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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 114
EM 8 DE AGOSTO DE 1917
Presidência do Exmo. Sr. António Caetano Macieira Júnior
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Alfredo Soares
Sumário. - Abre a sessão estando presentes 28 Srs. Deputados. E lida a acta da anterior sessão. E encontrando-se na sala 61 Srs. Deputados é a acta aprovada, sem discussão. Dá-se conta do expediente. Na bancada do Govêrno estão presentes os Srs. Ministros do Interior (Almeida Ribeiro) e Estrangeiros (Augusto Soares).
Antes da ordem do dia. - Usa da palavra o Sr. Castro Meireles para tratar do castigo imposto ao bispo do Pôrto. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Alexandre Braga) num longo discurso. O Sr. José Maria Gomes requere a generalização do debate. E rejeitada. Requere a contraprova e invoca o § 2.° do artigo 116.º o Sr. Casimiro de Sá. É rejeitado novamente o requerimento por 52 senhores deputados contra 13. O Sr. Castro Meireles tem a palavra para explicações.
Ordem do dia. - (Contínua a discutir-se o orçamento do Ministério da Instrução). Usa da palavra, falando largamente, o Sr. Alfredo de Magalhães. O Sr. Augusto Nobre requere o prosseguimento da discussão do orçamento na segunda parte da ordem do dia. É aprovado. Continua no uso da palavra o Sr. Alfredo de Magalhães. O Sr. João Barreira manda para a Mesa um parecer. É aprovado o Capitulo I. Entra em discussão o Capítulo II. O Sr. Ministro de Instrução (Barbosa de Magalhães) apresenta propostas. São aprovadas. E aprovado o Capitulo II. Entra em discussão o Capitulo III. Mandam para a Mesa propostas de emenda os Srs. Ministro de Instrução, Augusto Nobre, relator e Tavares Ferreira. O Sr. Ministro de Instrucção perfilha uma das propostas do Sr. Tavares Ferreira e requer a imediata discussão do parecer 813. É lido êste parecer, correspondente à proposta de lei 764-C sôbre contínuos. O Sr. Brito Guimarães manda para a Mesa uma emenda de redacção do artigo 1.° O Sr. Ministro de Instrução concorda com essa emenda. O Sr. Tavares Ferreira pede para retirar uma das suas propostas, E autorizado a fazê-lo. É aprovada a emenda ao artigo 1.º e em seguida aprovada toda a proposta 754-C. O Sr. Brito Guimarães propõe a dotação da escola de Mafamude. Depois de explicações do Sr. Ministro de Instrução retira a proposta, o que e concedido pela Câmara. São aprovadas as propostas relativas ao Capitulo III. É votado em seguida o Capitulo III.
O Sr. Presidente substitui alguns Srs. Deputados nas comisssões de administração pública, previdência social e estradas e encerra a sessão marcando a seguinte com a respectiva ordem ao dia.
Às 13 horas e 45 minutos principiou a fazer-se a chamada.
Presentes à segunda chamada, 61 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abraão Maurício de Carvalho.
Adelino de Oliveira Pinto Furtado.
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Soares.
Angelo Vaz.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Almeida Garrett.
António Augusto de Castro Meireles.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Caetano Macieira Júnior.
António Cândido Pires de Vasconcelos.
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António Augusto Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António Pires de Carvalho.
António Vicente Marçal Martins Portugal.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Augusto da Costa.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Luís Vieira Soares.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos da Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Ernesto Júlio Navarro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco José Pereira.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Gastão Correia Mendes.
Gaudêncio Pires de Campos.
Germano Lopes Martins.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Henrique Jardim de Vilhena.
João Baptista da Silva.
João Barreira.
João de Barros.
João Catanho de Meneses.
João Elísio Ferreira Sucena.
João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José António da Costa Júnior.
José António Simões Raposo Júnior.
José Barbosa.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Maria Gomes.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Manuel Firmino da Costa.
Mariano Martins.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sérgio da Cunha Tarouca.
Urbano Rodrigues.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Alberto Xavier.
Alexandre Braga.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António de Paiva Gomes.
Armando da Gama Ochoa.
Eduardo Alberto Lima Basto.
Ernesto Jardim de Vilhena.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco de Sousa Dias.
Francisco Xavier Pires Trancoso.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Gonçalves.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
José Augusto Ferreira da Silva.
Júlio do Patrocínio Martins.
Levy Marques da Costa.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís de Brito Guimarães.
Luís Carlos Guedes Derouet.
Manuel do Brito Camacho.
Manuel Martins Cardoso.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Não compareceram os Srs:.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Poppe.
Amadeu Monjardino.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino Carvalho Mourão.
António Aresta Branco.
António Augusto Fernandes Rêgo.
António Caetano Celorico Gil.
António Firmo de Azevedo Antas.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
António Maria Malva do Vale.
António Maria Pereira Júnior.
António Maria da Silva.
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António Marques das Neves Mantas.
António Medeiros Franco.
Armando Marques Guedes.
Artur Duarte de Almeida Leitão.
Augusto José Vieira.
Bernardo de Almeida Lucas.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Augusto de Almeida.
Francisco Coelho do Amaral Reis (Pedralva).
Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Fernandes Costa.
Gastão Rafael Rodrigues.
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Jaime Zuzarte Cortesão.
João Cabral de Castro.
João Canavarro Crispiniano da Fonseca.
João Carlos do Melo Barreto.
João Crisóstomo Antunes.
João de Deus Ramos.
João Lopes Soares.
João Pedro de Sousa.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Augusto Pereira.
José Augusto Simas Machado.
José Bessa de Carvalho.
José Botelho do Carvalho Araújo.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José Mondes Ribeiro Norton de Matos.
Manual Augusto Granjo.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 28 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
As 13 horas e 50 minutos foi lida a acta.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à segunda chamada.
As 14 horas fez-se a segunda chamada.
O Sr. Presidente: - Responderam à segunda chamada 61 Srs. Deputados. Está em discussão a acta. Se ninguêm pede a palavra, considero-a aprovada.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.
Tomou-se conta do seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Deputado Lopes Cardoso, solicitando vinte dias de licença.
Concedido. Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Abílio Marçal, pedindo quinze dias de licença para os Srs. Deputados F. Amaral Reis, João de Deus Ramos e G. Nunes Godinho.
Concedido. Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. José de Abreu, comunicando que começa a gozar a licença que lhe foi concedida em 10 do próximo passado, no dia 9 do corrente.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Sr. Ministro do Interior, enviando uma cópia do inquérito feito pelo comando da guarda republicana, bem como da correspondência trocada entre o seu Ministério e o governador civil do distrito da Guarda, relativo ao incidente ocorrido em Vilar Formoso, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado António Marques das Neves Mantas.
Para a Secretaria.
Do Sr. Ministro da guerra, comunicando que o comandante da 1.ª Divisão do exército marcou o dia 2 de Agosto para comparecer à junta de revisão, o Sr. Deputado Adelino de Oliveira Pinto Furtado.
Para a Secretaria.
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Do Sr. Ministro da Justiça, comunicando, para conhecimento do Sr. Deputado Sérgio da Cunha Tarouca, que pode consultar no seu Ministério o processo que deseja.
Para a Secretaria.
Do Sr. Ministro da Guerra, enviando uma cópia da correspondência trocada entre a repartição do gabinete do seu Ministério e a 1.ª divisão do exército sôbre a mudança do quartel de sapadores mineiros para Tancos ou Entroncamento, requerida pelo Sr. Deputado João Tamagnini Barbosa.
Para a Secretaria.
Do director da policia de investigação , criminal, pedindo autorização para se fazer uma investigação policial e tomar declarações ao Sr. Deputado António Caetano Celorico Gil.
Concedido. Comunique-se e ainda que o Sr. Deputado aguardará o signatário no seu escritório na Rua Augusta 141, 1.°, para combinar o dia e hora da inquirição.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Trabalho, me sejam enviados os relatórios da Previdência Social publicados depois da constituição do mesmo Ministério. - João Gonçalves.
Expeça-se.
O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se admite à discussão o projecto de lei do Sr. Angelo Vaz, regulando a situação dos eclesiásticos que, por motivo de acatarem as leis da República, hajam sido perseguidos pelas autoridades da igreja.
Foi admitido.
O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia.
Antes da ordem do dia
O Sr. Castro Meireles: - Sr. Presidente: ontem, antes de se encerrar a sessão, prestei eu aqui homenagem ao Sr. bispo do Pôrto, protestando contra o decreto que o expulsou da sua diocese e disse que não me alongava demoradamente na análise dêsse decreto, por isso mesmo que estimaria muito que estivesse presente o Sr. Ministro da Justiça. Estranho, pois, que S. Exa. não esteja presente, por isso que o Sr. Ministro da Instrução prometeu transmitir-lhe as minhas considerações.
No entretanto, eu não aguardo a chegada do Sr. Ministro da Justiça, pela simples razão de que não posso demorar-me muito tempo em Lisboa, porque trabalhos da minha profissão me impedem de estar aqui, obrigando-me a voltar ao Pôrto.
Por consequência, eu vou fazer algumas considerações acêrca do decreto que expulsou o Sr. bispo do Pôrto, considerações do ordem moral e jurídica.
Sr. Presidente: não há dúvida nenhuma de que o Sr. bispo do Pôrto, pelo seu passado e pelos serviços que prestou à nossa Pátria, merece dos Poderes Públicos muita consideração.
Ninguém nega, êste facto. E tanto que em documentos oficiais de vária ordem. se tem constatado os serviços por êle prestados à Nação e até mesmo no despacho do Sr; Ministro da Justiça se diz que as suas virtudes pessoais são conhecidas de toda a gente. Assim, eu entendo que na aplicação da lei ao Sr. bispo do Pôrto devia haver todo o melindre e consideração por S. Exa. e somente por um caso manifesto de rebeldia é que essa lei devia aplicar-se. Mas não sucedeu assim, nem o Sr. bispo foi réu confesso de rebeldia, como eu provarei, e os Poderes Públicos não tiveram para com S. Exa. consideração alguma, aplicando-lhe o máximo da pena e desterrando-o de dois distritos e limítrofes, quando é certo que a letra dos artigos 146.° e 147.° da Lei de Separação tal doutrina não consigna.
Sr. Presidente: êste acto do Poder Executivo não caiu bem na consciência pública. A cidade do Pôrto toda da vibrou indignada contra esta expulsão e ainda ontem veio a Lisboa uma comissão tratar de afastar do Sr. bispo um castigo que ele não merece, convidando o povo a prestar uma homenagem a S. Exa., porque, na realidade, o Pôrto inteiro, naquilo que tem de mais distinto e intelectual, irá apresentar o seu preito de homenagem ao bispo expulso e desterrado, a êsse grande português que em hora alguma da sua vida foi rebelde às instituições e leis do-
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seu país e simplesmente, - e eu tenho honra em dizê-lo - será rebelde a qualquer lei que brigue com a sua consciência religiosa, no domínio meramente espiritual.
E eu estranho, Sr. Presidente, duma maneira bem categórica, que, no processo publicado no Diário do Govêrno, não viessem as palavras dêsse grande patriota.
Porque razão é que se publicaram as cartas dele e não se publicou a sua defesa?
Porque não trouxe a folha oficial as palavras sinceras e serenas do Sr. bispo do Pôrto, como sincero e sereno é o seu carácter?
O Sr. Germano Martins (interrompendo): - Posso informar V. Exa. de que não tinha ainda chegado ao Ministério da Justiça o conhecimento dessas palavras, porque, de contrário, elas teriam sido publicadas no Diário do Govêrno.
O Orador: - Nada tenho a opor à afirmativa de V. Exa.; no entanto, lembro que o Diário do Govêrno é de 3 de Agosto e nessa altura podia muito bem já ser do conhecimento do Govêrno essas palavras.
O Sr. Presidente: - Como V. Exa. safo e só lhe é permitido falar antes da ordem do dia durante 10 minutos.
Vozes: - Fale, fale!
O Orador (continuando): - Agradeço à Câmara a prova de consideração que acaba de prestar-me.
Sr. Presidente: eu estranhei e continuo a estranhar que não tivesse vindo no processo a defesa apresentada pelo Sr. bispo do Pôrto, tanto mais que veio um telegrama do Pôrto, mandado pelo governador civil, telegrama êsse que mais ou menos, em resumo, diz as alegações do ilustre prelado. Mas, como V. Exa. e a Câmara sabem, um telegrama é sempre sintético e lacónico, podendo ser redigido duma maneira obscura, que não traduzisse bem a defesa do Sr. bispo.
Por consequência, a sua defesa por escrito impunha-se; e, tanto mais, que essa defesa devia ser uma afirmação categórica até de submissão aos poderes constituídos, porque é essa a doutrina da igreja, pela qual nós nos batemos e combatemos através de tudo e de todos.
A igreja, de modo algum, faz questão de regime: ela apenas distingue, como todo o homem distingue, a constituição política da sua legislação.
Evidentemente que a legislação, seja qual for o Regime, pode ser refalsada e a Igreja pode discordar, evidentemente, de certos princípios legais, de certa orientação política, de certa orientação, mesmo, na execução das leis.
Mas como é que se compreende que sendo a Lei da Separação uma lei de emancipação e libertação das consciências, mesmo do poder civil, como se compreende, repete, que essa lei imponha a um ministro da religião uma pena disciplinar por motivos de ordem espiritual, como se se tratasse de um modesto amanuense!
A igreja como instituição para organizar os seus núcleos de propaganda e os seus agregados sociais, é uma sociedade com 20 séculos de existência, e por isso ela, se precisar para defender as suas linhas fundamentais de abandonar todos os bens que lhe têm sido legados pelos seus bemfeitores, abandoná-los há alegre e contente por cumprir um acto da sua consciência, não obstante necessitar dêles por ser uma sociedade que vive no mundo e como tal tem de lançar mão do dinheiro.
A igreja nunca se deixou ilaquear por princípios de ordem material. Como se compreende, pois, que estabelecendo-se o princípio da separação das igrejas do Estado, o poder civil se venha ingerir no poder espiritual e religioso?!
E por isso que a Lei da Separação parece distrair-se nos seus princípios e aplicações que faz deles. Ao passo que, por todas as formas, se apela para a União Sagrada, o Govêrno parece apostado em abrir scisões e cavar abismos.
Poderá dizer-se que é necessário manter o prestígio da lei e que a Constituição se cumpra rigorosamente, mas para isso não era preciso aplicar a pena disciplinar, bastava que o Sr. Ministro da Justiça dêsse ordem ao delegado do Ministério Público para promover processo contra o Sr. bispo do Pôrto, e aí nos tribunais só, se resolveria a questão.
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Não seria bastante o artigo 140.° do Código Penal?! Fazendo isso, o Govêrno ficaria livre dessa mancha e das consequências de ordem moral e espiritual que com o seu decreto veio provocar na sociedade portuguesa. Êle, orador, não tem política nem feitio para agitador. Pode bem dizer que o lugar que ocupa não lhe pertence. Não é partidário de agitações políticas; detesta todos êsses expedientes, todas essas complicações.
O Sr. Brito Camacho: - A política não se pega; não é uma doença contagiosa. Eu sou político e tenho nisso muita honra.
O Orador: - Ainda bem que fui interrompido. Quer queiramos, quer não, todos temos de viver na atmosfera política e assentar arraiais na política, porque, do contrário, não temos a liberdade assegurada, nem cousa alguma. Chegamos a um momento em que a igreja - que não quero ser política e continua a ser vexada - tem de vir para a política. A igreja tem de organizar-se no melhor campo que entender para garantir a sua liberdade. A igreja põe aos cidadãos o dever de ser político honesto e de aceitar todos os lugares públicos para que forem nomeados.
E um dever perante Deus e perante Cristo, e até poderia ler passagens da última pastoral colectiva em que se diz a todos os fiéis que não abandonem as lutas políticas.
Entretanto, nem todos podem ser políticos, nem todos possuem qualidades para essas lutas.
Êle, orador, é um deles.
Nos combates políticos, sucumbe, a sua alma abate se, o seu coração amortece.
Mas admira o homem político mais do que nenhum outro, por o considerar um mártir da opinião.
Não há nenhum político que não sofra constantes martírios, pois sabe bem o que é coordenar as opiniões e subordiná-las a um certo critério.
No momento presente devemos pregar a paz o concórdia.
O Sr. Germano Martins: - E o respeito alei?
O Orador: - Mas o Govêrno, não contente em aplicar o máximo da pena, foi cruel porque não se limitou a desterrar o Sr. Bispo do Pôrto da cidade onde residia, mas expulsou-o de Braga, onde êle tem uma casa que herdou de seus pais, e para onde certamente iria...
O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que já decorreram os 10 minutos.
Foi-lhe consentido continuar a usar da palavra por mais 15 minutos.
O Orador: - E até não lhe é permitido ir fazer a sua costumada cura de águas às termas de Vidago.
Ora, onde é que está na Lei da Separação que um ministro da religião possa ser expulso de dois distritos e concelhos limítrofes?!
Por essa forma podia-se estender a expulsão a todos os distritos e concelhos do país, e o Sr. Bispo do Pôrto seria expulso de todo o Portugal.
Foi, portanto, ilegal o castigo.
Pena tem de não dispor de tempo suficiente para analisar, como merecia, a doutrina e os argumentos aduzidos pelo Sr. Ministro da Justiça para lavrar o seu decreto, porque queria demonstrar que o crime imputado ao Sr. Bispo do Pôrto não merecia expulsão alguma.
Êsse crime foi o de ter o Sr. D. António Barroso ordenado ao padre Gomes que abençoasse uma comunidade de três religiosas.
O Sr. Presidente: - Devo interromper V. Exa. para o prevenir de que deu a hora do passar à ordem do dia.
A Câmara consentiu que falasse.
O Orador: - Segundo a lei, é permitido a três religiosas viverem vida secular e em comunidade.
Portanto, não compreendo como foi interpretada a lei.
Termino, pois, rendendo novamente as minhas homenagens ao Sr. Bispo do Pôr-to, e protestando em nome, das consciências católicas contra o decreto da expulsão, e declarando que êle é mais uma lição dada a Igreja para trabalhar, para ir para a política, no sentido de conseguir a liberdade de consciência, garantias para o exercício da sua missão e o cumprimento da lei.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça acaba de pedir a palavra para responder ao Sr. Deputado Castro Meireles.
Vou consultar a Câmara sôbre se consente que S. Exa. fale.
Vozes: - Fale, fale!
Outras vozes: - Então, agora já não há Orçamento?!
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Ministro da Justiça (Alexandre Braga): - Sr. Presidente: sinto deveras não me encontrar na Câmara desde o começo das considerações produzidas pelo ilustre Deputado que acaba de fazer uso da palavra.
Preocupações e afazeres públicos me inibiram de comparecer mais cedo.
Mas logo que tive conhecimento, por uma comunicação que daqui me foi feita, do que se tratava do caso referente ao castigo disciplinar aplicado ao bispo do Pôrto, o Sr. D. António Barroso, por virtude de factos já hoje do conhecimento público pela publicação de todos os documentos que lhe diziam respeito, à época da aplicação do seu castigo, no Diário do Govêrno, o que deu em resultado a promulgação do decreto que Vem de ser atacado como ilegal e como não sendo justificável nos seus fundamentos e na aplicação da pena que estatuiu -imediatamente compareci nesta Casa do Parlamento.
Seja-me permitido fazer considerações tendentes a darem à Câmara e ao país a perfeita impressão de que eu, como Ministro da República - como de resto, creio que acontecerá e tem acontecido sempre a todos os Ministros da República- não tenho o mínimo desejo de aproveitar incidentes desta natureza para manifestar qualquer espírito de intolerância e de perseguição contra a Igreja, instituição que dentro das suas regalias e garantias espirituais, todos respeitamos.
Apenas quero aproveitar o ensejo para afirmar duma maneira firme, categórica e incisiva que a minha função - e a única função de quantos bem merecem a confiança da República nestes lugares - é a de fazer respeitar as leis que es tão em vigor. (Apoiados).
Nem, de resto, a ocasião de agora seria própria para que qualquer cidadão português, seja qual for a situação que ocupe no desempenho de funções públicas, procure aproveitá-la para pretexto, motivo ou determinante de scisão e desarmonia entre aqueles que devem esforçar-se por se unir para defender a Pátria e o nome do Portugal, no momento em que todos os esforços sào poucos para dignamente mantermos as tradições do nosso passado e defendermos as nassas garantias de futuro, na ocasião excepcionalíssima e grave que justamente o nosso pais com todos os povos da terra, mesmo aqueles que não estão em conflito, estão atravessando.
Se faço esta afirmação é porque quero e desejo que bem acentuado fique perante o Parlamento e o país que da parte dos Govêrnos da República - porque não falar com inteira franqueza? - demasiada tolerância tem havido para com os católicos e um invariável desejo de de não suscitar nem fazer renascer o pretexto, tantas vezes aproveitado, duma pretendida agitação religiosa no país.
Outro tanto nós não podemos reconhecer por parto da intolerância católica que. mais do que nunca, neste instante tem procurado, por todas as formas, ressuscitar questões mortas e idas com o manifesto e transparente intuito de procurar aproveitar a maré que julga propícia para a eclosão de paixões ou abalos extremamente perniciosos para a vida e harmonia política da nação. São tentativas verdadeiramente criminosas e injustificáveis porque fazem a momentânea, oportuna e habilidosa ressurreição de questões que foram lealmente debatidas e em face de cuja discussão a Igreja teve afinal, embora não o confessando, praticamente de reconhecer a nossa razão, fundamentos e motivos.
É necessário não esquecermos que os senhores prelados praticam, pode dizer-se conjuntamente, actos de aberta hostilidade e desrespeito contra as leis da República.
O Sr. patriarca de Lisboa enviou às irmandades constituídas nos termos do artigo 17.° da Lei de Separação a reedição, agora alterada, de instruções já emanadas da cúria repetidas vezes, e de cujo cumprimento repetidamente desistiram, já
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depois de ter assumido os negócios da sua pasta. O patriarca de Lisboa enviou instruções no sentido de atender a substituição das associações cultuais por outras, constituídas segundo o artigo 38.° A igreja pode defender e manter os seus direitos e regalias sem nenhuma espécie de ataque aos imprescindíveis direitos da República.
Por parte do baixo clero a indisciplina manifesta-se todos os dias, e é com pezar que os Ministros da República tem de aplicar penalidades aos que prevaricam. É nesta atmosfera que a intolerância da igreja, nunca desmentida em toda a sua vida, tantas vezes secular, se tem sempre afirmado nas mais torvas páginas e nos mais negros crimes.
A igreja quis aproveitar de entre todos, os seus prelados aquele que, talvez por fraqueza da sua vontade e pela auréola: de prestígio que lhe criou uma vida de serviços como missionário, e pelos quais a República concedeu a D. António Barroso uma pensão de 1.200$ vitalícia e anual, servindo-se dêsse prelado, como instrumento consciente, mas passivo, para os seus inconfessáveis desígnios, praticando um acto de aberta hostilidade às leis da República.
Por intermédio do governador civil do Pôrto, convidei o Sr. bispo, D. António Barroso, a vir a Lisboa conversar comigo, mas êsse prelado esquivou-se com o facto de ter de ir fazer uma visita pastoral aos fiéis católicos de Vila do Conde. Essa desculpa não era para aceitar, visto que essa visita impedia a resolução do assunto por uns dezoito ou vinte dias, assunto que tinha profundamente sobressaltado a consciência de toda a população liberal; desta terra.
A sete anos da República e a seis anos da publicação da Lei de Separação do Estado das Igrejas, as criminosas tentativas que depois do período constitucional tantos e tantos anos levaram a esboçar-se, apresentaram-se já com desplante, audácia e desassombro, representando uma ameaça para todos os que amam a liberdade pela liberdade. Fazem isto no momento em que os bons cidadãos estão dispostos a esquecer todos os pretextos de divisão e discórdia para se darem fraternalmente as mãos na defesa e salva-guarda dos destinos da Pátria.
Os católicos, aproveitando o lance da guerra e a coberto duma hipócrita caridade, serviram-se do dinheiro obtido a título de ser para as famílias dos soldados para comprar e oferecer-lhes bugigangas e amuletos de pretos, procurando dominar pela superstição a fraqueza dos espíritos e procurando, mesmo dos campos de batalha, nas linhas de fogo, fazer da religião, não uma doutrina de elevação moral, mas simplesmente um pretexto de especulação, que seria apenas condenável se não fôsse torpe!
Contribuem assim, tal qual os mais figadais inimigos da religião, para diminuir o catolicismo naquilo que pode ter de respeitável.
Sr. Presidente: ao bispo do Pôrto foi imposta uma situação resultante dum artigo da Lei de Separação do Estado das Igrejas.
Segundo fui informado, V. Exa. disse ser ilegal a pena aplicada ao bispo do Pôrto pelo facto de se lhe haver interdito a sua residência, não apenas no distrito em que residia ao tempo da infracção, mas, alêm disso, nos distritos limítrofes.
Seria um absurdo que se limitasse uma pena de interdição ao distrito do residência, não coincidindo a interdição com a jurisdição da diocese. Sabe V. Exa. e a Câmara que a área da jurisdição das dioceses não se igualou, ao tempo da publicação da Lei da Separação, à área dos distritos.
Seria ridículo, a não ser que se faltasse ao respeito às leis da República, sendo uma manifestação de troça, que se aplicasse uma pena que inibe o bispo de residir no paço episcopal e o deixasse inteiramente à vontade para ir fixar-se em qualquer concelho dos dois distritos onde pudesse continuar a exercer a sua jurisdição eclesiástica.
Está incontroversamente averiguado que a casa-mãe era em Guimarães e que pertencia à jurisdição eclesiástica da diocese de Braga.
é risível e uma verdadeira troça às leis da República proibir ao bispo a residência na sede da diocese e permitir que êle se fôsse hospedar na casa-mãe, instituição que tinha sido a causa do seu delito? Seria certamente o maior dos disparates.
A aplicação da pena prova-se, portan-
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to, que foi absolutamente legal. De resto, casos podem surgir em que seja indispensável cominar a pena de proibição de residência em todos os distritos do continente. É neste sentido que a Lei da Separação tem de ser entendida, porque se outra fôsse a sua compreensão, esta lei não seria uma fundamentada lei de defesa dos interesses do Estado laico, mas apenas seria uma verdadeira mistificação tendente a figurar como espantalho e deixando à vontade todas as tentativas de perturbação e de ataque contra a República, contra a paz pública e contra a própria segurança e defesa da Pátria.
Se no acto da intervenção da autoridade, alega-se, foram encontradas cinco irmãs reúnidas, foi por estarem duas casualmente, nessa ocasião, a ajudarem a exercícios espirituais.
De maneira que é o próprio Sr. bispo do Pôrto quem expressamente reconhece que, no momento em que a autoridade interveio não havia só três irmãs reunidas, mas havia cinco.
Bem sei que o Sr. D. António Barroso falou e alegou o encontro, casual e fortuito, doutras duas irmãs que aí estavam ajudando aos exercícios espirituais; mas V. Exa. sabe, e é matéria corrente, indiscutivelmente assente em direito, que quem alega prova.
E houve a prova resultante do facto observado pela autoridade que interveio, do encontro de cinco irmãs: e para destruir a fatal e necessária consequência da verificação dêsse encontro e dêsse número não basta a alegação gratuita de quem quer que seja.
Eu não quero diminuir as qualidades pessoais do Sr. bispo do Pôrto, em cuja individualidade eu, que me habituei sempre a falar com desassombrada franqueza, devo dizer que julgo descobrir uma tal fraqueza de vontade, determinada por aquele voto de passiva obediência a que a constituição da igreja católica costuma adstringir os seus membros, como escravos, que não será ilícito supor que S. Exa., embora involuntariamente, embora inconscientemente, fôsse capaz - não por qualquer afirmação de sentimentos indignos - de fazer em defesa, não dele mas da igreja, uma afirmação que não correspondesse rigorosamente à verdade dos factos.
O que é certo, no emtanto, é que essa simples alegação não colhe, principalmente quando há a declaração categórica, feita pela autoridade, de que observou que se encontravam cinco irmãs fazendo exercícios espirituais e principalmente quando ela é corroborada pelo próprio acusado.
De maneira que V. Exa. e a Câmara voem que em qualquer circunstância a verificação dos factos deu em conclusão que eu observasse a existência duma comunidade religiosa na própria jurisdição do Sr. bispo do Pôrto, a qual, quando da intervenção da autoridade, funcionava com cinco inflas, contra o manifestamente indicado no decreto de 8 de Outubro de 1910.
Mas, há mais ainda. Mesmo quando quiséssemos admitir sem prova a simples alegação - deixe-me V. Exa. classificá-la; como é talvez, engraçada, mas inverosímil - do Sr. bispo do Pôrto, dizendo que as outras irmãs se encontravam por mero acaso ajudando aos exercícios espirituais, mesmo quando quiséssemos admitir essa hipótese, da mesma maneira a referida associação religiosa, de três irmãs, era ilegal, em face do § 2.° do artigo 6.°, a que já fiz referência.
Onde está a participação ao Govêrno? Com que legalidade estaria estabelecida essa associação de três membros, quando só três fossem - porque já demonstrei duma maneira irrespondível que tem de admitir-se que era de cinco pelo menos - para que pudessem fazer vida em comum e não apenas vida secular?
Mas V. Exa., quando depois se referiu às disposições do decreto de Dezembro, talvez por simples esquecimento, deixou de ler algumas das palavras e alguns dos preceitos dêsse mesmo decreto, que grandemente vêm elucidar o assunto e demonstrar que as disposições do artigo 6.° o seu § 1.° do decreto de 8 de Outubro são reguladas no sentido de não se permitir a existência de comunidades em qualquer número, inferior ou superior a três, porque expressamente declara que as religiosas a que se refere o mesmo artigo foram exclusivamente autorizadas a viverem em vida secular e nunca a permanecerem em vida religiosa.
É o artigo 40.° do decreto de 31 de Dezembro que o diz.
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De maneira que, insofismavelmente; ficou estabelecido que as leis da República não reconheceram nem reconhecem a possibilidade da existência de qualquer comunidade religiosa cujo número de seus membros não seja precisamente de três; e, assim, reconheço o Sr. bispo do Pôrto que se tratava duma comunidade e tendo o Sr. bispo autorizado a profissão religiosa duma irmã de nome Maria e resultando das cartas publicadas que esta casa, cujo funcionamento foi autorizado, não é a primeira existente em Portugal, porque a sua madre abadessa despejadamente afirma a sua alegria por ver que já mais uma casa em Portugal existe, sendo portanto insofismável que o Sr. bispo do Pôrto praticou deliberada e conscientemente. porque orgulhosamente quis manter tudo quanto as suas cartas afirmam, em desrespeito absoluto pela lei, atribuindo a prática dos seus actos à obediência a Roma. Reconhecendo tratar-se duma comunidade e tendo S. Exa. praticado todos êstes actos com segura consciência e com insofismável responsabilidade, é claro que só quem estivesse neste lugar para atraiçoar a República, para permitir um enxovalho e desrespeito das suas leis e para alentar neste grave momento as criminosas e antipatrióticas tentativas com que se procura lançar o país numa agitação prejudicial; só quem aqui estivesse para atraiçoar todos os princípios de liberdade e todos os deveres que impõe aos representantes da República a escrupulosa exigência do respeito pelas suas leis, é que poderia fechar cúmplicemente os olhos a tam manifesto atentado contra um decreto basilar da República - como aquele que libertando a consciência, dignifica todas as crenças e religiões - colocando num estado de insubmissão a igreja católica ao Poder Civil. que dentro da monarquia tantas vezes se manifestou em ataques e atropelos àquilo que a República considera como intangível, isto é, a plena liberdade de acção para a igreja de manter e impor a sua autoridade fora do campo exclusivamente espiritual da sua esfera.
Penso, pelo que ligeira e rapidamente me foi comunicado, que V. Exa. fez referência a qualquer alegação da defesa do Sr. bispo do Pôrto e relativamente à aplicação do castigo que lhe foi imposto.
Não tenho conhecimento de nenhuma outra alegação alêm daquelas que constam do processo, cujo exame a todos é facultado. Não tenho, portanto, se é certo que a invocação de tal acto por V. Exa. foi feita, resposta a dar-lhe; porque a aplicação dum castigo fundamenta-se nos elementos que constam do processo.
Não é cá fora que se fazem alegações em jornais. Diatribes, difamações e ultrages merecem talvez importância para muita gente; mas a mim deixam-me numa profunda indiferença.
Tudo o que, por virtude dêste caso, tem supurado desde o sub-solo venenoso dalgumas sacristias até os meios eclesiásticos mais elevados, procurando conspurcar os homens da República e as próprias Instituições, deixam-me absolutamente impassível.
Conheço os processos daqueles que dentro da igreja são fanáticos e intolerantes e não tenho para com êles nenhuma espécie de animadversão, ou de ódio, antes com imparcial espirito de justiça, ao mesmo tempo que fulmino os seus crimes reconheço os benefícios da sua influência quando ela benéficamente se exercita. Para, êste lugar não trouxe nenhuma espécie de espírito de perseguição ou de facciosismo. Desde que a igreja católica cumpra os seus deveres, ela não tem que recear da República (Apoiados), antes está bem segura o bem cerra de que são estas as instituições que lhe ofereceram e garantiram uma segura e firme forma de adquirir uma plena e nobilitante independência, e de que dentro destas instituições todos os seus direitos serão respeitados, com a simples exigência de que a igreja corresponda ao espírito de tolerância de um Estado que não tem religião, porque a todas, igualmente, quer respeitar, mas que acima de tudo exige uma perfeita obediência às disposições das suas leis, obediência que não é só devida pela fé da religião musulmana ou da religião protestante, mas é tambêm devida pelos crentes da religião católica que não pode ter privilégios afrontosos, quer das crenças religiosas dos outros, quer dos direitos primaciais intangíveis do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: - Muito bem.
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O Sr. José Maria Gomes: - Requeiro generalização do debate.
Vozes: - Ora, ora!
O Sr. José Maria Gomes: - Eu requeri V. Exas. indeferem e a história marcha!
Posto à votação o requerimento, foi rejeitado.
O Sr. Casimiro de Sá: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Rejeitaram o requerimento do Sr. José Maria Gomes 52 Srs. Deputados e aprovaram 13. Está, portanto, rejeitado.
O Sr. Castro Meireles: - Peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se permite que o Sr. Castro Meireles use da palavra para explicações.
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para explicações o Sr. Deputado Castro Meireles, mas peço a V. Exa. que restrinja o mais possível as suas considerações.
O Sr. Castro Meireles (para explicações): - Sinto que a Câmara não votasse a generalização do debate, por que a dentro dela não sou eu o único católico.
Muitos Deputados há que têm crenças e são filhos da Igreja e havendo o Sr. Ministro da Justiça chamado aos católicos escravos e sem pátria, entendo que êles devem levantar essas palavras.
A Câmara deu-me a palavra, ratinhada, tendo de resumir-me, o mais possível, para responder a um discurso longo e pesado do Sr. Ministro da Justiça.
Poucos suo os minutos de que disponho, mas, mesmo poucos, chegarão para afirmar a liberdade da minha consciência perante os dogmas e até perante o mistério da minha religião.
Sou livre e crente e todos no fundo da alma têm uma crença imanente em mais alguma cousa alem de aquilo que se vê e apalpa.
Até as tribunas da liberdade e da democracia acreditam nessa liberdade e nessa democracia.
Respondendo ao Sr. Ministro da Justiça, quando disse que os católicos eram sem pátria e obedeciam ao estrangeiro, poderia citar-lhe toda á história portuguesa e o que se vê nesta hora nos campos da batalha em França.
Até em Portugal, no meio duma sociedade infelizmente indisciplinada, os católicos abrem as sua igrejas e, livremente, com a sua fé, ajoelham em lajes sagradas e suplicam ao Poder Divino pela Pátria. Eu próprio, na minha igreja, tenho feito vibrar a minha língua, falando contra os profanadores da Pátria e pedindo paz e união ou dirigindo súplicas de vitória.
Assim, levanto as acusações de escravidão e de anti-patriotismo lançadas aos católicos.
Se êles obedecem a Roma, é porque a fé diz que o Papa é o vigário de Cristo. Não tenho tempo para dizer ao país o que quereria dizer, porque a Câmara mo não deu, mas fica lavrado o meu protesto contra uma afirmação tam injusta.
Não posso tambêm deixar de protestar contra as palavras com que o Sr. Ministro da Justiça aludiu aos crimes da igreja. Acha-as indignas do talento de S. Exa. Crimes, se os houve, não devem atribuir-se nem à instituição nem aos princípios, mas sim aos homens que os serviram, que não são de carne diferente dos outros, e às paixões violentas duma época atrasada na civilização.
Ouvi tambêm ao Sr. Ministro da Justiça que os homens da igreja espreitavam como tigres o momento de assaltarem as legítimas conquistas da liberdade e do progresso. Não crê que a liberdade nossa perigar com o procedimento dum sobre velho de 70 anos ou que o Sr. bispo do Pôrto possa ser acusado de culpado do toda essa guerra por ter cumprido o seu dever espiritual.
Profissão e votos tenho eu feito, e votos solenes.
O Sr. Presidente: - Observo a V. Exa. que só pode usar da palavra durante cinco minutos.
Trocam-se apartes.
Vozes: - Fale, fale.
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O Orador: - Discordo da interpretação dada pelo Sr. Ministro da Justiça ao decreto de 31 de Dezembro de 1910, bem como afirmo a mesma discordância sôbre a interpretação dada ao artigo 147.° da lei de 20 de Abril de 1911, à sombra da qual se expulsou o bispo do Pôrto, não só dos distritos que da sua diocese fazem parte, mas dos de Viseu, Vila Rial o Viana do Castelo.
Vou terminar, afirmando a V. Exa. que nós, os católicos, queremos os direitos e liberdades concedidos a todos os cidadãos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia e convido os Sr s. Deputados, que assim o desejem, a enviarem para a Mesa quaisquer documentos.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do orçamento do Ministério de Instrução Pública
O Sr. Alfredo de Magalhães: - Eu não podia deixar de me interessar pela discussão do orçamento do Ministério de Instrução, pois não posso concordar em que se diga que o novo regime tem feito alguma cousa de positivo benefício sôbre a instrução pública, e lamento que, tendo a República reconhecido a importância do problema organizando em secretaria áparte os serviços de instrução, deixasse incompleta a sua obra.
Sou leigo em pedagogia, mas, vivendo nos meios académicos, estou, convencido de que o país é constituído por gente muito inteligente, cujas qualidades morais podem ser discutidas e diminuídas, mas cujas aptidões nativas, no domínio das artes e na esfera superior do pensamento, podem ombrear com os académicos dos centros mais adiantados, mas é, para mim, há muito tempo, profunda convicção de que se Portugal não é nenhum país de decadentes e de impotentes, Portugal nunca foi educado.
Estamos em guerra com a Alemanha, mas êste facto não nos levará ao ponto de negar as suas grandes qualidades, pois a mesma opinião têm os outros povos que igualmente estão em guerra com essa nação, que afirmam que a moderna pedagogia tem avançado mercê da influência da Alemanha.
Mas não é necessário já citar a Alemanha; vamos aqui à nossa vizinha Espanha, da qual andamos tam afastados, e nesse país tam estranho, tam contraditório, há muita cousa digna de imitação.
A Espanha, que se orgulha dos seus mestres, não nega que êsses homens foram, formados sob a influência da Alemanha.
Como a Espanha, podemos citar a América, o Japão e muitos outros países.
E certo que nós vamos buscar os métodos modernos, mas a sua aplicação é absolutamente errónea.
Temos em execução diplomas do Marquês de Pombal.
Interrupção do Sr. Ministro de Instrução.
Eu tive muita pena de não poder ouvir a palavra autorizada do Sr. Correia Mendes, quando S. Exa. afirmou que a instrução pública não estava tam decadente como se afirmava.
S. Exa. julga assim porque, voltando-se para o estado maior do professorado superior, regula por aí a sua afirmação.
Evidentemente, essa organização deixa muito a desejar e eu prefilho inteiramente a opinião de S. Exa. se ela foi formulada nestes termos. Efectivamente, eu desejaria que a atenção de todos aqueles que têm a seu cargo organizar a educação e a instrução se voltasse em primeiro lugar para a organização das nossas escolas superiores. Se nesta altura tam adiantada da sessão legislativa me fôsse permitido dissertar mais largamente do que as circunstâncias imperiosas do tempo e a fadiga da Câmara mo permitem, eu diria que achava êste país muito pequeno para organizar três universidades. A Universidade de Coimbra nunca, de facto, exerceu a acção que tínhamos direito a esperar dela, não só como criadora de sciência, mas como organizadora e dirigente da sociedade portuguesa. Seja uma universidade de tipo jesuítico, seja qual for o título tam semelhante a muitas outras universidades da idade média, a verdade é que ela tinha atrás de si uma tradição gloriosa de séculos e que não podemos, a despeito do triunfo aparente e lamentável da mais insensata demagogia que tem procurado dominar o país, deixar de considerar a tradição como uma fôrça edu-
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cativa. Era essa tradição que assegurava à universidade o direito à assistência, - rapidamente, num dado momento de convulsão revolucionária, outorgar o título de universidade a escolas do Pôrto e Lisboa que não estavam preparadas para o ser, representa um dêstes contrasensos que só por si condena a competência dos homens que têm estado à testa do ensino em Portugal. Foi um êrro transformar êstes centros escolares em centros universitários.
Não estranhe V. Exa. r, Sr. Presidente, o calor que ponho nas minhas palavras, porque esta paixão vem de longe. Eu sou leigo em matéria pedagógica, mas fui estudante, continuo a sêlo, vivo nos meios académicos e estou convencido de que, sendo o meu país constituído de gente inteligente, cujas qualidades morais podem ser discutida, e diminuídas, mas cujas aptidões nativas, no domínio das artes e na esfera superior do pensamento, pode ombrear com os académicos dos centros mais adiantados, é para mim profunda convicção de que Portugal não é nenhum país de decadentes e de impotentes, mas Portugal nunca foi educado.
Esperava que o novo regime fundamentaria uma sociedade moderna; pensava eu que havia de assistir a esta tentativa verdadeiramente brilhante que me faria morrer com a satisfação de ter contribuído para a esperança fagueira de um 'facto a que não pude assistir. Tanto me interesso como português, como parlamentar e como estudante pelo progresso e alcance do poder educativo que, dispondo de algum tempo, fui assistir aos exames da Escola Normal para, de anima vil, observar o que era a organização do ensino primário entre nós. Dava à Câmara o que vi. Não temos, Sr. Presidente, ensino universitário, não temos um estado maior intelectual, não temos poetas, não temos prosadores, não temos academias, não temos imprensa, não temos teatros, não temos nada.
Não sou dos mais velhos desta Câmara, mas ainda li as obras de Antero, Guerra Junqueiro, Camilo Castelo Branco, Latino Coelho, Oliveira Martins e Eça de Queiroz. Conheci-os a todos, foram nossos contemporâneos, e, morta essa ala dos namorados, que representa a última do romantismo em Portugal, a verdade é que, abatidos êsses cedros gigantescos, a sociedade portuguesa obscureceu, apagou-se.
A Espanha, apesar da paixão política que a avassala, não descura os assuntos da instrução porque entende, e muito bem que a instrução dum país é a sua fôrça.
E absolutamente necessário que todos nós tenhamos a consciência do papel que somos chamados a desempenhar.
Desde que a pedagogia passou a ser a sciência extraordinária de desenhar e definir o espírito duma raça, torna-se ela uma das mais altas sciências a mais delicada.
Em Portugal para que a pedagogia seja um facto como nós afirmamos, é necessário remodelar todos os serviços da instrução pública.
Na Suíça pode dizer-se em cada cantão tem a sua organização de ensino especial.
A semelhança do que Micede na Bélgica e nos Estados. Unidos, podíamos conferir às nossas escolas superiores uma autonomia administrativa e pedagógica.
O Sr. Ministro da Instrução (Barbosa de Magalhães): - As nossas escolas de ensino superior já tem hoje autonomia pedagógica.
O Orador: - Uma autonomia relativa.
Em relação, Sr. Presidente, ao nosso ensino primário, e é êsse que me apaixona sobretudo, lamento profundamente os erros consagrados que a cada passo vejo repetir na imprensa, no Parlamento, nas conferências, em toda a parte. Ouço falar no analfabetismo tem grande horror. Parece-me que é mais de invejar a condição dos analfabetos do que a dos outros que foram educados por péssimos mestres.
Em relação ao ensino primário é preciso modificar tudo. Torna-se necessário que o professor seja cousa diferente do que actualmente existe.
Bons professores, bem pagos e programas diferentes dos actuais, o por cima de tudo isto, Ministros que compreendam a função social e política, do professor primário, que compreendam, emfim, o alcance do ensino primário.
Eu queria que o Ministro da Instrução fôsse sempre uma alta capacidade do meu país.
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Não sei o que significa investir na pasta da Instrução os professores de ensino superior; não sei que especial indicação dá o professor da escola superior. E desconhecer qual o papel do Ministro da Instrução.
Não sei de funções que reclamem uma cultura geral mais vasta e mais complexa do que as de Ministro da Instrução, sobretudo em Portugal.
Um professor de medicina pode ser ilustre como médico e dentro da medicina, não há possibilidade, porem, dum médico ser grande em todos os ramos, em todas as especializações da sua profissão; um professor de matemática pode ser muito notável, mas, nem o professor de medicina, nem o de matemática, nem o de direito, por mais alto que tenha atingido a especialização do seu saber, estão em condições do desempenhar com êxito e prover a pasta da Instrução.
Em matéria de ensino primário a Alemanha vai caminhando na vanguarda dos povos.
Um dos defeitos graves que explicam o fracasso das nossas grandes reformas está em procurarmos imitar o que fazem as grandes nações, quando Portugal, pela modéstia das suas forças financeiras, e de toda a ordem, devia procurar imitar as nações pequenas, cuja organização, em matéria educativa, satisfaz os mais exigentes, e devo dizer que mais modesta do que esta minha pretensão foi a modesta Alemanha, que foi buscar à escola protestante as origens da sua organização de ensino, e depois pedagogistas eminentes, filósofos alemães compuseram êsses processos, imprimindo-lhes um carácter perfeitamente nacional. Apesar de serem muito perfeitos, muito adiantados, a verdade é que hoje os pedagogos mais ilustres da Alemanha acham que as suas reformas carecem de ser reformadas novamente. Elas não satisfazem já, por completo, as aspirações dos que pretendem mais.
Mas, Sr. Presidente, o que é que nós ensinamos na instrução primária e o que é que a Alemanha ensina?
Lá ensina-se ou dá-se às crianças a cultura que nós temos a pretensão de dar ao aluno da escola secundária, quere dizer, o exame primário em Portugal serve à criança apenas para a matrícula na escola secundária, não tem outra utilidade, e é a instrução secundária que dá ao homem, numa sociedade democrática moderna, os conhecimentos que o habilitam a lutar pela vida e a satisfazer as funções que tem de desempenhar no meio social.
Se bem ouvi as palavras do Sr. Ministro de Instrução, S. Exa. deposita as maiores esperanças na escola primária superior que está em vias de exploração.
Simplesmente, Sr. Ministro, devo declarar que essas escolas muito me satisfazem, que me enchem de contentamento, que respondem à minha anciedade de longe, de ver reformada a escola primária, porque, tal como existo, não presta para cousa alguma, não dá instrução bastante, não torna efectivo o ensino obrigatório, não educa o professor, que é um escravo das condições económicas em que o Estado o mantêm. O professor primário, dentro do nosso Estado, é verdadeiramente um pária, e o ensino que esto homem ministra é muitíssimo deficiente, mercê da escravidão económica em que Cio é obrigado a vegetar.
Bem sei que V. Exa., Sr. Ministro, me dirá, como ontem, que eu ouvi com tristeza, que o país está a braços com dificuldades financeiras e económicas, que não tem recursos, que está pobre. E não seria preciso despender mesmo muito dinheiro com a exploração das nossas escolas superiores, porque, dentro dos modestos recursos de que dispomos, poderemos fazer, não digo muito, mas alguma cousa.
Sr. Presidente: em todo o período constitucional o que ficou da administração pública portuguesa foram as medidas de fomento de Fontes, ao tempo em que êle se propunha - no seu dizer - regar o país com libras.
Fizeram-se muitas fortunas pessoais, desperdiçou-se muito dinheiro; mas a verdade é que a viação acelerada, as estradas de macadam, as obras públicas consideráveis efectuadas então, fizeram com que o nome dêsse homem ficasse vinculado a essa obra larga de fomento público.
Mentalidades doutra estrutura, e depois dele, passaram sem deixar um sulco luminoso, como êle deixou na administração moderna.
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E por isso que eu não compreendo que Portugal, nesta hora de amargura, ao passar o desfiladeiro mais crítico da sua história, tenha seguido uma orientação absolutamente diversa à dos outros países interessados na guerra.
Vão V. Exas. a França, esfaimada e martirizada por todas as durezas da guerra, e verão a actividade febril dos seus laboratórios, das suas academias, o constatarão tambêm como lá se procura organizar a riqueza de amanhã.
A França prepara-se para a paz, como para a luta mercantil que há-de suceder a esta conflagração. O mesmo sucede com a Inglaterra, com a Alemanha e com todos os países que estão em guerra.
Como é que nós encaramos êste problema, que é um dos mais complexos da nossa economia? Como é que nós fazemos a organização do nosso exército económico? Certamente que o aspecto militar da situação presente sobreleva a todas as faces da questão; mas, Sr. Presidente, um Govêrno é uma espécie de orquestra que podemos apreciar quando os músicos são bons, o regente é óptimo e há perfeita harmonia e bom gosto da parte do regente e dos executantes.
Eu quereria que o actual Govêrno fôsse uma admirável e celestial orquestra cujos executantes se integrassem no sentimento e no pensamento da música que executam; e que pensassem que o problema da nossa agricultura, do nosso comércio e da nossa vida industrial, depende fundamentalmente do problema da nossa instrução; e, por consequência, Sr. Presidente, que nós compreendêssemos que era absolutamente indispensável não só emancipar a consciência como tambêm emancipar a economia portuguesa.
Há uma única maneira de o conseguir: - é uma banalidade que é preciso repetir, - é criando riqueza.
A República, porêm, não se tem preocupado com êsse assunto: e nós temos, numa vertigem louca, sem limite, alargado os encargos da vida pública da administração do país, sem conseguirmos arranjar receita que cubra a despesa.
Poderá isto parecer uma cooperativa do muito consumo e de pouca produção; mas eu desejaria antes que se invertessem os termos e que fôsse uma cooperativa de muita produção e de consumo simplesmente o necessário.
E preciso, para realizar essa emancipação económica, fazer-se um inquérito à situação do país.
E preciso organizar o ensino primário, o secundário e o superior; assim como o ensino técnico ao lado do primário, do secundário e do superior.
Não podemos estar a fundar institutos especiais em todas as cidades do país, mas poderíamos ter já em Coimbra uma grande escola agrícola; poderíamos ter no Pôrto, - cidade tam importante pelas suas transacções mercantis, - um instituto técnico que fôsse alguma cousa de diferente do que tem sido o ensino, absolutamente improdutivo, daqueles centros académicos, sob o ponto de vista industrial.
Durante muitos anos, numa academia representada por matemáticos os mais ilustres, ensinando simplesmente, com rigor, as operações de cálculo dos compêndios de estudo, não se tirou proveito algum dêsse trabalho.
Sr. Presidente: precisamos de, ao lado da escola primária fundar a escola técnica, que instrua os mestres das oficinas; precisamos, emfim, de considerar o aspecto económico do problema, resolvendo-o da maneira mais consentânea com o que a economia pública aconselhar.
O Sr. Presidente:-Deu a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Augusto Nobre: - Requeiro que se prossiga na discussão do orçamento.
Foi aprovado.
O Orador (continuando): - Não podemos alterar em matéria de instrução e ensino, abrutamente, o que já está feito.
Precisamos aproveitar os edifícios de que dispomos e o pessoal docente que neles temos para que êsse mesmo pessoal e êsses mesmos edifícios ou os que vierem a construir-se, possam, a seu tempo, servir para as duas funções.
Precisamos organizar devidamente o ensino primário superior. Trata-se duma necessidade elementar e fundamental que não podemos recusar a todos os filhos de
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portugueses, a cultura das escolas superiores.
A cultura, universitária representa já um privilégio, uma condição especial que não é dado fruir a todos, mas, todos tem direito a receber das escolas do listado o ensino primário suficiente.
Ao lado das escolas secundárias quereria ver instituídas as escolas técnicas para assim acabar com o preconceito, que em Portugal é lamentável, dos alunos das escolas de ensino técnico serem menos presados. menos considerados do que os alunos dos liceus e das escolas superiores. Desejaria ver acabar com êste preconceito e a maneira era misturar os alunos que frequentam as escolas técnicas com os alunos que frequentam os liceus, devendo até estudar-se a maneira dos alunos poderem transitar dumas escolas para outras.
O programa que eu conheço das escoas de ensino primário superior precisa do ser revisto. Êsse programa, como todos os programas das nossas escolas primárias e secundárias, é excessivo.
Disse ontem, o Sr. Deputado Almeida Garrett que essas escolas conduziam naturalmente a criança a um grande esforço físico. Evidentemente assim é.
Tendo eu feito, por curiosidade, uma visita à Escola Normal, onde. aliás, tive a felicidade de encontrar professores muito genéis e que me disseram ser dos mais considerados da sua corporação, que me proporcionaram excelentes conhecimentos sôbre o regime daquela escola, estou absolutamente de acôrdo com o ponto de vista que o Sr. Deputado Almeida Garrett ontem frisou e preconizou, a vantagem do ensino primário ser confiado a escolas infantis, a professores do sexo feminino, porque as professoras estão mais perto da mãe numa idade em que o sexo da criança está ainda por diferenciar, e que, por conseguinte, estas condições de maternidade podem influir no espírito e formação da criança. S. Exa. abordou um ponto muito interessante que esta República devia considerar num alto ponto de vista social.
Hoje, que se procura dignificar na sociedade a acção e o papel da mulher, que, sobretudo, se pretende exalçá-la pelo trabalho, dando-lhe, um papel que ela, pelas suas qualidades do sexo melhor que o homem pode desempenhar, não sei efectivamente porque não havemos de confiar êsse ensino exclusivamente à mulher, tanto mais que, segundo informações que hoje tive por um professor da Escola Normal, em média estão matriculadas 500 alunas. Na Escola Normal do Pôrto foi-me dito que aí efectivamente a mulher procura habilitar-se com o curso de professora. E êste facto não é de agora, vem de longe.
Já no tempo de Costa Cabral, uma figura política que anda mal apreciada no nosso meio e na nossa história, Costa Cabral, que é designado como um reaccionário feroz, um autoritário, não sei se era democrático nesse tempo, ligou o seu nome a uma obra de reforma de ensino muito importante. Foi êle que fundou as escolas normais. Já nesse tempo êle reconheceu a necessidade de estabelecer uma pensão aos alunos normalistas. Essa mesma pensão foi restabelecida mais tarde por Rodrigues Sampaio com 6 ou 7$000 réis mensais, pensão que consideravam indispensável dar aos candidatos ao professorado primário, reconhecendo a condição modesta dos seus recursos. Efectivamente essas escolas são muito pouco frequentadas por alunos masculinos.
E necessário, portanto, que êsses programas sejam revistos e simplificados de maneira a reduzirem-se a noções nítidas.
Os programas de ensino secundário pecam igualmente pela complexidade da doutrina. O espírito da criança, nesse tempo, não pode assimilar noções que êsses programas já impõem ao espírito, em formação, da criança.
Se não fôsse a hora estar adiantada e ser conveniente reduzir as considerações que tenho a fazer, falaria por largo espaço de tempo sôbre o ensino secundário.
Já alguns ilustres Deputados, com a autoridade que lhes dá a prática do ensino e o cultivo dos estudos pedagógicos, afirmaram que o ensino clássico em Portugal e^tá instituído definitivamente.
Simplesmente há reparos a fazer, e é um leigo como eu que os faz, fundado nas seguintes considerações: o aluno que acabou o seu curso secundário e entrou no curso superior, áparte excepções, chega em geral mais mal preparado do que o aluno que antigamente estudava por
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disciplinas. Provado êste facto, é preciso estudá-lo.
Suponho que êste defeito parte em primeiro lugar da natureza dos seus executantes, em segundo lugar porque os programas são1 na verdade, excessivos, e, em terceiro lugar porque a divisão, digamos, do curso geral que conduz os alunos para a secção de letras e sciências faz-se tarde e é minha opinião que essa divisão se devia fazer na 3.ª classe e não na 5.a. Entendo que êsses grupos estão mal organizados. Evidentemente é impossível dar-se uma organização natural a todos êsses cursos.
Há sciências agrupadas que não tem entre si a menor relação. Não obstante devo dizer que achava de todo o ponto conveniente que um mesmo professor ensinasse várias disciplinas num mesmo grupo.
Estou convencido de que muitos profissionais do ensino hão de concordar com as afirmações que eu, grosso modo, estou fazendo.
No ensino liceal muito há a fazer. Quando eu comparo os liceus de Lisboa com o Liceu de Rodrigues de Freitas, do Pôrto, que é uma espelunca ignóbil, quási que me desvaneço e encho de esperanças em face da obra de remodelação do ensino que os nossos estadistas se propõem fazer. Desde que os liceus tenham as indispensáveis condições materiais, pelo menos o ensino das sciências naturais nada deve deixar a desejar. De facto, há já muitos liceus onde os alunos recebem1 em relação às matemáticas e sciências naturais, uma instrução satisfatória. Essa instrução só tem para mim um defeito: não ser mais elementar, porque, a meu ver, quanto mais elementar ela for, tanto melhor. Tem sucedido que muitos alunos matriculados em escolas superiores se viram obrigados a abandonar a sua carreira por considerarem a matemática um verdadeiro horror, o que eu só posso atribuir ao facto de não terem recebido uma nítida e perfeita instrução elementar. A matemática é uma das sciências mais fáceis que há. A questão é compreender. O que é essencial é aproveitar os factos para fazer as leis; e desde que as leis através os factos entram no espírito do aluno, está êste preparado para estudar as sciências naturais e matemáticas.
Os liceus devem ser instalados em boas condições higiénicas o de habitabilidade, possuindo material didático diferente, por exemplo, do que eu vi hoje na Escola Normal de Lisboa: medidas de litro, de decalitro, muita cousa antiga, emfim um horror! Mas desde que as escolas disponham de todos os recursos, as sciências naturais não merecem grande cuidado.
Já o mesmo não digo em relação à história e geografia. Não compreendo a razão por que andam sempre agrupadas. E todavia o êrro vem de longe. Uma trata do tempo, outra do espaço, e a filosofia nunca soube congraçar o tempo com o espaço. j6 fácil estudar a geografia, mas é difícil estudar a história, porque a geografia estudámo-la com os factos, no domínio da realidade, ao passo que com a história, não.
Acontece tambêm que o professor que ensina as duas disciplinas dá mais desenvolvimento a uma sciência do que a outra. Quer dizer: uma destas sciências é cultivada em prejuízo da outra.
Esta questão deve ser apreciada pelos reformadores do ensino secundário.
Em relação ao ensino das línguas vivas, é minha convicção que êle é deficiente. O ensino deve ser contínuo, pois não compreendo que no terceiro ano se repita o que se deu no primeiro. Não vejo vantagem nessa repetição. Bem sei que a criança não tem o cérebro suficientemente desenvolvido para que marque perdurávelmente qualquer impressão, sendo necessário que uma lição seja repetida muitas vezes.
Suponho que é favorável o estudo desenvolvido do latim.
Duma maneira geral pode dizer-se que em França se estuda duas vezes mais latim e na Alemanha quatro vezes mais do que em Portugal. Se realmente nós não temos consideração pelo estudo de latim é preferível, é mais decente suprimi-lo completamente do que ensinál-o tal como se ensina actualmente.
Outro reparo que faço refere-se à cultura da língua portuguesa e da filosofia.
A filosofia parece que está destinada a desaparecer dos nossos programas. Não estou de acordo. Em toda a parte, nos centros pedagógicos mais avançados, só estuda a história das religiões e se nós dentro do nosso sistema político, dadas
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os nossas relações com a igreja temos a pretenção de tornar o ensino independente do ensino religioso, mais uma razão para não ser suprimido o estudo da filosofia.
Em relação a compêndios é preciso combater com o maior calor a maneira como em Portugal se estão fazendo compêndios tanto para o ensino primário como para o ensino secundário. Abre-se um dêsses compêndios e encontram-se páginas de Oliveira Martins duma arte delicada, sem dúvida, mas positivamente muito fora do alcance da inteligência, do desenvolvimento mental da criança que começa a aprender a ler. Tudo isto reclama a atenção do Sr. Ministro da Instrução a fim de se confiarem êsses compêndios a quem os saiba fazer.
Quanto à língua materna é um capítulo que certamente a todos nós interessa.
Lamento que a língua portuguesa seja tam mal ensinada nos nossos liceus, e porque ela é mal ensinada e escrita, é tambêm muito mal falada. São detestáveis, em via de regra, os nossos oradores, e os nossos escritores modernos, não digo já sob o ponto de vista das suas faculdades de imaginação, de concepção, de pensamento, etc., mas, sob o ponto de vista da pureza castiça da língua.
Ouvi há poucos meses em Lisboa uma conferência dum brasileiro ilustre, o poeta Olavo Bilac. Essa conferência interessou-me profundamente. E claro que essa conferência foi um madrigal, foi um mimo, foi uma apoteose à nossa história, à nossa gente; foi tudo que pode haver de mais tocante, de mavioso, cheio de paixão e de ternura. Era um espectáculo interessante.
Nunca ouvira eu um orador brasileiro o foi êsse o motivo da minha curiosidade. Não se nota muito exagerada a pronúncia da língua. Estamos em presença de uma língua interessante e viva em comparação com a forma dos nossos escritores que dão a impressão duma língua cansada, poida, com frases do velho mundo.
A hora vai adiantada e reservo-me por isso para quando falar sobro o ensino artístico fazer sôbre o assunto algumas considerações, pois estou convencido que em Portugal há condições para desenvolver êsse ensino, aproveitando quer os alunos que vão ao estrangeiro estudar as artes, quer os professores que venham para êsse fim para o país.
O desenho é sobretudo mal ensinado entre nós, mas devemos ter a esperança de poder vir a dar incremento às artes plásticas.
E sabido que em Portugal um estadista de grande envergadura, Emídio Navarro, tendo em vista desenvolver a nossa educação profissional procurou fundiu nos centros mais fabris escolas de ensino técnico, para o que mandou vir do estrangeiro professores competentes.
O seu pensamento foi desvirtuado e a sua obra não teve continuação sendo desfeita pela influência da política, e cada uma dessas escolas tornou-se uma universidade de professores palavrosos.
É necessário acabar com essas escolas e substituí-las por outras com professores que tenham competência especial.
Por aqui termino as minhas considerações esperando poder desenvolver mais
largamente o assunto guando tratar do ensino profissional técnico.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Barreira: - Mando para a Mesa um parecer.
Em seguida é aprovado o capitulo 1.º e entra em discussão o capítulo 2.°
O Sr. Ministro de Instrução Publica (Barbosa de Magalhães): - Mando para a Mesa as seguintes
Propostas
Proponho que no capítulo 2.° artigos 2.° e 3.° do orçamento do Ministério de Instrução Pública seja acrescentada a verba de 3.455$12 para equiparação dos vencimentos do pessoal das repartições do mesmo ministério aos vencimentos do pessoal das repartições dos outros Ministérios já equiparados. - O Ministro de Instrução Pública, Barbosa de Magalhães.
Proponho que seja inscrita no capítulo 2.°, artigo 2.°, Pessoal do quadro da secretaria geral e repartições do Ministério, a verba de 1.4406, correspondente aos vencimentos de categoria e de exercício do chefe de repartição do quadro da Secretaria Geral do Ministério do Instrução Pública, instituído pelo decreto de 6 de
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Março de 1915, promulgado nos termos da autorização concedida ao Govêrno pelo artigo 40.° da lei orçamental do Ministério das Finanças, n.° 220, do 30 de Junho do 1914. - Barbosa de Magalhães.
Foi aprovado o capítulo 2.° e as propostas.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o capítulo 3.°
O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Mando para a Mesa as seguintes
Propostas
Proponho que seja eliminado no capitulo 3.°, artigo 7.° "Pessoal do quadro da fiscalização do ensino primário", a verba de 400$, importância do ordenado de um amanuense da extinta 1.ª Circunscrição Escolar (Lisboa), e que, correspondentemente, seja elevada a 6.000$ a verba de 6.500$ destinada a remunerar os professores que exercem as funções de secretários das inspecções dos círculos escolares. - Barbosa de Magalhães.
Proponho que, no artigo 12.°, e em relação à Escola Normal de Coimbra, onde está "12 professores - 11 de categoria a 400$, 4.400$", fique "11 professores - 10 de categoria a 400$, 4.000$"; e adiante, onde está "13 gratificações a 100$, 1.300$", fique "12 gratificações a 100$, 1.200$". - Barbosa de Magalhães.
Proponho que seja inscrito no capitulo 3.°, artigo 12.° "Pessoal do quadro da Escola Normal de Coimbra", a verba de 200$; correspondente ao complemento de vencimento de um professor da referida Escola, que anteriormente exercia o lugar de secretário da extinta Inspecção da 2.ª Circunscrição Escolar". - Barbosa de Magalhães.
Proponho, em harmonia com as disposições do § único do artigo 1.° da lei n.° 748, de 25 de Julho de 1917, que seja inscrita no capítulo 3.°, artigo 12.° "Pessoal do quadro das Escolas de ensino Normal", em relação aos diferentes professores das escolas anexas às de ensino normal, a quantia de 1.860$, correspondente ao aumento de vencimento; e a de 645$, respeitante ao aumento de subsídio para renda de casa, a que, nos termos do § 3.° do artigo 13.° da lei n.° 424, de 11 de Setembro de 1915, tem igualmente direito. - Barbosa de Magalhães.
Proponho que, no capítulo 3.°, artigo , 12.° "Pessoal do quadro das Escolas de ensino Normal", seja eliminada a quantia de 320$, correspondente aos vencimentos e subsídios de uma professora de ensino elementar, da 2.ª classe, da escola anexa à de ensino normal de Portalegre. - Barbosa de Magalhães.
Proponho que seja eliminada, no capítulo 3.°, artigo 13.° "Pessoal em disponibilidade e em serviço das Escolas de ensino Normal", a verba de 700$, correspondente aos vencimentos do secretário da extinta Inspecção da 2.ª Circunscrição Escolar, que, por decreto de 25 de Maio de 1917, foi provido em uma vaga de professor efectivo da Escola Normal de Coimbra. - Barbosa de Magalhães.
Proponho que, em harmonia com as disposições do § único do artigo 2.°, da lei n.° 732, de 7 de Julho de 1917, seja inscrita no capítulo 3.°, artigo 16.°-A, sob a epígrafe "Gratificações e despesas de jornada, pelo serviço de exame de instrução primária do 1.° e 2.° grau e despesas de expediente, a verba de 18.500$. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.
Proponho que as despesas incluídas no capítulo 3.°, do artigo 19.°, sejam descritas nos termos seguintes:
Serviço de construções escolares:
[Ver tabela na imagem]
O Deputado, Barbosa de Magalhães.
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Proponho, em harmonia com as disposições do § único do artigo 2.°, da lei n.° 732, de 7 de Julho de 1917, que seja acrescentada no capítulo 3.°, artigo 20.°: "Subsídios a diversas instituições", a quantia de 2.000$, à dotação destinada a cantinas escolares. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.
Proponho que seja elevada a 144:3 o subsidio inscrito no capítulo 3.° artigo 20.°, com aplicação à Nova Escola de Cegos, em Lisboa. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.
Proponho que, em harmonia com a disposição do artigo 4.° da lei n.° 748, de 20 de Julho de 1917, seja inscrita no capítulo 3.°, artigo 21.°, em substituição da verba de 1:000.000$, a de 1:100.000$, com aplicação ao pagamento dos subsídios do Estado, aos municípios, nos termos do artigo 55.°, do decreto com fôrça de lei de 29 de Março de 1911, da lei de 29 de Junho de 1913, e da citada lei n.° 748. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.
Proponho que seja acrescentada a cantinas escolares a verba de 1.000$, correspondente à receita provável, proveniente do aluguer do Teatro de S. Carlos, e do salão nobre anexo, para espectáculos, sessões e quaisquer outras festividades de iniciativa particular nos termos dos artigos 2.° e 3.° do decreto n.° 3:195, de 19 de Junho de 1917. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.
O Sr. Augusto Nobre: - Mando para a Mesa a seguinte
Proposta
Proponho que da verba de 10.000$, inscrita sôbre a rubrica: "Subsídio anual à Associação das Escolas Móveis, para a construção de jardins-escolas", seja deduzida a importância de 2.500$, que deverá ser englobada na verba inscrita sob a rubrica: "Outras construções escolares", verba esta última, que, com a alteração agora proposta e a constante do parecer da comissão, fica reduzida a 177.500$. - O Deputado, Augusto Nobre.
Foi aprovada e remetida à comissão de redacção.
O Sr. Tavares Ferreira: - Mando para a Mesa as seguintes
Propostas
Proponho que o artigo 17.°, no capítulo 3.°, com a rubrica "Escolas Móveis - Pessoal", fique assim descrito:
[Ver tabela na imagem]
Tavares Ferreira - Barbosa de Magalhães.
Proponho que os subsídios à Liga Nacional de Instrução, Liga Popular contra o analfabetismo e de Instrução de Viana do Castelo, descritos no capítulo 3.°, artigo 17.°, sejam inscritos no artigo 2.° do mesmo capítulo, que descreve os subsídios a diversas instituições. - Tavares Ferreira.
Proponho que no artigo 18.°, capítulo 3.°, p. 26, sob a rubrica "Material e despesas diversas", entre as palavras "ma-
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terial e... para as Escolas Móveis", se incluam as seguintes: "e renda de casa". - Tavares Ferreira.
O Sr. Presidente: - Em virtude da lei de 15 de Março de 1913 não posso dar seguimento sem ser ouvido o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Declaro a V. Exa. e à Câmara que dou o meu voto à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Tavares Ferreira, não tendo dúvida, para os efeitos da lei de 15 de Março de 1913, de a subscrever. De resto, essa proposta foi apresentada de acôrdo com a comissão de instrução primária, tendo eu tido ocasião de assistir à sua reunião.
Já que estou com a palavra, aproveito o ensejo para requerer que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 813, relativo às cantinas escolares.
Peço tambêm a V. Exa. que me permita fazer uma pequena modificação na redacção da proposta, já aprovada, acêrca da equiparação dos vencimentos dos funcionários do meu Ministério.
Foi admitida a proposta do Sr. Tavares Ferreira.
Foi aprovado o requerimento para que entrasse em discussão o parecer n.° 813.
Leu-se na Mesa o parecer. É o seguinte:
Parecer n.° 813
Senhores Deputados. - Para ser submetida à vossa apreciação, apresentou nesta Câmara o Sr. Ministro de Instrução Pública uma proposta do lei sôbre cantinas escolares.
Tam louvável iniciativa merece o nosso e, certamente, o vosso caloroso aplauso. Tudo quanto se faça a favor da assistência escolar deve ter o incondicional apoio de todos. Generosa e humanitária, a assistência escolar constitui entre nós uma falta que é preciso corrigir, uma lacuna que urge preencher, uma necessidade que é indispensável satisfazer. Vasta na sua acção, elevada no seu objectivo, benéfica e produtiva nos seus resultados, sejam quais forem os aspectos por que a encaremos, é incontestavelmente uma obra nacional. Exige, portanto, o concurso de governantes e governados.
Aqueles compete iniciá-la, organizá-la, estimulá-la. A êstes cumpre auxiliá-la, desenvolvê-la, administrá-la.
A miséria da nossa população escolar é grande, funestíssimas serão as suas naturais consequências morais e sociais. A maior parte das crianças que frequentam as nossas escolas alimentam-se mal.
Há anos fundou-se em Santarém uma cantina escolar. Antes, porêm, fez-se, na escola central masculina, um inquérito sôbre a habitual alimentação dos alunos.
O apuramento final foi profundamente desolador. Mais de 70 por cento das crianças iam para a escola tendo almoçado um pequeno bocado de pão e uma chávena de café, que de café apenas tinha o nome.
No rosto macilento e no olha? amortecido transparecia claramente a fome que as torturava. O esquelético corpo, mal coberto de remendado e sujo vestuário, denunciava nitidamente organismos que se definhavam, existências que lentamente se aniquilavam. O seu estômago estava de tal forma, que nas primeiras refeições fornecidas na cantina difícilmente recebia um pequeno prato de sopa. Dias passados, consolava vê-las a comer.
Se êste inquérito se fizesse em todas as escolas do país, como já se devia ter feito, o quadro aparecer-nos-ia de cores mais negras ainda.
Será possível educar crianças nestas condições?
A fome é inimiga da virtude. Forçar uma criança faminta a permanecer longas horas na escola é uma violência que a não prejudica só a ela, mas mui especialmente ao ensino e sanidade moral dos restantes alunos. As exigências do estômago são imperiosas, avassaladoras. A atenção da criança concentra-se apenas no lanche do companheiro remediado, que se lhe senta ao lado. No gesto, na atitude e no cubiçoso olhar não é difícil surpreender o que no seu íntimo se agita. Da simples intenção breve passa à acção. A tentação vence e o furto consuma-se. A repetição do delito embota o sentimento e cria o hábito. E a escola, que devia ser a modelar oficina onde se formam caracteres, transforma-se assim em fábrica de futuros criminosos, cuja repressão e correcção consomem ao Estado avultadas quantias, porventura superiores - se levarmos em conta o mal que êsses crimi-
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nosos luzem à colectividade - às que despenderia com uma bem organizada assistência escolar.
Sem a assistência material e moral o problema educativo será uma ficção, a obrigatoriedade escolar não passará duma generosa aspiração cuja realidade não vai alêm da sua consignação nas leis.
É preciso encarar a sério êste magno problema, de tam capital importância. A sua influência é decisiva na preparação das futuras gerações.
Agora mais do que nunca, êle se impõe à consideração de todos, ^i miséria normal A irá juntar-se amanhã a multidão dos órfãos da guerra.
Com justificado motivo, pois. tal problema preocupa hoje todos os povos especialmente os mais atingidos pelo conflito europeu. Citemos, por exemplo, a sacrificada e superior França.
Em Outubro de 1915, sob a presidência de M. Liard, vice-reitor da Academia de Paris, constituíu-se um comité central que iniciou em toda a França a organização de comissões e sub-comissões, duma vasta instituição a que apropriadamente se deu o significativo nome de Pupilo* da Escola Pública.
Nela procuraram sobretudo interessar os professores e alunos de todas as escolas. A êstes últimos dirigiu M. Liard um patriótico e sugestivo apelo de que transcrevemos os seguintes períodos que bem se podem endereçar aos alunos das nossas escolas:
"Venho hoje estender-vos a mão para uma obra que, mais que qualquer outra, deve tocar vossos corações de franceses.
Não ignorais que milhares de soldados, mortos gloriosamente pela nossa França, deixaram crianças, sem lhes deixarem com que viver e instruir-se. Vossos directores, professores e inspectores pensaram que não vos recusareis a fazer qualquer cousa para êstes pobres órfãos que serão vossos camaradas nas escolas da República. Fundaram uma instituição que se chama: "Os Pupilos da Escola". Aos órfãos que tomarem lugar a vosso lado nos bancos da escola, ela se propõe dar a assistência material e a assistência moral de que têm necessidade durante a sua infância, até que estejam em idade de ganhar a sua vida. Não tenho necessidade de vos dizer que tendes uma divida para com êles. Vós a sentis, vós a compreendeis, já ao sangue de seus país, derramado por nós e por aqueles que vierem depois de nós, que devereis ter uma pátria livre, respeitada, gloriosa, onde ressuscitará a doce paz, com seu trabalho, sua riqueza, suas alegrias.
A felicidade de que vós gozardes será feita em grande parte à custa da sua infelicidade... ".
A êste apelo Correspondeu toda a França com todo o entusiasmo da sua alma magnânima.
Apesar de curta vida, notável e larga e já a humanitária obra da prestimosa instituição.
A situação financeira de muitas comissões é satisfatória e próspera. A do Sena Inferior, por exemplo, em 30 de Junho de 1910 acusava uma receita de 68.109,80 francos, não contando a subvenção de 10.000 francos, do Conselho Geral, e diversos donativos cuja soma se pedia avaliar em 100.000 francos.
E como "a caridade é industriosa", na frase feliz de M. Xavier Léon, secretário do comité de iniciativa, processos os mais originais e curiosos se têm pôsto em prática para angariar receita.
No departamento de Torn-et-Garone, os estabelecimentos oficiais e particulares cederam à instituição, os papéis velhos e inúteis que se amontoavam nos seus arquivos. Trinta mil quilogramas se ajuntaram que vendidos a 0,25 francos a uma oficina, renderam 7.500 francos. Outras comissões a imitaram, como as do Haute-Garone, Savoie, Ariège, Bouches-du-Rhône.
No Somme e em Arras as alunas das escolas, nos dias feriados, espalham-se pelos campos à procura de plantas medicinais, que, depois de devidamente preparadas, constituem uma boa fonte de receita.
Em muitas escolas femininas os alunos confeccionam alêm dos vestuários para os pupilos, muitos outros artigos cuja venda reverte a favor do cofre da instituição.
A sua acção não se limita à assistência material. Vai mais longe, alargando o âmbito do seu proteccionismo. Dá tambêm a assistência moral à criança, pon-
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do-a tanto quanto possível ao abrigo da influência do ambiente externo.
Exercendo sôbre todos uma paternal vigilância, dia a dia aumenta o número de beneméritos abastados, directores de colégios e oficinas que, como solícitos tutores, tomam a seu cargo o sustento e a educação dos órfãos mais desprotegidos. E para coroar esta bela obra de solidariedade humana, por toda a parte essas comissões procuram arranjar-lhes colocação, em harmonia com as suas habilitações e aptidões, após o termo da preparação e idade escolares.
Porque se não há-de fazer o mesmo entre nós, imitando essa gloriosa nação a que vulgarmente chamamos nossa mãe espiritual?
E larga e difícil a obra a realizar? Certamente; mas isso não nos deve deter nem intimidar, antes nos deve estimular e apressar. E necessário não deixar para amanhã o que urge começar hoje.
A proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro de Instrução constitui uma louvável tentativa a que não recusamos o nosso voto.
Pena é que não tenha já mais largos horizontes. Para o muito que há a fazer, que é quási tudo, os recursos de que dispõe pouco representam.
E preciso, pois, multiplicar as verbas que lhe são destinadas. Para tam humanitária, como necessária obra, evidente é, tambêm, que aos abastados cabe a maior obrigação de contribuir. Por isso, lembra esta comissão que, entre outras, se podem cobrar por meio de um sêlo denominado "Assistência Escolar", as seguintes receitas:
a) $01 por cada $10 ou fracção das cotas dos clubs, sociedades de recreio, associações comerciais, industriais e agrícolas;
b) $10 pela mensalidade de cada aluno que frequente colégios ou estabelecimentos de ensino particular;
c) $20 por cada diploma ou certificado de habilitação passado nos estabelecimentos oficiais de ensino;
d) $50 por cada matricula anual em todas as escolas do Estado.
Exceptuando do respectivo pagamento os alunos pobres, tais impostos, que não são elevados, incidiriam apenas nos ricos e remediados que sem sacrifício podem e devem pagá-los.
Aí fica o alvitre. $e for aproveitável, que os Srs. Ministros de Instrução e Finanças o tragam à sanção do Parlamento por meio duma proposta de lei, são os nossos desejos.
Dando a nossa aprovação à presente proposta de lei, lembramos contudo a conveniência de se lhe dar a maior amplitude com a brevidade possível e de se isentarem da respectiva contribuição os espectáculos dados em benefício da assistência escolar. O Estado com isso pouco perde e as cantinas alguma cousa lucram.
E preciso, sobretudo, não esquecer que, como bem dizia Lepelletier, a criança pertence à República. é propriedade do Estado.
Para que o nome da comissão central melhor se harmonize com a missão que tem a desempenhar, entende esta comissão que no artigo 1.° as palavras "das cantinas escolares" sejam substituídas pelas seguintes: "da assistência escolar".
Câmara dos Deputados, em 6 de Julho de 1917. - João de Barros - Francisco Alberto da Conta Cabral - Gastão Correia Mendes - Gonçalves Brandão - António Mantas - Baltazar Teixeira - A. A. Tavares Ferreira, relator.
Senhores Deputados. - Ao estudo da vossa comissão de finanças foi submetida a proposta de lei n.° 754-C. subscrita pelos Srs. Ministros das Finanças e de Instrução Pública, que estabelece a criação duma comissão central das cantinas escolares e fixa as suas funções e os seus recursos financeiros.
O alto alcance social da proposta é pôsto em destaque não só no elucidativo relatório que a precede, como no extenso e bem justificado parecer da vossa comissão de instrução primária e secundária.
Não pretende, portanto, a vossa comissão de finanças aditar uma palavra que seja em defesa de tal proposta, porquanto ela está suficientemente justificada no seu duplo objectivo, o humanitário e o patriótico.
Dirá entretanto apenas que, convencida como está de que só por uma sólida e fecunda assistência escolar, como a que pretende realizar a proposta de lei em questão, será possível a obrigatoriedade do ensino primário, base fundamental do
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nosso ressurgimento como nação verdadeiramente livre e progressiva, entende que a deveis aprovar, porquanto os pequenos encargos financeiros que derivam da sua aprovação ficam ainda muito aquém do que é necessário e urgente gastar.
Sala das sessões da comissão, em 14 de Julho de 1917. - Francisco de Sales Ramos da Cosia, presidente - Levi Marques da Costa (com restrições) - José Mendes Nunes Loureiro - Ernesto Júlio Navarro - João Tamagnini de Sousa Barbosa - Casimira Rodrigues de Sá (com declarações) - Prazeres da Costa - Albino Vieira da Rocha - Pires de Campos - Aníbal Lúcio de Azevedo, relator.
Proposta de lei n.° 754 - C
Senhores Deputados. - A instrução do povo é um princípio tam fundamental dos regimes republicanos que afirmar a necessidade da sua difusão é um verdadeiro lugar comum.
Desde a primeira hora, com orgulho o podemos dizer, a República tem procurado por todas as formas difundi-la, levá-la aos mais humildes recônditos do país, quer directamente quer interessando nessa campanha as corporações locais, a quem o Estado auxilia com os mais lisonjeiros resultados.
Mas, claro está, o primeiro objectivo a fixar é conseguir a frequência e atrair as crianças à escola.
Há muito que na nossa legislação está estatuído o princípio da obrigatoriedade do ensino primário; mas é tam fácil consigná-lo numa disposição legal como é difícil fazê-lo cumprir, se a essa providencia nos limitamos.
É mester não perder de vista que para que a escola seja frequentada é preciso que seja higiénica, alegre, que desperte a vontade de estar lá; um antro, uma sala acanhada, suja, sem luz nem ar, provoca uma instintiva repulsa às próprias crianças.
Uma escola que fique distante, que obrigue a longas caminhadas, sob intempéries ou elevadas temperaturas, afugenta as crianças e prejudica-lhes a disposição para aceitar o ensino.
Sob êstes pontos de vista-multiplicação das escolas e sua conveniente instalação - já a República pode, com orgulho, rever-se na obra que começou a realizar.
Mas isso não basta. Seja qual foro número e a qualidade das escolas, sempre que as crianças tiverem diante de si o dilema de irem mendigar, ou trabalhar para se alimentar, ou irem para a escola com fome, porque seus pais não poderá compensar o déficit que lhes causa a falta do seu trabalho, por diminuto que seja. ou das esmolas de que se alimentam, elas não hesitarão: abandonam a escola, até por determinação paterna. E assim a afastam, da instrução, as camadas que pela mais fácil sugestão do meio para o vício; e para o crime mais dela necessitam. E então que a cantina escolar surge como o melhor auxiliar da escola, como o seu complemento indispensável, com o maior incitamento à frequência. Havendo cantina, há já o direito de efectivar a obrigatoriedade do ensino, e para aplicar as penalidades que a sua inobservância acarreta. Isto que é incontestável em qualquer época, é flagrante neste momento que pela carestia da vida, impõe a criação ou melhor a multiplicação rápida e constante das cantinas. Instituir cantinas escolares, desenvolvê-las, interessar nelas todos os cidadãos, todas as colectividades, deixa de ser a vantagem de sempre, deixa de ser a necessidade em muitos casos, para ser o mais imperioso dever dos que amam a Pátria, e tem a consciência das suas responsabilidades.
Parece-me mais rápido e eficaz processo para o conseguir a instalação duma comissão, embora de carácter transitório, que junto do Ministério de Instrução dirija e coordene superiormente toda esta iniciativa, dando-lhe unidade o impulsos, quer em Lisboa, onde a realização imediata, mais do que em qualquer outro ponto, se impõe, quer pelas sub-comissões, em que delegue, no resto do país. Esta é a mais completa, se bem que inteiramente desnecessária para vós, Srs. Deputados, justificação da seguinte proposta, que tenho a honra de vos apresentar, certo da vossa simpatia por ela e da sua rápida aprovação.
Artigo 1.° É o Govêrno autorizado a constituir uma Comissão, que se denominará Comissão Central das cantinas escolares, a qual funcionará junto da Secretaria Geral do Ministério de Instrução
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Pública e que terá as seguintes atribuições:
1.° Promover e dirigir por todo o puís a instalação de cantinas escolares;
2.° Constituir sub-comissões nos bairros de Lisboa e Pôrto nos concelhos e freguesias de todo o país que tenham dentro das respectivas circunscrições não só as mesmas atribuições, que à Comissão Central são dadas neste artigo, mas, ainda, a de administrarem, sob a superintendência da Comissão Central, as cantinas escolares por elas instaladas e os fundos exclusivos que obtiverem;
3.° Administrar as receitas que pelo artigo 2.° são atribuídas à obra das cantinas escolares:
4.° Tomar a iniciativa de quaisquer festas, espectáculos, quêtes ou subscrições e angariar donativos a favor desta obra.
Art. 2.° São atribuídas à Comissão Central as seguintes receitas:
a) A importância das somas ainda disponíveis da dotação inscrita no capítulo 3.°, artigo 33.°, do orçamento do Ministério de Instrução Pública aprovado para o ano económico de 1914-1915, que, nos termos do artigo 29.° da lei orçamental do referido Ministério n.° 226, de 30 de Junho de 1914, podem aplicar-se à obra das cantinas;
b) A verba inscrita no mesmo orçamento do mesmo Ministério para cantinas escolares e as que nos orçamentos seguintes do Estado, corpos administrativos ou quaisquer colectividades forem inscritas para o mesmo fim;
c) O produto dos aluguéis do salão, ou do Teatro de S. Carlos, ou do scenário ou guarda-roupa do mesmo Teatro;
d) O produto de quaisquer festas, espectáculos, quêtes ou subscrições que sejam feitas com êsse fim;
e) Quaisquer donativos, legados ou heranças;
f) Todas as mais quantias que por diplomas especiais lhe sejam atribuídas.
Art. 3.° As sub-comissões locais terão as receitas, que pela Comissão Central lhes forem atribuídas e as mais que por sua iniciativa consigam obter; e delas prestarão anualmente contas à Comissão Central.
§ único. A importância anual que a Comissão Central dispense a qualquer sub-comissão não poderá ser superior à quantia que essa sub-comissão anualmente despender das que pela sua iniciativa obtenha.
Art. 4.° A Comissão Central tem autonomia administrativa e financeira e prestará suas contas anualmente ao Conselho Superior da Administração Financeira do Estado.
Art. 5.° A Comissão Central elegerá de entre os seus membros uma Comissão Executiva, e que terá as atribuições que em regulamento especial lhe forem atribuídas.
Art. 6.° E reconhecida individualidade jurídica, tanto à comissão central como às sub-comissões.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em Junho de 1917. - O Ministro das Finanças, Afonso Costa - O Ministro de Instrução Pública, Barbosa de Magalhães.
Foi aprovado sem discussão na generalidade.
Entrou em discussão na especialidade o artigo 1.°
O Sr. Brito Guimarães: - Sr. Presidente: mando para a Mesa a seguinte proposta de emenda:
Proposta
Proponho que se acrescentem as palavras "não remunerada" às seguintes: "É o Govêrno autorizado a constituir uma comissão". - Brito Guimarães.
O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Não posso deixar de concordar com a proposta do Sr. Brito Guimarães; nem outra era a intenção do Govêrno. A proposta trouxe apenas o artigo mais claro. Estou certo de que sem necessidade de dinheiro hei-de encontrar pessoas que o nem a seu cargo essa missão.
O Sr. Tavares Ferreira: - Em nome da comissão de instrução primária, peço a V. Exa. só digne consultar a Câmara sôbre se permite que eu retire a emenda proposta ao artigo 1.°
Foi consentido.
Foi aprovada a proposta do Sr. Guimarães.
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seguida foram sucessivamente aprovadas, sem discussão, os artigos 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.º
O Sr. Brito Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta subscrita pelo Sr. Deputado Almeida Garrett, assim redigida:
Proposta
Proponho que da verba de 190 contos do artigo 2.° do capítulo 3.°, destinada a construções escolares, seja inscrita separadamente a verba de 3.000$ para conclusão da escola primária de Mafamude, Gaia. - Brito Guimarães.
Esta. proposta justifica-se pelo facto da escola ter as madeiras já a apodrecer e não poderem seguir as obras, com o produto dum legado, em virtude das dificuldades burocráticas que só têm levantado, não só sabendo onde pára o dinheiro daquele legado.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Sr. Presidente: ouvi ontem as considerações do Sr. Deputado Brito Guimarães e não tive ensejo de o interromper. Mas respondendo depois ao Sr. João Gonçalves, que se referiu a um caso idêntico àquele que S. Exa. tratou, relativamente aos subsídios para construções escolares, eu dei, em parte, razão ao seu modo de ver.
Em Setembro próximo, se eu ainda estiver na gerência desta pasta, ao fazer a distribuição do fundo para construções escolares, será dotada a escola a que se referiu o Sr. Brito Guimarães.
Quando há qualquer entidade que tambêm subsidia a construção escolar, isso é motivo de preferência para o subsídio do Estado.
O orador não reviu.
O Sr. Brito Guimarães: - Concordo plenamente com as explicações do Sr. Ministro d e Instrução e registo as palavras de S. Exa., fazendo votos para que nessa ocasião S. Exa. se encontre ainda no Poder. Peço, pois, à Câmara que me autorize a retirar a minha proposta.
E autorizado.
São aprovadas as propostas do Sr. Ministro de Instrução.
O Sr. Presidente: - Para substituir o Sr. Alfredo de Sousa na comissão de administração pública, nomeio o Sr. Deputado Mariano Martins; para substituir o Sr. Jaime Cortesão na comissão de previdência social, nomeio o Sr. Domingos Cruz, e para a comissão de estradas, na vaga do Sr. Tomás de Sousa Rosa, fica nomeado o Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo.
A próxima sessão é amanhã, às 13 horas, com a seguinte ordem do dia:
1.ª parte:
Parecer n.° 629-H, Orçamento do Ministério de Instrução Pública.
Parecer n.° 629-J, Orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
2.ª parte:
Parecer n.° 737, reduzindo a cinco anos o prazo estabelecido no artigo 207.° do decreto n.° 1 com fôrça de lei de 27 de Maio de 1911.
Parecer n.° 799, autorizando a Escola de Farmácia do Pôrto a contrair um empréstimo de 10.000$ para a conclusão do seu edifício.
Parecer n.° 616, regulando o plantio da vinha no continente da República.
Parecer n.° 704, estabelecendo disposições proibitivas do corte ou arranque de oliveiras.
Parecer n.° 681, autorizando o pagamento duma gratificação aos contínuos chefes do Congresso.
Parecer n.° 568, regulando o serviço de seguros do Estado.
Parecer n.° 585, interpretando a segunda parte do artigo 1.° do decreto n.°- 2:352.
Parecer n.° 661, autorizando o Govêrno a conceder o estabelecimento de novas indústrias.
Parecer n.° 588, fixando o vencimento dos reitores das Universidades.
Parecer n.° 658, reorganizando o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Parecer n.° 640, criando no Liceu Central de Gil Vicente um lugar de amanuense e elevando a 18 o número de guardas do quadro do pessoal menor.
Parecer n.° 767, criando o quadro do serviço técnico da farmácia da Misericórdia de Lisboa.
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Parecer n.° 777, sôbre o exercício do notariado nas comarcas das ilhas adjacentes onde não haja mais de um notário.
Parecer n.° 787, elevando o liceu de Guimarães à categoria de liceu central.
Parecer n.º 367, estatuindo sôbre o exercício da arte de farmácia.
Parecer n.° 810, concedendo aos alunos da Casa Pia a regalia de fazerem os exames de 1.° e 2.° grau de instrução primária no próprio estabelecimento.
Parecer n.° 761, abrindo no Ministério das Finanças um crédito especial de 820$ para ocorrer ao pagamento das férias do pessoal das oficinas e escola da Imprensa da Universidade de Coimbra.
Parecer n.° 638, prorrogando por mais noventa dias o prazo fixado no § 1.° do artigo 1.° da lei n.° 620 de 23 de Julho de 1916, para que os oficiais do exército com mais de quarenta anos possam inscrever-se como sócios do Montepio Oficial.
Parecer n.° 573, alterando a alínea b) da condição 51.ª do contrato de õ de Fevereiro de 1907 para a concessão da linha férrea do Vale do Vouga.
Parecer n.° 780, suprimindo o lugar de escrivão do 4.° ofício da comarca de Mirandela.
Parecer n.° 464, emendas do Senado, sobre serviços do Estado Maior.
Parecer n.° 677, emendas do Senado, sôbre preferência em concurso a professores cônjuges.
Parecer n.° 715, emendas do Senado, sôbre o inquilinato.
Parecer n.° 144, concedendo uma pensão a D. Maria de Abreu Gouveia de Carvalho.
Parecer n.° 644, estabelecendo qual é a maioria necessária para as câmaras municipais poderem, tomar deliberações.
Parecer n.° 513, concedendo uma pensão a D. Maria Carolina de Sousa Silvano Bolo e filha.
Parecer n.° 560, classificando as terras em quatro ordens para o efeito do provimento do professorado primário.
Parecer n.° 800, aumentando o quadro do pessoal privativo da Secretaria de Estado do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
3.ª parte:
Interpelação do Sr. Deputado Hermano de Medeiros ao Sr. Ministro do Interior, sôbre os serviços hospitalares.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Documentos mandados para a lesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 497-B da iniciativa do Sr. Ministro da Guerra, regulando a concessão de pensões de sangue.
Imprima-se com urgência.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 804-A da iniciativa dos Srs. Germano Lopes Martins e Angelo Vaz, modificando o decreto orgânico da Junta Autónoma das Instalações Marítimas.
Imprima-se.
Da comissão de caminhos de ferro, sôbre o projecto de lei n.° 860-G da iniciativa do Sr. Ministro do Trabalho e Previdência Social, alterando os quadros do pessoal administrativo dos Caminhos de Ferro do Estado.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 452-K da iniciativa do Senado, criando uma freguesia civil na povoação do Santo António, do concelho de Velas da Ilha de S. Jorge.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 688-A da iniciativa do Sr. Ministro de Instrução Pública, abrindo um crédito de 118$33 a favor do Ministério de Instrução Pública, para reforço da verba orçamental destinada ao pagamento das gratificações de quatro professores substitutos da Escola Colonial.
Imprima-se com urgência.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 843-L, da iniciativa do Sr. António de Paiva Gomes, autorizando a Câmara Municipal de Vila
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Nova de Paiva a aforar ou vender, nos termos da lei, os baldios municipais dispensáveis do logradouro comum.
Imprima-se.
Projectos de lei
Artigo 1.° Todos os eclesiásticos que, por motivo das leis da República, hajam sido perseguidos pelas autoridades da igreja, de modo a perderem a subsistência e não tenham pensão do Estado, e hajam por êsses actos revelado sua dedicação às instituições, ficam gozando os mesmos direitos que os indivíduos habilitados com o curso geral dos Liceus, contanto que façam singularmente os exames das disciplinas liceais que não constam do programa dos seminários.
Art. 2.° Os eclesiásticos abrangidos pelas disposições desta lei poderão desde já ser nomeados, interinamente, para cargos públicos, compatíveis com as regalias que lhes são conferidas pelo artigo antecedente.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário. - O Deputado, Angelo Vaz.
Para a comissão de negócios eclesiásticos.
Artigo 1.° São reconhecidos como revolucionários civis de 31 de Janeiro e reformados, nos termos do decreto do Govêrno Provisório, sendo reintegrados no exército no pôsto de segundos sargentos, os cidadãos: Basílio da Costa Neves e Miguel Caetano dos Reis Vidal. - O Deputado, Angelo Vaz.
Para a comissão de guerra.
O REDACTOR - Bartolomeu Severino.