convenção que propoz e assignou com o Vice-Almirante Noronha. Alli se declara que nós tinhamos nos mares d'Angola forças sufficientes para reprimir o trafico. Depois destes sacrificios, attestados pela diminuição d'exportação, e pelas noticias do Brasil, aonde está o direito, ou o motivo para insinuar que o Governo de Portugal não quer abolir o trafico? Mas este louvavel fim não se póde conseguir senão depois á algum tempo de repressão; e obrigar-nos a sacrificios maiores é igual a despojar-nos (Apoiadas).

Sr. Presidente, porque fatalidade se exigem só de nós tamanhos sacrificios? De nós, que arriscamos nossas collonias, e paralisamos, por alguns annos, o commercio, que lhes dava vida, e não se ha de ter o mesmo procedimento, nem exigir as mesmas concessões da Dinamarca, da Suecia, dos Estados-Unidos, França, e da Russia (apoiados). E só contra o pobre Portugal; porque (note-se) apresou-se um navio Russo, é verdade, mas foi muito bem tractado, e conduzido a Portsmouth, e alli desembaraçado. Tem se apresado negreiros Norte-americanos; mas todos são levados aos portos da União; porém a nós, que somos ha quatrocentos annos, alliados da Inglaterra, e malfadados alliados, ha duzentos, o premio que se nos dá dessa antiga alliança, é o insulto e o saque (Sensação).

S. Ex.ª inverteu uma expressão minha quando disse, que eu affirmára que o Brasil, e as Colonias Hespanholas perdiam tanto mais quanto fôsse menos o seu numero de escravos importados. Eu não me expliquei assim; entendo porém que as rossas, e plantações d'America do Sul, hão de produzir metade menos, do que produzem hoje, vinte annos depois da completa abolição do trafico. Cabeça de branco não tolera o sol dos Trópicos nos pesados trabalhas da rotação, da derruba, e da ceifa. Tambem me parece que, vedado absolutamente o trafico, que dizima a população Africana, ha de esta vir a ser tão numerosa, que os estabelecimentos dos Europeos no litoral hão de ser de difficil conservação. O meu pensamento é que a philantropia Ingleza estava ligada com os interesses do seu commercio. Quando mais abundantes forem as produções do Brasil, e de Cuba etc. mais prejudicadas ficam as Possessões Inglezas nas Ilhas de barlavento, sota vento etc, etc. Eu não sou o inventor destas previsões: lá estão os Brasileiros levando já petições ao Parlamento sobre esta materia, e já o Marquez de Barbacena, grande proprietario na Bahia, tinha feito uma proposta analoga, ácerca da qual ha notas de Lord Palmerston, e de Mr. Ouseley na Collecção de documentos, que tenho aqui citado.

S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino disse, que senão lembrava em que tempo haviam começado as hostilidades da Malinha Britannica entre nós, eu o aponto: foi em 20 de Setembro de 1830, quando em toda a Costa d'Africa se ignorava a Revolução de 9 do mesmo mez. Tem sido, portanto, uma leviandade attribuir áquella Revolução os insultos, que os Crusadores Britannicos nos tem feito.

Disse S. Ex.ª, que todas as Nações tem feito Tractados para abolir o trafico. É verdade; mas é perciso distinguir duas cousa Primeiramente que perde, em que arrisca a Suecia, a Dinamarca, a Russia, Napoles, Sardenha, etc, etc. prohibindo o trafico dos negros, ellas que não tem dominios na Costa d'Africa? Sr. Presidente, nós somos os Senhores da maior parte do territorio, que produz esse malfadado fructo preto; são intimas cantigas as nossas relações com aquelle paiz, que hoje carece mais delle, o Brasil; a suspensão immediata do trafico arruina Angola, Benguela, Moçambique etc. por muitos annos: nada disto soffrem as potencias que já negociaram na Europa; portanto entre nós e ellas, não ha relação. Em segundo logar, a Gram-Bretanha tracta com aquellas Nações ad equalem, e a nós quer tratar-nos como povo conquistado, impondo-nos condicções affrontosas, e incompativeis com a independencia da Nação. Nem a França, nem a Suecia, nem a Dinamarca etc. etc. consentiriam no aviltamento de entregar seus filhos aos tribunaes da Serra Leoa, ou do Cabo de Boa Esperança.

Concluiu S. Ex.ª dizendo, que não tendo nós ainda concluido um Tractado com a Inglaterra, não era de extranhar, que fossemos mais mal tractados. Perdoe-me S. Ex.ª, mas não posso conformar-me; porque nós, attendendo a tão antigas allianças, e aos sacrificios que fazemos, tinhamos direito a mais contemplação, se no Governo Britannico não dominasse o capricho de querer humilhar-nos, porque nós quizemos dispensar-nos da sua funesta, e disputada tutella. Nós, que pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1836, fizemos mais do que a Gram-Bretanha tinha direito de reclamar antes de 1851: nós, que temos feito tudo quanto podemos para fazer cumprir rigorosamente aquelle Decreto, deviamos esperar do Governo Britannico outro tractamento, e não a ferro, e fogo, e o saque das nossas embarcações sem distincção de Commercio, nem de derrota. Portuguezes, aprisionados em navios do Estado, foram lançados nas praias desertas da Costa d'Africa, clima muito ameno, e abandonados á morte!

Suprema philantropia!

S. Ex.ª, disse, que era uma verdade amarga, mas verdade, que se havia abusado da nossa bandeira; convenho: mas seria esse um motivo bastante para o procedimento iniquo, que o Governo Britannico tem comnosco? Qual é a bandeira de que senão tem abusado? Não é a bandeira Americana, e Hespanhola tão abusada como a nossa foi? Aqui estão os documentos apresentados ao Parlamento, que o deixam vêr. Entretanto, é contra nós sómente, que a Inglaterra desenvolve-o seu poder! E porque se abusa da nossa bandeira, indo com ella traficar a Madagáscar, ha de a Rainha de Portugal ser ultrajada! E exemplar documento de justiça! Mas faz-se contrabando de escravos e«m muito risco, e a grande custo. Sem duvida ha de assim acontecer, em quanto for tão grande a procura delles na America. Mas não haverá contrabandistas na Europa? Será a Gram-Bretanha isenta de contrabandistas? Lêa-se a sua, legislação, e saber-se-ha.

Mas o bill passou, ouvi eu dizer. E porque o bill passou, devemos nós submetter-nos. Esta doutrina é impropria desta Casa. Supponhamos que ámanhã passava nas Côrtes de Madrid uma. Lei, declarando, que o Além-Téjo pertencia á Casa de Castella: por a doutrina que tenho ouvido aqui prégar, segue-se que nós deviamos abandonar o Além-Téjo. O argumento prova de mais, e por isso nenhuma impressão me fez.

Tornou-se a repetir, que alguns navios estrangeiros obtiveram passaportes nacionaes. É possivel que alguma authoridade delinquisse, e por isso tem sido castigada; mas que passaportes trazem as embarcações Hespanholas, e Americanas? E quando os despachos são completamente falsos, tambem nós havemos de pagar por isso?

S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros continuou dizendo, que o mal da falta d'um Tractado era reconhecido, e que a isto senão tinha dado remedio. Perdoe-me S. Ex.ª mas neste ponto está deslumbrado. O mal tem sido conhecido, e logo depois da separação do Brasil lembrou o remedio. Na Regencia da Senhora Infanta D. Isabel Maria algumas Ordens se expediram para Angola pela Repartição da Marinha, mas tambem ninguem poderá negar, que nós temos ainda a reserva de quinze annos. A Gram-Bretanha não quererá, e talvez queira, tornar-nos responsaveis pelo periodo da Usurpação: pois que apenas elle terminou, logo S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella se occupou da negociação, e depois delle todos os Ministerios que se lhe seguiram. Não é portanto exacto dizer-se que senão quiz dar remedio. S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella sabe o respeito, que eu tributo á sua capacidade, e experiencia dos negocios; mas S. Ex.ª me dará licença que eu diga por esta occasião, que sempre me parece, que duas concessões, que S. Ex.ª fizera logo no preambulo, e no 3.º Artigo do seu Projecto de Tractado, tem fornecido argumentos ao Governo Britannico contra nós. O Governo Britannico é astuto, e serve-se maravilhosamente de tudo quanto aqui se diz em seu abono. S. Ex.ª o Sr. Conde de Villa Real, deixou aqui perceber na Sessão de 26 de Fevereiro do anno passado, que a sua opinião seria, que a separação do Brasil déra aos Cruzadores Britannicos, o direito de apresamento ao Sul do Equador, e os Cruzadores assim tem....

O Sr. Conde de Villa Real: — Um Artigo do Tractado de 1818 não dá authorisação para apresar os navios ao Sul do Equador, mas dá authorisação para os registar.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Pela leitura do Diario do Governo de 4 de Março de 1839, entendi eu, que S. Ex.ª fizera aquella concessão. E de certo alli se encontra alguma cousa disto.

Finalmente o mal conheceu-se, e quiz dar-se-lhe remedio. Assim que o Sr. Visconde de Sá da Bandeira entrou no Ministerio dos Negocios Estrangeiros, negociou logo franca e lealmente: um Tractado foi ajustado entre elle, e Lord Howard de Walden, que o Governo Britannico regulou depois de negociado, Nesta Collecção de documentos ha varias notas, ou despachos que indicam toda a marcha dessa negociação. Deixou o meu nobre amigo o Ministerio, eu manifestei os mesmos desejos, e já nesta Casa o demonstrei. Todos os Ministerios depois de 1836 tem querido tambem negociar, mas com decoro, e é isto o que o Governo Britannico não quer. O Governo Britannico quer libertar os negros aviltando os brancos. Eu pedi que se esperasse pelo encerramento das Côrtes, para que podesse empregar-me na negociação, ou remedio, e respondeu-se-me com a apresentação do bill porque essa apresentação estava promettida, e o Ministerio precipitou-se para lisongear certas paixões á nossa custa. Não é portanto exacto dizer-se, que senão quiz applicar o remedio: o mal vem de que o Governo Britannico só quer curar o mal á sua moda, que é mutando-nos. Sr. Presidente, a prova disto está no Ultimatum de Mr. Jerimongham. Minha convicção é leal, Sr. Presidente, a este respeito, que eu não duvidei dizer um dia diante d'Augustas Personagens, que eu antes queria emigrar, ou morre, do que assignar tão

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affrontoso ultimatum, apresentado de uma maneira ainda mais affrontosa. Todos os meus collegas pensaram como eu.

Tambem S. Ex.ª pareceu querer atenuar a palavra pirataria. Mas esta palavra é o talisman do Governo Britannico; é a alavanca em que elle se firma agora para fartar os seus caprichos (apoiadas). Os Francezes, os Suecos, o Dinamarquezes, etc, etc, em consequencia dos Tractados para reprimir o trafico, são entregues aos seus tribunaes, aos seus Juizes competentes; mas os Portuguezes devem ser abandonados a tribunaes estrangeiros! Sr. Presidente, a mim atterra-me a lembrança de um pobre Portuguez aprisionado ao Sal do Cabo da Boa Esperança, lançado a ferros no porão de um navio, e arrastado por gente avida, e interessada na condemnação, diante de um tribunal, cujos juizes não conhece, cujas leis ignora, e cuja lingoa nunca ouvio talvez. A situação deste homem, que póde ser um passageiro alheio a toda a especie de crime, ou contrabando, Horroriso-me Sr. Presidente, se houver Portuguez que em tal consinta, se houver Ministro que subscreva a tal affronta, a maldição do Ceo cairá sobre elle (sensação). Se as penas comminadas no Decreto de 10 de Dezembro, não parecem sufficientes, comminem, o executem os Portuguezes mitras mais fortes, mas em harmonia com as nossas Leis, e com os nossos direitos. Sr. Presidente, eu já fui victima dos ferros d'El-Rei; tinha relações, tinha amigos, e não me faltavam meios, e no proprio paiz soffri muito, e muitos atropelamentos. O que acontecerá em terra estranha, a um pobre marinheiro accusado pela cubiça, e julgado pela vingança!

S. Ex.ª cujo tacto, e habilidade parlamentar é bem conhecido, inverteu n minha allusão ao povo Irlandez. Permitta S. Ex.ª que lhe observe, que eu citei a narração do Sr. Roberto Inglish, Membro do actual Parlamento, e de outros viajantes na Irlanda, que todos referem a degradação a que os Governos Britannicos tem reduzido o povo Irlandez, e povo Catholico: todos relatam que os camponeses Irlandezes vivem, e dormem na mesma pocilga, que os porcos. Eu já ouvi dizer na Camara dos Communs a Mr. O'Connel, ou Mr. Sheel que o povo Irlandez (eu não fallei nem dos Lords, nem dos bispos protestantes) apenas comiam carne duas vexes no anno. O resto do tempo vivem sómente de batatas, e nem sempre em bom estado. Basta vêr os misteres a que os Irlandezes se sujeitam em Londres, para avaliar qual possa ser a sorte daquelles homens na sua patria.

A philantropia Ingleza é muitas vezes filha da vaidade, que manda distribuir n'um dia de gelo, dez libras de batatas e de carvão aos miseraveis, que estallam de fome e frio na visinhança della. Mas ainda o carvão não arde, nem as batatas estão cosidas, e já um bilhetinho de papel dourado annuncia ao Morning-Port, e este ao Mundo, o vaidoso donativo. A caridade Christã, Sr. Presidente, é mais modesta, é como a violeta, foge da luz e da ostentação (apoiados).

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conde de Villa Real.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - O nobre Conde de Villa Real faz a honra de permittir-me que diga duas palavras muito concisamente para uma explicação, que peço ao illustre Senador tenha a bondade de receber, visto que não tive a fortuna de ha pouco me exprimir bem. Se fosse occasião de nos entretermos ainda com o episodio dos Irlandezes, eu dizia que interpretei mal o nobre Senador, porque me pareceu ouvir-lhe = que na Irlanda os porcos grunhem, e os homem fallam, unica differença que ha entre uns e outros: = não sei se esta differença unica póde ser admittida; muitos miseraveis conheço eu, que vivem no centro da indigencia, e que são dotados de excellentes qualidades mentaes: a verdade é que a condição de um Povo é especial ao mesmo Povo, e especial á sua organisação, que quasi sempre depende de circumstancias politicas: as da Irlanda tem-lhes sido desgraçadamente contrarias, mas parece-me que apesar de tudo isso o nobre Senador convirá comigo, de que não podemos fazer injurias ás faculdades mentaes dos Irlandezes, que as tem tomo os outros homens, e não é bom compara-los com os porcos (Apoiados). Ora o não comer carne tambem não prova que não o haja outros meios de subsistencia; uma grande, parte do nosso povo das Provincias faz pouco caso della, segundo disse hontem, e com muita razão, o nobre Visconde de Sá da Bandeira (Riso). Mas deixemos os Irlandezes, e a sua differença aos quadrupedes: já de Rousseau se disse que elle louvaria a Deos se o fizesse andar a quatro pés, porque andaria mais facilmente (Riso).... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — E até mais seguro).

Parece-me que o illustre Senador tirou uma consequencia que eu não tirei, por usar de uma expressão de que eu não usei: eu não disse (e se o disse foi involuntariamente), que não era de estranhar o procedimento de Inglaterra para comnosco, por isso que não tinhamos um Tractado como as outras Nações: eu não disse isto, porque se o dissesse seria contradictorio; eu clamei contra a injustiça e contra a injuria dessas violencias, com expressões que me sahiram do coração (que o tenho de Portuguez), e por tanto não podia dizer que não eram de estranhar, porque então a segunda expressão contradizia a primeira: o que me parece que disse, foi, que esse era o pretexto, e tambem me não parece que se contenham nas palavras de que usei as idéas emittidas pelo nobre Senador, e referidas ao Governo, de que, fosse como fosse, fizessemos um Tractado. Eu não abstraiu nunca das condições honrosas do Tractado, mencionei-as até....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — É verdade; eu não me referi ao Ministerio.

O Sr. Ministro: - Bem. Ha outra circumstancia a que tambem me parece que o nobre Senador não deu attenção: quando eu fallei em Tractados feitos com todas as Nações, expliquei quaes eram; e quando o nobre Senador me quiz contradizer fallou só em certas Nações, e esqueceram-lhe as outras. Tambem não fallei em pirataria (peço perdão); eu disse que não podiamos deixar de entrar na opinião Européa dos Governos e dos Povos, a respeito do trafico da Escravatura, e na verdade, esta opinião é uma, e a mesma desde o palacio até á cabana do Irlandez.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A questão é de methodo.

O Sr. Ministro: — A questão é a questão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não é mais nada.

O Sr. Ministro: — Então disse eu, todas as Nações do Mundo, mas já se vê que não metti aqui as Nações do Oriente, nem as do interior da Africa, etc. Creio que não foi de certo por arte ou por sophisma permittido em Parlamento, que o nobre Orador fallou na Russia, que não tem possessões Africanas, fallou na Suecia, que tambem as não tem, e lhe esqueceu a Hespanha e o Brasil. Ora estes dous exemplos de Hespanha e Brasil, e ainda de mais alguma Nação, como os Napolitanos, podiam entrar na collecção da totalidade, e dariam mais pêso, e mais congruencia ás minhas palavras, que, se não tosse isso, ficariam em palavras vãs. Em quanto á effectividade da repressão do trafico, eu não eliminei ninguem; o Decreto de 10 de Dezembro é muito explicito, convenho mesmo com o nobre Senador que é muito philosofico, que se pozeram todos os meios de que se podia dispôr para o tornar effectivo; mas em algumas Possessões em que o nobre Senador não fallou, foi elle flagrante e publicamente invalidado; e desgraçadamente daqui nos tem provindo, quando não fosse uma razão cabal, um pretexto, por infelicidade nossa, attendivel pelos factos; e aqui pararei.

Agora o nobre Senador ha de desejar que eu explique ou rectifique uma expressão sua, que me parece precisa dessa rectificação. O nobre Senador, ainda que com muita delicadeza, alludiu a Altas Personagens, deu-lhe a denominação de Augustas, quando explicou o seu pensamento sobre a assignatura ou não assignatura de um Tractado; é justo, já que nisto se fallou, (e não eu), é justo que se saiba que essas Augustas Personagens não possuem sentimento algum, nem idéa, nem vontade, de que se faça aquillo que se não deve fazer. Eu digo isto como uma explicação que daria o nobre Senador, mas se esta explicação se não désse, tendo-se ouvido ao nobre Senador dizer, com a energia de que é dotado = eu disse que mais depressa morreria ou emigraria = poderia por ventura suppôr-se que havia uma teima, um sentimento contrario da parte das Personagens a que S. Ex.ª alludira? Persuado-me que o nobre Senador não quererá que esta idéa vogue, e por isso tomei a liberdade de explicar a sua expressão, esperando que não desconvenha.

(Entrou o Sr. Ministro da Justiça).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Para explicar o que ha pouco avancei, direi que quando eu quiz firmar melhor a minha opinião, e mostrar quaes eram os meus principios (principios de que nunca me afastarei) disse que tinha nelles tanta fé, que até já tinha tido occasião de os manifestar diante de Augustas Personagens. Até aqui posso eu ir como homem parlamentar; até aqui sei eu bem que posso ir como ex-Ministro da Corôa, e das minhas palavras ninguem póde tirar a illação, ou consequencia a que S. Ex.ª alludiu.

O Sr. Conde de Villa Real: — Se o nobre Senador que principiou esta discussão se limitasse a dizer que approvava o paragrapho, eu nada diria; porém como S. Ex.ª fez algumas observações sobre esta questão, é tambem forçoso que eu algumas faça.

Quando Sua Magestade me fez a honra de chamar-me ao Ministerio, achei já publicado o bill, ainda que houvesse alguma duvida se elle estava já em execução. O meu desejo pois, e o de todos os meus Collegas, foi o empregar todos os meios para concluir um Tractado, em virtude do qual deixasse de ter execução esse bill, contra o qual nenhum Governo era Portugal póde deixar de protestar, porque elle é contrario ao Direito Publico, e porque sendo um acto de legislação de uma Potencia estrangeira, que deva ter effeito contra subditos Portuguezes, é claro que ataca a nossa independencia, e que nenhum Portuguez póde encara-lo sem o maior desgosto. (Apoiados.) Procurei portanto entrar logo em negociações, por meio de communicações verbaes, que precederam a Nota que dirigi ao Ministro Britannico, para vêr se era possivel concluir um Tractado com Inglaterra. Dos passos que dei, e de uma correspondencia que tive com o Ministro de S. Magestade Britannica nesta Côrte, resultou receber eu uma Nota (em que muito se tem fallado), na qual se dizia mui positivamente que o Governo Britannico estava disposto a fazer um Tractado com Portugal, se o Governo Portuguez o desejava. Este foi, Sr. Presidente, o fundamento que tive para declarar que tinha esperança de concluir um Tractado, visto que a parte contraria se tinha mostrado estar disposta a fazê-lo. Apesar disto, fui em outro logar tachado de querer burlar a Nação, e a Camara dos Srs. Deputados: mas o que acabei de dizer prova de sobejo que a arguição que se me fez é inteiramente falsa. Nada mais accrescentarei a este respeito, restando-me sómente o agradecer a SS. EE. os Srs. Ministros dos Negocios da Guerra e do Reino, o terem tomado a minha defeza, mostrando a injustiça da accusação.

Não tocarei em todos os argumentos, que produziu o nobre Senador, mas considerarei sómente a posição em que Portugal se acha para com a Inglaterra.

Eu julgo, Sr. Presidente, que Portugal se obrigou, desde o momento em que fez o primeiro Tractado com aquella Potencia, a fixar uma epocha futura para acabar com o trafico da escravatura; (Apoiados) e tambem julgo que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836 fez mais mal do que bem: já em outra occasião elidisse isto mesmo, e presisto nesta convicção; pela razão de que não tendo tido o Decreto plena execução em toda á parte, deu-se a conhecer por isso, que nós não tinhamos força para o fazer executar: - devo com tudo declarar, que não impugnei a boa vontade da Administração que publicou esse Decreto; mas a facto é este. (Apoiado.) Não posso porém concordar com o que disse o illustre Senador, de que a separação do Brasil não devia influir para a conclusão do Tractado: a minha opinião é a contraria desta, porque entendo que necessariamente devia nisso influir, pela razão de que o Brasil já não é Colonia Portugueza, a por isso só vinha, a ter para com Portugal as relações de uma Potencia estrangeira, e não lhe podia ser applicada a reserva que se fez nos primeiros Tractados com Inglaterra, e mesmo na ultima Convenção, de poder continuar o trafico dos negros ao Sul da Linha, com o fim de fornecer de escravos as Colonias Portuguezas: um o Brasil já não era Colonia Portugueza, e então é claro que não podia ser comprehendido nesta estipulação - Agora direi, Sr. Presidente, que vendo se depois da publicação do Decreto de 10 de Dezembro de 1836, que ainda continuava o trafico da escravatura, suscitou-se por esse motivo em Inglaterra grande desconfiança de que se não queria lealmente acabar com esse deshumano trafico.

Ainda que disse, que desejava concluir um Tractado para a repressão do Trafico, tambem.

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declaro, que o não assignaria se não fosse decoroso para a Corôa, e para a Nação Portugueza. Devemos porém reconhecer, que hoje as circumstancias são muito differentes do que eram em 1836, quando eu estava no Ministerio, e quando esteve para se assignar sobre este objecto o Tractado mais vantajoso de todos os que posteriormente se negociaram. Não podia portanto deixar de lamentar, quando agora tomei parte na Administração, que fosse tanto mais desfavoravel a nossa posição do que então era. A questão da marcha que tem seguido as negociações com Inglaterra, e inteiramente independente da revolução de Setembro Não tendo havido rompimento entre os dous Paizes, do Governo dependia essa marcha. Mas o facto de ser o primeiro Tractado mais vantajoso do que qualquer dos Projectos seguintes é admittido por todos.

Não farei mais observação alguma para não tomar mais tempo á Camara, e concluirei dizendo, que approvo o paragrapho porque elle tem a idéa de que se deseja um Tractado decoroso que ponha termo ao bill, porque em quanto este existir soffre a nossa dignidade soffrem os interesses do commercio licito das nossas Colonias. (Apoiados.)

O Sr. Barão do Tojal: — Eu entro com alguma repugnancia nesta materia; entre tanto acho que todos temos obrigação de expender aqui a nossa opinião, ajuda quando esta não concorde com a d'outros; e posto que eu tenha muita consideração por ellas, acho que todo aqui devemos alçar a voz da verdade, da verdade pura, livre de contemplações, preconceitos, prevenções, ou medo.

Em quanto ao Tractado para a abolição do trafico da escravatura; infelizmente ha uma discrepancia de opiniões entre nós, e a Nação Ingleza inteira, assim como do seu Governo, a este respeito; a Nação unanimemente está convencida de que o Tractado de 18 de Julho de 1817 estabeleceu decididamente o principio, que a conservação do privilegio de traficar em escravos ao Sul do Equador era continuado a Portugal unicamente para supprir o Brasil, então formando uma consideravel e mui importante porção da Monarchia Portugueza; e que, em geral, alli se acredita que por esta convenção da nossa parte se tinham pago consideraveis sommas, que nós recebemos d'Inglaterra, como indemnisação de capturas de navios, em parte, e como uma especie de preço igualmente por essa abolição implicita do trafico; o certo é que nós somos accusados pelos Inglezes de homens faltos de boa fé, de não observadores das estipulações de Tractados, de termos mettido na nossa algibeira o dinheiro Inglez, sem querermos cumprir agora com a condição, a que por esse dinheiro nos ligámos; e então á vista da representação, que alli se tem feito em publico da conducta supposta de Portugal, em se negar a executar aquillo a que se compromettêra e ajustara, obteve a final, o Ministerio Inglez, do Parlamento, quasi por acclamação, o acto que impetrara, e passou o celebre bill. No entretanto que disseram os outros Membros dissidentes, os Toryes, entre elles o Duque Welington? Asseveraram que não teriam recorrido áquelle bill, pois que importava o mesmo que legislar para uma Nação independente; mas que se achasse que Portugal Se negava obstinadamente a cumprir com as estipulações dum Tractado, que não legislaria para elle, mas que lhe declararia a guerra «I would declare war against her!» Insistem por tanto uns e outros, Whigs e Toryes, que a separação do Brasil de Portugal, nos remove todo o direito, que ainda nos era concedido pelo Tractado de 1817, de traficar em escravos, unicamente para supprir aquella nossa Possessão, e a isso claramente restricto, e que nos achâmos, por essa circumstancia, na obrigação moral, positiva, de dar por acabado aquelle trafico, debaixo ela nossa bandeira, e de concluir com elles um Tractado definitivo para a sua efficaz suppressão. Ambos aquelles partidos politicos convem precisamente no mesmo fim, discrepando só nos meios; um obteve do Parlamento um indulto para os Cruzadores Inglezes, que capturassem os navios debaixo da bandeira Portugueza, que se achassem empregados naquelle trafico; o outro queria logo que se nos declarasse a guerra, e se bloqueassem os nossos portos; entretanto, o Governo Inglez, que em geral possue a maior e mais completa massa de informações, e que por tanto está bem ao facto de todas as circumstancias, procedeu a essa medida de rigor, e que eu não estou preparado para justificar, procedeu a essa medida de rigor pelos avisos e participações, que lhe chegaram de toda a parte de seus numerosos e vigilantes empregados, que a bandeira sim, e não a Nação Portugueza, era a empregada em fazer esse commercio: eu mesmo tenho conhecimento d'um folheto official, publicado no Rio de Janeiro pelo Consul Belga, em que dá sessenta e seis mil escravos importados no Brasil, em duzentos navios com bandeira Portugueza, em o anno de 1838, dois annos depois de nós mesmos termos abolido por lei expressa e positiva aquelle trafico debaixo da nossa bandeira. Isto na informação, que o dito Consul fornece officialmente ao seu Governo, dando-lhe a conta do movimento geral do commercio daquelle Imperio no anno, que referi. — Ora, como não ha de o Governo Inglez, que tão acérrimo e empenhado, ha uns poucos de annos, se tem mostrado, e que tantos sacrificios tem feito para pôr termo a este trafico; o Governo Inglez que parece ter em vista, primeiro que tudo, o tirar a Africa do estado de aviltação em que se acha, publicando annualmente, com grande interesse, o augmento progressivo das suas exportações e commercio para com as suas Possessões Africanas, que procura vêr se póde gradualmente conduzir a vasta população da Africa á cultura, á civilisação, commercio e relações sociaes; como não hade elle pois procurar todos os meios de alcançar um fim tão philantropico como util, e que elle e nós todos, não podémos deixar de julgar tão importante? Todas as medidas, todos os actos publicos do Governo e Parlamento Inglez, e daquella Nação toda, mostram o interesse que elles tem de levar avante esta grande medida, que a todas as Nações da Europa convém, e a nós, pelas nossas vastas Possessões alli, ainda mais que a qualquer outra. O Governo Inglez é completamente hoje um escravo da questão, porque a opinião geral da Nação está resolvida a levar ao cabo esta medida. Ora quando um Governo se vê nestas circumstancias, porque a Governo Inglez é Constitucional e depende do apoio da opinião publica, e dos Representantes da Nação para sustenta-lo, o Governo Inglez ha de ir ao seu fim, ha de cortar por todas as difficuldades para o alcançar; e eis-aqui o que elle tem feito, e hão de fazer todos os Governos Inglezes, sejam de que côr politica forem.

Então o que nos resta fazer? Tirar do arbitrio de uma Nação poderosa os meios de ella violenta e caprichosamente nos dictar e impôr a Lei, e limita-la, por um Tractado, ás formulas regulares, e combinadas mutuamente e de commum accôrdo, de levar a effeito a suppressão, que daquelle trafico se pretende: e eis-aqui a necessidade de o fazer decoroso sim, mas de prompto, porque nas circumstancias em que nos achâmos, não vamos senão prejudicar-nos e comprometter-nos mais, de dia em dia, persistindo na continuação deste irritante e indefinido estado de cousas, e falsa posição em que presentemente nos achâmos.

Eu tenho lido tudo quanto se tem escripto e publicado a este respeito, e parece-me estar hoje bem ao facto das verdadeiras circumstancias da questão: aqui mesmo em Lisboa tenho ouvido muito, mesmo de Portuguezes capazes e desinteressados sobre a materia; ainda outro dia um, que veio de Angola ultimamente, asseverou que se fosse Commandante d'um navio nosso de lá, tomava quasi todos os navios que lá andam sobre a costa com bandeira Portugueza, mesmo pela illegalidade de seus papeis, porque, segundo um artigo do Codigo Commercial, não são navios Portuguezes legitimos, nem o podem ser, pelas nossas Leis, quaesquer Baios de construcção estrangeira que obtiverem papeis Portuguezes, ou fizerem a transmutação de bandeira em qualquer outro porto que não seja o de Lisboa. Pois então para que estâmos nós aqui a contender, a comprometter-nos, a invocar, e a advogar em favor de todos os aventureiros de todas as Nações, que para seus fins sórdidos e abomináveis se embrulham na nossa bandeira? A questão para nós, deve ser — se a propriedade é Portugueza, ou não? Eu digo que não é, e digo mais, que de Portugal quasi que não sahe hoje um navio para o commercio da escravatura; por consequencia nós estamos aqui combatendo em favor das garantias e interesses desmoralisados de especuladores estrangeiros sómente! (Apoiados.)

Ora agora, deixando de lado o sentimentalismo, eu advogo ainda por outra razão este objecto. Quem mais interessado do que nós em pôr termo a este trafico? Como se hão de cultivar e aproveitar os immensos terrenos que alli possuimos, para que só aquelles homens podem servir, e que desenvolvendo aquella cultura ao ponto a que póde ser levada, nos póde ainda vir a resarcir completamente da perda do Brasil? Por consequencia, quanto a mim, o que nos resta, o que nos convem anos, é fazer quanto antes com Inglaterra um Tractado airosamente para a completa e permanente abolição do trafico, e sahir desta posição critica em que desgraçadamente agora nos achâmos.

Sr. Presidente, em mui certamente, e primeiro que tudo, sou Portuguez, e digo desde já que ninguem o é mais em todo o terreno de Portugal do que eu; provas disto de sobejo tenho dado, e estou dando, porque eu podia, como muitos outros, estar-me gosando em França ou Inglaterra, livre de incommodos e trabalhos, e estou aqui promovendo, quanto posso na minha curta esphera, o bem da minha Patria e o seu desenvolvimento, já como homem particular, já como publico; tenho empregado mais de quatrocentos mil cruzados em Portugal, e hei de, segundo a fabula, dar os meus debeis hombros ao carro que está no atoleiro: ora, apezar de tudo isto, espero que no que eu fôr dizendo será respeitado em mim o amor da verdade, e que em obsequio a ella só, e á imparcial justiça é que me exprimo honrada e afoutamente assim, e na consideração tambem de que o que aqui se diz tem muita força nos Paizes estrangeiros; merece pois indulgencia a minha opinião, se acaso chocar as opiniões d'outros nobres Senadores, que aliás muito respeito, posto que defira dellas.

Quanto pois á Inglaterra, tem-se aqui ultimamente feito algumas observações, que eu considero violentas, exaggeradas, injustas, e que poderão ter resultados, muito desfavoraveis para nós como Nação; eu não fallo em espirito mercantil, como alguem disse, fallo como homem publico, homem d'Estado. Algumas razões que aqui se apresentam produzem grandes e perniciosos effeitos em uma Nação consideravel, que podem ser fataes aos nossos interesses politicos e commerciaes, sem fim ou resultado outro algum, que um desabafo, ou effusão patriotica do momento a nada tendente. A politica d'Inglaterra é, e sempre tem sido, a de sustentar a nossa Independencia Nacional contra as vistas e tentativas ambiciosas da nossa visinha; mas as Nações, assim como os individuos, tambem com as injurias e vituperios se vão azedando, se vão progressivamente, e a final irrevogavelmente indispondo umas contra outras, e os resultados são calamidades e desgraças para a Nação mais fraca e dependente.

Sr. Presidente, desde o berço da Monarchia Portugueza datam as relações ea mais restricta alliança entre Portugal e a Inglaterra! Se recorrermos ao tempo de nosso primeiro Rei, D. Affonso Henriques, acharemos já então os Inglezes ao nosso lado combatendo contra os Mouros, e nos Reinados subsequentes até á sua final expulsão. Templários Inglezes que se dirigiam para a Palestina a combater os Sarracenos aqui desembarcaram e se nos uniram, contribuindo poderosamente para c> resgate de Portugal do dominio dos Infiéis. E em premio desses serviços, creio que lhes foram concedidas as lesirias adjacentes a Frielas, no Termo de Lisboa, aonde alguns delles se estabeleceram. El-Rei D. João I a braços com ElRei de Castella e todas as suas forças, sitiando Lisboa, recebeu prompta o generosa cooperação d'outra expedição de Templários ou Cruzados que dirigindo-se tambem para a Terra Santa a contender com Saladino, aqui accidentalmente aportaram naquelle critico momento. Promptamente se prestaram, e desembarcaram a coadjuvar-nos, concorrendo sem duvida efficazmente para o glorioso resultado daquella sanguinária e porfiada contenda. Na grande batalha d'Aljubarrota tambem achámos os Inglezes nas nossas fileiras, contendendo a nosso lado.... (O Sr. Ministro do Reino: — Foram 1,500 Inglezes os que entraram nessa batalha). Bem foram 1,500, já é uma menos má Divisão. Ve-se por tanto, do que acabo de dizer, que os Inglezes desde mui remota época têem sempre sido os nossos, fieis alliados, e combatido e sustentado a nossa Independencia Nacional.

Um illustre Senador por cujos talentos e illustração eu tenho muita deferencia, e cuja eloquencia é conhecida (maior razão para que as suas opiniões sejam ouvidas com muita attenção e peso), disse que ha duzentos annos que Portugal tem gemido debaixo da influencia da Inglaterra, e que a Hespanha tinha sido mais avisada do que nós, em 1767, porque tinha vendido á Inglaterra os seus privilegios que nós

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lhes tinhamos concedido de barato. Observarei ao illustre Senador que o Casus Faederis é o grande preço para nós que a Inglaterra pagou por esses privilegios a Portugal, privilegios que nós, e gratuitamente, cedemos tambem aos Francezes, Hespanhoes, Allemães, Italianos, e ultimamente até aos Brasileiros: que Inglaterra se não tem negado a auxiliar-nos sempre que invocássemos o seu soccorro, em prova do que ainda nos não terá esquecido a celeridade com que em 1837 aqui nos acudiu a Expedição do General Clinton á invocação do Casus Faederis da nossa parte, e que nos salvou, talvez, da restauração armada do Exercito do Marquez de Chaves, e que Mr. Canning, para nos valer gratuitamente, quiz appellidar um Exercito Hespanhol. Quando a Inglaterra contractou comnosco em mandar-nos seis náus de linha, e seis mil homens (creio que é a força especificada para o Casus Faederis, póde dizer-se que esta obrigação corresponde a mandar-nos ella todas as náus, e a tropa que forem necessarias em conflicto d'urgencia, porque em fim o caso está em se empenharem uma vez o credito e honra nacional na guerra, porque então como aconteceu, com todos os seus vastos recursos, na guerra Peninsular, hão de sustenta-la, Sr. Presidente, e o auxilio certo e prompto sempre a um signal nosso, de seis náus, e de seis mil homens não será nada? É muito, digo eu, e socega-nos muito a certeza de alli os termos sempre á nossa ordem, sem duvida, em qualquer guerra d'Invasão, porque nos achemos acommettidos.

Tudo isto refiro para mostrar que a Inglaterra está e tem estado sempre ligada por muitos laços d'amizade, alliança e protecção para com Portugal, e que os nossos mais illustrados, independentes, aguerridos e patrioticos Monarchas foram sempre os primeiros a procurar e sustentar a nossa alliança com Inglaterra. O Sr. D. João I, com esse fim casou com uma Princeza Ingleza da Casa de Lencastre, enviando um parente seu a Inglaterra para negociar esse matrimonio e pacto d'alliança. O Sr. D. João IV, sollicitou e celebrou um Tractado de alliança e commercio com Cromwell, não obstante elle ter tingido as mãos no sangue do seu Rei! Cromwell que foi (pondo de parte aquelle crime) um grande homem, prestou-se e concluiu-se um Tractado importante, cujo original ainda existe na Torre do Tombo. Cromwell aproveitou-se da nossa lucta com a Hespanha para impor-nos algumas condições, mas ellas tendiam a proteger os seus subditos aqui, e não se lhe poderá estranhar, olhando para o estado em que então se achava o Reino. Morreu Cromwell, e seguiu-se a Restauração de Carlos II em Inglaterra, e de novo procurou logo o Sr. D. João IV renovar, e ainda mais estreitar, os vinculos d'amizade e alliança com Inglaterra. Negociou o casamento de sua filha com Carlos II, e para o effectuar cedeu á Inglaterra, Tanger e Bombaim, e um milhão de cruzados em dinheiro. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Dous milhões de cruzados). Bem; parece-me que foi só um milhão, mas melhor para o meu fim, sejam os dous milhões. Estes sacrificios tão grandes da nossa parte não mostram até á ultima evidencia a importancia e apreço que aquelle Illustre Monarcha e Sua Grande Consorte uniam á nossa identidade de interesses e mais estreita connexão com a Inglaterra! Creio que não admitte duvida.

Bastante se fallou aqui ha dias no Marquez de Pombal, por elle ter insistido em que Inglaterra mandasse a esta Côrte um Embaixador a dar-nos uma satisfação pela destruição de uns navios Francezes na bahia de Lagos. — É verdade que o Marquez de Pombal for o primeiro homem d'Estado que tem havido em Portugal, o que ninguem póde deixar de confessar, e que tambem ninguem questionará o seu grande patriotismo e arrogancia, e que de certo não era vendido aos Inglezes, eu como tal homem o tenho. Nesse tempo era primeiro Ministro em Inglaterra o grande Lord Chatham, homem de certo que não era de têmpera para dar satisfações abjectas, em nome da sua nação, a ninguem neste mundo: este grande homem, o maior Ministro que a Inglaterra ainda teve, que fazia tremer diante do seu nome todos os ramos de Administração em Inglaterra, que esmagou a venalidade e corrupção que então dominava em muitas das Repartições Publicas—Ministro este que em razão destas reformas conjurou muitos inimigos e grande opposição a ponto de ser obrigado a demittir-se, foi em breve pele brado nacional, unanime voto, e força da opinião geral, reintegrado outra vez á testa d'Administração: digo pois, Sr. Presidente, que este Ministro mandou cá um Embaixador especial dar essa satisfação, mas haverá quem diga que o grande Lord Chatham, que abalou a Monarchia Franceza ao seu centro, que a despojou dos Canadas e de todas as suas Possessões em todo o Globo com a rapidez d'um cometa, que Lord Chatham consentia em espirito de humilhação de dar uma satisfação ao Marquez de Pombal? De certo que ninguem versado na sua historia o dirá! E então qual podia ser a causa dessa satisfação se não a rectidão d'espirito do grande Lord Chatham, aquella mutua sympathia e consideração entre aquelles dous grandes homens.

Mas que fez ao depois este Marquez de Pombal, esse typo, esse grande padrão e baliza dos homens d'estado Portuguezes, cujo espirito de nacionalidade ninguem ousará disputar; que opinião manifestou elle sobre o valor da nossa alliança com Inglaterra? Eu a narro, e similhante authoridade é inquestionavel. O Duque de Choiseul, então primeiro Ministro de França, e creio que o Conde d'Aranda em Hespanha, não contentes com a satisfação dada pelo Governo. Inglez pela violação commettida na bahia de Lagos, insistiram em que o Marquez de Pombal declarasse a guerra á Inglaterra, pena de conjunctamente a declararem a Portugal! Ora agora, em tal alternativa, e tão grande dilemma, o que optou Pombal? Declarou guerra á Inglaterra? Não, Sr. Presidente; disse á Fiança e á Hespanha = declarai-me vós embora a guerra, mas á Inglaterra não a declaro eu. = E Pombal não tinha exercito, nem praças fortes, nem preparativos alguns de defeza. Preferiu todos os riscos, e uma invasão Franco-Hespanhola, ás consequencias fatalissimas d'um rompimento com Inglaterra. Declararam-nos a guerra a França e Hespanha, e Pombal por intervenção elo Ministerio Inglez, mandou vir La Lippe, um parente até, creio, da Casa reinante d'Inglaterra. Desenvolveu-se então a grande energia de caracter de Pombal; em poucos mezes estava um consideravel e excellente exercito formado; montaram-se as fortificações soberbas d'Elvas, e poz-se o Paiz em uma attitude tão guerreira e respeitavel, que os dous poderes combinados cederam das suas pretenções, e propozeram a paz que teve logar. Porém mostrou-se o que eu quero provar por este episodio, a força e importancia extraordinaria, que o proprio Marquez de Pombal fixava á nossa alliança, não interrompida, e constante harmonia com a Inglaterra. Isto digo eu em resposta ás observações feitas pelo nobre Senador o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

Quanto ao Tractado de Methueu em 1703, a minha opinião é que elle foi muito mais vantajoso para nós que para os Inglezes, e quem disser o contrario não o estudou.

Sobre o Tractado de 1810, Tractado que muita gente assevera, não foi feito originalmente para comprehender a Portugal, e sim unicamente ao Brazil, eu tambem confesso que o 15.º artigo desse Tractado, foi muito prejudicial para nós, e é muito para lamentar que não fossem então os nossos negociadores mais acautelados em proteger os interesses deste Paiz; (Apoiados) porém se então aconteceu tal, não se segue que outro tanto acontecesse presentemente. O certo é que a Inglaterra ha quatro annos estava muito disposta afazer com nosso um Tractado de muita vantagem para nós, e creio que, ainda hoje o estará: a minha opinião franca e honrada, é que se ella ainda o estiver, que esse Tractado nos convém muito, e não devemos perder a occasião de conclui-lo. Tornarei a repetir que não são só os Inglezes que gosam de privilegios em Portugal; porque tambem delles gosam os Francezes, e todos os mais estrangeiros, e por isso não acho justiça quando se tracta de privilegios, fallar-se só dos Inglezes, e nada se dizer elas outras Nações que igualmente os têem. Eu tambem tenho muito fanatismo pela França; ninguem faz mais justiça do que eu, aos grandes e illustres homens que ella tem produzido em litteratura e artes, como nas sciencias em geral, á civilisação e amabilidade de seus habitantes, confesso e respondo á força e justiça do verso d’um grande Poeta Inglez sobre a França:

Thouhoii Land of Social Merriment and ease,

Pleased with thysetf whom all the World can please.

Mas com quanto eu reconheça isto, não posso deixar de fazer distincção entre ella e a Inglaterra, no que se refere aos nossos interesses politicos e commerciaes, e de confessar que as vantagens que nós tirámos desta são muitissimo superiores ás que tirariamos daquella. A Inglaterra, Sr. Presidente, só no anno de 1839, consumiu 90 mil pipas de vinho de Portugal, as quaes, juntas a 5 mil pipas da Madeira, fazem o total de 35 mil pipas, pelo menos, de vinhos nossos, que pagaram os direitos de consumo; e fazendo comparação com as que consumiu de Hespanha, temos a nosso favor um excesso de mais de 5 mil pipas.

Mas, Sr. Presidente, se em virtude d'esses ataques e vituperios, que todos os dias fazemos aos Inglezes, se fôr formando uma especie de animosidade; azedume, e de desagrado entre aquella Nação e a Portugueza, para com quem elles até agora tem sempre mostrado ter muitissimas sympathias em differentes e repetidas épocas, como por exemplo, na occasião do terramoto, que reduziu esta Cidade a ruinas, época em que o Parlamento Inglez votou logo 100 mil libras esterlinas para Portugal, assim como na occasião da invasão Franceza em 1810, quando o Parlamento de novo votou outras 100 mil libras, e o Povo inglez, isto é, as massas, o jornaleiro, e os particulares de todas as classes subscreveram outras 85 mil libras esterlinas para alivio elos horrores e estragos que a Nação Portugueza soffreu daquella terrivel e iniqua invasão! Outros tantos exemplos ha similhantes a estes. Factos taes não devem ser por nós esquecidos, e muito menos ainda porque nenhuma outra Nação os praticou jámais a nosso favor. Conseguintemente digo, que muitas e differentes razões, até mesmo a do interesse, e de consideração propria, pedem que haja algum comedimento nas expressões que aqui, e fóra daqui se usarem a respeito da Nação Ingleza. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Faça V. Ex.ª essa recommendação para lá.) Eu não duvido que tambem em Inglaterra alguem se tenha excedido fallando de nós; mas de certo Lord Brougham (a quem de certo se allude) não usou das expressões que aqui se lhe attribuiram, porque o que elle disse não foi fielmente traduzido, e tinha uma interpellação mui differente. — Sr. Presidente, fallando eu aqui, ainda o anno passado, com o Barão de Moncorvo, nosso actual Ministro em Londres, elle lhe disse, que Lord Palmerston sempre se tinha mostrado muito affeiçoado á Nação Portugueza, de que elle Barão tinha recebido muitas e incontestaveis provas por longo tempo; e disto não poderemos nós duvidar com justiça, porque fomos testemunhas oculares, e devemos ter na lembrança os muitos serviços que elle prestou a favor da nossa causa, e da nossa liberdade; e é preciso, Sr. Presidente, não sermos esquecidos, nem ingratos (Apoiados); a elle, á sua Administração, e partido politico em Inglaterra, é que devemos talvez o estarmos aqui hoje: a elle a conservação da faisca vestal da nossa liberdade civil, debaixo da sua protecção e auspicios, conservada viva, e que eu espero, mediante o mesmo amparo e influencia propicia, será ainda com o tempo elevada a uma chamma inextinguível de liberdade legal, para prosperidade, illustração, e gloria da distincta Nação Portugueza (Apoiados prolongados).

O Sr. Duque de Palmella: — Vejo com summa satisfação, que existe nesta Assembléa uma unanimidade completa, relativamente aos dous paragraphos que estão agora em discussão; dentre os illustres Senadores que tem fallado até aqui, nenhum ha, segundo creio, que deixe de estar na intenção de votar por elles: digo, que vejo isto com satisfação, porque encontro nos ditos paragraphos, principalmente no 2.°, um desafogo bem justo daquelles sentimentos, que nenhum coração Portuguez póde deixar de ressentir, vendo, que por meio de um acto legislativo do Parlamento Britannico, e com applauso da Nação Ingleza, se calcou aos pés não só a independencia da Nação Portugueza e a dignidade da Corôa de Portugal, mas mesmo se transgrediram os principios geralmente reconhecidos do Direito das gentes, ousando-se no Parlamento de um paiz estrangeiro legislar ácerca de Portugal, submetter os navios e a bandeira Portugueza á visita e detenção de crusadores Britannicos, e, o que é mais ainda, subjeita-los depois a serem julgados por tribunaes meramente Inglezes! Por tanto, as Camaras Portuguezas cumprem com o seu dever, protestando em altos brados contra esta injuria, que receberam da Nação Ingleza; (apoiados geraes) e o illustre Senador, que primeiro fallou nesta materia, me fará sem duvida a justiça de confirmar, que tendo elle a bondade de me consultar a este respeito, quando aqui chegou-a primeira noticia da publicação desse

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bill, eu não hesitei em lhe dizer, que se devia protestar formalmente, que não havia outro recurso senão intimar o protesto, fazê-lo conhecer a todo o mundo, e mantê-lo firmemente em quanto subsistisse a injuria. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — É verdade). Este desafogo e estas verdades que se pronunciam em publico nas Camaras Portuguezas, não deixarão de habilitar o nosso Governo para mostrai aos Gabinetes estrangeiros que o Povo Portuguez se ressente de tudo quando póde attentar contra a sua independencia, e para manifestar a impossibilidade que haveria de nos submetter-mos, tacita e vergonhosamente a tamanha injustiça ainda mesmo quando houvesse um Ministerio Portuguez (que por certo o não houve, nem haverá) que se esquecer-se a esse ponto da dignidade nacional. Porém parece-me que ha tambem outra obrigação não menos grade que compete ás Camaras, e que ellas devem desempenhar nesta occasião; e vem a ser, a de armar tambem o Governo de alguma força, (a força da rasão), para que possa tirar-nos do passo difficultoso em que nos achâmos, e para dissipar prevenções, ou exaggerações, que possam ter-se espalhado pelas declamações, umas vezes bem fundadas outras vezes menos justas, da imprensa, sendo certo que a opinião publica póde desvairar-se ou exaltar-se nimiamente, quando as questões lhe são apresentadas só por um lado sem prestar attenção ás allegações do lado contrario, ou quando senão examinam a fundo e se olha sómente para o presente fechando os olhos ao passado e não encarando o futuro. Cumpre, sobre tudo aos homens d'Estado de Portugal, e ás Camaras Legislativas, onde se assentam os Representantes da Nação, dizer a verdade clara aos seus concidadãos soffre a situação em que nos achâmos, começando por examinar de sangue frio (tanto quanto é possivel fazê-lo em questões que certamente excitam uma irritação bem natural) o que póde havei a dizer não sómente em pró, mas tambem em contra das nossas allegações, e pesando principal mente os inconvenientes que postam resultar de qualquer arbitrio, que se adopte, para a solução deste negocio, porque finalmente as cousas não podem fitar no estado em que se acham; (apoiados) nem haverá um só Membro á esta Camara que possa ter similhante opinião.

Sejam quaes forem as razões, sejam quaes forem as provocações e os abusos da força commettidos por uma das partes, ou os erros, se alguns existem, commettidos pela outra, o que mais importa agora é considerar a nossa actual situação, e vêr a maneira como sahiremos della. Ha sempre um modo porque se póde sahir de todas as questões do mundo, ainda as mais duras e mais difficeis, que é dizer — morra-se com honra, succeda o que succeder, desafiemos a sorte, façam o que quizerem, e o peior que podérem, que nós estamos expostos a perecer antes do que a fazer a mais minima concessão. Convenho que assim tomo ha casos extremos para os individuos, tambem os póde haver para as Nações, porque os tem havido, e bem vivo ainda existe na nossa memoria o exemplo que Portugal deu ao mundo inteiro. Quando um exercito Francez invadio este Reino; quando a Familia Reinante foi obrigada a ir buscar um refugio no outro hesmipherio; quando se leu a sentença de morte pronunciada pelo Soberano de um grande Imperio, que então dominava a Europa inteira, contra a independencia Portugueza; quando se leve conhecimento de um Tractado feito entre a Hespanha e a França, pelo qual se dividia Portugal e os fragmentos deste Reino se repartiam ao arbitrio de Napoleão cabendo até por cumulo de humilhação, um delles a um Hespanhol, que naquelle mesmo Tractado atraiçoava a causa da sua Patria, nessa época foi a voz unanime da Nação Portugueza que se pronunciou, assim como o tinha feito nas épocas illustres dos Senhores D. João 1.º e D. João 4.º, e ha de ser para nós um brazão de floria em ledos os tempos, o termo-nos levantado todos, como um só homem, para resistir a unia força á qual parecia que o tratado inteiro havia já cedido: (apoiados geraes) o resultado foi-nos favoravel, verdade seja que á custa de muito sangue e de muitos exforços, e, é mister dizê-lo, mediante o apoio da Inglaterra e graças á insurreição Hespanhola, sem o que não teriamos tido provavelmente a fortuna de poder agora applaudir-nos daquelles feitos heroicos; tudo teriamos tentado, mas teriamos succumbido na contenda, ao menos é de recear que assim teria acontecido. Entretanto; o resultado foi outro, e digo isto, sómente para demonstrar que, ainda nos casos em que por parte de uma Nação haja as razões mais fortes e as mais bem fundadas para abraçar um partido extremo, assim mesmo não é possivel fechar inteiramente os olhos á necessidade de algum apoio de fóra: não ha nenhum Governo, nem nenhuma Nação tão destituidos de senso que podendo buscar alliados, podendo ter um apoio, quando tracta às defender-se diga que não quer nenhum alliado e que quer combater só.

Esta observação, que acabo de fazer, talvez não seja inteiramente estranha ao caso em que nos achâmos, porque desgraçada mente, se tivermos de combater pela defeza do trafico da escravatura, estigmatisado e anathematisado pelo mundo todo, teremos de combater sós, e o peior é que sucumbiremos sem as sympathias nem dos contemporaneos, nem da posteridade, porque ainda que digamos que a questão não é a defeza do trafico, entretanto este negocio provêm radicalmente d'alli, e nunca poderá despir-se da consideração de que, por um lado os Inglezes (seja interesse mercantil, ou seja philantropia, não tracto agora disso) os Inglezes empregaram todos os meios para reprimir esse trafico, e quizeram talvez forçar-nos para esse fim a condescendencias excessivas, recorrendo até a um meio inteiramente estranho ás leis do Direito das gentes; por outro lado nós resistimos, teimámos, obstinámo-nos, sustentando a necessidade de certas alterações nos artigos do Tractado, umas com mais razão, outras com menos, e outras talvez sem nenhuma, e do resultado desta questão se acenderam os animos, irritaram-se, e aconteceu entre dous Governos o que acontece ás vezes entre dous individuos; depois de terem questionado muito tempo, acabaram seus se entender, ficaram summamente irritados um contra o outro, interromperam as suas relações ordinarias, e por fim se chegou a um rompimento; neste negocio aconteceu o mesmo, sem que se possa allegar outra causa primaria, mais do que a questão do trafico da escravatura, questão que trouxe comsigo desavenças entre os dous Governos, que nos levaram a uma situação extremamente desagradavel e em que se acha compromettido o pondunor nacional.

Ouvi aqui dizer que não póde assignar-se um Tractado com a Inglaterra, em vista das clausulas humilhantes que o Governo desta Nação apresenta, e que antes se paralysasse a mão que o quizesse fazer do que sujeitar-nos a isso. Entretanto seria preciso entender-nos sobre aquillo a que é de absoluta necessidade resistir, sobre o que se póde rasoavelmente ceder, sobre as consequencias que póde trazer comsigo uma resistencia tenaz e sem limites, sobre os males que podem provir de uma condescendencia que é de mau exemplo, que póde vir a ser custosa, mas por ventura necessaria, n'uma palavra, seria preciso pesar os inconscientes que ha de um lado e outro. Dizer-se que os Inglezes são interessados neste negocio, e que não tractam delle senão por meros motivos de lucro e vantagens commerciaes; que o Governo Inglez procedeu acintemente contra nós; que, desde os principios não tractou senão de forçar-nos a concessões indecorosas e impossiveis, e que tinha de antemão formado o Projecto de publicar o bill, ou outras disposições dessa natureza e de obter pelos proprios meios aquillo que não deveria obter senão por um Tractado; se em fim as imaginações e as cabeças se exaltarem de maneira tal que não seja possivel ao Governo considerar com aquella madureza que cumpre os inconvenientes presentes e futuros, os malles irremediaveis que podem provir da continuação do actual estado de cousas e da falta de e condescendencia a algumas exigencias duríssimas mas que a necessidade nos póde obrigar a abraçar; que força terá o Ministerio, e de que maneira achará praticavel o tirar-nos desta difficuldade? Dirá elle — eu não assigno Tractado nenhum e peço a minha demissão; virão outros Ministros que dirão o mesmo. Já aqui ouvi afirmar que esse passo seria o mais honroso: mas acaso os Inglezas retirarão o bill? De certo o não farão. Mas a recusação de todos os Ministerios é uma supposição absurda porque o Paiz precisa ser governado, e de uma maneira ou outra, algum viria que o governasse e que se visse forçado a declarar talvez a guerra.

Se a isso nos vissemos obrigados, consideremos tambem esta hypothese. A guerra não podia ser-nos vantajosa, nem de longa duração. Eu estou em verdade persuadido que o nobre Povo Portuguez póde e ha de sustentar sempre contra quaesquer inimigos externos a sua independencia Nacional na Europa; (apoiados geraes) mas triste resultado seria esse se por um ponto de honra, que muitos poderiam considerar como falso nos vissemos levados ao extremo de sacrificar tudo, menos a existencia de Portugal, com pouca differença, como estava no tempo da antiga Lusitania, antes das invasões Romanas, e exposto áquelle inconveniente que resultará sempre do abandono da alliança com Inglaterra, tendo um visinho poderoso que encontra neste terreno o complemento do que julga indispensavel para a sua grandeza. Alliança Ingleza, ou alliança Franceza — tem esta sido entre nós a alternativa para a intriga diplomatica, mas não é a verdadeira como vulgarmente se imagina; a verdadeira alternativa é — alliança com Inglaterra, ou Hespanha.

Deixo á consideração de todos o conceituar, se a alliança intima com a nossa visinha continental, não seria mais ameaçadora para a nossa independencia, do que a alliança da nossa visinha maritima; nem se podem fechar os olhos ás razões e considerações que mui acertadamente apresentou o Sr. Barão do Tojal sobre as relações que a natureza e o habito fizeram nascer e avultar entre os dous Paizes, donde resulta que os nossos principaes productos são consumidos em Inglaterra, e quasi exclusivamente em Inglaterra, que desses interesses commerciaes proveiu uma identidade de interesses politicos entre as duas Nações, e que é recebida como um axioma, entre os homens d'Estado, que a alliança dos deus Paizes assim como é a mais antiga, é tambem a mais proveitosa e conveniente para Portugal. Dir-se-ha que essa alliança leiu sido proveitosa, mas só para a Inglaterra, que tem tirado grandes lucros do seu traiu o com Portugal: mas não e assim, Sr. Presidente, as vantagens não tem sido só por um lado, pelo outro tambem as tem havido; haja vista ao Tractado de Methuen, que se considera por todos os Economistas Inglezes como tendo sido grandemente vantajoso a Portugal, e tanto que o Governo Britannico estaria agora bem longe de o querer renovar: mas em fim ainda mesmo quando as vantagens commerciaes tivessem estado só pelo lado de Inglaterra, isso resultaria da habilidade superior dos seus negociadores, ou do maior gráu de actividade e de industria dos seus especuladores e negociantes, e então não teriamos direito a queixar-nos delles, mas sim de nós.

Tornando agora ao que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa disse no principio do seu discurso sobre os motivos que induziam o Governo Inglez a affectar este grandissimo interesse pela abolição do trafico, não me occuparei da, defeza dos Inglezes, nem esse é o papel que desejo representar, nem representei nunca na minha vida (apoiados); pelo contrario, fui sempre bom defensor, e bom procurador dos interesses do meu Paiz em Inglaterra, e posso demonstra-lo pela simples narração da minha vida diplomatica; mas não tracto agora disso; todavia, seja qual for o motivo dos Inglezes, isto é, dos homens d'Estado de Inglaterra, o certo é que elles persuadiram a Nação toda (apoiado), porque nesta idéa da abolição do trafico é tão geralmente arreigada no animo e no espirito dos Inglezes, é uma mania tão universal, direi ainda que — mais do que o foi, no tempo das Cruzadas, a idéa de ir libertar a Terra-Santa do jogo dos infiéis, e do que o tem sido outras idéas da mesma especie que em differentes épocas se apoderaram do espirito dos homens; essa idéa por tanto, na generalidade da Nação Ingleza, não é uma hypocrisia, é uma realidade: se os primeiros que a promoveram tiveram motivos de interesse proprio, esses motivos desappareceram agora diante da força desta religião geral que os Inglezes abraçaram, e por tanto é contra esse impulso irresistivel que temos a contender; mas ha mais ainda, temos que combater contra essa mesma idéa, contra essa mesma religião abraçada igualmente (e a pouco custo, porque é sem sacrificio nenhum) por quasi todas as outras Nações da Europa, que ao principio accederam a um ajuste com Inglaterra por condescendencia; mas depois foram-se pouco a pouco tambem exaltando, pois é preciso confessar que esse tem sido o trabalho dos oradores e escriptores mais liberaes de todos os paizes, irritando os espiritos em toda a parte para promover este resultado: por tanto achâmo-nos unicos no campo contra o mundo todo civilisado; dir-se-ha que nós tambem queremos a extincção do trafico...

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(O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado). Eu faço justiça a todas as Administrações que têem havido em Portugal desde a Restauração, de declarar que no meu conceito todas têem sido muito sinceras a este respeito; o primeiro Ministerio depois da revolução de Setembro (a Administração do Sr. Visconde de Sá), quiz demonstrar o seu pensamento promulgando um Decreto para a abolição do trafico nas Possessões Portuguezas, Decreto que era uma manifestação dos seus principios, das idéas as mais philosophicas, e as mais bem desenvolvidas que é possivel a tal respeito, e certamente dos seus desejos; mas em ponto pratico produziu - pouco mais de nada, e direi que, considerado debaixo do ponto de vista diplomatico, foi talvez um erro, porque armou o Governo Inglez de alguns argumentos para nos apertar na discussão do Tractado; pelo menos, armou-o do grandissimo argumento que resulta de nos dizerem = vede aquillo que vós fizesteis pelos vossos proprios meios, o resultado é nenhum, do que se segue que, sem a nossa cooperação, inutil é essa Lei, e inutil é a vossa vontade. = (Uma voz: — É falso.) Ouço dizer aqui ao pé de mira que isto é falso; creio que o illustre Senador quereria dizer que não era exacto: poderá ser que o não seja, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa entende que não, e eu entendo que o é; mas desgraçadamente os Inglezes assim o pensam, não só porque os factos lhe sub-ministram argumentas continuos para o mostrarem, mas nós mesmos apresentando a declaração do Marquez de Aracaty, Governador de Moçambique, em que dizia achava impossivel pôr em vigor a Lei naquella Possessão, lhes subministrámos mais um, por isso que esse facto não se passou n'um pequeno recanto das nossas Possessões Africanas, foi na segunda em ponto de importancia, naquella donde (depois de Angola) sahe maior numero de escravos, e que por tanto muito importa para esta questão: foi tanto mais desagradavel e fatal este acontecimento, quanta é certo que elle deu principio á discussão que depois se estabeleceu sobre o Projecto de Tractado que se achava já quasi ajustado. E por esta occasião direi ao meu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá (a quem professo a mais intima e antiga amisade) aqui tracta-se de questões politicas e de Estado, não vimos esta questão da mesma maneira; lamento que elle não tomasse por base da discussão com Inglaterra o Projecto que já se tinha começando a discutir, e se achava mesmo muito adiantado, porque isso teria talvez evitado que as cousas chegassem ao estado a que chegaram. Neste negocio aconteceu-nos a nós aquillo que se conta dos nove livros da Sibylla em tempos antigos; recusaram o preço que se pedia por lhes, e por fim foi necessario pagar esse mesmo preço pelos tres unicos que ainda restavam depois de haver a Sibylla lançado nas chammas os seis primeiros: a nós tambem se nos propozeram certas condições para o Tractado; e á medida que fomos fazendo difficuldades, augmentaram-se as exigencias de Inglaterra ao ponto de nos não podermos quasi tirar do embaraço, quando talvez a questão se tivesse terminado a pouco custo se no principio não fossemos tão exigentes. (Apoiados.)

Tambem, já que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa fez menção desse Projecto de Tractado para criticar um artigo delle (posto que sem sentimento de offensa ou acrimonia), permitta-se-me que eu diga duas palavras em sua defeza. -Em primeiro logar creio que o illustre Senador está enganado quando attribue a esse artigo a concessão feita por mim á Inglaterra, de que nós não tinhamos direito a fazer o trafico depois da separação do Brasil: isto foi di-lo n'uma Nota dirigida a Lord Howard, logo no principio da negociação, a qual, depois de tanto tempo passado, applaudo-me de a ter escripto, porque me parece que foi uma maneira franca de entrar em materia, e sempre acreditei que a franqueza e singelleza é a melhor arma quando se tracta de negociações taes, principalmente entre mais fraco e mais forte, e não entre iguaes. Eu comecei por conceder aos Inglezes aquillo que na minha consciencia julguei se não devia questionar, Pela Convenção do 1817 estipulou-se a clausula de ser permittido á Bandeira Portugueza a continuação do -trafico da escravatura das Possessões ao Sul do Equador para as Possessões Portuguezas além do Atlantico, e por essa mesma Convenção se aboliu o trafico ao Norte do Equador; estabeleciam-se varias estipulações sobre o direito que se reservava ainda a Bandeira Portugueza; dizia-se que, era uma necessidade prover o Brasil de braços indispensaveis para a sua cultura, cuja conservação, não obstante as razões de, humanidade, exigia um accrescimo de trabalhadores, etc.; mas que esse direito se reservava unicamente para os Navios Portuguezes que sahissem com escravos de Possessões Portuguezas ao Sul do Equador, e que se dirigissem para Colonias Portuguezas. E aqui não posso deixar de fazer um á parte para lastimar a posição em que nos achâmos: se alguma especie de tolerancia póde existir ainda da parte de todo o mondo a este abominavel trafico, seria para aquelles que o continuam precisamente, porque carecem de braços para cultivar o seu territorio; mas nós hoje que não comprámos, e só vendemos escravos, que somos unicamente mercadores de praça neste genero, e que na opinião dos Inglezes (não na nossa) disputâmos simplesmente para conservar o direito de exportar escravos das nossas Possessões para outros paizes; certamente que estâmos n'uma posição bem desvantajosa... Mas eu ia fallando na doutrina do Projecto de Tractado. Digo pois que, desde o momento em que o Brasil se separou de Portugal não se póde duvidar que virtualmente tinhamos deixado de ter o direito do trafico (apoiados) e esta foi a primeira cousa que eu confessei a Lord Howard expontanea e francamente na primeira Nota que lhe dirigi sobre o Tractado, julgando que collocando-me neste terreno poderia obter melhores resultados, e em segundo logar porque ha sempre vantagem em conceder aquillo que se não póde disputar. (Apoiados.) Dessa concessão não creio que resultasse inconveniente nenhum, porque se os Inglezes se serviram desse argumento como uma arma contra nós, é um argumento que elles teriam encontrado, ainda que eu lho não subministrasse; eu préso-me de o ter confessado desde logo por entender que não havia vantagem em o encobrir.

Tambem direi por esta occasião, porque talvez senão apresente outra mais propria, que a respeito da questão do trafico fui increpado em periodicos do anno passado, de ter concedido (no Projecto de Tractado que esteve quasi convencionado, mas que não se chegou a assignar) de ter concedido, diziam elles, que os nossos navios detidos fossem julgados por uma Commissão mixta, Brasileira e Ingleza, no Brasil, e que por tanto eu linha feito uma concessão indecorosa á nossa independencia nacional: quiz responder, e não por desprezo, mas por falta de habito destas polemicas de Jornaes, que linha abandonado inteiramente (e não me dei mal com isso) não respondi: aproveito a occasião para dizer que não podia lembrar accusação menos justa. O que se linha estipulado naquelle Projecto de Tractado era uma causa meramente interina, e só pelo tempo que decorresse até á chegada dos Commissarios Portuguezes que fossem daqui nomeados para o Brasil, e devo accrescentar que a Commissão mixta que existe no Rio de Janeiro, foi na origem Commissão mixta Portugueza e Britannica, e os mesmos Commissarios ainda lá estão, mas do Governo Portuguez dependia, no acto de assignar o Tractado, prover a isso, nomeando dous Commissarios, e mandando-os para o Brasil, logo que lá estivessem cessava essa concessão, que não era senão interina, sem consequencia nenhuma, e que unicamente podia ter existencia se houvesse da nossa parte negligencia em nomear os Commissarios, sendo aliás indispensavel, porque era necessario dizer-se quem havia de julgar os navios detidos. Querer-se-ia que o fossem pelos Commissarios Britannicos só?... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Tem sido desse modo). Assim tem sido, e é isso que eu dezejo vêr acabado. — Occorre de mais a mais que estas Com missões, para que podessem ser efficazes, e o sejam ainda, é preciso que nellas entrem Membros Brasileiros, quer dizer, que sejam mixtas Portuguezas, Inglezas e Brasileiras, porque ha uma tal complicação ainda entre a propriedade Portugueza e Brasileira, entre a bandeira de uma e outra Nação, que muitas causas que ao principio se julgam, como Portuguezas vem-se a demonstrar que pertencem a Brasileiros, e vice versa, e não só muitas, são quasi todas.

Direi tambem por esta occasião que, no fundo, nós estamos aqui combatendo contra moinhos de vento esta propriedade Portugueza de que tanto se falla, não existe: os duzentos navios de escravatura, aprezados no anno passado, são quasi todos estrangeiros, e se alguns pertenciam a Portuguezes, e a Portuguezes estabelecidos no Brasil, e que conservam talvez o titulo de Portuguezes sómente porque assim acham mais facilidade de abusar da nossa bandeira; esta é a verdade, e a prova é que, desde que se tracta esta questão, ha mais de dous annos, e com tanta acrimonia, não tenho ouvido fallar de queixumes ou grandes perdas causadas a capitalistas Portuguezes em consequencia do procedimento dos cruzadores Inglezes; póde haver alguns, mas se os ha o transtorno tem sido muito pequeno, se fosse de alguma importancia o alarido havia de ser grande, e com justiça, porque haviam de appellar para a protecção que lhes deve o Governo. Prova-se com o que acabo de dizer que no fundo, e provavelmente na maior parte dos casos, a bandeira Portugueza não serve senão de cubrir o contrabando estrangeiro, e então é uma razão de mais que temos para não nos affligir mostrando, é uma especie de consolação: conheço que o insulto permanece, que esse insulto Seja feito a um navio com bandeira Portugueza, e com licença, bem ou mal dada, para a arvorar, não deixa de ser insulto feito a Portugal; mas, repito, é uma consolação o saber que essa bandeira foi indevidamente arvorada, e creio mesmo que, n'alguns casos, lerá havido demaziada facilidade da parte de algum dos nossos agentes em a conceder; e a razão dada a fie respeito pelo Sr. Barão do Tojal tambem é exacta, vem a ser, que essas transmutações de navios estrangeiros para Portuguezes, são praticadas, pela maior parte, contra a Lei Portugueza, porque o são fóra de Lisboa, unico porto em que se permittem pela Lei, e isto é o que dá logar aos Inglezas sustentarem que não foi insulto á bandeira Portugueza, porque os navios contra que se procedeu não eram Portuguezes, ainda que é certo que a nós e não a elles é que toca o velar pela observancia da nossa Lei.

Porém a vontade sincera do Governo em extinguir o trafico da escravatura, torno a repetir, não tem tido grandes resultados pela negligencia das authoridades em Africa; agora mais effeito se vai vendo, mas não faltará quem maliciosamente suspeite que esse pontual cumprimento, pelas authoridades actuaes, de Ordens que não tinham tão prompta execução da parte das precedentes, provem de que os cruzeiros Britannicos incutem um grande receio e de que a questão entre as duas Nações tem assumido um tal aspecto de gravidade que não permitte fechar os olhos inteiramente á Lei.

A materia é tão vasta e tão complexa, tem-se dito tanto a este respeito que eu receio esquecer-me de alguma das observações que successivamente se apresentam. Em summa, e como ponto essencial, direi, que um dos maiores inconvenientes da nossa posição actual, é que o nosso Governo e os seus agentes não podem de maneira alguma proteger-nos contra as injustiças não só dos cruzadores, mas nem mesmo dos tribunaes estrangeiros; por tanto, temos a soffrer não só do insulto, não só da injuria, não só da abolição do trafico, mas tambem da injustiça nos julgamentos, e dos maus tratamentos que necessariamente algum dos Commandantes, mais violento ou mais grosseiro, dos cruzadores Inglezes pratique contra os Subditos Portuguezes, ou contra os que se disserem taes, pondo-os a (erros, como disse o nobre Senador o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, e sujeitando-os a outros mil horrorosos padecimentos; nós não lhe podêmos conceder protecção nenhuma, não os podêmos defender, e nem ao menos fazer separar os casos justos dos injustos, porque contra todos elles só dizemos = protestamos = mas ficamos nisso: pelo contrario, se houvesse um Tractado, e por esse Tractado houvesse Commissões mixtas Portuguezas e Britannicas, ou Portuguezas, Britannicas, e Brasileiras, que julgassem os navios, já haveria recurso para fazer indemnisar os que fossem injustamente apresados, e recebem a possivel reparação, sendo ouvidos, aquellas individuos que soffressem maus tratamentos. Fallou-se aqui em duzentos navios Portuguezes apresados no anno á 1838, suspeitos do trafico d* escravatura, que desembarcaram no Brasil um grande numero de escravos; disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa que os Inglezes sómente reservavam contra nós as suas iras nesta questão, que todas as injurias eram contra os Portuguezes, que só elles eram accusados de fazerem esse trafico illicito, que as medidas de repressão e rigor só eram dirigidas contra elles, em quanto Hespanhoes, Francezes, e Inglezes mesmo faziam o trafico peccando de igual maneira, e se em quanto eram os proprios Inglezes e Francezes os que serviam para aquillo que entre nós antigamente se chamava resgate de escravos (e

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DIARIO DO GOVERNO.

que de certo está bem longe de ser resgate). Quanto a esta ultima parte, direi que é impossivel poder increpar os Inglezes deste facto com razão, porque, que culpa tem elles de que as suas manufacturas sejam aquellas que se podem vender, ou trocar na Costa d'Africa? Como poderiam os fabricantes d'Inglaterra dar extracção aos seus productos, se elles fossem obrigados a não os vender senão no caso em que se apresentasse uma attestação de que elles não iam ser exportados para a Costa d'Africa. Quando muito, isto não passaria de um peccado dos fabricantes que todos sabemos são de sua natureza cúpidos, e o que devem ser para fazerem o seu negocio. A outra observação é mais séria, e vem a ser, que não é justo sermos nós os unicos accusados, os unicos maltratados, quando não somos os unicos peccadores. Direi que isso provêm de uma razão muito simples, e é — que somos os unicos que não tem agora sobre este objecto Tractado com Inglaterra. E como hão de os oradores, os homens d'Estado, os escriptores, e todos os que tractam desta materia, advogar a nossa causa? Elles certamente não tecem o elogio nem dos Hespanhoes, nem dos Francezes, nem dos Inglezes que traficam na escravatura, pelo contrario, ainda mais os accusam, consideram-os igualmente transgressores das Leis divinas e humanas, e merecedores de igual castigo, mas dizem que os seus Governos os não protegem, e que nós protegemos os traficantes Portuguezes, porque somos a unica Nação que permanece sem ler feito um Tractado para a repressão do commercio da escravatura, por desgraça nossa. Ora este Tractado é necessario, não só pelos principios geraes de humanidade, bem sabidos e que todos conhecem, não só pelas razões que tantas vezes se tem expendido, e algumas que eu aqui apresentei dos inconvenientes que resultam de deixar &o alvedrio de uma Nação estrangeira a decisão da sorte dos nossos Concidadãos que são apresados debaixo do pretexto de suspeitos de se empregarem no trafico dos escravos, porque nós não somos parte nesses julgamentos, nem lemos lá ninguem para saber se foi justa ou injusta a suspeita, dizemos que não ha direito de os apresar, isso é claro, mas não temos meio, nem ao menos de saber se as accusações são ou não fundadas, porque não temos intervenção alguma nesses tribunaes. Digo que não só ha esse grave inconveniente na continuação da nossa posição actual sem um Tractado, mas é preciso não perder de vista tambem que nós cumtrahimos a obrigação de o fazer, e que o cumprimento dessa obrigação é o que se exige de nós. D'ahi não se segue que sejamos obrigados a annuir a todas as condições que nos quizerem impôr, nem tão pouco eu o entendi quando fiz a concessão (que já expliquei) de que o trafico debaixo da bandeira Portugueza devia cessar ao Sul do Equador, não quero admittir que os Inglezes se achem possuidos do direito de reter as nossas embarcações ao Sul do Equador, nunca eu quiz dizer isto, mas sómente que nós tinhamos contrahido a obrigação de fazer para a repressão desse trafico um ajuste com Inglaterra, essa negociação é que eu desejei concluir, assim como os meus successores, bem que tomassem um caminho differente, por abandonarem o primitivo Projecto.

Concluo approvando os paragraphos que se acham era discussão, felicitando-me de que elles sejam approvados, segundo creio, por toda a Camara, e fazendo votos para que os Ministros da Corôa possam achar uma maneira de concluir quanto antes um Tractado que nos tire da situação penosíssima em que nos achâmos, lamentando como lamentarei, se para isso elles se virem obrigados a convir em algumas estipulações duras, exhorto-os comtudo a fazerem um serviço ao Paiz tomando sobre si o peso de alguma repugnancia momentanea, e que se ha de desvanecer e desapparecer senão tiver um fundamento justo, a fim de evitar maiores inales, e para não sermos levados ao caso extremo (que Deos não permitta) de ser necessario jogar a existencia deste Reino, por uma causa que nem na sua origem tem, nem nunca terá, por mais que nos queiramos esforçar, as sympathias das outras Nações civilisadas; e que unicamente sejam firmes e tenazes naquellas considerações nas quaes a justiça e a razão estão evidentemente da nossa parte, e não me explicarei mais, nem direi se são muitas ou poucas, mas creio que são muito poucas, talvez se reduzam a uma. — E antes de me assentar direi que um dos motivos da contenda diplomatica que houve entre os dous Paizes foi sobre um objecto que não só me parece de bem pouca entidade, mas que era talvez contrario aos nossos interesses, e foi o exigir do Governo Britannico a garantia das nossas Colonias considerando a sua perda como provavel no caso de se abolir o trafico da escravatura; eu não creio que as nossas Colonias corressem tão proximo risco, mas, quando assim fosse, não havia remedio senão acabar o trafico, e perde-las sujeitando-nos a este mal assim como nos sujeitámos a outros irremediaveis e á, morte mesmo; se em alguns espiritos tem entrado a idéa de que outras Nações ha que cubicem as nossas Possessões Ultramarinas, se se aponta entre ellas a Inglaterra, como tendo vistas sinistras neste negocio, (o que eu não quero admittir mas que seria possivel) neste caso o invocar soccorro dessa Potencia para no-las garantir, era exactamente o contrario do que nos convinha; em taes circumstancias a garantia que eu lhe pediria era que não mandasse lá um só homem.

Não sei se me resta alguma cousa a dizer, é provavel que sim, mas não quero abusar da indulgencia que a Camara tem tido em ouvir-me tão prolongadamente.

O Sr. Presidente Interino: — A hora está a dar; como ha ainda alguns Srs. Senadores que tem a palavra, fica esta discussão adiada para Quinta feira. — Ámanhã deverão reunir-se as Commissões. — Está fechada a Sessão. Eram quasi cinco horas.

N. B. No Diario do Governo de Sabbado 25 o Discurso do Sr. Ministro das Justiças na Sessão dos Senadores vem pouco correcto, e sobre elle se publica a seguinte

DECLARAÇÃO.

«Pelo que respeita ao Sr. Bispo eleito de Leiria, nenhuma opposição foi feita a S. Ex.ª, porque nem ainda se apresentou no Bispado para delle tomar posse — a verdade é que existe unicamente da parte do Sr. Bispo eleito de Leiria um escrupulo sobre quem lhe deva conferir a jurisdicção espiritual — este negocio ainda se acha pendente, e ha de ser decidido em conformidade com as Leis e Direito canonico; sobre esta é muito versado o Sr. Bispo eleito, e já se vê que por isso não são para despresar as suas reflexões — o que eu posso assegurar é que o Governo deseja remover todas as cousas que podem atacar as consciencias dos Povos.» (Apoiados)

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