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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 11

EM 19 DE DEZEMBRO DE 1916

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Alfredo Soares

Sumário. - Respondem à chamada 60 Srs. Deputados, sendo posta a acta em discussão quando se verifica a presença de 70 Srs. Deputados. Usam da palavra, para declarações, os Srs. Costa Júnior e Augusto José Vieira. Aprova-se a acta e lê-se o expediente, que tem o devido destino. O Govêrno está representado pelou Srs. Ministros da Justiça (Mesquita Carvalho) e do Trabalho (António Maria da Silva).

Antes da ordem do dia.- O Sr. Presidente refere-se à morte do Sr. arcebispo de Calcedónia, propondo que na acta se exare um voto de sentimento por êsse motivo. A proposta é aprovada depois de usarem da palavra os Srs. Almeida Ribeiro, Carvalho Mourão, Brito Camacho. Ministro da Justiça e Costa Júnior Em negócio urgente, o Sr. Costa Dias ocupa-se da demora havida na utilização duma peça de artilharia Krupp enviada para a Madeira O Sr. Ministro das Finanças (Afonso Cosia) responde que a peça não podia ter sido detida na alfândega por motivo fiscal. O Sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos) explica as condições de defesa militar da Madeira, tambêm em resposta ao Sr Costa Dias. O Sr. Ribeira Brava requere que entre imediatamente em discussão o parecer n ° 331. É rejeitado. O Sr. Ministro do Trabalho manda para a Mesa duas propostas de lei, para uma das quais pede urgência, que a Câmara concede. O Sr. Tavares Ferreira apresenta um projecto de lei, pedindo urgência. É concedida. O Sr. Pites de Campos justifica um projecto de lei, que manda para a Mesa, sôbre a indústria das limas. Requere a urgência, que é concedida. O Sr. Presidente do Ministério comunica à Câmara as perdas sofridas pelas nossas tropas em combate na África Oriental.

Ordem do dia. - Aprovam-se os pareceres n.ºs 533, 534 e a proposta de autorização para continuarem presos membros da Câmara. Entra em discussão outra proposta autorizando a prisão do Sr. Deputado Celorico Gil. Usam da palavra os Srs. Jorge Nunes, Costa Júnior, Ministro da Guerra (Norton de Matos) e Álvaro Poppe, sendo a proposta aprovada. Continua em discussão a interpelação sôbre a questão das subsistências, usando da palavra o Sr Ministro do Trabalho. O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato.

Abriu-se a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes à chamada: 70 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Soarem.
Álvaro Poppe.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino Carvalho Mourão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Firmo de Azevedo Antas.
António José de Almeida.
António Maria da Cunha Marques da Costa.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Maria Pereira Júnior.
António Marques das Neves Mantas.
António Pires de Carvalho.
Armando da Gama Ochoa.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos da Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alberto Lima Basto.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Ernesto Júlio Navarro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis (Pedralva).
Francisco Correia do Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco de Sousa Dias.
Francisco Xavier Pires Trancoso.
Gaudêncio Pires de Campos.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Barreira.
João Elísio Ferreira Sucena.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pedro de Sousa.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Augusto Pereira.
José Augusto Simas Machado.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio do Patrocínio Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Firmino da Costa.
Mariano Martins.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sérgio da Cunha Tarouca.
Tomás de Sousa Rosa.
Urbano Rodrigues.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abraão Maurício de Carvalho.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Xavier.
Albino Vieira da Rocha.
António Augusto de Castro Meireles.
António Caetano Macieira Júnior.
António Maria da Silva.
António Vicente Marçal Martins Portugal.
Artur Augusto da Costa.
Artur Duarte de Almeida Leitão.
Augusto Luís Vieira Soares.
Constâncio de Oliveira.
Francisco José Fernandes Costa.
Gastão Correia Mendes.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Zuzarte Cortesão.
João Carlos de Melo Barreto.
João de Deus Ramos.
João Gonçalves.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António Simões Raposo Júnior.
José Bessa de Carvalho.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Levi Marques da Costa.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís Carlos Guedes Derouet.
Manuel Martins Cardoso.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Vitor Hugo de Azevedo Coutinho.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adelino de Oliveira Pinto Furtado.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Alberto de Moura Pinto.
Alexandre Braga.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Monjardino.

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Angelo Vaz.
António de Almeida Garrett.
António Aresta Branco.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Caetano Celorico Gil.
António Cândido Pires de Vasconcelos.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Alaria Malva do Vale.
António Medeiros Franco.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António de Paiva Gomes.
Armando Marques Guedes.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo de Almeida Lucas.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eduardo Augusto de Almeida.
Ernesto Jardim de Vilhena.
Francisco da Cruz.
Gastão Rafael Rodrigues.
Germano Lopes Martins.
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
João Baptista da Silva.
João de Barros.
João Cabral de Castro.
João Canavarro Crispiniano da Fonseca.
João Catanho de Meneses.
João Crisóstomo Antunes.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Ferreira da Silva.
José Barbosa.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José de Freitas Ribeiro.
José Maria Gomes.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
Luís de Brito Guimarães.
Manuel Augusto Granjo.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo José Rodrigues
Vitorino Henrique Godinho.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente; - Responderam à chamada 60 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados. Está em discussão a acta.

O Sr. Costa Júnior (sobre a acta): - Sr. Presidente: em virtude do meu estado de saúde não ter permitido que estivesse aqui até o final da sessão de ontem, vou mandar para a Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Augusto José Vieira (sobre a acta): -Sr. Presidente: declaro a V. Exa. que se estivesse presente na sessão de ontem, quando se votou a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, a teria rejeitado.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.

Foi lido o seguinte

Expediente

Pedidos de licença

Do Sr. Castro Meireles, solicitando trinta dias de licença, por motivo de doença.

Para a Secretaria.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Sr. Alfredo Soares, solicitando para o Exmo. Sr. Henrique de Vasconcelos quatro dias de licença.

Para a Secretaria.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Sr. Ernesto Vilhena, solicitando trinta dias de licença.

Para a Secretaria.

Concedido.

Comunique-se

Para a comissão de infracções e faltas.

Oficio

Do Sr. Celestino de Almeida, Sub-Secretário de Estado do Ministério das Colónias, enviando para ser presente à Câmara uma relação contendo a indicação das medidas de carácter legislativo que foram promulgadas por êste Ministério desde 22 de Junho até 30 de Novembro do corrente ano, em virtude da faculdade concedida pelo artigo 87.° da Constituição Política da República Portuguesa.

Para a Secretaria.

Para a comissão de colónias.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Representação

Do Sr. José Augusto Gonçalves Freitas, capitão de infantaria 5, solicitando para ser abrangido pela lei n.° 578, por se julgar com direito a isso.

Para a Secretaria.

Para a comissão de guerra.

Telegramas

Lisboa. - Sr. Presidente: ouvi ontem na Câmara, a cujos desígnios V. Exa. tam prestigiosamente preside, S. Exa. Ministro Guerra fazer mais calorosas entusiásticas referências funcionários correios e telégrafos pela acção verdadeiramente patriótica e digna desenvolveram últimos acontecimentos que alvoroçaram. Interpretando sentimento cêrca de 200 interessados apelo alto patrocínio V. Exa. para nosso projecto hoje aprovado Câmara como momento mais próprio praticar acto justiça êsses humildes empregados.- Pelos Praticantes Telégrafo-postais do País, António Maria Atanásio.

Para a Secretaria.

Cabeceiras. - Como projecto 515-A para discussão hoje implicados com desgraçada situação encarregados telégrafo-postais, rogamos encarecidamentc inter ceda sentido não ser discutido êsse projecto sem que delegado classe vá Lisboa junto nobre Ministro Trabalho dizer da nossa justiça e que para logo seja concedida licença que solicitam.- Pinto Miranda, encarregado estação Póvoa Lanhoso - António Rodrigues, Cabeceiras de Basto - Zulmira Rodrigues, Viana - Deolinda Jacob, Gandarela - Luís Abreu, Arco Baúlhe e Deolinda Ferreira, Celorico de Basto - Maria da Glória, Rossas - Alfredo Silva, Mondim de Basto - João dos Santos, Ruivães.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Participo a V. Exas. que faleceu há dias o arcebispo de Calcedónia, Sr. António Aires de Gouveia, que representou um papel importante na política portuguesa. Deputado, Par do Reino, Ministro mais duma vez e presidente da Câmara dos Pares, o ilustre extinto era um espírito essencialmente liberal, e exactamente por êsse motivo sofreu durante a sua vida muitos dissabores. Creio que a Câmara certamente aceitará a proposta que eu laço para só lançar na acta da sessão um voto de sentimento pela morte de tam ilustre cidadão.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Sr. Presidente: por parte da maioria parlamentar do Partido Republicano Português, associo-mo ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor, que é inteiramente justificado.

O Sr. António Aires de Gouveia foi por duas vezes Ministro da Justiça e. pelo menos da segunda vez, deixou o sen nome vinculado a medidas de relativo valor obedecendo a uma orientação definida em matéria de direito penal, e que sem dúvida foram medidas que mereceram um lugar distinto na nossa legislação. Alêm disso o Sr. António Aires de Gouveia fez durante anos estudos especiais sôbre regime prisional em Portugal, ocupando-se dêles com carinho, e como base nos seus trabalhos apresentou propostas de valor no sentido de introduzir melhorias nos nossos estabelecimentos prisionais.

Foi, como V. Exa. acentuou muito bom, Deputado, Par do Reino e Presidente da Câmara, no tempo da monarquia. Era um escritor correctíssimo; a sua linguagem escrita ou falada era dum rigor clássico dificilmente igualada.

António Aires de Gouveia foi sempre um espírito liberal, e que lhe valeu por parte da Santa Sé uma hostilidade constante durante toda a sua vida, hostilidade tensa, persistente, como sabe ter a Cúria Romana.

Por todas estas razões êste lado da Câmara se associa com inteira justiça ao voto proposto por V. Exa. concordando portanto que na acta desta sessão conste o sentimento da Câmara pelo falecimento do iam ilustre extinto.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho Mourão: - Sr. Presidente: em nome do Partido Evolucionista, a que pertenço, e tambêm em meu nome pessoal, tenho a honra de me associar, profundamente comovido, ao voto de sentimento proposto por V. Exa., pelo passamento do Sr. arcebispo de Calcedónia. D. António Aires de Gouveia.

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E é com um sentimento entranhadamente dolorido que eu me associo a essa justa homenagem ao morto ilustre, porque não é sem grande posar, sem uma grande angústia, que vejo desaparecer do número dos vivos, da agitada scena da vida, o esconder-se para sempre na voragem insondável do túmulo, um homem da alta envergadura intelectual e moral do Sr. António Aires de Gouveia. Não é o país tam rico em homens daquela grande e nobre estrutura, que possamos presencear, sem uma dor imensa, sem um angustiado contorcer do coração, a perda duma tam alta, duma tam grandiosa figura moral (Apoiados). Sinto-me, pois, grandemente opresso, tendo de esboçar, ainda que a traços ligeiros e fugidios, o perfil do prelado eminente, do homem extraordinário, do professor ilustre, cujo desaparecimento constitui uma verdadeira e dolorosa perda nacional.

O Sr. D. António Aires de Gouveia foi um estudante distintíssimo, muito querido e respeitado dos seus mestres. Formado em duas faculdades, licenciado na de teologia e doutorado na de direito, depressa ascendeu a lente desta última faculdade, depois dum concurso brilhantíssimo, em que a sua poderosa inteligência e o seu grande saber claramente se evidenciaram. Foi sempre considerado como um dos professores mais distintos, mais ilustres daquela faculdade, honrando extraordinariamente a cátedra, em que tanto se notabilizou e tam alevantado conceito adquiriu, e da Universidade de Coimbra, de que foi um dos maiores e mais brilhantes ornamentos. Era duma eloquência fulgurante, honrando e nobilitando tambêm, com o brilho da sua palavra, a tribuna parlamentar. Pertenceu, na verdade, à geração dos oradores que mais honraram o Parlamento Português. A sua eloquência era brilhante, verdadeiramente arrebatadora, e o seu saber sólido e profundo (Apoiados).

Foi tambêm um dos maiores e porventura o maior orador sagrado do seu tempo. Os seus Ensaios do púlpito constituem um título de glória imarcescível, para a memória do professor ilustre e do prelado eminente que a nação acaba de perder e cujo passamento há-de ser perdurávelmente pranteado (Apoiados).

Na sua vida pública, tambêm poderemos ir procurar actos bem dignos de serem ponderados e que nos poderão servir de exemplo e proveitosa lição. A sua notável acção, no Ministério de 1865, em que pela primeira vez ascendeu a tam altas funções, foi de molde a elevá-lo extraordinariamente, no conceito público. Na curta existência, quási efémera, dêsse Ministério, teve o Dr. Aires de Gouveia ocasião de muito se notabilizar, não só pelo seu portentoso talento e profundo saber, mas ainda pela sua grande honestidade. Não quero agora cansar a Câmara com a narração dum dos factos por êle praticados, facto de tam acentuada honradez, que por si só bastaria, para o fazer estimar e adorar por quantos prezam uma sã e honesta administração pública.

Foi ainda Presidente da Câmara dos Deputados, assinalando-se por tal forma, na sua passagem por êsse alto cargo, que deixou nele um nome, que não sei se chegou a ser igualado, mas que decerto não foi excedido.

O Dr. António Aires de Gouveia tornou-se ainda credor da consideração e estima de todas as almas nobres e generosas que se condoem sempre da sorte dos vencidos, pela sua nobre e humana atitude, na Câmara dos Pares, após o 31 de Janeiro, pronunciando um notabilíssimo discurso, em que, a par das mais honradas afirmações liberais, criticou e censurou asperamente os erros que motivaram e grandemente justificaram aquele movimento revolucionário (Apoiados).

Nos dois Ministérios Dias Ferreira, em 1891 e 1893, ocupou o Dr. Aires de Gouveia as pastas da Justiça e dos Estrangeiros, demonstrando aí mais uma vez os seus raros e excepcionais dotes de inteligência e o seu largo conhecimento dos negócios públicos.

Não é menos para notar, Sr. Presidente, a sua rara cultura, o sou altíssimo valor literário e scientífico, de que nos deu exuberantes provas, durante toda a sua larga existência. E devo salientar, Sr. Presidente, como preito da minha grande e respeitosa homenagem pela memória do por tantos títulos ilustre extinto, o facto deveras excepcionalíssimo de, a caminho já dos noventa anos, ter ainda fôlego para honrar e nobilitar as letras pátrias com um trabalho notabilíssimo de comentário aos Lusíadas, a grande, a incompa-

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rável epopeia nacional do nosso grande, do nosso genial épico (Apoiados).

Entendo, portanto, Sr. Presidente, que muito se honrará o Parlamento, lamentando a perda dum homem de valor inconfundível como o Dr. António Aires de Gouveia, e prestando-lhe a homenagem e o respeitoso culto que incontestavelmente merece. E num país em que os talentos extraordinários não abundam, penso que a ninguêm será lícito deixar de amarguradamente prantear a perda de homens da alta envergadura do arcebispo de Calcedónia.

De todo o coração me associo, Sr. Presidente, com pesar e com prazer, às demonstrações de sentimento pela perda irreparável que o país acaba de sofrer:- com pesar, porque vejo desaparecer da scena da vida um grande homem; com prazer, porque a Câmara vai honrar-se, aprovando a proposta que V. Exa. há pouco formulou.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Brito Camacho: - Tambêm me associo ao voto proposto por V. Exa., e como o Sr. Carvalho Mourão aludiu vagamente a um discurso proferido na Câmara dos Pares pelo falecido bispo de Betsaida, creio que vem bem a propósito lembrar à Câmara que Êsse discurso foi feito contra leis repressivas e bárbaras com que se pretendia castigar os revolucionários de 31 de Janeiro.

Confrontando as palavras dêsse homem que, pelo seu carácter, era um conservador, em face dessas medidas, que eram uma apagada sombra do que foi ontem aqui votado, reconhece-se que se deu um grande salto para traz, e os meus votos são para que o regime marche, compensadoramente, para diante.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça (Mesquita Carvalho): - Em nome do Govêrno, associo-me à proposta de V. Exa., porque entendo que o falecido ministro da religião católica foi um dos membros mais ilustres do episcopado português e como Ministro e parlamentar manteve sempre o culto dos princípios liberais.

O orador não reviu.

O Sr. Costa Júnior: - Associo-me, por parte da minoria socialista, à manifestação de pesar que acaba de ser feita.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Em face da manifestação da Câmara, considero a minha proposta aprovada, do que se dará conhecimento à família do ilustre extinto.

O Sr. Costa Dias: - Eu desejava que o Govêrno me informasse se uma notícia publicada nos jornais da Madeira, de que uma peça Krupp, com as competentes munições, estava detida na alfândega por quaisquer alcavalas aduaneiras, é ou não verdadeira.

Aproveito a ocasião para pedir ao Govêrno providências para a defesa da Madeira, e caso já algumas tenham sido tomadas, se estão em via de execução.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente: o facto a que se referiu o Sr. Deputado Costa Dias não pode corresponder à verdade.

A Câmara compreende que nas alfândegas só podem ter demora mercadorias sujeitas a direitos ou aquelas que os seus destinatários não queiram retirar, o que evidentemente não pode ser o caso da peça Krupp enviada para a Madeira pelo Govêrno.

Houve, com certeza, um mal entendido neste caso.

Trata-se naturalmente dum dêsses boatos políticos, de que não se devia o Sr. Deputado Costa Dias ocupar neste lugar.

Eu creio que a melhor forma que S. Exa. tinha de obter uma informação segura era, em vez de fazer a sua pregunta aqui, ao Ministro das Finanças, telefonar ao director das alfândegas, que, por meio de telegrama para o Funchal, tudo averiguaria em breve espaço de tempo.

Não vale a pena trazer cousas destas para a Câmara, sobretudo porque nenhum aspecto de verosimilhança elas possuem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos):- Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que as providências a que se

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referiu o Sr. Deputado Costa Dias já estavam tomadas quando se deu o ataque dos submarinos ou do submarino ao Funchal.

Várias peças fizeram fogo, nenhuma rebentou, e ainda outras não fizeram fogo, porque não foi preciso, mas fizeram-se para cima de trinta tiros.

O facto de não ser atingido o alvo não deve surpreender ninguêm, como eu já fiz notar, porque não é cousa fácil visar um submarino.

Um navio estrangeiro, fundeado no pôrto, disparou cinquenta tiros, e nenhum acertou.

Depois dos factos ocorridos já o Govêrno aumentou o material de defesa da Madeira, e vai ainda aumentá-lo em breve, e há-de fazer todo o possível para defender aquelas ilhas, que são pedaços da nossa terra e que merecem ao Govêrno toda a consideração.

O orador não reviu.

O Sr. Costa Dias: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que registo que as providências prometidas já estão em via de execução. Relativamente ao caso para que pedi a atenção do Sr. Ministro das Finanças, eu apenas quisera obter uma explicação do Govêrno.

O orador não reviu.

O Sr. Correia Herédia (Ribeira Brava): - O assunto que vou tratar deve merecer a atenção da Câmara.

Quando se deram os últimos ataques no Funchal, o hospital da Misericórdia dessa cidade prestou os maiores socorros no tratamento dos feridos, a fim de os pensar e internar, mas, Sr. Presidente, infelizmente aquele hospital tem estado numa verdadeira miséria, pela falta de meios de poder exercer a sua alta missão.

A Câmara praticaria um acto de nobre justiça aprovando, com urgência e dispensa do Regimento, um projecto que tem por fim conceder à Misericórdia do Funchal uma percentagem sôbre mercadorias importadas, exceptuando géneros alimentícios. O projecto a que faço referência consta do parecer n.° 331.

Sr. Presidente: entrei na sala quando o meu ilustre colega Sr. Costa Dias, creio que interpelava o Sr. Ministro da Guerra, acêrca dos acontecimentos da Madeira. Não volto ao assunto, porque sei, felizmente, que o Sr. Ministro da Guerra, com zelo, com actividade e com a boa vontade que todos lhe reconhecemos, tratou dêste assunto com verdadeiro carinho e dedicação (Apoiados), mas não posso deixar de dizer duas palavras de agradecimento à nobre Nação Francesa, que, não sendo nossa directa aliada, teve a generosidade de mandar para os mares da Madeira um navio de guerra francês, para a defesa daquele pôrto.

Desejo, Sr. Presidente, que êste meu voto de agradecimento fique consignado nos anais parlamentares.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se aprova a urgência e dispensa do Regimento requeridas pelo Sr. Ribeira Brava.

Foi aprovado o requerimento.

O Sr. Costa Júnior: - Requeiro a contraprova.

O Sr. Correia Herédia (Ribeira Brava): - Sr. Presidente: fiz o meu requerimento porque entendo que êste assunto é da maior urgência e importância para acudir à Misericórdia do Funchal.

A Câmara resolve como entender e eu acato a sua deliberação, mas devo dizer que assuntos de muito menor importância tem sido aqui votados e êste não o é não sei porque razão.

Procedendo-se à contraprova, foi rejeitado o requerimento.

O Sr. Ministro do Trabalho e Previdência Social (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra, para mandar para a Mesa duas propostas de lei: uma, relativa ao caminho de ferro do Mondego, para se adiantar anualmente a quantia necessária para perfazer a anuidade, e outra tendente a regularizar a situação dos mobilizados que sejam sócios das associações de socorros mútuos.

Para a última proposta requeiro a urgência.

Foi aprovada a urgência.

O Sr. Tavares Ferreira: - Mando para a Mesa um projecto de lei que tem por

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fim considerar oficial o montepio do professorado primário. Requeiro para êle a urgência.

Foi aprovada a urgência.

O Sr. Pires de Campos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei tendente a anular uma patente concedida para uma nova indústria do fabrico mecânico de limas.

Vou procurar, em rápidas palavras, justificar êste projecto de lei.

No dia 28 de Janeiro de 1914 foi apresentado, na Repartição de Propriedade Industrial, pelo Sr. Manuel Ferreira Vieira, do Pôrto, por si e em nome duma praça de que fazia parte, o pedido de patente de concessão duma nova indústria mecânica de limas.

Em 27 de Maio de 1895, um importante jornal de Lisboa, o Diário de Notícias, publicava uma local na qual se dizia que no país não havia fábrica de limas, quer manuais, quer mecânicas. O certo é que, em 20 de Agosto de 1915, foi concedida essa patente. Tendo estudado êsse processo, reconheci que a lei não tinha sido cumprida.

Assim, dizendo o regulamento de 19 de Junho de 1901 que o pedido de patente duma nova indústria devo ser distribuído por todas as associações comerciais, industriais- e sindicatos agrícolas do país, esta disposição não foi cumprida no caso em questão.

Alêm disso, sendo a organização do processo baseada em vários documentos, entre os quais o da informação da circunscrição comercial, verifica-se que tal indústria mecânica não existia. Mas prova-se, por um certificado passado por um ilustre engenheiro, o Sr. Oliveira Belo, que, precisamente, onze meses antes de ser apresentado o pedido da concessão da nova patente, tinha ido passar a vistoria. Essa oficina funciona há três anos no bairro de Alcântara, com a protecção de vários industriais que se tem aproveitado dos seus serviços.

Como se explica, pois, a falta dum documento essencial para a concessão da patente duma nova indústria, demonstrativo de que tal indústria não existe na área da circunscrição?

Como se pode explicar que uma repartição pública venha dizer, decorridos onze meses depois do pedido da patente, que essa indústria não existia, quando um documento passado pelo engenheiro da mesma circunscrição prova o contrário?

Os interessados requereram, aos termos da legislação em vigor, para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo seu advogado um ilustre colega desta Câmara, que empregou os seus melhores esforços para que justiça se fizesse. Entretanto o Supremo Tribunal, decorridos onze meses, quando a lei taxativamente marca trinta dias para o resultado...

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que está a falar há mais de dez minutos.

O Orador: - Não tenho por costume cansar a atenção da Câmara, mas como-se trata dum assunto importante, peço a V. Exa. a fineza de a consultar sôbre se permito que eu termine as minhas considerações, que serão breves.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Queira V. Exa. continuar.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. o à Câmara o favor que me dispensaram e prometo terminar já.

Tendo os interessados recorrido para o Supremo Tribunal Administrativo êste recusou-se a tomar conta do recurso sob o fundamento de que tinha sido apresentado fora do tempo legal. Todavia, e sem de maneira alguma querer melindrar a dignidade dêsse Tribunal, eu devo dizer a V. Exa. que me parece que essa sentença ou êsse acórdão não está completo, porquanto apreciando as razões e os fundamentos legais para a não concessão do recurso, melhor seria que apreciasse as razões por que os interessados não apresentavam o recurso no prazo competente.

Ora a publicação do aviso no Diário do Govêrno não é, a meu ver. o bastante para conhecimento dos interessados, tanto mais que a lei obriga à distribuição dos avisos por todas as associações comerciais, industriais e agrícolas do país.

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Eu envio para a Mesa êste projecto de lei, pedindo para êle urgência.

Consultada a Câmara, concedeu a urgência.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Colónias (António José de Almeida): - Pedi a palavra para informar a Câmara que acabo de receber um telegrama comunicando as baixas que teve a nossa coluna. Apesar de não ser bem explícito verifica-se que houve 2 mortos, 13 feridos, 27 ou 28 desaparecidos e 2 prisioneiros.

Eu leio à Câmara.

Leu.

Como V. Exas. acabaram de ouvir, as perdas foram, embora lamentáveis, insignificantes, e não me parece que possam servir para estandarte para justificar uma revolta militar.

Devo observar que êste telegrama é susceptível de rectificação.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia; os Srs. Deputados que tenham documentos para enviarem à Mesa podem fazê-lo.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

Foi lido na Mesa e aprovado, sem discussão, o projecto de lei n.° 533.

É o seguinte:

Parecer n.° 538

Senhores Deputados. - A vossa comissão do Regimento, tendo apreciado as propostas do Sr. Deputado Barbosa de Magalhães referentes à criação, composição e desdobramento de comissões, concorda em que essas propostas, anexas a êste parecer, merecem a vossa aprovação.

Sala das Sessões, em 12 de Dezembro de 1916. - Ribeiro Brava - Alfredo de Sousa-Francisco Gonçalves Brandão - Morais Rosa - Guilherme Nunes Godinho - Constâncio de Oliveira - Joaquim José de Oliveira - Pereira Vitorino, relator.

Proponho que a comissão de colónias seja composta de quinze membros.

Proponho que as comissões de minas, comércio e indústria e de obras públicas sejam modificadas, passando a primeira a ser apenas do comércio e indústria e a segunda de obras públicas e minas.

Proponho que a comissão de legislação operária seja dividida do harmonia com a actual organização do Ministério do Trabalho e de Previdência Social nas duas seguintes: uma de trabalho e outra de previdência social com nove membros cada uma.

Proponho que seja criada uma comissão de caminho de ferro, com nove membros igualmente.

O Deputado, Barbosa de Magalhães.

Foi lido na Mesa e aprovado, sem discussão, o projecto de lei n.° 534.

É o seguinte:

Parecer n.° 53á

Senhores Deputados. - A vossa comissão do Regimento, tendo apreciado a proposta do Sr. Deputado Barbosa de Magalhães ampliando o disposto no § único do artigo 20.° do Regimento, é de parecer que o alvitre expresso nessa proposta merece a vossa aceitação. Convêm, contudo, no mesmo desejo do um melhor aproveitamento dos trabalhos parlamentares, assegurar quanto possível que, ao facto de se sacrificar mais um dia de sessão, corresponda por parte das comissões uma vantagem que o compense. Assim, a vossa comissão do Regimento tem a honra de submeter à vossa apreciação a seguinte substituição àquele artigo 20.° e seu § único.

Artigo 20.° Haverá sessão todos os dias que não forem domingos, feriados, de luto nacional ou designados pelo Presidente para trabalhos em comissões. Esta designação, que em regra será de um dia fixo por cada semana, poderá ir até dois dias, sempre que a acumulação do trabalhos ou a sua importância o tornem necessário. Neste caso, o Presidente da Câmara, de acôrdo com os presidentes ou, na falta dêstes, com os secretários das comissões que assim o necessitem, indicará de véspera as que devem reùnir, perdendo o lugar na comissão aquele que a essas reuniões extraordiná-

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rias der três faltas consecutivas não justificadas.

Sala das sessões, 11 de Dezembro de 1916. - Ribeira Brava - Pedro Alfredo de Morais Rosa - Francisco Gonçalves Brandão - Constâncio de Oliveira - Guilherme Nunes Godinho - Joaquim José de Oliveira - Alfredo de Sousa - Pereira Vitorino, relator.

Proponho que o Sr. Presidente da Câmara, quando, por comunicação dos presidentes das comissões, tiver conhecimento de que nalgumas delas há necessidade de efectuar reuniões para tratar de assuntos importantes, fique autorizado a designar, para essas reuniões, se o julgar preciso e alêm do disposto no artigo 20.°, § único do Regimento, um dia especial em que não haverá sessão, e que será anunciado de véspera, indicando-se as comissões que devem reùnir-se no dia seguinte,

O Deputado, Barbosa de Magalhães.

Segunda parte

Foi lida na Mesa, e aprovada sem discussão, a seguinte proposta:

Proposta de autorização

A Câmara dos Deputados dá o seu consentimento para os efeitos do artigo 17.° da Constituição Política da República Portuguesa, para que continuem presos os Deputados que o foram, ainda em acto de flagrante delito, ao abrigo do mesmo artigo e posteriormente à autorização dada pela mesma Câmara em data de 14 do corrente mês. - José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

Foi lida na Mesa, entrando seguidamente em discussão, a seguinte proposta:

Proposta de autorização

A Câmara dos Deputados dá a sua prévia licença, nos termos do artigo 17.° da Constituição Política da República Portuguesa, visto não se tratar já de flagrante delito, para poder ser e estar preso por motivo dos acontecimentos revolucionários, que se iniciaram no dia 13 do corrente, o Deputado António Caetano Celorico Gil. - José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

O Sr. Jorge Nunes: - Uma vez que eu, como Deputado, não posso usar dos direitos que me são conferidos pela Constituição, e para evitar violências ao Govêrno, como aquelas que usou para com colegas meus nesta Câmara, eu limito-mo apenas a dizer que se estivesse presente na sessão de ontem, teria negado o meu voto à proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, por que, como republicano, me sentia profundamente diminuído se tal fizesse1.

Porque não tem o Govêrno o desassombro de dizer claramente o que quere e o que sente?

O Sr. Álvaro Poppe (interrompendo): - V. Exa. está fora do assunto!

O Orador: - Quem dirige os trabalhos é a Mesa e não V. Exa.!

O Sr. Álvaro Poppe: - O Regimento é bem expresso!

V. Exa. não pode discutir mu assunto que não está na ordem do dia!

O Orador: - Eu já disse o seguinte: não é V. Exa. quem dirige os trabalhos e não consinto que me interrompa!

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - De facto V. Exa. está fora do assunto que se discute, não podendo falar sôbre êle, segundo preceitua o artigo 105.° do Regimento.

O Orador: - O que V. Exa., nem ninguêm, pode impedir, é que eu, como Deputado, use do direito de crítica.

Ninguêm contesta

O Sr. Presidente: Êsse direito, mas apenas para a proposta que se discute.

O Sr. Álvaro Poppe: - Apoiado! O Regimento é bem explícito.

O Orador: - V. Exa. pode retirar-me a palavra; mas não o fará sem praticar uma violência!

O Sr. Presidente: - Eu não tenho empenho em lhe tirar a palavra, mas o que peço a V. Exa. é que se cinja ao assunto.

O Sr. Álvaro Poppe: - Invoco o artigo 105.° do Regimento.

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O Orador: - Mas, afinal, quem é que dirige os trabalhos, é V. Exa. ou o Sr. Álvaro Poppe?

Declaro muito peremptóriamente que não estou resolvido a admitir interrupções.

Eu estou no legítimo direito de apreciar essa proposta e as resoluções que ontem aqui se tomaram.

A Câmara compreende bem que, estando na Mesa uma proposta do Sr. Ministro da Guerra, eu não a hei-de apreciar sob o ponto de vista literário, mas sim pelo significado que ela tem no gravíssimo momento em que estamos.

Se quisesse fazer a apologia dos vencidos, estava no meu pleno direito, ainda que, contra a Constituição, qualquer agente da polícia ou delegado do Govêrno, me pudessem prender à saída do Parlamento, como fizeram ao Sr. Moura Pinto.

Uma voz: - Dentro do edifício!

O Orador: - Vejo-me regressado a Janeiro de 1908, com menos liberdade ainda, porque os ditadores de 1916 excederam, na violência e na sua obra, os ditadores de 1908.

Nessa ocasião, dois homens - um rei e um príncipe - pagaram com ávida a obra dos ditadores, que fizeram, um decreto que não era mais violento nem mais despótico do que esta lei.

Estão bem vingados os ditadores de 1908, porque os ditadores de 1916 os excederam na maldade da sua obra. (Apoiados).

Em quanto me fôr permitido usar da liberdade nesta terra portuguesa, embora isso custe ao Govêrno, eu estou no direito de dizer que essa proposta, tal como foi apresentada, não devia merecer a aprovação da Câmara.

Eu quero preguntar ao Govêrno qual o critério que presidiu à elaboração dessa proposta e se o Sr. Deputado Celorico Gil está compreendido em quaisquer disposições dessa proposta, pelo que foi exigida a sua prisão.

Sussurro.

O Sr. Álvaro Poppe: - Invoco o § 1.° do artigo 105.° do Regimento.

Leu.

O Orador: - Sem consentimento do orador, ninguêm o pode interromper. E eu não consinto que me interrompam.

O Sr. Presidente: - Mais uma vez peço ao Sr. Deputado Jorge Nunes o favor de se cingir ao assunto em discussão.

O Orador: - V. Exa. certamente não ouviu as minhas considerações. Eu estava dizendo que essa proposta não podia...

O Sr. Álvaro Poppe: - V. Exa., Sr. Presidente, não pode permitir que se façam censuras a uma resolução tomada já pela Câmara.

Peço a V. Exa. que mande ler o Regimento.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo do Regimento, que foi invocado.

Leu-se.

Em virtude do Regimento desta Câmara chamo o Sr. Deputado Jorge Nunes à ordem.

Àparte.

Vozes: - Estava na ordem.

Sussurro.

O Orador: - Sr. Presidente: eu tenho por V. Exa. toda a consideração mas não posso deixar de tornar a dizer que se V. Exa. estivesse ouvindo as minhas considerações não me teria censurado por estar fora da ordem.

Eu estava entrando no assunto.

Risos.

Os ditadores de 1908 não se riram talvez assim, e ainda resta saber quem rirá em último lugar, se o país, se V. Exas.

Voltando ao ponto do meu discurso, dizia eu que desejava saber porque razão se pedia a prisão do Sr. Deputado Celorico Gil, se havia qualquer prova emanada do Poder Judicial, ou do poder policial, chamemos-lhe já agora assim, para que o Govêrno mandasse proceder à prisão dêsse Deputado, ou se foi simplesmente por alvedrio do Govêrno que usou daquele critério com que mandou prender e soltar indivíduos que se achavam mencionados num mesmo Diário do Govêrno burla, como lhe chamaram já.

E estranho bastante que o Govêrno

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até hoje se tenha esquecido de prender alguns membros do Govêrno Provisório, cujos nomes apareceram no referido suplemento ao Diário do Govêrno, tambêm sem a sua aquiescência. É preciso que o Govêrno faça declarações a êste respeito. Disse-se, aqui, que o suplemento burla levava todos aqueles nomes à prisão: mas o que é facto, Sr. Presidente, é que o Govêrno resolveu mandar prender apenas alguns Deputados, e até mesmo alguns simples cidadãos e a ser generoso e benévolo para com outros, quando para o Govêrno tanto crédito deviam merecer uns como outros.

Sr. Presidente: o critério do Govêrno foi êste: és meu amigo, acredito nas tuas declarações, mas se és meu adversário político hás-de ir para a prisão, porque ainda que proves que não consentiste na inclusão do teu nome no falso suplemento, pelo facto de seres adversário, lias de sofrer os rigores da lei e da minha má vontade, hás de ir para a prisão.

Pregunto: tem o Govêrno conhecimento, pelas investigações policiais à que tem mandado proceder, dalgum facto que o leve a acreditar que o Sr. Deputado Celorico Gil está culpado? A êste respeito espero ouvir declarações da. parte do Govêrno. E, para terminar, Sr. Presidente, declaro à Câmara que a União Republicana não dá o sou voto à proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, porque ela não vem nos termos indicados na Constituição.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Costa Júnior: - Sr. Presidente: entendo que o Govêrno, para mandar prender o Sr. Deputado Celorico Gil, não precisa que a Câmara lhe aprove a proposta do lei em discussão. O Govêrno, para prender êsse Sr. Deputado, devia ter adoptado o mesmo critério que adoptou para comigo quando foi da minha prisão, isto é, sem autorização da Câmara. Segundo disse o Sr. Ministro da Justiça, eu fui preso em flagrante delito. Estou convencido de que S. Exa. há-de fazer comentários ao Código e dizer que flagrante delito é estar um indivíduo na cama e fazer uma revolução.

Risos.

Sr. Presidente: não dou o meu voto à proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, para que o Sr. Deputado Celorico Gil seja preso, sem saber a razão por que se quere fazer essa prisão. O desgosto que tive por mo terem mandado prender, êsse, fica comigo, mas os desgostos que os meus tiveram por me verem preso, declaro à Câmara que hei-de fazê-los sentir em todas as ocasiões em que eu puder.

Como fui vítima, não quero; com o meu voto, fazer outras vítimas, e, por isso, não dou o meu voto à proposta sem saber o motivo porque se quere prender o Sr. Deputado Celorico Gil.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição.

O Sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos): - Não uso da palavra, Sr. Presidente, para esclarecer a Câmara sôbre êste assunto, visto que eu não o podia fazer por êle pertencer à investigação policial ou judicial. No entretanto, pela muita consideração que tenho pela Câmara dos Deputados, sou obrigado a dizer que se assinei a proposta do autorização para poder ser preso o Sr. Deputado Celorico Gil é porque evidentemente alguma cousa contra êle só apresenta, alguma cousa contra êle há. Talvez indício, simples suspeita, que leve a polícia a pedir a sua detenção. Emfim, seja o que for, o meu dever é fornecer a autorização necessária à autoridade policial.

Não há outra cousa a fazer. Eu não tenho a culpa que a revolta se fizesse. E não se faz uma revolta sem cúmplices, sem instigadores, sem autores, sem cabeças de motim, sem chefes, sem conspiradores. Êsses indivíduos estão sob a alçada da lei penal. É preciso que se apurem responsabilidades, e para isso a polícia tem que efectuar determinadas prisões. Tem que se investigar, e o que se faz em todo o mundo.

O Sr. Deputado Celorico Gil ausentou-se para lugar incerto, o que para a autoridade representa uma suspeita. Logo carece de estar armada com esta autorização para o prender. Não há nada mais simples.

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Evidentemente, eu não tenho prazer nenhum em mandar prender seja quem for, e sinto muito que o Sr. Jorge Nunes tivesse feito, ainda que levemente, uma insinuação a êsse respeito. Não é pelo facto do Sr. Celorico Gil não pertencer ao meu partido que êle será preso, é-o, sim, por se ter tornado suspeito às autoridades.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: - O Sr. Presidente do Ministério declarou que haviam de ser presos todos os indivíduos cujos nomes constavam de tal Diário do Govêrno falsificado, más o que se vê é que seja presos apenas os adversários políticos e se poupam muito naturalmente os amigos. E quando assim falo só respondo às palavras proferidas nesta Câmara pelo Sr. Presidente do Govêrno. Não posso, não devo, nem quero ser um denunciante, mas basta ler a lista para se verificar imediatamente que dentro de Lisboa - falo só na capital - continuam sem o mais pequeno incómodo indivíduos cujos nomes foram estampados no suplemento burla. O Sr. Leote do Rêgo, por exemplo, continua em paz, quando o seu nome figurava na lista. Ora, eu entendia, portanto, que efectivamente todos deviam ser presos e depois provariam, como aconteceu com o Sr. Costa Júnior, que os seus nomes foram aí impressos sem a sua aquiescência.

A circunstância de estar ausente em parte incerta o Sr. Celorico Gil não me parece que seja indício para se pedir a sua prisão, pois pode muito bem suceder que S. Exa. tivesse tomado essa resolução em consequência de saber que o seu nome fazia parte dêsse Ministério e por não querer ser incomodado. O orador não reviu.

O Sr. Álvaro Poppe: - Eu desejava que o Sr. Ministro da Guerra me dissesse se é verdadeiro ou não ter o cabecilha dêsse tristíssimo movimento preguntado ao comandante militar do Abrantes, quando êste o acompanhava, já preso, se os patetas do Alfredo de Magalhães e do Celorico Gil já tinham fugido.

Não me parece que haja qualquer inconveniente nesta pregunta, porque, desde o momento em que um indivíduo é preso, já não conversa particularmente com o seu captor. Faz declarações que a justiça tem de tomar em linha de conta.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos): - Efectivamente essa pregunta foi feita nos termos expostos pelo Sr. Álvaro Poppe.

Não havendo mais ninguêm inscrito, foi aprovada a proposta.

O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão da interpelação do Sr. Costa Júnior ao Sr. Ministro do Trabalho.

Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro do Trabalho (António Maria da Silva): - Que tinha ficado com a palavra reservada, diz que precisa esclarecer um equívoco antes de prosseguir nas suas considerações: há dias queixou--se que alguêm, com maus intentos, se tinha aproveitado duns dados do extracto parlamentar e da falta dalguns períodos intercalados nas suas considerações, para dar a entender que êle queria atribuir aos jornalistas presentes a responsabilidade dêsse facto. Tal arguição é falsa.

Mais tarde veio a averiguar que fora o Sr. Velhinho Correia quem fornecera êsses dados à imprensa.

Em seguida, entrando no assunto em discussão e referindo-se à questão das carnes, declara que foi há pouco publicado um decreto relativo ao abastecimento dêsse alimento à cidade de Lisboa, não obstante isso pertencer à câmara municipal, e a parte que diz respeito às medidas gerais ser atribuição do Conselho Superior Técnico de Agricultura.

Trata depois dos trigos, afirmando que as considerações aduzidas pelo Sr. Jorge Nunes, quanto à falta de respeito da parte do Govêrno para com a lavoura, em face dos decretos de 2 de Outubro de 1915, destinado a estimular a cultura do trigo e 27 de Novembro do mesmo ano, que fixa o preço dêsse cereal, não são verdadeiras porquanto o Govêrno em nada desrespeitou a matéria neles contida. Se êsse preço foi fixado em 125, foi porque o trigo custa actualmente mais caro do que no ano passado, e tambêm porque, antes da publicação do decreto em que êle é fixado, se fizeram, no seu gabinete, afirmações peremptórias, por parte dal-

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guns governadores civis e de lavradores, confirmadas numa reunião magna de lavradores realizada no Ministério do Interior o a que êle, orador, assistiu, de que a maior parte do trigo estava vendido à moagem por um preço que em nada se parecia ao estabelecido no decreto. O trigo, na sua quási totalidade, não é pago pelo seu peso especifico, mas sim por medida, e aí tem a moagem um meio de mais fácilmente iludir o lavrador.

Desde 1913, época em que se conseguiu que três fábricas se separassem da Companhia Nacional de Moagem, que criaturas de processos inconfessáveis se atrevem a escrever que o Govêrno está feito com os moageiros. O que êstes queriam era simplesmente a diferença entre o preço médio que se tinha estabelecido e aquele por que se tinha comprado, e, dessa forma, se iriam entregar muitos contos a essa gente, cujo procedimento já tem classificado por mais de uma vez.

Por ocasião do estabelecimento da. comissão de abastecimento, assentou-se em que se mantivesse a tributação referente ao trigo das fábricas matriculadas, que não fôsse consumido no local, e afirmou--se à lavoura que, nas disposições do decreto, não estava incluído o trigo consumido pelos lavradores, pelas suas famílias e criados, como de resto se teria que fazer, visto que uma parte do salário do lavrador do sul é paga em géneros, e, por consequência, qualquer tributação sôbre êsse trigo iria diminuir a jorna dessa gente.

Que o Sr. Jorge Nunes viesse dizer que a lavoura tinha andado mal pedindo ao Govêrno, do que era Ministro do Fomento o Sr. Manuel Monteiro, um aumento da tabela para depois não cumprir o respectivo decreto, estava muito bem, e com isso concordava o orador; mas que viesse dizer que se não tinha respeitado o compromisso tomado com ela, é que acha extraordinário.

Acusa-se êle. Ministro, de desamor à lavoura, quando por sua iniciativa foram criadas várias escolas de ensino agrícola, se regularizou o crédito agrícola o se deu grande desenvolvimento às estradas.

Todos que tem sido seus colegas nos Ministérios do que tem feito parte sabem bem a vontade que êle, orador, tem tido de acertar, e como tem envidado todos os seus esforços para desenvolver a economia do país e principalmente a lavoura nacional.

Mas o que mais admira é que, tondo o Govêrno combinado com a lavoura a redacção do decreto n.° 2:515, em cujas entrelinhas se defendia o princípio da requisição em massa, única medida justa e aceitável e de que lançaram mão alguns países cultos, ela venha depois acusar o Govêrno, ou melhor, a êle, Ministro, de ter faltado ao compromisso tomado no tempo do Sr. Manuel Monteiro.

Depois do ter pôsto em relevo ainda outros aspectos que considera interessantes da questão dos trigos e em que a lavoura, o industrial e o intermediário procuram sempre embaraçar a acção do Govêrno refere, pormenorizadamente, qual tem sido a sua acção em face de problema tam momentoso, por tal modo dirigida e orientada que lhe tem permitido obter trigo em condições tam favoráveis ou mais que as que tem sido conseguidas pela Itália, pela França e pela Inglaterra.

Salienta que o seu trabalho tem sido sempre orientado no sentido de evitar, quanto possível, a especulação e crê que o tem realizado por que, apesar da grande falta de transportes, há 5 ou 6 barcos em caminho e estão comprados mais 37:000:000 quilogramas de trigo.

Trocam-se àpartes.

Lembra que, quando se levantou a grande campanha a que a Capital respondeu, os números ditados nesse jornal eram exactos em relação às ofertas ao Govêrno. Ninguêm compraria mais barato a não ser jogando com as cotações, o que julga perigoso.

Concedeu, sempre, todas as possíveis faculdades à comissão de abastecimento e tem pena de que o Sr. Jorge Nunes esteja afastado daquela para que foi nomeado porque considera S. Exa. um elemento de grande valor. Entende, contudo, que há verdades incontestáveis como seja dizer-se que as autoridades nem sempre tem acompanhado o ministro nas suas aspirações e nos seus desejos; que êle, orador, não tem tido, por vezes, elementos que devia ter, e que em matéria de legislação não há melhor em outros países.

Termina afirmando que tem trabalhado quanto pode na administração económica do país não lhe pesando na consciência

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nenhuma das acusações produzidas porque àquelas que venham de quem não tenha categoria moral para as fazer não responde e não receia ter de esclarecer as que provenham de dúvidas dos representantes do país.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental. A ordem do dia é a seguinte:

Primeira parte:

Eleição das comissões de:

Colónias, com 15 membros.

Obras Públicas e minas, 9 membros.

Comércio e Indústria, 9 membros.

Recrutamento, 9 membros.

Trabalho, 9 membros.

Previdência Social, 9 membros.

Caminho de Ferro, 9 membros.

Revisora das contas do Congresso, 3 membros.

Segunda parte:

Continuação da interpelação do Sr. Deputado Costa Júnior ao Sr. Ministro do Trabalho.

Parecer n.° 524, alterando os vencimentos dos encarregados das estações telegrafo-postais e de praticantes dos correios e telégrafos.

Parecer n.° 489, concedendo o direito de aposentação a todos os funcionários do quadro do Ministério da Instrução Pública e estabelecimentos dêles dependentes.

Parecer n.° 303, sôbre a concessão de remissões de ónus enfitêutico.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Propostas de lei

Do Sr. Ministro do Trabalho, autorizando a adiantar anualmente pelo mesmo Ministério, à Companhia dos Caminhos de Ferro do Mondego, e até o limite máximo de 40.000$, a quantia necessária para, com o rendimento liquido dos encargos da exploração do troço da linha férrea de Lousa a Arganil, perfazer a anuidade de 56.761$97 necessários para o juro de 6 por cento e amortização em 28 anos, dum empréstimo de 800.000$ em obrigações a emitir pela referida Companhia.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Tendo sido atingidos pela mobilização do exército e de armada muitos cidadãos que fazem parte das associações de socorros mútuos, tal circunstância não está prevista na legislação em vigor, sendo tambôm, em geral, omissos os estatutos das diversas instituições mutualistas sôbre os direitos e deveres sociais em semelhante conjuntura.

Segundo o decreto de 2 de Outubro de 1896, as associações de socorros mútuos tem especialmente por fim:

a) Socorrer os sócios doentes ou impossibilitados temporariamente de trabalhar e fazer o funeral aos que falecerem;

b) Estabelecer pensões para os sócios permanentemente impossibilitados de trabalhar;

c) Estabelecer pensões para os herdeiros dos sócios falecidos.

Sendo diversos os fins mutualistas das associações de previdência social, é evidente que as medidas a adoptar para se protegerem os direitos dos sócios mobilizados, tem de incluir os casos especiais inerentes à índole das associações de socorros mútuos a que os mobilizados pertencem, e, nesse sentido, tenho a honra de submeter à apreciação da Câmara a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os mobilizados para o serviço do exército e da armada, que sejam sócios das associações de socorros mútuos, constituídas para os fins da alínea a) do artigo 1.° do decreto de 2 de Outubro de 1896, ficam isentos do pagamento das respectivas cotas emquanto estiverem ao serviço, entrando os sócios na plenitude dos seus direitos e deveres, logo que comuniquem às direcções das suas associações, que cessou o cumprimento das suas obrigações militares.

§ único. Os direitos das famílias a socorros médicos, farmacêuticos, funerais e subsídios de luto, quando consignados nos estatutos das respectivas associações, serão mantidos, uma vez que sejam asse-

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gurados os pagamentos das cotas, podendo, contudo, serem êsses socorros distribuídos a essas famílias, sem pagamento algum de cotas, se assim o resolverem as assembleas gerais das associações mutualistas.

Art. 2.° Emquanto durar o estado de guerra e até sessenta dias depois da convenção da paz e os sócios mobilizados das associações de socorros mútuos, constituídas para os fins da alínea ò), ficam dispensados dos seus direitos e deveres estatuintes, logo que sejam chamados ao serviço militar.

§ 1.° Se o sócio mobilizado, quando fôr chamado ao serviço militar, já tiver direito à pensão por inabilidade, ser-lhe há assegurado êsse direito, no caso de ficar impossibilitado pelo serviço de campanha, uma vez que nos estatutos das respectivas associações não se consigne disposição alguma em contrário, devendo neste caso indemnizar a associação das cotas em dívida.

§ 2.° Logo que o sócio deixe o serviço militar, entrará imediatamente na plenitude de todos os seus direitos e deveres que tinha na sua associação à data do seu alistamento no exército ou na armada.

Art. 3.° Quanto às associações constituídas para o fim estabelecido na alínea c), as pensões serão concedidas aos herdeiros ou legatários dos sócios falecidos, pelas importâncias a que tinham direito à data da sua mobilização, salvo quando os estatutos vigentes a essa data excluíssem os casos de falecimento na guerra ou em serviço militar, devendo naquele caso os herdeiros ou legatários indemnizar a associação das cotas em dívida.

§ único. Quando os estatutos das associações referidas neste artigo concederem maiores vantagens aos sócios, serão observadas as suas disposições, excepto no que respeitar a antecipação de direitos, que fica suspensa emquanto durar o estado de guerra.

Art. 4.° Fica salvaguardada aos sócios mobilizados para o serviço do exército e da armada, durante o estado de guerra, a faculdade de continuarem no exercício dos seus direitos e deveres sociais na parte que diz respeito ao pagamento das suas cotas e à concessão dos diversos subsídios mutualistas, quando assim o desejem.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.- António Maria da Silva.

Aprovada a urgência.

Para a comissão.

Artigo 1.° É considerado oficial o montepio do professorado primário, com sede no Pôrto, que ficará com a seguinte denominação - Montepio Oficial do Professorado Primário.

Art. 2.° Os fundos do actual montepio passam integralmente para o Montepio Oficial do Professorado Primário.

Art. 3.° As cotas, jóia e quaisquer outros débitos dos sócios serão descontados mensalmente nos respectivos vencimentos.

§ 1.° A direcção do montepio comunicará oficialmente, às entidades encarregadas do pagamento dêsses vencimentos, a importância dos descontos a fazer.

§ 2.° Essas mesmas entidades remeterão mensalmente ao montepio as importâncias descontadas.

Art. 4.° A inscrição como sócio é obrigatória para todos os professores de ambos os sexos, que de futuro sejam nomeados, pela primeira vez, para o ensino primário.

§ 1.° As disposições dêste artigo não se aplicam aos professores interinos.

§ 2.° A pensão com que cada um deve subscrever não será inferior ao vencimento dos professores de 3.ª classe.

§ 3.° Ao tomar posse, o nomeado indicará a pensão que deseja subscrever, devendo a respectiva declaração ficar exarada no acto de posse.

Art. 5.° Os chefes das secretarias das câmaras municipais comunicarão imediatamente ao montepio o dia da posse, a idade do nomeado e a pensão que subscreveu. Esta comunicação será acompanhada da cópia do atestado ou parecer do médico que o examinou.

Art. 6.° O Montepio reger-se há pelos estatutos do actual, devendo porêm introduzir-se-lhes as alterações que a execução desta lei porventura torne indispensáveis ao bom funcionamento da instituição.

§ único. Uma comissão composta de quatro membros nomeados pelos corpos gerentes do actual montepio e de um delegado do Ministério de Instrução Pública, estudará e indicará essas alterações no

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prazo máximo de sessenta dias a contar da data da publicação desta lei.

Art. 7.° O montepio terá a fiscalização directa do Govêrno, conforme o que está determinado para o Montepio dos Servidores do Estado, na lei de 2 de Julho de 1867.

Art. 8.° Esta lei entra em vigor três meses depois da sua publicação.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrário.- O Deputado, António Augusto Tavares Ferreira.

Para a Secretaria.

Aprovada a urgência.

Comunicação

Participo à Mesa que se constituiu a comissão de instrução superior, especial e técnica, elegendo para seu Presidente o Deputado Barbosa de Magalhães e para secretário o signatário desta participação para a Mesa. - O Deputado, João Barreira.

Para a Secretaria.

Declarações de voto

Declaro que, reconhecendo ao Govêrno o direito e até o dever de empregar todos os meios legítimos na defesa da Nação e da República, rejeitei, todavia, o projecto de lei relativo à demissão, prisão e deportação de oficiais do exército de terra e mar e de funcionários civis, porque o considero atentatório dos mais sagrados princípios do direito, da justiça e da humanidade e porque, conseqúentemente, repugna à minha consciência de cidadão republicano e de homem livre.- O Deputado, Francisco Gonçalves Brandão.

Para a Secretaria.

Declaro que, reconhecendo ao Govêrno o direito e o dever de fazer julgar e punir os que contra a Pátria e a República atentarem, rejeitei a proposta apresentada na sessão de ontem, 18 do corrente,

pelo Sr. Ministro da Guerra, porque ela contêm disposições que contrariam o& princípios jurídicos que sempre defendi.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 19 de Dezembro de 1916.- O Deputado, António Maria Pereira Júnior.

Para a Secretaria.

Em virtude do meu estado de doença, agravada pela minha prisão a bordo, não pude assistir à parte da sessão de 18 de Dezembro de 1916, em que se discutiu e aprovou a proposta assinada por S. Exas. os Srs. Ministros da Guerra e da Marinha, porque, se estivesse presente, tê-la-ia combatido energicamente, e não a votaria, porque, por princípios, sou contrário a todas as leis de excepção, e muita principalmente a esta, que é uma arma terrível nas mãos dos governos.- José António da Costa Júnior.

Para a Secretaria.

Sem querer dar ao meu acto nenhum carácter de hostilidade ao Govêrno, ao qual reconheço pleno direito de empregar meios conducentes à defesa eficaz da Nação e das Instituições, declaro que rejeitei a proposta de lei sôbre a demissão e deportação de oficiais do exército e da armada e de funcionários civis, acusados de determinados crimes, apresentada ontem na Câmara dos Deputados, por as disposições essenciais dessa proposta, que considero injurídicas e desnecessárias, repugnarem à minha consciência, à concepção que formo da justiça e da legitimidade da punição dos crimes, assim como a opiniões minhas, sancionadas e assentes, que a discussão não abalou e que, sem praticar uma indignidade perante o meu íntimo sentir, eu não podia desrespeitar.- O Deputado, Casimiro Rodrigues de Sá.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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