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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 27

EM 18 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

João Calado Rodrigues
José Féria Dordio Teotónio

Sumário. - Procede-se à chamada, à qual respondem 30 Srs. Deputados. Faz-se a leitura da acta, que é aprovada sem discussão. É lido o expediente, que tem o devido destino. O Govêrno está representado pelo Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia).

Antes da ordem do dia. - O Sr. Ministro das Colónias manda para a Mesa uma proposta de lei autorizando um empréstimo de 8.500 contos para a construção de caminhos de ferro na provinda de Angola.

Apresenta tambêm outra proposta de lei abrindo, a favor do Ministério das Colónias, um crédito de 8.770$. Para as duas propostas pede urgência. O Sr. Adelino Mendes justifica um projecto de lei introduzindo na Constituição o principio da dissolução. Requere urgência e dispensa do Regimento. O Sr. Presidente informa que não há número para deliberar. O Sr. Amâncio de Alpoim diz que o povo não pretende exercer nenhuma coacção sôbre os trabalhos da Câmara. O orador é interrompido pelo Sr. Adelino de Figueiredo, estabelecendo-se sussurro nas galerias. A sessão é interrompida. Reaberta, o Sr. Amâncio de Alpoim prossegue as suas considerações, terminando por mandar para a Mesa uma proposta. Fala a seguir o Sr. Joaquim Crisóstomo, que começa por felicitar-se pelo triunfo da República, frisando que acabaram as traições, os embustes e os equívocos. Segue-se no uso da palavra o Sr. Cunha Liai, que põe em relevo a falta de número constante, que é o mais forte argumento contra a existência da Câmara actual, que se suicida. O Sr. Presidente lamenta também a falta de número e declara que vai expedir uma circular-telegrama a todos os Deputados, pedindo-lhes a comparência. Para amanhã sonvoca a comissão da Constituição, marcando a próxima sessão para quinta-feira, com a mesma ordem do dia.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Afonso José Maldonado.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Machado.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Bernardino Ferreira.
António dos Santos Jorge.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Carlos Alberto Barbosa.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco Pinto da Cunha Liai.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
José de Almeida Correia.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Carlos da Maia.
José Féria Dordio Teotónio.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
António Líno Neto.
António Luís da Costa Metolo Júnior.
António Martins de Andrade Velez.
Carlos Henrique Lebre.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
João Monteiro de Castro.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Aires do Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alberto da Silva Pais.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos o Sá.
Alfredo Pimenta.
Aníbal de Andrade Soares.
António Caetano do Abreu Freire Egas Moniz,
António Caetano Colorico Gil.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António dos Santos Cidrais.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Artur Mendes de Magalhães.
Artur Proença Duarte.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fernando Cortês Pizarro do Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco de Almeida Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
Henrique Ventura Forbes de Bessa.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João Henriques Pinheiro.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge Augusto Botelho Muniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebolo.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto de Melo Vieira.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Eugénio Teixeira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José do Figueiredo Trigueiros Frazão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel José Pinto Osório.
Manuel Rebelo Moniz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.

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Sessão de 18 de Fevereiro de 1919 3

Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.

As 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 30 Srs. Deputados. Há número para se abrir a sessão, mas não há número para se deliberar. Vai proceder-se à leitura da acta.

Foi lida e aprovada a acta.

Leu-se o seguinte:

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Guerra, remetendo outro em que os Srs. Sampaio e Melo, José de Sucena e Ferrão Castelo Branco, queixando-se do tratamento que têm tido na prisão, vêm justificar as suas faltas.

Do Ministério da Guerra, pedindo autorização para que o Sr. Cabral Caldeira possa seguir para o Entroncamento em serviço militar.

Justificação de faltas

O Sr. Xavier de Basto enviou uma carta pedindo que lhe relevem as faltas que, por motivo de serviço urgente e inadiável, é obrigado a dar durante a presente semana.

Representação

Dos empregados da Direcção Geral de Contabilidade Pública do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, sôbre contagem do serviço.

Para a comissão de petições.

Admissão de projectos de lei Foram admitidos os seguintes:

Sôbre o Orçamento geral da receita e despesa do Estado do ano económico de 1919 e 1920.

Sôbre a lei reguladora das Associações de Socorros Mútuos.

Sôbre o ingresso dos oficiais milicianos nos quadros permanentes.

Exceptuando da centralização dos serviços de instrução primária os municípios de Lisboa, Pôrto e Coimbra e todos os outros que para êsse fim se tenham acordado com os professores de área respectiva.

Alterando, o § único dos artigos 8.° e 9.° do decreto com fôrça de lei de 28 outubro de 1910. (Lei de imprensa).

Aclarando as condições de obrigatoriedade do ensino primário.

Declarando que nenhum indivíduo pode ser nomeado funcionário, corporações administrativas e companhias sem ter exame de instrução primária (2.° grau).

Regulando p vencimento anual dos professores primários.

Regulando a situação dos professores, do Colégio Militar até os 70 anos de idade.

Abrindo um crédito no Ministério das Finanças a favor do Ministério do Interior para compra da livraria do antigo professor Jaime Moniz.

Abonando um subsídio de residência ao professorado de Lisboa, Pôrto e Coimbra.

Declarando que o título de Academia das Sciências constitui privilégio da antiga Academia Rial das Sciências de Lisboa.

Autorizando as Câmaras Municipais a legislar quanto a apascentação ou simples entrada de gados em prédios alheios.

Tornando extensiva à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro o depósito obrigatório de todas as espécies impressas em oficinas citas no território da República Portuguesa.

Revogando o artigo 36.° e seus §§ da lei orçamental de 20 de Junho de 1914.

Legislando sôbre as sociedades cooperativas.

Regulando a situação dos oficiais que passaram ou venham a passar ao quadro de reserva por terem sido julgados incapazes pelas Juntas de saúde.

Criando uma escola dentária em Lisboa.

Considerando de carácter permanente, os 3.° e 4.° juízo das transgressões e execuções da cidade de Lisboa.

Estabelecendo que os Senadores e Deputados que forem funcionários civis ou militares e que houverem optado pelos vencimentos correspondentes a essas funções, tenham direito, ainda que só exerçam as funções legislativas a receber inte-

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4 Diário da Câmara dos Deputados

gralmente os vencimentos ordinários e extraordinários a que têm direito e que perceberiam se estivessem em efectivo serviço.

Autorizando a Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão a empregar os rendimentos criados pela lei de 12 de Julho de 1913 na captação e canalização de águas e melhoramentos do concelho.

Antes da ordem do dia

O Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia): - Sr. Presidente: O Govêrno, desejando contribuir para o desenvolvimento da província de Angola, resolveu submeter à aprovação da Câmara uma proposta de lei abrindo um crédito de 8.500 contos destinados aos caminhos de ferro daquela província. Os considerandos que precedem essa proposta são simples e certamente elucidarão com facilidade a Câmara.

Aproveito estar no uso da palavra para enviar para a Mesa uma outra proposta do lei, no sentido de ser aberto a favor do Ministério das Colónias um crédito de 8.770$.

Peço para ambas a urgência no parecer das comissões que sôbre elas tenham do se pronunciar.

As propostas são as seguintes:

Proposta de lei

Artigo 1.° E o Govêrno autorizado a contrair por conta da província de Angola um empréstimo em moeda portuguesa até a importância de 8.500 contos, destinados aos serviços do caminho de ferro de Loanda. - O Ministro das Colónias, José Carlos da Maia.

Para o "Diário do Govêrno".

Proposta de lei

Artigo 1.° É aberto na Secretaria de Estado das Finanças, a favor da Secretaria de Estado das Colónias, um crédito especial da quantia de 8.000$, a fim de reforçar a verba do artigo 55.º do capítulo 4.° destinada a despesas eventuais no corrente ano económico de 1918-1919.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 17 de Fevereiro de 1919. - O Ministro das Colónias, José Carlos da Maia.

Para o "Diário do Govêrno".

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me ocupar do assunto político que neste momento mais prende a atenção do país. Desejo mandar para a Mesa um projecto de lei introduzindo na Constituição da República Portuguesa o princípio da dissolução. Sabe V. Exa. e sabe a Câmara que, desde 1911, a vida política portuguesa tem caminhado perfeitamente aos baldões, sobretudo por na Constituição da República não existir a faculdade do Parlamento ser dissolvido em determinadas circunstâncias, sempre que o Presidente da República assim entendesse necessário para o bem da nação, ou sempre que o próprio Parlamento, por si próprio, entendesse dever pôr termo à sua vida política.

Lembro-me ainda, porque tive a ventura do assistir às reuniões da constituinte, das ardentes e acaloradíssimas discussões que se travaram nesta casa a propósito dêsse momentoso assunto. Nessa assemblea, constituída na sua maior parte por republicanos que tinham vindo da província e nos quais não ora difícil ver muito dos montagnards que na convenção francesa deixaram para sempre gravados os seus nomes, predominava um ardente idealismo, que os não deixava ver com clareza o lado prático das questões. Recordo-me da atitude enérgica que a grande maioria dessa assemblea tomou contra o princípio da dissolução. É que a Constituinte deixou-se guiar mais por um intenso espírito teórico, absolutamente justificável nessa ocasião, do que pela ponderação que devia presidir sempre a todas as resoluções tomadas por uma assemblea legislativa. Tínhamos vindo da monarquia, onde o princípio da dissolução tinha sido usado de tal maneira, que dele não tirou absolutamente nada digno de ser tido em consideração por uma assemblea republicana. Tínhamos vindo dum regime corrupto, dum regime que tinha dado de si as piores provas, dum regime que tinha arrastado a honestidade e a honra por caminhos absolutamente intransitáveis.

Foram estas considerações que imperaram no primeiro Parlamento da Repú-

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blica e o principio da dissolução não foi votado. Pouco tempo foi preciso para que se reconhecesse quam grande tinha sido o êrro praticado pelas constituintes de 1911. E assim não tardou que dois dos partidos que se formaram nas mesmas constituintes começassem a fazer a mais calorosa e entusiástica propaganda a favor da dissolução.

Só um partido, o mais numeroso da República, se opôs a que o princípio julgado como devendo ser o fiel da balança política dêste país fôsse introduzido na Constituição. E porquê? Porque sendo o partido que tinha mais influência política não era aquele a quem mais convinha que o Parlamento fôsse dissolvido. E um houve, dentre êsses dois, que pôs a questão com a maior clareza: "Ou dissolução ou revolução".

Mas a guerra fez com que fôsse adiada essa questão política e êsse partido viu-se forçado a pôr de lado êsse ponto do seu programa. Porque se fez a revolução de 5 de Dezembro? Sobretudo por não existir o princípio de dissolução parlamentar. Na primeira proclamação saída do Parque Eduardo VII a questão foi posta sem sofismas. Êsse generoso movimento fora levado a cabo principalmente para se legislar no sentido do Parlamento poder ser dissolvido.

Mas há mais ainda, Sr. Presidente. É que o partido que mais intransigentemente combatia êste almejado princípio constitucional não teve dúvida em mudar de opinião e num manifesto recente, veio declarar que não tinha dúvidas em admitir o princípio da dissolução na lei fundamental da República.

Êste Parlamento foi eleito principalmente para votar o princípio da dissolução e lembro-me de que uma das primeiras cousas que a maioria desta casa foz, ao reunir-se particularmente, foi votar uma proposta do Sr. Machado Santos para que a Câmara não só votasse o princípio da dissolução, como também que ela própria se dissolvesse, logo que êsse princípio fôsse adoptado como lei do país. Olhar um pouco para a maneira como êste Parlamento está funcionando é reconhecer que o actual Congresso tem os seus dias contados. Ele foi eleito para realizar uma obra que os acontecimentos e as circunstâncias políticas o impediram do efectivar. O seu momento passou. Lá fora não há uma corrente suficientemente forte que corresponda, em número, ao número dos Deputados que, presentemente, representando um princípio que passou, têm assento nesta Câmara.

Sendo assim, nada justifica que nós estejamos aqui a legislar em nome duma razão política que desapareceu.

Portanto, temos apenas um caminho a seguir: é cumprirmos imediatamente o mandato que o nosso eleitorado nos conferiu; temos apenas que discutir e votar quanto antes o princípio da dissolução. E depois, ou o Parlamento se dissolvo por si próprio, conforme foi resolvido pelo próprio Parlamento, ou espera que essa dissolução venha no momento mais oportuno, quando o Poder Executivo entenda que deve pôr ponto final à vida do Congresso da República.

Eu sei, Sr. Presidente que o problema é duma gravidade extrema; eu sei que êle poderá ferir susceptibilidades; pode levantar reparos; pode fazer com que surjam debates acalorados. Mas acima do tudo, está o bem nacional, está o país, e o país neste o momento não está connosco.

Vimos dum partido que quis, num dano instante, forçar a vida política portuguesa a determinar-se num sentido perfeitamente oposto àquele que o antecedeu.

Infelizmente não se pôde realizar essa obra. Porque?! Dispenso-me de o dizer à Câmara. As razões dêsse facto, profundamente lamentável, estão na memória e ria consciência de toda a gente. Entretanto, se assim é, se ainda é cedo para se fazer uma história que tem de ser cuidadosa e que, por sua natureza é dificílima do fazer, o que não é cedo é para realizarmos, quanto antes, o fim principal para que fomos eleitos, e êsse fim consiste em votarmos, ràpidamente, o princípio da dissolução. (Apoiados). Não há que fugir disto! Nós temos por fôrça de assumir, neste momento, as graves responsabilidades desta nossa atitude.

E porque eu sei que na Câmara predominam os mais ardentes sentimentos republicanos, porque eu sei que em cada um de nós existe principalmente o desejo vivo de bom servir a República - porque nunca nenhum dos que têm assento

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nesta Câmara deu provas era contrário - espero que a Câmara tomará na devida conta o projecto que vou mandar para a Mesa e o discutirá o mais depressa possível.

Para êle, Sr. Presidente, requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

Projecto de lei

Para acrescentar à Constituição:

Art. 11.° Acrescentar: salvo no caso previsto no n.° 1.° do artigo 47.°

Artigo 47.°, substituir o n.° 2.° pelo seguinte:

N.° 2.° Convocar o Congresso extraordinariamente e dissolve-lo quando assim o exija o bem da Nação.

Art. 82.° Substituir pelo seguinte:

Artigo 82.° A Constituição da República será revista pelo Congresso da República cujo mandato abrangerá o ano civil de 1921.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 18 de Janeiro de 1919. - Os Deputados, Adelino Mendes - Cunha Lial.

O Sr. Presidente: - Não há número para deliberar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Amâncio de Alpoim.

O Sr. Amâncio de Alpoim:- Sr. Presidente: creio que sou suficientemente conhecido dentro desta casa, e por isso já todos sabem que serenamente sei tratar as questões que carecem de serena e ponderada solução.

A questão da dissolução constitucional, como todas as questões que com a Constituição se prendem, não pode nem deve ser assunto a tratar em rápida e atabalhoada discussão, porque se relaciona com todo o futuro, com todas as condições de vida da nossa Pátria e da República.

Não fujo, Sr. Presidente, nunca fugi ao contracto e à presença do povo soberano.

Ainda há pouco tempo fui procurá-lo, por assim dizer, à sua casa, ao comício, e com êle falei palavras de tamanha verdade que, recebendo aplausos, os considerei justos.

No Parlamento falo também com prazer ao povo, supremo juiz que nos escuta pelas galerias e pela voz da Imprensa.

E quando o vejo exaltado, porque se trata duma questão serena, devo dizer-lhe que dum assunto sereno se trata; e quando se estuda uma questão de direito, insisto em afirmar que esta como uma questão de direito deve ser estudada.

Não comporta o assunto exaltações populares que, intervindo na solução, apenas a podem prejudicar.

Como homens de direito - e havemos de o ser, visto que somos legisladores como Deputados da Nação Portuguesa, e como republicanos, temos de zelar e velar acima de tudo pela sagrada defesa do prestígio do Parlamento.

É êste o templo da República, não é nosso, não é daqueles que hão de vir, não é daqueles que por cá passaram; é da República e, por isso mesmo, para não vexar e magoar a República, devemos ser os primeiros a sair desta casa quando se entenda que a nossa presença aqui pode originar gravíssimos conflitos, por estar em discordância e em oposição à vontade do povo soberano.

Se o povo aqui se nos apresenta manifestando a sua opinião, fazem mal, Sr. Presidente, os que julgam, os que dizem venenosamente que êle veio cá em tom de ameaça, em tom do coacção.

O povo sabe muito bem o respeito que à instituição parlamentar deve, para quando aqui comparece vir apenas trazer a sua voz...

O Sr. Fidelino de Figueiredo (interrompendo): - Sr. Presidente: o Sr. Deputado que está no uso da palavra está falando para a Câmara ou para as galerias?

O Orador: - Estou falando para a Câmara, e à Mesa me dirijo; para S. Exa. é que eu não falo, por motivos que a Câmara conhece.

De resto olho para onde me apetece.

O Sr. Fidelino de Figueiredo (interrompendo): - Nem eu desejaria que falasse para mim.

Sussurro nas galerias.

O Sr. Presidente: - Previno as galerias de que não se podem manifestar. Continua o sussurro nas galerias.

O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Não se encontra na sala número suficiente de Srs. Deputados para a Câmara poder funcionar.

O Orador: - Mas eu, Sr. Presidente, ainda não tinha concluído as minhas considerações.

Estou no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, pode V. Exa. continuar as suas considerações.

O Orador: - Estava eu dizendo, Sr. Presidente, que o povo vinha ao Parlamento da República não em tem de violência para exercer coacção, mas apenas manifestar uma vontade, uma opinião; e nós não podemos, não devemos pedir ao povo e dele esperar que conheça êsses excessos de cortezia, êsses requintes de delicadeza que se usam nos salões dourados que êle por felicidade sua não frequenta.

Se por um lado esta franqueza rude do povo pode desagradar àqueles que do perto não o conhecem, aqueles que bem o estimam e o sabem acompanhar nas horas más o difíceis compreendem bem esta franqueza rude que por vezes o povo patenteia.

A voz da multidão não vive para encobrir a verdade e não encobre a mentira, porque o povo diz e grita sempre a verdade.

Não veio aqui a chamada sua usar duma coacção, exercer violências.

Não.

Saíram ontem, e sairão hoje os Srs. Deputados desta casa entre alas de povo e ninguém os maltratou ou maltratará, ninguém abusou nem abusará da fôrça contra êles.

Manifestou a multidão a sua vontade com calor, como sempre, rude e francamente, porque o povo é rude e franco e por isso não se pode dizer, não se deve dizer que o Parlamento da República está coacto por essas manifestações.

Quem o disser pode estar em êrro, mas pode também ter a mesquinha intenção de concluir que não deve esta Câmara ao país o supremo serviço de não criar dificuldades à solução do problema constitucional, e facilitar a sua solução, dissolvendo-se.

A meu ver e segundo minha opinião pessoal, porque neste assunto de suprema importância creio que as opiniões pessoais se devem manifestar fora da acção disciplinar dos partidos, a meu ver pessoal, o Parlamento deve imediatamente dissolver-se, porque o Parlamento corresponde a uma situação extinta, ou pelo menos a uma situação política que já se modificou profundamente.

Só quem não tenha olhos de ver, ou não queira ver, pode imaginar que depois dos sucessos passados neste país a situação se não tem de alterar, se não há-de alterar profundamente.

Só quem não tem olhos de ver, ou não tem vontade de ver com olhos claros pode imaginar que neste momento de suprema crise da República, quando ,é necessário, por assim dizer, reimplantá-la em Portugal, se pode deixar de ouvir a soberania nacional, pela única forma como podemos e devemos escutá-la: pelas eleições, pelas urnas.

Por mim o digo francamente, por mim o afirmo.

E um "cambalacho", perdõem-me a rudeza do termo que se justifica pela justiça, e aqui tem de ser definidas as cousas por justas palavras.

E um "cambalacho" contra todas as boas regras de direito público e contra todas as boas regras da política a proposta que tente iludir a questão, procurando conseguir eleições suplementares.

Esta solução alvitrada já da consulta parcial, à vontade de determinados círculos, cujos Deputados por fôrça das circunstâncias desapareceram, ou que, por serem monárquicos, foram eliminados, não pode nunca ser aceite, porque representaria uma grave falsificação do sufrágio, em vez de ampla consulta à vontade nacional.

Todos os círculos eleitorais devem ser agora consultados, todos devem ser ouvidos pela boca da urna para que claramente saibamos qual a sua vontade geral, qual a sua opinião predominante, quais são as correntes partidárias que hão de prevalecer como orientadoras da República, quais são aquelas que da mão do

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povo receberão a sagrada missão de defender os destinos da Pátria e da República.

O Parlamento, repito-o, deve imediatamente dissolver-se, para que se realizem eleições gerais.

Não fugimos perante uma coacção; nós não deveríamos fazê-lo por nossa honra nem termos êsse direito, porque acima dos nossos receios pairam os supremos interêsses que nos estão confiados. Não fugimos- desaparecemos, porque a nossa desaparição é necessária.

Sr. Presidente: ou servi a República em momentos de perigo, servi-a com as minhas fôrças o com prejuízo próprio o daí me advêm o direito de falar assim. Julgo também que os que me ouvem, porque sou claro e sereno, têm o dever de me escutar, com serenidade, para sem buscados subterfúgios concederem-me razão quando a tenha.

Todos nós queremos a mesma cousa - a dissolução parlamentar; mas, som vaidade o digo, eu quero essa dissolução mais rápida do que outros a desejam, mas desejo-a como um jurista e pode e deve desejar e como um político a deve querer. Por isso talvez dê a impressão de que a pretendo retardar.

Nós não vamos fazer, o povo não quere que se faça, dissolvendo o Parlamento, um gesto de destruição, uma sementeira de revolução e erros para o futuro. É necessário que a dissolução do Parlamento lance os alicerces duma obra que o futuro venha a consolidar.

É necessário que nós, os republicanos que nesta Casa temos assento, colaboremos com todos os republicanos, ràpidamente, sumariamente, nesta atmosfera de união que se criou, para que ao dissolver-nos já - e quem diz já diz em meia dúzia de dias - deixemos pelo nosso esfôrço e pelo nosso trabalho claro e franco o caminho do bem, da legalidade.

A todos nós, não só aos Deputados que se sentam nesta sala, mas ao povo em geral, incumbe a defesa e a guarda do prestígio da instituição parlamentar.

É necessário que a crise parlamentar se resolva dentro da lei. É necessário que nós, republicanos, que temos tam profundas convicções, tenhamos na alma a grande aspiração, o grande ideal. Tenhamos no coração o desejo do fazermos a política do amor, abandonando a velha política dos ódios.

Façamos a República da tolerância inteligente, que não transige com a vileza nem com a traição, mas que ouve e julga, antes do condenar.

Legislar o julgar é, repito-o, uma cousa que serenamente só deve fazer, para que o julgamento colha prestígio no sereno prestígio da decisão.

É de frio-mármore a estátua da República que presido aos trabalhos desta Câmara. O seu espirito é ardente para inflamar o povo que combate; mas dentro desta Casa a alma republicana tem do esfriar um pouco, tem do moderar o seu ímpeto levado ao rubro, para sem exageros nem desmandos edificar pela lei ponderada, sem revolucionários gestos, uma obra nacional e perdurável.

Não se trata neste assunto - dissolução - para mim, duma questão política, trata-se apenas duma questão legal. Agora temos que discutir direito.

A questão política já a vi. Se lho chamam política, penso que é erradamente, deviam chamar-lhe questão de direito público. (Há palavras que envenenam, de que se devo fugir).

Se o Parlamento deve corresponder à Soberania Nacional o esta modificou a sua vontade, o Parlamento que representa uma vontade que passou não tem fundamento jurídico, não possui o direito de existir com a representação que nele se senta.

Fale de novo a Soberania Nacional, constitua ela de novo a sua representação; mas para tal não é necessário que a saída dos parlamentares agora em exercício só faça, com desprestígio da instituição e da lei.

Os Deputados não devem, não podem ser postos fora do Parlamento Português. Devem sair ràpidamente por sua vontade. Porque? Porque o supremo interêsse da República o a defesa da Pátria nos obrigam, a nós parlamentares, a reconhecer a gravidade e a qualidade do momento histórico que estamos atravessando. Saiamos porque devemos sair. Só o dever nos obriga.

O Parlamento fica em pé sem mácula e sem desdouro. Venham outros, venha quem o povo mando, mas êsses que venham depois entrarão, como nós entra-

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mos, no templo sagrado da República e também, como nós, pensarão que êsse templo não deve ser profanado por violências. Se para nossa saída se empregarem gestos censuráveis ou criminosos será por êles poluída, enxovalhada a Instituição Parlamentar.

Temos que estabelecer a dissolução legal. Se nos dissolvêssemos ràpidamente, sem prever o futuro, sem preocupação do dia de amanhã, nós não estabelecíamos uma salvação legal, ficava em pó toda a organização dictatorial que contêm matéria constitucional.

Ficava em pó a lei impropriamente chamada eleitoral que organizou o Senado tal como existe, com a representação de classes.

Ficava em pó essa lei que, repito, impropriamente foi chamada eleitoral, porque além de matéria eleitoral contêm matéria concernente ao Poder Legislativo e matéria que regula o Poder Executivo, atribuindo funções e poderes ao Presidente da República. Ficaria também em pó a lei que regula o sufrágio universal. E sôbre esta lei tem que fazer-se uma discussão de princípios, da qual resulte a sua conservação ou revogação.

Não me pronuncio por ora em qualquer sentido sôbre êstes assuntos, o que digo apenas é que, se nos dissolvêssemos sem decidirmos por qualquer forma a respeito deles, teríamos deixado atrás de nós duas grandes dificuldades ao Govêrno que viesse.

Chamo a atenção de V. Exa., Sr. Presidente, da Câmara e dos que me escutam, para os melindres, para os riscos dá nossa situação internacional.

Nós estamos representados na conferência da paz porque somos uma Nação que enviou os seus filhos a verter o sangue pela causa abençoada da Civilisação e do Direito, porque somos uma Nação, porque temos uma organização legal e os poderes do Estado reconhecem a sua base era instituições legais sancionadas pela vontade geral.

Se de repente nós transformarmos os poderes do Estado derrubando, demolindo em choque brusco e violento, essa organização legal, que nos dá o aspecto e carácter de nacionalidade, como à mesa da conferência da paz só as Nações têm assento, nós podemos correr grave e tormentoso risco de ser excluídos dessa mesa.

Teríamos realizado com a nossa violência, com nosso anseio de correr muito depressa, o mais grave, o mais imperdoável dos actos que não tem perdão, o maior de todos os crimes que se poderiam cometer: o prejuízo e, direi até, a extinção da Pátria!

E necessário não correr demasiado depressa. Reconheço naqueles que muito depressa querem caminhar e que não podem esperar cinco ou seis dias a vontade de perfeição, de bondade e de beleza que ilumina seus corações. Não que êsses ardores não nos queimem, que não nos abrazem demasiadamente e aqueles que realmente desejam, como o nosso povo sempre deseja, o triunfo da perfeição e da verdade, entreguem um pouco, entreguem muito mesmo, às mãos dos republicanos que se sentam nesta sala a solução rápida, rapidíssima, que é necessária, mas não pode ser muito precipitada, da questão constitucional.

A Constituição em vigor, Sr. Presidente, pelas razões que o Sr. Adelino Mendes ponderou com tanto brilho e clareza no seu sereno discurso, não contêm em si o princípio da dissolução.

Os parlamentares de 1911 levavam tam longe o seu anseio de democracia, de Govêrno do povo pelo povo, tam longe levavam o seu respeito pela instituição Parlamento, - que não consentiam a idea de que um poder do Estado pudesse por qualquer forma, por qualquer motivo de utilidade ou mesmo necessidade pública, ter intervenção na acção parlamentar, na existência, no funcionamento da máquina parlamentar.

Considerou-se então que esta pura democracia que as Constituintes de 1911 realizavam, talvez fôsse perigosa em Portugal, onde a política é muito de pessoas, onde o Poder fabrica à sua vontade as eleições, onde se corria o risco de se eternizarem no mando, tendo a certeza de colhêr votos, aqueles que primeiro colhessem às suas mãos o Parlamento.

Disse-se tudo isto então, mas a teoria fez carreira e, em nome da democracia pura, não se incluiu na Constituição o princípio da dissolução.

Surgiu depois o protesto pelas afirmações de um partido da República que for-

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mulou lapidarmente o seu conceito nestas palavras: dissolução ou revolução. E, realmente, porque os partidos da oposição também, por sua vez, queriam abancar o Poder, abriu-se em Portugal o triste ciclo dos golpes de mão, das arruaças, dos choques, em que, para mal de todos nós, até hoje temos vivido e em que, para nosso" bem, não podemos nem devemos, porque o interêsse da Pátria o não consente, continuar a viver.

Os próprios doutrinários de então, defensores da democracia pura, que haviam marcado na Constituirão a sua vontade do obedecer exclusivamente às doutrinas, vieram finalmente, perante a triste realidade, perante a triste evidência dos factos, reconhecer que a Constituição carecia de que o princípio da dissolução nela fôsse introduzido.

E esta a situação em que todos nos vemos. Nós podemos e devemos, porque a actual situação existe principalmente como base da futura normalidade, do futuro equilíbrio e bem-estar, prestar ao país, para, que êle e compreenda - e bem depressa o um poucos dias isso se pode fazer - o supremo serviço, o supremo esfôrco de estabelecer já, imediatamente, o principio da dissolução parlamentar.

Com relação a êsse princípio, Sr. Presidente, devemos dar todos nós, por nosso próprio alvedrio antes que alguém no-lo diga - e há quem no-lo possa ordenar, pois não estamos acima de tudo e, mais alto do que nós, superior a nós, está a soberania nacional - o exemplo saindo desta casa, abrindo o caminho a todos aqueles que, pela vontade do povo, nela hajam de entrar. Quero crer e creio bem que alguns de nós aqui voltarão...

Assim, até por nosso próprio gesto - não digo sacrifício, porque o não é - nós definimos a incontestável necessidade que há de, toda a vez que a, crise parlamentar apareça, se revivificar, se prestigiar o Parlamento pelo contacto com o povo, através das urnas.

Assim, quando mais tarde algum partido político tenha de sair do Poder pela porta da dissolução, não poderá suceder, não deverá suceder, como no tempo da monarquia, quando os partidos políticos, corridos do Poder, iam levar para a rua, para os mentideros, para os centros políticos, toda a espécie de injúrias contra os seus antagonistas e contra o Poder Executivo, maldizendo os seus adversários, que por sua vez, no dia seguinte, usavam dos mesmos processos. Hão-de lembrar-se todos de que um Parlamento da República só dissolveu por sua própria vontade, seguindo o exemplo das Cortes de Cádiz, espanholas; e êste exemplo calará a boca dos despeitados e maldizentes.

Tem poucos homens políticos a nossa pequena Pátria; nem todo o republicano é um político da República.

Sr. Presidente: nem todos os homens servem para governar uma pátria; pouquíssimos são os competentes. Não queiramos, pois, dentro da República queimar os poucos homens públicos que temos. Que se faça entre todos nós a oposição de princípios, sim, que dentro dum regime de tolerância deve e há-de existir, mas oposição serena e nobre.

Faça-se a discussão alevantada que enaltece e não a rebaixante discussão das personalidades que desprestigia. Procure--se conseguir a luta legal em vez da luta revolucionária.

Deve ver-se que muitas vezos um homem, público que sai do Poder por, num momento, ter errado, pode, uma vez expurgado seu êrro, na oposição vir mais tarde ao Govêrno prestar grandes serviços à sua pátria, e por vezes mais ninguém senão êle, o próprio que errou na véspera, lhos pode prestar.

Digo isto em tese, que a ninguém particularmente me reporto. Afirmo em princípio que as quedas dos Governos não podem fazer-se na nossa terra, não devem fazer-se pelo sistema impolítico do choque, pelo sistema impolítico da violência.

A violência em política magoa, fere os muitos que a recebem; mas, creiam todos, também magoa e fere, às vezes para sempre, os próprios que a empregaram.

Discordar não é lutar. Lutar não é esmagar. A luta das ideas faz-se serenamente, em torno de princípios. Essa não maltrata; essa acalenta a alma, não a arrefece na morte.

Saibamos obedecer, quando argumentamos, ao domínio a que todos com orgulho nos devemos curvar, que é o supremo domínio da razão, o supremo domínio da idea,

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É que acima duma razão, acima duma idea que se justifica, não existe fôrça, não prevalece poder algum.

Voltando ao assunto, eu direi em nome dos sãos princípios que procuramos muito ponderadamente tratar do assunto da dissolução. Em 1911 os parlamentares de então entenderam que não devia haver a dissolução parlamentar; não vamos nós agora apenas para resolver dificuldades de momento, permita-me o termo, que é muito popular, "atamancar" a questão constitucional, sem ver bem as dificuldades que o problema nos apresenta, para que não nos vá a solução sair às avessas, transferindo o êrro de um lado para outro. Evitamos o Executivo tirano quando fugimos à tirania do Legislativo.

Creio que todos concordam que entre a tirania de muitos e a tirania de um só é preferível a tirania do muitos. Os homens têm falhas como as pedras preciosas. Os melhores falham. Precisamos ver bem não corramos o risco de cair no poder pessoal. Não vamos consentir, porque é êrro grave, que o Presidente da República possa dissolver o parlamento por seu simples alvedrio pessoal, isso não, sem consulta das fôrças esclarecidas da República. Na monarquia assim sucedia. O rei não podia dissolver o parlamento sem ouvir o conselho de estado, mas os rotundos e encanecidos conselheiros retiravam-se cipós consulta, esperando que o rei fizesse o contrário se lhe vinha à vontade fazê-lo.

O parecer do conselho de estado era apenas consultivo. O monarca podia seguir ou não o seu conselho.

Dentro da República não pode ser assim!

O Presidente da República não poderá resolver sem ter ouvido as correntes de opinião nacional representadas por altas figuras da administração republicana.

Quais serão essas figuras? Surge aqui a nossa primeira dificuldade, não direi grave, mas necessidade do uma pesada e ponderada solução.

Neste ponto, que não é mesquinho, que é um ponto de realização, de técnica constitucional, divergem muito as opiniões, e realmente, mal pareceria Sr. Presidente, que nós, que saímos desta casa precisamente porque não correspondemos já por inteiro à vontade nacional, neste assunto de supremo interêsse para a Nação, decidissemos sem ouvir mais ninguêm, apenas pela nossa opinião.

Nós temos de decidir, mas não podemos e não devemos decidir sós. Temos de decidir acompanhados, porque decidiamos em nome da opinião republicana, em nome dos supremos interêsses da República e, sendo assim, temos de ouvir os interessados no assunto que não ocupam lugar nesta casa, os que representam correntes do opinião e que aqui se não sentam, temos de ouvir, em poucas palavras o digo, os partidos políticos da República.

Ah! Sr. Presidente, mal de nós todos, se, por uma preocupação exagerada pelo prestigio próprio, se por uma, a palavra é feia, mas exprime a verdade, autolatria, levada ao extremo, viéssemos a entender que o Parlamento se desprestigiava, procurando ouvir as correntes da opinião republicana que nele não ocupam lugar.

Na prática isto sucede todos os dias dentro desta casa.

A todo o momento, e a cada passo, nomeamos comissões de inquérito que podem ouvir particulares nas suas opiniões, nos seus conceitos, nas suas reclamações. Ainda há poucos dias, por proposta do Sr. Deputado Adelino Mendes, foi nomeada uma comissão, a que S. Exa. pertence, que vai inquirir dos maus tratos infligidos aos presos políticos republicanos em algumas prisões do país. Essa comissão vai falar com muitos, vai ouvir opiniões e investigar e, depois, trará à Câmara a sua opinião.

A comissão que encarregaremos de ouvir ràpidamente, porque não é necessário discutir, e se trata só ouvir, as opiniões das fôrças organizadas, representados pelos seus organismos partidários, não necessitaria de largos dias para o seu trabalho e para vir apresentar as suas conclusões a esta Câmara que, por mim e creio que por todos os republicanos que aqui se encontram, tem vontade de fazer obra que agrade e que sirva à República, e portanto a todos os seus partidos.

Procuraríamos ouvir as correntes de opinião que aqui não tem lugar e que, se o tivessem, sustentariam doutrinas várias, porque uns querem o Conselho de

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Estado, outros não o querem, êstes desejam-no apenas com voto consultivo, aqueles entendem dever êle ter voto deliberativo.

Juntavam-se essas opiniões, fazia-se o trabalho que, em política, não pode ser feito por outra forma que não seja por uma recíproca transigência da parte de todos, porque das imposições nunca resultou qualquer obra útil, e dêsse trabalho apurava-se que o princípio da dissolução seria introduzido em termos firmes, com base.

Vou mais longe. Ninguém pode acreditar, ninguêm deve acreditar que haja má fé no coração do povo republicano, mas os políticos, que o povo tam bem conhece, às vezes não são como o povo. Não digo muito mal deles, mas sei que têm os seus defeitos, que não exagero, porque os outros se encarregam de o fazer. Assim seria possível que amanhã se pudesse dizer, por banda dum ou doutro político:

Eu não respeito o princípio da dissolução porque não fui ouvido, porque não intervim na sua discussão, porque não fui consultado a seu respeito...

Ora quando todos fossem ouvidos, tal cousa não podia suceder.

A fôrça da lei é moral, e esta fôrça é a que se procura por esta medida. Assim se obtinha, com prestígio e fôrça, o princípio da dissolução parlamentar, e por um simples acto, por dois artigos que se votam numa tarde, dois ou três, porque êsse assunto já foi - discutido nos jornais da especialidade, e quando falo dos jornais da especialidade quero dizer os jornais políticos e do direito público.

Eu, que tenho um espírito e uma certa educação jurídica, e seria monstruoso que a não tivesse, creio que esta é uma solução serena, que, como suprema virtude, possui a de ser uma solução rápida.

A República tem de ser defendida ràpidamente, e agora mais do que nunca, e eu digo mais do que nunca, apesar de haver passado o momento do perigo maior, não digo de todo o perigo, porque é possível que não haja passado de todo, mas que esteja ainda em sério risco de passar, o momento da sua consolidação.

Aproveitemos as horas que fogem. As horas que vivemos são de união. Unamo-nos. A união dos casados também, por vezes, tem a sua discordância; os irmãos também pugnam; as nossas discordâncias não devem significar desunião.

A coragem do povo, o esfôrço geral devem estar unidos, mas podemos discutir sem desfazer a estreita e necessária ligação. Se essa união agora existe, como é verdade, aproveitemo-la emquanto dura. Lancemos uma obra de consolidação republicana, mas ràpidamente, serenamente, com olhos de ver ao alto e ver ao longe.

Há muita pressa em chegar; meia dúzia do dias são demasiados pensa-se mas que fossem dez ou quinze, não seriam mal ocupados quando por êles se conseguisse uma obra duradoura.

Os que assim não pensam não sabem que nas páginas da História um século corresponde a um ano na vida dos homens.

Há pressa excessiva de chegar, repito.

"Devagar que tenho pressa", dizia o Marquez do Pombal. Devagar não é parar, é andar com ponderação, e, neste caso, como é pouco aquilo que temos de fazer, poucos dias bastam para a nossa obra.

Temos de proceder devagar e calmamente para que se não diga, e eu sou o primeiro a desmenti-lo, que êste Parlamento obedece a uma coacção. Trabalhemos nesta casa serenamente e não se inquietarão os Deputados, com o povo que nos vê, porque decerto o não confundem com uma matilha de lobos.

E o povo da República, iluminado de fé, generoso e bom, capaz de retribuir toda a lealdade, todo o esfôrço bom e justo que se lhe ofereça ou depare.

A matilha é outra - conhecemo-la todos - a matilha é a malaventurada e faminta coorte dos monárquicos; são êsses os que espreitam as nossas discórdias e os nossos erros porque deles ainda esperam, mais do que das virtudes próprias, o proveito para as suas ambições e veracidades.

Não erremos mais uma vez!

Sem censura para ninguém o digo: nós temos errado muito.

Pois se eu apresento à Câmara a forma de conseguir honestamente a solução do futuro do dia de amanhã, não me venham dizer que a correr, por um golpe brusco e ilegal, se não conseguiu obra melhor

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do que esta que, com um pouco de trabalho, se consegue, produzindo uma lei sumária que, por muito tempo, resolveria a questão constitucional portuguesa, mais complicada e embaraçosa do que muita gente imagina...

A Constituição em vigor teve várias modificações que lhe foram introduzidas por vários decretos hoje em vigor também que profunda e radicalmente a alteraram.

Iniciar já à louca, por um simples facto, sem. fundamento legal, a aplicação do princípio da dissolução, sem ser tomada uma deliberação sôbre os diplomas em vigor, é grave êrro.

De duas uma: ou se escorraça um poder pela violência da rua ou então rompem-se as grilhetas da lei e, por meio dum golpe de Estado, faz-se o que serena e ràpidamente, por uma deliberação parlamentar, se podia fazer. E então, em qualquer dos casos, antevejo que as incertezas e maldades do passado voltariam a esta terra, já tam ferida, já tam magoada pelas mães dos seus próprios filhos que, tanto a querem, por veses, sem saber que tam mal a tratam...

Voltemos ao assunto, voltemos à lei eleitoral.

Por um decreto, cuja data não vem para o caso, foi estabelecido em Portugal o sufrágio universal, que está em vigor. Sufrágio universal, no seu verdadeiro sentido, não o temos, mas foi estabelecido um sufrágio mais amplo do que existia na lei anterior; é êste que se chama sufrágio universal, e por êle são ampliadas as condições de inscrição nos cadernos do recenseamento eleitoral.

Esta doutrina do sufrágio universal, que nos interessa a todos aqueles que estudamos direito público - e que nas horas vagas a lemos por curiosidade e necessidade - foi um lema que, durante muito tempo, figurou nos programas dos partidos radicais avançados.

No tempo da oposição contra a monarquia, o Partido Republicano reclamou que o povo fôsse consultado na urna, na sua totalidade, na sua massa. Dizia-se que não se podia suportar a existência de privilégios à face da urna, o porque as leis obrigavam a todos, todos tinham o direito de votar. A Pátria tanto pertencia ao rico como ao pobre. Nem privilégios que se baseassem na instrução, nem privilégios que se baseassem na riqueza.

O próprio mendigo tinha interêsse na sua Pátria. Se era pobre, desprovido de riquezas, para essa Pátria podia concorrer com o esfôrço do seu patriotismo, do seu braço e, por conseguinte, tinha o direito de intervir na administração do seu país. Isto representava a verdade em teoria, a pureza dos princípios. Mas neste assunto, como em muitas cousas, quem obedece ao mando dos imortais princípios muitas vezes se vê em dificuldades quando efectiva um pouco do seu sonho, quando torna em realidade o fruto da sua imaginação, devido a falta de base prática, indispensável às cousas terrenas.

As leis são feitas para os homens que têm de contar com o terrível factor da própria imperfeição quando as põem em execução.

E assim essa lei do sufrágio universal que os radicais dos áureos tempos consideravam avançada, é hoje considerada por muitos radicais como uma lei conservadora.

O resultado prático creio bem que não corresponde ao que dela se esperava. O proletário produz nas urnas votos conservadores e até votos reaccionários.

Em Espanha, um político cuja acção nacional não aprecio porque não devemos apreciar no Parlamento Português os políticos estrangeiros, como êles nos seus parlamentos não devem publicamente apreciar os nossos, Maura, conservador, sustentou e defendeu o princípio do sufrágio universal, o sufrágio universal amplo, extensivo às classes pobres, e até com a obrigação de votar.

Todas as cousas más e boas dêste mundo se envolvem, como é necessário, ou no papel dourado das afirmações agradáveis, ou no papel pardacento das apreciações desagradáveis.

Sustentava Maura que o sufrágio obrigatório proporciona educação ao povo, obrigando-o a interessar-se pelos problemas nacionais, obrigando-o a procurar pelo estudo a solução dêsses problemas.

Dizia também que o sufrágio universal era afinal uma medida radical e que, embora conservador, considerava-o tam consentâneo com os supremos princípios de direito público, que defendia, apesar de

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conservador, a necessidade de se fazer a lei do sufrágio universal.

Realmente, e não vai desrespeito nas minhas palavras, o invólucro da lei maurista estava bem dourado, mas viu-se na prática que eram discursos com que se embrulhava um pouco o rebuçado conservador, ao serem descobertos mostravam um produto um pouco azedo. Viu-se então que a boca da urna consultada pelo sufrágio universal produz ia reacção e retrocesso, porque o povo analfabeto de Espanha como o povo analfabeto de Portugal, acompanha o cacique, o "galopim" como lho chamavam no tempo da monarquia que hoje na República, modificado o nome, se chama "influente político".

E o cacique quem manda, manda o senhor do campo e manda o patrão da oficina; porque têm de lhes obedecer aqueles que lhes devem o pão da boca.

Desta maneira, o voto dum rico reaccionário transforma-se, mercê do sufrágio universal, em 400, 500, 1:000, eu sei lá quantos votos de analfabetos ou famintos!

Por isso a República Portuguesa compreendendo de princípio, pela inteligência dos seus políticos, a gravidade do voto ampliado, não quis estabelecer para êste povo que não eslava educado ainda na escola da verdadeira democracia êsse decantado sufrágio universal, e pela boca dos seus políticos afirmou que êle só poderia vigorar no dia em que cada rua tivesse uma escola, e cada logarejo de aldeia, um professor.

Êsse dia ainda não chegou; a República ainda o espera.

Deverá preguntar uma comissão nomeada pela Câmara, aos partidos políticos que não têm aqui assento, as organizações partidárias que devem ser ouvidas na solução dêste magno problema se entendem que o sufrágio universal deve continuar estabelecido em Portugal porque êste povo já está suficientemente preparado para, consciente do seu voto, incorruptível nas suas deliberações, ir lançar a sua vontade - e só essa na boca da urna?

Esta discussão talvez a muita gente pareça falha de interêsse. Na minha boca então parece sonolenta. Parece-me ver daqui um digno Deputado em termos de adormecer....

Mas, realmente! julgo que os jornais poderiam vir de vez em quando arrancar uma coluna, meia coluna, para a discussão dêstes problemas que pela sua solução podem trazer em grande parte o sossêgo e a tranquilidade à nossa pátria.

Nós que nos dizemos intelectuais, nós que. nos dizemos políticos, pelo respeito que devemos a nós próprios devemos procurar solucionar esta questão à vontade e ao sabor da nação soberana, porque só lhe não obedecêssemos fomentávamos os golpes o desmandos contra a lei que produzíssemos, e a suprema garantia duma democracia é a lei. Maltratá-la é maltratar a República!

Consultemos através da comissão constituinte, para conhecer suas opiniões, as correntes partidárias que não têm aqui assento, sôbre as alterações que porventura elas possam apresentar, e pregunte-mos-lhe: Entendem que o sufrágio universal devo manter-se? Entendem que êle não deve ser conservado na lei?

A Câmara é mandatária da vontade nacional, por isso devem-lho obediência, o temos de conhecer essa vontade para lhe obedecer.

E mal de nós todos se algum dia os procuradores não obedecerem aos mandantes, mal de nós todos se algum dia aqueles que servem não obedecem ao seu amo!

Nós estamos aqui para servir a Nação, para obedecer às indicações da República que está acima de nós todos...

Terceiro assunto surge agora ao meu exame e êste mais grave que os outros.

Além do princípio do sufrágio universal, foi introduzido no nosso mecanismo constitucional, por virtude duma lei impropriamente chamada eleitoral, uma forma de organização parlamentar absolutamente diversa de todas as que existiram em Portugal. O Parlamento da monarquia desdobrava-se em Câmara dos Pares e Câmara dos Deputados.

A Câmara dos Pares era um pouco mais conservadora, era de nomeação régia, e por herança se adquiriam alguns dos lugares dessa Câmara; a Câmara dos Deputados era de eleição. O Congresso da República êsse é todo formado por eleições, possuindo agora o Senado uma representação de classes.

Não discuto se essa representação colhida em teorias e doutrinas de Oliveira

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Martins representa uma corrente que a opinião republicana aceita ou não aceita, por mim não serei por ora juiz nesta causa, reservo-me para quando o assunto chegar à tela da discussão e então com a franqueza com que sempre costumo apresentar as minhas ideas direi à Câmara o que penso sôbre o assunto.

O que é certo é que o Senado existe assim.

Vamos nós deixar ficar êsse Senado ou vamos transformá-lo?

O futuro Senado será como êste ou terá outro modelo, outro figurino?

O Sr. Cunha Lial: - O facto do nós estabelecermos o princípio da dissolução obriga o Govêrno a dissolver logo o Parlamento?

Não poderá ficar um intervalo de tempo se as circunstâncias assim o aconselharem, necessário e suficiente para fazer todas as alterações?

O Orador: - Nesse ponto talvez S. Exa. ande mais devagar do que eu. Eu ando mais depressa. Ponho todas as questões na tela da discussão desde já. Resolvam-nas, são três. Porque havemos do resolver só uma e guardar para depois as outras?

Se esta situação parlamentar não corresponde à existente situação política, se estamos vivendo, não digo em êrro, mas numa atmosfera que não é regular, se esta Câmara não é a verdadeira, representante da vontade nacional, porque esta apresenta mais opiniões que aqui não estão representadas, para que havemos de continuar numa longa discussão tratando dêstes assuntos, ou quaisquer outros. Não, não, devemos ouvir todos, consultar todos, e sair depressa para que todos venham depois deliberar nesta Casa!

Creio bem que tenho razão e quando a não tenho curvo-mo à fôrça dos argumentos e confesso: não tenho razão. Não sôfro com isso. Eu, que não sou a perfeição humana, tenho vontade de ser êste tipo de homem que confessa o seu êrro; mas agora, visto que não estou em êrro...

Não falo, não posso falar como Deputado da Nação ao fácil sabor de correntes ingénuas, simplistas, que me vitoriassem, me levantassem nos braços, dizendo-lhes: vamos ao Parlamento, atiremos aquilo abaixo, acabemos com isto, empregando adjectivos terríveis para definir o Parlamento.

Isto é muito fácil de se fazer. Para deitar abaixo é facílimo. Deitar abaixo é uma cousa; demolir é outra.

Quem faz uma demolição, pode aproveitar os materiais para edificação do futuro; quem deita abaixo, bruscamente, não encontra nada sob as suas mãos. Cinzas, desgraças, foi o que espalhou.

Depressa, não; devagar. Devagar, aproveitando a vontade e o desejo de acertar, que claramente existem. Perdoem-me os que me escutam e V. Exa. que pela preocupação de ser ouvido eu envolva num pouco de brilho, num pouco de beleza, as minhas palavras...

Voltemos da digressão para o Senado. Êste Senado, tal como está constituído - e um digno Ministro socialista me escuta e poderá responder - representa apenas correntes conservadoras, ou pode, com ligeiras modificações, representar também as organizações operárias, que, dentro da vasta organização geral, existem num estado moderno e devem, com justiça, ser tomadas em conta?

O modo de fazer, de pôr em prática, às vezes, transforma, completamente, uma teoria, um princípio.

Um automóvel inutilizado trabalha por vezes com um simples parafuso a mais, mas, apenas êsse parafuso desapareça, deixa do trabalhar. No caso que se dá com o actual Congresso.

Talvez trabalhe melhor agora com a representação de classes o Senado. Classes, sindicatos operários organizados podem realizar a obra de organização republicana. Êles têm o direito, porque existem como fôrças de ser reconhecidos na vida duma Nação.

Todos quanto dentro da República, dentro da ordem, se organizem em classes devem ser escutados e atendidos nos seus interêsses colectivos.

A reunião do povo que trabalha, com base na natural afinidade da profissão, não deve ser proibida, antes pelo contrário, dignifica e tonifica a profissão que assim se vê representada num vasto organismo, e revigora aqueles que pertencem à colectividade.

Eu, Sr. Presidente, não sou suspeito, falando assim, porque nunca defendi ra-

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dicalismos extremos. Sou conservador, mas desejo e fomento na medida das minhas fôrças a verdadeira e equilibrada organização sindical dos proletários, das classes trabalhadoras.

A verdadeira, honesta e sã política é feita de transigências; é esta a verdadeira política elevada, porque ela procura não deformar o existente, mas modificar e orientar.

A representação do classes que já existe no Senado devo manter-se ou tem de ser posta de parte?

Se é cousa que se devo deitar abaixo, um simples artigo do lei basta para a desfazer; um simples artigo basta para revogar toda a organização actual. Mas se esta obra legal - e por amor da República não nos habituemos a ver as obras legais só pela sua origem, mas saibamos ver tambêm o que elas representam, sem preocupações pessoais miseráveis, porque da mão de um negro, por exemplo, pode sair uma obra branca.

Se esta obra legal, repito, produz resulados vantajosos, para que havemos de demoli-la?

Esta lei do Senado com ligeiras modificações, podia ser aproveitada, mantendo no Congresso uma representação de classes. Aqueles que pensam como João Chagas que a República em Portugal deve ser social, quando não deixará de ser República, com certeza me concedem razão.

Os radicais hão de querer a representação dos sindicatos extremos pulverizados e não a representação que significa uma verdadeira expressão de fôrça colectiva. Oiçamos suas razões, para que de lado a lado se transija em comum acordo e encontro de vontades.

Sr. Presidente: são estas considerações, que já vão muito longas, mas que justifico por um são e honesto desejo de acertar, que mo permitem apresentar à Câmara a proposta que a seguir vou ler. Pode ser que o seu cumprimento demore, mas essa demora será uma questão de dias.

Não corramos, repito, demasiadamente depressa, mas também não andemos muito devagar.

Resolvido apenas o problema da dissolução, ficariam por resolver outros problemas de não menor importância.

Não se dirá que com esta minha proposta procuro, porque não quero nem nenhum de nós o deseja, adiar o problema, antes pelo contrário, vou ao encontro dele claramente como existe, sem o mutilar. Não vou cerzi-lo ao sabor fácil das consciências, nenhum de nós quero agradar por todo o preço a uma popularidade que pode amanhã, desfazer-se. A justiça espreita-nos sempre. O povo sabe fazer justiça a quem a merece, e quando chegar o momento de apreciar a nossa obra, ela há-de ser considerada como honesta, só honestamente a houvéssemos realizado. No acaso esta minha proposta demorasse demasiado a resolução do assunto, a mesma soberania nacional, amanhã, pelos seus órgãos na imprensa e pelas manifestações da rua, nos daria a entender o que deseja pela sua voz, do povo da cidade e das províncias, que também fala e tem voto dentro da República- das províncias que pelas suas próprias mãos arrancaram do seu seio o cancro monárquico. Se todo êsse povo a não aceitasse, então a minha proposta teria falhado. Como acredito na boa intenção de todos, creio que ela dará resultado.

São estas, Sr. Presidente, as considerações em que baseia a proposta que vou ter a honra de mandar para a Mesa.

Sr. Presidente: alguns Srs. Deputados dêste lado da Câmara acompanham com a sua assinatura esta proposta, que tenho a honra de submeter à deliberação da Câmara.

Tenho dito.

A proposta é a seguinte:

Proposta

A comissão constituinte será imediatamente convocada para reunir e deliberar com o número dos seus membros que compareça e incumbida de apresentar um projecto de lei em que se contenha o princípio da dissolução e se decidam os assuntos constitucionais e eleitorais a que se referem os decretos n.ºs 3:907, 3:933 e 3:997.

Fica a comissão autorizada a ouvir os representantes das organizações partidárias integradas na República que não têm representação nas Câmaras.

Esta comissão procederá com a máxima urgência na realização dêstes traba-

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lhos. - Adriano Marcolino de Almeida Pires - Amâncio de Alpoim - Maurício Costa - Alfredo Machado - Féria Teotónio - João Calado Rodrigues - António Bernardino Ferreira - Domingos de Magalhães - Afonso José Maldonado - Eduardo Fialho da Silva Sarmento - Carlos Alberto Barbosa.

O Sr. Presidente. - Não há na sala número, sequer, para a sessão funcionar e muito menos para que ela possa deliberar.

Em todo o caso, se V. Exas. assim o entenderem, eu dou-lhes a palavra para fazerem as suas considerações.

Tem a palavra o Sr. Joaquim Crisóstomo.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: mais uma vez triunfou brilhantemente a causa da República, sendo esmagados e derrotados os seus desliais, infames e traidores inimigos.

Extremaram-se os campos, definiram-se as situações, acabaram-se os equívocos.

Dum lado a alma nacional pugnando e lutando pela defesa dum regime de trabalho, de ordem, de progresso e de moralidade; doutro lado o espectro da reacção tentando e diligenciando envolver no seu manto negro de luto, crepe e desolação, a consciência dum povo que deseja ser livre, independente, nobre e honrado.

A aventura monárquica não se justifica nem se explica, quer no campo dos princípios, quer no vasto domínio das realizações práticas.

Em toda a parte do mundo civilizado hoje as monarquias tendem a ser substituídas pelas formas de governo democráticas, sobretudo pelas Repúblicas. Foi o que sucedeu na Rússia, na Alemanha e muitos outros pequenos Estados europeus.

Entre nós a restauração monárquica seria puramente efémera, pela ausência de ambiente social apropriado que lhe permitisse viver, progredir e manter-se.

Os altos e relevantes serviços prestados pelas actuais instituições ao país, de natureza económica, administrativa e política, fomentando a riqueza pública, defendendo a instrução, alargando as liberdades, intensificando a agricultura, o comércio e a indústria e ainda aprimorando as artes, as letras e os ofícios, criaram tam profundas raízes no íntimo da consciência colectiva, que em cada honrado cidadão português a República encontra um soldado, um herói decidido a expor o peito às balas e a derramar a sua última gota de sangue para a defender e salvar.

Os couceiristas eram numerosos, dispunham de boas armas, de importantes munições e estavam senhores do norte do país; não obstante, foram vencidos, pulverizados, aniquilados em poucas horas. E porquê?

Única e exclusivamente porque lhes faltava atmosfera moral apropriada.

O ódio ao jesuíta e ao reaccionário que são as bases, os alicerces, os esteios das monarquias autocratas e retrógradas, não permitirão nunca mais a restauração em Portugal dum regime opressor, que êle seja representado por Aires do Ornelas, por Moreira de Almeida, ou por qualquer sucessor do célebre padre Matos.

O povo português exerce a sua soberania de harmonia com os seus sentimentos, idiais e aspirações, reagindo enérgica e eficazmente contra a tirania pessoal dum soberano, e ao mesmo tempo abraçando com fé, com ardor, com entusiasmo as benéficas e salutares doutrinas da solidariedade e fraternidade.

Sr. Presidente: vou agora dirigir-me ao Govêrno.

Vencidos os monárquicos pelas armas, torna-se absolutamente necessário que o sejam igualmente no campo do direito e da lei. Urge promulgar, sem perda de tempo, um conjunto de medidas tendentes a obrigá-los a indemnizar o Estado dos prejuízos sofridos e ainda afastá-los, como se fez em 1915, dos serviços públicos. Os monárquicos, isto sem idea nenhuma de perseguições, devem, para todos os efeitos, pelo menos nos primeiros tempos, ser considerados verdadeiros traidores à pátria, e nessas condições, uns tem de ser privados de residir em Portugal, outros degredados para a África, outros metidos nas cadeias e outros riscados da lista dos funcionários do Estado.

Todos os que colaboraram no último movimento revolucionário, ou seja pegando em armas ou seja fornecendo dinheiro, ou intervindo nos comités destinados a aliciamentos, devem ser desapossados.

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18 Diário da Câmara dos Deputados

duma parte das suas fortunas e dos seus haveres, a bem da receita do Estado.

Quanto à dissolução, assunto largamente versado nesta sessão, devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que concordo em absoluto com ela.

Mas a dissolução tem de ser encarada, nesta conjuntura, sob dois aspectos, a dissolução em princípio e a dissolução imediata. Quanto à dissolução em princípio, estamos todos de acordo e creio que não há um único membro do actual Congresso que não a vote. Quanto ao segundo aspecto é que uns entendem que a dita solução deve ser dada na devida oportunidade e outros sustentam que está terminada a missão dêste Parlamento. Qual das duas opiniões será a verdadeira ou a melhor?

Cada um tem os seus sentimentos e o seu modo de ver individual.

Há ainda quem se deixa, obsecar pelos seus interêsses, de natureza paramente particular.

Para muitos parlamentares a dissolução imediata importa a perda do sou mandato e a liquidação completa o definitiva da sua efêmera influência política.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Devo dizer a V. Exa. que ao tratar dêste assunto só vejo o interêsse da República.

O Orador: - Basta que V. Exa. o afirme, mas a verdade é que a dissolução não convêm a 95 por cento dos actuais congressistas.

Sr. Presidente: indubitavelmente divergem as opiniões.

"E repito, quais são os que defendem a melhor doutrina?

Afigura-se-me difícil a resposta.

O Sr. Alpoim versou muitos assuntos que se prendem com a dissolução imediata. Esta importa fatalmente a realização de eleições dentro de um ou dois meses.

Como se fazem?

Com que lei eleitoral?

Com uma lei decretada pelo Govêrno?

Nesse caso o Ministério entra numa ditadura injustificável e irritante.

Na minha opinião o Parlamento o que deve fazer é votar já o princípio da dissolução, e uma lei eleitoral para as futuras eleições. Isso consegue-se em poucos dias.

Na última sessão não pude usar da palavra, visto que, em sinal de regosijo pela derrota dos monárquicos, e por proposta do Sr. Cunha Liai, ela foi levantada antes do falarem todos os oradores inscritos. Aproveito, portanto, o presente ensejo para saudar com todo o entusiasmo o heróico povo português, o nosso brioso exército de terra e de mar, que tam gloriosamente souberam cumprir o seu dever, erguendo bom alta a bandeira da República que nem hoje, amanhã, e sempre, o símbolo da liberdade, da paz, da justiça, do direito e da civilisação.

Tenho dito.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: propositadamente para frisar o facto de não se encontrarem nesta sala quási nenhuns Srs. Deputados, eu pedi a palavra.

Sr. Presidente: o espectáculo que esta, Câmara está dando justifica toda a desconfiança que existe acêrca da proficuidade dos nossos trabalhos.

Ela nunca teve constância nem para suportar o calor, nem para se sujeitar a um continuado esfôrço.

Durante três longos meses a Câmara se absteve de trabalhar, porque a canícula era horrível e a representação nacional tinha modo de suar.

Agora, logo pelas 18 horas menos um quarto, a representação nacional some-se pelo buraco do ponto, o que dá a todos nós a impressão de que efectivamente o trabalho não foi feito para incomodar demasiadamente a Câmara dos Deputados.

Bastava êste simples facto, para justificar todas as desconfianças.

Vou dizer poucas palavras, porque para poucas mais eu pedi a palavra.

É êste o espectáculo que querem continuar a dar ao país?

Querem que o país assista a êste vazio da sala, verificado pela fuga de grande parte dos Sr. Deputados, logo que a sessão não acabe por volta das 16 horas, por falta de número?

Não é a própria Câmara que quere fazer perder a si própria, o pouco prestígio que ainda lhe resta?

Quantas sessões se realizaram desde 28 de Abril, até hoje?

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Sessão de 18 de Fevereiro de 1919 19

Poucas. Talvez não se chegue a contar duas dúzias.

E é então com uma Câmara que mostra assim tanto desejo de trabalhar, que nós queremos continuar a nomear mais comissões para o estudo de projectos, ou aproveitar comissões que eu não sei se ainda existem?

E não sei se existem, porque a verdade é que vem aqui diariamente apenas uns vinte representantes do país.

É isto o que desejam?

E admiram-se então que o público diga que aqui não se trabalha, e que se revolte contra êste espectáculo desolador!

E por isto que eu sou de opinião contrária à do Sr. Deputado Alpoim, porque a sua proposta só faria protelar a solução dum problema que já não suporta mais adiamentos.

Não devemos dar ao país a impressão de que queremos mais uma vez embrulhar a questão da dissolução do Parlamento em trabalhos de comissão.

Não percamos tempo, não continuemos a dar êste triste espectáculo.

Êste desinteresse dos membros da Câmara é o golpe de Estado mais terrível que se pode dar.

Nada pior, mais vergonhoso do que a Câmara suicidar-se desta forma.

A continuar isto assim, os poucos Deputados que trabalham, são obrigados a ir-se embora, reconhecendo que nada tem aqui que fazer.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Ninguêm mais do que eu lamento a falta de número, mas é preciso notar que presentemente muitos Srs. Deputados estão no Norte, no campo da luta, outros estão em serviços importantes.

O quorum tem baixado muito.

Vou mandar expedir uma circular-telegrama a todos os Srs. Deputados, para comparecerem o mais ràpidamente possível.

Eu vou desde já marcar para amanhã a reunião da comissão que há-de tratar do exame dos projectos da Constituição, a ver se ràpidamente poderemos produzir trabalho útil.

Marco a sessão para quinta feira.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - É para amanhã que V. Exa. marca trabalhos em comissões?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor, é para amanhã que marco trabalhos em comissões, e sessão para quinta feira com à mesma ordem do dia que estava marcada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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