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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

20.ª Sessão, em 27 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.º Secretario.)

ABERTA a Sessão, tres quartos depois da uma hora da tarde, verificou-se a presença de 45 Srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente, foi approvada.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um Officio do Sr. Conde de Mello, participando que tem de fazer uso de agoas ferreas, e por isso não póde actualmente comparecer ás Sessões, o que assegura fará logo que lhe seja possivel. — A Camara ficou inteirada.

2.° Um dito do Sr. Domingos Corrêa Arouca, Senador eleito pelo Circulo de Moçambique, no qual expõe algumas reflexões relativamente á posse do seu logar nesta Camara. — Ficou sobre a Mesa para ser presente quando se discutir o respectivo Parecer da Commissão de Poderes.

3.° Um dito do Senador que serve de Presidente da Camara Municipal de Lisboa, acompanhando exemplares impressas de uma Representação que a mencionada Camara acaba de dirigir á dos Deputados. — Foram distribuidos.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Mando para a Mesa uma Representação da Junta de Parochia, Juiz Eleito, Juiz de Paz, etc. da Freguezia de S. Pedro de Corval, Concelho de Reguengos, contra a pretenção do Povo de Monsaraz. — Passou á Commissão de Administração.

O Sr. Lopes Rocha: — Tambem mando para a Mesa o Diploma, pelo qual acabo de ser eleito Senador pelo Circulo de Arganil. — Foi remettido á Commissão de Poderes.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Não pude comparecer na Sessão passada, por me achar incommodado de saude.

O Sr. Macedo Pereira: — O Sr. Miranda encarregou-me de participar á Camara que hoje, e talvez mais alguns dias, não póde vir, por estar com uma inflammação de garganta.

O Sr. Visconde de Semodães: — O Sr. Aguilar tambem não comparece hoje, e talvez mais alguns dias, por motivo de molestia.

Passou-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno: o Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi occupada interinamente pelo Sr. Secretario Machado.

Proseguiu o debate do §. 12.°, adiado da ultima Sessão (V. Diario N.° 201, a pag. 1064) conjunctamente com o emenda do Sr. Leitão; foram ambos lidos, e são como segue:

§. 12. A Camara dos Senadores prestará a attenção devida ao exame das Propostas de Lei que Vossa Magestade lhe annuncia, e das quaes depende a organisação do Paiz, e a segurança publica.

Emenda do Sr. Leitão: — Depois da palavra annuncia, proponho a emenda seguinte: e approvará as providencias que forem conducentes para melhorar as Leis Organicas do Paiz, e o estado de segurança publica.

Teve a palavra

O Sr. Marquez de Loulé: — Sr. Presidente, eu desejava apresentar uma substituição ao paragrapho, que se discute, do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno; porém como talvez só me poderá pertencer a palavra quando a discussão esteja muito adiantada, e a Camara já cançada, parecia-me por isso que seria talvez conveniente o apresenta-la agora, se a isso senão oppozerem os illustres Senadores que têem primeiro a palavra: rogo por tanto a V. Ex.ª queira consultar a Camara a este respeito.

O Sr. Presidente consultou a Camara se consentia em que o Sr. Marquez de Loulé apresentasse já a sua substituição: decidiu affirmativamente. — Disse então

O Sr. Marquez de Loulé: — Sr. Presidente, não me levando a minha convicção a approvar inteiramente o paragrapho do Projecto apresentado pela Commissão, nem podendo tambem dar o meti assentimento á emenda que a elle foi proposta por um illustre Senador, acho-me na posição de não poder dar voto sobre esta materia, é por este motivo, que me julguei na necessidade de apresentar uma substituição ao mencionado paragrapho. Eu não approvo o paragrapho apresentado pela Commissão, porque não acho que as observações feitas pelos illustres Senadores que o combateram, sejam inteiramente destituidas de fundamento: não se entenda com tudo que alludo á questão de organisação, ou não organisação do Paiz, porque isso já não é questão, depois que o illustre Membro da Commissão, que principalmente defendeu a doutrina do paragrapho, collocou esta materia no seu verdadeiro ponto de vista, e de uma maneira, que no meu fraco entender não deixou nada a desejar, o fim da minha substituição, Sr. Presidente, é unicamente evitar certas expressões, que de algum modo farão crer que a Camara approva de antemão as Propostas de Lei a que se refere o paragrapho em discussão; quero dizer, que repetindo a Camara as expressões de que se serviu a Corôa, dizendo que daquellas Propostos de Lei depende a organisação do Paiz, e a segurança publica, entendo eu que a Camara se constitue na obrigação de approvar, não na generalidade, mas em cada tuna das suas deposições estas Propostas de Lei. (Apoiados.) São estes, Sr. Presidente, os motivos que fazem com que eu não possa approvar o paragrapho proposto pela Commissão; mas tambem me parece que a emenda offerecida a este paragrapho, vai em sentido contrario mais longe do que convêm, porque tendo estas Propostas sido apresentadas na Sessão passada, e havendo dellas bastante conhecimento, e dizer-se agora que a Camara as examinará com todo o escrupulo, e que só approvará aquellas que o merecerem, entendo eu que estas expressões não são conformes com os sentimentos do Paiz, nem tão pouco com os da Camara, e os meus; sendo um facto notorio o assentimento geral com que as citadas Propostas do Governo foram acolhidas pelo publico; não é por tanto o meu fim oppor-me á idéa de uma approvação em globo, mas sim á approvação antecipada década uma das disposições daquellas Propostas, como eu entendo que se deprehende das expressões adoptadas pela Commissão.

São pois estes os motivos que tenho, para não poder tambem approvar a substituição que foi apresentada, e por isso entendi fazer uma outra, que conformando-se inteiramente com os sentimentos da Camara, não tem os inconvenientes de redacção que se tem notado no Projecto da Commissão. A substituição é esta:

«A Camara dos Senadores procederá ao exame das Propostas de Lei relativas á organisação do Paiz, e á segurança publica, de que Vossa Magestade faz menção, com aquella escrupulosa attenção, que objectos de tanta importancia exigem, e com o zêlo e solicitude, que o espirito destas Propostas lhe inspira.»

Provavelmente terei que dar mais algumas explicações, e por isso desde já peço a palavra para o fazer quando necessario seja.

O Sr. Serpa Saraiva: — Sr. Presidente, aproveito a palavra que pedi logo no principio da Sessão passada, e que não pedira se já tivesse ouvido o nervoso discurso, exemplar de prudencia e gravidade, — que S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella acaba de pronunciar: — bem como o outro do erudito Ministro dos Negocios do Reino, cheio da eloquencia, e de sublimes pensamentos, ao qual seguiu a muito esclarecida falla do digno Presidente da Relação de Lisboa; todos estes Srs. tractaram a materia de tal fórma, que quasi me preveniram em todos os pontos de que eu queria fallar: com tudo sempre accrescentarei alguma cousa; começando por dizer, que me não levanto para campeão do Ministerio, a quem, por certo, melhor caracterisam os seus actos, e a dignidade dos seus membros, do que a minha lingoa humilde. — Levanto-me pois para combater as emendas que se querem fazer ao paragrapho em discussão, e demonstrar o prejuizo que trazem comsigo discursos prolongados, e alguns delles para explicações de duvidas suppostas.

Figuram-se, Sr. Presidente, gigantes de papel para depois combater com todo o apparato de escolastica discussão; gastando inutilmente o tempo que não volta — e tempo que agora se tem empregado na exposição, e desenvolvimento de idéas menos justas, de proposições, que se acham em contradicção com os factos, que são argumentos irresistiveis. — E com quanto eu respeite muito todos os preclaros Membros deste Senado, fazendo justiça ás suas boas intenções, não deixarei com tudo de ser franco e sincero para corresponder assim á confiança, que em mim depositou a Nação, e satisfazer aos preceitos de uma severa, e porfiada discussão.

Disse eu, que mostrarei o prejuizo dos pro-

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longados, e inuteis discursos, feitos muitas vezes para explicar duvidas suppostas: assim o entendo, Sr. Presidente, e a discussão actual o tens provado, porque se tem querido suppôr duvidas, e figurar difficuldades no paragrapho, onde visivelmente só se encontra precisão, e clareza. — Diz elle, que esta Camara prestará a devida attenção ao exame dos Projectos que o Governo lhe apresentar. E, pergunto eu, não será de dever, e attribuições desta Camara o prestar attenção ao exame das Propostas que formalmente se lhe apresentarem? Sim. Por ventura a palavra exame importa o mesmo que uma precipitada, e necessaria approvação? Não. E, qual ha de ser o resultado desse exame? Não póde ser outro senão a approvação, ou a rejeição dos Projectos. E, se este exame ainda não está feito, para que se quer reprovar já uma cousa que só póde ser o resultado desse exame; e depois delle avaliar-se? É incoherencia, e falta de logica.

Duvidas se têem levantado, Sr. Presidente, sobre a organisação do Paiz, e a significação verdadeira das palavras que aqui se acham; mas eu direi se, será difficil de entender que estas expressões = de que depende a organisação do Paiz, são mais para mostrar a natureza dos Projectos, que o Governo offerece, do que para determinar precisamente qual se acha a organisação ou desorganisação do Paiz, ou systema governativo? Não encontro pois para condemnar essas expressões motivo algum plausivel; e menos depois de ser reconhecido por todos que a organisação do Paiz está todos os dias carecendo de uma alteração qualquer, para o que se reunem as Côrtes annualmente conforme a Constituição que nos prescrevemos. Á vista pois do que tenho dito, não vejo razão nenhuma para que se altere maliciosa e acintosamente o paragrapho do Projecto, substituindo-o por outro que ainda quando não offendesse a verdade, e sentido obvio do paragrapho, não dava pelo menos mais clara explicação da materia de quo se tracta. (Apoiados.) Logo, o levantar castellos, e figurar gigantes sobre expressões de tão facil significação, para depois os combater, com todo o apparato guerreiro, o fazer com isso gastar esta Camara duas Sessões, é certamente um desperdicio de tempo maior, do que o da Fazenda publica, e peior do que outro qualquer desperdicio; porque em quanto a Nação está ás bordas do precipicio, e reclamando providencias a esta Camara que ponham termo á continuação de seu padecimento, é então, Sr. Presidente, que se jazem, sem necessidade, largos discursos! Portugal está nas mesmas circumstancias que um Homem em perigos de vida, o qual consulta os medicos; e estes, em logar de lhe applicarem remedios proveitosos, gastam o tempo em discussão: a desgraça é do doente, porque depois de padecer muito, depois de aturar e pagar aos orgulhosos, e descomedidos agitadores, espira.

Pedi pois a palavra obrigado pelas razões que acabo de expor, augmentadas com o insulto que se faz á miseria publica; porque não pude a sangue frio ouvir dizer, que o estado do Paiz era mais satisfatorio do que se pintava! Se a Capital, depois do exemplo de horrorosos crimes, tomando todas as providencias póde conseguir que haja nella algum socego, não póde todavia concluir-se daqui que as Provincias estejam no mesmo estado. Se isto se provar, calar-me-hei; supponho com tudo que em prova-lo não haverá facilidade; porque, longe dessa quietação, as Provincias estão no peior estado possivel; não fallo relativamente ás guerrilhas de miguelistas ou guerra civil; porque a esse respeito já o actual Ministerio tem tomado todas as medidas possiveis, e obtido grandes vantagens; combatendo, e quasi extinguindo por meio da força armada, e adopção de outras medidas politicas, e conciliadoras, a maior parte das guerrilhas, que faziam a guerra. Então nesta parte estou de accordo — que a segurança publica está melhorada; mas quanto a assassinos, quanto a salteadores, é bem pelo contrario, ou seja pelo seu numero, ou seja pela deficiencia ou impropriedade do systema e fórma judiciaria, o mal vai cada vez a peior, e é necessario atalha-lo. O Governo é verdade que tem á sua disposição a força armada, mas esta não é bastante para acabar com este mal, nem o Governo podia vencer o obstaculo que nasce da imperfeição das Leis, e má organisação do Poder Judiciario. Para remediar este mal, apresentou o Governo os seus novos Projectos, e veio pedir ás Camaras o seu exame, e adopção. Ora poderemos nós dizer que o Governo vem pedir ás Camaras estas medidas antes de tempo! Poderemos dizer que censuramos o Governo por similhante comportamento? Antes e digno de louvor porque elle procura os meios de organisar o Paiz. A que se dirigem elles todos? A segurar a fortuna dos Cidadãos é da Nação e a tranquilidade publica. E poderá alguem dizer com verdade que o cidadão está seguro, e livre de insultos, não digo no ermo, e nas estradas, mas até no meio dos povos, e na propria casa?

Ao principio, Sr. Presidente, algumas exaggeradas indemnisações começaram a ser exigidas; quero dar um passe a este procedimento, quero ainda dar desculpa, ao encontro de um homem com o seu antigo aggressor, que este encontro subito causasse a morte de um dos desavindos no calor das paixões; mas estes males continuaram; estes excessos tornaram-se um habito; e homens immoraes cobrindo o rosto com as mesmas barbas, que em diversas circumstancias ornam o soldado valente e probo, e armados com um punhal, e uma clavina atacaram a segurança publica, e commetteram os maiores horrores, resistiram ás authoridades, e atropelaram as Leis. Quando estes males esperavam algum remedio, appareceu a revolução de Setembro, — apedrejou-se a Constituição do Estado, uma Dictadura, necessaria ou prejudicial (como cada um póde julgar,) abortou montes de Leis, concebidas 110 frenesi revolucionario, e suffocou quasi todas as anteriores; augmentaram-se as authoridades electivas; as urnas ficaram sujeitas ao punhal dos assassinos, e desde então as authoridades, ou foram suas, ou ficaram sujeitas á força.

Nestas circumstancias, Sr. Presidente, e em estado ião terrivel é que os Projectos de Lei são apresentados, não só para remediar este mal de tantas authoridades electivas, improprias para poder exercer as suas funcções, com independencia; mas para evitar que o Jury nomeio de uma Nação crusada de partidos, enerve a acção da Justiça. Posso asseverar á face da Nação, que uma escandalosa impunidade ha sido o resultado dessa experiencia, que tão esperançosa se ostentou no magestoso quadro de theoricos polimentos; eu, ainda que quizesse, não poderia senão em longas horas enumerar alguns dos grandes crimes desta ordem, e para enumera-los todos não teria fim a minha relação: digo com tudo, e affoutamente o assevero, que esses crimes tem ido sempre em augmento e sem castigo!!! Principiou-se pelos insultos — destes ao roubo, do roubo ao assassinio, — do assassinio na rua, ao assassinio na habitação; incendiaram-se estas, e agora já se queimam vivos seus proprios habitantes dentro dellas!!! (Sensação.)

Desta impunidade, segue-se a licença desenfreada, com que elles continuam a usar da força, que tem adquirido. Ora é nestas circumstancias que o Governo veio trazer os seus Projectos, porque lhe não restava outro recurso senão a força das armas; e então haveria risco de constituir-se outros tantos ramos de despotismo, quantos fossem os destacamentos demorados, com perda da disciplina militar. Deixo á consideração de todos os que me ouvem, qual seria o resultado destes pequenos, e dispersos destacamentos nas pequenas povoações!

Tenho feito um quadro verdadeiro, que eu affianço como tal, na maior parte das Provincias, porque este mal tem sido como uni contagio, e quasi que se vai generalisando, por tanto perderemos nós o tempo em censurar uma expressão que se apresenta no Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, tão verdadeira, tão intelligivel, deixando de discutir, e examinar tantos Projectos indispensaveis? Parece-me que é um desperdicio de tempo, porque temos de responder; eu, pelo menos, não quero que a Nação deixe de reconhecer quaes são os meus sentimentos, embora seja contrariado por aquelles que tem empenho a fazer triumphar a sua opinião. (Apoiados.) Eu, não querendo gastar o tempo á Camara, entendo que estas palavras tem o mais claro sentido, que não produzem mal nenhum, para nos privar do tempo que é necessario gastar em cousas uteis, que são as Leis que o Governo propõe: tanto não tem elle desejo de destruir, que antes quer habilitar-se com todos os meios para acudir ao Povo, que está quasi em uma anarchia. Se não atalharmos, seremos talvez responsaveis á Nação pelos seus necessarios e grandissimos resultados. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Trigueiros: — Não ha remedio senão discutir: se eu tivesse o dom da previsão, se eu podesse d'ante mão saber com quanta força se haviam de empregar razões, que destruíssem á emenda, a que me opponho, por aquelles oradores que já tinham a palavra quando eu a pedi, ter-me-ía escusado de um trabalho superfluo, e poupado á Camara o enjoo de me ouvir.

Proponho-me a responder a dous illustres Senadores do lado opposto, os Srs. Leitão, e Barão da Ribeira de Sabrosa, que combateram as razões com que eu, que tive a honra ou a desgraça de me oppôr á emenda por um delles offerecida, pertendi sustentar a minha rejeição; mas antes de começar importa-me fazer uma declaração: nenhuma esperança tenho na discussão; porque a experiencia, a minha pequena experiencia parlamentar me tem provado — que as discussões nada aproveitam para o modo das votações; que não e dentro dos muros do Parlamento que a opinião se formate que cada um vota segundo o modo de vêr lá fóra as questões que aqui se tractam.

Mas eu discuto para o Paiz tambem, a publica opinião tambem é um poder; vota, e o seu voto, que é irresistivel, annulla todas as votações. Embora para a Camara seja sem fructo a discussão, ella o não será para o Paiz, a quem se deve primeiro que tudo — verdade.

Que dirá a Nação quando contra os factos, — os factos, que são a logica dos povos, se vir impresso no Diario, que tudo está organisados que senão precisam reformas; e que esta opinião saíu destas cadeiras? Que dirá? = Vós, que misturados com o povo, faríeis côro comnosco reconhecendo a necessidade de organisação que não podieis negar, e das reformas que mostráveis desejar; sentados agora em vossas cadeiras de Legisladores negaes na nossa propria cara, o que entre nós confessaveis. = Eis aqui porque eu combato a emenda ao paragrapho 13.º; eis aqui porque eu julgo necessario, que outra voz se levante, e que clame. = Não; o Paiz não está organisado, reformas se precisam — verdade ao Povo; — eis aqui porque eu julgo esta questão da mais alta importancia; se á face da Constituição a necessidade da organisação é um axioma demonstrado, a reforma em muitas das cousas já organisadas, deve ser um principio a estabelecer. Passemos á questão: eu responderei primeiro ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, porque elle na ordem, dos que me combateram, foi tambem o primeiro; prometto ser breve, e evitar quanto poder repetições.

Disse o nobre Barão, que não podia rejeitar-se esta emenda, porque a outra offerecida ao paragrapho 3.º tinha sido approvada: cuido que a consequencia, que pertendia tirar deste argumentos, era a inconveniencia da contradicção supposta; este argumento assim não prova nada; seria preciso primeiro demonstrar que aquella emenda expressava todo o pensamento da Camara, e que ella tinha feito bem em approva-la; esta porém é a questão que nos occupa, e não se tendo isto demonstrado, antes o contrario, segue-se que não ha o pertendido inconveniente, e que elle se seguiria da approvação da emenda agora offerecida; não se é inconsequente, quando se restitue a verdade das cousas, e seria um absurdo, e uma tyrannia de nova especie, que se obrigasse a Camara a seguir um erro, porque uma vez o tinha approvado, e que a Commissão acceitasse todas as emendas porque tinha acceitado uma. (Apoiados.)

Mas não ha mesmo este erro; a primeira emenda contém expressões de verdade, porque ella contém o reconhecimento da necessidade de providencias novas nas Leis, mas suas palavras não expressam o pensamento inteiro da Commissão, e segundo eu entendo da Camara; o paragrapho 13.º é agora o complemento deste pensamento; o paragrapho expressa mais, a emenda approvada menos, e ambos todo o pensamento da Camara. (Apoiados.) O Sr. Duque de Palmella já declarou a razão, porque a Commissão acceitou a emenda do 2.° paragrapho, ella se persuadiu, que as suas palavras não exprimiam o pensamento, que agora se desenvolve do lado opposto; é mais ao pensamento, que ás palavras que eu agora me opponho.

Disse mais o nobre Senador, que os argumentos, que se referiam a Leis organicas, que não havia, e que estavam a fazer-se na outra Casa, não provavam; que estando essas Leis na outra Camara, que sobre ellas nenhum juizo se podia emittir. Por ventura fallo eu das Leis para ajuizar dellas? O que eu disse foi que essas Leis não existiam, e se me referi á outra Casa, aonde estão em Projecto, foi para provar a sua falta. Ainda disse mais: que esta expressão de organisação importava a de destruição! Com effeito será mais um synonimo, e de

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nova especie; palavras que significam o contrario uma da outra, que exprimam a mesma cousa. Mas d'onde tira o Sr. Barão esta suspeita da expressão! Não, que significa o opposto. Será de algum precedente da Commissão? Eu nada vejo nella, que conduza a tal inducção; tão desprevenida estava ella, que acceitou a primeira emenda. Parece que o nobre Senador quiz dizer, que a palavra organisação significaria nova criação, mas eu peço-lhe que se lembre, que nem isso mesmo ella significa, mas sim a disposição dos elementos já creados; os elementos são os Artigos da Constituição, que jurámos, se queremos guardar, e a prova é este mesmo paragrapho, pelo qual se mostra que queremos; organisar, ou bem dispor esses elementos.

Disse mais que nenhuma reforma era precisa (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu não disse isso.) As palavras de S. Ex.ª passaram ainda ferventes da sua boca a este papel, que tenho na mão: e eu respondo, que a questão não era agora de reforma, toas sim de organisação; mas como isto se disse, eu tocarei este ponto quando responder ao Sr. Leitão, entretanto desde, já o empraso para conciliar-me duas opiniões, ambas suas, e ambas proferidas nesta Casa; esta, de que não são precisas reformas, e outra de ha mais dias, de que em quanto senão reformar a Lei do recrutamento, senão póde organisar o Exercito.

Disse que o Senado estava organisado, que o meu argumento sobre este ponto, não era exacto; e eu disse que o Senado estava transitoriamente organisado, o que se oppoem a definitivamente. Leia S. Ex.ª a sua procuração, e verá como isto é exacto; se eu erro, erro com á Constituição, a quem agradou chamar ao Artigo transitorio.

Disse, que era Verdade não haver Lei de independencia Judicial, mas que sem ella se passara para as transferencias dos Juizes; o Sr. Barão reconheceu logo que falta esta Lei organica, e como poderia nega-lo? O que não vem para o caso, é a transferencia dos Juizes; eu não fallo do que se fez, mas da organisação, que não ha, e permitta-me S. Ex. que lhe diga, que elle previne uma questão, e um juizo que adhuc sub judice est, e que isto é tanto mais inconveniente, quanto é possivel que sobre, esta mesma questão, esta Camara se constitua em Tribunal de Justiça.

Respondendo agora ao illustre Senador o Sr. Leitão, começarei por agradecer-lhe suas delicadas expressões para comigo; quanto áquellas que se referem á estima por minha pessoa, eu tinha tantas provas de sua boa amisade, que o acredito perfeitamente; mas pelo que toca ião respeito, que diz ter, por minhas opiniões, permitta-me S. Ex.ª que eu lance esta asserção na ponta de sua polidez. Mas eu não lhe direi que receio entrar em lide com elle; não, ao contrario, eu o estimo na razão de sua illustração; nos debates é que a razão se fórma, e o raciocinio se alarga; na peleja é que se reconhecem os golpes de mestre, e se eu não morrer da estocada (e estas parlamentares não são de morte) ficarei sabendo evitar o golpe de futuro.

Classificarei primeiro o modo de argumentação seguido pelo nobre Senador. Dous são aquelles porque eu tenho notado, se combate em parlamento; ambos brilhantes, mas não igualmente convincentes; o primeiro, respondendo restrictamente aos argumentos oppostos, e procurando destrui-los; neste a razão ostenta o seu poder, a verdade conquista o seu estado, e segue-se a utilidade: o segundo, divergindo, evitando, e arrastando a Assembléa (se se póde) para uma grande distancia, afim de fazer-lhe perder o ponto de vista da questão; aqui o engenho desenvolveu os seus recursos; este é igualmente brilhante, eu direi mesmo, mais brilhante, mas não igualmente conveniente; após de si não deixa um traço util. Parece-me que foi este segundo modo, o que empregou o illustre Senador.

Disse o meu nobre amigo: que a falla de organisação importava a idéa de anarchia, e que era mister que eu explicasse se entendia, que o Paiz estava em anarchia. O nobre Senador (seja-me licito dize-lo em fraze vulgar) vai, logo ás do cabal Pois ha, de ser por força uma das duas? Eu entendo que o Paiz não está em anarchia, mas que não está organisado; entendo, que; entre os dous extremos ha um meio teimo; neste meio termo temos nós estado desde 1820, e entretanto não havia organisação, nem anarchia. Que é anarchia? É a falta de Principe ou Magistrado, e a obediencia recusado á Lei; esta é a sua significação. (Apoiados.)

Quando o Governo Provisorio do Porto, em 1890 assumiu o poder, houve anarchia. E estava então o Paiz organisado constitucionalmente; quando as bases da primeira Constituição se juraram, e a Nação se começou a reger por seus principios, existia uma só das Leis organicas? E por ventura houve anarchia? Quando o Senhor D. PEDRO desembarcou no Porto, o Sr. Duque da Terceira em Lisboa, houve anarchia? Pois a desorganisação não podia ser maior; tudo saíu do seu logar. Finalmente a Hespanha está em anarchia, porque não está organisada? E nós, porque não estamos organisados, estamos em anarchia? Mas diz o nobre Senador; nós estamos constitucionalmente organisados é o que eu nego; além das Leis organicas, que eu apontei, quando me oppuz na Sessão passada á emenda, que não sei como o nobre Senador desconhece, estando na Commissão de Legislação com duas dellas entre mãos, que infinidade de outras não faltam! Aonde está a Lei que assegure a prosperidade litteraria garantida pela Constituição! Aonde a Lei organica Constitucional do Ministerio? O Ministerio está ainda como estava antes de se saber o que era Constituição; quando a sua existencia, suas funcções, e sua responsabilidade eram bem outras. (Apoiados.) Já se averiguou, e estabeleceu, por uma Lei, se convém, que elle exista assim, ou de outro modo; que esta Secretaria d'Estado se divida, que aquella se reuna, finalmente, já harmonisou sua existencia com seu principio? Em que cahos não está o Poder Judiciario: se falta a Lei da independencia dos Juizes, ainda falta mais, a Lei da sua responsabilidade real; o povo não tem garantia alguma contra sua possivel prepotencia, e tambem falta a Lei contra a desobediencia natural do povo. *Que arbitrios não vão por ahi? Nem um Codigo Criminal ternos! O máu e o bem que havia foi substituido pelo arbitrio: duas Leis uma de 29 de Julho, outra de 18 de Outubro ambas de 1832, vieram fixar a regra para a applicação da pena de morte, e ella se limitou aos crimes de homicidio voluntario, incendiários, e aliciadores de tropas; mas estas Leis sanccionaram tambem o arbitrio dos Juizes, que ainda existe, porque sendo a pena de morte applicada pelo nosso Codigo a centenas de crimes, a que agora não corresponde aquella pena, ou esses crimes ficarão impunes, ou os Juizes sentenciarão a seu arbitrio; e eis aqui, Sr. Presidente, como está organisado o nosso Paiz? É uma fatalidade, é uma fatalidade! Nós todos desejamos servir o nosso Paiz; aquelle lado, e este lado da Camara desejam com o mesmo ardor a ventura da Nação, mas desde que o momento se apresenta, nós começamos a divergir! É fatalidade! (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — É fatalidade; é!) O nobre Senador, cujas idéas agora combato, tão esclarecido, como é, sentirá elle realmente que o Paiz está organisado? S. Ex.ª no seu discurso da Sessão passada, citou uma frase latina de um grande homem, ou de um grande Poeta, e elle me fez a honra de associar-me á opinião daquelle, que não era com tudo a sua, eu tambem lhe citarei um verso latino, de um grande Poeta, pelo qual explicarei suas expressões nesta questão — Si nihil aliud dedimus, prceter sine pectore, vocem.

As Camaras Municipaes estão, é verdade, organisadas - se organisação é o opposto da boa disposição para o seu fim; e muitas das suas funcções se acham em conflicto com as dos Conselhos de Districto e outras authoridades administrativas, até com o Poder Executivo; quantas desobediências defendidas por um lado com a Lei, condemnadas por outro com a mesma Lei! E chama o nobre Senador a isto organisação? Sine pectore vocem; se exemplos se me pedissem, elles não faltariam em confirmação do que digo.

Disse o illustre Senador, que a minha opinião nesta questão era opposta á do Governo: que se seguia dahi? Por ventura estou eu inhibido de ter uma opinião, que não seja a do Governo. (Vozes: — Não, não.) Não sou eu livre no meu pensar? Mas acontece que nesta questão eu tenho a mesma opinião do Governo, veja S. Ex.ª o paragrapho 14.° do Discurso da Corôa, cujas palavras são do Ministro, e lá achará as mesmas que emprega o paragrapho da Resposta que eu defendo. Disse mais: que o que eu tinha dito prova a falta de algumas providências e emendas, o que nunca tinha negado; Concede-me o nobre Senador mais do que eu podia esperar; as Leis organicas, que eu mostrei não existirem, não podiam ser emendadas, e o nobre Serrador reconhecendo a necessidade de emendas, reconhece a de reforma, e a de organisação; que são as emendas e as reformas senão uma reorganisação por conseguinte organisação?

Disse: que quando uma cousa está feita senão póde concluir, que não está organisada. Isto não é exacto, genericamente fallando, e não o é applicando-o á questão; uma machina póde ter suas peças perfeitas e acabadas; mas deixar de as ter organisadas e dispostas; não estar collocada no logar aonde deve preencher seus fins, e então estando feita não se póde dizer organisada; é necessario destinguir elementos das cousas de organisação das cousas: os Artigos da Constituição são as peças da machina, que estão feitas, faltam-lhes as Leis organicas, que as devera pôr em movimento.

O nobre Senador tambem disse que o Senado e o Poder Judiciario estavam organisados; e eu tenho respondido.

Continuou dizendo, que este paragrapho era, uma approvação aos Projectos do Governo; o paragrapho não exprime mais que a necessidade de medidas sobre os objectos ponderadas pelo Governo o contrario disto seria um absurdo constitucional; como poderia a Commissão pertender que Projectos, que ainda aqui não vieram, que senão discutiram nem voltaram, ficassem de antemão approvados, porque se approvava este paragrapho! Em verdade é levar as cousas bem longe; e se o Sr. Senador lhe quer dar essa intelligencia muito arbitraria, não lhe bastam tão positivas declarações? Mas diz-se se o paragrapho não exprime para que serve? Já se respondeu, que serve para exprimir, que a Camara entendo que de Leis, sobre taes objectos, depende a organisação do Paiz: S. Ex.ª pertendeu que esta Camara não podia ter conhecimento dos objectos de taes Leis para conhecer sua utilidade; mas como é isto exacto, se Confessa que ellas foram publicas?

Concluirei com uma observação. Disse eu na ultima Sessão, que o Senado não estava definitivamente organisado; respondeu-se a isto, que a minha asserção era perigosa, que tirava a força moral á Camara; mas se isto é assim, é necessario risca-lo da Constituição, e das cabeças de todos os que sabem lêr; entretanto este correctivo, que se me applicou teve os apoiados do lado opposto, e eu sympathiso muito com os apoiados; são um meio muito commodo de sustentação... (O Sr. Abreu Castello Branco: - Peço a palavra.) Ah! foi V. Ex.ª; eu não o sabia. Mas dizia eu, se o zêlo pela força moral desta Camara vai tão longe, eu espero apoiados pelo que vou dizer. (O Sr. Abreu Castella Branco: - Há-de leva-los se os merecer.) Daquelle lado da Camara, (apontando para o lado esquerdo) quando se tractou da approvação das eleições, disse-se, que as Camaras não podiam fazer Leis, que as que fizerem serão nullas, porque as eleições eram todas nullas; não> sei quem foi, já me esqueceu o nome, mas disse-se; notou-se por ventura o mesmo zêlo então pela força moral da Camara daquelle mesmo lado? D'alli saíu tambem na ultima Sessão, esta proposição: — Tudo o que o Governo faz traz comsigo o germen da destruição: — este, proposição assim enunciada, dispensando-se seu Auctor de qualquer prova, tende a um fim injusto; tirar a força moral ao Governo; eu entendo que o Governo póde e deve ser acusado inflinge a Lei, mas que é monstruoso declara-lo corrupto e corruptor por uma epigraphe....

Mas, como me não dão apoiados, sento-me. (Riso.}

O Sr. Serpa Machado: — Sr. Presidente, quando eu pedi licença para fallar sobre esta materia, o fiz como Membro da Commissão para sustentar o Parecer á Resposta do Discurso do Throno, mas não tinha advertido que um Membro respeitavel da Commissão, se tinha, inscripto para fallar, aliás o não teria feito, m tanto mais vendo que aquelle digno Membro, que é o nobre Duque de Palmella, respondeu a todas as objecções que se fizeram á Reposta ao Discurso do Throno; e tive o desvanecimento de observar, que seguindo passo a passo as expressões e argumentos do habil orador, vi repercutir no seu discurso todas nimbas cogitações. Se eu por conseguinte tractasse agora de fallar sobre os mesmos pontos, e de os repetir, não serviria, o meu discurso senão de diminuir-lhe a força: e, digo mais que se eu não tivesse pedido a palavra com antecipação, é não fosse Membro da Commissão, prescindiria de fallar agora; fa-lo-hei porem restringindo-me a dizer merito pouca cousa.

E começarei por declarar que eu approvei a emenda feita no paragrapho 2.º pelo Sr. Leitão, por me parecer que a mente dos Membros da Commissão, ficaria mais clara com aquella

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leve alteração na redacção; não posso porém approvar a emenda que agora se offerece ao paragrapho em discussão, ainda que parece analoga á do 2-*, por muitas e differentes razoes; e especialmente depois das observações que eu ouvi fazer a um illustre Senador do outro lado da Camara, que deu á palavra organisação, de que se usa no paragrapho, uma interpretação, por assim dizer, virulenta. Sustento por tanto as expressões taes quaes se encontram no paragrapho em questão. Quiz provar-se, Sr. Presidente, que as palavras empregadas neste paragrapho do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, inculcavam a idéa, o Projecto, a possibilidade e necessidade de uma nova constituição; porém esta asserção é tão gratuita como facil de convencer, porque uma cousa é constituir, outra cousa é organisar: a constituição precede á organisação; esta é effeito daquella, e não causa della. Quando se diz em a resposta que se pertendem apresentar Propostas, das quaes depende a organisação do Paiz, não se quer dizer com isto (como ouvi) que essas Propostas fiquem desde já approvadas.... (O Sr. Leitão: — Quem foi que disse isso?)

O Sr. Serpa Machado: — Sr. Presidente, as Leis e regras da civilidade não consentem que alguem interrompa um Senador quando está fallando; como porém eu fui interrompido, e não me pertence fazer observar aquellas Leis, tomo o expediente de sentar-me, e usando cio meu direito, deferirei para melhor occasião a manifestação dos meus pensamentos neste assumpto.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu não sei que o illustre Senador tenha motivo plausivel para se callar, só porque outro digno Membro nesta Camara fez unia pequena observação, feita, de certo, em muito poucas palavras, e com o animo mais innocente que é possivel; nem o contrario era capaz de fazer o nosso digno collega o, Sr. Leitão. (Apoiados.) O illustre Senador que tanto se estomagou, tem sido desde antiga época Membro de Parlamentos, porque já o foi em 1820, e deve por experiencia ter visto que observações taes (ou antes á partes) se costumam fazer nos Corpos Legislativos durante as discussões, é já ellas se faziam no Congresso dás Necessidades, do qual S. Ex.ª fez tão digna parte. Não havendo pois motivo justo, para S. Ex.ª deixar de continuar no seu discurso, é de esperar que elle o faça, o que estimarei para não ficar desmentido um, grande conceito, que eu fazia de sua pessoa, da sua pratíca parlamentar, e do seu saber.

O Sr. Duque de Palmella: — Peço a V. Ex.ª queira fazer continuar a discussão. Certamente a interrupção não foi acintosa, (apoiado) mas tambem e certo que taes interrupções quebram o fio do encadeamento das idéas, e que muitas vezes se abusa dellas.

O Sr. Serpa Machado: — Sr. Presidente, o Regimento não permitte interrupções além das de apoiar o orador que está fallando, porque nem consente os signaes de desapprovação; se pois fosse aquella a interrupção que se me fizesse, eu não teria motivo a queixar-me, antes a agradecer; porém não está no mesmo caso outra qualquer interrupção, que em geral não deve permittir-se. Lastimo por tanto a inobservancia do Regimento, e esses máus costumes que se tem introduzido. Em outras Assembléas mais do que uma vez tenho sido contrariado, porem nunca incivilmente interrompido. Abstenho-me pois de fallar agora; mais se pelo progresso da discussão eu vir, que é necessario dizer alguma cousa que a outros não tenha lembrado, pedirei então faculdade para fallar no assumpto.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Parece-me: que o Senado deve estar fatigado de exordios, e por isso eu principiarei sem elle. Sr. Presidente, o primeiro abalisado Orador, a quem tenho a honra responder, é um illustre Senador por Lisboa, e ainda que eu estou collocado em uma grande desvantagem, porque mal me poderei lembrar das asserções apresentadas ha tres dias para responder a ellas, farei comtudo os esforços possiveis para me recordar, e dizer alguma cousa a respeito dellas, porque não quero deixar passar esta occasião sem patentear a minha opinião aos meus constituintes.

Pareceu-me que S. Ex.ª estranhara que este pequenissimo lado da Camara, désse tanta importancia á emenda do Sr. Leitão: mas eu peço a S. Ex.ª queira ter a bondade de comparar os factos, e de olhar para o que se passa ao redor de si, e estou certo que terá então a condescendencia de confessar que nós temos hoje obrigação de sustentar nossos principios, e de pugnar pro arís et focis.

Disse o illustre Senador que tinha assentido á primeira substituição porque a julgou indifferente: mas permuta que eu lhe lembre que S. Ex.ª não deu essa concessão sem se dirigir primeiro ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e insinuar-lhe a importancia da emenda (pela maneira que é possivel em um Parlamento) á qual elle adheriu, e á vista disto foi ella approvada pelo Senado.

Agora, pelo que pertence ao paragrapho em discussão, direi que elle estava redigido de tal, maneira que, ou nada significava, ou significava mais do que pintava. Eu espero que o Senado attenderá á Substituição que se discute, porque ella é o complemento da primeira. S. Ex.ª, nas palavras = nas quaes depende a organisação do Paiz e segurança publica; = não quer vêr uma asserção affirmativa ou absoluta; nem tambem que o Senado, votando estas palavras, fique compromettido antecipadamente a approvar essas medidas a que o paragrapho se refere: eu direi que é verdade que o Senado senão compromette por uma escritura publica, mas é um facto que elle compromette de alguma maneira a sua opinião, porque admitte que a Commissão affirme, que dessas medidas depende a salvação e organisação do Paiz: cada um póde, Sr. Presidente, entender isso coma queira; mas eu entendo-o pela fórma que acabo de expor. Tambem não pude conceber (seria rudez minha), como, ou para que S. Ex.ª se esforçou em fazer accreditar que as Respostas ao Discurso do Throno são sempre o echo desses Discursos: ninguem, Sr. Presidente, respeita mais do que eu ao nobre Senador, por differentes titulos, e devo reconhecer que a sua experiencia dos negocio, publicos, é muito maior do que a minha, e tem vivido muito mais tempo do que eu em Paizes aonde ha systema representativo; mas appello para S. Ex.ª para que diga senão tem visto em differentes Parlamentos, por occasião de discussões taes, apresentara muitas emendas e substituições, as quaes teem por varias vezes dado logar á dissolução das Camaras, ou demissão dos Ministerios (apoiados). Seria certamente uma zombaria o dizer-se, não se toque no Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e approve-se tal qual está para não perturbar o Ministerio, em ter Discurso do Throno (apoiados). S. Ex.ª por um daquelles impulsos, que arrebatam quem argumenta (e particularmente a mim), disse que o limitadissimo numero de Senadores que se assentam deste lado, quiz experimentaras suas forças: S. Ex.ª não fez por certo justiça, nem as nossas limitadas capacidades; nem ás nossas intenções, não a fez ás nossas limitadas capacidades, porque nós sabemos classificar os votos nesta Casa, e ainda nos não enganámos nas votações: o Reino está pequeno; nós todos nos conhecemos, e sabemos a biographia de todos os membros desta Camara, e ninguem certamente póde deixar de saber como vota, por exemplo, o Sr. Conde de Villa Real, que m'está approvando, e outros Srs. (riso). Nós proferimos as nossas opiniões tão publicamente, que ninguem as póde ignorar, senão quem o quizer: nós queremos a Constituição de 1838, e conseguintemente as minhas intenções e as dos meus collegas podem ser sabidas {apoiados). E, Sr. Presidente, é fatalidade, que já duas vezes, ou mais, as expressões tenham faltado á Commissão para exprimir os seus nobres, e elevados pensamentos!

S. Ex.ª a quem eu tenho a honra de alludir, para sustentar o paragrapho em discussão, entrou na enumeração das Leis que existem, e das que faltam; porém pelos seus principios, não haveria nenhum Paiz no mundo que estivesse constituido, ou a quem não fallassem Leis organicas. Eu não sei qual seja a terra, aonde nasçam constituições completas (apoiados). Deus deu um codigo ao seu povo, e talvez não só o mais completo, mas o mais antigo que nós admittimos; porém os chefes desses povos não deixaram de reformar, ou augmentar as Leis. Sr. Presidente, dizer ao Senador, dê cá um voto de confiança, mais ou menos explicito, parece-me que é exigir mais, ou exigir demasiado, do que é permittido esperar da condescendencia humana.

Tambem não pude perceber bem o que S. Ex.ª quiz dizer quando alludiu á expressão intra, ou extra muros; nem a que opinião se referia: mas, Sr. Presidente, o que eu posso asseverar é, que tanto dentro como fóra dos muros se tem peccado; nos Gabinetes não se perca menos que fóra delles; e aqui vem appêllo, mas expressão do Sr. Ministro dos Negocios do, Reino — petimus, damus que vicissim.

S. Ex.ª tambem pareceu entender que a palavra modificação não satisfazia aos seus pensamentos: aqui faço ponto, porque S. Ex.ª se distraído quando disse, que nós não queriamos reformas; isto queremos nós mas não a destruição da Constituição que e o alvo de todos os tiros.

Sr. Presidente, alludindo á segurança publica, seja-me licito dizer que ninguem mais do que eu deseja a segurança publica porque eu sou Provinciano, a minha familia alli vive e eu desejo viver, e para alli marcharei brevemente; e na Administração, a que eu tive a honra de pertencer, fizeram-se todas as diligencias para melhorar a segurança publica, e para prova desta minha asserção, appello para os mappas do Sr. Julio Sanches, e do Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Permitta-me S. Ex.ª que eu me lembre, que S. Ex.ª proferira que na emenda havia veneno; e eu adquiri direita para dizer que, se ha veneno é no paragrapho. A emenda foi trazida aqui como Correctivo: este lado da Camara não quiz dar uma sancção a medidas que não podia ainda avaliar, e foi para isso que a emenda se apresentou.

Responderei agora quanto possivel me for a algumas reflexões do Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

No principio do seu Discurso não pode perceber bem o espírito das suas palavras, mas pareceu-me que S. Ex.ª quizera dizer, — que o repetir o Senado, como um authomato, o Discurso da Corôa não era........

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino; — Se taes palavras eu disse, ou palavras que significassem tal cousa, desde já declaro que ennunciei o contrario d'aquillo que queria dizer o contrario do que sinto, o contrario do que é justo, e o contrario do que é decente; e não me considero ainda (graças a Deus) em tal estado de insensatez para pronunciar uma proposição tão absurda. Eu disse que desgraçado do Governo Representativo que tivesse um Senado de Tiberio para approvar tudo que elle lhe apresentasse (apoiada).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: — Da historia do Senado de Tiberio me lembra a mim; mas não entendo que esta seja a occasião de a citar; porém, receio eu, não faltaram occasiões em que ella poderá vir a proposito.

S. Ex.ª mesmo, foi o primeiro a reconhecer a justiça da primeira emenda; S. Ex.ª a approvou porque não achou nella senão o desejo de que se exprimissem nella mais explicitamente os sentimentos da Commissão; S. Ex.ª viu que ella não era filha de partido, mas filha da persuasão: mas, donde vem hoje a resistencia a uma emenda analoga, se é certo que os dois paragraphos tem toda a connexão, assim como a tem as duas emendas? O que me parece indubitavel é que alguns Senadores mudaram d'opinião, sapientis est mutare consilium, o que reprovam hoje, approvaram já em outro dia. Quem hade avaliar reservas mentais! Para não cahir nesse perigo, para não correr nesse risco é que nós queriamos o Artigo mais explicito. Mas, diz-se—a oposição dá muita importancia á sua emenda, e por isso a reprovamos. Bella razão. — De sorte que se nós propozesse-mos uma puerilidade, o Sellado fazia-nos a honra d'aprova-la! A Verdade é, que approvada a primeira substituição, está o Senado penhorado a consentir na segunda. E note-se bem que pelo modo que eu hoje argumento, se hade argumentar quando vierem as Propostas: então se dirá ao Senado, = Vós que já approvastes aquelles Artigos, sereis incoherentes se agora negardes a vossa sancção á doutrina delles.

Diz S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, com aquella força de insinuação com que a natureza O dotou, que o Paiz tinha abraçado as Propostas, e que aprova era que as authoridades assim o diziam.

Vamos redusir a seu justo valor o voto destas authoridades. Quaes são os principios admittidos, e sustentados pelo Ministerio de 26 de Novembro; qual é o seu systema Governativo? Despedir as authoridades cujo pensar não fosse egual ao da Administração.... (Uma voz: — Isso todas). Como eu tive a honra de fazer parte de uma Administração que não despedio nenhuma, posso fallar alto, e se me obrigarem direi em que opinião foram exclusivamente escolhidas. — O resultado foi collocarem-se nas Administrações Geraes pessoas de

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cujas opiniões Suas Excellencias tinham recebido penhores publicos. — Sendo isto assim, o que significam as opiniões dessas Authoridades A opinião do Governo que os escolheu: são differentes sons como de uma flauta, mas todos produzidos pelo mesmo sôpro. Ainda direi mais, parece-me que esta insinuação de que as Authoridades assim informaram, se pode comparar com a fabula do Leão e do Pintor, quando os animaes fallavam. — Passou um Leão pela porta de um Pintor, e viu pintado um homem que esmagava um Leão; o Leão resmungou, foi passando, e disse outro seria o quadro, se o Leão fosse o Pintor. Deixe S. Ex.ª a Pasta do Reino, e não faltará quem mude d'opinião. S. Ex.ª já disse na Camara baixa que algum Administrador não era mui rígido em opiniões.

E as representações de Alhandra etc. etc.?

Carecemos representações, que estão sempre promptas a levantar altares a D. Miguel, e a forjar ferros para a liberdade. — Não fallemos mais nestas representações, porque todos somos aruspices........

Muito a proposito S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino citou uma Synopse, a qual é a melhor prova da necessidade da reforma do Codigo Administrativo etc. Concordo; mas não sei se alguem desejaria que os Administradores do Conselho genero de defensor populi fossem nomeados pelo Rei, pagos pelo Rei e amoviveis á vontade do Rei. Muita gente deseja a reforma em alguns pontos mas de reformar a aniquilar vai um espaço immenso: nós admittimos a necessidade de reformar, mas não um systema de aleivosa destruição.

Por não ser esta a occasião, não insisto em algumas outras alluzões, particularmente a respeito da Lei, que mais carece de refórma, a do Recrutamento.

Algum dos illustres Senadores que me precedeu; alludiu á necessidade de augmentar o Exercito como auxilio da organisação: eu sou Militar, e ainda que poucos serviços tenha podido fazer, não receio com tudo dizer, que pertenço a essa nobre profissão; mas tambem entendo que se para organizar o Paiz for necessario um Batalhão em cada Villa, para prezidir á elleição do Juiz de Parochia; uma Companhia em cada Aldeia; uma Patrulha em cada Casa, para manter na ordem o dono della; então receio alguma organisação Marroquina.

Suas Excellencias acharam dura uma expressão minha a que já hoje se alludio, uma ou duas vezes, isto é, que tudo quanto eu via sahir das mãos do Governo trazia comsigo o cunho da destruição do Governo Representativo. Ora, Sr. Presidente, é possivel que assim não seja, e se suas Excellencias ma provarem o contrario, eu não terei duvida nenhuma em mudar de opinião, e reformar inteiramente a proposição que estabeleci; mas em quanto as Propostas e os actos continuarem, eu não posso senão presistir nelle. O que importa que a Constituição Artigo 27 diga isto: (leu) se o Artigo foi rasgado acintosamente pelo Sr. Ministro das Justiças; os Juizes de Direito são arrojados de um pelo para outro pelo, e Deus sabe a razão porque?... (Apoiados.) Que importa, Sr. Presidente, que o Artigo 123 da Constituição diga «que o Poder Judiciario será exercido pelos

Juizes, e Jurados» e que o paragrapho seguinte diga «que haverá Jurados assim no Civel como no Crime;» — se nós vemos que este Artigo está ameaçado de uma derrota immediata, e atropelada por consequencia a Constituição! Sim, Sr. Presidente, a veneranda instituição dos Jurados, o paladio das liberdades está assaltado da maneira mais infiel! (Apoiados.) O que importará aos militares do Exercito que a Constituição diga o que ninguem é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão o que a Lei ordena, ou prohibe, — se elles, Sr. Presidente, têem sido obrigados a olhar mais para as listas de côr, que falsificaram as eleições, do que para os artigos do Regulamento. Eu poderia dizer muito mais sobre estes pontos em que tenho fallado, mas limitar-me-hei sómente a tocar nelles de passagem para não tomar mais tempo á Camara.

Tambem S. Ex.ª disse, que era mister medidas rijas eu não combato a proposição de S. Ex.ª mas quereria que ao lado das medidas rijas, apparecessem outras, — as de justiça, proveitosas, e conciliadoras: se as medidas rijas salvassem os Ministerios, ainda hoje o Bispo de Vizeu seria Ministro das Justiças; e o Ministro Polignac reinaria em França.

Ouvi tambem S. Ex.ª dizer que algumas vezes tinha sido necessario violar a casa do cidadão! Sinto muito ter ouvido tal affirmação da boca de) um Ministro; e se tal abuso continuar ahi está por terra a melhor das garantias do cidadão. (Apoiados.) Eu queria antes ver seguir a doutrina de Lord Chatham, isto é, que a tudo é franca a casa d'um Inglez, que todos os ventos e tormentas alli podem entrar; but the king cannot, the king dares not. Eu quizera, pois que estas despóticas violações se não repetissem; só a salvação do Estado as póde justificar, aliás nenhum de nós estará seguro contra a prepotencia d'um Ministro. — Appello para o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, appello para o seu juizo, para a sua boa fé, e para a sua consciencia; e faço-o, porque S. Ex.ª já conheceu, como eu, os rigores da fortuna: afortuna, Sr. Presidente, é, como as damas, inconstante, e é necessario por isso não abusar della. Digo pois que se não deve consentir na violação da casa do cidadão; eu não soube quando essa violação teve logar; porém, se o soubesse, teria accusado o Sr. Ministro.

Quando eu fallei, Sr. Presidente, referi-me em geral, aos abusos que um homem alliciado póde causar, e disse isso porque sei que, desgraçadamente, muitos desses abusos se têem commettido, e a todos nós é constante a facilidade com que neste Paiz se obtem testemunhas pouco verdadeiras, e eu que o diga, porque já fui victima de testemunhas preparadas n'uma Prefeitura. E então n'um Paiz em que taes testemunhas se podem obter, e Semblanos, e Albanos podem resuscitar, um desgraçado póde ir para Angola, e morrer alli d'uma carneirada, antes que a sua innocencia possa ser reconhecida. Dever-se-ha nestas circumstancias fechar os olhos a taes violações da Lei? Não, e muito menos ainda, porque não é só o Ministro que pode tyrannisar; mas tambem qualquer Juiz immoral que sirva de instrumento á vontade de um homem poderoso que pertenda arruinar o seu inimigo: e eis aqui a razão porque, em outra Sessão, eu apontei os perigos que d'ahi podem resultar, e perigos pari todos; porque n'um Paiz em que tem havido tantas oscilações politicas, não ha ninguem que não tenha inimigos. Outra occasião mais propria haverá, Sr. Presidente, para fallar nesta materia, e então eu serei mais extenso.

Disse S. Ex.ª que um homem d'Estado não podia muitas vezes deixar de mudar de opinião; eu não contesto isso; mas quereria, quando tal se faz, que se désse publicidade ás razões que houve para a mudança, como fez Mr. Peel, quando se tractou da emancipação dos Catholicos.

Sr. Presidente, não é possivel que tres dias depois eu me recorde de todos os argumentos que contra mim, e contra este lado da Camara, se. produziram; e por isso nada mais direi sobre o discurso do Sr. Ministro dos Negocios do Reino; não acabarei com tudo sem fizer alguma observação ao nobre Senador Presidente da Relação de Lisboa, que disse não ter confiança na capacidade dos Jurados; porém S. Ex.ª deve tambem accreditar que nem todos os Bachareis são Paschoal José de Mello; e então seria grande maldade o argumentar contra os Jurados, por algum simples facto que os não abone; assim como seria uma crueldade fazer menos conceito de classe da Magistratura, porque um ou outro dos seus membros não é bom. Eu devo porém dizer, que em Lisboa, e Porto, tenho ouvido produzir muitos elogios á instituição dos Jurados, e ás suas decisões, e especialmente dos de commercio; da propria boca do Sr. Ferreira Borges, eu o ouvi. — S. Ex.ª confessou que a Fazenda publica hão estava em bom estado; isto sabe-o toda a gente; mas esta Fazenda ha de necessariamente ir a peior, se as despezas não forem contrastadas pelo Parlamento. (Apoiados.)

Agora cumpre-me fazer uma declaração, e é, que quando eu fallei a primeira vez nesta materia, de m do algum quiz condemnar a consciencia do Juiz que ultimamente sentenciou certos réos; o que eu queria dizer era, que o Juiz tinha sido menos severo, mas não quiz dizer com isso que elle fosse menos consciencioso. (Apoiados.)

Para não fazer longos discursos devia eu dispensar-me de responder ao Sr. Serpa Saraiva; farei com tudo algumas observações ao que o nobre Senador pronunciou.

S. Ex.ª depois de reconhecer, que os srs. Duque de Palmella, Ministro dos Negocios do Reino, e outros, tinham antecipado as observações que o illustre Senador tencionava apresentar, passou a produzir de novo o mesmo que já estava dito; mas, a minha posição é muito differente, porque, como ninguem disse ainda o que eu referi, não tenho outro remedio senão torna-lo a repetir. S. Ex.ª que não queria fizer discursas longos, entendeu que as suas reflexões não eram inuteis, e discorreu um tanto largamente; por isso não lhe quero eu mãi, pois sou o primeiro a confessar tambem, que sempre julgo serem os meus discursos os mais justos, e que sem elles se não salva a Patria! (Riso.) O que eu porém não posso deixar passar é o que disse o illustre Senador, que este lado da Camara apresentava duvidas suppostas; isto, Sr. Presidente, é um ataque feita ás pessoas que compõem este chamado lado, pessoas que, se apresentam duvidas, são ellas sinceras, são o resultado da sua convicção. (Apoiados.) — S. Ex.ª continuou a dizer, que o paragrapho era tão visivel, claro, e palpavel, que não podia offerecer duvida alguma; mas, Sr. Presidente, que culpa tenho eu de não poder comprehender tão bem como comprehende o illustre Senador? Eu estudei geometria, e aconteceu-me ter um Lente, que quando me mandava fazer certas demonstrações, estava sempre com o giz na mão, e mostrava que X era igual a y com a maior facilidade, e eu não entendia nada, e tinha boa vontade de aprender. Acontece-me agora o mesmo; o Sr. Serpa entende tudo; eu pouco, mas não se segue que as minhas duvidas sejam suppostas.

Tambem entre os argumentos do illustre Senador, se ouvio dizer, que nós tinhamos gasto muito tempo com as nossas discussões, e que eramos responsaveis para com o Paiz, por esse tempo gasto; mas eu observarei ao illustre Senador que o Paiz não olha, nem póde olhar, para uma ou duas horas que se gastem mais com a discussão de certas materias; o que a Nação quer é que nós façamos boas cousas, e acertadas; e como pertende o illustre Senador que nós façamos mais obra, quando as nossas; Sessões duram tão poucas horas?

Tambem S. Ex.ª alludiu á miseria publica; e na verdade ha muita miseria em toda a parte, em Lisboa mesmo, porque eu conheço muita gente, que n'outros tempos viveram em abundancia, e hoje estão na maior penuria: se eu devesse aqui fallar na miseria publica, seria sómente para compara-la com os Luculos da Restauração. Se o illustre Senador não tivesse dito que não era campeão do Ministerio bastava esta expressão para o manifestar.

Fez uma pintura horrivel das desordens nas Provincias por vinganças; mas isso foi em 34 e 35; mas isso foi na effervescencia das paixões, e felizmente os crimes por esse motivo estão acalmados. Eu tambem soffri por outras vinganças. Entre tanto, homens ha muito expatriados, vivem hoje fraternisados; graças a todos os Ministros da Rainha; porque todos desejam a paz publica (Apoiados).

Disse-se: é necessario conceder ao Governo as suas Propostas.

Eu ainda não disse que não seja necessario conceder-lhe algumas modificações, mas não quero comprometter-me de ante mão a favor de Propostas, que não vi ainda discutir.

Seguiu-se um Orador pelo Além-Téjo, e disse que não combatia a quem se tinha combatido a si mesmo: é uma fraze redonda, mas S. Ex.ª não se deu ao trabalho de o demonstrar, porque não mostrou em nós contradicção alguma. S. Ex.ª não tem confiança nas discussões: mais commodo seria não as haver, para outros, mas para mim não; porque não quero Governo absoluto. Quereria S. Ex.ª que o Sr. Presidente, em vez d'abrir a discussão dissesse = Senadores á direita, Senadores á esquerda? Isto não é possivel, por ora. S. Ex.ª entabolou um argumento muito bonito, porque disse: aquelle lado da Camara não quer reformas, não quer modificações. O argumento era bonito; senão fosse trivial, ou se fosse verdadeiro: nós temos dito muitas vezes que admittimos reformas, o que nós não queremos é que, á sombra das reformas, tudo se destrua como se projecta. Accrescentou o illustre Orador: o receio é mal fundado. É possivel; mas os illustres Senadores ainda não se dignaram produzir razão alguma que devesse enfraquecer os meus receios. Nós, os poucos que nos assentamos deste lado, somos mais timidos, parece-nos vêr um gigante em quanto S. Ex.ª não vê senão uma folha. S. Ex.ª caiu n'uma notavel contradicção, quando disse, formaes palavras = quero reformar as cousas organisadas. = Não sei como se organisa, o que está organisado. Nós não dizemos que o Paiz está totalmente organisado, que todas as Leis organicas são sufficientes, o que

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sustentâmos é, que ha uma Constituição, Lei fundamental do Estado, e que se alguns Leis organicas faltam, que se façam; mas porque o ramo d'uma arvore não florece, não se deve arrancar logo para plantar outra. Disse S. Ex.ª que eu queria evitar ao Senado o inconveniente da contradicção; mas que para isso era preciso provar que o Senado tinha primeiramente votado bem. Isto não me pertence a mim; os illustres Senadores vejam se votaram bem, ou mal: se votaram bem são elles os proprios Juizes para votar hoje, se votaram mal, votem como lhes parecer, mas adviriam que não se colloquem nas circumstancias de se lhe dizer um dia — ou estaes já compromettidos por aquella votação. = S. Ex.ª entendeu que eu havia dito que a organisação era destruição: se eu tal disse, disse uma grandissima asneira; mas parece-me que o não dizia. Eu disse o que tenho dito sempre, isto é, que á sombra da organisação se pretende destruição; e não disse certamente que organisação era destruição.

S. Ex.ª recorreu novamente ao argumento que tinha produzido na Sessão passada, e repetia que a Constituição não era exequivel etc. Mas isto não é exacto; o Artigo transitorio não suspende o andamento da Lei, e a prova é, que S. Ex.ª occupa uma Cadeira nesta Camara. Essa previdencia do Congresso teve logar porque muitos Deputados tinham votado para outra organisação do Senado, e então, justiça lhe seja feita, deixou-se uma porta aberta á reconsideração; mas a Constituição mostrou-se praticavel: agora, se esse direito passou, ou não, essa é uma questão que eu não quero agora agitar. Disse que todos nós temos muito bom conhecimento dos Projectos: é verdade; e é por isso que eu argumento contra algumas clausulas delles; porque algumas ha que eu approvo, outras porém que rejeito.

O Senado está cançado de me ouvir; e eu já não sei mesmo dos meus apontamentos; mas esta discussão não é perdida, porque della tiram vantagens os Senhores Ministros e a Nação.

O Sr. Vellez Caldeira – Sr. Presidente, eu quiz logo pedir a palavra, quando vi interromper, a primeira vez o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, e a pedi com effeito, sobre-a ordem, a segunda vez que o mesmo illustre Senador foi interrompido: isto não tanto, para pedir que o não fosse (ainda que eu não approvo estas interrupções) como para justificar o que succedeu ha pouco, e mostrar ao Sr. Serpa Machado que não tinha razão de se estimular, ao ponto em que parece o fez, quando ultimamente estava fallando. O que peço a V. Ex.ª é que faça uso deste incidente para, convencer o Sr. Serpa Machado, de que não foi, da parte ao outro illustre Senador, proposito de o interromper; foi sim o habito em que estamos de fallar uns para os outros, e querermos replicar logo ás respostas que se nos dão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Aos Senhores Ministros da Corôa é sempre de deferencia conceder-lhes a palavra, quando se faz alguma referencia menos exacta, aos seus discursos.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino; — Parece-me que o nobre Senador se referiu a mim, por ter interrompido o nobre Barão da Ribeira de Sabrosa; se me não engano, cumpri o meu dever pedindo licença para rectificar algumas expressões que se me attribuiram: isto é um habito em que nos achâmos de pessoa a pessoa; S. Ex.ª não se escandalisa das minhas interrupções, assim como eu tambem me não escandaliso das de S. Ex.ª; interrompo, o Sr. Barão, e elle a mim, mas não o fazemos por animosidade. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado). Hoje principalmente creio que não merecia censura pelo procedimento na discussão da Camara..... (Vozes: — Não, não).

O Sr. Vellez Caldeira; — Eu não faço censoras: mas desta mesma explicação, é que eu quero que se faça applicação ao meu amigo o Sr. Serpa Machada; o que quero é que elle se -convença, de que não houve intenção de o interromper, foi o habito em que nós estamos de fallar não directamente para V. Ex.ª, como manda o Regimento, mas uns para os outros; e que todos nós desejamos ouvir os nossos collegas, tanto mais um Orador tão distincto como o Sr. Serpa Machado (Apoiados).

O Sr. Presidente Interino: — Esse incidente está acabado. Tem a palavra o Sr. Pereira de Magalhães.

O Sr. Pereira de Magalhães. — Sr. Presidente, eu não tencionava fallar nesta materia da Resposta ao Discurso do Throno, porque lhe dou a minha plena approvação, e não me atrevia a defende-la na presença dos seus defensores naturaes que são os illustres Membros da Commissão, pelo que diz respeito á Resposta, no Ministerio, pelo que pertence ao Discurso do Throno. Mas como o meu nobre amigo o Sr. Duarte Leitão no longo e brilha n te discurso com que quiz sustentar a Emenda que offereceu ao paragrapho em discussão, entrou no merecimento das Propostas apresentadas pelo Governo; e tendo eu de algum modo concorrido para a redacção dessas Propostas, entendi que devia justificar, a Commissão para que não recahisse sobre ella o odioso da conclusão que S. Ex.ª tirou.

S. Ex.ª disse que se tirava nas Propostas do Governo a contencioso administrativo ao Poder judiciario, e se dava ás Authoridades Administrativas, porque se suppunha, ignorancia nos juizes para julgarem esse contencioso; e fundou-se n'uma expressão, creio que do Relatorio, com que foram apresentadas essas Propostas.

Sr. Presidente, sobre a questão a que authoridade deve pertencer o contencioso administrativo, ha um principio e um facto, que é necessario distinguir. O princípio é a quem deve pertencer o contencioso administrativo, se deve pertencer ao Poder Judiciario, se deve ser ás Authoridades Administrativas: este principio importantissimo na sciencia da administração, é discutido em França ha cincoenta annos (Apoiados) pelos maiores Publicistas, e homens d'Estado daquella Nação. Refiro-me á França, porque é aonde se descubriu o importantissimo principio da separação da administração civil, da administração da justiça. Foi a Assembléa Constituinte de França a primeira que reduzio a Lei esta separação, e é em França aonde se tam discutido magistralmente todos os pontos da sciencia administrativa; digo eu por tanto que é necessario distinguir o principio do facto. O principio discutido entre os grandes Estadistas e Publicistas, é, como disse, a quem deve pertencer o contencioso administrativo. O facto a, quem effectivamente conhece do contencioso administrativo.

Em quanto ao principio; o maior numero de Publicistas, concordam em que o contencioso administrativo não deve pertencer aos juizes; e apenas dous ou trez sustentam que deve pertencer ao Poder Judiciario: a questão que existe entre os primeiros, é se hade pertencer ao Conselho d'Estado aonde está, ou se hade pertencer a um Tribunal Supremo Administrativo; o para isto é necessario saber, e recordar, porque a Camara o sabe muito bem, que a Carta Constitucional de França, outorgada por Luiz 18, não contava entre as instituições Constitucionaes o Conselho d'Estado; creou-se por uma ordenança em 1814, e esta ordenança fundou-se na Constituição do anno 8.º, e na Legislação subsequente; marcaram-se-lhe as attribuições, e uma dellas, é o contencioso administrativo.

Feita a paz geral, e tranquilisados os espiritos, principiaram os Publicistas a examinar a legalidade e a jurisdicção do Conselho d'Estado, e Mr. de Cormenin foi o primeiro que, apesar de pertencer ao Conselho d'Estado, principiou a analisar as suas attribuições, e então começou a questão entre os Publicistas: não disputavam se o contencioso administrativo devia pertencer ao Poder Judiciario, se aos Tribunaes Administrativos; nem negavam essa attribuição aos Conselhos da Prefeitura; o maior numero de Estadistas, como disse, sustentam que deve pertencer aos Tribunaes Administrativos, e apenas dous ou tres, seguem a opinião contraria; a questão entre os primeiros, era sobre os recursos interpostos para o Conselho d'Estado. E então vamos a vêr aquillo em que os Publicistas e Legisladores concordam, e aquillo em que discordam. Concordam quasí todos, á excepção de um ou de dous; e as que este recurso do Conselho da Prefeitura, vá para um Tribunal Administrativo, que tenha publicidade, e até certo ponto as formulas do Poder Judiciario; porque nessas formulas está a garantia dos povos; outros discordam desta opinião, e dizem, que está bem no Conselho d'Estado. Esta questão já de si importantissima, mas discutida por notaveis Publicistas, deu logar a que esta questão viesse tambem ás Camaras Legislativas, e principiou, creio eu, que em 1817, por occasião da Lei do Orçamento, porque, como no Orçamento tinham os ordenados dos Conselheiros

d'Estado, occorreu naturalmente a questão — se o Rei podia ou não por uma ordenança estabelecer esses ordenados; daqui vinha tambem a outra — se o contencioso administrativo attribuido ao Conselho d'Estado, era ou não Constitucional; suscitavam outra questão — se o Conselho d’Estado devia ou não existir no regimen da Carta, se devia existir por uma Ordenança, ou se era necessaria uma Lei — se os recursos no contencioso deviam continuar para o Conselho d'Estado; se devia haver um Tribunal Supremo Administrativo? Estas questões passaram para as Camaras Legislativas, e a opposição tirou della» partido para sustentar, que o Conselho d'Estado era inutil e ilegal e inconstitucional, que o contencioso administrativo que nelle se achava, era até uma usurpação, que devia passar para os Tribunaes Judiciaes; fez-se com isto um poderoso meio opposição: mas que tem acontecido em França nesta longa epocha da discussão, que se póde levar até vinte e seis annos, porque data de 1314? E" continuar o contencioso administrativo a pertencer á Administração. E que fez esta grande opposição, quando em 1830 chegou ao poder t Conservou, as cousas no mesmo estado em que estavam; o Conselho d'Estado ficou organisado por ordenanças, como estava, e continuou como até alli a conhecer dos recursos do contencioso administrativo; e creio que só ultimamente, é que se apresentou ás Camaras um Projecto de Lei para o organisar de outro modo. Eis aqui porque eu disse que era necessario distinguir o principio do facto O principio questiona-se entre os grandes homens de Estado de França, o facto é que a contencioso administrativo, pertence aos Tribunaes Administrativos. Na presença disto a penultima administração desejando satisfazer as muitas representações que tinha de differentes Authoridades de toda a jerarchia administrativa contra os defeitos que encontravam no Codigo Administrativo, nomeou uma Commissão de que eu fiz parte; esta commisão examinou todas essas representações, e examinou o Codigo; em resultado destes exames fez uni Parecer em que comprehendia todas as providencias não só reclamadas, mas algumas outras que julgou necessarias para a Legislação administrativa ter o seu verdadeiro andamento. Chegados a este ponto de deixar o Contencioso administrativo, ou aos Tribunaes de Justiça, ou passa-lo para a Administração: — qual devia ser a regra que devia dirigir a Commissão! Havia de seguir a theoria que ainda se discutia entre os homens d’Estado, e Publicistas Francezes, ou seguir o facto comprovado pela experiencia de cincoenta annos? Creio, que na escolha ninguem hesitaria; o assim a Commissão seguiu o facto comprovado pela experiencia, não a theoria pendente de discussão; o então propoz ao seu Parecer ao Governo, que se désse o Contencioso da administração aos Tribunaes administrativos. E certamente teve em vista tambem muitas e mui ponderosas razões que houve em França para estabelecer esta legislação, e sustenta-la até hoje; cujas razões não são de modo nenhum, nem proxima nem remotamente, ignorancia dos Juizes, fundam-se em principios mais sublimes, (que não posso repetir agora, porque isso seria fazer um* dissertação immensa), pelos quaes se prova que o Contencioso administrativo deve estar as administração, e que dando-se aos Tribunaes de Justiça, ficaria o Poder Judiciario ao Governo; porque administrar é governar, e devendo o Governo ter á sua disposição todos os meios necessarios para esse grande fim, não podem os seus actos administrativos ficae sujeitos ao Poder Judiciario, mesmo no caso em que aquelles estejam em conflicto com os interesses particulares, que é quando se dá o Contencioso administrativo. Portanto a Commissão nunca teve em vista a ignorancia dos Juizes, nunca; que teve em vista foram os principios pelo» quaes em França se deu o Contencioso administrativo a Tribunaes administrativos, bem certa que se a theoria, reduzida a pratica, vier a mostrar melhores resultados, não terá duvída em a seguir igualmente. Porem a Commissão não só teve isto em vista, de mais a mais, viu a grande contradicção que ha no Codigo Administrativo, ou nessa Lei que se chama Codigo Administrativo, porque, no meu entender, um dos, maiores absurdos que te tem commettido nas nossas reformas foi o de dar o pomposo -nome de Codigo a uma Lei que não tem por objecto senão a organisação da administração provincial e municipal do Reino: não ha codigos Administrativos nem póde have-los: esses nomes

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são utopias creadas pelos Francezes, que para venderem livros inventam titulos pomposos. Como hade haver Codigos Administrativos se não ha Leis administrativas? As Leis ou são politicas, civeis, ou criminaes. Se alguem compilasse os regulamentos do Governo, ainda poderia tolerar-se que se chamasse Codigo Administrativo a essa collecção de regulamentos; mas chamar Codigo Administrativo ao que comprehende sómente a Lei de administração provincial e municipal, é cousa que não entendo: vamos ao tal Codigo, que alias contêm cousas muito boas, nem eu podia dizer mal dellas, porque nelle estão compilados alguns artigos de Legislação de que me preso ser o auctor. — Estabelece este Codigo, em principio, que o Contencioso da administração pertence aos Tribunaes ordinarios; examinemos o facto, porque ha casos em que esse Contendo do principio do Codigo, fica ás Authoridades administrativas; aqui está a prova. — Sabido é que se dá o Contencioso administrativo quando ha conflicto entre os actos da Administração e os interesses particulares, ou vou mostrar a onde está isto. Ora neste Capitulo do Codigo — Da formação dos Conselhos de Districto, etc. Diz-se (Leu os §§. 2.°, 5.°, 6.°, 7.°, etc do Artigo 171 do Codigo Administrativo, e proseguiu;) Aqui está o Contencioso administrativo commettido aos Conselhos de Districto. Aqui está, que o mesmo Codigo Administrativo, estabelecendo em principio que o Contencioso da Administração pertence ao Poder Judiciario, quando tracta da applicação desse principio, entrega de facto o Contencioso aos Tribunaes administrativos. E donde provêm esta tão manifesta contradicção? Provêm da difficuldade que ha de separar, o que é Contencioso administrativo, do que o não é: provêm, da facilidade com que se estabelece um principio sem calcular as suas consequencias: provem finalmente da grande differença que ha entre a theoria e o pratica!?

Depois de tudo isto não posso deixar de maravilhar me, e de dar os parabens á Nação Portugueza, porque, disputando-se ainda o principio entre os maiores Publicistas e Estadistas da Europa, nós tenhamos já entre nós um Juris-consulto tão distincto, um homem d'Estado tão abalisado, como é o meu nobre amigo, o Sr. Manoel Duarte Leitão, que dá como decidido esse ponto questionado, para que se entregue o Contencioso administrativo ao Poder Judiciario! — Eu estimo-o muito; e como nós formamos a Nação, que navega por mares nunca dantes navegados, podêmos tambem fazer um Codigo administrativo, que ainda ninguem foz, nem é capaz de fazer, porque não ha materia para elle; podêmos, desde já, dar por decidido que o Contencioso administrativo pertence aos Tribunaes Judiciarios: podêmos fazer outras muitas cousas, que nunca ninguem fez: entretanto o resultado tem de ser o que aqui está no Codigo; quero dizer, que o facto ha de ser contra o principio, e as consequencias hão de ser fataes como o são sempre os de todas as theorias não experimentadas.

Estas foram as razões que teve a Commissão para dar o Contencioso administrativo á Administração; seguiu o facto comprovado pela experiencia demais de cincoenta annos. O Ministerio desse tempo apresentou essa Proposta ao Corpo Legislativo, que a não póde discutir; veio a actual Administração, e nomeou outra Commissão, a que eu tive tombem a honra de pertencer. Esta Commissão nada mais fez do que reduzir a primeira Proposta a theses geraes, e fazer um Projecto de Lei verdadeiramente constitucional; os Srs. Ministros aprovaram este Projecto, e o apresentaram ás Côrtes. Como Membro das duas Commissões declaro que nunca alli ouvi fallar, que se tirasse o Contencioso administrativo nos Juizes em razão da sua ignorancia, nem creio que os Srs. Ministros tal tiveram em vista, nem lhes passou pela mente. Ora o meu amigo, o Sr. Manoel Duarte Leitão, exclamou, — que dirá a Relação do Porto e a de Lisboa, quando souberem que em razão da sua ignorancia lhes tiraram o Contencioso administrativo? = E eu digo que se se perguntarem ás duas Relações, se querem lá o Contencioso administrativo, hão de responder = não queremos tal, porque temos cá muito que fazer com o Judiciario.

Mas ainda é necessario dizer alguma cousa mais particularmente, e é que grandes homens d'Estado que sustentam que o Contencioso da Administração deve pertencer ás Authoridades administrativas, affirmam que os Tribunaes judiciarios não são proprios para conhecerem daquella materia. Haverá alguem nesta Casa que não conheça o illustre Juris-consulto Isambert? Pois é esse advogado do Conselho do Rei, advogado distinctissimo, o mesmo que o diz. Desconhecerá alguem a authoridade de Mr. de Portalis, que foi Ministro da Justiça? Esse tambem o diz. Haverá alguem que desconheça o profundo saber de Mrs. Sirey, Huet, Degerando, Mongalvy, e o Presidente Henrion de Pensey? Pois esses tambem dizem o mesmo. E que razão dão para sustentar esta opinião? dizem elles que os Tribunaes judiciarios não são proprios para conhecer do Contencioso administrativo, porque nem as formulas, nem os habitos dos Juizes os habilitam para julgarem as grandes questões administrativas que necessitam de uma marcha rapida, e de outro pensamento que não é aquelle que preside nos Tribunaes de Justiça. Mas isto não quer dizer ignorancia, assim como ninguem em Portugal se atreverá a dizer que haja ignorancia nos nossos Juizes, antes sim profundeza de saber.

Terminarei aqui o meu discurso, Sr. Presidente, ainda que a materia vasta e bastante complicada dava assumpto para muito mais dizer: mas as Propostas do Governo hão de vir a esta Camara, e aqui havemos de discuti-las artigo por artigo, e palavra por palavra; e eu, se Deos quizer, tambem hei de entrar na discussão dellas, e então justificarei o que tenho sustentado, ou por factos, ou por principios da sciencia da administração. Agora só quero tirar em conclusão que o Sr. Manoel Duarte Leitão, (pessoa que eu muito respeito, e com quem desejo estar no melhor accôrdo em opiniões, e de quem tenho recebido muitas lições.....) (O Sr. Leitão: — Obrigado.) fez injustiça em suppôr que alguem (e eu creio que se não referia á Commissão de que eu fiz parte, porque me parece que nem saberia que tal Commissão existiu) quizesse tirar o Contencioso administrativo ao Poder Judiciario por se julgar que os Juizes eram ignorantes: este não foi certamente o pensamento da Commissão, e creio que o Governo tambem não o tinha, e nesta parte aos Srs. Ministros pertence dizerem aquillo que julgarem conveniente.

O Sr. Presidente Interino: — Devo observar á Camara que são quasi cinco horas, e que ainda ha onze Srs. com a palavra.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu cederia, com tanto que hoje se votasse.

O Sr. Leitão: — Eu peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara sobre prorogar esta Sessão por mais uma hora. (Rumor.)

Tendo-se decidido negativamente, disse o Sr. Presidente Interino que a Ordem do dia era a continuação da discussão da Resposta ao Discurso do Throno, e fechou a Sessão eram cinco horas menos dez minutos.

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