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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

122.ª SESSÃO

EM 29 DE MAIO DE 1912

SUMÁRIO - Abre se a sessão, com a presença de todos os Srs. Ministros, à excepção do Sr. Ministro do Interior. - Lê-se e aprova-se a acta - Lê se o expediente e faz-se segunda leitura de propostas e projectos de lei - Trocam-se explicações, em que intervêm os Srs. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos) e Deputados Manuel Bravo, Afonso Costa, entre os Srs. Deputado Fernando de Macedo e Ministro da Guerra (Alberto da Silveira) a respeito duma nota de interpelação do primeiro e um ofício do segundo. O Sr. Presidente declara encerrado o incidente, com honra para o Ministro e para o Deputado.- O Sr. Ministro do Fomento (Estêvão de Vasconcelos) manda para a mesa uma proposta sôbre os cursos do Instituto Comercial e Industrial de Lisboa.- O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira) requere urgência para a discussão da proposta do Sr. Deputado António José de Almeida, e respectivo parecer, sôbre um inquérito ao Poder Judicial, visto que o Govêrno a considera como sendo de desconfiança para o mesmo Govêrno. Entrando em discussão esta proposta, usam da palavra sôbre ela os Srs. Deputados Jacinto Nunes, Vasconcelos e Sá, Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos), José Montez, Ministro da Justiça (António Macieira), Moura Pinto, Alexandre Braga, Júlio Martins, Pereira Vitorino, João de Menezes, Afonso Costa, Manuel Bravo, Carlos Amaro, Brito Camacho e António José de Almeida, sendo por fim votada nominalmente a moção do Sr. Deputado Alexandre Braga, com uma aditamento do Sr Deputado Brito Camacho, por 65 votos contra 27 -Esta sessão foi prorrogada, e nela houve um incidente entre os Srs. Deputados Júlio Martins e Carlos Amaro, que motivou a sua interrupção.- O Sr Deputado Fernando de Macedo requere sessão nocturna para o dia seguinte. - O Sr. Deputado Vitorino Guimarães apresenta diversos pareceres da comissão de finanças - Apresenta se um projecto de lei para a criação dum distrito administrativo em Lamego. - Requere documentos o Sr. Deputado Jacinto Nunes - Fazem declarações de voto os Srs. Deputados Nunes da Palma, Simas Machado, Álvaro Poppe, Pimenta de Aguiar e Fernando de Macedo - Encerra-se a sessão às 22 horas e marca-se a imediata para o dia seguinte.

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Presidência do Exmo. Sr. António Aresta Branco

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Francisco José Pereira

Abertura da sessão. - Às 14 horas.

Presentes - 79 Srs. Deputados.

São os seguintes: Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Afonso Augusto da Costa, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Maria Ladeira, Álvaro Poppe, Angelo Vaz, António Albino Carvalho Mourão, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Brandão de Vasconcelos, António França Borges, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António José Lourinho, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria da Cunha Marques da Costa, António Pádua Correia, António de Paiva Gomes, António Valente de Almeida, Augusto José Vieira, Baltasar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Casimiro Rodrigues de Sá, Eduardo de Almeida, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava), Francisco José Pereira, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, João Camilo Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Duarte de Menezes, João Machado Ferreira Brandão, Joaquim António de Melo Castro Ribeiro, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, Jorge de Vasconcelos Nunes, José Afonso Pala, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José de Barros, Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, João Botelho de Carvalho Araújo, José Jacinto Nunes, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, José Montez, José Pereira da Costa Basto, José Tomás da Fonseca, José de Vale Matos Cid, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel Gregório Pestana Júnior, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rica, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Rodrigo Fernandes Pontinha, Severiano José da Silva, Tomé José de Barros Queirós, Vítor José de Deus Macedo Pinto, Vitorino Henrique Godinho e Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Faltraram durante a sessão os Srs.: Adriano Mendes de Vasconcelos, Alberto Souto, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Alfredo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunas Ribeiro Álvaro Xavier de Castro, Amílcar da Silva Ramada Curto, António Amorim de Carvalho, António José de Almeida, António Maria Malva do Vale, António Maria da Silva, António Pires Pereira Júnior, António Silva Gouveia, Aquiles Gonçalves Fernandes, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Aureliano de Mira Fernandes, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Francisco de Sales Ramos da Costa, Gastão Rafael Rodrigues, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Gonçalves, João Pereira Bastos, Joaquim Brandão, Joaquim Teófilo Braga, José Dias da Silva, José de Freitas Ribeiro, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Perdigão, José 4a Silva Ramos, Jovino Francisco de Gouveia Pinto, Luís Inocêncio Ramos Pereira, Manuel José da Silva, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tiago Moreira Sales, Tito Augusto de Morais. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

Não compareceram à sessão os Srs.: Alfredo Guilherme Howell, Américo Olavo de Azevedo, Angelo Rodrigues da Fonseca, António Afonso Garcia da Costa, António Alberto Charula Pessanha, António Caetano Celorico Gil, António Cândido de Almeida Leitão, António Flórido da Cunha Toscano, António Joaquim Granjo, António dos Santos Pousada, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Domingos Leite Pereira, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Francisco Cruz, Francisco Luís Tavares, Francisco Xavier Esteves, Henrique de Sousa Monteiro, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Fiel Stockler, João José Luís Damas, João Luís Ricardo, José Barbosa, José Bessa de Carvalho, José Carlos da Maia, José Cordeiro Júnior, José Francisco Coelho, José Luís dos Santos Moita, José Maria Cardoso, José Mendes Cabeçadas Júnior, José Tristão Paes de Figueiredo, Luís Maria Rosete, Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães.

Presentes: 79 Srs. Deputados, estancio o Govêrno representado por todos os Srs. Ministros, à excepção do Sr. Ministro do Interior.

Procede-se à chamada..

O Sr. Presidente: - Tendo respondido à chamada n3 Srs. Deputados, declaro aberta a sessão e vai ler-se a acta.

É lida a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Encontrando-se presentes 79 Srs. Deputados, ponho a acta em discussão.

Foi aprovada.

Deu-se conta do seguinte

EXPEDIENTE

Telegramas

Do secretário e amanuenses administrativos de Miranda (Douro) e de Alcácer do Sal, pedindo sejam consignados seus ordenados no Código Administrativo.

Para a comissão de administração pública.

De Lamego. - Câmara Municipal Lamego solicita vivamente nome povo desta região imediata aprovação projecto de lei distrito Lamego. = Presidente Lopes da Gama.

Para a comissão de administração pública.

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Do Funchal - Câmara Deputados - Lisboa. - Reclamamos perante V. Exa. contra pretensão fabricante aguardente Pires para fazer aguardente sua fábrica com melaço proveniente fábricas matriculadas pois tal facto representa um monopólio estabelecido com fabricante açúcar que arruina indústria aguardente cana agricultura esperamos V. Exa. só permitirá fabrico aguardente cana e produtos unicamente extraídos falências distilação como sempre tem sido feito. = Grupo Agricultares e Industriais.

Para a comissão de agricultura.

Ofícios

Do Ministério do Interior, comunicando que os documentos requeridos pelo Sr. Deputado Carvalho Araújo já foram remetidos à Câmara.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, rogando que sejam transcritos novamente os requerimentos do Sr. Deputado Carvalho Araújo, para maior facilidade na sua satisfação.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, remetendo uma cópia do auto de prestação de contas efectuada pelo ex-governador civil de Vila Rial, Albino Maria de Carvalho Moreira.

Para a Secretaria.

Do Ministério das Colónias, remetendo vários documentos sôbre sindicâncias efectuadas na província de S. Tomé e Príncipe, em satisfação do requerimentos do Sr. Deputado Casimiro de Sá.

Para a Secretaria.

Representação

Dos alunos da Faculdade de Sciências da Universidade de Coimbra, pedindo que os alunos que frequentam o curso que lhes dá ingresso à Escola de Guerra ou os que estudarem o bacharelato daquela Faculdade ou das antigas de Matemática e Filosofia, sejam pessoalmente autorizados a seguir o curso de engenharia: de Liège, Gand, Charlottenburg, etc.

Foi admitido e enviado à comissão de instrução superior, especial e técnica.

Pedidos de licença

Do Sr. Carvalho Mourão, trinta dias de licença. Do Sr. Luís Rosete, trinta dias de licença. Do Sr. Américo Olavo, quinze dias de licença.

Para a comissão de infracções e faltas.

Segundas leituras

Projectos de lei

Quási meio século tem decorrido depois que foram registados na Província de Angola os primeiros casos de doença do sono.

Provável é que desde tempos mais remotos a letargia africana tenha feito a sua incursão naquela colónia, mas se esta grave endemia não começou com os primeiros casos observados na região de Quissama, na margem esquerda do Cuanza, em 1871, a sua acção anterior a esta data foi certamente insignificante, porque dela não há menção escrita, nem vestígio na tradição indígena da Província.

Desta região do Cuanza, que reúne as melhores condições naturais para o agente propagador da hipnose, e que pode ser considerada como o foco de irradiação principal da endemia, se estendeu esta de próximo em próximo a outras regiões, com tanta maior facilidade, quanto maior se ia tornando o movimento migratório indígena, determinado pelo crescente desenvolvimento dos trabalhos agrícolas e das relações comerciais.

Alguns anos bastaram para que a doença do sono se disseminasse em múltiplos focos endémicos numa grande parte da província de Angola, com maior ou menor intensidade, conforme a densidade da população e a frequência da glossina palpalis, que é o seu principal agente veículador nas regiões invadidas pelos portadores de tripanosomas.

Os resultados funestos da expansão da tripanosomíase humana não se fizeram esperar.

Regiões férteis e densamente povoadas, como as de Quissama, Cazengo, Golungo, caíram em profundo estado de decadência com a destruição de vidas humanas causadas pela doença do sono.

A antiga prosperidade das fazendas, como função que era da abundância da mão de obra indígena, transformou-se em ruína pela queda gradual da exploração agrícola, ficando as senzalas desertas ou quási completamente despovoadas.

Uma tal situação é grave pelo grande número de vítimas humanas que produz e pelos incalculáveis prejuízos económicos que dela derivam. Ao Estado cumpre portanto, por dever de humanidade, arrancar o maior número de pessoas à acção letal da doença e por salutar princípio de administração obstar à ruína económica dos empreendimentos agrícolas e comerciais que são a base principal da prosperidade de Angola.

É difícil e dispendiosa a empresa de remover um tam grande obstáculo à nossa acção cotonizadora, mas a mação é inadmissível dada a gravidade das circunstâncias.

Não possui a sciência por em quanto processo curativo ou profilático eficaz que possa restringir dum modo decisivo a propagação da hipnose e evitar completamente as suas funestas consequências, mas os trabalhos notáveis de Duton, Forde, Castellani, Bruce, Kleine e doutros investigadores, que desde 1901 vem acumulando numerosos factos scientíficos sôbre a etiologia, tratamento e profilaxia da doença do sono, habilitam-nos a adoptar providências de valia que nas mãos de ingleses, alemães e belgas tem evidenciado a sua eficácia, como bem o demonstram as campanhas empreendidas contra esta doença na Rodésia, na Uganda, no Congo e em outras regiões inficionadas, pela tripanosomíase humana.

A primeira medida que se impõe é o reconhecimento scientífico da distribuição geográfica da hipnose e das glossinas em toda a província de Angola.

É evidente que, sem se conhecerem dum modo completo os focos de endemicidade da doença e as regiões em que habitam os seus agentes propagadores, é impossível estabelecer um plano de luta que dê garantias de eficácia.

Ora êste estudo está em grande parte por fazer.

Sabe-se que a doença do sono faz muitas vítimas, que grassa em certas .regiões da colónia, que ameaça dum modo alarmante a população das que ainda se conservam indemnes ; mas não se conhecem com precisão as zonas infectadas, nem a distribuição geográfica das glossinas.

Há muito de vago nos conhecimentos que se possuem; o que é porêm certo e positivo é que os indígenas tem morrido e morrem por centenas e que regiões populosas se vão transformando em desertos, sem que providências oficiais tenham sequer tentado evitar estas hecatombes,

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lamentáveis por sentimento de humanidade e desastrosas por prejuízo de economia.

Todas as nações, que possuem colónias, onde grassa a doença do sono, estão adoptando rigorosas medidas de combate contra ela, distinguindo-se principalmente nestes empreendimentos a Inglaterra, a Alemanha e a Bélgica.

Acordos tem sido feitos entre estas potências para, por meio duma acção combinada, se estabelecerem providências profiláticas nos territórios limítrofes das suas respectivas colónias e muito recentemente solicitou a legação da Bélgica em Lisboa ao Govêrno Português que uma convenção sanitária seja feita entre os dois países para o combate da hipnose nos territórios do Baixo Congo belga e do nosso território de Cabinda.

Portugal não tem permanecido indiferente a êste grande movimento scientífico e humanitário de luta contra a doença do sono.

Era portuguesa a primeira missão médica que foi â África estudar a doença do sono e, se ela não teve a glória de descobrir o agente causal da hipnose, traçou, no emtanto, em quadros de inexcedível rigor scientífico, que mereceram honrosas citações, a sintomalogia e a anatomia patológica desta doença.

Na Ilha do Príncipe outra missão médica portuguesa esteve, durante um ano, estudando a tripanosomíase humana, e dos seus trabalhos resultaram as bases em que se firmou o decreto de 17 de Abril de 1911, que organizou a luta contra a doença do sono naquela ilha.

À nossa Escola de Medicina Tropical, por meio dos trabalhos de Aires Kopke, realizados em 1905, cabe a honra de ter tido a iniciativa de aplicar à terapêutica da doença do sono o atoxil, até então somente experimentado em animais inoculados com o tripanosoma Gambiense.

No nosso país tem, portanto, encontrado eco o movimento humanitário e scientífico que a doença do sono tem produzido nas grandes nações coloniais, mas, para que a nossa missão colonizadora não possa ser acusada da grave falta de não pôr em prática os recursos que a sciência aconselha, é indispensável que, embora com sacrifícios, se estabeleça em Angola uma campanha bem organizada contra a hipnose, para o que é necessário conhecer préviamente o terreno em que se vai operar.

Os benefícios que resultam dêsses estudos não se fazem sentir súmente no combate da tripanosomíase humana, mas recaem tambêm sôbre a riqueza pecuária da colónia, que está sendo duramente afectada pelas epizootias que dizimam os gados em larga escala.

Sabido é que são as moscas do género glossina, conhecidas pela designação vulgar de tsé-tsc, os agentes veículadores dalgumas graves doenças exóticas dos animais e é fácil, portanto, concluir a importância que terá para o agricultor e para o criador de gado o conhecimento exacto das regiões habitadas pela mosca, não só para que possam escolher os locais que melhor se prestam ao exercício da sua indústria, como tambêm paru evitar os caminhos em que o gado pode ser afectado, quando seja necessário obriga Io a longos percursos para venda, embarque ou para qualquer outro fim.

Eis os fundamentos do projecto de lei que tenho a honra de apresentar à vossa esclarecida apreciação:

Artigo 1.° Será organizada uma missão médica para estudar em Angola a distribuição geográfica da doença do sono e a das glossinas, de modo que fiquem rigorosamente delimitadas as zonas de endemicidade da hipnose e as áreas invadidas pelos seus agentes propagadores.

§ único. Além dos estudos e investigações a que se refere êste artigo, procurará a missão da doença do sono colher todos os elementos de informação, que, sem prejuízo do seu objectivo principal, possa obter não só quanto a outras doenças de feição tropical transmissíveis ao homem, como tambêm sôbre as epizootias que afectam a riqueza pecuária da colónia.

Art. 2.° A missão médica a que se refere o artigo antecedente será constituída por um médico-chefe, indicado pela Escola de Medicina Tropical e por mais três médicos nomeados por concurso público.

§ único. Se for necessário, o Govêrno, a requisição do governador geral de Angola, nomeará médicos doutros quadros de saúde para substituírem os que fizerem parte da missão emquanto esta durar.

Art. 3.° Para o estudo da distribuição geográfica da hipnose e das glossinas será dividida a província de An: gola em quatro zonas, correspondentes a cada um dos médicos que tem de realizar êsse estudo fora da capital da colónia.

Estas zonas são fixadas pelo governador geral, ouvidos a junta de saúde e o chefe da missão.

Art. 4.° O chefe da missão elaborará as instruções a que devem subordinar-se os médicos nos trabalhos de investigação nas suas respectivas zonas e terá a seu cargo a direcção e a vigilância dêsses trabalhos, e bem assim a coordenação de todos os elementos de estudo que pelos referidos médicos lhe forem enviados.

§ único. Os médicos da missão enviarão mensalmente ao respectivo chefe um relatório dos trabalhos executados no mês antecedente e bem assim todo o material de estudo que houverem colhido.

Art. 5.° É desde já criado em Loanda um serviço especial de estudo do tratamento da doença do sono, a cargo do director do Laboratório, que para tal fim terá à sua disposição uma enfermaria, onde serão tratados unicamente doentes portadores de tripanosomiase.

As despesas desta enfermaria serão custeadas pelo Hospital de Loanda.

Art. 6.° Os trabalhos da missão deverão estar concluídos no fim de dois anos, contados do inicio dos seus estudos.

§ único. Concluídos os trabalhos da missão, esta formulará um projecto de campanha contra a doença do sono em Angola, o qual deverá ser submetido á sanção do Govêrno, com a informação do governador geral e da junta de saúde da província.

Art. 7.° Os médicos da missão terão o vencimento único de 300$000 réis mensais durante o tempo em que efectivamente estiverem desempenhando os serviços de reconhecimento.

§ 1.° Ao médico que fizer o reconhecimento do México, e emquanto êste durar, será abonado o vencimento único de 400$000 réis mensais.

§ 2.° O chefe da missão receberá a gratificação mensal de 50$000 réis.

§ 3.° Os vencimentos e gratificação mencionados neste artigo e seus parágrafos não poderão ser abonados alêm do período de tempo fixado no artigo 6.° desta lei.

Art. 8.° É o governo de Angola autorizado a despender, com a missão da doença do sono, até a importância de 60:000$000 réis.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrário.

Ministério das Colónias, 27 de Maio de 1912. = O Ministro das Colónias, Joaquim Basilio Cerveira e Sousa de Albuquerque e Castro.

Admitido. Para a comissão de colónias.

Não coincidindo o actual ano económico com o ano civil e sendo em todas as sociedades de crédito, industriais e comerciais, bem como nas câmaras municipais, considerado ano económico o ano civil, proponho o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O ano económico para todos os efeitos de administração e contabilidade do Estado principia no dia 1 de Janeiro e termina em 31 de Dezembro.

Art. 2.° No segundo semestre de 1913 vigorarão as ta-

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belas do Orçamento que forem elaboradas para o ano de 1912-1913.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 27 de Maio de 1912. = Os Deputados. Francisco de Sales Ramos da Costa.

Admitido. Para a comissão de finanças.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me participar à Câmara que em 22 de Maio o Sr. Deputado Cunha Macedo enviou para a mesa, para ter o devido destino, uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Guerra.

Como é natural, e a Câmara fará a devida justiça à mesa, nem todas as cousas se lêem nela; mandei essa nota de interpelação, como mando todas, ao seu respectivo destino.

Se eu a tivesse lido, teria interferido, pedindo amistosamente ao Sr. Cunha Macedo para modificar um tudo nada a sua nota de interpelação, e estou certo de que S. Exa. acederia ao meu pedido, nos termos em que eu lho faria.

Veio a nota de interpelação, como é natural, publicada no Sumário das Sessões, e nesse mesmo dia, o Sr. Ministro da Guerra reenviou-a para a mesa, dizendo que não a podia aceitar, em virtude de se conter nela um número, o oitavo, que S. Exa. julgava uma suspeição infamante e um agravo pessoal.

Recebendo êste ofício, magoei-me, não pelo que nele se continha simplesmente, mas pelo que poderia vir a suceder, e tratei, particularmente, de ver se congraçava, e se isto tinha um fim, o de que tudo se passasse sem o trazer para a Câmara.

O Sr. Ministro da Guerra, mantêm o seu ofício e o Sr. Deputado Cunha Macedo mantêm a sua interpelação, de modo que, cumpria-me, como Presidente, esclarecer a Câmara sôbre o assunto, para que ela resolva sôbre o que eu tenho que fazer em relação a uma no ta de interpelação que por aqui passou, e que o Sr. Ministro da Guerra recusou, reenviando-a para a mesa.

Se a Tâmara julgar conveniente, eu mando ler essa nota de interpelação, apesar de já ter vindo publicada no Sumário das Sessões, assim como a resposta do Sr. Ministro da Guerra.

Tenho assim dado á Câmara a explicação da minha intervenção neste assunto.

S. Exa. não reviu.

A nota de interpelação e o ofício são os seguintes:

Nota de interpelação

Com a máxima urgência desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra, sôbre os seguintes assuntos:

1.° Tem S. Exa. dado integral cumprimento ao disposto no artigo 1.° do decreto de 7 de Maio de 1908, que regula a colocação nas escalas das suas armas dos alferes de cavalaria e infantaria promovidos a êste pôsto nos termos do decreto de 14 de Novembro de 1901, depois de terem completado o tempo de serviço que por êste último decreto são obrigados a prestar no ultramar?

2.° Tem S. Exa. dado integral cumprimento ao disposto no artigo 2.° do decreto de 25 de Maio de 1911, que regula a situação dos oficiais do exército, pela saída definitiva do quadro activo?

3.° Em que disposição legal se baseou S. Exa. para, em circular urgente n.° 262, de 3 de Abril de 1912:

Considerar readmitidas para todos os efeitos legais as praças do 2.° ano, com excepção dos refractários e compelidos, e bem assim os da reserva?

Dispensar das três escolas de repetição, que se seguirem ao seu licenceamento, as praças, com exclusão dos refractários e compelidos, que prestem serviço dum ano nos quadros permanentes das diversas unidades?

4.° Está S. Exa. na disposição de atender um pedido que lhe foi dirigido pelos Srs. Senadores e Deputados militares, que traduz; o desejo da quási a totalidade dos oficiais do exército, em que pediam ligeiras modificações no plano de uniformes?

5.° Tem S. Exa. conhecimento do relatório oficial da inspecção de quartel do regimento de infantaria n.° 2, no dia 16 de Outubro de 1911, no qual se mencionava um desvio degeneres de responsabilidade do Conselho Administrativo e destinado aos ranchos?

Adoptou, ou está S. Exa. na disposição de adoptar as medidas necessárias e indispensáveis para restabelecer o prestígio daquela unidade, tam abalado por êste facto?

6.° Tem S. Exa. conhecimento de que no mesmo relatório o oficial de inspecção dizia que os géneros para os ranchos eram iguais aos que tinham mencionado como pouco bons e que para êles tinha pedido análises?

7.° Conhece S. Exa. o despacho lançado pelo comandante do citado regimento no aludido relatório?

8.° É verdade estar S. Exa. na disposição de patrocinar a colocação do citado oficial de inspecção na guarda fiscal, ou na guarda nacional republicana, caso êle desista das suas reclamações, ou castigá-lo, bem como ao coronel, no caso de nelas insistir? = Fernando da Cunha Macedo.

Leu-se o ofício.

É o seguinte.

Oficio

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Peço licença para remeter a V. Exa. o ofício n.° 644, de 22 do corrente, ontem recebido neste Ministério, em que V. Exa. me comunica uma nota de interpelação do Sr. Deputado Fernando da Cunha Macedo.

Não posso nem devo aceitar a referida nota de interpelação emquanto se mantiver o n.° 8.°, que envolve uma suspeição infamante e um agravo pessoal.

A V. Exa. entrego êste assunto, certo de que no seu justo critério se dignará V. Exa. providenciar como o caso requere.

Saúde e Fraternidade.

Ministério da Guerra, em 24 de Maio de 1912. = Alberto Carlos da Silveira.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Declaro a V. Exa. que o Govêrno é todo absolutamente solidário com o Sr. Ministro da Guerra na sua atitude e resolução.

O Sr. Álvaro Poppe: - V. Exa. manda ler outra vez o n.° 8.°?

Leu-se.

O Sr. Manuel Bravo: - Como V. Exa. sabe, anunciei há tempos uma interpelação ao Sr. Ministro da Guerra a propósito dum facto que envolve a doutrina do n.° 8 dessa interpelação.

Não é meu propósito realizar hoje essa interpelação, porque não quero abusar da situação que a Câmara me concedeu, que é a de oferecer explicações a propósito dêste incidente, para fazer as minhas afirmações de divergência a respeito do critério do Sr. Ministro da Guerra sôbre êste assunto.

Eu tenho o dever moral, e o dever político, de trazer a esta Câmara os esclarecimentos indispensáveis para ela

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poder julgar e considerar bera a doutrina que está em discussão ou que serve de motivo a êste incidente.

Desejava eu conciliar os interesses da disciplina militar com os interesses da justiça que pertencem ao tenente de infantaria 2, Geraldes de Castro.

Procurei o Sr. Ministro da Guerra, a fim de que S. Exa. pudesse fazer a justiça, que eu entendia, e entendo, que deve ser feita ao tenente Geraldes de Castro.

S. Exa., com toda a cortesia, cora toda a lialdade e dignidade, apresentou me a questão por um aspecto que S. Exa., como chefe supremo da hierarquia militar, entendeu dever comunicar-me.

Preciso dizer que divirjo absolutamente do critério de S. Exa.; mas devo dizer que S. Exa. foi correctíssimo e lialíssimo quando comigo tratou dêste assunto.

S. Exa., no desejo de não prejudicar o interesse disciplinar do tenente de infantaria 2, Geraldes de Castro, por um critério simplista, não sei se o melhor, conforme o conceito que cada um tenha da verdade, mas, com certeza, digno, disse-me que não tinha vontade alguma de castigar o tenente.

E então S. Exa. entendeu - e aqui está a minha divergência - que não devia castigar o coronel que, a meu ver, devia ser castigado, nem tambêm que devia dar um castigo ao tenente, pondo-o fora do regimento.

Assim S. Exa. entendeu que conciliava os interesses da justiça e da verdade procurando, mas não propondo, uma situação ao tenente para a sua saída do regimento, dando-lhe um lugar de confiança na Guarda Republicana ou na Guarda Fiscal

Estou bem convencido da lialdade e da franqueza de S. Exa. porque eu, que não sou correligionário de S. Exa., e nesta questão estamos separados de pelo a pelo, devo declarar a verdade e fazer justiça a quem ela pertence.

S Exa., com a declaração das suas opiniões, não quis menoscabar a honra pessoal do Sr. tenente.

Feitas estas declarações, reservo-me para quando S. Exa. se der por habilitado a responder á minha interpelação; e espero que S. Exa. fará justiça às minhas palavras, como eu fiz justiça ao seu propósito.

O Sr. Presidente: - Devo declarar à Câmara, se ela não resolver o contrário, que, em sendo 15 horas, se entra na ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Ministro da Guerra (Alberto da Silveira): - Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Deputado Manuel Bravo as palavras de S. Exa.; nem eu esperava outra cousa da sua correcção.

Devo, porem, dizer que mantenho o ofício que enviei, emquanto se mantiver o artigo 8.°

De resto, estou pronto a responder imediatamente a interpelação do Sr. Manuel Bravo, se V. Exa., Sr. Presidente, entender que se deve marcar para hoje ou para outro dia. Estou pronto a responder a ela, porque é dirigida em termos correctos.

O Sr. Moura Pinto: - Mando para a mesa o parecer da comissão sôbre a proposta do Sr. António José de Almeida.

O Sr. Cunha Macedo: - As minhas palavras, em primeiro lugar, dirigem-se ao Govêrno, a quem felicito por se tornar solidário com a atitude do Sr. Ministro da Guerra; em segundo lugar vou procurar tornar a questão o mais simples possível.

Constou-me, em tempos, que o Sr. Ministro da Guerra tinha mandado propor ao tenente Geraldes, de infantaria 2, a seguinte transacção em virtude dum conflito, suscitado naquele regimento, entre êle e o comandante: o Sr. Ministro patrocinava a sua colocação na Guarda Fiscal ou na Guarda Nacional Republicana, no caso dele desistir das suas reclamações, ou então ver-se hia obrigado a castigar o tenente e o coronel.

Tendo-me alguém informado que o nosso ilustre colega nesta Câmara, Sr. Manuel Bravo, fora o encarregado de negociar esta transacção, eu, com o escrúpulo com que costumo tratar assuntos melindrosos como êste, preguntei a S. Exa. o que de verdade havia a tal respeito, e o Sr. Manuel Bravo disse-me o que acaba de dizer agora.

O Sr. Ministro da Guerra não ofereceu ao tenente Geraldes a sua colocação nas guardas fiscal ou republicana, mas procurou solucionar o conflito por aquela forma.

Disso estou eu convicto. S. Exa. não fez qualquer oferta, mas procurou aquela solução.

O Sr. Ministro da Guerra (Alberto da Silveira): - Não continui. Eu não procurei.

O Orador: - Hei-de continuar, porque não abdico dos meus direitos, e não consinto que V. Exa. me interrompa.

O Sr. Manuel Bravo disse que o Sr. Ministro tinha procurado, e se as notas taquigráficas estiverem exactas, lá devem estar estas palavras. Portanto, não é a mim que o Sr. Ministro se deve dirigir, pois antes o devia ter feito ao Sr. Manuel Bravo.

E tenho a certeza, repito, de que S. Exa. procurou, mas não mandou propor.

Analisemos agora, Sr. Presidente, a parte na minha nota de interpelação que tanto maguou o Sr. Ministro. É esta, o quesito 8.°, que diz:

É verdade estar S. Exa. na disposição de patrocinar a colocação do citado oficial de inspecção na Guarda Fiscal ou na Guarda Nacional Republicana, caso êle desista das suas reclamações, ou a castigá-lo, bem como ao coronel, no caso de nelas insistir?"

Nesta nota de interpelação, não há a menor suspeita infamante para o Ministro, porque nela se pregunta apenas se está na disposição de praticar um determinado acto.

O Ministro, por consequência, limita-se a dizer sim ou não- mas S. Exa. resolve por melhor devolver essa nota de interpelação e não responder a ela. Creio que é êste um caso novo. E como, o Deputado e o Ministro, não podem mais continuar juntos nesta casa...

Vozes: - Não apoiados! Não apoiados!

O Orador: - A Câmara vai decidir, ou pelo Deputado ou pelo Ministro. E a V Exa., Sr. Presidente, eu peço a fineza de liquidar, o mais depressa possível, esta questão nos termos expostos.

O Sr Ministro da Guerra (Alberto da Silveira): - Sr. Presidente: faço notar a V. Exa., com o maior respeito e acatamento, que o Sr. Deputado que acaba de falar, esteve fazendo realmente a interpelação e, portanto, eu fico na situação de que, tendo repelido uma cousa que julgo infamante para mim e para a minha qualidade de Ministro, me vejo na dura necessidade de responder a preguntas que S. Exa. me formulou.

Não há reclamação do Sr. tenente Geraldes de Castro. Por consequência, eu não podia negociar, como se indica num dos artigos da interpelação, nem podia fazer a chantage, de oferecer ao Sr. tenente Geraldes cousa alguma em troca de qualquer desistência daquele oficial.

As reclamações do Sr. tenente Geraldes foram derivadas da sua informação anual, e nesses termos, foram re-

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metidas para o Conselho Superior de Promoções, de cujas resoluções não há recurso, e o Govêrno nada tem com isso.

O que eu disse ao Sr. Manuel Bravo, quando S Exa. me procurou - e disse-o com toda a franqueza e lialdade de que sou capaz, e que mantenho sempre em todos os actos da minha vida (Apoiados) - foi que tinha muita simpatia por êsse oficial, que tinha prestado relevantes serviços à República, mas que, desde que o Conselho de Promoções tinha dado a sua sentença, eu só tinha que me conformar com cia.

Se o Sr. tenente Geraldes se encontra mal no seu regimento, eu não tenho dúvida de o fazer sair de lá numa situarão airosa, pedindo ao Sr. Ministro do Interior ou ao Sr. Ministro das Finanças que o coloquem na Guarda Republicana ou na Guarda Fiscal, que é a comissão para onde são escolhidos os oficiais de toda a confiança.

Se alguns acontecimentos novos se derem, pelo motivo de continuarem juntos êsses dos oficiais, o Ministro da Guerra há-de proceder de modo a que a disciplina se mantenha, recorrendo ao castigo disciplinar se preciso for.

Aqui tem a Câmara, posta com toda a clareza, a questão do Sr. tenente Geraldes. E, portanto, não aceitei, nem podia aceitar um papel, em que se acusara o Ministro da Guerra de ter feito chantage.

O Sr. Afonso Costa: - Começo por declarar a V. Exa., que é a primeira vez que tomo conhecimento dêste assunto.

Ninguém, nem o Sr. Manuel Bravo, nem o Sr. Ministro da Guerra, nem o Sr. Cunha Macedo, até hoje, nem por acaso, nem em reunião de qualquer ordem, nem pessoalmente, me deram o menor conhecimento dêste desgraçado incidente, e como fazendo eu esta declaração, pareça indicar que haveria da parte do Deputado a obrigação de me dar êsse conhecimento, aclaro que d que eu quero dizer, é que me julgo, por êste completo desconhecimento anterior da questão, com autoridade para indicar que ela tem uma solução, que não está em nenhum dos pontos do dilema pôsto pelo Sr. Deputado Macedo. E só por isso. E deixe-me V. Exa. dizer, que neste momento em que todos nós precisamos de estar o mais fortemente unidos que seja possível para consolidar a República que fizemos; que neste momento em que temos de dar contas do trabalho que realizámos de propaganda e até de aliciamento daqueles que comnosco fizeram a República para mostrar que somos dignos de a ter feito, que a queremos e sabemos conservar a despeito de quaisquer más disposições de carácter pessoal, que ou sou o primeiro aqui a lamentar, para lamentar é que um caso dêstes possa ter qualquer interpretação, que seja a duma irredutível contraposição entre o Deputado e o Ministro.

O Deputado é una homem útil, tem mostrado aqui, pela sua atitude, que é daqueles que vem para aqui a tempo e a horas, que se interessam pelas questões e que defendem a definitiva consolidação da República (Apoiados). Poucos haverá aqui que estudem mais do que êle, e são ainda poucos os que tanto trabalham como de para bem desempenhar o seu lugar (Apoiados).

Tem talvez os defeitos das suas qualidades; é demasiadamente concentrado, toma por vezes num sentido estritamente apaixonado situações que, esclarecidas nas conversas a que nós, os expansivos, andamos mais facilmente habituados, não tomariam o vulto que infelizmente tem tomado.

Por outra parte, temos o Sr. Ministro da Guerra, que compreendeu muito bem. ao assumir a direcção de tam importante serviço do Estado, que não se pode ser no Ministério da Guerra senão Ministro republicano, que não se pode aceitar qualquer espécie de tendência, mais ou menos ainda prematura, de formação de grupos ou partidos, - e S. Exa. sabe bem que sou insuspeito para dizer aqui alto e claro que tem sabido defender a República no seu Ministério e cuidadosamente continuar a obra de democratização do exército, que foi iniciada pelo grande Ministro Xavier Barreto, velho combatente da República, homem de bem ás direitas e militar que reúne em si todas as altas qualidades que são precisas num Ministro moderno, cumpridor dos seus deveres, profunda e enraizadamente.

Nestas condições, êsses dois homens de bem hão de estar num conflito por causa dum equívoco?!

Eu julgo, Sr. Presidente, que V. Exa., com a autoridade do lugar que ocupa aqui, que dentro da República só tem por igual a situação do Presidente da outra Câmara e a do Presidente da República, e a de V. Exa. é ainda mais forte e elevada, por ter saído duma eleição por unanimidade de todos nós; eu julgo que V. Exa., interpretando o sentimento geral da Câmara, fazendo justiça ás palavras do Sr. Ministro da Guerra, e tendo em atenção as declarações do Sr. Fernando de Macedo, que declarou que não quisera lançar suspeições, deve considerar êste incidente liquidado, admitindo desde já, ou quando for oportuno, a discussão da interpelação; e que se considera, como desnecessário, mas sem nenhuma espécie de propósito injurioso, êsse número último que tinha escrito.

O Sr. Fernando de Macedo na sua interpelação. Assim, ficam ambos satisfeitos.

Faço justiça ao Sr. Cunha Macedo pela autoridade que lhe dá o facto, porque, efectivamente, S. Exa. é o primeiro a tomar a responsabilidade de todos os seus actos.

S. Exa. disse que não tinha de que se ofender o Sr. Ministro da Guerra: e se fez a pregunta foi porque lhe tinham contado o facto a que ela se referia,,

Por outro lado o Sr. Ministro da Guerra vê uma pregunta, formulada por aquele modo, e julga-a ofensiva, não já pelas declarações do seu autor, ruas para as pessoas que a leiam.

Impensadamente, porêm, o Sr. Ministro da Guerra, que já fez declarações, duvida de se poder discutir, sob qualquer aspecto, a questão, o que não pode satisfazer o Sr. Cunha Macedo

Posta, pois, a questão nestes termos, eu apresento uma proposta para que V, Exa., como Presidente da Câmara, e no uso da autoridade superior que aqui exerce, tratando-se, de mais a mais, dum conflito entre um Deputado e um Ministro, que é Senador, e que, portanto, é UOSSD hóspede; que é um homem honrado, como honrado é, tambêm, o Sr. Cunha Macedo - que V. Exa. a não consinta em que sôbre a classe dos oficiais do exército esta questão continue a pesar por efeito duma teimosia individual.

Termino, dizendo que se está aberta discussão sôbre a questão, se dó por não escrito o número 8.° por ser inteiramente inoportuno.

Creio que, com esta atitude, estão de acôrdo os dois contendores; se seria o primeiro a lamentar que não se aceitasse alguma solução.

Eu, se estivesse na situação do Sr. Cunha Macedo, aceitava, depois do que disse o Sr. Ministro da Guerra; se estives e na do Sr. Ministro, aceitava tambêm, e depois do que disse o Sr. Cunha Macedo.

O Sr. Ministro da Guerra (Alberto da Silveira): - Pedi a palavra para agradecer as frases amáveis e imerecidas do grande tribuno e grande republicano, o homem que todos conhecem pelas suas altíssimas qualidades de talento e de tribuno, quer na tribuna parlamentar, quer na tribuna jurídica, o homem que se chama Afonso Costa.

Eu não sou orador, não posso exprimir o pensamento com aquelas figuras de retórica de que S. Exa. usa; mas o que digo é sincero.

Limito-me, pois, a agradecer as palavras de S. Exa.

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8 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Fazendo a justiça que me merece o carácter do Sr. Cunha Macedo, eu já tinha conseguido de S. Exa. - isto para a Câmara avaliar as, suas qualidades de carácter - que, se não tivesse vindo publicado no Sumário, S. Exa. tinha retirado o n.º 8.°

Já a Câmara vê como S. Exa. quere não se tornar irredutível neste caso; mas, como estava publicado no Sumário - e estava convencido de que não se tratava de uma insinuação, mas uma verdade - êle não podia retirar.

S. Exa. ouviu agora o Sr. Afonso Costa e o Sr. Ministro da Guerra.

Em vista das declarações do Sr. Ministro, estou convencido de que, satisfazendo ao meu pedido, ao do Sr. Afonso Costa e a toda a Câmara, S. Exa. satisfaz intimamente a minha alma de português, fazendo a sua interpelação, quando o (Sr. Ministro da Guerra se der por habilitado, e considerando êsse n.° 8.° como não escrito.

S. Exa. responderá.

O Sr. Cunha Macedo: - Não vejo a questão, posta pela mesa, com a nitidez, com que foi tratada.

V. Exa., Sr. Presidente, esqueceu-se duma pequena particularidade.

Eu disse a V. Exa. que, se me tivesse chamado, na ocasião em que mandei a nota de interpelação para a mesa, pedindo-me para retirar o quesito 8.°, eu o retiraria reservando-me todavia o direito, para quando fizesse a interpelação, de desenvolver o assunto constante do mesmo.

O Sr. Presidente: - É verdade.

O Orador: - A proposta de V. Exa., agora é para considerar não escrito o quesito 8.°; ora com êste laconismo não me posso conformar.

O Sr. Afonso Costa: - Quando V. Exa. fizer a sua interpelação, não tem, então, limite nenhum. É simplesmente pela questão de que o Sr. Ministro da Guerra tinha declarado, que considerava êsse número pouco respeitoso da sua dignidade. Que V. Exa. envolva o assunto na sua interpelação disso nada o impede.

Por isso, parece-me que estamos todos de acôrdo.

O Orador: - Em virtude das manifestações da Câmara, com a qual não me devo incompatibilizar e das imerecidas palavras do Sr. Dr. Afonso Costa só filhas duma velha amizade e que neste momento agradeço, declaro Sr. Presidente que aceito a solução proposta.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra a mais alguns Srs. Deputados, tenho a declarar que é com satisfação que vejo que o incidente está resolvido. Fica bem o Deputado, e fica bem o Ministro.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Fomento (Estêvão de Vasconcelos): - Mando para a mesa uma proposta, estabelecendo os cursos técnicos secundários do antigo Instituto Comercial e Industrial de Lisboa, que, por decreto de 14 de Outubro de 1911, se professam ainda no ano lectivo de 1912-1913, ficam dependentes da Direcção Geral do Comércio e Industria do Ministério do Fomento, constituindo a Escola José Vitorino Damásio.

Foi mandado publicar no Diário do Govêrno.

O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira): - Encontra-se sôbre a mesa o parecer da comissão de legislação civil sôbre a proposta do Sr. António José de Almeida, para um inquérito judicial.

Eu requeiro que êsse parecer entre imediatamente em discussão.

Devo dizer à Câmara, que o Govêrno procede desta maneira, porque considera essa proposta como atacando uma questão de confiança.

O Sr. Presidente:-Deve entrar-se, conforme está determinado e votado pela Câmara, já na ordem do dia.

Vozes: - Deu a hora.

O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira): - É um negócio urgente.

O Sr. Presidente: - Mas desde que o Sr. Ministro da Justiça declarou que a proposta do Sr. António José de Almeida, que teve segunda leitura e já tem o parecer da comissão de legislação criminal, envolve uma questão de desconfiança ao Govêrno e pede urgência para o parecer dessa comissão, vou consultar a Câmara nesse sentido.

O Sr. Afonso Costa: - A proposta é para que se considere como ordem do dia de hoje, para entrar desde já em discussão.

Foi reconhecida a urgência.

Leu-se na mesa a proposta do Sr. António José de Almeida.

É a seguinte:

Proposta

Proponho a nomeação duma comissão parlamentar, na qual estejam representados todos os lados da Câmara, a fim de indicar e inquirir dos actos dos magistrados judiciais e do Ministério Público e dos oficiais de justiça que hajam intervindo na instrução ou julgamento dos processos dos indivíduos acusados de conspirarem contra a República. A referida comissão ouvirá para seu esclarecimento os técnicos que julgar conveniente. = O Deputado, António José de Almeida.

Leu-se o parecer da comissão.

É o seguinte:

Parecer

A vossa comissão de legislação criminal é de parecer que a proposta, que lhe foi presente, do Sr. Deputado António José de Almeida, para um inquérito a proceder aos actos dos magistrados judiciais e do Ministério Público na instrução dos julgamentos dos processos por crimes de rebelião, encerra matéria que excede a competência do Poder Legislativo.

As comissões de inquérito, não previstas na Constituição da República Portuguesa, nem no Regimento interno da Assemblea Nacional Constituinte, ainda em vigor para a Câmara dos Deputados, foram instituídas no Acto Adicional de 1802, à Carta Constitucional, onde expressamente se diz no artigo 14.°, que tais comissões são destinadas "ao exame de qualquer objecto da competência das Câmaras legislativas".

No caso sujeito, a proposta versa sôbre responsabilidades dum poder político diverso, cujas atribuições, direitos e deveres devem constar de estatuto especial, que terá de ser a lei de organização judiciária.

É certo que esta lei não foi ainda votada pelo Congresso, e na que existe faltarão porventura todos os meios indispensáveis ao apuramento daquelas responsabilidades.

A esta comissão afigura-se que o remédio para os males apontados estaria numa lei que restaurasse sôbre novas bases o extinto conselho da magistratura judicial com

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jurisdição disciplinar, possivelmente externa e bastante eficaz, de forma a assegurar o prestígio da magistratura, a rigorosa observância das leis, e a consequente defesa das instituições republicanas.

Lisboa, Sala das Sessões, 29 de Maio de 1912. = Caetano Gonçalves ~ José de Abreu = José Montez = Adriano Mendes de Vasconcelos = Alberto de Moura Pinto (relator).

O Sr. Jacinto Nunes (para uma questão prévia): - Declaro que não entro no fundo da questão, a não ser que seja rejeitada a questão prévia que vou mandar para a mesa e que traduz uma questão de princípios.

É a seguinte

Questão prévia

A Câmara dos Deputados.

Considerando que os poderes judicial e legislativo são independentes e harmónicos entre si, como expressamente o dispõe o artigo 6 ° da Constituição;

Considerando que, nos termos peremptórios, do artigo 6.° da Constituição, os juizes são irresponsáveis nos seus julgamentos;

Considerando que a Constituição não autorizou o Poder Legislativo a apreciar os actos do Poder Judicial;

E ponderando que incumbe ao Poder Legislativo velar pela observância da Constituição (artigo 26.° n.° 2.° da mesma), resolve abster-se de deliberar acêrca da proposta do Sr. António José de Almeida. = Jacinto Nunes.

O Sr. Afonso Costa: - S. Exa. podia concluir por votar o parecer.

O Orador: - Eu sei o que faço. E para prevenir soluções futuras.

O orador não reviu.

Leu-se na mesa a questão prévia e foi admitida.

O Sr. França Borges: - Peço a contraprova.

Feita a contraprova, verificou-se que não tinha sido admitida.

O Sr. Vasconcelos e Sá:- Não é jurisconsulto, diz, mas ao ouvir ler o parecer da comissão de legislação criminal, e, antes disso, ao ter ouvido o Sr. Ministro da Justiça dizer que considerava a proposta do Sr. Deputado António José de Almeida como uma questão de desconfiança ao Govêrno, êle, orador, que não é jurisconsulto, nem é advogado, e que desconhece por completo todas as rabuliões que se empreguem mesmo dentro do Parlamento, e que deriva da longa educação que os tribunais dão; sendo apenas um médico de classe, vai tratar dêste caso como médico, tratá-lo como um caso clínico ou patológico. Assim, ocorrem-lhe imediatamente ao espírito as seguintes preguntas:

Onde é que existe na proposta do Sr. Deputado António José de Almeida a moção de desconfiança?

Se a comissão foi de parecer que a proposta é inconstitucional, onde está o voto de desconfiança?

De verdade, trata-se apenas dum truc político; trata-se duma habilidade política, e êle, orador, com toda a franqueza e com a ingenuidade que o caracteriza, e que quere continuar a possuir, declara que, se o grupo evolucionista quisesse apresentar a questão de desconfiança ao Govêrno, o teria feito aberta e claramente.

A proposta foi feita sem intenção política alguma, e está convencido de que se não tosse o Sr. Depuado António José de Almeida, que mandou para a mesa essa proposta, ninguêm preguntaria o que era a ordem pública em Portugal.

E, presunta: Não fica melhor colocado aquele que diz que em Portugal o povo não pode fazer justiça por suas mãos, ou aqueles que deixam pairar por sôbre o Parlamento a interrogação de que êste apoiava a iniciativa, até com o seu silêncio, a rua a fazer justiça por suas mãos?

Ainda há pouco o Sr. Deputado Afonso Costa pregou a união, mais uma vez, para se salvar a República, e vem agora patrocinar uma moção de confiança com aquilo que não pode significar confiança ou desconfiança, e que representa apenas o alto dever de quem preza e ama a República.

Quando foi apresentada a proposta, o Sr. Presidente do Ministério nada respondeu: o Sr. Ministro do Interior retirou-se, e foi o Sr. Ministro da Justiça que, fazendo de Presidente do Govêrno, como o já tem feito outros Ministros, respondeu, uma frase ambígua: "de que talvez o povo tivesse razão de ter feito aquilo que fizera..."

O orador dirigindo se nesta altura, para o Sr. Deputado Afonso Costa, pregunta: Porque é que S. Exa., sendo tam previdente, não fez aquela previsão que outras criaturas fizeram? Porque é que S. Exa., nas inúmeras leis que deitou cá para fora, não fez a revisão da magistratura e não elaborou uma lei que protegesse a República?

É então agora que se quere preparar a República com uma lei de excepção? Êle, orador, repudia essa lei, porque, se deve castigar alguém que prevaricou, só se deve fazer com provas provadas.

De resto, quem quiser manter a união do partido republicano não tem que pregar, mas apenas mostrar as suas idear, os seus processos, como governa o país, provando bem claro que quere fazer o bem da Pátria e da República. Doutra maneira, não!

Terminando, dirige estas preguntas a toda a Câmara: Não foi já votada uma proposta de inquérito idêntica a esta que se encontra na mesa e não havia nessa ocasião já uma comissão de legislação criminal? Qual foi o seu parecer? Então só agora é que essa matéria constitui um acto de desconfiança ao Govêrno?

Êste discurso será publicado na íntegra, quando o orador devolver as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Primeiro de que tudo uma rectificação de facto.

No discurso do Sr. Vasconcelos e Sá. meu ilustre amigo, houve um êrro de facto.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Amigo pessoal com toda a consideração, mas inimigo político.

O Orador: - Evidentemente.

No discurso de S. Exa. houve um êrro de facto, que me cumpre rectificar.

S. Exa. disse que no outro dia eu não respondi ao Sr. António José de Almeida. Eu não respondi, porque me não deixaram; eu pedi a palavra, estava inscrito, e o Sr. Presidente não me deixou falar porque tinha chegado a hora de se entrar na ordem do dia.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Se V. Exa. tivesse pôsto a questão de confiança nessa altura, veria se a Câmara o deixava ou não falar.

O Orador: - Se eu não pude falar, como podia pôr a questão de confiança?

Se tivesse falado, tinha-a posto.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Porque não a pôs ontem?

O Orador: - Ontem? A que propósito?

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O Sr. Vasconcelos e Sá: - A propósito de ante-ontem. V. Exa. declarou terminantemente que ante-ontem se tivesse podido falar punha a questão de confiança. V. Exa. não pôde falar, mas antes de se encerrar a sessão falou o Sr. Ministro da Justiça.

Porque não pôs V. Exa. ontem essa questão?

O Orador: - Porque não tinha que discutir uma proposta que tinha sido enviada à comissão. Essa proposta vem hoje à discussão, vou tratá-la como entendo que o Govêrno a deve tratar, e julgo que ela deve ser tratada.

Dois aspectos tem a proposta do Sr. António José de Almeida, e ambos, julgo, irredutívelmente inconstitucionais. Um, é aquele que propõe a nomeação duma comissão de inquérito para apreciar os actos do Poder Judicial na forma como julgou os presos políticos. Êsse pertence á Câmara apreciá-lo, não pertence ao Poder Executivo. O outro, igualmente inconstitucional, é aquele em que manda que no mesmo inquérito se averigue dos actos disciplinares que possam ter sido cometidos pelos magistrados, e êsse, se fôsse aprovado, representava, evidentemente, uma desconfiança no Govêrno a quem cumpre o dever de exercer acção sôbre êsses actos, e assim era destituído de funções que lhe competem.

O Govêrno não pode aceitar por forma alguma a questão posta sob êsse aspecto, e se essa proposta fôsse aprovada, considerava-a como um acto de desconfiança da Câmara.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - S. Exa. conhece o parecer da comissão?

O Orador: - Conheço, mas não tem nada com o aspecto da questão que acabei de apresentar à Câmara.

Mas há mais.

O ilustre Deputado Sr. António José de Almeida, quando apresentou a sua proposta, acompanhou a duma declaração, que pela primeira vez foi feita nesta Câmara: que um dos grupos políticos em que se apoiava o Govêrno, lhe retirava a sua confiança.

Tem o Govêrno a confiança do Parlamento ou não tem?

O Govêrno precisa saber se deve continuar nestas cadeiras ou se deve retirar-se.

O Govêrno tem procurado, e creio que tem conseguido honrar o seu mandato, cumprir o programa que apresentou ao Parlamento.

Tem sabido manter a ordem sem atentar contra a liberdade de manifestação que o povo tem. (Apoiados}.

Tem inquirido dos actos irregulares que se tem praticado dentro das atribuições da lei, mas, a meu ver, as leis nem sempre tem a larga acção disciplinar que deviam ter.

Por conseguinte pregunto: merece o Govêrno a confiança do Parlamento?

Está disposto a apoiá-lo nas modificações que sejam necessárias introduzir nas leis para a defesa da República?

Tenho dito.

O Sr. José Montez: - Entende que desde que se apresentou uma proposta, após as manifestações que se produziram na rua, para apurar actos disciplinares, êste facto representa uma desconfiança, senão para o Govêrno todo, pelo menos para o Ministro de quem dependem os magistrados.

Não há dúvida que, não só pelas palavras do Sr. Vasconcelos e Sá, mas pelas palavras do Sr. Presidente do Ministério, está posta a questão de confiança, e, nessas condições, manda para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara afirma a sua confiança no Govêrno para manter a ordem pública, sem lesão do princípio da autoridade e sem desprestígio para a República, e convida-o a apresentar, sem demora, a lei orgânica do Poder Judicial, ou, pelo menos, um diploma que torne desde já e exequível o disposto no artigo 57.° da Constituição. = José Montez.

Lida na mesa foi admitida.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Ex* restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira): - Sr. Presidente: já foi explicado pelo Sr. Presidente do Ministério o facto de eu ter usado da palavra, ao encerrar a sessão de ante-ontem.

Eu não tenho competência para avocar atribuições e, até, obrigações, que pertencem ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Se porventura usei da palavra nessa sessão, foi, em primeiro logar, porque não tendo podido usar dela o Sr. Presidente do Ministério, e não podendo comparecer no final da sessão, e desejando a Câmara, como o manifestou, que eu viesse ao Parlamento, porque desejava ouvir o Ministro da Justiça, eu tinha, evidentemente, de usar da palavra, por mim, e de aproveitar a ocasião de dizer alguma cousa pelo Govêrno, visto que era impossível ao seu chefe estar presente.

Não foi, de modo algum, habilidade política, ou não política, o meio empregado por mim, de fazer com que, em negócio urgente, se considerasse a proposta de inquérito apresentada pelo Sr. António José de Almeida.

Evidentemente não podia êsse assunto ser tratado senão quando viesse à Câmara.

Ontem semelhante assunto não foi de modo algum versado; nem houve sequer pretexto para o versar; mas tinha necessáriamente de ser tratado hoje, uma vez que tinha sido mandado para a mesa o parecer da comissão respectiva sôbre a proposta de S. Exa.; e não se pode dizer que essa proposta não represente para o Govêrno uma desconfiança. Primeiro que tudo, porque o partido que a apresentou, pela boca do seu chefe, por mais duma vez tem mostrado desconfiança pelo Govêrno.

Um Sr. Deputado: - Oficialmente, não.

O Orador:-Não é oficialmente; só hoje é que o Sr. António José de Almeida declarou que o seu partido não dava confiança ao Govêrno.

Sob o ponto de vista parlamentar, não tenho que ver com o que se passou nos Passos Perdidos da Câmara; não tenho que vêem o que se passa com qualquer grupo parlamentar.

Sob o ponto de vista parlamentar, tenho que ver - e peço desculpa desta minha vaidade - que o Govêrno não tem que se preocupar de actos isolados, e tem de ouvir, duma maneira formal, as reclamações que apresentam êsses partidos.

Falou o Sr. António José de Almeida e disse que o partido evolucionista não dava confiança ao Govêrno, e acrescentou pôr em dúvida que os outros partidos lhe dessem essa confiança.

Portanto, era obrigação do Govêrno pôr a questão de confiança, para saber se deve continuar neste lugar.

Mas não foi somente isto. O Sr. António José de Almeida fez mais: fez preceder a sua proposta de certas considerações, sendo essa proposta uma legítima consequência delas, como se acha expressamente acentuado no respectivo Sumário das Sessões.

S. Exa. disse:

Leu.

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foram as providências que, tratando-se dum acto da rua, de tumultos, de ordem na rua, S. Exa. apresentou ao Parlamento? Um inquérito ao Poder Judicial.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, como, tratando-se, em assunto urgente, de movimentos de rua, de tumultos, de desordens provocadas, segundo se diz, por essa gente sem pátria nem família, se entende fazer uma proposta de inquérito, para averiguar da responsabilidade dos actos praticados, quando o Poder Judicial nSo teve absolutamente nada com isso.

Se porventura não fiz ainda a justiça toda ao Sr. António José de Almeida, é porque não venho para aqui para ser panegirista.

V. Exa., Sr. Presidente, não pode dizer que eu tenha estado a acusar.

Estou a fundamentar a minha asseição de que, efectivamente, a proposta do Sr. António José de Almeida envolvia directamente uma desconfiança ao Govêrno.

Quanto a mim, já o disse ê repito: quem está nas cadeiras do poder, não está por vaidade; não se importa nada em largar essas cadeiras. Só lhe interessa o interesse da República e todos os interesses da nossa pátria.

Quando há alguém que no Parlamento se levanta para afirmar que o Govêrno não inspira confiança, o Govêrno, que só quere servir a sua pátria, imediatamente levanta a questão de confiança.

Não se diga que o Govêrno não compreendeu, de há muito, que essa desconfiança estava da parte do partido evolucionista, que durante bastante tempo teve representação no Govêrno.

Nunca êsse partido deu ao Govêrno uma verdadeira confiança. Êsse partido representava apenas que dava ao Govêrno alguma confiança; mas nos seus jornais contrapunha a essa afirmação uma desconfiança manifesta.

Mas, como disse, era necessário que oficialmente isso fôsse declarado, para que tambêm oficialmente o Govêrno pedisse & Câmara que considerasse o assunto e dêsse sôbre êle o seu parecer.

Sr. Presidente: quem está neste lugar, sem preocupação vaidosa ou de ambição, quando vê que há um partido que se declara oposicionista e que se considera conseqúentemente com ideas de fazer Govêrno, tem por dever abrir as portas do poder a êsse partido para que venha governar.

Diz-se que todo o Ministério, desde o Presidente do Govêrno até ao Ministro das Colónias, nada tem feito. A êste respeito não tenho que responder por S. Exas., só respondo por mim, como Ministro da Justiça.

Não representa isto de modo algum um desejo de dar valor a obras pessoais.

Pela pasta da Justiça bastava a lei da separação para preocupar a acção do Ministro, mas o Ministro da Justiça já trouxe propostas ao Parlamento, até mesmo uma proposta sôbre um assunto que era mais pertencente à Câmara, como foi a proposta da responsabilidade ministerial.

Já disse neste lugar que não me considero competente, que me considero bem pequeno em relação às grandes ideas de progresso e às grandes propostas de lei que, porventura, o partido evolucionista tenha na sua mente, mas que ainda não veio trazer ao Parlamento.

Só considero uma oposição correcta e lial desde que essa oposição apresente ao Parlamento medidas de acção governativa.

Mas que tenho eu visto?

Tenho visto que bastava recordar êste simples facto a afirmação feita por um dos oradores do grupo evolucionista, de fazer a reorganização judiciária para se pouparem ao país muitas centenas de contos de réis!

Eu gostava que o partido evolucionista apresentasse Câmara um projecto de lei de reorganização judiciária que trouxesse uma economia dalgumas dezenas de contos de réis, quanto mais de centenas.

Mas que tenho eu visto, Sr. Presidente?

Tenho visto serem acusados os Ministros, um por um, de incompetentes, na imprensa dêsse partido!

Tenho visto, a toda a hora, atrapalhar mais o movimento da acção parlamentar, em vez de a ajudarem patrióticamente, como o deveriam fazer os homens que constituem o partido evolucionista, que são tam bons republicanos como os outros.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Isso é música celestial.

O Orador: - Música celestial é não fazer nada, e os senhores não tem feito nada; os senhores só tem palavras. (Muitos apoiados).

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Só o fazerem enterrar a proposta de V. Exa., relativa á lei da separação, é um grande trabalho.

O Orador: - Mas S. Exas. nem projectos dêsses traem à Câmara; S. Exas. contentam-se, com esta cousa divertida, de vir dizer cousas aos Ministros, de levantar ima ou outra questão impertinente e política, exclusivamente para fazerem fugir o Parlamento à sua acção legislativa (Apoiados).

Vozes: - Não apoiado; não apoiado.

O Orador: - Mas S. Exas., para terem direito a fazer essa oposição, a primeira cousa que deviam mostrar, como partido político, era a afirmação dos seus talentos e das suas ideas, representadas por factos, e não por palavras. (Apoiados).

Sr. Presidente: pode a Câmara reclamar, exigir mesmo ao Govêrno aquelas leis, que eu tenho chamado, e continuarei a chamar, de carácter constitucional. O Govêrno, evidentemente, desejoso de trabalhar, tanto quanto possível, em bem da Pátria, e não se importando, de modo algum, de tomar a iniciativa daquelas leis que pertencem, pela própria Constituição, pode dizer-se, exclusivamente ao Congresso - e o Govêrno já o demonstrou, por exemplo, na lei da organização judiciária - e quando digo esta, podia referir-me a qualquer das outras, a que a Constituição se refere, declarando que é ao Congresso que compete fazê-las, não impondo essa responsabilidade a qualquer dos Ministros; o Govêrno, digo, apressar-se há em as apresentar.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Parece um menino de escola a dizer a lição que o professor lhe ensinou.

O Orador: - Eu não sou professor nem menino de escola; se o pareço, não tenho culpa disso. Parece-me que, quem expõe aquilo que entende, pela forma que sabe e como lhe ensinaram, cumpre com o seu dever (Apoiados).

Essas leis de carácter constitucional, pertencem exclusivamente ao Congresso, mas o Govêrno, na declaração que fez ao Parlamento, quando assumiu o poder, o que disse foi que não prejudicaria a sua iniciativa, pelo facto dela pertencer exclusivamente ao Congresso. É o Ministro da Justiça não descurou êsse assunto, porque imediatamente, pode dizer-se - pois foi poucos dias, após tomar conta da sua pasta - veio ao Parlamento com uma dessas leis constitucionais, qual é a da responsabilidade ministerial.

Essa proposta de lei creio que já está na mesa com o respectivo parecer.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Essa lei foi um Deputado evolucionista que a apresentou.

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O Orador: - Não quero ser professor de V. Exa., nem quero fazer de V. Exa. menino de escola. Pregunte V. Exa. ao ilustre Deputado evolucionista.

O Sr. Matos Cid: - Um ilustre Deputado apresentou um projecto de lei e V. Exa. apresentou uma proposta de lei; foram ambos á comissão e o parecer está na mesa.

O Orador: - Eu sei isso, o que se passou entre mim e o ilustre autor do projecto, que me procurou, visto que a imprensa dizia que se tinha antecipado a uma proposta de lei, quando os jornais já tinham dito que fora apresentada; quando a apresentei no dia seguinte, S. Exa. delicadamente veio dar-me a explicação, para mostrar que não houve incorrecção. Eu não quero apreciar as competências; essa proposta de lei foi apresentada, foi á comissão, e eu creio bem que o próprio proponente do projecto de lei entendeu que devia dar o seu apoio á proposta do Ministro.

Conseqúentemente o Ministro não fez obra tão inútil que não fôsse aproveitada pela própria comissão, onde estava um membro do partido evolucionista, que foi o primeiro a arredar o seu projecto.

O Ministro da Justiça apresentou ao Parlamento uma proposta de lei sôbre uniformização da jurisprudência; não sei se o respectivo parecer já foi dado pela comissão.

O Ministro da Justiça trouxe ao Parlamento a aplicação do limite de idade para os juizes.

O Ministro da Justiça trouxe ao Parlamento, uma proposta estabelecendo a Tutoria da Infância na cidade do Pôrto.

O Ministro da Justiça tem em sua mão uma proposta de lei, que porventura poderia apresentar hoje, ou que apresentará em breves dias, sôbre colónias penais agrícolas e casas correccionais de trabalho.

O Ministro da Justiça está a considerar o problema da criminalidade e do regime prisional em Portugal, por forma a alterá-lo por completo, de modo a ser um bom sistema prisional, com a ajuda da Câmara que há-de prestar-lhe as suas luzes.

O Ministro da Justiça está tratando, por comissões especiais, das sociedades anónimas e do código do processo penal.

Tem feito tudo quanto poude para bem servir a República.

O Ministro da Justiça não tinha, evidentemente, quando assumiu êste lugar, porque nunca imaginou que pudesse vir a ser ministro, não tinha propostas de lei já feitas, era necessário que o Parlamento lh'as deixasse fazer. É necessário que o Parlamento trabalhe, que não haja partidos que venham atravancar a acção do Parlamento, para que os parlamentares e ministros possam trazer propostas e projectos de lei que possam ser aprovados (Apoiados).

Justifiquei que o Govêrno não podia deixar de levantar esta questão, e justifiquei o rapidamente. O partido evolucionista fica na oposição se êste governo continuar; pois que fique, e fique se tem meios de mostrar ao Pais que deseja os progressos da sua Pátria.

O orador não reviu.

O Sr. Moura Pinto: - Como membro da comissão de legislação criminal, deve dizer à Câmara que o parecer não contêm o menor ponto político, visto que a comissão não apreciou a proposta do Sr. Deputado António José de Almeida sob qualquer aspecto político. Apenas deu o seu parecer juridicamente.

Expõe, em seguida, porque é que a comissão julgou a proposta inconstitucional, e advoga a necessidade da criação dum conselho da magistratura ou de qualquer outro equivalente que tivesse por mim punir os magistrados quando individual, moral, jurídica ou disciplinarmente não cumprissem os seus Deveres.

Refere-se depois, à comissão de inquérito ao distrito de Aveiro, da qual o orador fez parte, explicando que essa comissão era inteira e estruturalmente diversa da que se pede na proposta do Sr. Deputado António José de Almeida, e expõe o que então se passou com os magistrados encarregados de julgar os presos políticos.

êste discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Alexandre Braga: - Referiu se o Sr. Vasconcelos e Sá aos juriscontultos que tem assento nesta Câmara, e êsse é um dos motivos que o levou a usar da palavra.

O Sr. Presidente do Ministério, respondendo a êsse Sr. Deputado, acentuou que as considerações feitas pelo Sr. António José de Almeida, ao apresentar a proposta que neste momento se discute, apresentavam dois aspectos, um, anti-constitucional, porque a ser aprovada representaria o Poder Legislativo a intervir nos actos do Poder Judicial, que pela Constituição é independente, e outro de natureza absolutamente político, porque representa a desconfiança de que o Govêrno seja capaz para manter a ordem.

Ora a êle, orador, afigura-se-lhe que não é neste momento, em que todos reconhecem a necessidade de corrigir abusos, de pôr termo a desmandos, o mais apropriado para se proceder ao inquérito que se propôs, porque, ainda mesmo que de se pudesse fazer, que estivesse nas atribuições desta Câmara e ordená-lo, êle levaria tanto tempo, os seus resultados tam tarde apareceriam, que já não viriam a tempo de corrigir os males que se pretendem evitar.

A proposta do Sr. António José de Almeida parece, portanto, a sequência lógica da outra proposta de amnistia, que pelo grupo evolucionista foi tambêm apresentada

Essa proposta está na lógica do procedimento dêsse grupo.

Todos se recordam, seguramente, do obstrucionismo a que êsse grupo recorreu para evitar a votação da proposta de lei relativa aos conspiradores.

A amnistia proposta representaria, para a República, se fôsse aceite, uma cobardia igual á que tivesse um indivíduo que, depois de ameaçado na sua vida, enxovalhado na sua honra, perdoasse ao assassino ou ao insultador.

Que a República seja generosa, compreende-se, mas essa generosidade só pode manifestar-se depois de que os que contra ela atentam deponham as suas armas, submetendo-se-lhe.

O inquérito que se propõe agora a fazer-se só poderia estar concluído para as calendas gregas, isto é, quando já não fôsse possível aplicar os castigos que porventura haja necessidade de aplicar. E emquanto a êle se procedia, a República continuaria a ser atacada, a ver as suas leis ludibriadas, que isso não provocaria da parte do grupo evolucionista o menor movimento de protesto.

Os acontecimentos, sem dúvida lamentáveis, que se desenrolaram na cidade de Lisboa, não são da responsabilidade do povo, como não seria da responsabilidade do doente a erupção da pele que porventura lhe sobreviesse em seguida â aplicação dum sinapismo; êsses acontecimentos foram a consequência da causa que lhe deu origem.

As considerações feitas pelo Sr. Vasconcelos e Sá representaram um verdadeiro ataque ao Sr. Afonso Costa e ao partido a que S. Exa. pertence.

Preguntou S. Exa. porque não tinha o Sr. Afonso Costa feito a lei da reorganização judiciária, porque nessa lei é que, a seu ver, estava a defesa da República.

Muita ingenuidade revelou S Exa., se realmente pensa que essa lei seria bastante para a defesa da República.

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Trama-se contra as instituições na fronteira e dentro do país, e é necessário que os Governos estejam armados para a sua defesa com as armas necessárias para que. ela seja efectiva e profícua.

Não é só contra os magistrados que é preciso estar armados, mas contra todos os funcionários, grandes e pequenos, que não servem devidamente a República.

Por todas estas considerações, entende que a moção do Sr. Deputado Montez não corresponde a todas as necessidades de momento, e, por isso apresenta uma outra concebida nos seguintes termos:

A Câmara dos Deputados confia em que o Govêrno fará uma defesa cada vez mais enérgica e eficaz das instituições republicanas.

Passa à ordem do dia. = Alexandre Braga.

Responderá agora às acusações feitas ao grupo democrático.

O Sr. Afonso Costa foi acusado de ter praticado actos que importam o haver descurado a defesa da República.

A S. Exa., que, desde a primeira hora representa a perfeita encarnação da sua mais enérgica defesa, que livrou o país das chagas dos conventos e do clericalismo, que, pela sua energia na lei da Separação, libertou a consciência republicana, é que tais ataques são dirigidos!

A revolução não se fez só com balas, fez-se com as leis, e a República não subsistiria, se à data de 5 de Outubro não houvesse a adicionar-se-lhe a de 20 de Abril.

E alguns Deputados evolucionistas, senão todos, devem saber que o Sr. Afonso Costa apresentou em Conselho de Ministros as bases da organização judiciária, e que se as não converteu em lei, foi por que, infelizmente, uma grave doença que por muito tempo o esteve no leito não lhe permitiu fazê-lo.

Todos sabem que durante essa doença gravíssima, em que por muito tempo esteve entre a vida e a morte, não pôde trabalhar, até o momento em que, com grave risco da sua vida, fora ao Parlamento intervir na discussão da Constituição.

Parece que já se esqueceram de que se travou nessa ocasião um largo debate sôbre a largueza, independência e harmonia dos poderes, e que muitos Deputados do grupo evolucionista quiseram conceder aos magistrados atribuições e garantias de tal ordem, que êles não poderiam ser castigados, mesmo que cometessem os piores abusos.

Foi o orador e o Sr. Afonso Costa que se levantaram dentro da Assemblea Nacional Constituinte para se oporem energicamente a que a República ficasse entregue, sem defesa, a magistrados que se tornassem suspeitos.

A nossa doutrina era boa e não a dos evolucionistas, que traziam para a República o perigo de se encontrar irremediavelmente nas mãos daqueles que eram e continuam a ser seus inimigos.

São factos êstes conhecidos de todos.

Aquele que está à frente do partido de que faz parte tem o direito de afirmar, perante a Nação, que, desde a primeira hora em que se proclamou a República, tem sabido dominar os impulsos da paixão partidária, esquecendo interesses, ambições e vaidades, para servir desinteressadamente essa República e manter a sua defesa.

Referiu-se o Sr. António José de Almeida, quando apresentou a sua proposta, á tinha inqualificável, que vive nas vielas e que não tem pátria, nem família.

Foi essa turba das vielas que bastantes vezes foi incensada em reptos oratórios na defunta eloquência do Sr António José de Almeida. Foi essa turba sem pátria, vem família que colaborou com a sua dedicação, vertendo o seu sangue, para mostrar a todos, e ao Sr. António José de Almeida, uma pátria libertada e honrada. Foi essa turba de maltrapilhos inqualificáveis, que, possuindo um grande espírito de liberdade e justiça, quis conquistar para a pátria, á custa do seu sangue, essa liberdade e justiça que tanto amava.

Foi essa turba de maltrapilhos, vivendo nas vielas, que tam alto elevou o Sr. António José de Almeida, que depois de conquistar os seus direitos, se esqueceu a si próprio, não pensando nos seus interesses e só na pureza dum ideal.

Essa turba, entendendo que o Sr. António José de Almeida já não encarnava as suas aspirações, tirou-lhe o seu apoio, deixando de o considerar como seu ídolo.

É admitida a moção do Sr. Alexandre Braga.

O Sr. Júlio Martins: - Começa por mandar para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara, reconhecendo a constitucionalidade da proposta do Sr. Dr. António José de Almeida, passa à ordem do dia. = Júlio Martins.

O Govêrno, por intermédio do Sr. Presidente do Ministério, declarou que fazia da proposta do Sr. António José de Almeida uma questão política.

Por mais tratos que dê à sua imaginação e atenção que prestasse aos oradores que o precederam, não vê os motivos em virtude dos quais o Govêrno tivesse necessidade de assim proceder.

Na sessão de 13 de Novembro de 1911 o Sr. Marques da Costa apresentou uma proposta para que fôsse nomeada uma comissão de inquérito à maneira como procederam as autoridades que intervieram nas averiguações acêrca dos delitos dos conspiradores de Aveiro.

Esta proposta entrou em discussão e foi aprovada, nomeando se uma comissão composta de três Srs. Deputados para proceder ao inquérito.

Então a Câmara não se levantou contra a inconstitucionalidade dessa proposta.

A declaração do Sr. Presidente do Ministério não passa duma habilidade, atrás da qual o Govêrno se quere esconder.

A seu ver, o Sr. José Montez colocou a questão no ponto em que deve ner tratada. Êsse Govêrno precisa de saber quem o apoia.

A proposta do Sr. José Montez é que a Câmara deve discutir. A constitucionalidade ou inconstitucionalidade da proposta não pode nem deve ser discutida pela Câmara nesta altura, porque a Câmara já resolveu sôbre a constitucionalidade duma proposta idêntica.

Mandou há tempos uma nota de interpelação sôbre a política geral do Govêrno. O Sr. Presidente do Ministério declarou-se habilitado a responder a essa interpelação, que até hoje ainda se não realizara e em que definiria a sua situação.

O facto era que o partido evolucionista estava em franca e aberta atitude de hostilidade para com o Govêrno.

Os dois grupos parlamentares, dirigidos pelos Srs. Afonso Costa e Brito Camacho, vão votar uma moção de confiança ao Govêrno. Mas que confiança pode merecer um Govêrno dêstes, que tem mostrado a sua inabilidade administrativa e a sua incompetência governamental?

Êste Govêrno, pela sua incompetência governamental, tem conspirado contra a República e contra a Constituição, porque estando o Parlamento aberto suspendeu as garantias.

Êste Govêrno conspirou contra a República no dia em que veio declarar que a República se encontrava em perigo, e era preciso, para a defender, leis de excepção.

Êste Govêrno conspirou contra a República no dia em que insinuou que os sindicalistas estavam combinados

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com os reacionários para conspirar contra as instituições.

Êste Govêrno conspirou contra, a Lei da Separação, quando obrigou os padres, pagos pelo Estado, a dizerem missa.

Portanto, o partido evolucionista não pode apoiar um Govêrno que mostra a sua incompetência por esta forma.

O Govêrno, que lançou sôbre os socialistas a suspeita de que estavam ao lado dos conspiradores para derrubarem a República, quando os socialistas estão dispostos a sacrificar-se pela República, não pode conservar debaixo dessa suspeita as classes trabalhadoras

No poder não pode continuar um Govêrno divorciado do povo trabalhador.

Não pode manter-se no poder um Govêrno que, não medindo as suas altas responsabilidades, vem ao Parlamento insinuar que na Casa Sindical se conspirava com reacionários contra a República e que eram precisas medidas de excepção.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Diz que o Sr. Júlio Martins votou então essas medidas de excepção.

O Orador: - Replica que, se votou essas medidas, foi porque o Govêrno abusou do Parlamento, vindo dizer que eram necessárias para manter a ordem, e por que a República estava em perigo.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

Neste momento trocam-se palavras violentas entre o Sr. Carlos Amaro e o orador.

O Sr. Carlos Amaro avança para o orador e estabelece-se grande tumulto.

As galerias manifestam-se.

O Sr. Presidente, tendo chamado repetidas vezes à ordem) e vendo a impossibilidade de sufocar o tumulto) interrompe a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Às 18 horas e õ minutos reabre-se a sessão.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara-

Interrompi há pouco a sessão em virtude dos incidentes que se deram.

O conflito que se levantou foi motivado por uma frase que um Sr. Deputado dirigiu ao orador, e que êste julgou agressiva.

A Câmara não pode nem deve consentir que aqui sejam proferidas frases que agravem os Srs. Deputados.

É facto que acontecimentos desta ordem sucedem em todos os Parlamentos, mas, como a Câmara considera, como não própria do Parlamento, a frase pronunciada pelo Sr. Deputado Júlio Martins, peço a V. Exa. que a retire, tanto mais que o Sr. Deputado que fez a interrupção, não o quis ofender.

S. Exa não reviu.

O Sr. Júlio Martins: - Quando estava fazendo as suas considerações, um Sr. Deputado dirigiu-lhe um áparte; em resposta proferiu determinada frase que se julga ofensiva desta Câmara. Posta a questão nos termos em que a pôs o Sr. Presidente, declara que mantêm as afirmações que fez, e por consideração para com o Sr. Presidente e pela Câmara, diz que a frase não subsiste,

Continuando nas suas considerações, diz que existe um abismo entre o Govêrno e a opinião pública. O Govêrno tem de explicar as insinuações que fez aos operários. O Sr. Presidente do Ministério tem de explicar por que disse que a República estava em perigo, e que era preciso descobrir os agentes que fomentavam as greves e punham a República em perigo com os tumultos nas ruas.

O Govêrno comprometeu se perante os sindicalistas da Casa Sindical e os ferro-viários que mandaram representantes seus a Évora para apurar os acontecimentos, a acatar as deliberações dêsses homens, a mandar abrir as associações que estavam fechadas e a soltar os indivíduos que tinham sido presos.

Na Casa Sindical receberam-se telegramas dizendo que as associações estavam abertas e os presos soltos. Pois quando os delegados dos operários saíam para fazer com que a greve terminasse, o Govêrno mandou prender êsses delegados dos operários e meteu-os no Limoeiro! A prova de que êsses homens não tinham praticado nenhum crime, é que foram despronunciados pela justiça, não aproveitando com a amnistia. Êstes factos precisam ser explicados pelo Sr. Presidente do Ministério.

É preciso que no poder esteja um Govêrno forte que mantenha a paz entre os portugueses. Portanto, não pode êste Govêrno continuar no poder.

Disse-se que a proposta do Sr. António José de Almeida era a consequência da proposta da amnistia. Declara, francamente, que assim é.

Pena foi que essa amnistia não tivesse sido dada! A República não pode temer as ridículas aventuras da fronteira, pois tem confiança nas forças de terra e mar.

O Govêrno sabe se, nos tribunais, se cumprem as leis? Não se sabe se os processos são bem instruídos.

Por isso a Câmara devia votar a proposta do Sr. António José de Almeida, que habilitava o Govêrno a tomar as providências necessárias.

É preciso que a República siga os princípios de tolerância e liberdade.

O Govêrno vai ver os elementos com que conta. A responsabilidade da obra do Govêrno fica àqueles que lhe derem a sua confiança.

É admitida a moção ao Sr. Júlio Martins.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador enviar as notas taquigráficas.

O Sr. Caldeira Queiroz (Para um requerimento): - Requeiro que se prorrogue a sessão até se votar o incidente.

A Câmara resolve afirmativamente.

O Sr. Jacinto Nunes: - Como sabem, eu não sou Orador, não sou homem de habilidades políticas, e não tive nunca, nem tenho ainda hoje, aspirações; ou antes, não sou candidato a Ministro.

E, então, dirá a Câmara: - "Como é que você, num debate tam sério, entra nesta discussão? Não tendo aspirações políticas, como é que se atreve a tomar a palavra, num debate desta ordem?"

A resposta é simples: pela minha posição especial, tinha obrigação de tomar a palavra, sôbre o assunto, tanto mais que tive a honra de apresentar uma questão prévia, que a Câmara não admitiu à discussão.

Devo dizer que não voto qualquer moção nem de censura nem de confiança ao Govêrno.

Sr. Presidente, o que motivou a proposta do Sr. António José de Almeida? As scenas que envergonharam Lisboa na sexta feira, e já que o chefe da magistratura portuguesa a não defende, como lhe incumbia por dever do seu cargo, venho defendê-la como simples Deputado.

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Que responsabilidade tem os juizes no que se tem passado em Lisboa e Pôrto. Falo nos juizes togados.

Porventura são êles que instauram os processos, e que os preparam?

Não é o júri queda como provados ou não provados os factos ocorridos?

O juiz togado limita-se a aplicar a lei.

As absolvições que tem havido atribuo-as eu, e esta é que é verdade, a que os jurados não queiram sujeitar os crimes políticos a leis bárbaras.

Eu vou contar um facto sôbre o qual ando, há perto de cinco meses, a querer interpelar os Srs. Ministros do Interior e Justiça.

V. Exas. dir-me hão que isto não está em discussão; mas, como se está tratando de abusos do Poder Judicial, eu conto êste facto, que é característico.

A Câmara Municipal de Cascais julgou-se autorizada por si, por motu próprio, sem esperar a decisão dos tribunais, a apossar-se violentamente das águas que pertenciam à respectiva empresa de Vale de Cavalos. A empresa recorre aos tribunais e os tribunais, feita a prova do júri, mandam restituir a posse das águas à empresa que delas tinha sido esbulhada. Na ocasião em que estava para ser cumprido o mandato da justiça, o administrador do concelho aparece e esbulha a empresa da posse, que acaba de lhe ser restituída. Pois, Sr. Presidente, o Ministro do Interior ainda deixa estar em Cascais êsse administrador de concelho, que cometeu êsse crime, e o Ministro da Justiça deixa esbofetear a magistratura.

Sabe a Câmara qual é a pena a aplicar ao administrador de concelho? É a que consta do artigo 321.°, que diz o seguinte:

Leu.

Eis a razão porque eu, vendo que o Sr. Ministro da Justiça não toma a defesa da magistratura, como simples Deputado, mas com o sentimento de justiça e respeito que tenho peia Constituição, tomei a palavra.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Jacinto Nunes.

Lê-se na mesa. É a seguinte:

Moção

A Câmara, ouvidas as explicações do Govêrno, espera que êle empregará todos os meios que julgar indispensáveis para manter a ordem pública e fazer respeitar o Poder Judicial. = O Deputado, Jacinto Nunes.

Foi admitida.

O Sr. Fernando Macedo: - Requeiro que seja marcada sessão nocturna para amanhã, a qual será unicamente destinada á discussão do orçamento, ou do Código Administrativo, conforme na sessão diurna se discuta o Orçamento ou o Código Administrativo.

O Sr. Pereira Vitorino: - Sr. Presidente: apenas na observância do Regimento da Câmara, começo por ler e enviar para a mesa a minha moção de ordem que só vale como resumo das considerações que vou fazer:

Moção

A Câmara, lastimando que o Govêrno apresente uma questão de confiança, assente sôbre a manutenção da ordem pública, na ausência do Sr. Ministro do Interior, continua na ordem do dia. = O Deputado, Pereira Vitorino.

Sr. Presidente: como um leve riso passa por esta sala, eu devo dizer a todos os meus prezados colegas que não são novidade palavras como estas, pois até, se eu tivesse de aprende-las, iria buscá-las à censura que alguém aqui levantou na ocasião em que nós votávamos um feriado por motivo do aniversário do descobrimento do Brasil, lastimando que o nosso Ministro no Rio de Janeiro, ainda se conservasse em Lisboa.

O Sr. Brito Camacho: - E tinha carradas de razão.

O Orador: - Pois se para então, quando o motivo era apenas de festa, assim se proclama razão, muita mais razão se me deve reconhecer agora na estranheza quê exprimo, pois se trata duma questão de confiança, apresentada pelo Govêrno, assente na ordem pública, e não se explica que aqui não esteja o Sr. Ministro do Interior, a cargo de quem está a manutenção dessa mesma ordem pública (Apoiados).

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Interior telefonou para aqui às quinze e meia horas, dizendo que, por motivo de serviço público, não podia assistir à sessão. Estou certo que S. Exa. não sabia que se levantava hoje a questão de confiança ao Govêrno.

Vozes: - Ora! ora!

O Orador: - Lastimo que V. Exa. tivesse agora de me interromper, para fazer essa declaração ao Parlamento, só depois que eu manifestei a minha estranheza e quando, da parte do Govêrno, não houve quem se julgasse no dever de nos expor êsse motivo de serviço público que não permite a comparência aqui do Sr. Ministro do Interior. Mas mais lastimo, Sr. Presidente, que a declaração de V. Exa. assim fôsse, porquanto dá-nos a entender que o Sr. Ministro do Interior julga que pode haver, para S. Exa., qualquer outro assunto que sobreleve à questão de confiança, demais nos termos em que esta questão está posta (Apoiados).

A ela sacrificamos nós outros trabalhos parlamentares: por seu lado o Sr. Ministro do Interior sacrifica-a a outro assunto!

Sr. Presidente: esta maneira de proceder coloca-nos numa situação incompatível para com o Sr. Ministro do Interior (Apoiados).

A questão de confiança vi hoje - e o mesmo não vi há dias por motivo duma questão de moralidade por mim levantada - vi hoje sacrificar-se a ordem do dia; e, Sr. Presidente, se de qualquer forma isto se explica, o que eu, no emtanto, melhor entendo é que da parte do Sr. Ministro do Interior e do Govêrno devia haver a compreensão nítida de que nenhum outro assunto era superior àquele que aqui se discute e a que nós sacrificamos a ordem do dia. E tanto mais eu entendo que são oportunas as minhas considerações, quanto é certo, - e porque eu o sinto assim hei-de dizê-lo - que esta efervescência que se nota no público, que êste mesmo estado de cousas por vezes perturbado, se deve â má orientação do Ministério do Interior.

Pode dizer-se, Sr. Presidente, que a República não tem tido Ministério do Interior (Apoiados}; pode dizer-se que a política do país, a política da República, por vezes se tem enfraquecido pela falta de acção dêsse Ministério. É esta a minha impressão, o meu sentir. E ainda hoje, se neste embate de partidos, a que sou alheio, o Ministério porventura se afigura de qualquer forma mal colocado, é principalmente por êste facto, que me obriga a não votar a confiança a êsse Ministério.

Pois que? Trata-se duma moção de confiança assente na ordem pública, e eu não vejo, entre os Ministros, aquele a quem melhor se pode preguntar qualquer informação sô-

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bre tal assunto, Amanhã, se se discutir outro assunto, que não importe moção de confiança, e diga respeito à pasta dos Estrangeiros, Marinha ou Colónias, e não esteja presente o respectivo Ministro, eu tenho a certeza de que todos estranhariam, como eu estranho agora, o facto que se dá. Não sei por que não havemos de aceitar as situações com toda a clareza, não sei por que não havemos de dizer francamente, seguramente, donde é que deriva em grande parte o mal para êste estado de cousas. Isso vem, repito, de que não se sente, de que é nula, a acção do Ministério do Interior.

Mas se mesmo os presentes membros do Govêrno, que são todos à excepção do Sr. Ministro do Interior, quiserem dizer que S. Exa. ignora o que aqui se discute, como hão de fazê-lo sem dizerem tambêm que S. Exa. é uma figura dispensável, é um colega cora que já não contam?!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Tenha V. Exa. paciência, a sua satisfação devia ter sido no princípio. Agora já não vem V. Exa. a tempo: motivo porque não posso aceder a que me interrompa. Tem V. Exa. umas certas obrigações para com o Parlamento, e eu não venho lembrar-lhas, porque V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, pelos seus primores de educação sabe bem cumpri-las; mas, por qualquer esquecimento, V. Exa. hoje, é certo, faltou a elas. V Exa. ao ver que o Parlamento sacrificava a discussão de todos os seus trabalhos, pela demora dos quais se vê na imprensa acusado, para discutir de preferência a questão de confiança que V. Exa. apresentou, parece que tinha mais do que nunca o dever, até indeclinável, de justificar a falta do Ministro do Interior, que, no dizer do Sr. Presidente da Câmara, entendeu que outro assunto podia sobrelevar aquele que se discute. Decerto V. Exa. não usará da palavra senão para reconhecer o seu êrro involuntário, porque eu tenho na mais alta conta a sua delicadeza e o seu carácter.

E, terminando, mais um vez direi que foi só para cumprir o Regimento que li esta moção; o meu protesto está feito, e é quanto basta. Eu quis unicamente, com as minhas palavras, pôr as cousas no seu devido termo, e mostrar que nós, parlamentares, pôsto que saibamos desculpar as faltas que para conosco cometem, contudo sabemos notá-las (Apoiados).

Tenho dito.

A moção foi admitida.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Simplesmente para dizer à Câmara que o Sr. Ministro do Interior foi ao distrito da Guarda em serviço urgente do país. S. Exa. chegou esta manhã a Lisboa e não sabe nada do que se passa no Parlamento. Eu não sabia que S. Exa. tinha chegado a Lisboa e, por consequência, não o pude avisar do que se tinha passado.

Êste é o motivo por que S Exa. não se encontra presente, mas o Govêrno está suficientemente representado para responder pelos seus actos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Manuel Bravo.

O Sr. Manuel Bravo: - Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que em meu lugar fale o Sr. João de Meneses.

O Sr. Presidente: - Nesse caso fica S. Exa. inscrito em último lugar.

O Sr. Afonso Costa: - Entre o Sr. Manuel Bravo e o Sr. João de Menezes não há nenhum Sr. Deputado inscrito?

O Sr. Presidente: - Está inscrito o Sr. Carlos Amaro.

O Sr. Afonso Costa: - Nesse caso parece-me que deve tambêm ser consultado êsse Sr. Deputado sôbre se cede a sua vez.

O Sr. Presidente: - O Sr. Carlos Amaro está inscrito sôbre a matéria e o Sr. João de Meneses sôbre a ordem.

Tem a palavra o Sr. João de Meneses.

O Sr. João de Meneses (na tribuna). - Agradece ao Sr Deputado Manuel Bravo o haver-lhe cedido a palavra, porque o seu estado de saúde não lhe permite demorar-se na Câmara até muito tarde, e deseja fazer várias considerações sôbre o parecer apresentado pela comissão de legislação.

Antes, porêm, obedecendo ao que determina o Regimento, lê a sua moção.

É a seguinte.

Moção de ordem

A Câmara, reconhecendo que os interesses da Pátria e o prestígio da República estão muito acima das discussões pessoais e das contendas dos agrupamentos partidários; e considerando que ao desinteresse de todos os republicanos e os seus propósitos de cooperação sincera na defesa das instituições, deve corresponder uma acção enérgica do Poder Executivo, exprime a sua confiança no Govêrno, afirma o seu desejo de facilitar a rápida discussão e aprovação das medidas que todos consideram indispensáveis para, constitucionalmente, impor a quantos servem a Nação o rigoroso cumprimento dos seus deveres, e continua na ordem do dia. = O Deputado, João de Meneses.

As considerações que tivesse a fazer sôbre a primeira parte da sua moção, dispensa-se de as apresentar, porque o que nela declara está no espírito de todos que esta Câmara põe, acima de tudo, o seu amor pela República e pelo seu prestígio.

Moção de confiança incondicional ao Govêrno, não a vota, porque entende que o Govêrno tem de trazer ao Parlamento, propostas que, de harmonia com a Constituição, satisfaçam os desejos de todos os bons portugueses, que querem o prestígio da República.

Não vai interpretar a Constituição, mas permite-se dizer, ao contrário do que nesta Câmara tem sido afirmado, que os diferentes poderes do Estado não são independentes, mas inter-dependentes, tendo de se harmonizar entre si.

O dever de qualquer dos poderes do Estado é fazer respeitar a República e impor êsse respeito a todos que a êle queiram faltar.

Não vem fazer censuras ao Poder Judicial, mas lembra que no tempo do Govêrno Provisório êle proferiu um acórdão em que se invocava a Carta Constitucional e que depois disso outros acórdãos foram proferidos em que, evidentemente, se não respeitavam as leis da República. Para êle, orador, o primeiro dos princípios que tem de ser respeitado é o da República, porque ela não representa o privilégio duma casta, mas a vontade nacional.

Para depois ficará o apreciar se o Poder Judicial tem sido sempre a guarda fiel das instituições republicanas.

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A situação em que nos encontramos não é nova na história; outra igual se deu na terceira república da França, em que durante muitos anos, se manteve uma fôrça perfeitamente organizada contra ela, que lhe entorpecia a acção, lhe dificultava o viver. Essa fôrça era a magistratura.

Ali, como cá, fez-se uma revolução, substituiu-se o executivo e o legislativo, mas deixou-se o judicial, o que representa a ingenuidade com que se procedeu nos primeiros tempos da República.

Ouviu há pouco celebrar a generosidade do povo português, e folgou com isso, mas é preciso não esquecer que, se os republicanos tivessem sido vencidos, não estaríamos agora a discutir, porque no Código de Justiça Militar existia a pena de morte, tanto para militares como para civis, que tentassem derrubar as instituições.

Nós esquecemos tudo isso, e fizemos bem. Fomos vencedores, devíamos ser generosos, mas fomos demasiado ingénuos, porque o milagre da transformação que esperávamos não se realizou.

Não quere leis de excepção para magistrados nem para funcionários, mas que se constitua o Conselho Superior da Magistratura para substituir o que foi suprimido, e que êste, cumprindo as leis que o Parlamento tem o direito de fazer, faça respeitar de todos a República e com que todos cumpram o seu dever.

Contra os funcionários tambêm não são precisas leis de excepção: basta que os Srs. Ministros leiam com atenção os respectivos regulamentos disciplinares e que os apliquem, sem espírito de vingança, mas tambêm sem excessiva piedade.

Vota o parecer da comissão de, legislação, e para o declarar é que pediu a palavra. E isso mesmo que consta da sua moção.

Façamos todos de conta que estamos ainda nos tempos de oposição à monarquia, e não nos enganaremos muito, porque há ainda forças organizadas contra a República que é necessário combater, e uma das mais importantes é a magistratura.

Quere isto dizer que todos os magistrados não cumprem o seu dever? Evidentemente que não, mas é preciso não nos esquecermos de que a magistratura, que ainda hoje temos, é a mesma que sancionou os roubos do Peral e da Azambuja, a ditadura franquista, etc.

É preciso não confundir a generosidade com a cobardia, porque se a primeira é nobre, a segunda é ridícula, e não há instituição que se possa manter quando sôbre ela pesa o ridículo.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. João de Meneses.

Lê-se na mesa.

Foi admitida.

O Sr. Afonso Costa: - Sr. Presidente: em obediência ás disposições do Regimento, que me impõem a obrigação de exprimir o meu voto por meio duma moção, quando peça a palavra sôbre a ordem, eu mando para a mesa essa moção, que é uma perfeita cópia daquela que apresentou o Sr. Alexandre Braga.

Leu-se.

Moção

A Câmara dos Deputados, confiada em que o Govêrno fará uma defesa cada vez mais enérgica e eficaz das instituições republicanas, passa à ordem do dia. = Afonso Costa.

Sr. Presidente: aproveito o momento para dizer a V. Exa. que as outras moções apresentadas me parece não estarem inteiramente de harmonia comas exigências actuais da República Portuguesa.

A moção apresentada pelo Sr. José Montez coloca a questão no terreno quási estritamente judiciário, como se os defeitos da hora presente resultassem exclusivamente da atitude duma parte, ou do todo do Poder Judicial. Espero provar á Câmara que o equívoco em que ela está, a êsse respeito, e de que, há pouco, foi um eloquente intérprete o meu ilustre amigo Sr. João de Meneses, não deve subsistir, porque nós devemos fazer a defesa da República, onde ela for necessária, mas não vendo o Poder Judicial como um perigo para a República, nem no todo, nem na sua maioria.

A moção apresentada pelo Sr. João de Meneses está escrita em termos elevados, e certamente foi uma excelente fotografia dos sentimentos de ânimo dêsse ilustre Deputado; mas, na sua asserção inicial, ela faz um resumo da disposição dos membros desta Câmara, que me parece desnecessária, porquanto S. Exa. disse que, sem ter ouvido os diferentes grupos desta Câmara, estava convencido de que todos saberiam colocar os interesses da República acima de quaisquer paixões ou tendências de agrupamentos.

Uma moção tem um destino e um propósito, é sempre destinada a criar uma atitude no futuro, e eu, apesar de verificar que o Sr. João de Meneses não fez a crítica do passado, nem do presente de nenhum agrupamento, suponho que S. Exa. não quis deixar ficar a suspeita de que qualquer de nós não poria a República acima de todos os sentimentos de carácter partidário.

Sr. Presidente: esta sessão, com um carácter bem latino e bem vivo, não foi perdida para a República. Houve um incidente, que todos nós deploramos pessoalmente, mas êsse incidente em nada altera o desejo, que todos tem manifestado, em contribuir para defender bem a República, porque, felizmente, nós estamos todos de acôrdo sôbre o modo de bem a defender.

A sessão que se ocupa em discutir o melhor meio de defender a Republica, essa sessão pode bem inscrever-se com pedra branca na linha das nossas sessões parlamentares.

Não nos aflijamos com os comentários dos nossos adversários, por vezes disfarçados em bons e dedicados amigos, que amanhã hão de dizer, contristados, que esta República não pode suportar-se, que é completam ente inviável, porque até já tem sessões parlamentares agitadas; que esta República, porque teve hoje uma interrupção, não anda; que não sabemos desempenhar o nosso mandato.

Estas censuras, porem, hão-de ser o melhor elogio dos nossos desejos, e faço justiça aos meus adversários, que nunca ma fazem, dos desejos que todos temos de, pelo menos, colaborar na defesa da República, mas contra êsses falsos amigos que estão à espera logo á noite, para nos malsinar.

Quere isso dizer que a República esteja em perigo? Que esta sessão tenha êste carácter, esta vida, esta intensidade, porque a República está em perigo? Não, não está em perigo, mas a República passou um mau quarto de hora. pelas perturbações que na sua vida íntima e sobretudo nas classes que não conhecem todos os fenómenos que nela se produzem, podem lançar as diversas e inquietantes informações tendenciosas, completamente inventadas, que à sombra da brandura da República se lançam todos os dias, agora já descaradamente, através dos próprios jornais, para inquietar e alancear os timoratos,

Ao começo, quando a lei do Govêrno Provisório que punia os boatos atentatórios do decoro e honra da República, se cumpria, faziam-se os boatos dentro das alfurjas em que ao mesmo tempo se remordia na honra pessoal e política dum ou outro membro dêsse Govêrno; depois co-

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meçou se a fazer o comentário ao soalheiro, nas partes exteriores dos cafés; agora é já nos jornais, e ainda o outro dia uma fôlha de Lisboa que não leio, porque pertence ao número daquelas que tem a boa classificação de latrinárias, que os homens honestos não sabem que existem, essa folha teve a audácia, sem ter o correctivo do que dizia, de afirmar que o Sr. Presidente do Ministério havia combinado com os representantes duma nação estrangeira a formação de tribunais mixtos em Portugal, à semelhança do Egipto.

Para que êles não tenham a continuada e subserviente disposição de quererem imaginar que de entre os diversos amigos da República, há alguns grupos, fracções, através das quais elas podem fazer valer, comentando, copiando as suas perfídias contra a própria República, é necessário que aqui demos a prova da nossa solidariedade, porque a maior de todas as dores, que pode sofrer o coração dum republicano, o maior dos ultrajes que pode cair sôbre a sua cabeça, é êle ver que a sua palavra, os seus dizeres podem servir, um instante que seja, para atirar com êles contra a imaculada República, a quem deu toda a sua dedicação e amor.

Não está em crise a República, mas é preciso que tenha a nobreza de atitude que a situação lhe impõe.

Desde a primeira hora, o Govêrno Provisório fez leis estáveis, fez paz, fez perdão, fez a mais. nobre solidariedade política.

A esta generosidade, como responderam os miseráveis que no tempo da monarquia viviam na crápula e no crime?

Responderam, armando-se contra nós, em terras estranhas, atravessando a fronteira que nos divide para atacai-as instituições!

Êste estado de inquietação precisa terminar (Apoiados).

É preciso que, quanto antes, a êsses criminosos, a êsses verdadeiros traidores, demonstremos que estamos na resolução inabalável de os esmagar, se êles ousarem por em prática os seus projectos.

É isso que o povo quere, e quando digo povo, refiro-me ao novo que vi sempre em roda de mim e ao que me não abandona, e em que nunca distingui as duas classes, porque vivi sempre com êle, nos momentos de ansiedade, de sofrimento e de alegria (Apoiados).

Nós tínhamos o direito, talvez, de ter feito expulsar do território português aqueles que eram contra a estabilidade republicana, aqueles que não tinham pátria.

Depois dos documentos que chegaram à mão de Canalejas era tdvez, o dever do Govêrno Espanhol entregar os conspiradores.

Ainda assim, ficou uma afirmação inexacta, para nos dar autoridade moral, afirmando que temos cumprido o nosso dever, em relação à Espanha.

Eu entendo que a prolongação dêste estado, se não revolucionário, ao menos inquieto e alarmado, da consciência nacional, não é nada da responsabilidade do procedimento do Govêrno, nem dos Governos anteriores, nem da República; é da responsabilidade de meia dúzia de miseráveis que, ocupando postos de confiança, que a República lhes entregou, tem procurado estabelecer uma inquietação que os sirva nas suas circunstâncias e, por isso mesmo menos patriótica.

Êles querem que o regime, a que visam, lhes dê a paga da sua traição de Judas.

Bastará mandar meia dúzia de Deputados, ou Senadores, para os tribunais de Justiça do Pôrto e de Lisboa, para verem centenares de processos?

A verdade é que o problema não ficava resolvido, porque há outros cúmplices; e não se resolvia com a proposta apresentada por aquele lado da Câmara.

Diz-se, agora, que o Poder Judicial devia ter sido reorganizado pelo Govêrno Provisório.

Desde o primeiro dia, essa reorganização estava no meu programa.

Não só a preparei no meu gabinete, mas fiz diversas leis para ela, e que estão em vigor, e tudo foi aprovado pelos meus colegas.

Julga, porem, a Câmara, que não influía nada, em mim a atitude do Poder Judicial, perante a República?

Faz-me uma injustiça.

Eu tinha ideas assentes a êsse respeito.

Foi asaim que ficou a defesa, que eu tenho a certeza de ter bem feito - permita-se-me êste orgulho - da República, contra o clericalismo.

Se o judiciário se tivesse mostrado contra a República, como o poder clerical, não tenham dúvidas de que o Govêrno tinha meios de fazer com que êle não pudesse prevaricar, contra as instituições republicanas.

É bom que fique assente isto; de mais a mais,partindo o reparo dum medico, que pode julgar que eu estou doente.

Admiro-me de que o Sr. Vasconcelos e Sá já se esquecesse de que a parte única da minha obra, que eu transmiti para o Times, era essa; e que só não a fiz, por não estar em condições de poder trabalhar, em bem da República, desde Abril até 19 de Junho de 1911.

Quero, todavia, dizer, que os delineamentos da reforma judiciária estavam lançados.

Eu quis o júri, para todos os delitos e para os de imprensa.

Fui sempre pela separação do poder judicial; fui pela eliminação dos emolumentos jurídicos e acabava com êles, em todo o território da República.

Fui sempre pela ascenção, aos cargos da magistratura, de indivíduos que viessem para animar e fortificar as camadas judiciais.

E durante a minha estada no Govêrno Provisório, não promovi ninguêm a juiz, nem a juiz da Relação, porque tinha sido resolvido, em Conselho de Ministros, que os cargos dos altos juizes, como se faz em todos os países, principalmente na América do Norte, fôssem ocupados por nomeação.

Eu levei estas bases a Conselho de Ministros e êle aprovou-as.

Quando alguém, depois, se levantou simplesmente a duvidar da autonomia e, sobretudo da fôrça da República. êsse alguém sentiu, logo, a fôrça da minha repulsa.

Houve juizes da Relação que puseram em dúvida as nossas Instituições, defendendo-se com a Carta Constitucional, a propósito dum processo de conspiradores, e eu, apesar de serem juizes já velhos, mandei-os para uma Relação de Goa.

Voltaram cedo, voltaram em Agosto de 1911, e posso dizer à Câmara, porque o sei, que os juizes que sofreram êsses castigos não são aqueles que podem oferecer maior dúvida acêrca do respeito que tenham ás formas republicanas.

O Sr. João de Meneses tem razão. O Poder Judicial, se o deixarem em completa liberdade, é essencialmente, por tradição, um poder conservantista; mas dizer que e reaccionário e monárquico, parece-me uma injustiça.

Lidei muito com êle, e a impressão que ainda hoje tenho é de que a grande maioria dos juizes está integrada na República. Isto não quere, porêm, dizer que não à já excepções, porque infelizmente as há.

Haja em vista o que sucedeu com aquele capitão, que desonrou a farda de oficial do exército português, que afivelou na fronte o estigma de traidor e se preparava para sair com as forças do seu comando para combater a República. Pois êsse homem, conspirador confesso, foi despronunciado pela Relação, indo juntar-se às Hostes que na fronteira nos ameaçam.

Acreditem, creiam, eu não vinha aqui discutir êste assunto pelo prazer de impor as minhas opiniões às da Câmara.

Houve um conspirador, capitão do exército, que encon-

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trou nos tribunais todo o apoio de que carecia para a sua libertação. Foi lançado no seu processo um acórdão que mandou anular todo êsse processo desde o começo, isto é, que lhe deu a sua imediata liberdade e lhe permitiu assim que êle, conspirador afixado, fôsse para o exército do canalha que os comanda a todos.

Mas ai de nós, se se lançar sôbre a Nação inteira a culpa dalguns dos seus membros! Ai de nós, se se vai fazer uma devassa sôbre todo o Poder Judicial! Ai de nós, porque seriamos considerados como um país de anarquia!

Quem pode cautelosamente, sem estrépito, sem nenhuma espécie de judiciária, averiguar do procedimento dêsses juizes é o Poder Executivo. Se a Câmara não confia no Ministro da Justiça remova-o, mas emquanto êle ali estiver, é êle que deve fazer êsse inquérito.

Sr. Presidente: falou-se, com muita facilidade, nos ata quês ao Poder Judicial, na necessidade de acabar com a sua independência, mas esqueceram-se os princípios que lhe ficaram estabelecidos na nossa Constituição como poder independente.

Eu compreendo a má vontade dalguns juizes contida a República, mas não tomemos o particular pelo geral e lembremo-nos que aquilo que mais afecta a estabilidade das Instituições nascentes é exactamente o ataque ao Poder Judicial.

Sr. Presidente: quando se fez o relatório acêrca dos juizes que deviam ser enviados para Goa, teve-se todo o cuidado na sua redacção para que se não visse nele um ataque à magistratura, mas apenas um castigo aplicado aos que haviam desrespeitado as leis e ofendido a República. E creia V. Exa., Sr. Presidente, que nos países estrangeiros isso foi muito discutido e todos foram de acôrdo em que o acto do Govêrno Provisório era absolutamente necessário e justificado.

Há pouco um ilustre Deputado pedia a forca para os jurodos que pertenciam ao povo. Os jurados são tirados das pautas que se encontram organizadas.

Essas pautas são actualmente de 36, e podem ser, com deliberação da Câmara, de 60 ou de 100; até aí pode ir a nossa função.

No mais, o que é preciso é que se cumpra a lei, e consiste em se tirar os jurados por sorteio de todos os cidadãos recenseados na respectiva circunscrição. £ Fez-se isso em Lisboa e no Pôrto? Tenho razoes para dizer que não...

Eu, que defendi vários crimes de delito de opinião, via nas bancadas do júri muitos e dedicados patriotas, republicanos, e agora, que a República aumentou os seus quadros, vejo nas bancadas dos jurados, salvo uma ou outra excepção, e talvez no tribunal que está funcionando haja essa excepção, vejo de preferência monárquicos, homens que não tem nenhuma espécie de hesitação em se solidarizar com os conspiradores.

É preciso lançar os olhos para o modo como se faz o sorteio do júri.

É sabido que a parte tem direito a recusar três jurados e o Ministério Público tem direito a recusar outros três sem dar explicações.

Não sei se o Ministério Público tem usado dêsse direito em defesa da República, ou se não tem usado, não digo em ataque à República, mas por complacência especial.

Grita-se que a pena é grande, mas se há delitos que tenham uma escala de penas, são êstes de carácter político, e bastaria que estivesse um homem de bera ou que fôsse um amigo da República, para que, consoante a gravidade do delito, a categoria rio delinquente, a sua maior ou menor pena, resultasse dessas condições de responsabilidade,

Assim, não se daria o espectáculo de ver o júri monárquico funcionando na República, fazendo cousas monstruosas, como esta de absolver os próprios indivíduos que estão, alistados nas hostes de Couceiro.

É preciso tambêm, a par disso, que se passa na justiça, saber o que se passa cá fora; é preciso que não haja perturbadores de nenhuma ordem, que o Ministério do Interior institua uma vigilância cautelosa, serena, reflectida, mas enérgica e produtiva; é preciso que todo o agitador esteja permanentemente vigiado pelos órgãos de defesa da República.

Eu li há dias num jornal francês um telegrama de Portugal, que dizia que por queixa à polícia constava que um grupo tinha organizado um complot para assassinar três chefes políticos da República.

Vi isso nos jornais estrangeiros...

O Sr. Vasconcelos e Sá: - E nos portugueses?

O Orador: - Não sei.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - S. Exa. não lê a Luta?

O Orador: - V. Exa. faz-me essa pregunta com carácter político ou pessoal? Se é com carácter particular, não lhe respondo, não tem. nada com a minha vida particular.

Essa notícia dos jornais estrangeiros espalhou-se por toda a parte, e é para estranhar que o Sr. Ministro do Interior não tivesse até hoje desmentido essa notícia.

Como lá fora não conhecem os personagens que puseram a correr uma notícia dessa ordem, é claro que se o Govêrno fizesse desmentir por toda a parte essa notícia, mostrava que ela era o produto duma imaginação; ou, se era verdadeira, que os seus culpados estavam já presos.

Todos nós nos conhecemos e todos vivemos um pouco na praça pública, na praça onde passam as aragens as mais diversas, e a minha impressão é de que é preciso que exista um Govêrno com um Ministro do Interior que possa pôr cobro a suspeições, a invenções e a calúnias dessa ordem (Apoiados). E indispensável que isto não continui.

Não sei sôbre quem se quere lançar essa suspeição que atravessou a fronteira e que foi sujar os jornais estrangeiros.

Qual a garantia moral que nos dá o Sr. Ministro do Interior em frente de ideas tara apavoradas?

Tenho estado à espera de ver nos jornais estrangeiros um desmentido, mas êle não veio até hoje.

Reclamo, em nome da República e para tranquilidade do país, que sôbre êsse assunto se faça a mais completa luz (Apoiados).

Sr. Presidente: o que importa é que aqueles que não quiserem aceitar a generosidade da República sejam forçados a respeita Ia.

O regime, que é honradamente administrado e moralmente constituído, tem não só o dever, mas o direito de defender-se.

É indispensável â autonomia do país.

Resumindo, direi que nas considerações que fiz, a mim próprio tive que me defender, porque os ataques nie visavam principalmente.

Mantenho a confiança no Govêrno, e, se êste, para melhor cumprir a sua missão, necessita de acercar-se de elementos novos, que o faça, mas que não desfaleça, em qualquer circunstância, no cumprimento dos deveres que dele esperam os que amam verdadeiramente a Pátria e a República.

É isto, exactamente, o que é preciso fazer.

Reservo-me o direito de apreciar os acontecimentos, porque o partido democrático está pronto a ser escravo da República, mas não do Govêrno; e o que deseja é que êle sirva bem a República.

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Disse o Sr. Júlio Martins, ao Govêrno, que não duvidava da sua hombridade e honestidade. Pois é por isso que nós, não estando tam cheios de homens competentes, sustentamos o Govêrno.

Até hoje tenho apoiado o Govêrno, quaisquer que sejam as divergências, ou ataques, que venham contra mim, porque, assim mesmo, nesta hora da República, confio no Govêrno e dou-lhe todos os elementos de fôrça, de que disponho, para a sua defesa e prestigio.

O orador não reviu.

Lida na mesa a moção, foi admitida.

O Sr. Manuel Bravo: - Começo por ler a minha

Moção

A Câmara reconhecendo que a República é superior a todos os interesses partidários e está acima, tambêm, da esterilidade dos Governos, resolve manifestar ao Govêrno que é necessário que êle melhor saiba corresponder às necessidades nacionais e continua na ordem do dia. = Manuel Bravo.

São-me, Sr. Presidente, absolutamente indiferentes os interesses partidários, que porventura estejam em jôgo, e em volta da proposta do Sr. António José de Almeida, em discussão.

São-me absolutamente indiferentes as ambições, as vaidades e interesses de partido; porque eu, dêste lugar, com a máxima lialdade, correcção e sentimento sincero e profundo de melhor corresponder aos deveres que me cumprem, manifesto me, absolutamente, estranho a interesses de partido e às vaidades de homens.

Tenho que registar a segunda parte da sessão de hoje, porque ela representa bem a reconsideração e reflexão de todos os dedicados republicanos. E depois de ouvir as palavras do Sr. Afonso Costa, que com tanta elevação e nobreza soube combater a proposta em discussão, eu só tenho de congratular-me, por ver que os homens nem sempre se deixam levar no tropel das paixões, para combater os adversários, em matéria de princípios.

A República - afirma-se e eu sou um dos que sustentam essa opinião - está consolidada, porque conta com a dedicação de todos os bons portugueses e republicanos.

Mas não desvairemos; não tomemos as nossas palavras no sentido de que se pode garantir o progresso em Portugal, porque tudo tem os seus imprevistos, e os fenómenos sociais não estão fora das leis naturais e da lógica.

Todos nós temos o dever de reclamar, dos republicanos, a elevação, a nobreza, a generosidade para com todos os adversários. Não temos o direito de levantar, pelo país fora, uma guerra fraticida e monstruosa.

Temos o direito de divergir das opiniões dos nossos concidadãos; mas não temos o direito de seguir processos que deshonram a Republica.

E por isso que manifesto o meu orgulho de republicano, por ver que, nesta segunda parte da sessão, todos souberam cumprir, dedicadamente, o seu dever.

O Govêrno, pela boca do s"u Presidente, transformou a proposta do Sr. António José de Almeida numa moção de confiança, ou desconfiança para si.

E sob êste aspecto que eu vou emitir a minha opinião.

O Govêrno, constituído com o voto dos três partidos políticos, organizados dentro da República, não tem o compromisso do meu voto, para sua sustentação, porque não o teve, tambêm, para a sua organização. Não quere isto dizer, que eu, não tendo sido ouvido, para a organização do Govêrno, não tenha o dever de o acompanhar e de lhe dar a rainha confiança, sempre que êle o mereça.

A questão de hoje, porem, não pode ser discutida com o carácter que se lhe pretende dar.

Porque, se me pedirem o voto sôbre o trabalho e exercício do poder, de cada um dos ministros, eu tenho que fazer considerações e reparos.

Sôbre a política geral, eu nego o meu voto ao Govêrno. Tenho todo o orgulho e satisfação em juntar o meu voto ao daqueles que fazem justiça aos membros do Govêrno.

Estamos muito distantes daqueles tempos, em que os governos eram atacados nas pessoas de seus membros.

A República não tem - como disse e muito bem, há pouco, o Sr. Afonso Costa - uma reserva tal de homens, que noa possamos substituí-los, a breve trecho, no poder. Mas tambêm é certo que, por essa orientação, os nossos votos não podem ficar presos a êsses homens desde que êstes não correspondam às necessidades superiores da administração pública e não satisfaçam as reclamações legítimas da opinião pública.

Arredada a questão pessoal, o que simplesmente quero é afirmar o meu desejo de que o Govêrno saiba sempre cumprir o seu dever perante os interesses do país.

Tenho dito.

Lida a moção foi admitida.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Por parte da comissão de finanças, mando para a mesa o parecer sôbre o orçamento do Ministério das Colónias, e ainda doutros sôbre os projectos n.ºs 121-A, 172-H e 185-A.

O Sr. Carlos Amaro: - O Deputado que êle, orador, interrompera, declarou que retirava a palavra que a Câmara considerava ofensiva, mas que conservava no emtanto o seu sentido. A isso responde que o áparte que fez não tinha nada de ofensivo, era a afirmação dum facto, e essa afirmação mantêm-na.

O discurso será publicado na íntegra guando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente : como falo poucas vezes, gosto de ser ouvido; por isso peco a V. Exa. o obséquio de mandar tocar a campainha.

Pausa.

Parece-me que de todas as moções apresentadas, nenhuma delas é completa, isto é, nenhuma delas compreende, íntegro, o objectivo que visa, e como a discussão tem necessáriamente de terminar pela votação duma delas, redigi um aditamento á do Sr. Alexandre Braga, que é tambêm assinada pelo Sr. Afonso Costa, parecendo-me que assim ficará completa.

Votaria a moção do Sr. José Montês, por que ela habilitaria imediatamente o Govêrno a proceder contra os juizes que dalguma forma atentem contra o prestígio e a segurança da República, e o facto em nada prejudicaria a futura organização judiciária, que teria assim, e desde já um começo de realização, e que não foi decretada pelo Govêrno Provisório por motivo de doença do Sr. Afonso Costa.

Eu creio que não haveria inconveniente grave para a unidade dêsse diploma, em destacar as providências que as circunstâncias reclamam com a máxima instância e. por isso, acho que é de aceitar a moção do Sr. José Montês.

E permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu diga que folguei imenso com as declarações feitas pelo Sr. Afonso Costa, relativamente à reforma da organização judiciária. S. Exa. apresentou, efectivamente, em Conselho de Ministros, as bases dessa reforma, e se ela

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não foi convertida em lei, não foi, como se tinha feito correr, porque os colegas de S. Exa., no Govêrno Provisório lhe tivessem feito oposição, e ainda porque, nesse mesmo Govêrno não houvesse a unidade de vistas que houve ou deveria ter havido, para bem da República e prestígio do país, mas unicamente por motivo da doença que por muito tempo afastou S. Exa. do Govêrno.

Folguei imenso em ouvir estas declarações, por que assim fica, desde hoje, assegurada a verdade dos factos e completamente partidos os dentes da calúnia, que pretendeu, mais duma vez, em benefício duns e em prejuízo doutros, fomentar a desordem em todos os que servem a República.

Sr. Presidente: eu não quero tomar muito tempo á Câmara, porque a hora vai adiantada e o Sr. Afonso Costa fez umas preguntas que necessáriamente obrigam o Sr. Ministro da Justiça a dar-lhe resposta, e Deus me livre de roubar a S. Exa. o tempo de que tanto carece para devidamente se explicar.

S. Exa. dirá, em resposta ao Sr. Afonso Costa, qual tem sido o modo como tem funcionado os tribunais, como tem sido constituída a pauta do júri e qual a razão por que os agentes da autoridade tem deixado correr toda a espécie de calúnias contra os homens de maior representação na República. E eu, que não tenho qualidade para responder a S Exa., quero deixar ao Sr. Ministro da Justiça o tempo preciso para dar à Câmara as explicações que ela aguarda.

Mas, Sr. Presidente, o intuito com que eu pedi a palavra era para apresentar um aditamento à moção do Sr. Afonso Costa, que ficaria assim redigida:

Aditamento

Proponho que à moção dos Srs. Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga se faça êste aditamento a seguir às palavras "instituições republicanas": e "segura de que a colaboração dos dois poderes, o Executivo e o Legislativo, habilitará urgentemente o primeiro com todos os elementos a ela necessários".= O Deputado, Brito Camacho.

Sr. Presidente: escusado será dizer, que eu daria o meu voto a qualquer providência que o Govêrno viesse apresentar á Câmara e que visasse à necessidade absoluta de defender a República, porque, como muito bem disse o Sr. João de Meneses, êsse é o nosso supremo princípio; (Apoiados), mas quere-me parecer que, pelo que toca às faltas cometidas pelos funcionários públicos, os Ministros estão precavidos, para punirem essas faltas, com os respectivos regulamentos disciplinares.

Os Ministros tem nesses regulamentos meios eficazes de coibirem, como quiserem e até onde quiserem, os delitos praticados pelos funcionários que atentarem contra a República. (Apoiados).

Mas supondo que nos regulamentos disciplinares há insuficiências de qualquer natureza, eu não teria dúvida nenhuma em suprir essas insuficiências, sob proposta do Govêrno ou de qualquer Deputado; o que é indispensável, é que realmente, nem pelo lado do Poder Judicial, nem de quem quer que seja, se continui a dar êste espectáculo de forças organizadas dentro da República, atentando contra ela.

Sr. Presidente: visto que disto se fez questão política, e a meu ver muito bem, porque tendo-se, pomo disse o Sr. Presidente do Conselho, constituído o Govêrno com o apoio de três grupos parlamentares, como à última hora foi por um dêsses grupos retirada a confiança ao Govêrno, êle precisava saber se o procedimento tinha sido de tal ordem que levando um dos grupos a retirar-lhe a sua confiança, levaria os outros grupos a fazer restrições na confiança que lhe haviam prestado e lhe tem dado.

Muito bem andou o Sr. Presidente do Ministério em pôr a questão de confiança, porque, realmente, o Govêrno precisa de saber se tem maioria parlamentar com a qual possa continuar governando, ou se, perdida a confiança da Câmara, tem de fazer a única cousa que decentemente pode fazer: apresentar a sua demissão.

Não há nada como as situações claras, e esta esclareceu-se, um bocado tarde, mas esclareceu-se.

Não há ninguêm que, por menos que conheça a história parlamentar, por menos que saiba alguma cousa de política que não veja a enorme vantagem que tem um Govêrno, por um lado em ter uma maioria que o apoie e, por outro, em ter uma minoria que o combata, pois daqui não resulta mal para ninguêm, e, antes pelo contrário, resulta um benefício para todos, contanto que nem as maiorias dêem aos Governos um apoio incondicional, nem as minorias façam aos Governos uma oposição sistemática.

Não estamos nessa altura; por emquanto, o nosso trabalho, através de todas as divergências, tem de ser mais ou menos de cooperação, mas essa cooperação de forma alguma estorva um grupo parlamentar de tomar bem definidamente uma atitude de oposição.

Eu felicito-me porque assim sucedesse, porque os Governos são fracos quando não tem ninguêm que fiscalize os seus actos e lhe peça estreitas contas do seu procedimento, sem pôr em dúvida a honorabilidade pessoal dos Ministros, tanto dos que estão, como dos que vierem.

Eu não sei se alguma vez fiz aqui afirmações do meu respeito pela honestidade pessoal dos Ministros, mas devo declarar que é cousa que sempre vejo com desagrado o estar-se constantemente a passar atestados de bom comportamento a quem os não pede nem precisa dêles; é muito melhor que quando não pudermos fazer acusações fundamentadas, nos dispensemos de fazer insinuações que obriguem ao tal atestado de bom comportamento.

Não se trata da honestidade dos Ministros, trata-se da competência, e essa competência é mesmo bom que alguém a ponha em dúvida, quando mais não seja, para terem ocasião de a afirmar; por isso de forma alguma lamento que um grupo parlamentar, com cujo apoio se tenha constituído êsse Ministério, tomasse uma atitude de oposição.

Fez muito bem; não concorda com a orientação do Ministério, entende que ela não é suficientemente inteligente e ilustrada em negócios de administração para fazer à República aquele serviço de que ela carece, constitui-se em fiscal do Govêrno; só temos de o louvar por isso. Mas o Govêrno é que precisava saber se tendo perdido a confiança dêsse grupo parlamentar, continuava a ter a confiança dos restantes grupos; foi isso o que fez o Sr. Presidente do Conselho pondo nitidamente a questão política.

Não seria êste o momento para abrir uma crise ministerial, disse o Sr. Afonso Costa, com o que eu concordo inteiramente.

Não é tam grande o número dos nossos homens de Estado, que não hesitemos um pouco em renovar frequentemente os ministérios.

S. Exa., que é muito inteligente e muito ilustrado, por forma alguma quis dizer que é tam absoluta e tam grande a nossa carência de homens que, quando o Ministério, o que está ou o que vier, se revelasse incompetente, nós teríamos de reconhecer que êle era mais competente que o outro, não importa qual, que o substituísse.

Quis dizer, sem dúvida, que emquanto êstes Ministros, dentro dos preceitos da mais extraordinária moralidade e dos mais estritos princípios republicanos, com proveito para as instituições e para a dignidade do país, souberem desempenhar as suas funções, não lhes faltará o apoio dos grupos parlamentares.

Folguei de ouvir esta afirmação da parte do Sr. Afonso Costa que está á frente do grupo mais numeroso do Parlamento.

Também dou o meu apoio ao Govêrno, não um apoio

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incondicional, porque êsse não o dou a ninguêm, mas o apoio que, a meu ver, as circunstâncias justificam e tornam necessário.

Por isso, votarei a moção do Sr. Afonso Costa com o aditamento que vou mandar para a mesa.

Ela significa a confiança que eu e os meus amigos políticos depositamos no Govêrno, mas significa tambêm a esperança de que o Govêrno, colaborando ou aceitando a colaboração do Parlamento, se habilite de qualquer forma, com todas as providências que forem necessárias, para que não continui lá fora a desordem, o desprestígio, uma espécie de exautoração da República, se, porventura, nós, Govêrno e Parlamento, não soubermos manter a autoridade e o prestígio do regime naquela altura que o torne inacessível a toda ai baixa calúnia e a todos os propósitos infamantes.

Sr. Presidente: o debate é efectivamente político, mas V. Exa. vê que me afastei da questão política.

Não acompanharei alguns Srs. Deputados nas considerações que fizeram acêrca dos actos de administração de alguns Srs. Ministros, essa questão reservo-a para outra ocasião; mas o que digo é que da mesma forma que não acho conveniente aos interesses da República uma crise ministerial provocada neste momento, tambêm não considero como bom processo de política republicana, e conducente a desprestigiar as instituições, os ataques que por ventura se fizessem concentrar sôbre determinados Ministros para abrir uma brecha no Ministério.

V. Exa. sabe que o apoio que eu e os meus amigos políticos temos dado a todos, os Governos tem sido condicional, mas sem restrições. Nós apoiamos a situação ministerial porque entendemos que ela corresponde às necessidades da República e da Nação (Apoiados}. Mal nos iria SG nesta altura da sessão legislativa, nós, de qualquer forma, pretendêssemos provocar uma crise total ou parcial que, não derivando e não sendo imposta pelas circunstâncias, teria a semelhança duma das antigas habilidades em jôgo com que na monarquia se eliminava um Ministro.

Não; eu garanto que em quanto o Govêrno, como até agora, continuar desempenhando a sua função, com aquele mesmo critério e irrepreensível honestidade, com o que o tem feito até agora, eu olharei para aquelas cadeiras do poder e não verei de que lado estão os meus camaradas de ocasião: verei, apenas, os Ministros da República. E só lhes negarei o meu apoio quando os factos demonstrem que a minha confiança deixou de ser merecida.

Até agora, tem a minha inteira confiança.

É lido na mesa, e admitido, o aditamento do Sr. Brito Camacho.

O Sr. António José de Almeida: - Não se alongará em considerações, porque os Srs. Vasconcelos e Sá e Júlio Martins já disseram o bastante para se saber o que pensa o partido evolucionista acêrca da questão que se debate. E se não fossem os ataques pessoais que lhe foram dirigidos, nem mesmo usaria da palavra.

Não discute agora se a proposta que apresentou representava ou não um acto de desconfiança ao Govêrno, o que sustenta é que os homens que se sentam nas cadeiras do poder, embora sinceros republicanos, não tem a energia, a largueza de vistas que neste momento são precisas.

Reconhece que o Govêrno se tem esforçado em bem servir a República, mas a verdade é que não tem sabido cumprir a sua missão.

Disse o Sr. Brito Camacho, e disse bem, que não havia perigo algum em que houvesse oposição. Assim e, sobretudo quando essa oposição não tem interesse algum nem pretende escalar o poder.

A sua proposta será ou não constitucional, mas o que é certo é que foi na esteira dos acontecimentos. De resto, ninguêm quis ver os propósitos a que ela obedeceu, nem atender ao que declarou, que ela tinha simplesmente em vista esclarecer. E o que hoje se tem passado nesta sessão demonstra que tinha realmente razão ao apresentá-la.

Êle, orador, que não conhece a vida dos tribunais, como a conhece o Sr. Afonso Costa, apresentou essa proposta para que se averiguasse se o Poder Judicial tem andado com ordem, ou se há apenas manifestações isoladas que possam facilmente ser remediadas ou punidas.

Mas, diz o Sr. Afonso Costa, êsse inquérito levaria muito tempo e resultaria por isso improfícuo. Não lhe parece que assim seja, porque bastava folhear os processos que tem alarmado o espírito público, e isso não levaria muitos dias.

O Sr. Alexandre Braga, folheando o Sumário, disse que êle, orador, tinha tratado mal o povo de Lisboa, que tinha lançado epítetos sôbre um povo que dantes tanto lisonjeou para â sua custa se engrandecer Nas palavras que proferiu distinguiu bem, disse provavelmente o povo de Lisboa tinha aparecido no meio dêsses tumultos, mas para se pôr ao lado da República, para condenar o procedimento dos outros Não foi um povo que cuspiu, que tentou agredir os homens que estavam sob a acção da justiça.

E que amargura lhe causou ouvir o Sr. Alexandre Braga dizer que êle maltratou agora êsse povo que o havia engrandecido! Engrandecê-lo a êle, á República, que nada lhe deu e a que, em compensação, êle muito tem dado. Não tem proventos, nem honrarias, nem sequer o amor daqueles ao lado de quem lutou, e que deviam reconhecer nele, senão talento, ao menos, lialdade.

Que triste é ouvir falar assim contra quem, ainda por nenhum acto seu desonrou a República!

Não é um tribuno, mas é um homem que tem uma palavra fácil, e que sobretudo é sincero, pondo nas suas palavras as palpitações do seu coração. E se a sua eloquência morreu, como disse o Sr. Alexandre Braga, sôbre a sua campa riu quem tinha direito a lançar um sorriso, porque êle nunca fora um instrumento de luxo ou de recreio.

S. Exa. fica sendo o tribuno, êle, orador, o talassa, o traidor, mas lembre-se S. Exa. de que a vida do tribuno é breve.

Êle, orador, sozinho, votado ao ostracismo, que não quere substituir o Govêrno porque não tem ambições, há-de sempre servir e amar a República, embora no isolamento mais completo.

O Sr. Júlio Martins: - Deseja simplesmente notar que o Sr. Afonso Costa, apreciando o procedimento do partido evolucionista, que nega a sua confiança ao Govêrno, demonstrou tambêm que não lha dá por completo.

Com efeito, S. Exa. não fez senão acentuar a incompetência do Sr. Ministro do Interior, principalmente quando se referiu à notícia do complot publicada nos jornais estrangeiros. Nesse ponto S. Exa. tem-no a seu lado.

Temos, por consequência, que o Sr. Ministro do Interior não tem a confiança do partido evolucionista nem do Sr. Afonso Costa.

Referiu se depois o Sr. Afonso Costa ao caso do capitão que foi despronunciado pelo tribunal superior. Se foi, como S. Exa. disse, por falta de cumprimento rigoroso da lei, o Sr. Ministro da Justiça, não procedendo, não merece tambêm a confiança do Sr. Afonso Costa.

Aqui temos, portanto, outro Ministro que não merece a confiança do Sr. Afonso Costa, nem do partido evolucionista.

E agora, respondendo a S. Exa. na parte em que afirmou que o inquérito levaria muito tempo a fazer, pre-

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SESSÃO N.° 122 DE 29 DE MAIO DE 1912 23

gunta: Conhecendo se dois ou três processos em que a lei foi desrespeitada, examinados êles, se não se fica habilitado a tomar medidas rigorosas?

Se apenas há meia dúzia de juizes, como disse o Sr. Afonso Costa, que não são bons, porque não cumpriu o Govêrno o seu dever?

Se o partido evolucionista nega a sua confiança a todo o Govêrno, e se o Sr. Afonso Costa a não tem em todos os Ministros, poderá êsse Govêrno sentar-se nas cadeiras do poder?

Referindo-se ainda ao áparte que um Sr. Deputado antes lhe fizera, declara que mantêm o que dissera.

Êste discurso será publicado na íntegra quando o orador devolver as aota? taquigráficas.

O Sr. Afonso Costa: - Sr. Presidente: quero únicamente declarar que aceito o aditamento à minha moção, apresentado pelo Sr. Brito Camacho. De sorte que o aditamento poderá ser apreciado juntamente com a minha moção.

E já que estou no uso da palavra, quero dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, que as considerações que há pouco fiz foram bem claras, ficam no seu lugar, não se prestando a especulações de nenhuma ordem, e que em relação a somas, só se somam quantidades homogéneas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto de Vasconcelos): - Simplesmente para declarar a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, que o Govêrno aceita as moções do Sr. Afonso Costa e Alexandre Braga, com o aditamento do Sr. Brito Camacho.

O Govêrno fica á disposição do Parlamento.

O Govêrno retira-se da sala.

O Sr. José Montez: - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se ela consente que eu retire a minha moção.

Foi retirada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Alexandre Braga.

Lê-se na meia.

O Sr. Inocêncio Camacho: - Requeiro votação nominal sôbre essa moção.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o aditamento do Sr. Brito Camacho.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre se a moção do Sr. Alexandre Braga deve ser votada juntamente com o aditamento do Sr. Brito Camacho.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento do Sr. Inocêncio Camacho, no sentido de que, sôbre esta moção, recaia votação nominal, tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Disseram aprovo 65 Srs. Deputados e rejeito 27.

Foram os seguintes:

Disseram aprovo os Srs.: Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Augusto da Costa, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Alexandre Braga, Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Maria Ladeira, Alfiedo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunes Ribeiro, Álvaro Poppe, Álvaro Xavier de Castro, Amílcar da Silva Ramada Curto, António Aresta Branco, António França Borges, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António Maria da Cunha Marques da Costa, António de Paiva Gomes, António Pires Pereira Júnior, Augusto José Vieira, Baltasar de Almeida Teixeira, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Eduardo de Almeida, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Ernesto Carneiro Franco, Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava), Francisco José Pereira, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, João Barreira, Tono Carlos Nunes da Palma, João Duarte de Meneses, João Pereira Bastos, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Teófilo Braga, José Afonso Pala, José Augusto Cirnas Machado, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Francisco Coelho, José de Freitas Ribeiro, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Montez, José da Silva Ramos, José Tomás da Fonseca, José Vale de Matos Cid, Luís Inocêncio Ramos Pereira, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel Gregório Pestana Júnior, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Severiano José da Silva, Tomé José de Barros Queiroz, Vitor Hugo de Azevedo Coutinho, Vitorino Henrique Godinho, Vitorino Máximo do Carvalho Guimarães.

Disseram rejeito os Srs.: Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, António Albino Carvalho Mourão, António Augusto Pereira Cabral, António José de Almeida, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria Malva do Vale, António Silva Gouveia, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Casimiro Rodrigues de Sá, Fernando da Cunha Macedo, Guilherme Nunes Godinho, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Camilo Rodrigues, João Gonçalves, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, José António Simões Raposo Júnior, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, José Perdigão, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Rodrigo Fernandes Fontinha, Vítor José de Deus Macedo Pinto.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Júlio Martins.

O Sr. Júlio Martins: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara, sôbre se ela consente que eu retire a minha moção.

Foi aprovado.

O Sr. João de Meneses: - Peço a V. Exa.. Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se ela consente que eu retire a minha moção.

Foi aprovado.

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24 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Jacinto Nunes.

Lê-se na mesa.

Foi considerada prejudicada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Pereira Vitorino.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - A matéria contida nesta moção é diferente de todas as outras; todavia o que me parece é que depois de aprovada uma moção de confiança, não pode ser votada uma moção de censura (Muitos apoiados).

O Sr. Brito Camacho: - A moção que acaba de ser lida lamenta que o Govêrno pusesse a questão de confiança na ausência do Sr. Ministro do Interior; por consequência, é manifestamente uma moção de censura ao Govêrno e ao Presidente desta Câmara.

Ora, eu pregunto se pode ser votada uma moção de censura, em seguida a uma moção de confiança?

O orador não reviu.

O Sr. Pereira Vitorino: - Como eu na minha moção apenas quis exprimir o meu voto, e declarei que a apresentava apenas em obediência ao Regimento, peço licença para a retirar.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da comissão.

O Sr. Afonso Costa: - Requeiro que seja dispensada a leitura.

Foi aprovada a dispensa da leitura e o parecer da comissão.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é amanhã, às 13 e meia, sendo a ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

O REDACTOR = Sérgio de Castro.

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