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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
114.ª SESSÃO
EM 20 DE MAIO DE 1912
SUMÁRIO. - Abre-se a sessão, aprova-se a acta e lê-se o expediente.-Procede-se a segundas leituras. - Foram aprovadas as propostas dos Srs. Deputados José de Abreu e Prazeres da Costa, e foram admitidas propostas do Sr. Deputado Ramos da Costa.- O Sr. Deputado Pereira Cabral trata da divisão de terrenos em Moçambique, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Cerveira de Albuquerque), que tambêm manda para a mesa duas propostas de lei. - Entre os Srs. Deputado Correia Herédia (Ribeira Brava) e Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos) trocam-se explicações acêrca dos conspiradores na Galiza. - Aprova-se um projecto de lei, apresentado pelo Sr. Deputado Vitorino Godinho, relativo aos alunos das Faculdades de Matemática e Filosofia na Universidade de Coimbra - O Sr. Deputado Afonso Ferreira refere-se a obras no quartel de cavalaria 2, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Alberto da Silveira. - O Sr. Deputado Lopes da Silva manda para a mesa um parecer da, comissão de colónias e o Sr. Deputado Mendes de Vasconcelos envia uma representação da Liga dos Direitos do Homem. - O Sr Ministro da Marinha (Celestino de Almeida) apresenta uma proposta de lei referente a promoções. - O Sr. Deputado Valente de Almeida apresenta um projecto de lei. - Requerem documentos os Srs. Deputados Carvalho de Araújo, Miguel de Abreu e Afonso Pala.
Ordem do dia - Continua a discussão do orçamento da despesa do Ministério dos Estrangeiros, usando da palavra o respectivo Ministro (Augusto de Vasconcelos) e os Srs. Deputados José Barbosa, Gastão Rodrigues, Pereira Cabral e Celorico Gil, aprovando-se a generalidade. Entra-se na especialidade. Usam da palavra, apresentando-se propostas, os Srs. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos), Deputados José Barbosa, José de Abreu, Jacinto Nunes e Álvaro Poppe. - Encerra-se a sessão às 18 horas e 30 minutos, por falta de número marcando-se a imediata para o dia seguinte.
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Presidência do Exmo. Sr. António Aresta Branco
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Rodrigo Fernandes Pontinha
Abertura da sessão - Às 14 horas e 30 minutos.
Presentes - 77 Srs. Deputados.
São os seguintes Srs.: - Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Guilherme Howell, Alfredo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunes Ribeiro, Álvaro Poppe, Amílcar da Silva Ramada Curto, António Alberto Charula Pessanha, António Albino Carvalho Mourao, António Amorim de Carvalho, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Brandão de Vasconcelos, António Caetano Celorico Gil, António Joaquim Granjo, António José de Almeida, António José Lourinho, António Pádua Correia, António Pires Pereira Júnior, António Silva Gouveia, António Valente de Almeida, Augusto José Vieira, Baltasar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Casimiro Rodrigues de Sá, Eduardo de Almeida, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava), Francisco Cruz, Francisco de Sales Ramos da Costa, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudêncio Pires de Campos, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, João Barreira, João Camilo Rodrigues, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Machado Ferreira Brandão, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, José Afonso Pala, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araújo, José Dias da Silva, José Jacinto Nunes, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, Jovino Francisco de Gouveia Pinto, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rosa, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Rodrigo Fernandes Fontinha, Tiago Moreira Sales, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, Vitorino Henriques Godinho e Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.: - Afonso Augusto da Costa, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Américo Olavo de Azevedo, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António Maria da Cunha Marques da Costa, António Maria da Silva, Aquiles Gonçalves Fernandes, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Aureliano de Mira Fernandes, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Germano Lopes Martins, Helder Armando dos Santos Ribeiro, João Gonçalves, João José Luís Damas, João Pereira Bastos, Joaquim António de Melo Castro Ribeiro, Joaquim Teófilo Braga, José Francisco Coelho, José Maria Cardoso, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José da Silva Ramos, José Tomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Vale Matos Cid, Luís Inocêncio Ramos Pereira, Manuel Gregório Pestana Júnior, Manuel José da Silva, e Tomé José de Barros Queiroz.
Não compareceram à sessão os Srs.: - Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, Alfredo Maria Ladeira, Álvaro Xavier de Castro, Angelo Rodrigues da Fonseca, Angelo Vaz, António Afonso Garcia da Costa, António Cândido de Almeida Leitão, António Flórido da Cunha Toscano, António França Borges, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria Malva do Vale, António de Paiva Gomes, António dos Santos Pousada, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Domingos Leite Pereira, Francisco José Pereira, Francisco Luís Tavares, Francisco Xavier Esteves, Guilherme Nunes Godinho, Henrique de Sousa Monteiro, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Luís Ricardo, Jorge de Vasconcelos Nunes, José Bessa de Carvalho, José Carlos da Maia, José Cordeiro Júnior, José de Freitas Ribeiro, José Luís dos Santos Moita, José Mendes Cabeçadas Júnior, José Montez, Luís Maria Rosette, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães, Severiano José da Silva, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tito Augusto de Morais e Vítor José de Deus Macedo Pinto.
Às 14 horas e 5 minutos abriu a sessão, estando presentes 51 Srs. Deputados.
Às 14 horas e 30 minutos, estando presentes 77 Srs. Deputados, foi aprovada a acta.
Deu-se conta do seguinte
EXPEDIENTE
Representações
Das comissões administrativas da Junta Geral do distrito e da Câmara Municipal do Funchal, pedindo a criação de armazéns gerais francos naquela ilha.
Para a Secretaria.
Enviada à comissão de obras públicas.
Da comissão administrativa paroquial da freguesia de Santa Marta do Douro, concelho de Amares, pedindo que os Srs. Deputados Dr. Jacinto Nunes, Dr. Brandão de Vasconcelos, Dr. Joaquim José de Oliveira, Dr. Barbosa de Magalhães, Dr. Caldeira Queiroz, Afonso Ferreira, Gaudêncio Pires de Campos e Manuel Bravo se dignem propor ao Parlamento algumas alterações aos capítulos X e XVII do projecto do Código Administrativo.
Para a Secretaria.
A entregar ao Sr. Deputado Jacinto Nunes.
Do Club dos Caçadores Portugueses, solicitando que, com a maior urgência, seja discutido e votado o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Dr. Francisco Cruz.
Para a Secretaria.
Para a comissão de legislação civil
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Da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, mostrando a conveniência de que as estradas nacionais, as vias navegáveis e flutuáveis, e bem assim a fiscalização do aproveitamento das águas comuns na indústria e na agricultura continuem a cargo do Estado.
Para a Secretaria.
Enviada à comissão de obras públicas.
Do Directório da Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem, pedindo a adopção dos princípios e das práticas consignadas na lei que regula a instituição do habeas corpus na Inglaterra.
Publique-se no "Diário das Sessões".
Para a comissão de legislação civil.
Da Associação dos Condutores de Obras Públicas e Minas, declarando que concorda com as conclusões da representação enviada pela Associação dos Engenheiros Civis sôbre estradas e vias navegáveis continuem a cargo do Estado.
Para a Secretarie.
Para a comissão de obras publicas.
Dos funcionários da Câmara Municipal e da Administração do concelho de Barcellos, lembrando a conveniência de estabelecer a percentagem dos emolumentos que, visto terem de passar para as secretarias das câmaras os empregados das extintas administrações do concelho, a cada um ficará pertencendo, e que deverá ser: 60 por cento para os secretários ou 40 por cento quando seja um só e o restante para os amanuenses.
Para a Secretaria.
Para a comissão de administração publica.
Do governador civil do distrito do Funchal, enviando uma representação em nome da Comissão Administrativa da Junta Geral, pedindo a concessão do Palácio de S. Lourenço, com os edifícios e cercas adjacentes, para ali serem instaladas as repartições a cargo da mesma Junta.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Pedro Januário do Vale Sá Pereira, remete cópia da nota da Direcção Geral da Estatística, acompanhada dos elementos a que a mesma se refere.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Justiça, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado António França Borges, envia cópia da consulta emitida pela Procuradoria Geral da República sôbre o parecer do Conselho Superior de Instrução Pública concernente á gerência do comissário do Govêrno junto do Teatro Nacional Almeida Garrett.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, enviando cópia da representação em que a Comissão Administrativa da Junta Geral do distrito de Ponta Delgada pede o restabelecimento do Tribunal da Relação dos Açores.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Do 2.° Juízo de Investigação Criminal, pedindo que seja autorizado a comparecer naquele Juízo no dia 22 do corrente, pelas onze horas, o cidadão Prazeres da Costa, Deputado, para depor como testemunha.
Concedida. Para a comissão de infracções e faltas.
Comunique-se.
Do Governador Civil do Funchal, enviando uma representação da Junta Geral do Distrito.
Para a Secretaria.
Da Comissão Administrativa Paroquial de Santa Marta do Douro, enviando alterações aos títulos X e XIII do projecto do Código Administrativo.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, declarando em resposta ao Sr. Deputado Francisco de Sales Ramos da Costa, que por intermédio daquele Ministério não foi lavrado contrato nem se adquiriu carvão de pedra para o Estado.
Para a Secretaria.
Da Comissão Central de Pescarias, e em virtude de requisição feita pelo Sr. Deputado Alberto Souto, envia cinco exemplares da Estatística da Pesca, referente ao ano de 1909, não podendo remeter com relação aos anos de 1910 e 1911, porque a do 1.° está a imprimir e a do 2.° está em laboração.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Colónias, remetendo os documentos pedidos pelo Sr. Deputado Júlio do Patrocínio Martins.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, enviando com destino ao Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá, as cópias dos ofícios dos Governadores de Cabo Verde n.° 118 e de Macau n.° 58, relativamente a sindicâncias ordenadas pelo Govêrno Provisório.
Acêrca da sindicância feita ao ex-governador da província de Cabo Verde, informando que a mesma sindicância terminou em 11 de Agosto de 1911.
Informando que a sindicância feita ao ex-secretário geral da província de Macau terminou em 13 de Setembro de 1911.
Para a Secretaria.
Telegramas
Elvas. - Exmo. Presidente Câmara Deputados - Cortes - Lisboa. - Rogamos V. Exa. que atentem na situação miserável dos funcionários administrativos, aprovando propostas Dignos Deputados Srs. Tiago Sales, Sá Pereira e Pimenta de Aguiar, por serem inteiramente justas e equitativas. = Secretários e amanuenses câmara e administração concelho de Elvas.
Para a Secretaria.
Para a comissão de administração pública.
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Alter. - Exmo. Presidente Câmara Deputados - Lisboa.- Empregados administrativos Alter do Chão, respeitosamente impetram do Parlamento que lhes seja feita justiça, arbitrando-lhes vencimentos há tempo pedidos, representação de toda a classe.
Para a Secretaria.
Para a comissão de administração pública
Câmara de Lobos. - Presidente Câmara Deputados.- Lisboa. - Única maneira equitativa cobrança imposto é fiscalização sempre pedida avença zona norte prejudicado fábricas em proveito quatro apenas favorecidas rateio imposto estabelece desigualdade, trabalho fábricas todo distrito com prejuízos graves agricultura reclamamos contra desigualdades tratamento zonas pedimos novamente fiscalização abranja ambas. = Grupo de industriais e agricultores ambas zonas.
Para a Secretaria.
Para a comissão de agricultura.
Segundas leituras
Senhores. Deputados. - As questões sôbre posse e propriedade de águas são na ilha da Madeira as que, no foro, se dirimem com mais frequência. Salva a comarca do Funchal que, pelo seu amplo desenvolvimento económico, vê debatidos graves litígios em todos os ramos do direito, as demais daquela ilha apenas de longe e minguadamente tratam doutros assuntos que não sejam os que foram apontados.
A razão de tais contendas, que por vezes alteram a ordem pública, encontra-se na importância que para uma região agrícola revestem as parcelas, ínfimas até, das águas de irrigação. Posto êste motivo de facto para tais contendas, outros de direito se levantam tecendo incertezas, amontoando dúvidas, gerando longas, inúteis e estéreis controvérsias.
Efectivamente no campo do direito, as levadas da Madeira regeram-se, até a promulgação do Código Civil, por velhas provisões do tempo do infante D. Henrique, sucessivamente explicadas e desenvolvidas por remotos diplomas legais. E o princípio estabelecido foi o de que as águas pertencem, não aos donos dos prédios em que nascem, mas sim aos canais ou levadas que as utilizam. Esta limitação do direito de propriedade, que os romanos queriam perfeito ad sidera et usque ad inferos, deveu gerar-se na necessidade de proteger os terrenos litorais e de pequena altitude contra os chamados montados, terras maninhas, centrais, de elevada cota, de arroteamento difícil, e cujos produtos mais dificilmente ainda chegariam ao consumo e à exportação das vilas e localidades da beira--mar.
Por êstes ou por diversos motivos, o certo é que uma tal legislação floresceu, calcando qualquer outra interpretação do Código, que se vem fazendo em sentido contrário apenas de há quinze anos a esta parte. Os tribunais superiores, porem, tem vindo aos poucos a firmar uma nova doutrina, porventura mais consentânea com a letra da lei, mas de terríveis e funestíssimos resultados para a economia daquele distrito insular.
A exigência de obra de arte há mais de trinta anos, requesito essencial para a presenção (citado Código § único artigo 438.°) tem sido para a Madeira um estorvo pesadamente arredável, dada a ganância dos donos dos tais montados, que na captação ou conservação das águas aí originadas pretendem ter uma inestimável riqueza, impossível de explorar por conta própria, visto na generalidade serem pobres, e que não consentem que outros aproveitem sem que lhes seja dada a parte de... leão.
Aos factos, que sucintamente relatamos, junte-se a importância venal das águas das duas dúzias de levadas históricas da Madeira, que se computam em mais de réis 5.000:000$000. Ter-se há assim uma idea aproximada da riqueza posta em risco pela interpretação dada recentemente pelos tribunais.
Atente-se ainda na possibilidade, já corrida em boatos, da constituição dum poderoso sindicato que teria por fim a compra dos terrenos aquíferos das montanhas da Madeira, e ter-se há a impressão forte da urgência com que é mester acudir a situação tam deprimente. A ocorrência de capitais estrangeiros àquela ilha tem sido engodada pelas soluções forcadas, mas vantajosas para êles, que o Poder Central tem dado ali a gravíssimos interesses em jôgo.
Sirva-nos o passado de lição! E sem ferir os legítimos interesses da propriedade, acautelados no artigo 1.° do projecto, fechemos a porta às maquinações que arruinariam a agricultura e com certeza acarretariam graves alterações de ordem pública, sabida, como é, a instintiva e pronta reacção com que os povos agrícolas respondem ao esbulho da mais pequena gota de água, que é o seu sangue, a sua vida e a sua riqueza!
Fortes por tais razoes, em que claramente transparecem princípios de interesse e ordem pública, temos a honra de apresentar à vossa ponderação e esclarecido critério o seguinte:
Artigo 1.° São mantidas às levadas existentes na ilha da Madeira, quaisquer que sejam os fins a que se destinem as correntes que utilizam, os direitos por elas adquiridos à data da promulgação do Código Civil, e conservados até o presente, sôbre certas o determinadas águas que derivem de nascentes situadas em prédios alheios, sem prejuízo do direito dos donos dêstes prédios, a disporem livremente e sem restrição alguma das que resultem de quaisquer mananciais por êles descobertos depois daquela data, e bem assim das que, em virtude de exploração por êles feita nas mencionadas nascentes, excedam as quantidades asseguradas às referidas levadas pela primeira parte dêste artigo.
Art. 2.° A prescrição será havida como justo título do aquisição dos direitos mantidos pelo artigo 1.° às referidas levadas, independentemente das condições exigidas no artigo 438.°, § único do Código Civil.
Art. 3.° Fica assim interpretado, com referencia ao objecto da presente lei, o disposto nos artigos 438.°, 444.°, 447.° e 450.° do Código Civil, e revogada qualquer legislação em contrário. = Os Deputados, Carlos Olavo = Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava) = Manuel Gregório Pestana Júnior.
Admitido. Para a comissão de legislação civil.
Artigo 1.° Fica o Govêrno autorizado a proceder ao resgate das concessões feitas às Companhias dos Caminhos de Ferro Portugueses e do Caminho de Ferro da Beira Alta, em conformidade dos contratos, alvarás o aclarações dos convénios, que estabeleceram e definiram as concessões e seu resgate.
Art. 2.° O ano de 1912 é aquele em que precederá o resgate, sendo os sete anos, seus anteriores, que servirão para determinar a anuidade que referem as cláusulas do resgate de cada uma das concessões.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, em 17 de Maio de 1912.= O Deputado, Severiano José da Silva.
Admitido. Para a comissão de obras publicas.
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Artigo 1.° Os oficiais de terra e mar que estão na situação do licença ilimitada ou exercendo comissões em virtude das quais tinham saído dos quadros, não podem voltar ao serviço da arma a que pertencem sem terem vaga nos mesmos quadros.
§ 1.° Os oficiais a que se refere êste artigo, emquanto não voltarem ao serviço da arma, não vencerão pelos respectivos Ministérios.
§ 2.° Aos oficiais a que a presente lei se refere será concedido o prazo de seis meses, a contar da sua publicação, para declararem se desejam ou não continuar na situação em que se encontram.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Câmara dos Deputados, em 15 de Maio de 1912, = O Deputado, Albino Pimenta de Aguiar.
Admitido. Para a comissão de guerra.
Artigo 1.° É extinto o pôsto de general.
§ único. Os actuais generais conservam esta patente e continuam em serviço até terem passagem à situação de reserva ou de reforma, mantendo-se lhes todos os direitos que lhes eram garantidos pela legislação anterior.
Art. 2.° Os comandos e comissões que por lei pertenciam ao actual pôsto de general, serão desempenhados por coronéis de qualquer arma ou do serviço do estado maior que satisfaçam às seguintes condições:
1.ª Pertencer ao quadro de qualquer das armas ou do serviço do estado maior, tendo o respectivo curso da arma;
2.ª Estar compreendido no têrço superior da escala geral de antiguidades de todos os coronéis daquele quadro;
3.ª Ter, pelo menos, quatro anos de serviço no pôsto de coronel;
4.ª Ter exercido como coronel durante dois anos o cornando dum regimento da sua arma;
5.ª Ter no pôsto de coronel tomado parte em três escolas de repetição.
§ 1.° Os coronéis do antigo corpo do estado maior terem exercido durante um ano o comando dum regimento de infantaria ou de cavalaria e, durante outro, como oficial superior, o cargo de chefe do estado maior duma divisão, ou o sub-chefe do estado maior exército, ou o de sub-director dos serviços ou o de chefe do estado maior do Campo Entrincheirado de Lisboa.
§ 2.° Para os coronéis de engenharia o terem exercido, pelo menos durante um ano, o comando dum regimento de infantaria, ou da sua arma;
§ 3.° Os actuais coronéis e tenentes-coronéis de todas as armas são dispensados da cláusula 4.ª comtanto que já tenham prestado seis ou mais anos de serviço de fileira, como oficial superior nos regimentos, nas Escolas práticas ou nos extintos batalhões de caçadores;
§ 4.° Os vencimentos dos coronéis exercendo comando e comissão, que por lei pertenciam ao pôsto de general, serão os seguintes:
a) Soldo, o da patente;
b) Gratificação de exercício:
Major-general do exército 150$000 mensais;
Comandantes da 1.ª e 3.ª divisões (Lisboa e Porto) 130$000 mensais.
c) Comandantes das outras divisões e Governador do Campo Entrincheirado de Lisboa, 100$000 réis.
d) Outra qualquer comissão, 80$000 réis.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 15 de Maio de 1912.= José Augusto Simas Machado, Deputado pelo círculo n.° 5 = Fernando da Cunha Macedo, Deputado pelo círculo n.° 9.
Admitida. Para a comissão de guerra.
Artigo 1.° É criada uma comissão parlamentar do orçamento, com o fim de estudar o estado financeiro e económico do país e propor ao Parlamento as medidas que julgue convenientes á boa administração e desenvolvimento das riquezas públicas.
§ único. Esta comissão, que será composta dum Presidente e quinze vogais, eleitos pela Câmara dos Deputados, exercerá o seu mandato durante uma legislatura.
Art. 2.° A comissão parlamentar do orçamento dará contas dos seus trabalhos em relatórios, pareceres, ou projectos de lei, e fornecerá ao Parlamento, até o dia 15 de Janeiro de cada ano, todos os elementos que tiver colhido e julgue convenientes para poderem servir a elucidar a Câmara na discussão do Orçamento Geral do Estado.
Art. 3.° Nos diversos Ministérios e suas dependências será facultado à comissão criada por esta lei o exame de todos os livros e documentos; e aos funcionários públicos civis e militares, será obrigatória a prestação de informações de que a comissão careça para bem se desempenhar da sua missão.
§ único. Para os efeitos dêste artigo, os membros da comissão parlamentar do orçamento terão bilhetes especiais de identidade assinados pelo Presidente da Câmara dos Deputados.
Art. 4.° A primeira comissão será eleita dentro de cinco dias a contar da data da publicação desta lei; e as seguintes nos primeiros dez dias de cada legislatura.
Art. 5.° Para mais facilidade de trabalho, a comissão parlamentar do orçamento, dividir-se há, quando o julgue necessário, em sub-comissões, composta cada uma de três membros.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.
Câmara dos Deputados, de Maio de 1912. = Os Deputados, Albino Pimenta de Aguiar. = António Maria da Silva = João Luís Ricardo = Tiago César Moreira Sales = António José Lourinho = Jorge Frederico Velez Caroço = José Dias da Silva = Guilherme Nunes Godinho = Manuel Bravo = Joaquim José Cargueira da Rocha = José Mendes Cabeçadas Júnior = Francisco Cruz.
Admitida. Para a comissão de finanças.
O imposto sôbre especialidades farmacêuticas tem sido cobrado por maneira que deixa a desejar por motivos vários.
Em primeiro lugar a fiscalização está insuficientemente dotada de pessoal. Um só funcionário fiscaliza o imposto em todo o país. Por maior que seja a sua actividade, por maior que seja o seu zelo, não pode acudir a tudo, sendo de admirar o que se conseguiu no ano de 1911 na parte cobrada na Alfândega de Lisboa; mais de 25 por cento de aumento em relação aos anos de 1910 e 1909, em que a cobrança se conservou estacionária.
Por outro lado os fabricantes de especialidades farmacêuticas estrangeiras não tinham em nenhum diploma legal a permissão de as fabricarem dentro do país. Resultou daqui uma fabricação clandestina, com prejuízo dos direitos alfandegários e sem garantia para a saúde pública, e que, dada a exígua fiscalização a que me referi, era frouxamente reprimida: e quando ultimamente a fiscalização, por um esforço maior e mais habilmente realizada, começou a reprimir os abusos, choveram as reclamações dos interessados, como se já estivessem gozando dum direito.
É contudo certo que, se êsse direito não existia, é justo que exista, e a República só tem a lucrar que no país se estabeleça legalmente uma indústria com emprego de actividades nacionais.
Mas é tambêm certo que, nem a indústria completamente nacional deve prescindir de protecção, nem o Estado pode prescindir do equivalente nos direitos alfandegários, na parte em que porventura possam diminuir pela facilidade da fabricação no país.
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A presente proposta de lei procura conciliar êstes interesses, permitindo a fabricação no país de especialidades farmacêuticas estrangeiras, mas tributando as com um imposto progressivo, semelhante ao que a lei inglesa estabelece para os ditos produtos e sendo as taxas tambêm aproximadamente equivalentes.
Em disposições transitórias regulariza-se a situação dos fabricantes que. embora não fundados em direito, tem fábrica das especialidades representando avultadas quantias, pois entende o Govêrno que ao entrar no novo regime estabelecido por esta leis, se dê por assim dizer, uma amnistia aos factos que se, até agora não eram legais, passam a sê-lo pela sua promulgação.
Finalmente uma disposição inclui esta proposta de lei tendente a acabar com uma situação absolutamente insustentável por anti-patriótica e vexatória para a indústria nacional.
As especialidades farmacêuticas exportadas para as colónias eram até agora agravadas com o sêlo, ao passo que as estrangeiras entravam ali sem êsse encargo.
Esta proposta estabelece a isenção do sêlo para as especialidades farmacêuticas exportadas para fora do continente e ilhas adjacentes, quando tal exportação se faca em quantidade superior a nove unidades da mesma especialidade, por cada remessa.
Tais são as razões que me levam a apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° As especialidades farmacêuticas e os remédios secretos estrangeiros poderão ser importados em vrac ou preparados no continente ou ilhas, para serem enfrascados ou acondicionados para venda fraccionada, quando os importadores; acondicionadores, ou preparadores para isso estejam autorizados nos termos da legislação vigente.
§ 1.° Cada unidade dêstes produtos, no caso da preparação ser feita no continente ou ilhas, fica sujeita ao imposto progressivo cobrável por meio de estampilha ou de selagem dos rótulos ou envólucros feita na Casa da Moeda, em harmonia com a seguinte tabela:
[Ver tabela na imagem]
§ 2.° Quando os ditos produtos forem acondicionados depois da importação em vrac, cada unidade fica sujeita a metade do imposto que lhe corresponderia se fôsse preparada no continente ou ilhas.
Art. 2.° As especialidades farmacêuticas destinadas ao consumo fora do continente e ilhas adjacentes, ficam isentas do imposto respectivo quando a exportação se faça em quantidade superior a nove unidades da mesma especialidade por cada remessa.
Art. 3.° As especialidades estrangeiras feitas no continente ou ilhas, anteriormente à data desta lei, poderão ser vendidas depois de seladas, em harmonia com o artigo 1.°, e as respectivas estampilhas estejam apostas o inutilizadas nas condições que o regulamento desta lei preceituar.
§ único. Consideram-se sem efeito e mandam-se arquivar os processos que haja pendentes no Tribunal do Contencioso Fiscal relativos a êstes produtos.
Art. 4.° As especialidades que se encontrem seladas com estampilhas de 50 réis, não inutilizadas pelas alfândegas, poderão ser vendidas sem aposição de nova estampilha logo que os seus possuidores as apresentem ao funcionárío mais graduado da corporação dos impostos em serviço no concelho ou bairro em que se encontrem sstes produtos, para lhes ser pôsto o visto ou carimbo da repartição, parte sôbre as estampilhas e parte sôbre os rótulos ou envólucros, sempre que isto seja praticável.
§ único. Para se efectuar a aposição do visto a que se refere êste artigo e a selagem a que se refere o artigo 5.°, é concedido o prazo de trinta dias a contar da data da publicação do regulamento desta lei.
Art. 5.° As especialidades importadas em vrac, antes da publicação desta lei poderão ser acondicionadas nos termos que o futuro regulamento preceituar e fazer-se a sua venda logo que sejam, seladas com uma estampilha de 50 réis por cada unidade.
§ único. Neste caso, a selagem e inutilização das estampilhas será feita pela fiscalização depois desta ter verificado que pela substância que contenham foram pagos direitos como medicamento não especificado se outros lhe não couberem em virtude da sua natureza especial.
Art. 6.° No serviço da fiscalização do imposto das especialidades farmacêuticas serão empregados inspectores adidos ao corpo da fiscalização dos impostos, que auxiliarão o inspector técnico da referida fiscalização nos termos regulamentares.
Art. 7.° O inspector técnico das especialidades farmacêuticas funciona na 1.ª Repartição da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, desempenhando as funções e chefe do serviço relativo ao imposto de que se trata, sendo para todos os efeitos equiparada aos primeiros oficiais técnicos chefes de secção da mesma Direcção Geral, ressalvado o disposto no artigo 9.°, ficando-lhe por isso subordinados os funcionários a que se refere o artigo 6.°
Art. 8.° Compete ao inspector técnico das especialidades farmacêuticas:
a) Consultar, nos casos de contestação entre a Fazenda e os preparadores ou vendedores das ditas especialidades;
b) Prestar todas as informações técnicas que lhe forem exigidas em matéria dêste imposto;
c) Visitar e mandar visitar pelos inspectores auxiliares, com a coadjuvação do pessoal dos impostos, e conforme as instruções da respectiva Direcção Geral, os estabelecimentos onde se preparem, vendam ou se achem depositadas especialidades farmacêuticas.
Art. 9.° Êste funcionário conservará o actual ordenado, mas receberá 2 por cento do excesso de cobrança do imposto sôbre a cobrança do mesmo imposto no ano de 1910-1911, não podendo esta cota exceder, acumulada com o ordenado, o vencimento dos primeiros oficiais técnicos, mencionado no artigo 7.°
Art. 10.° Esta lei entrará em vigor logo que seja publicado o decreto que a regulamentar, o qual regulamentará conjuntamente a lei de 19 de Julho de 1902, na parte que se refere ao imposto de especialidades farmacêuticas, o substituirá o regulamento de 26 de Maio de 1911 sôbre o mesmo imposto.
Art. 11.° Fica revogada a legislação em contrário.
Ministério das Finanças, em 17 de Maio de 1912. = O Ministro das Finanças, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes.
Admitido. Para a comissão de saúde e assistência pública.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara para uma proposta, que vai ler-se, do Sr. Ramos da Costa.
É lida na mesa.
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O Sr. Presidente: - Eu proponho ao Sr. Ramos da Costa a fineza de consentir que a sua proposta vá à comissão de finanças.
O Sr. Ramos da Costa: - Nesse caso, peço a V. Exa. que solicite da comissão de finanças que dê o seu parecer com a maior urgência.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Declaro à Câmara que a comissão de finanças concorda plenamente com a proposta do Sr. Ramos da Costa.
No Orçamento das colónias não temos conhecimento técnico e é necessário que êle seja visto pela respectiva comissão.
Foram aprovadas as propostas do Sr. José de Abreu relativa ao decreto de 26 de Maio de 1911 e do Sr. Prazeres da Costa sôbre os orçamentos ultramarinos.
O Sr. Presidente: - Vou fazer a inscrição para antes da ordem do dia.
Vários Srs. Deputados pedem a palavra.
O Sr. Pereira Cabral (para negócio urgente). - Sr. Presidente: os povos da província de Moçambique estão alarmados por causa da divisão dos terrenos da Maganja da Costa.
O ex-governador cometeu um acto escandaloso, que foi o seguinte:
Nos territórios, que pertenciam à companhia, os indivíduos fugiram dêles; depois fez se uma escritura disfarçada. Eu tenho a certeza de que o Sr. Ministro das Colónias não sancionou um acto injusto e ilegal.
Em todo o caso, desejava que o Sr. Ministro das Colónias dêsse explicações à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Cerveira de Albuquerque): - Com relação ao assunto a que se referiu o Sr. Deputado Pereira Cabral, não há idea de se conceder em zonas os prazos de Moçambique.
Aproveito a ocasião para apresentar dois projectos de lei: um relativo ao sal de Cabo Verde, e que já foi aprovado pelo Govêrno, outro referente a uma concessão para se alcançar vários trabalhos.
Não leio os relatórios nem os projectos para não tomar tempo à Câmara.
Ás propostas de lei foram mandadas publicar no o Diário do Governo".
O Sr. Correia Herédia (Ribeira Brava): - Refere-se a uma local publicada nos jornais, em que se diz que ante-ontem, pelas 23 horas, vários conspiradores tentaram dinamitar o edifício consular português em Verin, havendo enorme tiroteio.
Desejava que o Sr. Ministro dos Estrangeiros o informasse do que há de verdade a êsse respeito. Não sabe se esta notícia tem fundamento; no entretanto era de toda a conveniência que o Govêrno Português adoptasse nas suas notas diplomáticas processos claros, terminantes e precisos com relação ao que se passa em Espanha. A situação não pode continuar como está. Os constantes boatos e notícias terroristas provocam o sobressalto e desassocêgo quer nas famílias, quer no comércio e na indústria. Em seu entender, deve exigir-se do Govêrno de Espanha uma outra forma de proceder.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - As informações que o Govêrno tem não são exactamente concordes com o que vem nos jornais.
Não estava provado que se tentasse dinamitar o consulado de Veria. Qualquer tentativa contra êle parece que a houve, mas não há provas.
Por informações vagas sabe-se que alguma cousa houve contra o consulado; e o facto é que entre os indivíduos presos figura um que tinha bombas de dinamite, mas o consulado não foi atacado directamente.
É claro que mandei pedir ao cônsul que informasse de toda a questão para, mais uma vez, o Govêrno fazer as suas reclamações ao Govêrno hispânico.
Quanto ao procedimento do Govêrno nesta questão da Galiza e às suas relações em Espanha, é intenção sua publicar os documentos que tem sôbre o caso; mas há-de exercer a sua acção constante, enérgica, junto do Govêrno Espanhol, para afastar dali os conspiradores.
Nem um só momento o Govêrno tem descurado a questão.
Há uma certa divergência entre o Govêrno Português e o Govêrno Espanhol no que parece estar estabelecido. Mas é preciso fazer justiça ao Govêrno Espanhol, de que não se tem feito tentativas de entrada de armas em Espanha que êsse Govêrno não tenha logo impedido.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - O Govêrno Espanhol não obstou a que os conspiradores continuassem na Galiza, e ali continuam.
O Orador: - O Govêrno Espanhol tem procedido sempre assim, como disse.
Quanto ao resto, eu asseguro à Câmara que o procedimento do Govêrno Português há-de vir a ser, bem como o do Govêrno Espanhol, largamente conhecido pelos documentos.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Herédia (Ribeira Brava): - Desejo simplesmente agradecer as explicações do Sr. Presidente do Ministério, e parece-me que é conveniente que, acima do Código Administrativo e da lei eleitoral, tratemos da defesa da República.
O orador não reviu.
O Sr. Victorino Godinho: - Sr Presidente: na última sessão tive ocasião de dizer a V. Exa., e á Câmara, que tinha recebido nina representação dos alumnos das Faculdades de Matemática e Filosofia, de Coimbra, na qual êles expunham a sua opinião sôbre o projecto de lei relativo á mesma Faculdade, e pedindo que se lhes tornassem extensivas as mesmas concessões feitas aos alunos de Direito.
As reclamações dos alunos das Faculdades de Filosofia e Matemática são de todo o ponto justas, e por isso eu me apressei a elaborar um projecto de lei que, alem da minha assinatura, leva tambêm as dos Srs. Cerqueira da Rocha, Joaquim Ribeiro, Macedo Pinto e Alves Ferreira. Abstenho-me de fazer sôbre êste projecto quaisquer considerações para o justificar, limitando-me a pedir para êle a urgência e dispensa do Regimento.
Projecto
Artigo 1.° É extensivo aos alunos das antigas Faculdades de Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra o disposto na lei de 15 de Maio de 1912, que regulou a situação dos alunos da Faculdade de Direito, podendo , aqueles que assim o desejarem optar pelo decreto de 12
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8 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
de Maio de 1911, e tendo os exames o mesmo efeito que tinham anteriormente a êste decreto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto de lei do Sr. Vitorino Godinho.
Lê-se na mesa.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e dispensa do Regimento para êste projecto entrar já em discussão, tenham a bondade de se levantar
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
Foi aprovado sem discussão.
O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade. Vai ler-se.
É lido na mesa e aprovado sem discussão.
O Sr. Vitorino Godinho: - Requeiro que seja dispensada a última redacção para ser enviado imediatamente para o Senado.
Foi aprovado.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: as considerações que eu desejava fazer eram idênticas ás que acabam de ser feitas pelo Sr. Correia Herédia. e por isso eu desisto da palavra.
O Sr. Afonso Ferreira: - Sr. Presidente: desejava que o Sr. Ministro da Guerra me informasse se estão projectadas algumas obras nas cozinhas do quartel de cavalaria 2, obras que, segundo o respectivo projecto, importavam na quantia de 9:000$000 reis.
Parece-me que essas obras não são absolutamente necessárias, porque eu conheço essas cozinhas, e sei que elas satisfazem perfeitamente ás exigências daquele quartel.
Parecia-me, pois, conveniente que, não se devendo desperdiçar dinheiro, e sendo certo que a maior parte dos quartéis necessita de obras urgentes, se aplicasse aquele dinheiro onde mais fôsse necessário e urgente.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Alberto da Silveira): - Não posso informar o Sr. Affonso Ferreira, se realmente estão projectadas algumas obras no quartel de cavalaria 2, mas o que posso afirmar é que não há aprovação alguma de quaisquer projectos,
O orador não reviu.
O Sr. Jacinto Nunes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e á Câmara que o Sr. Deputado Jorge Nunes continua doente de cama, e que por isso, não tem vindo às sessões.
O Sr. Lopes da Silva: - Sr. Presidente: a comissão de colónias envia para a mesa um parecer sôbre o projecto que resolve a questão da mão de obra em S. Tomé, e que acaba com essa campanha contra o nosso domínio naquela ilha. Por isso. a comissão pedia a V. Exa. o favor de mandar imprimir êsse parecer e distribuir pelos Srs. Deputados, para ser dado para ordem do dia o mais rapidamente possível.
O orador não reviu.
O Sr. Mendes de Vasconcelos: - Mando para a mesa uma representação do Directório da Liga dos Direitos do Homem, sôbre o projecto do Habeas Corpus.
Vai publicada na fim desta sessão.
O Sr. Ministro da Marinha (Celestino de Almeida): - Sr. Presidente: mando para a mesa urna proposta de lei sôbre promoções.
Foi mandada publicar no "Diário do Govêrno".
O Sr. Joaquim de Oliveira: - Requeiro a V. Exa. que ponha em discussão o meu projecto de lei, para o qual foi votada a urgência e dispensa do Regimento ha 15 dias.
O Sr. Presidente: - O projecto foi mandado imprimir.
Eu sei que já foi votada a urgência e dispensa do Regimento, e que se levantou a questão da lei de 1907. Fique V. Exa. descansado que em todos os intervalos do Código Administrativo, sempre que possa, irei marcando projectos para ordem do dia, e entre êles marco êsse.
O Sr. Adriano de Vasconcelos: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a representação que mandei para a mesa da Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem seja publicada no Diário do Govêrno.
Assim se resolveu. Documentos mandados para a mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de legislação civil e comercial, sendo de parecer que se deve dar cumprimento ao disposto nos artigos 33.° e 34.° da Constituição.
Foi a imprimir.
Da comissão de finanças, sôbre o orçamento da despesa do Ministério do Fomento.
Foi a imprimir com toda a urgência.
Da comissão de obras públicas, não se conformando com as modificações introduzidas pelo Senado no projecto n.° 66-A (parecer n.° 112).
Foi a imprimir.
Projectos de lei
Do Sr. Deputado António Valente de Almeida, isentando do pagamento da décima de juros, imposto de rendimento, as obrigações da conversão do passivo da Câmara Municipal da Vila da Feira, autorizadas por decreto de 18 de Abril de 1912.
Publique-se no "Diário do Govêrno", volte para ser submetido à admissão.
Requerimentos
Renovo o requerimento que enviei para a mesa nos dias 12 de Abril e 1 de Maio de 1912:
Tendo o último governador civil, monárquico, de Vila
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Rial, recebido pelo Ministério do Reino uma determinada quantia para os festejos em honra do rei D. Manuel, na sua visita à capital daquele distrito, e não se tendo realizado tais festejos, requeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecida cópia das contas prestadas por aquele ex-governador civil. Desejo tambêm saber qual o dia em que o dito governador civil prestou contas daquela quantia, e onde as prestou. = José Botelho da Carvalho Araújo.
Mandou-se expedir.
Renovo o requerimento que fiz na sessão de 1 de Maio de 1912:
Tendo sido distribuída pela Administração do concelho de Vila Rial, às vítimas dos últimos temporais, a quantia de 300$000 réis:
Requeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecida com a maior urgência, visto tratar-se de fazer justiça a um funcionário da República, uma relação nominal das pessoas socorridas, e bem assim das respectivas quantias com que foram contempladas. = José Botelho de Carvalho Araújo.
Mandou-se expedir.
Em 8 dêste mêz fiz um requerimento ao Ministério da Justiça, acêrca dos acontecimentos ocorridos em Caldelas em 1909 e 1911.
Renovo o requerimento e peco urgência nas respostas, que são apenas três e simples, pois o Parlamento está a fechar. = Miguel Abreu.
Mandou-se expedir.
Requeiro que me seja enviada a tabela da distribuição da despesa do ano de 1911-1912, da Administração geral dos correios e telégrafos. = O Deputado, José Afonso Pala.
Mandou-se expedir.
Em seguida entrou-se na
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do Orçamento de despesa do Ministério dos Estrangeiros
O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Sr. Presidente: Procurarei quanto possível não tomar tempo à Câmara; de resto, a divergência entre a comissão de finanças e o Govêrno está reduzida a muito pouco, estamos na supressão dos consulados gerais; nisso é que principalmente incide a crítica da comissão e é sôbre isso que o Govêrno não tem a mesma opinião que a comissão de finanças, porque o Sr. José Barbosa, que a representa, defendeu o outro dia, num discurso muito erudito e muito bem pensado, o parecer da comissão, mas não destruiu os argumentos que o Govêrno teve ocasião de apresentar à Câmara. E tanto não destruiu, que neste momento eu já não sei em que está a divergência, porque S. Exa. apenas não deseja que os cônsules gerais residam nas capitais. Diz-nos que os consulados em Madrid, Paris e Londres representam consulados de luxo e não se lembra de que justamente o Ministro afirmou aqui, di-lo o relatório da reforma, di-lo todo o pensamento que presidiu a esta organização, que êsses cônsules não tem de estar fixos nas capitais a que S. Exa. se referiu: tem de estar nessas capitais e de deslocar-se sempre que seja necessário para estudarem nos centros industriais as várias indústrias e colher todos os elementos de informação que sejam necessários para o estudo das questões que se relacionam com tratados de comércio e comércio de Portugal.
O que são êstes cônsules gerais? São, duma forma um pouco mais barata, a inspecção consular que S. Exa. defende, e que os Estados Unidos instituíram. E esta a função que nós desejamos que tenham os cônsules gerais, com a diferença que S. Exa. diz-nos que essa inspecção consular é muito cara para ser feita como a fazem os Estados-Unidos. Nós não a podemos pagar, por isso damos-lhe uma organização um pouco diversa ; fazemos isso mais barato, e julgo que com igual proficuidade.
Disse S. Exa. que o cônsul em Espanha devia estar em Barcelona, que é o grande centro; e eu digo que ali não pode exercer as funcções que exerce em Madrid, porque em Barcelona tem de ocupar-se do movimento importante daquele pôrto, do comércio, de cargas e descargas, registos e não tem tempo para se ocupar devidamente do estado geral do comércio de Espanha, que hoje tem de fazer o cônsul. De modo que insisto, e insistirei quando se tratar na especialidade dêste ponto, em que se deve manter a organização tal como está.
Se a destruírem, se suprimirem os cônsules gerais, suprimem por êsse mesmo facto a organização como foi pensada, moderna, do Ministério dos Estrangeiros, eu acho que se pratica um acto pernicioso para o nosso país. (Apoiados).
Referiu-se S. Exa. aos consulados do Brasil, com aquele conhecimento que tem da experiência larga naquele grande centro. Eu concordo com muitas das observações que S. Exa. fez, e preciso dizer que o nosso representante no Brasil há de decerto estudar a organização dos consulados naquele país, de modo que êles sejam mais profícuos do que tem sido até hoje para os interesses do comércio e dos nacionais ali residentes. É necessário fazer uma reorganização dos serviços consulares no Brasil, mas é uma organização que demanda ser estudada, pensada e que deve ser entregue ao primeiro representante da República que para lá vai e que levará as instruções para se ocupar dêsse assunto.
Referiu-se ainda S. Exa. à supressão dos vice-consulados do distrito consular de Boston. Disse S. Exa. que o Ministro dos Estrangeiros suprimiu êsses vice-consulados, e que isso levantou protestos por parte da colónia portuguesa daquela região, protestos que se tem avolumado. Devo dizer que, se êsses vice consulados foram suprimidos, foi porque o cônsul de Boston, um republicano dedicado, reconheceu que êsses vice-consulados eram simplesmente agentes de intrigas contra o consulado, fazendo-se uma política anti-republicana.
A substituição dêsses funcionários era de tal modo difícil e dava lugar a tais complicações, que o cônsul de Boston propôs que os vice-consulados fossem suprimidos.
O Sr. Ministro de Portugal em Washington, consultado a êsse respeito, informou que no estado actual das cousas era conveniente suprimir os vice-consulados. Foi por isso que o Ministro dos Estrangeiros, pelas informações que teve, os suprimiu.
Finalmente referiu-se o Sr. Deputado às relações comerciais com a Austrália. Devo dizer a S. Exa. que o comércio de Portugal com a Austrália não é nulo; está muito longe disso. Exportamos para a Austrália 8:943 libras de produtos. Tenho aqui a estatística australiana que ponho à disposição de S. Exa., e note S. Exa. que esta estatística é antiga, porque não tenho a moderna.
O Sr. José Barbosa: - V. Exa. sabe quais são os produtos?
O Orador : - São conservas de peixe, cortiça, rolhas, vinhos do Pôrto e outros produtos similares, sobretudo estas duas mercadorias as que mais avultam nesse co-
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mércio. Mas há mais. É que de Timor se podem exportar para a Austrália produtos que podem constituir um comércio muito importante. Quere V. Exa. ver?
A importação do cacau na Austrália é de 85:686 libras e a importação do café é de 54:484 libras.
O Sr. José Barbosa: - V. Exa. avalia a porção que é?
O Orador: - Avalio. Isto é, o valor da importação não é o peso. Mas o que é mais interessante é que dêste café, 27:242 libras são importadas de Java. Quere dizer: vão passar às portas de Timor. Se desenvolvermos a nossa exportação de Timor, estamos em condições de abastecermos êsses mercados.
Aqui tem o ilustre Deputado as razões, que são suficientes, para que tenhamos cônsul na Austrália, porque é um mercado que convém manter.
Por agora, tenho dito.
O Sr. José Barbosa: - Antes de responder ao Sr. Presidente do Ministério, é preciso que eu rectifique aquilo que contra a comissão de finanças, ou contra mim, como relator, se tem dito.
Consta-me que um cônsul, aliás distinto, se referiu, há dias, num jornal, em termos menos exactos, às propostas da comissão para a supressão de cinco consulados gerais.
Volto a dizer que no parecer não está nada dito sôbre que as despesas com os cônsules de Portugal sejam superiores às da Espanha, com os seus respectivos cônsules.
O que se diz é que nem sempre pagamos mal a êsses funcionários, e mais que, se os ordenados são excessivamente pequenos, às vezes se tem dado aumentos em verbas de residência, material e expediente. E, pelo confronto dessas verbas, entre a despesa da Espanha e a de Portugal, vê-se que a Espanha às vezes gasta menos do que Portugal.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Isso não é perfeitamente exacto, como eu já demonstrei.
O Orador: - V. Exa. nada demonstrou; falou nos 5 por cento de emolumentos, mas tive ensejo de mostrar que êsses emolumentos tem destino diverso e não constituem rendimento próprio dos funcionários consulares.
Mas não vale a pena insistir nesse ponto. Essas rendas são necessárias para pagamento de funcionários estranhos aos quadros e que o orçamento espanhol não contempla.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos):- São remunerações importantíssimas.
O Orador:- Nem sempre são importantíssimas, e nós temos, ainda hoje, alguns chanceleres pagos pelo Estado e ainda com abonos especiais, como a alguns cônsules de 4.ª classe, e pode-se dizer que tal se pratica contra expressa determinação da lei.
O Sr. Presidente do Ministério voltou a sustentar a necessidade da conservação do pensamento do decreto orgânico do Ministério dos Estrangeiros. Tornou a sustentar, como ia dizendo, a necessidade de conservar os cinco consulados gerais, cuja supressão pedimos, como se fossem indispensáveis à integral execução do pensamento a que obedeceu o decreto de 26 de Maio de 1911.
Não vejo em que se estriba essa suposta necessidade, e é por isso que discordo absolutamente de S. Exa.
Sabe S. Exa. que não foi determinado por nenhum aumento grande da nossa exportação o facto da criação do consulado geral em Roma, a qual é do ano passado. E S. Exa. sabe que não existia, não há muitos anos, o consulado geral em Paris e que, estando êsse consulado em Paris agora e estando antes no Havre, o nosso comércio com a França, como se vê das estatísticas, não apresentou indicação alguma a, favor de qualquer das duas sedes. S. Exa. sabe que o nosso consulado geral em França deve ser em Marselha ou no Havre, a dar valor às transacções reaes; mas já tive ocasião de expor, na sessão anterior, em que se discutiu o orçamento do Ministério dos Estrangeiros, que êsse consulado com mais vantagem deveria ser transferido para Marselha, porque é ali o grande mercado das nossas sementes oleaginosas, e é êsse o género da nossa produção colonial que a França mais largamente virá a adquirir.
No dia em que tivermos essa exploração, devidamente feita, não terá, ao seu lado, importância alguma a própria exportação do cacau, que é uma riqueza, mas uma riqueza que não dá à Nação tudo de que ela carece, e que cada vez se tornará menos garantida pelo limite quási atingido do consumo.
O Sr. Presidente do Ministério entende que êsses cinco consulados gerais são indispensáveis, e que a função que se deve dar ao nosso cônsul geral em Paris, por exemplo, é a função de inspector consular. Bem está.
Ora eu direi que, lendo o decreto orgânico do Ministério dos Estrangeiros, vejo que há nele serviços e funções quási idênticos aos dos inspectores de que falei.
O cônsul geral norte-americano, por exemplo, tem, como o nosso, o dever de dar informações ao seu Govêrno sôbre o comércio que se faz na sua jurisdição.
A inspecção, porem, é doutra ordem. A inspecção verifica, permanentemente, se as informações são exactas, se os funcionários consulares estão nos seus lugares, se vão a horas para a repartição, se há lugares em que são precisos novos agentes consulares, etc.
E S. Exa. sabe, porque o sabe toda a gente - e nesta Câmara já se disse - que alguns cônsules portugueses não eram facilmente encontrados nos seus consulados.
Por minha parte nada posso dizer, porque onde quer que tenha estado, e já um pouco andei por fora de Portugal, tenho encontrado os cônsules quando os procuro,
O Sr. Pereira Cabral: - Eu não.
O Orador: - Mas já se disse aqui que os cônsules portugueses, em vários lugares, raramente aparecem nas suas repartições.
Ora, se tivéssemos a inspecção consular, talvez êsse mal se evitasse, e já tínhamos um critério seguro para dizer onde convinha haver consulados.
Não posso compreender por que razão é mais fácil a um funcionário exercer as funções de cônsul geral na capital dum país do que num grande porto.
Eu quero crer que os cônsules gerais em Barcelona, ou em Marselha, por exemplo, tivessem tanto que fazer, que se aplicassem, exclusivamente ao serviço do consulado e não tivessem tempo de fornecer informações ao Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Eu já disse que era para estar junto do Ministro.
O Orador: - O certo é que, se porventura se torna necessário, por um aumento de expediente, que num consulado geral haja alguém para auxiliar êsse expediente, o lógico seria dar-lhe um vice-cônsul ou um cônsul de 3.ª classe como ajudante.
O lógico é fazer a aprendizagem nos postos onde há muito serviço ; porque mandar para os postos sem importância, como geralmente acontece, os funcionários que principiam a sua carreira, de nada lhes serve, porquanto não podem aprender cousa alguma, por não haver que fazer. A meu ver, conviria mandar os cônsules fazer aprendizagem nos postos onde há serviço, sob as vistas dos homens práticos (Apoiados).
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Quanto á necessidade dêsses cônsules, junto dos Ministros Plenipotenciários, direi que, na altura em que estamos, em que todos os países tem organizadas as suas estatísticas comercial e agrícola, em que há livros de estudo e fontes de informação em todos os ministérios, sendo, alêm disso, certo que temos a carreira una, e que vamos ter terceiros, segundos e primeiros secretários, que pertencem a essa carreira una, na qual devem tirocinar e praticar nos diversos consulados, não precisamos de cônsules acessores de ministros. Nos secretários das três classes a que me referi, nesses secretários com tirocínio consular, teremos funcionários aptos para desempenharem essas funções de consultores, junto dos nossos ministros plenipotenciários.
Suponho que qualquer Ministro Plenipotenciário pode estudar os assuntos, como qualquer cônsul, e suponho que são êsses os negócios que interessam as nossas legações. Se vamos permanecer nessa política de prestígio internacional, dependente, em parte, da excelente apresentação dos Ministros, da boa representação que fazem do nosso país e das festas que dão; se, porventura, é da influência pessoal dos nossos diplomatas, que pode provir a nossa posição no concerto internacional, é evidente que, pela nossa fraqueza de recursos, pela nossa falta de prática, talvez, da política internacional, - porque nós não estamos no convívio permanente dêsses negócios, no qual só por excepção entram as pequenas nações, - é evidente que estamos condenados a uma situação subalterna de última espécie.
Não é porque os diplomatas sejam distintos e talentosos que nos elevaremos, porque ninguêm recebe um diplomata, por mais distinto e talentoso que seja, para per der horas com êle sem ter qualquer negócio a tratar ou interesses materiais a liquidar.
Só nos elevaremos por êsse critério pelo valor dos nossos diplomatas. Um diplomata que é melhor advogado do que outro, forçosamente há de desempenhar o seu papel melhor do que êsse outro (Apoiados).
Mas, Sr. Presidente, um Ministro cheio de talento, da superioridade intelectual que tem algum dos nossos, não pode de forma alguma modificar a realidade da nossa situação internacional; ou temos que contar como uma fôrça no jôgo das forças internacionais, ou temos que contar como elemento de produção de riqueza, capaz de ser necessário, em dado momento, ou durante um largo prazo de tempo, a várias nações.
É na permuta comercial, é na colocação dos produtos da sua indústria, e, era geral, da sua riqueza, que os povos pequenos fazem consistir o seu prestígio.
Em norma, a espantosa indústria belga não precisa do apoio, da fôrça, nem sequer da protecção de homens superiores, para pesar na política internacional; essa riqueza pesa na influência permanente dos capitais, pesa constantemente, pela necessidade que outros países tem de lhe abrir os seus mercados, e não vedados pelos direitos de entrada; e pesa de tal forma que os grandes países respeitam e consideram tanto a Bélgica, que ainda neste momento, V. Exa. sabe, há muitíssimos países a procurar a forma de evitar o possível aumento de direitos de entrada ali sôbre géneros de grande consumo, como sejam o cacau, o café e o tabaco.
Entendo que Portugal não precisa de cônsules gerais nas grandes capitais, e se V. Exa. os transformar em inspectores consulares, dir-lhe hei que são inspectores de mais para tam pequeno corpo consular. Nós temos 42 cônsules; é o nosso quadro.
Nós, para os 42 cônsules que temos, evidentemente não precisamos de cinco inspectores consulares.
Os nossos cônsules gerais são em todos os países, mesmo naqueles em que não temos ministro, de facto, em pequena escala, inspectores consulares dos nossos cônsules e vice cônsules; mas a função que eu queria de superior
fiscalização, essa V. Exa. faria talvez muito bem criando-a e dando-a a alguns dêsses cônsules, que tem competência provada, pelos seus trabalhos publicados, conhecidos, (e eu não lhes nego essa competência), que tem vontade de servir o país; e se porventura isso nos traz alguma despesa mais, tambêm nos pode trazer grandíssimas vantagens.
Para terminar, preciso responder a V. Exa. na parte referente ao comércio com a Austrália. Eu não vi o seu livro de estatística; desejo muito que faça o favor de mo emprestar, para depois; mas V. Exa. há-de dizer-me se verificou, por essa estatística, por onde se realizou a importação dos nossos produtos. Só assim se avalia a eficácia dos consulados.
Não sei se V. Exa. viu a diferença que existe entre o sistema de estatística portuguesa e o sistema de estatística inglesa.
A estatística em Portugal faz-se considerando os produtos que entram e saem de Portugal debaixo do ponto de vista do critério de nacionais ou nacionalizados.
A Inglaterra não considera nacionalizados senão os produtos da sua indústria; os outros são reexportados como estrangeiros.
Tudo que de Portugal se importa na Austrália vai da Inglaterra, porque não temos navegação para êsse comércio E vai como português e não como nacionalizado inglês.
Ainda hoje o nosso comércio para o Canadá se faz por meio da Inglaterra.
V. Exa. sabe, Sr. Presidente que, pelo pôrto de Lisboa, se carece de mandar, para as nossas colónias, produtos e, muitas vezes, não há possibilidade de encontrar navios para essas colónias! E para o Brasil a mesma cousa se dá.
Sr. Presidente: só quando tivermos marinha mercante, que há-de procurar os lugares onde ela já é necessária, só então poderemos pensar em criar tráfego directo com os portos onde ainda hoje a navegação é feita a Deus dará, graças aos intermediários que podemos encontrar.
Os géneros portugueses que se consomem por êsse mundo fora, e que não tem senão a etiqueta portuguesa, como acontece aos que vão às colónias inglesas, são duma produção pasmosa.
V. Exa., Sr. Presidente, conhece a fonte de produtos sofisticados que existe nos principais centros da Europa.
Os nossos vinhos são sofisticados; espalham-se por todo o mundo.
Mas não se dá isso em Inglaterra.
V. Exa. sabe qual a grande exportação de chá em Inglaterra, tendo um direito mínimo de estatística. É vendido in bond, para reexportação, sem se nacionalizar, constando a sua origem. E o que se dá com o que a Austrália consome de produtos portugueses.
Não é o consulado de Melbourne, que não criou êsse comércio, que o há-de desenvolver.
Os negociantes ingleses se encarregam dessa tarefa.
Ora, há utilidade nesse consulado?
Não duvido de que venha a haver; mas não é com êsse consulado e com a verba que êle consome que poderemos aplicar, imediatamente, a nossa actividade, onde o nosso consumo já, começou em puro declínio, pela competência doutros produtores.
Por isso é que mantenho a conveniência dos consulados, para mercados como S. Paulo e Rio de Janeiro e, ainda, para outros Estados brasileiros, onde o consumo declina, como, por exemplo, no Maranhão, onde é batido pela concorrência alemã e inglesa, bem como no Rio Grande do Sul.
Era para êsses lugares que eu entendia que devia ser voltada a nossa atenção; porque, mercados não se inventam. Os mercados surgem da procura, em regra feita pelos nacionais expatriados.
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12 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
Foi sempre o emigrante quem introduziu, com os seus costumes, a mercadoria do seu país.
É evidente que, chegados a essa altura, em que as comunicações são rápidas e a emigração é quási um passeio, o caso muda de figura.
Existe outra espécie de emigração, que é a dos caixeiros-viajantes; é a emigração que não faz alicerces, não levanta muros, mas assenta tenda, para fazer o seu negócio, e depois ir a outra parte servir nova clientela.
Desejaria que, em vez de aplicarmos essa despesa assim, fôssemos defender a nossa produção, ameaçada da concorrência de muitos países.
Nós estamos, constantemente, a falar em muita cousa, em Portugal, mas não se fala do excesso da produção vinícola.
Imagine V. Exa., Sr. Presidente, quando todo o vinhedo do norte de África estiver em plena produção! Imagine V. Exa. o que será a Argélia, a produzir vinho a baixo preço, e o que será a Austrália e S. Francisco da Califórnia, que hão de vir a produzir mais vinho; e a província de Rioja, na Argentina, que continua a produzir; o que será de nós, se perdemos êsses mercados feitos... e abandonados!
O nosso produto chega, às vezes, mais caro, como sucede no Brasil; mas é o preferido. E que o público está habituado ao seu paladar. Foi a êle que, naturalmente, o português habituou os seus descendentes e amigos. E é êsse produto, que não é melhor do que os outros, que se vende mais caro, vencendo, entretanto, na concorrência.
Assim, dá-se o mesmo com a nossa fruta, que não pode concorrer com a de Valência e Málaga. A nossa fruta chega lá e bate a de Málaga e de Valência
Nós havemos, forçosamente, de modificar o regime consular. E penso eu que o Govêrno da República devia já pensar em estudar o assunto directamente, em foco, pelos agentes consulares escolhidos entre os cônsules mais distintos, e que iriam procurar, fora dos mercados feitos, em outros países, consumo à nossa mercadoria.
Já tive ocasião de frisar aqui, para confronto, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o desenvolvimento do consulado, no México, determinou, para os produtos portugueses, um aumento, de ano para ano, passando de 100 por cento.
V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que os nossos representantes no México e nos Estados Unidos dizem que há uma disposição especial para o consumo, nesses países, dos nossos vinhos licorosos. No emtanto, era preciso ver mais alguma cousa...
Nos Estados Unidos, é costume de toda a gente, que tem alguns meios, beber vinhos espumantes. Entrara, ali, os da Alemanha, e são consumidos.
Ora, os nossos vinhos espumantes podem ter ali entrada, mas nós não estudámos o assunto A Itália que o estudou vende os seus vinhos de Asti aos yankees.
Infelizmente, até agora, os nossos funcionários, apesar da sua boa vontade e de verem entrar vinhos espumosos de várias procedências, não tem tido a iniciativa que seria motivo da nossa gratidão geral de tratar de lá colocar os nossos. Creio que tal facto se dá em consequência de se conservarem parados nos seus postos.
Vi num dos relatórios publicados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, um trabalho interessantíssimo, feito pelo nosso Ministro em Washington, se não me engano, onde se descreve a forma de exportarmos sardinha para os Estados Unidos, chegando até a êste pormenor -as cores das tintas das latas - porque "s latas de conservas, que se vendem para os Estados Unidos, tem todas essas cores e os americanos estão acostumados a vê Ias assim; o número de latas de cada, caixa, o número de sardinhas de cada lata, etc.!
Ora, era isso que precisávamos que nos dissessem todos os relatórios, acêrca de todos os nossos géneros exportáveis.
S. Exa. sabe que o defeito dos nossos vinhos espumantes é não terem o rótulo, em que se diz goút américan, com o que se exprime que o vinho é seco, de uma secura especial.
Em tempo, conseguiu-se, com uma remessa de vinhos, creio que de Lamego com êste rótulo a sua colocação nos Estados Unidos, mas como a seguinte remessa não tinha êsse rótulo ou não era seco, não pôde ser colocada.
Nós precisávamos de mandar um enólogo estudar o gosto americano e isso é bastante fácil.
O champagne Pommery & Greno tem êsse tipo, feito para os Estados Unidos.
Era a função activa que eu queria que se dêsse aos nossos funcionários consulares; a te los parados, creia S. Exa. o Sr. Ministro dos Estrangeiros, não dará mais do que deu até agora, o trabalho lento dêsses funcionários.
Temos que aplicar uma grande intensidade de esforços nesta luta comercial, (Apoiados). Hoje é preciso forçar o consumidor a provar as nossas mercadorias e convencê-lo de que os nossos produtos, se não são iguais aos que êle costuma gastar, são, pelo menos, intrinsecamente similares e que os podem substituir perfeitamente. Mas, para isso, compreende S. Exa. que não podemos deixar que os nossos funcionários consulares, continuem habituados a gozar as delícias das grandes capitais da Europa. (Apoiados).
O Sr. Gastão Rodrigues: - Declara que não concorda com o parecer da comissão de finanças nos cortes feitos na verba destinada a trabalhos extraordinários, apresentando as razoes do seu desacordo.
Dá o seu aplauso à proposta do Sr. Djalme de Azevedo.
Disse se, e com isto está plenamente de acôrdo, que é preciso fazer-se uma política comercial, sendo os consulados, por assim dizer, agências de comissões e de consignações, e os cônsules espécies de commis voyageurs, que trarão da propaganda e colocação dos nossos produtos.
É necessário, porem, não entregar tudo ao Govêrno; é preciso tambêm que a agricultura, o comércio e a indústria contribuam, por sua parte, com a sua iniciativa, para que as nossas relações comerciais se desenvolvam, conquistando novos mercados.
Terminando, manda para a mesa as seguintes
Propostas
Que os abonos para remuneração de trabalhos extraordinários sejam assim fixados:
[Ver tabela na imagem]
O Deputado, Gastam Rodrigues.
Admitida.
Proponho que o Boletim Comercial, por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, seja distribuído gratuitamente por todas as associações, sociedades agrícolas, comerciais e industriais. = O Deputado, Gastão Rodrigues.
Admitida.
O discurso Será publicado na íntegra guando o orador restituir as notas taquigráficas.
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SESSÃO N.° 114 DE 20 DE MAIO DE 1912 13
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Não quero tomar tempo à Câmara. Sôbre os consulados gerais voltarei à discussão na especialidade, e então conversarei com o Sr José Barbosa, que já não está longe disso, da necessidade de manter a organização do Ministério como estava a princípio
Hoje estamos numa questão de organização, já não é de economia. S. Exa. já diz que devemos gastar.
Pelo que diz respeito às considerações do Sr. Gastão Rodrigues, responderei a S. Exa. quando se discutir a especialidade.
O Sr. Pereira Cabral: - Eu continuo com a convicção arreigada de que quando se elaborou êste orçamento do Ministério dos Estrangeiros não se pretendeu fazer economias.
O Sr. Ministro dos Estrangeiros não nos convenceu da necessidade de manter as nossas legações na China, Japão, Viana, S. Petersburgo, Stockolmo e de as substituir por consulados gerais; invocou apenas argumentos de ordem diplomática, visto que não nos provou que sejam necessárias.
Êste orçamento tem várias cousas curiosas.
Temos o nosso consulado em Bangkok com que se gastam 4:000$000 réis e cujo rendimento é de 3:000$000 réis. Eu vejo o intérpete em Bangkok ganhando 1:400$000 réis, e em Shangai e em Cantão a mesma cousa.
Ora eu tenho a certesa absoluta de que tanto na China, como no Sião, se obtêm um intérprete muito mais barato; mas o cônsul ainda acha pouco e pede mais, e quere que seja nomeado tambêm um secretário e que faça parte da carreira consular.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - A comissão de finanças, que estudou o caso, e de opinião que sim.
O Orador: - Estou no pleno direito de ter a minha opinião pessoal. Já sei o motivo por que se pede mais aumento para o interprete: é para lá se colocar o filho do cônsul.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - O filho do cônsul é funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Orador: - Há ainda outro assunto: é a questão dos professores portugueses no estrangeiro. Teoricamente é uma cousa muito bonita, mas na prática não dá resultado algum.
O Sr. José Barbosa: - Creio que S. Exa. labora num equívoco. Para o lugar pode ser o filho de alguém; mas é evidente que não pode ser para o filho do cônsul, visto que é um lugar para o qual o Govêrno nomeará quem entender.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - O Sr. Pereira Cabral está a confundir o filho do vice-cônsul com o secretário intérprete. Mas isso não vale a pena discutir na generalidade.
O Orador: - Estava referindo-me à questão dos professores portugueses no estrangeiro
Em Joanesburgo há mil e tantos portugueses. Compreende-se que a primeira necessidade que tem um emigrante que não fale senão português é de aprender inglês, estando numa colónia inglesa. Mas há mais. Fundou-se lá uma associação que tem um professor de português para ensinar português. Pois nem um foi ás aulas nocturnas. Portanto, acho desnecessária a criação duma aula de português.
Quando se tratar da discussão na especialidade mandarei para a mesa várias propostas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O Sr. Celorico Gil: - Sr. Presidente : pedi a palavra para tratar da supressão do consulado de Ayamente. que foi criado por motivo dos conspiradores. Entendo que é absolutamente desnecessária a conservação dêsse consulado.
Hei-de propor, portanto, na devida altura, quando se tratar da especialidade, a supressão dêsse consulado, e a sua substituição por vice consulado de 4.ª classe.
Visto que estou com a palavra, tenho a declarar que, continuando coerente com as minhas ideas, e as ideas do partido evolucionista que quere, acima de tudo, economia e administração, estava para apresentar um projecto eliminando várias legações. Ao referir, porem, isto, a um membro desta Câmara, êle me disse que já tinha formulado um projecto nesse sentido. Por essa razão é que não apresento o meu.
Ainda coerente com os meus principies de economia, devo dizer que concordo, plenamente, com o parecer da comissão.
Nós temos de fazer as mais extraordinárias economias e é, precisamente, no Ministério dos Estrangeiros que nós devemos fazê-las.
Portugal não se encontra em condições de estar a fingir que tem dinheiro, quando todo o mundo sabe que êle lucta com dificuldades.
Um país que tem 75 mil contos de receita e paga 20 e tantos mil contos de encargos; um país, em que ficam, apenas, livres cêrca de 50 mil contos, para pagar ao exército, à marinha, aos funcionários públicos, a tudo, emfim, tem, necessáriamente, de ter muito juízo, para continuar a sua vida administrativa, que é o mesmo que dizer, a sua vida própriamente dita.
Eu, desde o primeiro dia em que entrei nesta casa, não me farto de gritar, constantemente, que é necessário fazer economias; que nos devemos deixar de estar a fingir que temos dinheiro, quando, lá fora, se sabe qual a nossa situação financeira.
Eu comparo essa situação à daqueles comerciantes que fingindo-se ricos, andam ostentando belos carros nas Avenidas, estando, porem, em vésperas de quebrar.
Ora, quanto melhor não é, êsses indivíduos apresentarem-se modestamente, e confessaram as suas dívidas? Para êsses nós temos comiseração e, para os outros, só devemos ter o desejo de os ver quebrar, o mais depressa possível.
Contra o que se diz vulgarmente, eu estou e estarei sempre pronto a sustentar, que Portugal ainda hoje é um país muito rico: tem tudo quanto precisa para viver; mas somos pobres, em questão de juízo e de administração.
Logo que Portugal se resolver duma vez para sempre, a deixar êsses meios de fazer política, e quando tiver juízo e administração, nós seremos um pais nas melhores condições.
Diz-se que não temos o carvão de pedra. Temo-lo, como, por exemplo em Angola; temos o cobre, temos os minérios em grande abundância, mas, o que é necessário é arrancá-los da terra.
Eu vi o extraordinário carinho com que o Sr. Presidente do Ministério quis aguentar, desde o nosso Ministro em Tânger, até êsses 7 ou 8 cônsules, que se quer eliminar. E, se o Govêrno não tivesse essa opinião, eu estranharia, porque, do actual Govêrno, eu espero tudo.
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14 DIÁRIO DA CAMAEA DOS DEPUTADOS
Logo senti que começava a ranger o pedestal da República; e, se nós ainda deixarmos continuar o actual Govêrno no poder, será o último dêste simpático regime.
Repito, mais uma vez: não se diga que eu tenho antipatia pelos Ministros, tenho, até amisade com a maioria dêles; são homens honestos; mas isso só não chega. Temos que sustentar a República e defender a Pátria de mil e quinhentos perigos, que a cercam.
Ora, eu mão julgo o Govêrno com competência para isso.
Sôbre medidas de fomento, fui eu o primeiro a dizer, que o Govêrno nada tinha apresentado, senão a estafada questão do pagamento de direitos em oiro. E disse, mais duma vez, o que se está confirmando: que as praças de Lisboa e Pôrto sempre haviam de lamentar isso.
De resto, mais nada.
Ainda há dias um Deputado daquele lado da Câmara indicava medidas ao Govêrno e recomendava cortes. Esperava eu que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros respondesse que faria êsses cortes; mas vi o contrário.
Com efeito, para que serve um Ministro em Stockolmo? Dirá S. Exa. que a verba é de 8 contos; mas, com 8 contos, temos juros para se fazer uma reserva de 100 contos; e, com 100 contos, pode-se fazer grandes melhoramentos.
Para que nos serve o nosso Ministro em Tanger? Estamos a viver das glórias passadas?
É necessário que isso não continue. É necessário fazer economias e não ter pessoas, representantes duma nação cheia de dívidas e de calotes, que a monarquia deixou.
A República só pode viver, ouçam bem o Sr. Presidente do Ministério e os vários presidentes dêsse Ministério, se nós tivermos forca e, sobretudo, se fizermos administração.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se na generalidade o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na discussão da especialidade.
Vai ler-se o artigo 1.° do apenso A.
Lê-se na mesa.
APENSO A
Projecto de disposições de carácter permanente
Artigo 1.° É suprimida a legação em Tânger e criado em Marrocos um consulado geral a cargo dum cônsul de 1.ª ou 2.ª classe, com a seguinte dotação:
[Ver tabela na imagem]
Art. 2.° O vice-cônsul, chanceler ou encarregado de consulado que substitui um cônsul de 1.ª, 2.ª ou 3.ª classe será remunerado com metade da verba para despesas de residência assinada a êste na razão do tempo da interinidade.
Fica assim modificado o artigo 62.° do decreto, com fôrça de lei, de 26 de Maio de 1911.
Art. 3.° Quando os empregados do corpo diplomático
ou consular se ausentem dos seus lugares em serviço previsto em lei ou por ordem do Ministro e em serviço especialmente determinado por uma portaria, continuarão a perceber os seus vencimentos, deduzida a parte que couber a quem os substituir.
Fica assim modificado o artigo 80.° do decreto, com fôrça de lei, de 25 de Maio de 1911.
Art. 4.° A licença, por motivo de doença comprovada, até dois meses em cada ano, será concedida ao empregado da Secretaria com o ordenado e gratificação por inteiro e metade da verba para despesas de representação ou residência.
Fica assim modificado o artigo 82.° do decreto com fôrça de lei, de 26 de Maio de 1911.
Art. 5.° Ao empregado diplomático ou consular, em disponibilidade ou em serviço activo, que for chamado a servir ou demorado era serviço temporariamente, não são aplicáveis, emquanto durar essa comissão, os preceitos do artigo 89.° e do artigo 88.° e ser-lhe hão abonados os respectivos vencimentos, deduzida a parte que couber a quem o substituir.
Fica assim modificado o artigo 91.° do decreto, com fôrça de lei, de 26 de Maio de 1911.
Art. 6.° Pela verba arbitrada para despesas de material e expediente, o chefe da missão ou o cônsul pagarão ao respectivo encarregado a importância daquelas que êste houver feito.
Art. 7.° Os vencimentos dos empregados diplomáticos e consulares começam a contar-se integralmente do dia em que tomarem possam e entrarem em exercício, não lhes podendo antes dessa data ser abonados mais do que os ordenados de categoria.
Fica assim modificado o artigo 98.° do decreto, com fôrça de lei, de 26 de Maio de 1911.
Art. 8.° A administração superior do Palácio de Belém pertence ao secretário geral da Presidência da República.
§ 1.° O secretário geral da Presidência da Republica organizará, como fôr mais conveniente, os serviços dessa administração e aproveitará o pessoal segundo as suas aptidões.
§ 2.° A organização dos serviços de guarda, conservação e administração do Palácio e a distribuição do pessoal ficam sujeitas à aprovação do Ministro das Finanças.
§ 3.° Os vencimentos constantes da tabela n.° 7, que acompanha o decreto com fôrça de lei de 26 de Maio de 1911, continuarão a ser abonados ao pessoal do Palácio de Belém, emquanto não forem alterados por deliberação legislativa.
§ 4.° As vagas que forem ocorrendo em qualquer das classes do pessoal fixado na tabela do Orçamento vigente, serão preenchidas, dentro das respectivas categorias, pelo pessoal dos antigos paços riais ou pelo pessoal adido ou em disponibilidade de qualquer Ministério.
5.° Ficam por êste artigo e seus parágrafos modificadas e em parte revogadas as disposições do capitulo li do título v do decreto com fôrça de lei de 26 de Maio de 1911, (artigos 115.°, 116.°, 117.°, 118.° e seu § único).
Art. 9.° São suprimidos os consulados gerais em Berlim, Londres, Madrid, Paris e Roma e os serviços consulares nessas capitais passam a depender das legações nas quais prestarão serviço, para êsse fim, cônsules de 1.% 2.a, ou 3.ª classe, aos quais serão abonadas para despesas de residência, verbas iguais às que nas respectivas legações percebem para despesas de representação os funcionários diplomáticos de igual categoria e para despesas de material e expediente as seguintes quantias:
[Ver tabela na imagem]
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Picam assim modificadas as tabelas em vigor e as disposições, que se lhes referem, do decreto de 26 de Maio de 1911.
Art. 10.° Ficam alteradas as tabelas do decreto de 26 de Maio de 1911 e da proposta orçamental, como segue:
a) São fixados respectivamente em 2:000, 3:800 e 1:300 escudos, os auxílios para rendas das casas das legações em Londres, Berlim e S. Petersburgo.
b) São fixadas em 5:000 e 3:000 escudos respectivamente as verbas para despesas de representação dos Ministros em S. Petersburgo e Maia.
c) A verba para despesas de material e expediente do consulado em Liverpool é fixada em 900 escudos; a das despesas de residência do cônsul em Boma é fixada em 3:000 escudos; o abono ao cônsul de 4.ª classe em Santos e fixado em 1t:000 escudos,
11.° Art. É criado um lugar de secretário-intérprete no consulado em Bangkok com o ordenado de categoria de 600 escudos e o abono de residência de 1:000 escudos, devendo a nomeação recair em cidadão português devidamente habilitado para desempenhar as funções de intérprete e tradutor do consulado e para coadjuvar e substituir o cônsul no seu impedimento ou ausência.
Art. 12.° A legação de Roma (Vaticano) passa a ser de 2.ª classe com a seguinte dotação:
Despesas de representação .... 3:600 escudos
Material e expediente .... 400 "
Auxílio para renda de casa .... 500 "
Ficam assim alteradas as tabelas e as disposições, relativas a essa legação, do decreto de 26 de Maio de 1911.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Sr. Presidente: julgo ser inoportuno e um grave êrro político ir suprimir, desde já, a legação de Tanger.
Nós não somos uma potência de 1.ª ordem e, por consequência, não podemos tomar a iniciativa de realizar êsse acto político.
Não desenvolverei os motivos pelos quais nós não deveremos fazer isso, porque, certamente, toda a Câmara os conhece, e só direi quais são essas razões, se algum Sr. Deputado assim o desejar.
O orador não reviu.
O Sr. José Barbosa: - Sr. Presidente: eu não posso concordar com a opinião do Sr. Presidente do Ministério, porque, se nós fôssemos suprimir a nossa legação em Tânger, não tomaríamos a iniciativa dêsse acto político, pois que a Rússia já extinguiu a legação que ali tinha.
Não sou eu que pregunte a S. Exa. por êste facto, porque discordando absolutamente de tal processo parlamentar, pelo qual em matéria internacional se não discute cousa alguma, discordando disto, porque a política internacional deve ser feita abertamente, não havendo segredos, eu entendo que esta legação pode ser suprimida sem o menor desprestígio para Portugal, sem o menor agravo para as nossas relações com Marrocos.
Pelo contrário, suponho que seria uma grande prova de amizade à França, a afirmação definitiva de que nós não temos a menor dúvida de que a França tem ocupado, por acôrdo de todas as potências, êsse império, que a França definitivamente ocupa, pois tem lá 46:000 homens, e V. Exa. sabe que a Franca não hesita em dobrar êsse número ou triplicá-lo.
É uma questão liquidada; Marrocos entra absolutamente dentro da zona colonial francesa ao norte de África.
Assim como nós temos um cônsul na colónia belga do Congo, limitemo-nos a ter um cônsul modesto em Marrocos, porquanto ali a vida é barata.
Manter esta legação terá grande utilidade de carácter internacional, mas eu não a conheço.
O Sr. Ministro insiste nisso; de contrário S. Exa. veria, como eu vejo, que à França só seria grato a nossa iniciativa.
Iríamos atrás da sua mais íntima amiga, da Rússia, que deu logo à França esta prova de estima, deixando de ter Ministro Plenipotenciário em Tânger.
Sr. Presidente, a nossa legação em Tânger, substituída por um consulado, não representa somente uma deferência para com a França, representa para nós uma economia.
É inútil nós termos esta legação, não nos produz cousa alguma como prestígio.
Eu entendo que esta legação é inútil e que conviria dar esta prova de deferência à França.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos):- Ante-ontem, no Parlamento alemão, um Deputado propôs a suspensão da legação alemã em Tânger, e o Ministro dos Estrangeiros da Alemanha disse que não estava ainda completamente regulado o novo estatuto internacional de Marrocos, e que por isso entendia que não era chegado o momento de suprimir essa legação.
O Sr. José Barbosa: - Ante-ontem!
O Orador: - Sim senhor.
O Sr. José Barbosa entende que devemos ir mais longe que o Ministro dos Estrangeiros da Alemanha. Isso não entendo eu.
O Sr. José Barbosa: - Nós não temos obrigação nenhuma de sermos satélite da Alemanha
O Orador: - Mas temos a obrigação internacional de não ir adiante das grandes potências num assunto dêstes, porque temos tratados assinados.
O Sr. Pereira Cabral: - É uma questão de economia.
O Orador: - É de ordem internacional. Nós assinámos tratados e não podemos pôr de banda êsses tratados emquanto uma convenção internacional não regular o assunto; não é assim, de ânimo leve, que se procede; assinámos o tratado de Madrid, a convenção de Algeciras.
Nestes termos mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho a seguinte emenda ao artigo 1.° do Apenso A:
Artigo 1.° Será oportunamente suprimida a legação em Tânger, etc. = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos.
Foi admitida.
O Sr. José Barbosa: - A questão, quanto ao artigo 1.° do Apenso A, está posta nestes termos: é oportuna ou não suprimir a legação?
Se pertencemos ao sistema político internacional, a cuja frente se encontra a Alemanha, está muito bem; se pertencemos ao grupo opposto, não seguimos a Alemanha.
O Sr. Brito Camacho: - A que grupo pertencemos nós?
O Orador: - Pertencemos ao grupo da Inglaterra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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16 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Não podemos suprimir essa legação, porque pela convenção de Algeciras fazemos parte do Banco de Marrocos. Temos representação nesse Banco
O orador não reviu.
O Sr. José de Abreu: - Entendo que a comissão de finanças não tem competência para propor a supressão da legação de Tânger. Só o Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros, como chefe do corpo diplomático, pode dizer qual o momento para ser suprimida essa legação. Por isso limito-me a mandar para a mesa a seguinte:
Proposta
Proponho que no orçamento da despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, seja mantida, e até que o respectivo Ministro o julgue necessário e conveniente, a dotação da legação de Tânger, com a categoria de legação de 2.ª classe, nos termos constantes da respectiva proposta orçamental = José de Abreu.
Foi admitida.
O Sr. Jacinto Nunes: - Para declarar que dou o meu voto à proposta do Sr. José de Abreu, porque Portugal, como país pequeno, não deve ser o primeiro a reconhecer a conquista de Marrocos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito sôbre o artigo 1.° do apenso. Vae votar-se, portanto, a emenda apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Cunha Macedo: - Requeiro a contagem. Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs Deputados.
É lida e aprovada a emenda.
O Sr. Celorico Gil: - Requeiro a contraprova. As economias da oposição são assim.
Feita a contraprova, é novamente aprovada.
É lido e aprovado o artigo 1.°, com a emenda.
Lê-se e entra em discussão o artigo 2.°
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Parece-me que o artigo 2.° tem toda a razão de ser; mas necessita duma pequena alteração, de forma a adoptar está disposição, a partir dos primeiros trinta dias. Porque é violentíssimo deslocar um funcionário, de Paris ou Londres, e obrigá-lo a vir a Lisboa.
Por isso, deve-se juntar ao artigo 2.°, o que vai referido na seguinte
Proposta Proponho a seguinte substituição:
"Os vencimentos dos empregados diplomáticos e consulares começam a contar-se do dia em que partem para o seu destino, com metade das despesas de representação ou residência até a posse efectiva do cargo em que possam perceber a totalidade dos seus vencimentos". = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos"
O Sr. José Barbosa: - Mas, durante êsses trinta dias, por que verba se lhes paga?
O Orador: - Não ganham. É o primeiro secretário, quem fica durante êsses trinta dias, mas não ganham a metade da verba de residência.
O Sr. José Barbosa: - Não ganham nada.
O Orador: - Ganham o que estavam ganhando. É violenta esta imposição a um cônsul, que não se pode chamar a Lisboa, forçando o a despesas, e reduzindo-se-lhe, logo, a metade da verba.
O orador não reviu.
Lida na mesa é admitida, e aprovada sem discussão, bem como o artigo.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - Nos termos do Regimento, invoco o parágrafo 2.° do artigo 116.°, pedindo que a mesa me informe sôbre quantos Deputados estavam de pé, e quantos assentados.
O Sr. Presidente: - V. Exa. refere-se a esta votação? Mas ela já está feita.
O Sr. Carlos Olavo: - Depois da votação estar feita, não pode ser,
O Sr. Presidente: - O Regimento diz:
Leu.
Ora isso é comigo; e S. Exa., se quere, pode pedir a contraprova.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - O que eu posso pedir é que a mesa me informe sôbre quantos Deputados estavam de pé e quantos sentados.
O Sr. Presidente: - Vai portanto, fazer se novamente a votação. Se os Srs. Deputados saem da sala, eu não posso proceder a nova votação.
O Sr. Afonso Costa: - Mas não há nova votação.
O Sr. Carlos Olavo: - V. Exa. informa-me se alguém requereu a contagem?
O Sr. Presidente: - Sim, senhor; foi o Sr. Mesquita de Carvalho.
O Sr. José de Abreu: - Invoco o parágrafo 2.° do artigo 116.°, citado pelo Sr. Mesquita de Carvalho e que diz:
Leu.
Isto é, o secretário conta os Deputados que estão de pé e os sentados, comunicando-o, depois, a V. Exa. Havendo dúvidas, faz se uma contraprova.
Era isto o que o Sr. Mesquita de Carvalho devia ter requerido.
O Sr. Presidente: - V. Exa. diz muito bem; mas o que é certo é que não há número para a votação.
O Sr. José de Abreu: - V. Exa. adopta êsse princípio, mas é um mau princípio.
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SESSÃO N.° 114 DE 20 DE MAIO DE 1912 17
O Sr. Presidente: - O Sr. Mesquita de Carvalho quere requerer a contraprova, mas a minha consciência diz que não há número na sala para se votar.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - V. Exa. dá-me um esclarecimento?
Qual é a disposição em que se funda, para negar à Câmara a informação sôbre quantos Deputados estavam de pé e quantos assentados?
O Sr. Presidente: - Para que é exigir, então a contraprova?
O Sr. Mesquita de Carvalho:-Eu não reclamo a contraprova; só requeiro que V. Exa. me informe sôbre quantos Deputados estavam de pé e quantos assentados.
O Sr. José de Abreu: - Pelo Regimento, V. Exa. não pode requerer. Isso só havia de ser no momento da votação.
O Sr. Presidente: - Convido os Srs. Deputados a ocuparem os seus lugares.
O Sr. Manuel Bravo: - Invoco o parágrafo 2.° do artigo 116.° do Regimento.
O Sr. Presidente: - Parece-me que o Sr. Manuel Bravo quer interpretar o parágrafo 2.° de artigo 116.°
O Sr. Manuel Bravo: - Eu só quero que êle seja lido.
O Sr. Presidente: - Vou ler.
Leu.
Entendo que estas palavras "declarando cada um o número dos que contam" significam que a declaração é, depois, feita ao Presidente (Apoiados).
Compreende-se que o secretário não pode dizer â Câmara o que contou. Di-lo ao Presidente, e êste declara se está aprovado ou não.
Vai proceder-se à votação do artigo 2.° com a emenda.
Vozes: - Já está votado.
Lido na mesa é aprovado, bem como a emenda.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, e novamente aprovado.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - Nos termos do parágrafo 2.° do artigo 116.° do Regimento, requeiro a V. Exa. que me informe sôbre quantos Deputados estavam de pé e quantos sentados.
O Sr. Presidente: - S. Exa. não pode exigir que se faça isso para esta votação.
Na votação que se seguir, eu atenderei S. Exa. Mas, com mágua devo dizer-lhe que isso é uma falta de confiança no Presidente da Câmara.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - Eu não posso fazer êste requerimento senão depois da votação efectuada. E a razão é simples. O Regimento impõe ao secretário fazer a contagem, e só depois disso é que se pode ver qual o número dos que votaram.
O Sr. Presidente: - Isso é em votações nominais.
O Sr Mesquita de Carvalho: -Perdão, é em qualquer votação.
O Sr. Presidente: - Os nomes dos Deputados que aprovam ou rejeitam, só vem publicados quando é uma votação nominal.
O Sr. Mesquita de Carvalho: Eu refiro-me ao número.
O Sr. Presidente: - É tambêm provável que algumas vezes isso suceda, quando - e S. Exa. o sabe - o Presidente tem dúvidas sôbre o número de Deputados levantados e sentados. Então êle, por si, manda contar e diz depois, para livrar a sua responsabilidade, qual o resultado.
Vai entrar em discussão o artigo 3.°
Foi lido na mesa.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Mando para a mesa a seguinte emenda:
Proposta Proponho a seguinte substituição ao artigo 3.°:
"Quando os empregados do corpo diplomático ou consular se ausentem dos seus lugares em serviço previsto em lei ou por ordem do Ministro em serviço especialmente determinado por uma portaria, continuarão a perceber os seus vencimentos durante os primeiro trinta dias de ausência do seu pôsto.
A partir do trigésimo dia, ser-lhe há reduzida a parte que couber a quem os substitua". = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos.
Lida na mesa, é admitida e fica em discussão.
O Sr. José Barbosa: - A comissão está de acôrdo com essa emenda de substituição.
Lido o artigo, é rejeitado sendo aprovada a emenda de substituição.
O Sr. José Barbosa: - Por parte da comissão de finanças, e antes da leitura do artigo imediato, quero observar o seguinte.
Diz o artigo 4.°
Leu.
Ora, isto não está certo; faltam as seguintes palavras.
Leu.
Foi um êrro de revisão. Mando, portanto, para a mesa, a seguinte emenda:
Proposta
Ao artigo 4.°
Entre as palavras "inteiro" e "a metade", diga-se: "e ao funcionário diplomático ou consular com o ordenado por inteiro". = Pela comissão, o relator, José Barbosa.
Lida na mesa, é admitida.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos):- Concordo, perfeitamente, com a modificação a êste artigo, e ainda irei mais longe do que o Sr. José Barbosa. Venho propor uma substituição ao parágrafo 1.° dêsse artigo, que diz:
Leu.
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18 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
E eu proponho o seguinte:
Leu.
Parece-me que esta modificação é acceitável. Mando, portanto, para a mesa, a seguinte
Proposta
Proponho o seguinte aditamento ao artigo 4.°:
"§ 1.° Em casos excepcionais o Ministro poderá prorrogar mensalmente êste prazo até seis meses.
Fica assim modificado o § 1.° do artigo 82.° do decreto com fôrça de lei de 20 de Maio de 1911". = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos.
É admitida.
Lida na mesa, é admitida.
Aprovou-se o artigo 4.º com as emendas propostas pelo Sr. José Barbosa e Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se para entrar em discussão o artigo 5.°
Leu-se.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho a seguinte emenda ao artigo 5.° Substituir as palavras, a seguir ao número do artigo 88.° pelas seguintes: durante os primeiros trinta dias a partir do 30.° dia ser-lhe há deduzida a parte que couber a quem os substituir. = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos.
Foi admitida.
Foi aprovado o artigo 5.° com a emenda proposta pelo Sr. Presidente do Ministério.
Aprovou-se em seguida, sem discussão o artigo 6.°
O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o artigo 7.°
Leu-se.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que ao artigo 7.° do Apenso A se faça a seguinte emenda:
Acrescentar as seguintes palavras "começado a contar da terminação dos primeiros trinta dias". = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto de Vasconcelos.
Foi admitida.
O Sr. José Barbosa: - Pedi a palavra para declarar, por parte da comissão, que concordo com a proposta.
O Sr. José de Abreu: - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que seja eliminado o artigo 7.° do Apenso A do parecer da comissão de finanças, mantendo-se em toda a
sua plenitude o artigo 98.° do decreto, com fôrça de lei, de 26 de Maio de 1911. = O Deputado, José de Abreu.
Foi admitida.
Foi rejeitada a proposta do Sr. José de Abreu.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para se votar, a proposta do Sr. Presidente do Ministério e o artigo.
Leu-se.
O Sr. José Barbosa: - Requeiro que a votação se faça por partes.
Foi aprovado.
Foi rejeitada a primeira parte e aprovada a segunda com a substituição do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o artigo 8.°
Leu-se.
O Sr. Álvaro Poppe: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma emenda ao § 4.° do artigo 8.° Diz-se aqui:
Leu.
V. Exa. compreende bem que é absolutamente justo que não se deixe ficar sem emprego, e, por consequência, sem dinheiro para a sua alimentação, o pessoal dos antigos paços riais, mas tambêm a República tem obrigação de se defender. Não podemos chegar a êste triste aspecto do Sr. Presidente da República entrar como hóspede no Paço de Belém, porque o que lá está são antigos criados dos paços riais. Estou crente que serão todos muito boas pessoas, mas o que é certo é que há lá criados com trinta anos de serviço e a História ensina-nos que os áulicos, depois de tanto tempo de serviço, dedicam grande afeição aos patrões.
Entendendo, portanto, que não se deve reservar exclusivamente para êles êsses lugares, sendo mesmo necessário prevenir a hipótese das vagas não poderem por êles ser preenchidas convenientemente, mando para a mesa a seguinte
Proposta Artigo 8.°:
§ 4.° Depois das palavras:
"Serão preenchidas acrescentar "quanto possível". = Álvaro Poppe.
Foi admitida.
O Sr. José de Abreu: - Pedi a palavra para fazer, pouco mais ou menos, as considerações que acaba de fazer o Sr. Deputado Álvaro Poppe.
Limito-me, portanto, a mandar para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que ao § 4.° do artigo 8.° do Apenso A se acrescentem às palavras "serão preenchidas" as palavras, "sempre que for possível ou conveniente". = José de Abreu.
Foi admitida.
O Sr. Ezequiel de Campos: - Mando para a mesa um parecer.
Foi mandado a imprimir.
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SESSÃO N.° 114 DE 20 DE MAIO DE 1912 19
O Sr. José Barbosa: - Pedi a palavra simplesmente para dizer que a comissão deixou ao Govêrno o escolher entre o pessoal dos antigos paços e adidos dos Ministérios; no emtanto não tenho dúvida em concordar com a proposta do Sr. José de Abreu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Pedi a palavra para declarar que, da mesma forma que o Sr. José Barbosa, prefiro a emenda do Sr. José de Abreu à do Sr. Álvaro Poppe.
Foi aprovada a proposta do Sr. José de Abreu. Foi aprovado o artigo 8.°.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se para entrar em discussão o artigo 9.°.
Leu-se.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Como não desejo cansar a Câmara com largas considerações sôbre o assunto, limito-me a declarar que sou de parecer que se deve manter o que está no projecto, porque o contrário é prejudicar a nova orientação seguida pelo Ministério dos Estrangeiros.
O orador não reviu.
O Sr. José Barbosa: - Insisto nas ideas que sôbre êste assunto já expendi, pois que não me convenceram os argumentos do Sr. Presidente do Ministério. A Câmara resolverá como, em seu critério, melhor entender.
O orador não reviu.
O Sr. José de Abreu: - De harmonia com as declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério, em relação à nenhuma conveniência da supressão dos consulados, mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho a eliminação do n.° 9.° do artigo A do parecer da comissão de finanças. = José de Abreu.
Foi admitida.
O Sr. José de Abreu: - Requeiro a contagem.
Pausa.
O Sr. José de Abreu:-Desisto do meu requerimento.
O Sr. Celorico Gil: - Faço meu o requerimento do Sr. Deputado José de Abreu.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Procede-se à chamada, respondendo os Srs. Deputados:
Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Augusto da Costa, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Guilherme Howell, Álvaro Poppe, Amilcar da Silva Ramada Curto, António Alberto Charula Pessanha, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Caetano Celorico Gil, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António Joaquim Granjo, António José de Almeida, António José Lourinho, António Maria de Silva, António Pádua Correia, António Pires Pereira Júnior, António Silva Gouveia, António Valente de Almeida, Aquiles Gonçalves Fernandes, Baltazar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava), Francisco Cruz, Francisco de Sales Ramos da Costa, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Henrique José Caldeira Queiroz, João Camilo Rodrigues, João Gonçalves, João José Luís Damas, João Pereira Bastos, Joaquim Brandão, Jorge Frederico Velez Caroço, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araújo, José Jacinto Nunes, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, José Perdigão, José Tristão Paes de Figueiredo, José Vale de Matos Cid, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel Gregório Pestana Júnior, Manuel José da Silva, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rosa, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Rodrigo Fernandes Fontinha, Tiago Moreira Sales, Vitorino Henriques Godinho e Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: - Estão presentes apenas 73 Srs. Deputados, não havendo portanto número suficiente para se proceder á votação.
A próxima sessão é amanhã, às 13 horas e meia, sendo a ordem do dia.
Código Administrativo.
Projecto de lei n.° 111, criando um núcleo de colonização no planalto de Benguela.
Projecto de lei n.° 159, concedendo terrenos no ultramar a emigrantes israelitas.
Projecto de lei n.° 180.°, dispondo quanto à execução dos artigos 39.° e 167.°, da lei da separação do Estado e da Igreja.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Representarão
Exmos. Srs. Deputados da Nação Portuguesa. - O artigo 10.° do decreto de 14 de Outubro de 1910, dispõe o seguinte:
"Ninguém será conservado em custódia por mais de oito dias, contados do momento da primitiva detenção, salvo se o respectivo despacho não puder ser dado dentro dêsse prazo, em consequência de diligências judiciais requeridas pelo preso, devendo, porem, ainda neste caso fundamentasse expressamente a prolongação da prisão preventiva, que improrogávelmente terminará ao cabo dum novo período de oito dias, o mais tardar".
Ora, por esta disposição é evidente que toda a gente pode ser presa e encarcerada sem ter cometido crime ou delito algum, porque não há lei alguma que determine as condições da prisão, e garanta os cidadãos contra os abusos dos poderes públicos.
Mas ainda o mesmo artigo parte do princípio de que o arbítrio da prisão é um facto fundamental em Portugal, porque expressamente se refere á prisão preventiva, que
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é de origem puramente reaccionária, fundamentalmente antidemocrática.
As consequências desta situação política do povo português são as que êste povo oferece à civilização democrática europeia: são as prisões atulhadas de presos políticos, à ordem do Ministro do Interior, jazendo meses encarcerados, sem sequer as formalidades de processo, com todos os caracteres de puro discrecionarismo arbitrário. Isto é puro despotismo.
É a própria lei, é o mesmo artigo que estabelece êste arbítrio discrecionário, alegando impossibilidades, que determinam prorrogações de prazos absolutamente inconciliáveis com a dignidade dos cidadãos.
É a negação absoluta da democracia, e até do próprio liberalismo.
Por efeito d'esta disposição o juiz de investigação criminal exerce discrecionáriamente a função de mandar prender e encarcerar quem muito bem quiser, sem mais processo do que o seu arbítrio e sem mais responsabilidades do que as do Ministro do Interior, fundado ou não em hipóteses ou em denúncias jesuíticas, que tam bem se tem casado com o novo, como no antigo regime, as quais bastas vezes tem dado ocasião a exercerem-se vinganças odiosas e mesquinhas".
Desta maneira, o dito juiz ou o Ministro podem vitimar quem muito bem quiserem porque para isso não precisam de lei alguma, porque neste país predomina o arbítrio, prendendo-se o cidadão com a maior das simplicidades e com o maior dos desprezes pela lei escrita.
A lei é o poder, e assim se tem presos indivíduos indefinidamente, sem respeito algum pelos direitos adquiridos com tantos sacrifícios.
A lei determinando que o juiz inquira no prazo de oito dias, não ordena com clareza a soltura imediata do acusado, de modo que o juiz, alegando diversos pretextos, só dá o caso liquidado quando bem lhe parece, prorrogando a seu bei prazer o mesmo prazo legal.
Assim tem sido encarcerados pela justiça da República, muitos cidadãos, que a imprensa e a opinião pública apresentam como vítimas das autoridades públicas ou mesmo até de influentes políticos preponderantes.
Por sua parte, esta colectividade, que tem a honra de se dirigir à Câmara dos Senhores Deputados, aponta o facto de muitos indivíduos presos e ainda encarcerados desde há meses, como, por exemplo, foram por ocasião das ocorrências que tiveram lugar em 2 de Agosto, no Largo das Cortes, e de 26 de Novembro nas praças do Comércio e de D. Pedro, e mais recentemente as prisões por causa da chamada greve geral em 31 de Janeiro dêste ano, em que tam tristemente se assinalou a acção dos poderes públicos no nosso país, e ainda outros factos por que se conservam encarcerados cidadãos sem culpa formada alêm do prazo legal.
Foi para prevenir esta espécie de malfeitoria dos poderes públicos contra os cidadãos, que há mais de seis séculos o povo inglês goza da lei protectora do habeas corpus.
O objectivo fundamental desta lei é evitar que o cidadão seja injustamente encarcerado, e todo o seu processo tende a êsse fim.
O habeas corpus, como é sabido, garante o cidadão inglês contra todos os pretextos ou motivos de prisões arbitrárias, isto é, subtraindo os cidadãos ao arbítrio de quem quer que seja, que constitua ou não autoridade pública.
O habeas corpus fundamentalmente, não restitui à liberdade .os cidadãos encarcerados. Pelo contrário : evita que êles o sejam sem fundamentos jurídicos, sem provas nem indícios seguros de criminalidade, como sejam assassinatos e traições à integridade da pátria, provados por factos.
O encarceramento do cidadão inglês depende de tantas formalidades, que é mais difícil encarcerá-lo do que soltá-lo, porque não poderá ser preso sem provas ou indícios seguros de criminalidade.
Cometido um crime, e conhecido o seu autor, qualquer entidade, pessoal, policial ou judicial o pode acusar. Chamado á presença do juiz e justificada a acusação, o acusado é remetido para o tribunal policial. Qualquer destas entidades julga imediatamente, o policial no mesmo dia em que o preso lhe é remetido e o judicial na primeira reunião.
Se o acusado é mantido encarcerado mais de vinte horas, requere a aplicação do habeas corpus para ser solto. Êstes casos são muito raros, porque o julgamento é rápido. Geralmente êstes recursos não atingem cinco décimos de indigitados criminosos. Quere isto dizer que as prisões e encarceramentos injustificados são em número insignificantíssimo.
Expostos êstes princípios gerais que regulam a liberdade dos cidadãos ingleses e comparando as garantias do seu habeas corpus com o que ocorre em Portugal com relação à liberdade dos cidadãos portugueses, resulta estarmos atrasados em 650 anos da civilização inglesa, mesmo já na vigência da República.
Nesta lastimosa situação, e mesmo para honra das instituições republicanas, os signatários, representantes da Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem, solicitam do Parlamento da República a adopção dos princípios e das práticas consignadas na lei que regula a instituição do habeas corpus na Inglaterra, para que desde já a educação do povo seja dirigida num sentido puramente democrático, prático, permanente e insofismável.
Com êste fim entendemos ser necessário:
1.° Que a prisão efectuada em flagrante delito não seja mantida sem culpa formada mais de vinte e quatro horas, se o crime não é de assassinato, de fogo pôsto e de alta traição a favor de estrangeiros por actos civis, políticos e militares;
2.° Que os incriminados mantidos presos, salvos os casos do n.° 1, sejam julgados imediatamente:
a) Por juizes policiais nas cidades de Lisboa e Pôrto, devendo ser instituídos para os julgamentos de delitos inferiores;
b) Para os juizes ordinários os delitos de maior importância social;
c) Para os juizes de paz de todo o país as transgressões de carácter administrativo.
As causas policiais e administrativas serão resolvidas por processo sumário, com direito de recurso para os tribunais ordinários.
As atribuições dos juizes ordinários consistirão principalmente:
a) Em estabelecer acordos entre as partes litigantes;
b) Remeter o processo para ser julgado no tribunal;
c) Promover a liberdade do preso;
d) Reservar o julgamento da causa;
e) Instruir a causa e reenviá-la ao tribunal competente.
3.° A instrução do processo deve sempre ser pública com a assistência do advogado do acusado, se o tiver;
4.° Nunca o acusado poderá ser submetido a prisão ou processo secreto, nem interrogado fora das audiências;
5.° Quando o preso não seja pronunciado no prazo de vinte e quatro horas, será solto, e não o sendo, poderá promover processo contra as autoridades infractoras da lei, exigindo delas uma indemnização pelos prejuízos que a sua prisão lhe tenha causado;
6.° Todo o pedido do habeas corpus será absolutamente gratuito.
Estas simples indicações, que apresentamos como expressão dos intuitos desta agremiação, que foi fundada para a defesa dos princípios consignados na proclamação dos direitos do homem, em França, em 1789 e 1793, tem apenas por fim evitar que uma lei tam magnânima, como-
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a do habeas corpus, não seja interpretada e elaborada no sentido da nossa educação tradicional, e portanto falsificada nos seus intuitos e processos e nos seus fins humanitários.
Em suma, o fim supremo do habeas corpus é evitar que o cidadão seja preso e encarcerado pelo processo católico de suspeito ou pretexto de qualquer crime ou delito imaginário. Por isso em Inglaterra, com respeito a criminosos ou delinquentes, a última cousa que a justiça ali pratica é a sua prisão. Em Portugal a prisão e o encarceramento são os primeiros actos da justiça. É a estúpida e inquisitorial prisão preventiva praticada pela monarquia, e que tantas vezes tem sido já praticada pela nossa joven República.
Pelos motivos expostos, a Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem impetra do Poder Legislativo a promulgação duma lei que ponha o regime da justiça, da República, do século XX, a par da justiça da Inglaterra do século XIV.
Saúde e fraternidade.- Lisboa, 15 de Maio do 1912.- O Directório da Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem, Macedo de Bragança = Carlos Gonçalves = António Avelino Ribeiro = Júlio Martins Pires = Artur F. Neves.
O REDACTOR = Sérgio de Castro