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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 25

EM 13 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Feita a chamada, abre a sessão com a presença de 28 Srs. Deputados. É lida e aprovada a acta da sessão anterior. Dá-se conta do expediente, O Sr. Adelino Mendes reclama contra o serviço da Companhia dos Telefones. O Sr. Eduardo Sarmento justifica uma moção que, envia para a Mesa, saudando as tropas republicanas que combatem no norte do país.

O Sr. Amâncio de Alpoim refere-se a matéria publicada no periódico "A Ordem". O Sr. Presidente (Nunes da Ponte) põe em discussão a moção apresentada, acentuando que a Pátria e a República se consubstanciam. Usa da palavra o Sr. Manuel Bravo, que apresenta um aditamento exprimindo a solidariedade moral e política da Câmara com as populações republicanas da zona invadida, referindo-se à obra e à memória do Presidente Dr. Sidónio Pais e a defesa da República. O Sr. Joaquim Crisóstomo reclama contra a falta de carvão em Lisboa. Associam-se à moção apresentada os Srs. Cunha Lial e Amâncio de Alpoim.

Nesta altura, o Sr. Cunha Lial comunica em àparte que a República foi restaurada no Pôrto. A Câmara aclama de pé e com grande entusiasmo a Republica, a que o Sr. Presidente ergue um viva.

O Sr. Amando de Alpoim propõe que se encerre a sessão em sinal de alegria e que sejam aprovados por aclamação a moção apresentada e o aditamento que a completa. São aprovados por aclamação.

E a sessão encerrada, marcando-se a próxima para segunda-feira.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
António Bernardino Ferreira.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Martins do Andrade Velez.
António dos Santos Jorge.
Artur Mendes de Magalhães.
Carlos Henrique Lebre.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco dos Santos Rompana.
Joaquim Isidro dos lieis.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Féria Dordio Teotónio.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Nunes da Ponto.
José Vicente do Freitas.
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Afonso José Maldonado.
Alexandre José Botelho do Vasconcelos e Sá.
Alfredo Machado.
Amâncio do Alpoim Toresano Moreno.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Lino Neto.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Armando Gastão do Miranda e Sousa.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Artur Proença Duarte.
Carlos Alberto Barbosa.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco Xavier Esteves.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista do Almeida Arez.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Madureira.
José Augusto de Melo Vieira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel José Pinto Osório.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alberto da Silva Pais.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Aníbal de Andrade Soares.
António Caetano de Abreu Freire Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António dos Santos Cidrais.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Francisco de Almeida Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Gabriel José dos Santos.
Henrique Ventura Forbes de Bessa.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João Monteiro de Castro.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebelo.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José de Almeida Correia.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Carlos da Maia.
José Eugénio Teixeira.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José das Neves Lial.
José da Sucena.
Manuel Rebelo Moniz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

Procede-se à chamada.

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O Sr. Presidente (Às 14 horas e 20 minutos): - Responderam à chamada 28 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém reclama, considera-se aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.

Foi lido na Mesa o seguinte

Expediente

Convite

Da Câmara Brasileira de Comércio e Indústria em Lisboa, da casa bancária Pinto & Soto Maior, da Sociedade de Beneficência brasileira em Portugal, da Companhia de Seguros "Sagres", da delegação da Assistência da Colónia Portuguesa do Brasil aos Órfãos da Guerra "Pró-Pátria", da Sociedade. Editora "Portugal-Brasil e do Club Brasileiro", desejando prestar ao finado Presidente da República Brasileira, Dr. Rodrigues Alves, solenes exéquias na igreja de S. Domingos, tem a honra de convidar o Exmo. Sr. Presidente e mais membros da Câmara dos Deputados a assistir às mesmas exéquias que se realizarão na sexta-feira, 14 do corrente, às 11 horas da manhã, no referido templo, antecipando o seu vivo agradecimento.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: tenho sido procurado por vários assinantes da Companhia dos Telefones, queixando-se amargamente contra o serviço que a mesma Companhia está fazendo em Lisboa. Esse serviço é realmente detestável, como V. Exa. sabe e como desgraçadamente o sabem todos aqueles que teem de utilizar-se dêsse meio de comunicação, absolutamente indispensável á vida moderna das cidades.

Suponho que junto dessa Companhia há um representante do Govêrno. De maneira que me parecia natural que êsse, delegado de confiança do poder central procurasse influir ma Direcção da Companhia, para que ela melhorasse os seus serviços, quanto antes e o melhor possível.

Além disso, era tambêm natural que êsse funcionário, informasse o Govêrno da maneira como na Companhia cumpre o contrato, ao qual ela, manifestamente, falta todos os dias e a cada instante.

O material é péssimo e, o pessoal ainda é pior. De forma que, de duas uma: ou o Estado toma conta dos serviços dos telefones da cidade de Lisboa, expropriando a Companhia e cassando-lhe o privilégio que ela desfruta, (Apoiados) ou deixa que esse serviço público continue assim, e, então, o melhor que há a fazer é supor que não temos telefones. Acaba-se com êsse equívoco, e nós podemos recorrer ao telefone do fio de guita de que os namorados se servem para falar da água furtada para o rés-do-chão.

Por isso, Sr. Presidente, eu peço a V. Exa. o favor de transmitir ao Govêrno as considerações que acabo de fazer, para que êste estado de cousas termine.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Eduardo Sarmento: - Sr. Presidente pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte

Moção de ordem

A Câmara dos Deputados, após as primeiras vitórias alcançadas pelas tropas republicanas sôbre os rebeldes do norte, saúda efusivamente o brioso exército e a marinha republicana. - Eduardo Sarmento.

Sr. Presidente: pedi a palavra para dêste lugar do Parlamento saudar, calorosamente, as tropas republicanas do exército e da marinha, após as primeiras vitórias alcançadas no norte contra os rebeldes couceiristas. (Apoiados).

Nós, republicanos, sentimos uma alegria extraordinária ao ler as notícias que nos jornais teem vindo acerca dos êxitos alcançados por essas tropas.

Lá em cima, no norte, os soldados da República e a marinha afirmam, mais uma vez, quanto as instituições estão ar-

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reigadas nos seus corações, e não é de mais que em toda a parte, e principalmente nesta casa, se faça sentir a êsses heróicos soldados e marinheiros que nós estamos de alma e coração com êles e que os acompanhamos, passo a passo, nas suas vitórias. (Apoiados).

Sr. Presidente: devemos vibrar de entusiasmo ao conhecermos os brilhantes êxitos alcançados não só na região de Aveiro, pela tomada de Estarreja, mas também na região da Beira Alta, pela vitória de Lamego.

Muito especialmente em relação a esta última vitória - a de Lamego - sente-se bem quanto essa coluna valorosa, do comando do intransigente republicano, general Abel Hipólito, tem lutado, cheia de ardor e de fé pela República Portuguesa.

A esta hora a bandeira da República caminha a passos largos para o terminus da vitória.

Sr. Presidente: há males que vem por bem, e agora fica plenamente demonstrado que a implantação da República em Portugal não foi uma mistificação, nem tam pouco uma aventura de momento.

Ela foi, sim, o eco dum grande grito nacional.

As balas e as granadas que hoje saem do cano das espingardas e da boca das peças da República não são mais do que êsse grande grito que honra a República, o exército, a marinha e o povo português. (Muitos apoiados).

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Numa das últimas sessões desta Câmara, cumprindo eu, Sr. Presidente, com o meu dever de republicano e de Deputado da República, fiz a um jornal que se publica nesta cidade com o nome de A Ordem acusações de monarquismo disfarçado.

Sr. Presidente: gostosamente afirmo porque não tenho vergonha das minhas crenças, a minha fé católica.

Ela, contudo, nunca mo serviu para fazer especulações políticas ou conseguir para mim resultados particulares. Creio que a fé deverá só servir para fins espirituais.

Para atender a mesquinhos e acanhados fins de qualquer outra ordem, a fé nunca deverá servir a ninguém.

Os que assim não pensam, ou não praticam ou diminuem a sua própria personalidade e prejudicam o prestígio da igreja.

O jornal a que me refiro, A Ordem, talvez porque seja monárquico, vê com péssimos olhos o meu colega nesta Câmara, o Sr. Cunha Lial, e assim deitou para sôbre as costas de S. Exa. as acusações que fiz.

O Sr. Cunha Lial: - Eu posso bem com isso.

O Orador: - Creio bem.

Julgo que não lhe pesará demasiado essa cruz.

Mas, Sr. Presidente, eu entendo que a responsabilidade deve pertencer a quem de direito e, portanto, eu muito gostosamente afirmo que tais acusações saíram da minha boca.

Se é necessário exercer sôbre alguém quaisquer manejos é sôbre mim que deverão incidir.

Devo também dizer que no número do hoje daquele jornal, por palavras que a sacristia habitualmente emprega, só faz a apologia de Aires do Ornelas.

E essa apologia é feita nestes dedicados o místicos termos:

Leu.

O Sr. Cunhal Lial: - Isso é uma acusação ao chefe do Govêrno transacto.

O Orador: - Não está presente nenhum membro do Ministério, para ouvir as minhas palavras, mas não posso todavia deixar de dizer que é lamentável que neste momento em que a República é atacada pelos processos que conhecemos, alguém apareça dizendo-se católico, a fazer política declaradamente monárquica na defesa do chefe da traição estabelecida em Monsanto.

Dentro desta Câmara não há ninguém que possa desculpar tal procedimento. O chefe monárquico, antes de ir para Monsanto, afirmou ao chefe do Govêrno que não era solidário com o movimento do Pôrto.

Agora vem êste jornal católico em defesa da monarquia, e com esta defesa compromete gravemente o catolicismo. Se o jornal defender só os interêsses dos

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católicos, está no seu papel; mas se vem fazer o ataque à República, então é preciso que o Govêrno lhe tome responsabilidades.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, visto não estar presente nenhum membro do Govêrno, o favor de fazer chegar rao conhecimento do Sr. Presidente do Ministério estas minhas considerações, para que êle proceda para com êste jornal da mesma maneira que tem procedido para eom os jornais monárquicos, que se apresentam como são, que tem tido a virtude de dizer o que são, e por isso estão suspensos.

O Sr. Manuel Bravo: - Êsses jornais é que suspenderam a sua publicação.

O Orador: - É preciso que o Govêrno chame à ordem o director dêsse jornal. Era isto o que eu tinha a dizer por agora à Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Farei transmitir ao Sr. Presidente do Ministério as considerações que V. Exa. acaba de expor.

Foi apresentada nesta Câmara uma proposta de saudação às tropas que combatem no norte; não há número para se votar, mas essa saudação está no coração de todos os portugueses, podendo nós considerá-la mesmo aclamada por todo o país. De facto eu creio firmemente que não há ninguém, neste momento, que sinta vibrar na alma o nobre sentimento do amor da Pátria, que se não sinta profundamente reconhecido para com todos aqueles que, expondo corajosamente a vida, lutam pela defesa da República, que personifica, hoje mais do nunca, a Pátria que todos nós estremecemos.

Saudando, pois, as tropas de terra e mar e os intrépidos civis, que lutam a seu lado, nós cumprimos o mais grato e imperioso dever. Viva a República!

Toda a Câmara corresponde a êste viva.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: eu desejava que a proposta que foi mandada para a Mesa fôsse completada com uma saudação às populações republicanas que, achando-se na zona ocupada pelos monárquicos, nesta conjuntura têm contribuído para a defesa da República.

Faço, pois, uma proposta verbal para que essa moção seja completada com êste pensamento, que, tenho a certeza, é o de todos os republicanos, dando a nossa solidariedade moral e política às vítimas dêsses asquerosos traidores do norte do país.

O Dr. Sidónio Pais foi sempre republicano. (Apoiados). Não posso, no momento em que a República atravessa uma das suas crises mais graves, deixar passar, sem o meu mais veemente protesto, essa especulação sem nome, essa especulação de traidores, de maus portugueses e de péssimos cidadãos (Apoiados), lançando sôbre o cadáver de um morto que foi toda a sua vida honrado (Apoiados), a infâmia e a vilania duma perfídia de que se nunca seria captaz. (Apoiados).

O Dr. Sidónio Pais quis a grandeza e a prosperidade do seu país com a República e só com a República. (Apoiados).

Não posso permitir, como republicano, que a memória dêsse morto, que não se pode defender, seja especulada, seja maculada com os insultos, com os ultrages e com as infâmias daqueles que o atraiçoaram! (Apoiados).

Sr. Presidente: não faço uma afirmação sem um fundamento moral.

O Dr. Sidónio Pais seria incapaz, numa hora de crise para a República, de deixar a sua espada de soldado dentro da bainha para não combater denodada e intrepidamente os monárquicos. (Apoiados).

O Dr. Sidónio Pais, como republicano, se porventura nesta hora tivéssemos a felicidade de o ter vivo, seria o primeiro a colocar-se à frente das tropas republicanas para esmagar exemplarmente êsses vis traidores. (Apoiados).

O morto não se pode defender na augusta serenidade do seu túmulo, mas cabe-nos a nós a obrigação de o defender e eu defendo-o com tanta maior serenidade quanto é certo que a minha amizade pessoal, a amizade quási de irmão, não se confundiu com amizade política depois que o Dr. Sidónio Pais foi elevado à alta magistratura de Presidente da República.

Nunca com o Presidente Dr. Sidónio Pais troquei uma palavra que não fôsse de cumprimento, nunca lhe pedi cousa alguma, afastei-me sempre, não porque êle não merecesse a minha consideração, mas porque eu entendia que não me devia aproximar. Mas nesta hora em que a sua

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memória é ultrajada, compete-me, como republicano, defendê-la até onde puder, repelindo o ultrage à sua memória. (Apoiados).

Pode dizer-se que o Dr. Sidónio Pais errou em muitos dos seus actos, mas errou mais pelas informações e pela confiança que tinha na lialdade dos homens, porque elo nunca supôs que êsses homens, a quem tinha elevado aos mais altos cargos de confiança, pudessem dar um triste exemplo da sua moralidade.

Julgou os outros por si, porque era um homem honrado, um carácter lialíssimo que ora incapaz do atraiçoar como foi atraiçoado por essa horda do monárquicos, horda para não lhe chamar bando e chamo-lhe bando para não lhe chamar canalha!

Sidónio Pais foi vítima do seu cavalheirismo, do cavalheirismo da sua honra, mas êsses miseráveis que não podiam em vida arcar com a responsabilidade de o atraiçoarem, esperaram que êle sucumbisse para lhe cuspir sobres o cadáver a suprema das afrontas, isto é, que êle seria capaz de fazer uma traição.

Desejava ver presente algum membro do Govêrno, porque queria fazer algumas preguntas a respeito das medidas que o Govêrno porventura tenha em mente adoptar para defesa da República; e não vá supor-se por esta simples enunciação o desejo do que pretendo dalguma maneira diminuir aquela fôrça que compete ao Govêrno para poder vencer, dominar, esmagar as fôrças dessa triste e malfadada, monarquia do norte, que tantas inquietações e tantos prejuízos está causando ao país e à liberdade.

E indispensável que essas medidas se adoptem ou por iniciativa do Govêrno ou da Câmara, a fim de que a República se não desarme perante o inimigo, porque as vitórias militares são certas e não são as únicas que são necessárias.

E indispensável castigar exemplarmente essa tropa realista que tendo sido defendida na sua causa e nas vésperas da traição nesta casa do Parlamento por aqueles que se intitulavam os seus leaders ou seus mais legítimos representantes, afirmavam que o pais não podia estar sujeito à agitação revolucionária, que isso seria comprometer a causa da liberdade e da ordem.

É indispensável que se adoptem medidas enérgicas com respeito a todos êles, para não sermos julgados como cúmplices dessas palavras de perfídia e de traição.

É indispensável castigar e que êsse castigo, como já foi demonstrado, seja moldado dentro da lei.

Estou de acordo com a máxima energia no castigo o também com a maior regularidade na sua aplicação.

Se o Govêrno não tem dentro das leis meio de dar êsse castigo, que o venha pedir ao Parlamento, porque se o Govêrno não quiser tomar a iniciativa dessas medidas, nós, os Deputados republicanos, tomaremos essa iniciativa, para que essas medidas sejam prontamente votadas e o castigo se não faça esperar.

A investida que os inimigos da República fazem neste momento deve ser tomada como uma reincidência das mais graves.

Não, o que se está fazendo no Pôrto, na capital dêsse "reino", e que eu chamarei "da madureza", é uma obra longamente preparada, longamente inspirada no espírito e no carácter de muitos daqueles que, se não se pronunciaram há mais tempo, é porque as circunstâncias os não favoreceram e nós, republicanos, que queremos a ordem, que queremos a liberdade, não podemos permitir que o país continue na incerteza do dia de amanhã e do receio de que êsses aventureiros, saídos das alfurjas e das casernas, possam dalguma forma fazer triunfar a causa que é contra os interêsses do povo e contra os interêsses da nação.

Eu tive a honra de pertencer a esta casa do Parlamento na ocasião em que êsse famigerado chefe do actual movimento monárquico era então o comandante das hostes realistas em Chaves, Paiva Couceiro.

Nessa ocasião eu tinha sugerido a necessidade de se votarem medidas que interessassem a fazenda de todos aqueles que se metessem em aventuras desta natureza. Tive a coragem moral e política de, naquele lado da Câmara, onde então tinha assento, votar essas medidas que eram propostas.

Não pôde, porêm, a Câmara fazer vingar nessa ocasião essa medida altamente eficaz e justa que as circunstâncias plenamente justificavam.

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É indispensável que essa iniciativa de seja renovada agora. E preciso fazermos ver a todos que estão comprometidos nesse movimento que a República não tem só armas para o campo das operações militares, mas também os necessários elementos de defesa para castigar aqueles que tentam lançar o país na mais horrível das desordens. (Apoiados).

Espero, pois, que o Govêrno, melhor do que a Câmara, possa estudar no seu conjunto as medidas indispensáveis para castigo dos revoltosos e aguardo ocasião para que o Sr. Presidente do Govêrno ou quem se julgar habilitado a responder nos diga se porventura o Govêrno é de opinião que essas medidas se adoptem e se essa iniciativa a deverá tomar êle, Govêrno, ou a Câmara.

E se o Govêrno não quiser tomar essa iniciativa, eu reservo-me, e com muito orgulho, como Deputado republicano, para apresentar as propostas de lei necessárias para habilitarem o Govêrno a tomar essas medidas que a opinião republicana unânime deseja.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Deputado foi muito cumprimentado.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Apesar do Govêrno não se encontrar representado, vou referir-me a um assunto que reputo importante: a falta de carvão em Lisboa.

Todos sabem que a população da capital está lutando com a falta de carvão, que as mulheres passam horas e horas à porta das carvoarias para o obter e, no emtanto, o Govêrno não tomou providências, ou se as tomou não dão resultado.

Li há dias que foram abertas três carvoarias em Lisboa por ordem do Ministério dos Abastecimentos, mas a verdade é que há falta de carvão.

Ainda há pouco um dos maiores fornecedores de carvão de Lisboa me disse que tem nos seus depósitos da província grande quantidade de carvão, mas que o não pode mandar vir por falta de transportes.

Diz êle que hão está nas boas graças do director dos Abastecimentos e como o transporte depende da Companhia dos Caminhos de Ferro e do Ministério dos Abastecimentos, êle não tem meio de o obter, apesar doutros depósitos menos importantes que o dele terem conseguido êsses transportes.

Nestas circunstâncias, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de solicitar do Sr. Ministro dos Abastecimentos as providências que o assunto reclama, oficiando à Companhia dos Caminhos de Ferro para que forneça transportes não só a A ou a B mas a todas as firmas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Como não há número para a Câmara poder deliberar, vou encerrar a sessão.

O Sr. Cunha Lial: -Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não há número e não podemos prolongar indefinidamente uma sessão nestas circunstâncias, mas tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Cunha Lial: - Não me parece que V. Exa. tenha motivo para se incomodar por eu ter pedido a palavra, tanto mais que não tenho grande interêsse em usar dela.

Eu pedi a palavra para me associar à saudação proposta pelo Sr. Eduardo Sarmento o ao aditamento apresentado pelo Sr. Manuel Bravo.

Nós, evidentemente, não podemos ser indiferentes aos que no norte, para defender a República, estão vertendo o seu sangue e jogando as suas vidas; associo-me, portanto, com todo o entusiasmo às saudações propostas, que só representam um acto de justiça, mas aproveito a ocasião, a propósito das considerações feitas pelo Sr. Manuel Bravo, para constatar que todos estamos de acordo e que não havia razão da parte da Câmara para a sua indignação contra os que combateram os erros do Sr. Dr. Sidónio Pais.

Eu fui dos que, desde as primeiras horas, combateram a introdução de monárquicos nos lugares superiores da República e tive o desprazer de ver que a maior parte dos meus colegas não eram dessa opinião; - mas hoje tenho o prazer de verificar precisamente o contrário.

O Dr. Sidónio Pais teve o defeito de errar na sua política. Fiou-se, demasia-

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damente, na lialdade monárquica e na influência que sôbre os monárquicos exercia o seu prestígio pessoal.

A Câmara sabe que num jornal republicano se disse que em vida do Dr. Sidónio Pais o ex-rei D. M anuel tinha ido a Madrid para conchavar um movimento restauracionista que veio a surgir depois da morte daquele Presidente.

Os monárquicos preparavam-se, mesmo em vida do Dr. Sidónio Pais, para dar o assalto à República.

Sr. Presidente: nesta Câmara estão criaturas que desde a primeira hora viram êsse perigo, e que constantemente afirmaram essa verdade. Essas criaturas foram acusadas de traidores, e até de cúmplice, ao assassinato do Sr. Dr. Sidónio Pais. Nunca tive a mínima animosidade pessoal contra o falecido Presidente da República. Reconheci sempre no Dr. Sidónio Pais qualidades de mando, mas devo dizer que o falecido Presidente da República errou, e a partir do momento em que reconheci que êle errou, combati com desassombro nesta Câmara, hora a hora, momento a momento, a sua obra. Outros erraram, os que lho deram informações falsas e os que foram seus colaboradores políticos. E de tudo isso ia resultando a morte da República.

O Govêrno tem tremendas dificuldades diante de si, dificuldades que lhe foram criadas pela cumplicidade de muitos que aqui se encontram. Portanto, êsses que reparem bem na parte que lhes cabe nas responsabilidades com que o Govêrno se encontra.

Suponho bem que o Govêrno trará a esta Câmara as medidas que o Sr. Deputado Manuel Bravo reclama. Essas medidas são o complemento das nossas saudações. Saudar os nossos bravos é alguma cousa e castigar os culpados tambêm é alguma cousa, sendo mesmo o complemento da primeira situação.

Faço minhas as palavras do Sr. Manuel Bravo, para que o Sr. Presidente do Ministério adopte as medidas indispensáveis para castigo dos que atraiçoaram a República. Procedendo assim cumpro mais uma vez o meu dever, e é com orgulho que revindico a honra de ter previsto o que veio a dar.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio Alpoim: - Por mim e por alguns amigos, que me pediram, gostosamente me associo às propostas que estão sôbre a Mesa, de saudação aos soldados da República, que com tanto brilho, tam glorioso resultado se batem em terras do norte.

Não podia a minha voz ficar calada nesta ocasião, porque nunca, dos momentos de crise para a República, ela tem deixado de se fazer ouvir.

Tenho recebido muitas cartas de amigas do norte, contando-mo o que tem sido a epopeia dos combates e a resistência popular contra as hostes couceiristas. Assim se afirmam radiosamente a dedicação e o amor do povo, do exército e da marinha às instituições republicanas.

Como muito bem disse o Sr. Cunha Lial, o Governo, que tem na sua mão a defesa da República, recebeu uma herança pesada, cheia de erros anteriores; e antes de fazer seguir para o norte todas as fôrças, que são muitas, teve de operar um trabalho do apuramento, de reconhecimento dessas fôrças. Êsse trabalho, demorado e difícil de fazer, poderia parecer um momento do inércia, quando apenas seria de precaução.

A saudação desta Câmara é, por assim dizer, uma maneira oficiosa de confirmar o espírito que anima esta Câmara, de republicanismo. A Câmara...

O Sr. Cunha Lial: - V. Exa. dá-me licença para o interromper?

É para dar uma boa nova. Consta que a República está restaurada no Pôrto.

O Orador: - Eu tenho apenas um grito a proferir nesta ocasião, no final do meu discurso: Viva a República!

A êste viva associam-se toda a Câmara e as galerias. Os Srs. Deputados, de pé, dão entusiásticas salvas de palmas, a que as galerias tambêm se associam.

O Orador: - Peço a V. Exa. que, como saudação às fôrças da República, embora contra as praxes da Câmara, se vote a moção do Sr. Eduardo Sarmento, por aclamação, e a seguir se encerre a sessão.

Muitos apoiados e palmas.

O Sr. Presidente: - A notícia não é ainda oficial. Mas há realmente todos os

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motivos para a termos por certa. Viva a República!

Novas aclamações da Câmara das galerias.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção com o aditamento que a completa.

Foram lidos na Mesa, ficando a saudação assim redigida:

"A Câmara dos Deputados, após as primeiras vitórias alcançadas pelas tropas republicanas sôbre os rebeldes do norte, saúda efusivamente o brioso exército e a marinha republicana, e as populações republicanas da zona invadida pelos revoltosos".

O Sr. Presidente: - Tanto a moção como o aditamento são para ser votados por aclamação.

Foram votados por aclamação.

O Sr. Presidente: - Amanha e sábado reúnir-se hão as comissões de trabalho, instrução, finanças o marinha.

A primeira sessão será na segunda-feira 17, à hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

O REDACTOR - Afonso Lopes Vieira.

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