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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 18

EM 3 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Feita a chamada, abre a sessão com a presença de 64 Srs. Deputados.

É lida, e aprovada a acta da sessão anterior.

Dá-se conta do expediente. Acerca dum pedido de licença para um Sr. Deputado se ausentar da Câmara, falam os Srs. Adelino Mendes e Melo Vieira. Têm segundas leituras os projectos de lei admitidos.

Lê-se na Mesa uma carta do Sr. Deputado António Cabral, protestando contra a sua prisão. O Sr. Presidente elucida a Câmara. Falam os Srs. Manuel Bravo, Cunha Liai, Melo Vieira e Alfredo Machado. É aprovada a proposta do Sr. Alfredo Machado, segundo a qual a Câmara aguardará, para então se pronunciar, a presença do Sr. Ministro do Interior. Acerca da leitura de um projecto de lei feita na Mesa, invoca o Regimento o Sr. Adelino Mendes. Fala, para explicações, o Sr. Francisco Rompana. O Sr. Cunha Lial pregunta se a apresentação do Govêrno ainda se fará esperar. O Sr. Metelo Júnior requere a discussão imediata de dois pareceres mandados para a Mesa pelo Sr. Féria Teotónio. É aprovado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do interior (José Relvas), depois de apresentar à Câmara os seus cumprimentos, faz a leitura da declaração ministerial.

Usam da palavra os Srs. Malheiro Reimão, Cunha Lial, Adelino Mendes, que propõe uma saudação ao povo Português, Joaquim Crisóstomo e António Lino Neto.

Fala o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas). É aprovada, a proposta do Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Presidente (Nunes da Ponte) presta homenagem à memória do falecido Presidente da República do Brasil, Dr. Rodrigues Alves, e propõe que se envie um telegrama de pêsames à Câmara dos Deputados da República Brasileira.

Associam-se ao voto proposto: em nome do Govêrno, o Sr. Ministro da Justiça (Couceiro da Costa) e os Srs. Malheiro Seimão, Joaquim Crisóstomo e António Lino Neto.

É o voto aprovado.

E a sessão encerrada.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcelino de Almeida Pires.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Bernardino Ferreira.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Martins de Andrade Veles.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António dos Santos Cidrais.
António dos Santos Jorge.
António Tavares da Silva Júnior.
Artur Augusto de Figueiroa Rogo.
Artur Mendes de Magalhães.
Artur Proença Duarte.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fernandes de Oliveira.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
José Augusto de Melo Vieira.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Carlos da Maia.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Féria Dordio Teotónio.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Luís dos Santos Moita.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel José Pinto Osório.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Vasco Fernando de Soares e Melo.
Ventura Malheiro Reimão.

Não compareceram os Srs.:

Afonso José Maldonado.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Torres.
Alberto da Silva Pais.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Pimenta.
Aníbal de Andrade Soares.
António de Almeida Garrett.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Duarte Silva.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
António Teles do Vasconcelos.
Armando Gastão de Miranda o Sousa.
Artur Virgínia de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Francisco Aires do Abreu.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almeida.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Gabriel José dos Santos.
Gaspar de Abreu e Lima.
Henrique Ventura Forbes Bessa.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João José de Miranda.
João Monteiro de Castro.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Saldanha.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebelo.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José de Almeida Correia.

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Sessão de 3 de Fevereiro de 1919 3

José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José de Azevedo Castelo Branco.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Eugénio Teixeira.
José de Figueiredo Trigueiros Frasão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José de Lagrange e Silva.
José das Neves Lial.
José de Sucena.
Luís Ferreira de Figueiredo.
Luís Filipe de Castro (D.) (Conde de Nova Goa).
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão dê Castelo Branco (Conde de Arrochela).
Manuel Rebelo Mouiz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Rui de Andrade.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Tomás de Aquino de Almeida Garrett.
Vítor Pacheco Mendes.

Fez-se a chamada às 15 horas.

Verificou-se a presença de 64 Srs Deputados.

O Sr. Presidente: - Está aberta a sessão, visto acharem-se presentes 64 Srs. Deputados, número suficiente para a Câmara funcionar e deliberar.

Eram 15 horas e 29 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a acta. Foi lida e aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente. Deu-se conta do seguinte

Expediente

Pedidos de licença

Do Sr. Deputado Albano Augusto Nogueira de Sousa, pedindo autorização para se ausentar durante o período das operações contra os revoltosos do norte.

Concedida.

Do Sr. Deputado José de Lagrange e Silva, pedindo licença para ir para o norte, no desempenho duma comissão militar.

Concedida.

Do Sr. Deputado João Tamagnini de Sousa Barbosa, pedindo licença para partir para o norte, no desempenho duma comissão de serviço militar.

Concedida.

Justificação de faltas

Do Sr. Deputado Henrique Forbes de Bessa, pedindo licença para só ausentar por um mês, devida ao seu estado de saúde.

Concedido.

Do Sr. Deputado José das Noves Lial, pelo mesmo motivo, por quinze dias, declarando ao mesmo tempo dar o seu apoio ao Govêrno.

Concedido.

Do Sr. Deputado Féria Teotónio, pelo mesmo motivo, por dez dias.

Concedido.

Do Sr. Deputado Vítor Pacheco Mondes, dizendo que não tem comparecido às sessões por motivo de doença, o que justifica, com atestado médico, e pede licença por trinta dias.

Para a comissão de faltas.

Do Sr. Deputado Jorge Madurara, participando que não podem comparecer à sessão os Srs. Deputados Serafim Joaquim dê Morais Júnior, João Ruela Ramos, Jorge Couceiro da Costa, Gabriel José dos Santos, Carlos José de Oliveira, Albano Augusto Nogueira do Sousa, José. João Pinto da Cruz Azevedo, Afonso José Maldonado, Domingos Garcia Pulido, Jorge Augusto Botelho Moniz, Henrique Ventura Forbes de Bessa, José Alfredo Mendes de Magalhães, Manuel Rebelo Moniz e Vítor Pacheco Mendes.

Para a Secretaria.

Solicitação

Do Sr. Deputado José Vicente de Freitas, pedindo autorização para aceitar o comando do corpo das tropas da guarni-

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4 Diário da Câmara dos Deputados

ção de Lisboa, acompanhando-o com as funções parlamentares.

Concedido.

Ao ler-se um pedido de licença o Sr. Adelino Mendes pediu a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adelino Mendes.

O Sr. Adelino Mendes: - Pedi a palavra para chamar a atenção da Câmara sôbre o assunto de pedidos de licenças, feitos por vários Srs. Deputados, pedidos que neste momento reputa do enorme importância.

A Câmara está sem funcionar há um mês. Muitos Srs. Deputados vão perder o seu mandato, se é que o não perderam já.

A comissão de infracções já eliminou muitos dos nossos colegas.

Como se podem, pois, conceder licenças a Deputados que podem estar aqui?

Creio que os deveres de Deputado se sobrepõem a todos os outros. (Apoiados).

Quem não queira ser Deputado resigne o seu mandato.

Na hora difícil que atravessamos não se admite que qualquer Deputado se afasto dos trabalhos da Câmara a não ser por motivo de doença.

Uma voz: - Não apoiado.

O Orador: - São opiniões.

O orador não reviu.

O Sr. Melo Vieira: - Concordo com a doutrina defendida pelo orador que me precedeu.

Não devemos conceder licença a nenhum Sr. Deputado, para se ausentar dos trabalhos da Câmara, desde que não esteja impedido de aqui vir por falta de saúde.

Em todo o caso devo acentuar que alguns colegas nossos antes de serem Deputados são militares, que nesta qualidade têm também deveres a cumprir fora da Câmara. Acho, portanto, que a Câmara não deverá negar a licença que lho seja pedida por êsses Srs. Deputados militares que a solicitem para ir combater os revoltosos.

É necessário que assim se faça para que amanhã não se diga que os Deputados militares se oferecem na certeza de que a Câmara não lhe dá a necessária licença.

O Sr. Adelino Mendes: - A Pátria e a República defendem-se também aqui no Parlamento.

Trocam-se vários àpartes.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Quem não tem a palavra não pode usar dela. É necessário respeitar o Regimento da Câmara.

Segue-se a votação pela qual a Câmara a licença pedida.

Continua a leitura do expediente.

Leu-se uma carta do Sr. Deputado António Cabral.

O Sr. Presidente: - Já dei conhecimento do conteúdo desta carta ao Sr. Presidente do Ministério, pedindo-lhe que adopte as providências que julgue conveniente tem harmonia com os interesses sagrados da República que temos de defender, e com os direitos inerentes aos Srs. Deputados.

O Sr. Manuel Bravo: - O assunto diz respeito a um membro desta Câmara e portanto, é a nós que compete resolvê-lo. E, Sr. Presidente, a Câmara não pode tomar outra, resolução que não seja a que determine que a comissão de infracções se pronuncie e para o que deverá ser remetida a esta a carta que acaba de ser lida na Mesa. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Lial: - Não temos de ouvir a comissão de infracções. Só temos de, em harmonia com o Regimento, votar ou não a prisão do Sr. António Cabral.

É a nós que compete decidir porque é a nós que compete resolver sôbre o assunto e não a comissão de infracções.

Não sabemos se o Sr. António Cabral está preso ou não. Só está proso, temos de saber os motivos dessa prisão para continuarmos a autorizar ou não a sua manutenção.

O orador não reviu.

O Sr. Melo Vieira (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Não sabemos se-

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o documento que acaba de ser lido na Mesa é ou não da autoria do Sr. António Cabral. Se a assinatura dêsse documento está reconhecida pelo tabelião, êle é da autoria do Sr. António Cabral, se não está, não sabemos se o será.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se deseja pronunciar-s e desde já a respeito da carta do Sr. António Cabral, ou se quer que êsse documento vá para a comissão de infracções.

O Sr. Melo Vieira: - V. Exa. pode garantir-me que o documento que foi lido na Mesa é assinado pelo Sr. António Cabral?

O Sr. Fidelino Figueiredo: - V. Exa. não tem direito de chamar a ninguém falsificador!

O Sr. Melo Vieira: - Eu não chamei falsificador a ninguém. O que me parece é que, estando incomunicável o Sr. António Cabral, S. Exa. não podia escrever essa carta.

Portanto, tenho dúvidas sôbre a autenticidade dêsse documento que foi lido na Mesa e, por isso, proponho que a Câmara não tome conhecimento dele.

O Sr. Presidente: - O documento é do Sr. António Cabral. A Câmara pode confirmar o acto do Govêrno. Se o Govêrno o mandou prender é porque teve motivos para isso.

O Sr. Alfredo Machado: - Parece-me que há já um precedente a êsse respeito. O Govêrno transacto mandou prender o Sr. António Teles de Vasconcelos e teve razões superiores para isso. Portanto, acho razoável a opinião de que aguardemos o que a êsse respeito disser o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.

Pode ser que o Govêrno tenha razões superiores para continuar a manter a prisão dêste Sr. Deputado. A nossa resolução dependo da resposta do Sr. Presidente do Ministério. Só houver razões de Estado que determinem a prisão do Sr. António Cabral, essa prisão deve ser mantida; se não houver, não devemos mante-la.

Isto é o que me parece razoável. Neste sentido mando para a Mesa a minha proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Alfredo Machado.

Lida na Mesa e posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para invocar o artigo 72.° do Regimento que determina e regula a maneira como devem ser apresentados e admitidos os projectos de lei nesta casa.

Esse artigo diz o seguinte:

Leu.

O artigo 73.° do Regimento diz o seguinte:

Leu.

Quer dizer: os projectos apresentados nesta Câmara são enviados para a Mesa pelos Srs. Deputados que os apresentam, sem os poderem ler. Um dos exemplares é publicado no Diário do Govêrno, e na primeira sessão o Presidente limitar-se há a consultar a Câmara, sôbre se os admite ou não. Em face do Regimento verifica-se que temos estado a perder um tempo precioso, como o temos perdido em outras sessões, tempo êsse que é o que o Sr. Secretário gasta a ler documentos que, em face do Regimento, não devem ser lidos.

É para essa informação, que é mais grave do que à primeira vista parece, porque impede que os Deputados se ocupem, antes da ordem do dia, de assuntos importantes, que eu chamo a atenção da Câmara, para que o facto não volte a repetir-se. Essa leitura é escusada, porque, como V. Exa. sabe, todos recebemos em nossas casas o Diário do Govêrno e, portanto, temos todos a obrigação de o ler.

O Sr. Cunha Lial: - Eu nunca recebo o Diário do Govêrno.

O Orador: - Pois ou recebi-o; e se fiz esta reclamação foi para simplificar processos seguidos nesta casa que, pela sua morosidade, têm infalivelmente de ser postos de lado.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: - O Regimento não diz que não se devam ler os projectos, não o diz taxativamente, mas também não diz que se deixem de ler; e eu tenho idea de que V. Exa. mesmo, há pouco tempo, pediu para ser lido um projecto, nas condições um que estão sendo lidos estos na Mesa.

O Sr. Adelino Mendes: - Não há regra sem excepção. O que eu agora pedi foi que se observasse a regra geral - o que manda o Regimento.

O Sr. Presidente: - Eu vou consultar a Câmara.

Diversos apartes do Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. dá licença que nós ouçamos o que diz o Sr. Presidente?

O Sr. Adelino Mendes: - Quem dirige os trabalhos é o Br, Presidente, e S. Exa. deu-mo licença para se fazer estas observações.

Foi sempre praxe, desde que êste artigo, os projectos virem publicados no Diário do Govêrno e lerem-se só quando os Srs. Deputados o requeriam.

O Sr. Francisco Rompana: - Sr. Presidente: como desejava dar uma explicação ao ilustre Deputado Sr. Adelino fendes, e como exerço o logar de secretário, não podia deixar do vir a esto lugar para dizer da minha justiça.

Diversos, apartes do Sr. Adelino Mendes.

O Orador: - V. Exa. pode interromper-me à vontade e não me incomoda.

Vozes: - Deixem ouvir, isto é demais!

O Orador: - V. Exa. acusou o secretário de estar a ler indevidamente projectos.

Como quere, porem, V. Exa. que a Câmara tome conhecimento das palavras contidas no relatório que precede o projecto sem ter ouvido essas palavras?

V. Exa. seria o primeiro a reclamar, V. Exa. diria que não sabia a que ia admitir!

V. Exa., que é um homem ilustrado, não soube ler o artigo que citou, desculpe que lho diga.

O artigo que V. Exa. leu também nós o lemos.

O artigo 72.° diz:

Leu.

Diversos apartes do Sr. Adelino Mendes.

Vozes: - Deixe ouvir.

O Sr. Presidente: - Podia a V. Exa. que tivesse consideração poios Srs. Deputados que estão filiando o não estar constantemente a interromper. V. Exa. está a desrespeitar a Câmara.

O Sr. Adelino Mendes: - Perdão! V. Exa. forçou a frase. Eu não estou a desrespeitar ninguém.

O Orador: - Sr. Presidente: o artigo 73.° diz o seguinte:

Leu.

Os projectos, para serem admitidos, têm de primeiramente passar pelas comissões e não podem seguir para as comissões sem serem lidos.

Quando o Sr. Adelino Mendes começou a falar ou supus que S. Exa. ia referir-se ao facto dos projectos não terem sido lidos no dia imediato ao da sua publicação na fôlha oficial; e sendo assim, a resposta era também simples: não foram lidos porque não podiam ser admitidos.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: eu desejo saber se já decorreu o tempo necessário para passarmos à ordem do dia, e pregunto a V. Exa. se o Govêrno se apresenta aqui ou não.

Faço estas preguntas porque acho inútil estarmos aqui a fazer uma tempestade dentro dum copo de água até a chegada ao Ministério, caso êle cá venha hoje.

O Sr. Adelino Mendes: - Isto aqui é como nos teatros: é preciso haver boa música nos intervalos.

O Sr. Presidente: - Devo declarar ao Sr. Deputado Cunha Lial que faltam 10 minutos para passarmos à ordem do dia.

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O Sr. Féria Teotónio: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa dois pareceres da comissão de infracções e faltas.

O Sr. Metelo Júnior: - Requeiro que seja concedida a urgência e dispensa do Regimento para a discussão imediata dos pareceres da comissão de infracções e faltas.

Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.

Foram lidos os pareceres da comissão.

Entra na sala o Ministério.

O Sr. Presidente: - Acho mais conveniente aguardarmos as próximas sessões para resolvermos êste assunto, por isso que alguns Srs. Deputados podem talvez justificar as suas faltas. Um conheço ou que está em África, nos campos de batalha.

O Sr. José Relvas (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Sr. Presidente e meus senhores: antes, de ler a declaração, que venho fazer perante o Parlamento acerca da forma; como foi constituído êste Govêrno, da sua significação no momento actual da política portuguesa, eu devo dirigir a V. Exa. e a todos, os lados da Câmara as minhas mais sinceras homenagens do respeito, que é em mim tradicional, pelas instituições parlamentares.

Sinto-me muito satisfeito em me encontrar no seio da representação nacional e lamento que circunstâncias absolutamente alheias à nossa vontade tornassem impossível que o primeiro acto do Govêrno não fôsse o de apresentar-se à Câmara.

Feitas estas declarações e reiterados os mais afectuosos cumprimentos a toda a Câmara, as mais altas homenagens a todo o Parlamento, ou passo a ler a declaração ministerial:

"O Ministério chamado a dirigir os destinos do país, por decretos de 27 do mês findo, vem hoje apresentar-se ao Congresso da República e saudar os representantes da Soberania Nacional, no momento grave em que os inimigos do regime atentam contra êste, esquecendo o bem da sua Pátria e os compromissos de honra que tomaram.

Tendo-se organizado nos termos da lei fundamental do Estado, constituindo o único Govêrno legítimo de Portugal, congregando não só as diversas correntes da opinião republicana, mas também a socialista, julga satisfazer, na sua estrutura, às condições indispensáveis para a defesa das instituições, alem de corresponder aos elevados desejos do primeiro magistrado da nação e ao justificado anseio de todos os bons portugueses.

O Govêrno quer e deve viver com o parlamento, numa atitude de absoluto respeito pelas prerogativas do Poder Legislativo e na mais perfeita comunhão de vistas, de intuitos e de acção com os elementos republicanos que nele têm assento, para que nesta hora solene possa realizar-se entre todos uma união tam forte e tam estreita, que na seguinte fórmula se defina: Um por todos, todos por um e um e todos pela Pátria e pela República.

A sua missão é grande e bem difícil, mas em poucas palavras se resume: subjugar enérgica e ràpidamente a receita, monárquica, promover a punição justa e legal de todos os responsáveis por tam criminosa tentativa, restabelecer a normalidade em todo o país e em seguida entregar o regime, salvo e purificado, em mãos que forem competentemente escolhidas para a continuação da obra redentora iniciada apenas em 5 de Outubro, de 1910.

De resto, cumprirá religiosamente todos os compromissos de ordem internacionaes, tanto mais fácilmente quanto é certo que se mantêm inalterávelmente firmes e cordiais as nossas relações com os governos estrangeiros fará em todos os ramos do serviço público, administração escrupulosa e honrada, e procurará prover, com devotado interêsse a todas exigências e dificuldades do actual momento.

Prometer largas reformas, rasgadas iniciativas ou medidas de fomento em semelhante ocasião, seria prometer o impossível, e o Govêrno só falará ao país, hoje e sempre, a linguagem da verdade.

Emfim, sob o ponto de vista político, o Ministério, porque é de todos os partidos, não tem partido algum. O seu partido é a República, o seu programa é defender

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a República, a sua ambição é salvar a República.

Nem um só instante desfalecerá na execução do seu mandato, e, seguro da confiança do Chefe do Estado, do apoio patriótico do Parlamento Português, da sublime dedicação do povo republicano e do indomável valor das fôrças fiéis de terra e mar, afirma bem alto a sua fé inabalável no triunfo e jura defender a República até o último dos sacrifícios, até a máxima das abnegações.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 1919".

Vozes: - Muito bem, muito bom.

O Sr. Malheiro Reimão: - Sr. Presidente: em nome da maioria parlamentar, devo declarar que foi com o maior prazer, com a maior satisfação, com o maior vivo entusiasmo, que ouvi ler a declaração ministerial.

Ela satisfez-nos plenamente e mais ainda nos satisfazem as afirmações do Sr. Presidente do Ministério, o seu desejo do colaborar com o Parlamento.

O Poder Legislativo está ao lado do Govêrno para tudo o que seja a defesa da República e a manutenção da ordem.

O Govêrno encontrará em nós o apoio mais altamente republicano para levar ao fim a obra de que se encarregou e que é de tanta grandiosidade.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: tendo feito tantas vezes oposição aos Governos que se tem sucedido no Poder nestes anos de República, apraz-me imenso ter de apoiar uma vez um Govêrno embora tenha de apoiá-lo numa das ocasiões mais críticas da vida política da República.

Sr. Presidente: noto que somos hoje dentro desta Câmara uma pequena minoria é que nos faltam muitos dos correligionários, e não correligionários que aqui fizeram oposição a uma obra republicana, verdadeiramente republicana.

Não está no meu carácter fazer uma acusação cerrada a essas criaturas que, por motivos de ordem vária, faltam nesta casa; mas, é meu dever de republicano, dever do homem sincero, frisar o contraste entre a atitude que êsses homens muitas vezes aqui puseram em destaque através das suas palavras untuosas e os seus actos, como os da Serra de Monsanto e do Pôrto.

Recordo-me, ainda, duma das mais brilhantes, das mais entusiásticas manifestações que se fizeram dentro desta Câmara.

Um dia o Sr. Aires de Ornelas, leader da minoria monárquica, chegou aqui, todo vibrante de indignação, porque o jornal A República afirmara que não se devia confiar na palavra de honra e no patriotismo dos Deputados monárquicos, para que tudo o que fôsse dito aqui uma sessão secreta não ultrapassasse as paredes desta casa e viesse ao aproveitar o inimigo.

A Câmara, levada pela palavra eloquente do Sr. Aires de Ornelas, deu-lhe o seu incondicional apoio, e aplaudiu-o com todas as mãos que tinha disponíveis, com a excepção apenas, de meia dúzia de caturras e incrédulos, como eu.

Tenho aqui premente as palavras do Sr. Aires de Ornelas. Dizia êle que, neste momento, a bandeira verde-rubra que, lá fora, cobria os nossos soldados nos campos de batalha, era a única bandeira que êle reconhecia como bandeira da Pátria.

Dizia isto o Sr. Aires do Ornelas, quando é certo que, a essas horas, já mandara fabricar as bandeiras azuis e brancas, que haviam de ser as bandeiras da traição do Pôrto e Monsanto.

Sr. Presidente: é que entre nós republicanos e os monárquicos há uma diferença fundamental: nós atacamos cara a cara e somos incapazes de aceitar qualquer situação para depois nos Aditarmos traiçoeiramente contra aqueles que nos estenderam a mão.

E bom que nós os Deputados republicanos, e creio que todos aqui o somos, marquemos essa diferença fundamentalissima, e tiremos dela um motivo de orgulho.

Suponho bem que todos os que aqui estão pensam como eu. (Apoiados).

Sr. Presidente: a nossa única preocupação, o nosso único dever nesta hora tam grave é defender com energia a República acima de todas as cousas. (Apoiados).

Mas defendamo-la, Sr. Presidente, com energia, com convicção, através de todas as dificuldades, não transigindo, não pac-

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tuando, não nos acobertando através de falsas e mesquinhas politiquices, não a envolvendo, nas. Cobras das conveniências partidárias.

É preciso defender essa República, como a República deve ser defendida, com unhas e com dentes, com as armas na mão, com o punhal, com a espingarda, de todas as fornias, tam intransigentemente, como essa República é atacada pelos seus inimigos, com as mesmas armais que contra nós, republicanos, só levantam.

Não defendo nesta hora. perante o Govêrno da República que à frente de nós está, a idea da realização de qualquer crime, porque os crimes nunca se defendem.

Mas prego a idea da energia feroz na defesa da República.

Ataquei - desculpem-me que o diga com orgulho - ataquei, mais do que ninguém, todas as violências de Governos aparentemente republicanos, contra a imprensa, contra á liberdade de pensamento, contra o exercício de todos os direitos consignados na Constituição, aqueles direitos que são sagrados, e privados dos quais nos transformamos em autómatos, indignos de fazer parte da comunidade dos povos civilizados, dos povos livres.

Não podia, pois, vir aqui fazer a defesa de processos criminosos: hoje, como ontem, eu ataco êsses mesmos processos. Não defendo ataques pessoais aos monárquicos, sé bem que defenda tenazmente a idea de arrazar de vez todas; as veleidades restauracionistas dêsses homens, que em 5 de Outubro fugiram cobardemente e agora se propuseram mais uma vez para reeditar a façanha da fuga.

Nada de trauliteiros. Nada de transformarmos as prisões em tortorium inquisitorial. Nada de reeditar o crê ou morres do fanatismo ancestral. Nada de Solaris nem de Couceiros.

Mas sejamos republicanos, saibamos sê-lo, duma vez para sempre.

Defendamo-nos deles, dêsses monárquicos, que, quando querem, sabem fingir de sereias: não acreditemos na sua palavra de honra.

Se João de Almeida nos vier dar a sua palavra de honra de que nada tem com os homens lá do norte, saibamos dizer-lhe terminantemente que não acreditamos nela. Tambêm Aires de Ornelas era muito honesto e mentiu descaradamente, como um perro.

Se amanhã êles forem presos, não lhes demos a liberdade, e mantenhamo-los no segrêdo das prisões, como êles nos fizeram, com a mesma energia feroz com que Governos republicanos lá nos mantiveram com o auxilio dos monárquicos.

Quando foi da revolta de Santarém, eu e mais quatro companheiros estivemos incomunicáveis 52 horas, ainda depois da traição monárquica no Pôrto e Lisboa, pela boca dos canhões, andar cantando a miséria da sua traição, o de profundas do seu lial apoio.

E o nosso carcereiro obedecia às ordens dum alto comissário da República, que é nosso colega nesta casa. E êste deveria, por sua vez, obedecer às ordens do Presidente do Ministério.

Dirão êsses senhores que isso era legítimo direito de criaturas atacadas.

Não os censuro, por isso que procederam de harmonia com um legítimo direito de defesa. Ataquei e defenderam-se. Mas ninguém estranhará, também, que eu peça para os adversários cobardes que faltam à sua palavra de honra e que nos atacam pelas costas, ninguém estranhará que para êsses eu peça a mesma incomunicabilidade que nos aplicaram, que exija todas as violências que sejam compatíveis com a lei.

Espero, pois, que o Govêrno, consciente da alta missão que lhe está confiada, com a lei na mão e rymea se desviando dela, violentamente, em nome da defesa da República e da salvação da Pátria, a aplique, sem transigências, sem fraquezas e sem demora. E para isso eu não pregunto ao Sr. Presidente do Ministério como foi que constituiu êsse Ministério, não lhe pregunto de que facções vêm os Ministros que, nesta hora tremenda para a República, foram chamados a defender os interêsses da nação.

Uma única cousa peço, uma única cousa exijo, como cidadão, como republicano e como português. E vem a ser que o Sr. Presidente do Ministério exija, igualmente, que todos os seus colaboradores sejam republicanos, e nada mais.

Quanto às diversas pastas, quanto á sua divisão pelos diferentes, partidos, isso - permitam-me V. Exas. a expressão - isso

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não me aquenta, nem ine arrefenta. É-me absolutamente indiferente que todos os Ministros sejam evolucionistas, unionistas, do Partido Nacional Republicano ou democráticos.

Que me importa isso, quando os monárquicos estilo no Pôrto e a vida da República periga!

Que sejam todos republicanos, que tenham a mais intonsa fé nos destinos da República - isso é o que se torna indispensável. O resto não me interessa e deixo-o às várias exigências da baixa política, pois no campo da pequena acção que eu possa merecer, como republicano e português, jamais me encontrarão a pedir que ponham mais Ministros dum partido ou menos doutro.

O que exijo é que no Ministério não figure nenhum cristão novo, porque para defender a República, nesta hora de perigo, é indispensável que exista nas almas essa crença, essa fé que não se ganha à última hora, que não se improvisa, que não nasço numa conversa do gabinete para no dia seguinte, em outra conversa do gabinete, se perder.

Ainda me lembro - tenho, felizmente para mim, uma boa memória! - dos tempos em que tendo interrogado alguêm que estava dentro do Ministério, e que nele era uma figura de preponderância, sôbre o estar-se consentindo oficiais monárquicos que tinham conspirado contra a República, e a República readmitira, - andarem por aí apregoando a sua fé monárquica, sem pudor, nem vergonha, ainda me lembro de que êsse alguém sorriu desdenhosamente, olímpicamente. Tam pouco importante, o caso!

Creio que citei então, entre outros, o caso do Sr. Francelino Pimentel continuar a assinar comunicações para o jornal O Liberal, como tesoureiro do monumento aos heróis de Chaves.

Vai então o Sr. Ministro muito suave e terno, respondeu-me que, se eu tivesse sido couceirista, não gostaria de renegar os companheiros de então.

Creio que muitos Srs. Deputados, que estão nesta sala, teriam ouvido essa resposta.

Foi à custa destas transigências cobardes, pactuando-se, minuto a minuto, segundo a segundo, que nós fomos conduzidos à situação miserável e degradante a que chegámos, e que era a duma República que não se apoiava em republicanos (Apoiados) e cujo único esteio eram monárquicos, confessos e retintos.

Como se fôsse possível, um regime firmar-se exclusivamente nas criaturas que eram os seus naturais inimigos.

Tambêm me lembro de ter citado nessa reunião um artigo, assinado por Satúrio Pires, em que só fazia um relato da parada, realizada em homenagem ao saudoso Presidente, o Sr. Sidónio Pais, que me apraz afirmar ser um bom republicano que errou.

Mencionando, um a um, todos os comandantes das fôrças que tinham tomado parte nossa parada, Satúrio Pires não tinha encontrado nem um que não fôsse sou correligionário lial.

E, para justificar o assunto do correligionário, de facto, todos êles estiveram em Monsanto, provando assim que eram monárquicos.

Mas tambêm provaram outra cousa: provaram que a política portuguesa estava vendida aos monárquicos o que quem a dirigia errou.

Ora ou presunto, se as criaturas que erraram, conscientemente ou inconscientemente, podem continuar a fiar cartas na política portuguesa.

Pregunta-se:

É honesto que essas criaturas se não condenem a si próprios ao ostracismo, que merecem pelos erros que, conscientemente ou inconscientemente, praticaram?

É isto que em Portugal se não tem querido ver, e é isto que nos tem conduzido à situação complicada e miserável da nossa vida política.

Não há ninguém que se convença que os erros se expiam.

Uma criatura pode errar, por mais honesta que seja, mas, em política, as criaturas que erram têm de pagar os seus erros.

Que a política não se fez para os imbecis.

A política fez-se para as criaturas inteligentes, a quem erra vai para a oposição.

Convençam-se os políticos disto, e entre nós, republicanos, não haverá mais oposições violentas.

Felizmente não somos todos feitos da mesma massa; há ainda entre nós quem

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abdique dos seus ódios pessoais e quem saiba esporar a hora em que êsses ódios devem ajustar as legítimas e naturais contas.

Quando se nos apresenta o tremendo problema da defesa da República, que consubstancia todos os nossos ideais, sabemos pôr de parte todos os nossos justos melindres e combater, lado a lado, com as criaturas que odiamos do fundo da alma, que pessoalmente nos não merecem respeito, nem consideração.

É imprescindível, Sr. Presidente, que todos os homens se convençam de que a política republicana deve ser republicana, feita sem retaliações, sem exigências, sem conluios da meia noite, sem o apagar e acender de luzes, pela calada da noite, cousas só próprias dos dramas do Rocambole.

É com esta condição de todos abdicarmos de legítimas inimizades pessoais que a República estará salva, porque não há couceirista que não fuja diante de nós.

Disse-me há pouco, um dos mais briosos oficiais que tomaram parte no ataque a Monsanto, o Sr. Deputado Melo Vieira, que o único oficial que encontrou à frente das unidades revoltosas foi o Sr. Delfim Maia, os outros estavam todos dentro do forte.

E é esta uma das nossas defesas, porque, como bem se compreende, entregues todos os comandos aos monárquicos, se mio fôsse a fé dos republicanos e a cobardia dos monárquicos, estávamos perdidos.

Salvamo-nos por êstes dois únicos motivos: porque o povo tem na sua alma uma fé que resiste a todas as provas a que os monárquicos o submetam, e a todas as desilusões que nós lhe temos dado, e porque os monárquicos são fundamentalmente cobardes.

Sr. Presidente: a República está acima de tudo, acima de todas as ambições, como de todos os ódios.

Uns têm a pertensão de ser Ministros, outros de serem Presidentes de Ministério, outros ainda a noção de que são indispensáveis aos destinos do país. Todas estas pretensões e vaidades, porem, tem de desaparecer, devendo-se atender a que os homens se firmam apenas pela sua maneira de pensar e actuar. Assim, a República será imortal e nós corresponderemos à confiança que o povo em nós depositou.

Acabe-se, pois, com o velho critério, expresso numa frase que é bíblica: "Morra Sansão e todos quantos aqui estão". Os republicanos não têm o direito de dizer isto, só têm o direito de afirmar o contrário: "Morram os inúteis para a vida poética, mas salvemos a República, a República sem sub-títulos, nem etiquetas, a República sem acrescentamentos de nova ou velha". República há só uma: foi a proclamada em 5 de Outubro de 1910, se bem que haja muita gente que se tenha esquecido disso.

Sr. Presidente: não desejo alongar-me em mais considerações, para não fatigar a atenção da Câmara, certamente desejosa de ouvir a palavra doutros oradores, cujos serviços à causa da República possam vangloriar-se daquele talento que me falta. Mas, Sr. Presidente, não posso deixar de dizer à Câmara que a hora é de sacrifícios.

Um quarto de Portugal está nas mãos dos nossos inimigos que são implacáveis, que não hesitam diante dos meios a empregar contra nós. Seremos todos sacrificados, os que representam a tradição da República velha e os que representam a tradição da República nova, tirando um ou outro aventureiro que emporcalhava, passando-a pelos lábios, a palavra República. Demos todos as mãos para salvarmos a República. A mim tanto me apraz prestar a minha homenagem ao Sr. Pinto Osório, representante do Partido Nacional Republicano, como ao Sr. Domingos Leite Pereira, representante do Partido Democrático. Os que são militares devem dar ao Govêrno o concurso da sua espada e os que o não são, os que são apenas a sentinela vigilante da lei, devem dar ao Govêrno o concurso da sua boa vontade. Que a República se salve; outra não pode ser, nesta hora, a aspiração dos republicanos.

Por isso, Sr. Presidente, peço à Câmara que junte os seus votos aos meus e que, comigo, peça ao Govêrno que salve a República.

Tenho dito.

O Sr. Adelino Mendes: - Vejo, com infinito júbilo, nas cadeiras do Poder um Govêrno integralmente republicano. Vão

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ainda bem porto os factos anormais e gravíssimos que puseram, num dado momento, em Portugal a República em perigo. Rememorá-los neste momento nem seria piedoso, nem conveniente. Deixemo-los, portanto, em paz todo o tempo um que tiverem de estar esquecidos, para os recordarmos só quando fôr absolutamente necessário recordá-los, a fim de que a história só foça, e para que a todos aqueles que nestes últimos tempos têm tido o poder nas mãos se faça a justiça completa que lhes fôr devida.

Dito isto, Sr. Presidente, entendo ou que nesta sessão, a primeira que ao realiza depois duma revolução monárquica, que pôs o país em perigo, que fez com que a independência nacional corresse um gravíssimo risco, que esta Câmara não pode encerrar-se sem prestar ao povo português, não só ao de Lisboa, mas ao de todo o país, ao povo autêntico, àquele que sabe sofrer e àquele que sabe combater, a homenagem a que êle tem direito.

Naquela madrugada trágica, em que as fôrças monárquicas se entrincheiradas em Monsanto não sei, Sr. Presidente, se a Republica encontrou a seu lado grande número do defensores. Não sei tambêm se todos aqueles que, tinham, obrigação de a defender, mesmo aqueles que tinham por missão fundamental, a que não podiam faltar por considerações de nenhuma espécie, foram os primeiros a juntar-se em volta do Govêrno, para lhe levarem o seu concurso, que devia ir até ao sacrifício em defesa da República ameaçada. Mas sei que no momento em que o Govêrno disse ao povo de Lisboa que precisava da sua coragem, e do seu sangue, para que a República não morresse êsse povo apareceu a pegar em armas, para que a República tornasse a viver.

Eu assisti a êsse espectáculo inolvidável, e insensivelmente recordei outros, de que a história nos fala, que certamente devem ter sido tam grandiosos e patrióticos como aquele. E vi em todos os cidadãos que se apresentaram a oferecer-se para a luta, descendentes do alfaiate Fernão Vasques, que no tempo de D. Fernando levou até os pagos riais o povo de Lisboa, para evitar que a independência nacional de comprometida por aqueles que, tendo-a na sua mão, não a sabiam defender. O mesmo povo nos aparece agora, constituído da mesma massa, com a mesma fé, a mesma energia e o mesmo patriotismo, que levaram os ventres ao sol à vitória de Aljubarrota. Essa fé, essa energia e êsse patriotismo há-de subsistir sempre, para que nem as instituições, nem a Pátria possam jamais desaparecer. O povo de Lisboa portou-se com a heroicidade que era próprio esperar dele. Quanto ao povo da província, sôbre secundar com igual dedicação e abuegação a atitude do povo de Lisboa, demonstrou uma vez mais que é nas classes populares que a República tem as suas principais raízes, verificando-se ainda que, neste momento de angústia, foram as classes populares que mais se esforçaram para defender a República. E assim pregunto se não será de toda a justiça que nesta caso se vote hoje uma ardente saudação a êsse povo (Apoiados), para que o seu sentimento republicado e nacional cada vez mais se afirme, e se exalte até o ponto de ser nele que a República encontre sempre a maior razão da sua existência.

Esta homenagem é perfeitamente justa; e dito isto, e cumprindo êste dever, quero ainda afirmar ao Govêrno, presidido por um dos mais ilustres republicanos, por que dos mais ilustres cidadãos de Portugal, que pode contar com o meu incondicional apoio em tudo que seja defender a República, em todo, quanto signifique expurgá-la de todos os elementos dissolventes que ela tenha no seu organismo. Porque há, Sr. Presidente, um absurdo que não compreendo: é o de haver oficiais do exército que não se cansam de dizer que são monárquicos, o que prova que a República não tem cuidado da sua defesa com a energia devida (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: neste momento grave e doloroso de incerteza e de desolação, em que a República corro risco, e inclusivamente nos encontramos na contingência de perdermos a independência da nossa nacionalidade, entendo do meu dever dizer o que penso acerca da actual, situação política. A ninguêm, nesta casa do Parlamento, alheio aos partidos organizados, é lícito deixar de definir a sua atitude, e

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assumir as responsabilidade das suas opiniões.

Sr. Presidente: é esta a primeira vez que na minha qualidade de Deputado, aprecio e me dirijo a um Govêrno constitucional. A chamada República Nova só nos tem dado Ministérios verdadeiramente carnavalescos, ou melhor, simulacros de Ministérios. Deficientes na sua organização e desarmónicos no seu conjunto. Mas saídos dos bolsos das calças, ou das malas de viagem, azuis e brancos, do falecido presidente da República, Sr. Sidónio Pais, e outros, gerados nas casernas do Pôrto e impostos ao país pela junta militar do norte que no intento de fazer restaurar a monarquia, sem efusão de sangue, se avocava o papel de árbitro dos destinos do país. O cúmulo do arrojo, e da insensatez, por parte dêsses autocratas que, desconhecendo o caracter liberal, e acentuadamente democrático do nosso povo, se supunham aditar a lei em Marrocos ou na Otentótia. Sr. Presidente: felizmente, temos hoje um Govêrno constitucional, e não uma filarmónica desafinada concebida e levada a efeito pela célebre junta de bem triste e compungente memória.

O Sr. Presidente da Republica, integrando-se no meio político em, que vive, e observando inteligentemente o desenrolar dos acontecimentos, soube escolher para seu primeiro Ministro uma individualidade de reconhecido mérito, e, de enexcedível probidade, o nome do Sr. José Relvas, pelos relevantes serviços que têm prestado à República quer como Ministro das Finanças do Govêrno Provisório, que como nosso representante junto do Govêrno de Affonso XIII, impôs-se à consideração, ao respeito, e a estima de todos os portugueses, sem distinção de classes ou de convicções políticas.

Nenhuma dúvida me resta, que o Ministério que se acaba de constituir obedece rigorosamente às legítimas e seguras indicações constitucionais. Nunca é, demais fazer a armação, nesta Câmara, em presença da crítica malévola que já se começa a esboçar, relativamente ao actual Govêrno. Dizem os despeitados que o Gabinete prendido pelo Sr. José Relvas não é constitucional, atenta a circunstância do Sr. Presidente da República haver deixado de consultar os leader do Congresso, e outras entidades, que costumam ser ouvidas, a formular o seu parecer sôbre a resolução das crises. Discordo em absoluto dêsse modo de ver e de encarar a questão. As praxes não constituem lei, o muito menos é obrigatório o seu cumprimento, desde que se verifiquem acontecimentos graves, como foi a necessidade urgente de substituir o Govêrno do Sr. Tamagnini por outro que inspirasse confiança aos históricos partidos da República, democrático, evolucionista, e unionista. O Sr. Presidente da República pão podia ser mais feliz do que foi, na escolha do seu primeiro Ministro, nem tam pouco devia perder um só momento em démarches platónicas tendentes a habilitá-lo a, solucionar a crise.

Era forçoso organizar em poucas horas um Govêrno enérgico, competente e liberal. Foi exactamente o que fez o Sr. Canto e Castro, de harmonia com as justas reclamações da opinião publica.

Sr. Presidente: a constitucionalidade do Gabinete provêm não sómente de ter à sua frente um republicano sincero, convicto, ilustrado e honesto, como tambêm por ser formado duma plêiade do cidadãos de elevada capacidade de reconhecido valor, capazes de se sacrificarem pela defesa da República e pelos sagrados interêsses da pátria.

Por todas estas razões, tenho fundados motivos para sustentar que o actual Govêrno, obedecendo na sua constituição às indicações da opinião pública, concretização no modo de sentir e na atitude tomada pelos partidos, dispõe da confiança do país e do Congresso. Em Portugal, ao contrário do que sucede na América e na Inglaterra, as correntes de opinião formam-se únicamente com o auxilio e o concurso das agremiações partidárias. Sem a cooperação efectiva dêsses agregados sociais não é viável qualquer movimento de propaganda destinado a modificar as formas de govêrno ou a influir nas organizações ministeriais.

Porque? Necessariamente porque a grande massa do nosso povo não se interessa pelos assuntos de administração pública, e anda alheada de tudo o que diz respeito à vida política da nação. Entre nós, pois, a opinião publica é a opinião pública dos partidos que melhores condições oferecem de gerir os negócios de Estado.

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Não defendo nenhum dos combalidos partidos que têm administrado a República, visto que julgo pouco proveitosa a sua acção. Semelhantes entidades formaram-se em volta de homens e de ídolos e não em volta de ideas e princípios, com um programa honesto e scientífico a executar. O seu fim é em regra explorar a grande mina das receitas cobradas pelo Estado.

Sr. Presidente: comquanto imperfeitas essas instituições, são absolutamente indispensáveis para se poder governar. Tentar destruir e aniquilar os partidos, equivale a fomentar a desordem, a indisciplina e a anarquia.

No tempo da monarquia foi isso o que arrastou o regime à sua queda. Da constante luta entre os partidos, não a luta pela civilização, pelo progresso, mas a luta tendente à sua mútua destruição, resultou a morte de D. Carlos, a fuga de D. Manuel e a liquidação definitiva dum regime secular.

Vem depois a República e imediatamente se formaram três partidos que com as suas permanentes hostilidades, filhas dos ódios e das paixões, lançaram o país na desgraçada e miserável situação em que nos encontramos.

Se todos os republicanos se conservassem sempre unidos, trabalhando para um fim comum, a República teria sido aquilo que se idealizou nos tempos da propaganda. Assim, só há a lamentar o que temos e estamos presenceando.

Mesmo que se reconhecesse a necessidade de se organizarem vários partidos, estes deveriam ter sido formados duma maneira diversa daquela que presidiu à sua constituição.

O êrro principal do Sr. Sidónio Pais consistiu em ter concebido a idea de destruir os partidos republicanos. Enveredou por um caminho espinhoso.

Estou absolutamente convencido, como disse e muito bem o Sr. Cunha Liai, que o falecido Presidente era um sincero, um verdadeiro, um convicto republicano, mas deixou-se, obsecar pela monomia da grandeza, supondo que podia governar sozinho ou, quando muito, favorecendo os monárquicos.

Concordo plenamente com a composição e planos dêste Govêrno e prometo dar-lhe o mais ilimitado e incondicional apoio, fazendo votos para que a missão do Sr. José Relvas seja a de executar o programa ministerial tal qual se encontra consignado na exposição que S. Exa. leu à Câmara.

Tenho dito.

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: - ouvi e considerei, devidamente, os termos da apresentação do novo Govêrno pelo seu ilustre Presidente, Sr. José Relvas. A propósito afirmo, por parte da minoria católica, que esta contiuua a funcionar naquela, casa do Parlamento com a mesma autonomia que até ali tem procurado sempre manter. Para mais, é suficientemente notório o programa mínimo das reivindicações católicas, que são condições fundamentais da liberdade de consciência. Realizá-las será fazer política verdadeiramente nacional e trazer para o país os seus mais seguros elementos de ordem e tranquilidade.

Como o Sr. Presidente do Govêrno, ao prometer restabelecer a normalidade, em todo o país, não diz até onde conta ir na satisfação dessas reivindicações, a minoria católica, aguarda que o Govêrno se pronuncie por factos (visto que o momento histórico que atravessamos é solene de mais só para palavras), para assim melhor poder pautar por êles o seu procedimento.

Do que o Govêrno, porêm, pode estar certo é que a minoria católica, longe de lhe levantar quaisquer atritos, estará ali sempre no seu pôsto para servir com dedicação Deus e a Pátria.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): - Sr. Presidente: ouvi, com o máximo prazer, as declarações feitas pelos ilustres Deputados que usaram da palavra.

O Govêrno que, neste momento histórico, ocupa as cadeiras do poder, é um Govêrno absolutamente neutral. A circunstância dele ser composto de indivíduos pertencentes a todos os partidos da República dá-lhe esta independência e neutralidade.

A sua neutralidade está absolutamente garantida. O seu primeiro dever, a sua primeira preocupação é vencer os monárquicos (Apoiados) e envidar todos os esfôrços para restituir outra vez à Repú-

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blica o território que está momentaneamente ocupado por um Govêrno de violência que ninguém pode acatar nem reconhecer.

Realizado êsse dever tam imperativo abre-se o problema político português, e não é ao Govêrno, mas aos partidos e à Câmara que pertence a solução dêsse problema. O Govêrno, completamente neutral, nem tem pretensão de intervir na vida dos partidos nem na vida do Parlamento.

Todos podem concorrer eficazmente para a solução dêsse problema que se simplificou muitíssimo, mercê do esfôrço ingrato dos monárquicos para perturbarem o país.

Não quero exacerbar velhas questões que tanto têm agitado o país e têm feito passar por transes tam duros a vida da República.

Depois da experiência dêstes anos, está no espírito de todos reconhecer êsses antigos erros e começar uma vida nova, uma vida fecunda e uma vida que garanta o progresso do país (Apoiados).

É com muita satisfação que digo à. Câmara que tenho encontrado todo o desejo, toda a boa vontade, tanto da parte dos velhos partidos da República, como do Partido Nacional Republicano, de se chegar à solução que o Govêrno preconiza dentro dos meios que estão sob a sua alçada. E assim termino sintetizando as funções dêste Govêrno:

1.° Derrota dos monárquicos;

2.° Unificação da República.

Viva a República!

Toda a assemblea correspondeu de pé.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na. ordem do dia.

Como V. Exas. sabem faleceu o Presidente eleito da República do Brasil, Sr. Dr. Rodrigues Alves.

Rodrigues Alves foi uma das figuras mais brilhantes que o Brasil teve nos últimos tempos.

O Sr. Adelino Mendes: - V. Exa. tem de ler uma proposta minha que está sôbre a Mesa.

O Sr. Presidente: - Estamos na ordem do dia.

A intimidade de relações, verdadeiramente fraternais, que nos ligam ao Brasil, determinou-me a fixar para ordem do dia desta sessão a homenagem de respeito e saudade devida à memória do seu ilustre Presidente, Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves há pouco falecido, um dos mais eminentes estadistas que têm presidido aos destinos dos povos.

Nascido na província de S. Paulo do Brasil, duas vezes Presidente de Estado da sua naturalidade, duas vozes Ministro da República e duas vezes eleito seu Presidente, a sua folha de serviços, prestados aos seus concidadãos, tam larga como brilhante, é da ordem daquelas que abrem com justo fundamento um lugar de honra e de reconhecimento no coração dos povos e que a história regista em páginas de inolvidável renome.

Filho de pais portugueses e amigo dedicado do nosso país, o brilho da sua acção de estadista, transpõe as largas fronteiras daquela formosa República e vem reflectir-se em revérberos de glória na raça lusitana, que SP orgulha do incontestável direito de a apontar ao mundo como a obra prima do seu génio colonial e do seu antigo poderio.

Doente nestes últimos meses, não chegou o ilustre extinto a tomar posse pela segunda vez da sua alta magistratura, mas a obra de largo fomento e arrojada iniciativa que o seu espírito sabiamente reformador planeara e iniciara no quadriénio em que a exerceu, por tal forma vingou e tam eficazmente se expandiu, que o Brasil, lançado no caminho de todos os progressos intelectuais, morais e materiais, pode hoje considerar-se seguro de alcançar ràpidamente um lugar de honroso destaque entre as nações mais ricas, prósperas e poderosas do mundo.

Compreende-se, por isso, com quanta amargura o dor o Brasil vê desaparecer da scena pública dos seus notáveis estadistas um dos mais insignes, como se compreende com quanta sinceridade, nós, os portugueses, nos associamos e partilhamos a dor e o luto da nação irmã.

Deixando à Câmara o cuidado de tornar tam significativo quanto possível a nossa comparticipação em tam grande pezar, desde já proponho que só exaro na acta um voto de profundo sentimento pela perda do ilustre extinto, o qual será communi-

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cado ao ilustre representante daquela República em Portugal, bem como à Câmara dos Deputados, reservando-me para encerrar seguidamente a sessão em homenagem do nosso pezar e de nosso respeito à memória de tam eminente cidadão.

O Sr. Couceiro da Costa (Ministro da Justiça): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo-me às palavras que V. Exa. pronunciou acerca do triste acontecimento que se deu no Brasil, a morte do grande brasileiro. Sr. Dr. Rodrigues Alves.

O malogrado Presidente da República Brasileira não ora apenas um eminente estadista, era também um magistrado perfeito, das mais altas virtudes cívicas.

Associando-se o Govêrno às palavras de V. Exa. não cumpre apenas um dever condicional, vai mais além: comunga na sua dor, porque o Brasil, quando sofre, Portugal sofro tambêm; juntamo-nos nas mesmas dores, nas mesmas alegrias.

As minhas palavras não são apenas o cumprimento dum dever banal, mas a expressão do que o Govêrno sente com toda a sinceridade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Malheiro Reimão: - Em nome da maioria, associo me ao voto de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor pela morte do Sr. Dr. Rodrigues Alves, Presidente da República Brasileira.

Das qualidades e virtudes cívicas de tam ilustre cidadão, há uma para que neste momento, especialmente, desejo chamar a atenção da Câmara, é que Rodrigues Alvos, tendo servido a monarquia brasileira, integrou-se na República servindo-a nos mais altos cargos sem que toda a sua carreira política tenha sido manchada por uma traição. Êste exemplo pode ser bem mostrado ao nosso país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: associo-me gostosamente ao voto do sentimento proposto por V. Exa. em consequência da morte do ilustre Presidente da República Brasileira, Sr. Rodrigues Alves.

Êsse eminente homem público tem direito à nossa consagração pelos altos e relevantes serviços que prestou ao seu país e pelo esfôrço que sempre empregou tendente a estreitar as relações entre Portugal e o Brasil.

Rodrigues Alves como a Câmara bem sabe desempenhou proficientemente no seu país as elevadas funções de governador da província, Deputado, Senador, Ministro e Presidente da República.

Por várias vezes foi nosso hóspede, manifestando o seu propósito de concorrer pela sua acção, junto do Govêrno da nação brasileira, para o estabelecimento duma carreira especial de navegação entre os dois países.

Circunstâncias excepcionais impediram porem que levasse a efeito os seus bons desejos de ser prestavel à nação amiga e irmã.

Nestas condições entendo que a Câmara associando-se ao voto do sentimento proposto por V. Exa. pratica um acto de inteira justiça.

Tenho dito.

O Sr. Lino Neto: Sr. Presidente: em nome da minoria católica associo-mo ao voto do sentimento proposto por V. Exa. pela morte de Rodrigues Alves. Quer o consideremos pelos seus dotes pessoais, quer o consideremos pela sua vida pública, êle representa para o nosso coração e para o nosso apreço uma individualidade excepcional.

A fôrça de trabalho e de talento conseguiu erguer-se de tal modo que constituiu uma das mais altas figuras do seu tempo, e uma das mais altas capacidades nesse difícil capítulo de administração que são as finanças públicas. Foi sobretudo um grande homem de bom. Morreu quando exercia pela segunda vez a primeira magistratura do seu país.

Nestas condições, um voto de sentimento não é só uma homenagem devida aos seus altos merecimentos, é também uma homenagem prestada à grandiosa República de que foi chefe prestigioso e é uma alevantada afirmação das energias da nossa raça.

Portugal e o Brasil vibram como uma só Pátria. Sôbre a terra não se encontram duas nações que se amem do mesmo modo. E que quando o Brasil se separou

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de Portugal, não se separou como um povo oprimido, não se podendo mesmo dizer qual era então a colónia, porque no Brasil estava a corte e em Portugal uma junta governativa em que influía Beresford.

São dois irmãos que, embora separados politicamente, se encontram unidos pelo coração, animando-os a mesma fé, mantendo a mesma unidade de costumes, de sentimento, de religião.

E essa unidade vai a tal ponto que não tem sido possível fazer entre êles tratados de comércio, mas o que os técnicos não tem conseguido tem-no feito os habitantes dos dois países e os seus Governos.

Uma vez é o Govêrno de Portugal que estabelece uma zona franca p;ira os produtos do Brasil; outra, êste país que estabelece o ensino da história portuguesa nas suas colónias; agora é Portugal que admite em condições excepcionais os estudantes brasileiros, logo o Brasil a admitir os estudantes portugueses nas mesmas condições. São emfim duas famílias que, embora distanciadas uma da outra, se estendem do contínuo as mãos para se abraçarem!

Por isso, curvo-me com respeito perante o féretro do Dr. Rodrigues Alves e ao mesmo tempo saúdo a gloriosa República Brasileira, cuja história se encontra tam intimamente ligada à do nosso Portugal.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito.

Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada a minha proposta. (Apoiados gerais).

É em seguida aprovada a proposta do Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Discussão dos pareceres n.ºs 17, 19, 20 e 21.

E encerrou a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - Afonso Lopes Vieira.

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