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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 15

EM 27 DE JUNHO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
António Marques das Neves Mantas

Sumário. - Procede-se à chamada, a que respondem 46 Senhores Deputados. É lida a acta, que se aprova sem discussão quando se verifica a presença de 67 Senhores Deputados. É lido o expediente. São admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".

Antes da ordem do dia. - O Sr. Estêvão Aguas advoga os interêsses da província do Algarve, que representa. O Sr. Costa Júnior pede que lhe sejam enviados os documentos que requereu. O Sr. Eduardo de Sousa insta pela entrega do "Diário das Sessões" aos Srs. Deputados, nos termos regimentais. O Sr. Alves dos Santos insta pelo regresso a Coimara do batalhão de infanteria 35, que esteve combatendo em França, e envia para a. Mesa um projecto de lei que transforma em cooperativas de consumo os celeiros municipais. O Sr. Manuel José da Silva (Porto) trata da regulamentação das horas de trabalho. O Sr. António Mantas refere-se às nomeações que ultimamente se fizeram para professores primários superiores, renovando um requerimento em que pede documentos a êsse respeito. Faz tambêm considerações sôbre escolas normais, terminando por apresentar uma proposta. O Sr. Alberto Xavier entende que se deve abrir um debate especial sôbre a matéria de que tratou o Sr. Mantas, pois que por todos os Ministérios se tem faltado ao artigo 49.° da Constituição. O Sr. Vitorino Guimarães é de opinião que o debate se realize em seguida à ordem do dia que se encontra marcada, estando a maioria democrática de acordo em que o assunto deve ser discutido no Parlamento. O Sr. Jaime Vilares ocupa-se da questão das quedas de água e da produção e comércio do volfrâmio e do estanho, terminando pela apresentação de um projecto de lei.

Ordem do dia. - O Sr. Velhinho Correia requereu que se inverta a ordem do dia, passando para a primeira parte o comércio das oleaginosas. O Sr. Brito Camacho protesta contra o facto de se pôr de lado a questão académica, que é urgente. O Sr. Presidente dá explicações. O Sr. Eduardo de Sousa faz considerações sôbre as matérias da ordem do dia. Procede-se à votação do requerimento do Sr. Velhinho Correia, fazendo-se contagem, requerida pelo Sr. Eduardo de Sousa. É aprovado o requerimento do Sr. Correia.

O Sr. Ladislau Batalha continua as suas considerações sôbre o projecto de lei referente ao comércio das sementes oleaginosas.

Declara-se constituída a comissão de pescarias. É apresentado um parecer da comissão de Regimento acerca de uma proposta do Sr. Deputado Campos Melo.

Continuando a discussão das oleaginosas, usada palavra o Sr. Velhinho Correia, que fica com ela reservada.

Segunda parte da ordem do dia. Questão do dezembrismo. - O Sr. Eduardo de Sousa apresenta e justifica uma, moção de ordem, que monda para a Mesa. Fica com a palavra reservada.

São aprovadas as emendas do Senado à proposta dos duodécimos.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Campos Melo troca explicações com o Sr. Presidente acerca do destino duma proposta do Sr. Manuel José da Silva (Deputado pelo Pôrto).

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 29, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Documentos mandados para a Mesa. - Projectos de lei. Proposta. Comunicação. Requerimentos.

Abertura da sessão às 15 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.

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2 Diário da Chamara dos Deputados

Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo o Sousa.
Álvaro Pereira Guedes.
Angelo do Sá Couto da Cunha Sampaio e Maia.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Bastos Pereira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António da Custa Godinho do Amaral.
António Dias.
António José Pereira.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Saverino.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Cruz.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Daniel Leote do Rogo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Loureiro da Rocha Barbosa e Vasconcelos.
João Teixeira de Queiroz Vau Guedes.
João Xavier Camarate Campos.
Joaquim de Araújo Cota.
José António da Costa Júnior.
José Domingos dos Santos.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio do Patrocínio Martins.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mem Tinoco Verdial.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António da Costa Ferreira.
António Francisco Pereira.
António Joaquim Granjo.
António José do Almeida.
António Maria Pereira Júnior.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Eduardo Cerqueira Machado da Cruz.
Francisco José Martins Morgado.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Ribeiro Gomes.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Gregório do Almeida.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.

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Sessão de 27 de Junho de 1919 3

Manuel de Brito Camacho.
Manuel José da Silva.
Raúl Lelo Portela.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso Augusto da Costa.
Albino Vieira da Rocha.
Álvaro Xavier de Castro.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo Alvos de Sousa Vaz.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Pires de Carvalho Júnior.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Rebelo Anceda.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garços.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco Luís Tavares.
Francisco de Sousa Dias.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Henriques Pinheiro.
João Lopes Soares.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Garcia da Costa.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Monteiro.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Leonardo José Coimbra.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Manuel Justino de Carvalho Pinto Coelho Valo e Vasconcelos.
Manuel Ribeiro Alegre.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Nuno Simões.
Plínio Octávio da Conceição Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Xavier da Silva.

As 14 horas e 45 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 46 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

Eram 15 horas e 8 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.

Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguêm pede a palavra, considero-a aprovada.

Vai ler-se o

Expediente

Ofícios

Do Ministério do Interior, remetendo a acta de apresentação de candidaturas a Deputados pelo círculo n.°41 - Horta.

Para a Secretaria.

Para a terceira comissão de verificação de poderes.

Do Ministério do Interior, comunicando a resposta dada pela Imprensa Nacional sôbre o pedido de vários Srs. Deputados para que lhes sejam fornecidos exemplares do Diário do Govêrno.

Para a Secretaria.

Para a comissão administrativa.

Telegramas

Machico (Madeira) - Exmo. Presidente Câmara Deputados - Lisboa. - Câmara municipal concelho Machico achando ruinoso decreto n.° 5:376 de 9 Abril último, protesto perante V. Exa. contra referido decreto em nome agricultores dêste concelho. - Presidente, Carmona.

Penedono - Exmo. Presidente Câmara Deputados. - Empregados administração concelho Penedono, solicitam V. Exa. deferimento suas justas reclamações sôbre melhoria situação tam crítica momento presente.

Rio de Janeiro - Coronel Sá Cardoso - Câmara Deputados - Lisboa. - Grémio Republicano chama atenção Câmara caso agência. Presidente Câmara comércio por-

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4 Diário da Câmara dos Deputados

tuguesa pedem demissão ser á acompanhado outros directores. Entrega agência banco estrangeiro causa descontentamento geral. Nosso presidente tambêm demissionário. Apelamos patriotismo Congresso Nacional. - Directório.

Segundas leituras

São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno":

Projecto de lei dos Srs. Deputados Maldonado de Freitas o Francisco José Pereira elevando do 50 por cento a 100 por cento - o adicional respectivo ao empréstimo para a construção do edifício para a Escola de Farmácia.

Para a comissão de finanças.

Idem, do Sr. Deputado Domingos Cruz, sôbre a promoção e antiguidade dos oficiais que, tendo sido milicianos, competiu a promoção ao pôsto imediato antes da sua passagem ao quadro permanente.

Para a comissão de guerra.

Idem, do Sr. Deputado Campos Melo, concedendo uma pensão à viúva de Francisco Cardoso, sargento músico de infantaria n.° 21.

Para a comissão de guerra.

Antes da ordem do dia

O Sr. Estêvão Águas: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta casa do Parlamento, permita-me V. Exa. que lhe dirija as minhas homenagens de respeito e de consideração, pelas altas qualidades que exornam o vosso carácter, as quais há muito tempo me acostumei a respeitar e admirar.

E permita-me mais V. Exa. que enderece tambêm os meus cumprimentos a todos os lados da Câmara, que o mesmo é dizer a todas as facções políticas que nela tem assento, e com quem desejo trabalhar para o bem da Pátria e da República.

Sr. Presidente: pedi a palavra porque pretendo juntar aos clamores feitos no Parlamento, por alguns Srs. Deputados, acerca das necessidades das várias regiões que êles representam, tambêm os clamores da região que eu aqui represento, e que é a província do Algarve, província que tem muita razão de lamentar-se pelo esquecimento a que tem sido votada desde há muitíssimo tempo e pela inconsciência e o desconhecimento com que todos os nossos homens públicos, que têm gerido os destinos do país, a têm mimoseado.

Vem de tempos antigos, Sr. Presidente, essa situação, porque a representação daquela província era feita no extinto Ministério do Reino, de maneira que o seu representante, não sendo natural do Algarve, não se importando com as necessidades mais urgentes da região, e tendo em mim apenas elevar a sua importância individual, pouco ou nada tratava dos interêsses do Algarve, e somente cuidava da sua pessoa, para se cercar daquela auréola que têm sempre as pessoas que podem arranjar empregos.

A respeito de assuntos importantes não se importava com êles o representante do Algarve, e a província, diga-se a verdade, ia-se acostumando a êsse mau estar, tratando apenas do pedir tambêm empregos.

Passado aquele tempo, vindo a República - tristo é dizê-lo - a província, eivada ainda um pouco dos vícios anteriores, dirigia-se aos poderes públicos a fazer pedidos idênticos, com a diferença porém que é por intermédio das comissões.

Já procura assim, pelos seus organismos, fazer chegar a sua voz até onde pode já obter alguma cousa do que deseja.

Mas o esquecimento ainda é bem patente por parto dos nossos homens de governo. Não faço acusações gratuitas. Há muitos factos que conheço, de que, prometendo não maçar a Câmara, porque serei breve, citarei alguns, para provar o meu asserto.

Aí por 1917, meados do ano, quando todo o país se via a braços com uma grande dificuldade no que diz respeito a subsistências, aquela província do Algarve não tinha trigo suficiente para o consumo da sua população, porque a sua produção dá, se tanto, para dois meses unicamente. Ora, sendo uma região com 272:800 habitantes, segundo o censo de 11911, e faltando-lhe o cereal de panifica-

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ção para dez meses, a autoridade superior do distrito pediu, janto do Ministro respectivo, para que do distrito de Beja l saísse trigo em quantidade suficiente para as necessidades daquela parte do país.

A resposta que obteve foi: não pode sair trigo algum para a província do Algarve, porque essa província está abarrotada de trigo.

Interrogado o Sr. Ministro respondeu que, peia serra de Serpa, a província do Algarve fazia contrabando de trigo a tal ponto que tinha abarrotado todas as povoações.

Ora, se isto não fôsse suficiente para provar a inconsciência com que tal se diz, ou o desconhecimento que se tem da província do Algarve, não se avançava ao ponto de se dizer que pela serra de Serpa, a dorso do cavalgadura, era transportado trigo de contrabando que para chegar a abarrotar a província, como se declarava, era necessário que êsse transporte se elevasse a milhões de quilogramas de trigo. Isto é o bastante para provar a inconsciência com que muitas cousas se afirmam.

O que deu em resultado êste pseudo-contrabando de trigo?

Foi para cobrir o verdadeiro contrabando duma autoridade que não queria que saísse trigo de Beja para o Algarve. Reconhecida essa falsidade, essa autoridade teve depois o prémio dos seus serviços: foi exonerada.

Um outro facto se deu pouco mais ou menos na mesma ocasião. Foi deter minado que não se exportassem os produtos algarvios, como a alfarroba, o figo e a amêndoa. Estava verdadeiramente abarrotando - e aqui tem lugar o termo - dêsses produtos a província do Algarve. Veio a autoridade administrativa do distrito e pediu para que não se fazendo a exportação por completo, como se costumava fazer nos anos anteriores, ela fôsse até metade da produção. Foi entravado êste pedido. Entrou-se em negociações, até que se chegou à conclusão de que milhões de quilogramas, ou sejam 6:000 toneladas de figo seria suficiente exportação para ficar a província despejada dessa quantidade, ficando o restante para o consumo do país.

Note a Câmara que a alfarroba não teve concessão para sair em quantidade alguma, o que representa umas 20:000 toneladas.

Apresentaram-se depois, não sei porquê, certas dificuldades para a exportação dessa quantidade que tinha sido permitida, e voltaram com a palavra atrás, que só permitiam a exportação a quem, por requerimento, fizesse o pedido. Está muito bem; quem desejava exportar fez seu requerimento e no Ministério comitente foram concedendo autorizações de exportação. Sabe V. Exa. o que deu em resultado? Numa dada ocasião verificaram haver sido concedidas licenças do exportação que excediam duas produções.

Voltou-se atrás outra vez, convocaram-se os exportadores, reconhecidos como tal, Dará que não se fizesse jôgo com as guias de trânsito, e foi arbitrada a cada um dêles uma quantidade de exportação. Saiu assim algum figo.

Tendo lamentado êste facto, responderam-me o seguinte: "Não sabia que a província era tam rica!". Isto denota a inconsciência como se determinam certas ousas que são de importância e que constituem a riqueza da província e a economia do país.

Vejam pois, V. Exas., como está provada duma maneira irrefutável a asserção que acabo de fazer sôbre os inconvenientes que resultam do facto absolutamente condenável de se estar legislando para uma região de cujos interêsses e necessidades não há perfeito conhecimento.

Ainda acerca dêsses mesmos produtos, eu devo informar a Câmara de que durante a vigência do Ministério presidido pelo Sr. José Relvas foi empatada a exportação de alfarroba, havendo já do ano anterior 12:000 toneladas dêsse produto que, juntas às 20:000 da produção do ano passado, prefazem trinta e tal mil toneladas que, podendo ser exportadas na ocasião bastante favorável que então se proporcionou, o não foram em virtude da lei que o impediu, encontrando-se neste momento toda essa quantidade de alfarroba, que representa milhares de contos, a apodrecer. Factos dêstes só se podem dar pelo completo desconhecimento da parte de quem logista, dos vitais interêsses duma determinada região.

A respeito das conservas de peixe dá-se positivamente o mesmo. As fábricas ficaram pejadas de conservas pela súbita pa-

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6 Diário da Câmara dos Deputados

ralização da guerra, e o Govêrno nada fez de forma a evitar a situação verdadeiramente crítica em que se encontram. Foi necessário que os industriais fossem ao estrangeiro entender-se com os nossos representantes na Conferencia da Paz, para que se tentasse a colocação dessas conservas nos mercados dos países vencidos, visto terem sido êles os causadores das grandes despesas de material que tinham sido obrigados a fazer...

O Sr. Presidente: - Advirto V. Exa. de que já passaram OH dez minutos do que pode dispor para falar antes da ordem do dia.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a advertência que acaba de me fazer e vou, por isso, concluir as minhas considerações.

O Sr. Costa Júnior: - V. Exa. a cousa de falar na questão da pesca que é, incontestavelmente, uma das mais importantes para os interêsses do Algarve.

O Orador: - Já não disponho de tempo para o fazer. Reservar-me hei para outra ocasião.

Termino, Sr. Presidente, enviando para a Mesa um projecto do lei pelo qual passam para o Estado os encargos resultantes da conservação e reparação das estradas de 3.ª ordem, n.° 119 de Albufeira a Pêra e n.° 99 de Albufeira a Mastenda. Chamo para êste projecto a atenção da Câmara, visto que o Algarve desde 1860 se encontra numa perfeita desgraça no que diz respeito a rêde de comunicações, passando as estiadas a 5 e 6 quilómetros de distância das povoações, o que obriga a construção de ramais de ligação e por consequência a constantes reparações, à custa dos municípios já de si bastante depauperados e sem recursos.

Por hoje tenho dito, Sr. Presidente, reservando, como disse, para outra ocasião, considerações sôbre pescarias, cortiças, comunicações, etc.

O Sr. Costa Júnior: - Rogo a V. Exa., Sr. Presidente, que providencie para que me sejam enviados os documentos que requeri.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para solicitar de V. Exa. que, dê providências de forma a que eu receba os Diários das Sessões, pois até hoje ainda não recebi nenhum Diário das Sessões. Peço a V. Exa. para que se cumpra o § 3.° do artigo 173.° do Regimento.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - O Diário das Sessões, continua a ser distribuído juntamente com o Diário do Govêrno; todavia eu vou providenciar.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Tenho a informar o Sr. Costa Júnior de que ainda não chegaram os documentos que V. Exa. pediu.

O Sr. Costa Júnior: - Peço a V. Exa. para instar por forma que êsses documentos me sejam enviados o mais brevemente possível.

O Sr. Alves dos Santos: - Sr. Presidente: podia a V. Exa. para transmitir ao Sr. Ministro da Guerra o desejo que o batalhão do infantaria n.° 35 tem de entrar em Coimbra, na sua máxima fôrça, da mesma forma por que de lá saiu.

O Sr. Presidente: - Eu já fiz essa comunicação ao Sr. Ministro da Guerra.

O Orador. - Eu desejava saber se êsse pedido era ou não satisfeito, pois há grande desejo da parte dêsse batalhão de entrar em Coimbra como de lá saiu, e foi um dos que mais heroicamente se bateram em França.

Já que estou no uso da palavra, vou enviar para a Mesa um projecto de lei que transforma os celeiros municipais em cooperativas de consumo. Êste projecto tem grande alcance. Nós vamos entrar numa situação económica que tínhamos antes da guerra, voltamos à liberdade de comércio, mas, em virtude dessa moral que ontem o Sr. Aboim Inglês nos veio trazer, temos de nos acautelar, pois hoje o comércio já não se contenta com os lucros que tinha em 1914. É uma verdadeira ganância. Todos pretendem enriquecer ràpidamente, sem consciência absolutamente alguma pelas dificuldades do consumidor. É a febre da riqueza!

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Transformando assim, êstes celeiros em cooperativas de consumo, nós prestamos um grande benefício ao proletariado, dando satisfação às suas reivindicações.

Os serviços prestados pelo celeiro de Coimbra ao concelho são importantíssimos, sob o ponto de vista de abastecimento de arroz, farinha, milho, açúcar, etc.

O celeiro deve continuar a funcionar porque as circunstâncias em que êle foi organizado subsistem ainda e, portanto, deve subsistir êsse organismo.

O que me parece razoável, e sôbre isto já tinha trocado em Coimbra umas ideas com elementos operários, sobretudo com o Centro Socialista José Fontana, é êles assumirem a direcção dos celeiros como ensaio de socialização.

Encontrei da parte dos operários de Coimbra uma boa vontade em assumirem êsse cargo.

Êste regime em Portugal tem sido completamente descurado. Há uma falta enorme do documentos estatísticos pelos quais só possa saber se êste regime tem frutificado ou não, o quais as razões.

Consta-me que, pelo Ministério "dos Abastecimentos, se está tratando dum inquérito a êste respeito.

O Sr. Raul Tamagaini Barbosa: - V. Exa. dá-me licença?

No Pôrto há uma cooperativa de funcionários e o Govêrno nem sequer tem conhecimento da sua existência.

O Orador: - Eu conheço uma cooperativa de funcionários públicos que tem encontrado os maiores embaraços por parte do Govêrno.

Estos organismos podem prestar enormes serviços, pois evitam a acção dos açambarcadores. Mando, pois, para a Mesa um projecto de lei que transforma os celeiros municipais em cooperativas do consumo.

O orador não reviu.

O projecto foi mandado publicar no "Diário do Govêrno" e vai adiante pôr extracto.

O Sr. Manuel José da Silva (Porto): - Desejava que estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho ou o Sr. Ministro dos Abastecimentos, porque vou tratar de dois problemas, ambos êles de primacial importância para a vida económica do país.

Um refere-se à lei das oito horas de trabalho e à sua regulamentação, o outro relaciona-se com o regime das subsistências organizado pelo Estado, de maneira que tenho a infelicidade de falar sem que esteja presente nenhum dêsses ministros, e sem saber se realmente temos Govêrno que possa ouvir estas minhas considerações.

Mas em todo o caso sempre falarei, e para isto chamo a atenção dos Senhores Deputados, e em especial do sr. Aboim Inglês, que faz parte da comissão no meada para regulamentar a lei das oito horas de trabalho, porque o assunto é importante.

Decretou-se há pouco no nosso país a lei das 8 horas de trabalho; porém o que não se decretou foram medidas acessórias para tornar praticável e viável essas leis na mesma forma como existe na Inglaterra, na América, e actualmente na Suécia, ,isto é, por meio de contratos colectivos de trabalho, medida sem a qual a lei das oito horas de trabalho não pode ser eficaz. Em Portugal nada disso se tem feito; não se removeram os obstáculos que poderiam surgir e dificultar a lei, de maneira que temos as oito horas de trabalho decretadas, mas não tendo na presente ocasião a menor exequabilidade.

Citou factos. Não só não há contratos colectivos do trabalho regulamentados por lei, como tambêm acontece que sendo nas diversas regiões do país os costumes muito diferentes, seria necessário para cada região do país uma lei com condições diferentes.

Dá-se o seguinte caso:

A indústria da panificação em Portugal é exercida de noite. No estrangeiro já tem sido suprimido êsse preconceito. Na própria Espanha já não se trabalha de noite nas padarias.

No Pôrto, desejando os operários da panificação gozar o benefício das oito horas de trabalho, foram os proprietários das padarias, solicitados pelos operários, no sentido de passarem para o dia o trabalho que era feito de noite, tanto mais que o trabalho feito de dia se tornava mais conveniente sob iodos os pontos de vista.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Até pelo lado sanitário há conveniência em se realizar essa mudança, visto que a limpeza pode mais fàcilmente fiscalizar-se de dia.

Puseram-se de acordo os operários e patrões.

Em Lisboa esteve uma comissão de operários da panificação do Pôrto, pedindo ao Govêrno que fizesse acabar com o trabalho de noite nas padarias. Mais tarde veio tambêm a Lisboa uma comissão de donos de padarias, fazer idêntico podido ao Govêrno. Quere dizer: operários e patrões solicitaram do Govêrno a cessação do trabalho nocturno nas padarias.

Sabem V. Exas. o que se passa?

Em Portugal tem havido muitos Governos, pois êles se sucedem com frequência e facilidade iguais às mudanças que se observam nas mágicas dos teatros; mas... governantes que dêem solução às exigências da vida económica é que aparecem raramente no nosso país. (Apoiados).

Nestas circunstâncias já, por certo, os Srs. Deputados encontraram a resposta à pregunta que deixei formulada.

O Govêrno nada resolveu.

Chegando-me hoje a palavra para tratar dêste assunto, eu tenho a infelicidade de não ver presente nenhum Sr. Ministro. Nem ao menos nos apareceu um, ao qual eu me dirigiria, pedindo-lhe que registasse as minhas palavras.

Está, porém, presente o Sr. Deputado Aboim Inglês, presidente da comissão encarregada da regularização do trabalho.

O Sr. Aboim Inglês: - Eu sou um humilde vogal dessa comissão, e não seu presidente.

O Orador: - Eu li na portaria que nomeou a comissão que V. Exa. era o presidente.

Emfim, V. Exa. pertence àquela comissão e eu, portanto, peço ao Sr. Deputado Aboim Inglês que preste toda a sua atenção ao que vou dizer.

Uma vez que foi adiada a execução da lei que estatui as oito horas de trabalho, a fim de ser regulamentada, eu lembro que...

O Sr. Aboim Inglês: - Eu não sei se foi adiada. O que sei é que os membros da comissão, no fim de estarem três dias à espera dos elementos oficiais, que não apareceram, deixaram de reunir.

O Sr. Costa Júnior: - É uma prova do cuidado com que o Estado trata dêsses assuntos. É tudo assim.

O Orador: - Registo essa declaração. Devo dizer que, exactamente como o horticultor desbrava a terra para que nela frutifique a árvore que vai plantar, assim os que têm a sou cargo a direcção das cousas públicas devem remover todos os obstáculos para que as leis se executem equitativamente.

Para isso têm de haver entendimentos e discussões entre operários e patrões, pois são cousas que só podem ser feitas por meio de tratados colectivos de trabalho, discutidos pelos representantes de operários e patrões, presididos, por exemplo, por um magistrado da escolha das duas partes. Isto fez-se na Suécia, depois da monumental greve que ali houve em 1912 ou 1913. Foi isso até que acalmou a grande agitação operária que se verificou naquele país. Fez-se isso na América e na Inglaterra, com bom resultado.

Pois entre nós ainda não se decretou semelhante princípio.

Sem êsse organismo, quási toda a legislação operária é só para aparecer nos livros e não tem quási nenhuma utilidade prática.

Portanto, eu, pedindo a palavra para tratar dêste assunto na generalidade, desejava pedir ao Govêrno para, de algum modo, fazer com que para o Pôrto, por meio de uma portaria, se autorizasse que a supressão do trabalho nocturno nas padarias fôsse sancionada pelo Poder Executivo. Mas como não vejo representado o Govêrno, limito-me a fazer estas considerações, que afirmam a minha opinião e os meus princípios.

O que desejava é que a comissão que está encarregada de regular a lei das oito horas de trabalho organizasse um regulamento que mais ou menos atendesse a esta necessidade, não esquecendo a criação dos organismo que hão-de elaborar os contratos colectivos de trabalho.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra revisto pelo orador, quando restituir, re-

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vistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. António Mantas: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que falo nesta sessão legislativa, apresento a V. Exa. os meus cumprimentos e aos meus colegas da Câmara.

Sr. Presidente: há dias fiz um requerimento pedindo esclarecimentos pelo Ministério da Instrução a propósito das nomeações que ultimamente se têm feito para as escolas primárias superiores. Até hoje não me foi fornecida, por êsse Ministério, informação alguma e, por isso, vou renovar o meu requerimento feito em 18 para o Ministério da Instrução Pública.

O que me leva a insistir, hoje, neste assunto, é ter visto mais uma das centenas de retificações, feitas no Diário do Govêrno, de leis já publicadas. É de uma grande originalidade a rectificação feita ao decreto n.° 5:504, publicada no Diário do Govêrno da 1.ª série, n.° 122, pela qual é aumentado o quadro dos empregados menores das escolas primárias superiores.

Além desta, existe outra rectificação que é nada mais nada menos do que uma tabela de subsídios de residência e rendas de casa a professores e inspectores primários.

E, note a Câmara, qualquer destas rectificações não tem a assinatura do Ministro, nem a do director geral, sendo esta forma de rectificação ilegal, pois não está de harmonia com o disposto na Constituição.

A transformação das escolas normais e de habilitação ao magistério primário em escolas primárias superiores faz-se de uma forma originalíssima. O decreto referido, n.° 5:504, no parágrafo 2.° do artigo 5.°, diz o seguinte:

"O quadro fixo a que se refere êste artigo compreende 14 professores em cada uma das escolas de Lisboa, Pôrto e Coimbra, e 5 nas restantes".

Mas o Diário do Govêrno n.° 98, 5.° Suplemento, de 10 de Maio de 1919, dá-nos mais trata das ilegais rectificações, alterando aquele artigo 5.°, fixando o quadro dos professores nas escolas primárias superiores, fora de Lisboa, Pôrto e Coimbra, em número de 12, quer dizer, alguém e êsse alguém é preciso conhecer-se, alterou a lei por uma simples rectificação, que não está assinada nem pelo Ministro, nem pelo director geral. x i Isto não pode continuar porque é imoral e está fora da lei! Impõe-se uma revisão de todos os diplomas assim rectificados.

Isto passou-se com o decreto n.° 5:504, que transformou as escolas normais e de habilitação no magistério primário em escolas primárias superiores.

Vem o decreto n.° 5:787-A, de 10 de Maio, publicado no 18.° Suplemento isto é, cinco dias depois da lei orgânica regulamentar o decreto n.° 5:504, fixando, no seu artigo 9.°, o quadro dos professores, mantendo-se o aumento feito pela célebre rectificação. Mas não fica por aqui a aventura. Quem ler o Diário do Govêrno n.° 105, de 31 de Maio, lá verá rectificados os artigos 1.°, 15.°, 20.°, 50.°, 63.° e 64.°, acrescentando-se-lhe o artigo 92.° do decreto n.° 5.787-B, que passa a ser o 5.787-A!

Ninguém assina esta rectificação!

E se formos seguindo as páginas do Diário do Govêrno encontraremos em cada página uma rectificação! Isto tem de acabar para honra e prestígio da República.

Ainda no Diário do Govêrno n.° 122 vemos rectificado o artigo 83.° do decreto n.° 5.787-A, com o aumento no quadro do pessoal menor nas escolas primárias superiores de Lisboa, Pôrto e Coimbra.

Quer dizer, a lei fixa um quadro, de pessoal e vem uma rectificação e aumenta êsse quadro! Não pode ser.

Portanto, Sr. Presidente, como não tenho ninguém que responda às minhas considerações, limito-me a mandar para a Mesa um requerimento solicitando o seguinte: mapas em que se descrevam os nomes dos cidadãos de ambos os sexos que fazem parte do corpo docente de todas as escolas primárias superiores do continente e ilhas adjacentes, com a designação dos que são antigos professores das escolas normais primárias e de habilitação para o magistério primário, e dos que foram nomeados para as novas escolas primárias superiores ao abrigo do disposto nos decretos n.ºs 5:504 e 5:787-A,

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respectivamente de 5 e 10 de Maio findo, com a designação das habilitações literárias o s científicas de cada um ou documentos justificativos da sua competência profissional. In dependentemente "disto, eu tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte

Proposta

Proponho a suspensão imediata dos decretos n.ºs 5:504 e 5:787-A, respectivamente de 5 e 10 do Maio findo, e, consequentemcnte as nomeações feitas ao abrigo daqueles diplomas até que, o Congresso no pronuncio a respeito dos referidos decretos, que deverão baixar à comissão competente. - O Deputado, António Mantas.

Para a Secretaria.

Para segunda leitura.

Eu desejo anunciar uma interpelação ao Sr. Ministro da Instrução Pública sôbre os referidos decretos, mas não o posso fazer sem que me sejam fornecidos os elementos pedidos.

O Sr. Alberto Xavier: - Sr. Presidente : eu quero pedir a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre a conveniência do haver um debate especial sôbre a questão levantada pelo Sr. Deputado António Mantas.

O assunto versado por êste Sr. Deputado não abrange exclusivamente as rectificações por êle aludidas.

Há rectificações que têm aparecido por todos os Ministérios, e não se tem respeitado nessas rectificações o mesmo processo constitucional da publicação dos diplomas do Poder Executivo.

Quere dizer: tem havido rectificações publicadas sem assinatura ao respectivo Ministro, e sem a assinatura do Sr. Presidente da República; isto contra a doutrina do artigo 49.° da Constituição.

Eu já tencionava preguntar ao novo Govêrno se perfilhava as retificações, ou se se dispunha a anulá-las, por serem inconstitucionais, mas como o Sr. António Mantas se adiantou na questão, eu quero pela minha voz pedir a V. Exa. para que consulte a Câmara, sôbre se consente que o assunto referente às rectificações publicadas no Diário do Govêrno se torne objecto do uma larga discussão, que não seja na sessão de hoje, mas numa das próximas sessões, por exemplo, na segunda-feira, para convenientemente se poder estudar e haver a devida crítica, porque há rectificações alterando disposições com a simples assinatura de secretários do Ministros!

Esta irregularidade até se poderia ser levada aos tribunais competentes, em processo sôbre a inconstitucionalidade dessas rectificações.

Eu sei que a Câmara toda está de acordo comigo e a V. Exa. compete dizer qual o dia em que só deverá levantar o debato.

O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja que a esta questão seja aplicada a doutrina do artigo 37.°?

O Orador: - Desejo que o assunto entre hoje em discussão em na próxima segunda-feira.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Só poderei dar a palavra a V. Exa. se a Câmara o autorizar.

Vou, pois, consultar a Câmara.

Os Srs. Deputados que autorizam que eu dê a palavra ao Sr. Vitorino Guimarães, queiram ter a bondade de levantar-se.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Vitorino Guimarães.

O Sr. Vitorino Guimarães: - É apenas para declarar que êste lado da Câmara está de acordo com as declarações do Sr. Alberto Xavier. Como, porêm, o assunto é de grande importância e de extrema gravidade, exigindo estudo e atenção, não deverá entrar hoje em debate, mas sim na sessão de segunda-feira.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Mas a seguir à ordem do dia que está marcada ou com prejuízo desta?

O Sr. Vitorino Guimarães: - Em seguida à que está marcada.

O orador não reviu.

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O Sr. Jaime Vilar: - Começo por dirigir a V. Exa. as minhas saudações e bem assim a toda a Câmara.

O problema nacional, a meu ver, é o problema económico. É 6sse que êste Parlamento tem do tratar, como ao país convêm.

No problema nacional está em primeiro lugar o aproveitamento das nossas riquezas naturais.

De entre elas ou considero como as mais importantes: as nossas quedas de água e as riquezas do nosso sub-solo. Estou convencido de que na exploração do nosso solo e sub-solo é que Portugal encontrará elementos de valia para fazer o seu equilíbrio económico.

Sôbre as quedas de água já o suplemento n.° 24 do Diário do Govêrno, de 10 de Maio, trata do assunto, pretendendo congregar num só diploma tudo o que havia - assim no-lo disse o Sr. Ministro do Comércio - sobre esta importante riqueza nacional.

Ouvi com muito atenção as considerações que sôbre o assunto já nesta Câmara o Sr. Mem Verdial produziu, pedindo, então, que fôsse suspensa a execução do decreto publicado. Essas considerações de S. Exa. foram motivadas por um telegrama que S. Exa. recebeu, como eu tambêm recebi o igualmente a maioria dos Srs. Deputados do Norte. As câmaras congregadas, em número de oitenta e sete, deliberaram resolver êsse problema máximo da industrialização da energia hidráulica por uma forma que no seu entender seria mais exequível e proveitosa.

Entenderam que os interêsses do país, neste assunto, não eram bem salvaguardados, porque se o fossem não se solicitaria a suspensão imediata do decreto.

Esta questão vai ser entregue ao estudo duma, comissão especial e, portanto, aguardo o parecer dessa comissão, para discutir mais largamente o assunto.

Outra riqueza que não devemos desprezar, dada a sua grande importância, é a indústria mineira.

Para conhecermos a importância dos nossos jazigos mineiros e para se sabor como essa importância é grande para o Tesouro Público, basta ver o Diário do Govêrno n.° 58, de 14 de Março, em que se 10 que o imposto em 1917 orçou por 400 contos, e o do 27 de Maio pelo qual se vê que o valor do minério à boca das minas orca por 6:500 contos, e isto é só o valor do minério que a Repartição pôde avaliar, porque há um certo minério que sai clandestinamente e se escapa ao inventário oficial.

Dois terços dêsse minério é representado pelo volfrâmio e o restante pela lenhite e antrecite dos jazigos do norte e do centro.

Esta produção, que em 1917 orçou por 4:000 contos, está hoje paralisada, o que representa nada menos do que a minoria de muitas populações do regiões inóspitas, montanhosas, desprovidas de tudo, onde as milhares de crianças se ocupavam nesse trabalho.

Ainda há dias li no Século uma notícia referente à minoria das populações da Serra da Estrela, onde, tendo faltado a laboração das fábricas de lanifícios, e não havendo o trabalho das minas não tinham que comer.

É necessário que os poderes públicos tomem em consideração êsse importantíssimo elemento de riqueza nacional, que considero valiosíssimo para promover o nosso desenvolvimento económico, pois que, sendo na sua quási totalidade exportado para o estrangeiro dará assim lugar à entrada do ouro no país. E como eu vejo que nesta Câmara se começa a olhar um pouco para a questão económica, e como a salvação do país está no aproveitamento das riquezas nacionais, eu insisto neste assunto, porque no solo e sub-solo é que se encontram os elementos para melhorar a nossa situação económica.

Sabe-se que durante o tempo da guerra o comércio do volfrâmio esteve acorrentado por compromissos tomados pelo Govêrno com uma missão francesa, hão se podendo livremente comerciar, e que serviu só para os amigos o para enriquecer alguns intermediários.

Ora apesar disso, de nós não podermos vender livremente os nossos minérios de volfrâmio, o preço que elo atingiu foi de 1.700$ cada tonelada e o Estado, sem lei que o permitisse, lançou um .imposto de exportação do 180$, como sobretaxa de exportação.

Terminada a guerra o muito antes de terminada a guerra, a missão francesa que comprava os minérios deixou absolu-

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tamente de os comprar, e hoje o preço do volfrâmio esta reduzido a 400$ por tonelada e sôbre êsse preço de 400$ continua a incidir a sobretaxa de 180$ que representa mais de um têrço do seu valor e resulta disto que ninguém pode ter minas em exploração dêsse minério, as quais estão absolutamente paralisadas e o país sofrendo todas as consequências dessa paralisação.

O Sr. Presidente: - Comunico a V. Exa. que faltam apenas dois minutos para só entrar na ordem do dia.

O Orador: - Parecia-me que não estava ainda falando há dez minutos. Farei por abreviar as minhas considerações.

Ora neste momento eu sei que se estão fechando contratos para fornecimentos nos grandes centros de consumo dos minérios de volfrâmio e que êsses contratos serão por um certo número de anos, e Portugal está nas condições tristíssimas de não poder concorrer ao lado dos outros países produtores que são a China, Japão, Coreia, Bolívia, etc.

Êsses contratos estão sendo fechados com a América do Norte e nós precisamos de estar livres até dessa sobretaxa, de ter o comércio absolutamente livre para poder concorrer ao lado dêsses outros países exportadores de volfrâmio.

Parece-me que Portugal é o quarto país produtor de volfrâmio.

O Sr. Aboim Inglês: - É o primeiro.

O Orador: - Eu julgava que era o terceiro, mas alguêm que trata dêste assunto mostrou-mo uma estatística em que Portugal ocupa o quarto lugar, como país produtor de volfrâmio, e por isso no pequeno relatório de que faço anteceder o meu projecto de lei digo que Portugal é o terceiro país produtor dêsse minério, porque assim o considerava.

O nosso subsolo tem direito a merecer a atenção dos poderes públicos e acho interessante tratar dêste assunto na Câmara.

Há dias o ilustre publicista, Sr. Guedes de Oliveira, entendeu dever tratar o assunto e tratou-o com aquele bom humor com que trata todos os assuntos na sua Tribuna Livre. Intitula-se o seu artigo - O Estado Obstáculo. Na verdade o Estado em Portugal não é senão obstáculo para que as indústrias possam progredir, e, para prova disso, vemos que em 14 de Março de 1918 foi publicado um decreto mobilizando todo o volfrâmio existente em Portugal. A seguir, em 8 do Abril e depois em 7 de Novembro, foram marcados os preços para os compradores de volfrâmio.

Resultou êste paradoxo. Os mineiros tinham de entregar os seus minérios ao Estado, o Estado marcou preço, mas não havia compradores... De forma que existem centenas de toneladas de volfrâmio pelas diferentes minas do país e, depositadas nos armazéns de Lisboa. É necessário, portanto, permitir a exportação livre.

Sr. Presidente: Há um outro assunto que se relaciona com o que tratei, e sôbre o qual eu quero fazer breves considerações. É o assunto do estanho. Eu sei que há tempo se fez uma representação, que veio publicada no jornal A República de 3 de Maio próximo passado, em que se pedia um imposto sôbre o estanho metálico importado. Ora eu devo dizer que me parece que nós não devemos pensar na industrialização das funções do estanho, porque entendo que a cacitrite vendida aos grandes fundadores deve talvez dar melhor resultado que o lançamento dum imposto, que ia sobretudo afectar a indústria das conservas e todas as indústrias que têm de consumir o estanho, produzindo assim uma protecção que eu não sei se seria absolutamente justa.

Mando, pois, para a Mesa, e para terminar, um projecto de lei, para que sejam suprimidas as sobretaxas de exportação do volfrâmio, e se fomente a indústria mineira, declarando-se livre de direitos a importação do máquinas e outros utensílios para a exploração das minas de volfrâmio e estanho.

O Sr. Lúcio de Azevedo: - Mas sem limites?! Se amanhã o volfrâmio atingir o preço fabuloso que já atingia, o Estado não terá o direito de lançar-lhe um imposto?!

O Orador: - Mas, nesse caso, nós estamos aqui para fazer a lei que fôr precisa. De resto, o Estado deve procurar prote-

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ger a indústria mineira e não coartá-la no seu desenvolvimento. (Apoiados).

Tenho dito.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

ORDEM DO DIA

Os Srs. Deputados que têm documentos a enviar para a Mesa podem fazê-lo.

O Sr. Velhinho Correia (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se permite que se faça. a inversão nos assuntos que estão dados para ordem do dia, passando a discutir-se primeiramente o comércio do óleos e oleaginosas.

O Sr. Eduardo de Sousa (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejo saber qual é a ordem do dia para hoje.

O Sr. Presidente: - Na primeira parte está marcada a discussão sôbre a obra do dezembrismo, e na segunda a discussão do parecer sôbre o comércio das oleaginosas; mas o Sr. Velhinho Correia acaba de pedir a inversão da discussão dêsses assuntos.

O Orador: - Nesse caso requeiro a contagem, segundo o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

O Sr. Presidente: - Ainda não foi pôsto à votação o requerimento. Vai agora votar-se.

O Sr. Brito Camacho (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: eu pedia a V. Exa. a fineza de me dizer se a primeira parte da ordem do dia não era a interpelação do Sr. Deputado Alves dos Santos, atenta a grande importância do assunto, que é mais alguma cousa do que o conflito da Faculdade de Letras com o Govêrno, porque afecta toda a academia e toda a vida escolar do País. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia era a discussão do dezembrismo, e depois do parecer sôbre oleaginosas.

O Orador: - Eu sabia isso, mas queria estranhar o facto de se terem colocado, adiante do problema académico, de tanta gravidade, outros assuntos. Nós estamos no mês de Junho, e só houve três meses de aulas. Estamos na contingência dum vergonhoso perdão de acto, ou da perda do ano escolar de todos os académicos. (Apoiados). Se isto não merece a atenção do Govêrno, nem do Parlamento, vamos então para a discussão do dezembrismo. E eu lamento que a questão das oleaginosas, que é tambêm um assunto importante, tenha vindo em tam má altura; lamento que isso suceda. Eu pedia, portanto, à Câmara a fineza de considerar sôbre o que vai fazer.

Isto é uma questão que se generalizou; pertence à Câmara, e portanto podemos tratar conforme entender.

O orador não reviu.

O Sr. Vaz Guedes (Vice-Presidente): - Tenho a dizer que a ordem, do dia foi marcada pelo Sr. Presidente.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Tenho em muita consideração o que diz o Sr. Brito Camacho, mas o facto é que estava na ordem do dia a questão do dezembrismo e a questão das oleaginosas, e pelo Sr. Alberto Xavier foi requerido que primeiro se discutisse a questão das oleaginosas. Eu direi que a questão das oleaginosas é uma questão lubrificante e a questão do dezembrismo é uma questão emperrante. Se a questão das oleaginosas é uma questão de interêsse público, a questão do dezembrismo não o é menos, e eu tenho o direito de falar nessa questão; estou disposto a tratar hoje dela, e tenho meios de forçar a Câmara a manifestar-se sôbre o assunto, garanto a V. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do requerimento do Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Requeiro a contagem.

Havendo número, foi aprovado o requerimento do Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: vou concluir o meu discurso de

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ontem, procurando quanto possível ser o mais breve, porquanto preciso de ceder o lugar ao ilustre relator do parecer em discussão, Sr. Velhinho Correia.

Torna-se no emtanto indispensável recapitular alguns dos princípios que na sessão passada tive a honra do expor à Câmara.

Eu declarei ontem, meus senhores, que nós lutamos com as dificuldades dum atraso histórico de três séculos sob o ponto de vista do nosso desenvolvimento industrial, o estabeleci o princípio, que procurei demonstrar, do que a protecção às indústrias nacionais tem dado resultados inteiramente vingativos.

E chegado o momento de entrar a fundo na questão das oleaginosas.

Nós temos dado até agora a maior protecção ao mais importante industrial do nosso país. Mas temo-lo feito à custa do suor e do trabalho daqueles que lá fora em terras do África, trabalhando honradamente, dão o melhor do seu esfôrço ao engrandecimento de Portugal, nobilitando-o. Por outro lado os agricultores de Angola, Moçambique o S. Tomé têm-se visto na dura contingência - tal é a protecção dispensada a êsse industrial - de não poderem livremente dispor dos produtos do seu trabalho, vendo-se coagidos a colocados em Portugal conforme os desejos da industria metropolitana, o que muitas vezes impUca prejuízos de toda a ordem. Isto tem-se feito com um objectivo ignominiosamente ganancioso (Apoiados) indo os proventos que devem pertencer aos que trabalham para aqueles que nada fazem.

Eu não tenho a honra de conhecer pessoalmente o Sr. Alfredo da Silva e esta declaração tem por fim fazer ver à Câmara que, não me movo contra êsse senhor qualquer propósito, ofensivo ou agressivo. Não trago, pois, ao debate uma questão pessoal, mas apenas o ataque a uma entidade que tem sido nefasta aos altos interêsses do país. Sou o primeiro a reconhecer no Sr. Alfredo da Silva talento e grandes qualidades de iniciativa que o impuseram não só entre nós, mas ainda no estrangeiro, mas é preciso não esquecer que S. Exa. é um reaccionário (Muitos apoiados) e um reaccionário duma tal natureza que, neste momento, o torna odioso. S. Exa. é germanófilo. (Apoiados).

Quando aqui se encontravam ainda as casas alemãs, S. Exa. não se opunha à livre exportação do sementes. As casas alemãs ainda antes que as circunstâncias da guerra as fizessem sair de Portugal, como as casas Vanstein, Viúva Hermann, Cattel & Steind e outras faziam essa exportação e durante êsse tempo o Sr. Alfredo da Silva nunca se importou com isso por serem essas casas alemãs as que faziam larga exportação de sementes.

Assim que estas casas foram pelas circunstâncias obrigadas a sair do Portugal, S. Exa. logo quis proibir a exportação a qualquer para que só êle a ficasse fazendo.

Portanto há aqui um sintonia muito importante do germanofilismo do S. Exa. Há neste assunto um caso que me preocupa.

Publicou-se em Portugal uma lei para saneamento da sociedade portuguesa. Tem sido aplicada esta lei a muitos funcionários, amanuenses e a desgraçados que estão sob sua alçada e, a todos tem sido aplicada quando se tem entendido, mas quando chegam a presença de um grande capitalista, para êle a lei é letra morta. Êle pode ser germanófilo e monárquico, como muito bem quiser.

Mas, Sr. Presidente, vamos a ver o uso e abuso que o Sr. Alfredo da Silva, como gerente da sua companhia, fez da preponderância que ao seu capitalismo se oferece, e com que tanto se prevarica.

Eu tenho aqui uma nota que fala bem claramente do que tem sido a sua administração.

A Companhia União Fabril ganhou, segundo informações que me deram, em 1917, 3.600 contos e em 1918, 5.000 contos.

Deixo à consciência de cada um que me escuta, e à do próprio argentário, o avaliar se é possível ganhar honradamente 5.000 contos num ano.

Mas há mais. E que não temos só que reparar nos lucros fabulosos da companhia, temos que ver que a companhia nas suas maneiras administrativas tem seguido processos que parece até terem o espirito de defraudar o próprio Estado.

Esta companhia, e não sou eu que o digo, porque não entendo do assunto, pois não sou jurista porque sou pobre, essa companhia, dizia eu, foz a conver-

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são do papel escudos em papel libras ao par. A Câmara pode calcular como 45$ nesta ocasião poderão ser dez libras!

O capital foi aumentado sem que o Estado pudesse intervir.

O processo não é leal, se o facto é verdadeiro como creio.

Peco a atenção da Câmara para o facto que vou referir porque Cie fala à evidencia multo mais do que a teoria abstraía.

Trata-se do seguinte.

Estão os géneros postos nos depósitos em Lisboa.

Está convencionado que se faça o rateio para o Estado ver o que cabe a cada um dos industriais em Portugal.

Sabe a Câmara como se faz o rateio?

É o Sr. Alfredo da Silva que no Ministério dos Abastecimentos tem uma secretaria, onde um seu empregado vai fazer o rateio.

No Ministério dos Abastecimentos os rateios fazem-se, conforme os padrinhos. A melhor fatia vai para a União Fabril. Mas há ainda o seguinte:

O coconote que está depositado, por exemplo, em Loanda o S. Tomé, quando se derrama, é por conta do agricultor, do proprietário, e depois vem pelo mar e sai para os depósitos da exploração do Pôrto do Lisboa, onde só torna a derramar.

Veja a Câmara os prejuízos que têm os agricultores de África, primeiro que os produtos cheguem à mão do Sr. Alfredo da Silva, que, como director da Companhia União Fabril, faz as compras dos géneros depositados. E assombroso.

A União Fabril desconta ainda ao lavrador africano 2 quilogramas, como tara, por cada saca, de coconote, o no fim guarda o saco onde está a mercadoria!

Quando se trata da compra de óleo de palma, desconta 20 por conto para taras e fica com o barril. Quero dizer, o agricultor de África, neste regime cru que tem vivido, de depositar os géneros de que nem é dono, porquanto não pode dispor deles, tem de os mandar para Lisboa, onde estão correndo todos os prejuízos devido ao derramamento ou deterioração, prejuízos que são por conta dos agricultores e não à custa do Sr. Alfredo da Silva, o depois ainda os produtores sofrem o desconto do 20 por cento para taras e mais 1 quilograma para bom pêso, ficando a União Fabril com o barril.

Interrupção.

De maneira que, por exemplo, o coconote é vendido em Lisboa, à Companhia União Fabril, à razão de 3$40!

Pois soube que o gerente comprou ontem, como representante da União Fabril, por intermédio do corretor Libério, em S. Tomé, 20:000 sacos a 4$, com obrigação desta Companhia fazer as despesas do transporte. E aqui exige-se que os lavradores, depois de sofrerem os prejuízos com o derramamento dos géneros, paguem as taras, ficando-se-lhes com os barris. Assim compra em África a 4$ o mesmo género que em Portugal lhe fica por 3$40. É um bom negócio!

Apartes.

Segundo me disseram, os agricultores africanos podiam ter exportado durante a guerra, pelo menos, 150:000 toneladas, de sementes, que produziriam mais de 40:000 contos em ouro, factor importante, para impedir o agravamento dos câmbios, e as alfândegas coloniais deixaram de cobrar direitos no valor aproximado de 3:000 contos, tendo apodrecido em África muitas sementes.

Nesse tempo não se apresentavam fábricas em África, porque era impossível, durante a guerra, mas agora já isso é possível. Devido às peias burocráticas e administrativas do continente, resolveu-se criar em Roma uma companhia para montar fábricas com o capital de 10.000$, e, preguntando-se-lhes porque o não faziam em Landana, que é portuguesa, responderam: "é porque não temos a certeza da persistência nem da seriedade do Govêrno Português!

É preciso que êste facto se não continuo a dar. É indispensável que Portugal continue a ser um país sério, capaz do impor-se ao respeito das outras nações.

Isto é que é preciso fazer-se, e só se consegue com a morigeração dos costumes.

Existo uma comissão chamada comissão reguladora do comércio das sementes oleaginosas. Fui ver o que isso era e fiquei assombrado do que lá vi.

Por exemplo, na acta n.° 30, uma das mais curiosas, lê-se o que leio e por onde se prova que se informava falsamente a comissão.

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Dizia-se aos agricultores que podiam carregar; não se lhes recusava a licença. Mas, ao mesmo tempo, procedia-se em contrário.

Quere dizer, não basta a cumplicidade do Govêrno. Permite-se que esta vergonha se transmita lá para fora, desonrando-nos. E depois queixamo-nos de que não somos atendidos. Queixamo-nos de que na Conferência não foram atendidos os nossos sagrados direitos.

Um povo que consente no que acabo de referir não é um povo digno.

Só queremos ter direito ao respeito e consideração dos outros, precisamos de acabar com êstes escândalos, a não ser que nos decidamos a perder a nossa independência.

Poderia, se quisesse alongar-me, rebater todos os argumentos do Sr. Aboim Inglês; limito-me a tecer louvores a S. Exa.

Já Diógenes dizia: "Apesar da minha casa ser pequena, oxalá eu a possa encher de amigos".

E se é certo que o Sr. Alfredo da Silva, prevaricou, ao menos ainda tem a felicidade de possuir um amigo sincero, que é o Sr. Aboim Inglês.

Felicito o meu ilustre colega nesta Câmara por se pôr ao lado do sou amigo. O que é certo, porém, é que os interêsses da Nação não podem estar à mercê dos caprichos das amizades particulares.

Se aqui estivesse presente o Sr. Alfredo da Silva, como estava no tempo do Sr. Sidónio Pais, eu far-lhe-ia uma exortação em forma.

Dir-lhe-ia: Exmo. Sr., V. Exa., que tem qualidades de primeira ordem para se valorizar, precisa nobilitar a parte moral do seu procedimento para então honrar a Nação portuguesa, do que é ornamento.

E se naquelas cadeiras, em vez de Ministros demissionários, estivessem Ministros ainda vivos e sãos, eu dir-lhes-ia: convido V. Exas. a acabarem com cumplicidades doentias que prejudicam altamente os interêsses da Nação Portuguesa.

Se queremos salvar a República, como ouço dizer, o que não acredito, porque se assim fôsse não estávamos prevaricando constantemente, mas se queremos salvar a República, repito, precisamos começar a ser honestos.

Neste momento não tenho mais nada a dizer senão que faço meu o parecer relatado pelo Sr. Velhinho Correia, esperando que a Câmara não consinta que êste assunto seja protelado, visto já estar suficientemente esclarecido.

O Sr. Santos Graça: - Participo a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara que se acha constituída a comissão de pescarias, tendo escolhido para presidente o Sr. Augusto Nobre e a mim para secretário.

O Sr. João Camoesas: - Mando para a Mesa um parecer da comissão do Regimento.

É o seguinte:

Parecer

Tendo de pronunciar-se sôbre a proposta do Sr. Deputado José Maria de Campos Melo, convertendo as secções da quarta comissão permanente estabelecida no artigo 88.° do Regimento em vigor nesta Câmara, em comissões independentes compostas de nove membros, não quere a vossa comissão do Regimento deixar fugir êste ensejo de vos manifestar a opinião de que todo o referido Regimento necessita do ser revisto e modificado, em ordem a realizar uma maior e mais perfeita eficiência das funções do Parlamento. A referida proposta está do acordo, porém, com as exigências duma mais eficaz divisão do trabalho parlamentar. E isto basta para que esta comissão vos recomende, sem rodeios, que a aproveis.

Sala das comissões, 25 de Junho de 1919. - Joaquim José de Oliveira - J. M. Nunes Loureiro - Manuel Eduardo da Costa Fragoso - Vasco de Vasconcelos - João Camoesas, relator.

O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: começou o Sr. Aboim Inglês, no seu combate ao parecer da comissão incumbida de relatar o projecto das oleaginosas, por dizer que se tratava duma questão de interêsses, e já alguém disse tambêm que esta questão era uma questão lubrificante.

Deixe-me V. Exa. declarar, Sr. Presidente, que, apesar de se tratar duma questão lubrificante, eu sinto-me completamente à minha vontade. Toda a minha

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vida e o meu passado são, dalguma maneira, garantia para eu poder emitir livremente o meu parecer sôbre todas essas observações à maneira como êste assunto foi tratado pela comissão e pela minha pessoa.

Se há realmente interêsses, êles existem dum lado e doutro, e eu estou perfeitamente à vontade porque, como representante do povo, eu simplesmente pensei no bem da pátria e da República.

Nestas condições, eu estou perfeitamente à vontade para abordar o assunto, quer as minhas considerações sejam ou não de interêsse.

Entrando no assunto, eu devo dizer que o Sr. Aboim Inglês, abordando a questão dos transportes durante a guerra, afirmou que, se não fôsse o facto de se terem entregue a uma nação estrangeira muitos dos nossos navios, seria provável que a situação dos coloniais não tivesse sido tam agravada como foi.

Eu direi a V. Exa., como questão prévia, que acima dos interêsses de qualquer ordem, económica, durante a guerra, estavam os interêsses de ordem militar.

Os navios que demos à nação aliada e amiga foram empregados em serviços do ordem militar, que deviam preferir a quaisquer outros. Portanto, êsses factos são factos consumados e pouco interessam à questão propriamente em debate, e se eu falei nisto, foi porque vem a golpe de fouce, como se costuma dizer.

Em todo o caso, ainda em assunto de vapores e navios, eu devo dizer a V. Exa. que nesta terra portuguesa, apesar da falta de navios para toda a gente, algum previlegiado foi, e a União Fabril não encontrou as dificuldades para fazer o transporte dos seus produtos, como os coloniais tiveram para transportar as suas sementes.

Assim, eu vou contar a V. Exa. a maneira como se facultavam à União Fabril os navios que deviam estar ao serviço do país.

O Sr. Alfredo da Silva chegava à comissão de transportes e dizia: "Eu necessito dum vapor para ir buscar foslatos para a agricultura nacional", e a comissão imediatamente dava um vapor para os fosfates. Mas como se entendia que o navio ia vazio e sem lastro, S. Exa. dizia: "Não vale a pena o vapor ir vazio e eu carrego-o com os meus óleos e os meus tourteaux". E S. Exa. assim achava facilidades que os outros não encontravam, pois que na África opodreceram as colheitas de dois anos por falta de transportes, prejudicando e arruinando muita gente.

As sementes de África só vieram para Lisboa quando os vapores foram dispensados pela União Fabril. Posto isto, e como êste assunto não é propriamente o da análise do decreto em discussão, vou entrar definitivamente na questão que se debate.

Eu defendo e a comissão defende a liberdade de comércio, não direi uma liberdade absoluta e completa, mas o regime de liberdade em geral, com aquelas restrições que é licito admitir para não prejudicar a produção da metrópole.

Durante a guerra justificam-se até certo ponto as restrições ao comércio dos países em conflito, e podem tambêm justificar-se entre nós as restrições ao comércio das oleaginosas.

A Bélgica, por exemplo, nunca pensou em proibir essa exportação ao Congo e as nossas colónias estavam num regime semelhante ao do Congo.

A meu ver o que se praticou foi um êrro, porque, não permitir que as sementes saiam das colónias, traz isso por consequência a não entrada de muito ouro em Portugal.

Foi um êrro que pode chamar-se mesmo um crime.

Mas, Sr. Presidente, dizia eu que a comissão defende a liberdade de comércio para as colónias: nem outro poderia ser seu critério.

De resto, a comissão que está integrada no Partido Republicano Português tem os seus pontos definidos em matéria de administração colonial e se alguma cousa me surpreende é de ver que do lado da União Republicana há discordâncias hoje, quando as não houve para a assinatura das bases da organização do Conselho de Administração Financeira das Colónias, bases essas que foram assinadas por todos os partidos representados nesta Câmara.

Nós entendemos, portanto, como boa, a liberdade de comércio com as restrições, emfim, indicadas pela boa economia. Nem podia deixar de assim ser, visto que essa

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é hoje a matéria legal que regula as colónias.

Admitir o contrário é um absurdo, visto que seria inadmissível que nós. que ainda ontem demos às colónias a sua autonomia financeira, hoje publicássemos um decreto que a proibisse.

É clara a base 22.ª do regulamento geral das colónias.

Quere dizer: hoje, pelo regime que governa as nossas colónias, reforçado ainda pelo decreto de autonomia e pelos decretou que criaram os comissários junto das colónias, elas são soberanas para rotular o seu comércio e alterar ou modificar as suas taxas, desde que essas deliberações se harmonizem com as disposições da lei orgânica, que acautela os justos interêsses dá indústria nacional.

Mas há mais, Sr. Presidente.

Admite-se sempre um diferencial a favor da metrópole; mas o que não há é lei alguma que possa fazer proibições do comércio e restrições à maneira de exercer êsse comércio.

Mas, Sr. Presidente, se assim é, debaixo do ponto de vista legal, a verdade é que, sob o ponto do vista económico e, político, não convêm outro regime senão êste.

Criar dificuldades comerciais é empurrar os produtos coloniais em questão para outras colónias vizinhas.

Só quem não conhece o preto é que não sabe que êle por 10 réis é capaz de andar uns poucos de quilómetros com um saco às costas.

Só quem desconhece as nossas colónias é que não sabe a enorme extensão das suas fronteiras, onde é impossível proibir a exportação de produtos que se encontram fora dessas fronteiras.

O facto que ontem aqui foi trazido, de que só ia formar uma grande companhia com capitais franceses, ingleses e americanos para intensificar a laboração das nossas sementes, só prova que o regime de comércio do Congo é mais vantajoso.

Não estou aqui a fazer uma obra de advogado, porque o não sou, e mesmo que o fôsse não exerceria esta profissão na minha bancada de Deputado.

Porque é que uma grande emprêsa estrangeira se vai fixar numa colónia vizinha à nossa, para laborar os nossos produtos?

Não seria lógico que viesse para a nossa colónia de Angola?

E porque encontra nessa colónia facilidades que nós não lhe damos.

Mas julga V. Exa. que isto é um caso isolado? Não é.

A alta das sementes oleaginosas, durante o período da guerra, ora um estímulo para as emprêsas coloniais fazerem a compra dessas sementes, mas todas as boas vontades estacaram perante as dificuldades máximas que se apresentaram, sem razão alguma, porque nós não consumimos o que produzimos nem o que poderiamos produzir.

Foi avaliada em 80:000 toneladas a nossa produção de oleaginosas.

Há tambêm um ponto importante na exposição, aliás brilhante do Sr. Aboim Inglês, em que S. Exa. diz saber a laboração da Companhia União Fabril.

Quando eu digo comércio livre não digo exportação obrigatória.

Há muita gente que mo tem procurado o mo tem dito que do comércio livre pode resultar a falta de matéria prima, e daí a paralisação das nossas fabricas.

Devo dizer a S. Exa. que os alemães, antes da guerra, exportavam muitas sementes e que a própria Companhia, União Fabril fazia o mesmo.

Moçambique, mais longo da metrópole, tem aproveitado, até certo ponto, da vizinhança; não chega até lá o nosso regime de estrangulamento.

Lisboa ocupa uma situação especial, não só em relação às nossas colónias como pela diferença pautal o de fretes, de que pode resultar uma protecção à industria nacional. Nem todos os comerciantes podem vender ao estrangeiro, porque para o fazerem precisam de uma conveniente organização. Não se manda para o estrangeiro 20 a 30 sacas, e nem todos os comerciantes podem esperar pelas contigências do mercado externo.

O comerciante colonial não é, em regra, um comerciante que disponha de grandes capitais.

O comerciante, que vive au jour le jour não tem ocasião de esperar a alta.

De resto, nunca pessoa alguma pensou antes da guerra em que faltassem sementes oleaginosas pelo facto de ser livre o seu comercio, como o era nessa ocasião.

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Disse o Sr. Deputado Aboim Inglês que muitos comerciantes aceitaram o decreto e outros não. Aceitaram-no desde logo aqueles que têm o sou comércio organizado para a venda dos produtos aqui, aqueles que hão de aceitar sempre todas as soluções nacionais porque não estão em condições de fazer a exportação para o estrangeiro.

Mas então, Sr. Presidente, a quem beneficiou a proibição da exportação das oleaginosas? Foi às colónias? Não o nunca! Os comerciantes coloniais o, portanto, as colónias ficaram, em grande parte arruinadas por motivo do tal medida.

Foi a Metrópole? Também não. O Tesouro Público deixou de receber direitos cuja importância não seria inferior a 3:000 a 4:000 contos e a economia nacional 30:000 a 40:000 mil contos em ouro, que compensariam, em grande parte, a nossa má situação financeira.

Foi porventura o povo que lucrou, que teve o sabão mais barato? A seu tempo, Sr. Presidente, eu me referirei ao sabão.

Quem aproveitou, afinal, foi a Companhia União Fabril, pelos fabulosos dividendos que distribuiu pelos seus accionistas, pela sua situação privilegiada mista terra do gente pobre.

Há um outro ponto muito importante, ainda debaixo do aspecto sob que estou tratando a questão. E o fermento do revolta que êste regime de coacção permanente, de tirania constante da metrópole sôbre as colónias ali determina. Êsse facto é da mais alta gravidade, passando despercebido à maioria dos portugueses que só conhecem a Metrópole, pois é preciso ter percorrido as colónias, ter estado em contacto com elas, para se apreciar bem o sentimento do revolta que nelas se gera dia a dia pelos abusos do poder e pela persistência, em processos de administração colonial que estão hoje absolutamente postos de parte por todas as nações que têm colónias e desejam manter essa situação.

Se eu disser que do Angola vão para os Estados Unidos da América todos os jornais nativistas em que se reclama a autonomia em gordas letras se eu disser que outro tanto acontece com respeito às outras colónias do Atlântico, eu digo apenas a verdade. No nosso Ministério das Colónias, porém, não os encontramos e em Lisboa ninguêm se interessa por êsse facto.

Poderia ler à Câmara alguns telegramas sôbre êste assunto, que de modo algum podemos considerar desligado dos outros. Êles estão intimamente integrados no aspecto geral da nossa administração colonial.

Êstes telegramas escritos por portugueses, que representam o comércio de Angola, não indicam de modo algum um facto isolado, êles são um grito, mas um grito da força organizada mais importante daquela colónia.

O Sr. Aboim Inglês (interrompendo): - Quem assina o telegrama?

O Orador: - E uma comissão delegada de todos os comerciantes do sul e do norte de Angola.

Emfim, Sr. Presidente, isto são documentos para considerar e meditar, pois que os portugueses que se encontram nas colónias de alêm-mar tambêm são portugueses o tem direitos que ninguêm deve afectar.

Se entro com tanto calor nesta questão - e deixe-me, V. Exa., Sr. Presidente, abrir um pouco e perdôe-me a referência a mim próprio - é pela minha concepção de patriotismo, porque não compreendo Portugal limitado pelo Minho e pelo Algarve.

Por Portugal entendo toda a terra que é nossa, que é portuguesa, todo o lugar onde só fala a nossa língua e há homens que defendem e zelam o nome da nossa Pátria. Êsse é que é o Portugal maior, o Portugal grande que representa, emfim, a maior aspiração da minha vida.

Por isso eu digo que estamos em faço dum assunto capital que é, dalgum modo, um aspecto da nossa administração no que diz respeito às questões coloniais, que tem de ser atendidas com carinho e justiça.

Mas, dever-se há julgar que eu sou de parecer do que a indústria nacional não deve ser protegida? De modo algum! E absurdo seria que eu, defendendo os interêsses das colónias, por qualquer forma desejasse o prejuízo dos da metrópole.

A indústria nacional é protegida sob vários pontos de vista. Por exemplo: os

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produtos - matérias primas - saídos de portos das colónias para a metrópole têm uma protecção pautal de 12 por cento. A taxa de exportação para Portugal é de 3 por cento, ao passo que para o estrangeiro é de 15 por cento. Isto dum modo geral, e refiro-me especialmente às colónias do Atlântico.

Mas não há só a protecção pautal, temos outros diferenciais. Assim, a mercadoria trazida até Lisboa em navios portugueses paga menos do que vindo em navios estrangeiros. Tudo isto é uma protecção indirecta à indústria.

Quere V. Exa. ver o que se dá com respeito ao coconote?

O coconote exportado de Loanda para Liverpool paga por arroba, $48 de direitos de exportação e 1$20 de frete, ou seja a total de 1$68.

Agora quere V. Exa. ver quanto paga de Loanda para Lisboa?

Há, para um produto que inicialmente vale 3$ por arroba uma diferença de 1$, ou seja de um têrço.

Ainda haverá quem julgue pouca a protecção dispensada à indústria?

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que deu a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia. Se V. Exa. assim o desejar fica com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Orador: - Sim, senhor.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da

ORDEM DO DIA

Obra do dezembrismo

O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: cumprindo o preceito regimental começo por mandar para a Mesa a minha moção de ordem.

Sr. Presidente: como se vê nos termos da minha moção, digo que o dezembrismo foi um crime. Todo o crime é repelente, o que não quere dizer que, quando o crime é cometido por diferentes indivíduos, todos êles tenham as mesmas responsabilidades, e que, portanto, a responsabilidade de cada um deva ser avaliada pelo mesmo padrão. Mas a Câmara não é um tribunal criminal e, portanto, não vou agora julgar das responsabilidades dêste ou daquele; trato apenas de apreciar o assunto político na tela da discussão, o dezembrismo, e se êle foi ou não um crime, um grave crime político. Que o foi, diz a minha moção, e eu procurarei demonstrá-lo.

Antes desejaria, porêm, render as rainhas homenagens ao ilustre Deputado que nesta Câmara representa o dezembrismo, e que tam brilhantemente, embora com ímprobo esfôrço, tentou defender tam nefasta causa, não já pelos actos então cometidos, pois êle próprio declarou que contra muitos deles tinha protestado solenemente na imprensa e no pseudo-Parlamento a que então pertenceu, mas sobretudo pela honorabilidade das intenções que motivaram êsse movimento político.

É isto já meio caminho andado; está na senda do arrependimento, e se é certo que de boas intenções está o inferno cheio, não serei eu que da minha parte deixe de lhe estender a mão para que êle possa enveredar de vez pelo caminho do arrependimento completo.

A aspereza da tarefa que S. Exa. tomou sôbre os seus ombros era tamanha que até se esqueceu de dar cumprimento ao artigo 59.° do Regimento, o qual. impõe que, dada uma questão para ordem do dia, quem se inscreva para a tratar, terá de principiar apresentando a sua moção de ordem.

S. Exa. não a apresentou, mas isso não impedirá que eu, hipoteticamente, possa imaginar a moção que S. Exa., porventura, poderia ter apresentado, e que seria precisamente o contrário da minha, podendo mesmo até ser assim redigida:

"A Câmara, cônscia de que o dezembrismo foi um acto de patriotismo e de virtude cívica, passa à ordem do dia".

Já vê S. Exa. que bem me poderia até agradecer, pois que dêste modo procuro obviar à sua falta de cumprimento da determinação regimental

Sr. Presidente: não tratarei de apreciar o dezembrismo sob o ponto de vista

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da política interna, mau grado eu ter sido uma das vítimas das suas perseguições e truculências.

No emtanto no meu vocabulário político não há o termo "vingança", e no meu coração não há ódios nem rancores em permanente laboração. A minha consciência, porém, diz-me que o perdão fácil e prematuro se pode acaso converter num incitamento a prosseguir no caminho do crime, ou numa reincidência no mesmo crime. E se isto assim é no ponto de vista moral, mais o é ainda no ponto de vista político.

O que me proponho demonstrar com documentos é que desde o seu primeiro dia o dezembrismo foi um crime contra a honra da Pátria, pelo esquecimento ou falseamento dos nossos deveres internacionais e militares.

Não falo como juiz, como julgador, pois não quero julgar ninguém, mas assumo para mim o papel duma testemunha que pode apresentar à apreciação da Câmara e do país documentos e factos de considerável importância para o julgamento ou apreciação final dêsse triste período da nossa história política.

Sr. Presidente: recordarei de começo que a última vez que falei com Sidónio Pais foi precisamente no dia 4 de Dezembro de 1917, justamente na véspera dêsse famoso dia 5, em que rebentou o primeiro tiro de canhão no parque Eduardo VII contra a legalidade republicana.

Encontrando me com êle, no Chiado, Sidónio perguntou-me o que havia de novo.

Disse-lhe que, a meu ver, deveria estar o Ministério em terra dentro de dois ou três dias, pois só se aguardava para isso a chegada do Sr. Dr. Afonso Costa.

Conseqúentemente, acrescentei, deveria-mos vir a ter a dissolução parlamentar votada mais perto, bem mais perto do que era talvez dado supôr-se.

Respondeu-me êle: "Seja como fôr, a dissolução já se não fará".

No dia seguinte rebentava o movimento de 5 de Dezembro...

Sr. Presidente: um dos primeiros actos dêsse governo revolucionário de 5 de Dezembro foi precisamente, como uma grande afirmação de homenagem à liberdade do pensamento, a abolição completa da censura à imprensa que tinha sido anteriormente estabelecida como uma consequência fatal e uma medida indispensável do estado de guerra.

Quere dizer, a censura tinha-se estabelecido, tinhamo-la nós, os parlamentares de então, votado por causa da guerra e como medida de guerra, e ainda por causa da guerra e como medida contra a guerra, a censura foi abolida pelo dezembrismo triunfante.

Os jornais ficaram então sujeitos à correcção da rua que era a onda ameaçadora, tirânica, absoluta, turbulenta, constituída por elementos da própria polícia ou por elementos que ela protegia e incitava, indicando-lhe o momento de intervir, assaltando os jornais que lhe desagradassem.

Mas tempos depois a censura legal foi de novo estabelecida pelo próprio Govêrno que a tinha derrogado e os documentos que eu possuo, documentos deveras preciosos, alguns dos quais eu lerei à Câmara, mostram bem que a censura que outrora tinha sido estabelecida pelo Parlamento por causa da nossa intervenção na guerra começou a ser aplicada contra essa mesma intervenção, para aniquilar a nossa acção militar que estava então no seu período de maior intensidade.

Todos sabem o tristíssimo papel que nesse movimento de Dezembro desempenhou o regimento de infantaria n.° 33, que entrou no movimento sob a promessa de que não iria para a guerra.

Essa vergonhosa promessa encontrou eco na entrevista por um Deputado conservador espanhol que se encontrava hospedado no Avenida Palace, por ocasião dêsse movimento, a um redactor de O Liberal, de Madrid, logo que chegou à capital espanhola.

Essa entrevista transcrevi-a eu nas colunas da República, jornal que já então eu tinha a honra de dirigir.

Foi o bastante para que logo as ameaças feitas me determinassem prudentemente a esconder tudo, por minha parte, ao país pequena imprensa estrangeira se dizia acerca do recente movimento revolucionário.

Ora foi exactamente êsse 33 o único regimento português que não teve a, honra, pois a ela fugiu, de figurar entre os que tão brilhantemente se bateram nos campos de batalha, quer da Europa, quer da África.

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E como prémio da sua vergonhosa felonia, Sidónio Pais deu-lhe as honras de guarda pretoriana da sua própria pessoa, chamando-lhe em vários discursos que pronunciou em Lisboa e na província,: "o seu bravo 33".

Por êsse motivo tambêm êsse regimento passou a ser especialmente protegido pela censura do dezembrismo.

Eu tenho aqui um documento que o prova e que vou ler à Câmara.

Consta êle dum corte da censura num número da República, cuja data não me foi possível precisar.

Muito proposital monto, note a Câmara, muito propositadamente, no Rol de honra dos campos de batalho, enviado pelo Ministério da Guerra, e pela República publicado, saiu um dia que entre êles figurava um oficial de infantaria 33.

No dia imediato procurei publicar uma errata a êsse proposital equívoco, mas que a censura do Ministério da Guerra de nenhum modo podia saber ou supor que fora, proposital.

Eis como a Republica procurou corrigir o tal seu suposto êrro:

"3 e não 33.

"Um lamentável êrro de revisão dava como pertencendo no regimento de infantaria 33, em a nota oficiosa que ontem publicámos dos militares mortos em França, o alferes Francisco Pinto Vidigal, pertencente ao 3 de infantaria.

Descobrindo-nos reverentes perante a sua memória, pedimos a todos os soldados que se estão batendo em França e a todos os regimentos a que êles pertencem, que nos perdoem o involuntário e lamentável equívoco, seguramente tam doloroso para êles como para nós".

Pois a censura cortou isto!

O que é que significava o seu procedimento assim ardilosamente provocado pela Republica?

Que se queria manter no engano os leitores do jornal, fazendo-lhes crêr efectivamente que tanto havia já em França fôrças do 33, que até era dos seus oficiais figurava na lista dos mortos no campo de batalha, e, consequentemente, que era falso o que se dizia acerca do 33 se ter revoltado com a promessa de não ir para a guerra.

Dias depois, em 6 de Abril, na secção do Museu Germanófilo, que a República tinha aberto para nele ir coleccionando dia a dia tudo aquilo que na imprensa monárquica ou não monárquica fôsse aparecendo ou tivesse já aparecido como oposto à nossa intervenção na guerra e favorável à acção da inimigo, a censura cortava o seguinte que era um dos papelinhos que, ao tempo da nossa preparação para a guerra, foram profusamente distribuídos nas ruas do Lisboa, embora criptivamente:

"Mais um documento histórico. - Cabe hoje a exposição neste incomparável museu a êste papelinho que clandestina, pôs-to que profusamente, distribuído em Lisboa e pelo país, ao tempo em que os Governos da União Sagrada preparavam a nossa cooperação militar na guerra, o que conseguiram através de todas as dificuldades:

"Para a guerra? Para a penitenciária? Os partidários da guerra esforçam-se por enviar gente para o matadoro, oferecendo soldados como cousa própria. O dilema está pôsto: ou para a guerra, como grilhetas, as ordens dos maiores bandidos, os homens honestos e amigos da sua terra; ou para a penitenciária os quadrilheiros autores de toda esta farça que encobre roubos. E imprescindível tomar um dos caminhos apontados. Ao segundo, pois!"

"Os nossos soldados foram para a guerra antes de 5 de Dezembro; depois desta data deram entrada na penitenciária alguns dos homens públicos que, se tiveram essa responsabilidade, nunca a declinaram.

Foi, pois, satisfeita a vontade dos homens dos papelinhos".

A raiva que isto produziu, na censura militar, foi de tal ordem que o lápis azul da censura, na fúria com que foi manobrado, quási que rasgou inteiramente a prova da página a ela submetida e que V. Exas. aqui tem para examinar.

Êste documento, como a Câmara vê, tem mesmo um. alto valor psicológico para a apreciação do dezembrismo. E a raiva com que a censura o vitimou denota bem que o golpe desferido pela República lhe acertou em pleno peito...

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Mas há muito mais. A censura do dezembrismo chegou a lazer uma defesa descarada e descabelada do jornal monárquico O Liberal, dirigido por António Teles de Vasconcelos, que foi, depois, reconhecido pelo próprio dezembrismo como agente alemão e que, como tal, se viu forçado a pô-lo fora do país. Êsse jornal afirmava o seguinte, num dos seus números:

"1.° Que o sangue português fora vendido pelo partido democrático à Inglaterra;

2.º Que os nossos soldados embarcaram quási à fôrça;

3.° Que êles eram as rêses de uma quadrilha chefiada pelo sr. Afonso Costa".

Pois estas afirmações foram cortadas na República, como a Câmara pode ver, deixando-se passar o comentário a elas e que torna o artigo ininteligível. A censura até parece feita por qualquer redactor do Liberal, Rábido como é que êles tinham entrada fácil noa Ministérios e na polícia, não faltando até na redacção dêsse jornal quem blasonasse do fazer o que queria do Lobo Pimentel, o próprio comandante da polícia...

Mas há cousas mais graves. E a procissão ainda vai a sair da igreja...

Tinha-se dado o combate de 9 de Abril, tam avesso às nossas armas, pôsto que altamente glorioso para elas, e no placará do Século apareceu um telegrama de Paris, que eu li na passagem para a redacção e que na redacção fui encontrar entre o habitual serviço da Havas.

Daí a momentos, do Govêrno Civil, preguntaram pelo telefone se estava o director do jornal e, recebendo resposta afirmativa, intimaram a que a República não publicasse aquele telegrama.

Ora como não obedeço nem nunca obedecia a intimações policiais desta natureza, pousei os auscultadores e mandei logo publicar o telegrama, devidamente comentado, a toda a largura de duas colunas e logo no alto da página. Aqui está a prova da censura, com o respectivo corte. Passo a ler:

"Os infames alemães. - Artilheiros portugueses e ingleses fuzilados. - Paris, 17. - Segundo a Agência Havas, na linha britânica, os prisioneiros do regimento 93 da infantaria prussiana afirmam que os artilheiros ingleses e portugueses foram fusilados por se terem recusado a voltar as peças contra os seus compatriotas.

"Não nos repugna acreditar que o facto seja verdadeiro, porque os processos de guerra alemães são da mais violenta e infame atrocidade. No emtanto toda a nossa alma vibra de indignação o se levanta para se revigorar no ódio a uma raça que sempre o espírito latino tem do considerar bárbara, rapace e retrógrada".

Claro está que a censura cortou isto 110 número do dia seguinte, era o de 18 de Abril, como a Câmara pode examinar. Era isso mesmo que eu pretendia, desobedecendo à insólita e arbitrária imposição policial. Lá estava a censura. Que cortasse se quisesse e entendesse que era do seu dever e das instruções recebidas. O meu dever era, como jornalista, publicar o telegrama e, como patriota, desobedecer à polícia, que assim fazia o serviço dos nossos inimigos. Eu ficaria assim com o documento e a prova esmagadora para ela e para o Govêrno, e que a todo o tempo poderia invocar e mostrar. E o que laço neste momento, em que tam solenemente faço o meu depoimento como testemunha ante o meu país e ante a História.

Quere a Câmara documento mais concludente de que nas regiões oficiais se fazia o jôgo da Alemanha?

Dias depois, em 23 de Abril, a censura sustou ainda o seguinte sôbre o mesmo assunto:

"Ansiedade. - Duas semanas decorreram sôbre o combate em que tantos soldados portugueses, apesar da sua heróica resistência, tiveram de recuar perante a brutal investida dos boches muitíssimo superiores em número, deixando o solo juncado de cadáveres (segundo se diz) o prisioneiros nas mãos dos inimigos, e ainda o Govêrno não forneceu à imprensa uma lista das perdas sofridas. Cada soldado que a essa data, 9 do Abril, estava combatendo em França, tem em Portugal corações dedicados e amigos que ansiosa

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mente esperam as suas notícias e estão palpitando, desde então, numa angústia tremenda que é quási um crime prolongar. Mas não são só as famílias e os amigos dos combatentes que carecem de saber a verdade do que se passou, ou pelo menos os nomes dos mortos, dos desaparecidos, dos prisioneiros, dos feridos no combate do dia 9. Todo o país tem direito a sabê-lo e êsse direito é dos que não admitem delongas. Ao desleixo do Govêrno acresce a perturbação que no espírito público causam certos cortes que a censura porventura preventivamente faz em notícias referentes ao mencionado combate. Acabe-se, pois, com esta ansiedade torturante e cumpra o Govêrno imediatamente o seu dever".

A censura cortou implacávelmente êste artigo que representou bem a ansiedade do espírito nacional, deixando crescer essa ansiedade avolumando com os boatos e as notícias dos sucessivos avanços alemães de então, que precederam os ulteriores contra-ataques vitoriosos de Foch. Só os jornais situacionistas podiam comentar a seu belo prazer as notícias da guerra.

Os jornais republicanos não tinham êsse direito...

O Sr. Vitorino Godinho: - Os que se diziam jornais republicanos e ajudavam a obra do dezembrismo foram condecorados!

O Orador: - Razão de sobra para justificar que não o fossem os que o combateram a peito descoberto.

Mas continuo a apresentar os documentos que prometi.

No dia 20 de Abril houve na República o corte do seguinte artigo sôbre o Roulement. E a propósito devo dizer, pois já o posso dizer, que o roulement foi aqui largamente discutido numa das sessões secretas realizadas no tempo em que o Sr. Afonso Costa presidia ao Govêrno, a seguir ao Ministério da União Sagrada. E nessa discussão tomou larga parte, defendendo-o, um oficial que foi mais tarde Ministro de Sidónio Pais...

Pois, como vinha dizendo, o corte feito pela censura no dia 20 de Abril foi o seguinte:

"O roulement.- Da católica Liberdade, do Pôrto: Tem dito o nosso presado colega A Situação que o Govêrno satisfez uma justa reclamação do exército decretando o roulement - e é verdade. Mas está êle pôsto em prática?

Oferecemos ao colega e ao Govêrno a seguinte passagem duma carta dum amigo nosso, actualmente no front e datada de 8 do corrente:

"O Govêrno tem aqui perdido simpatias, pois todos estão convencidos de que o roulement nunca passará do domínio da papelada e nunca será pôsto em prática".

Como esclarecimento devemos dizer que o oficial signatário da carta é um amigo do Govêrno, um conservador e um católico militante".

A isto observava a República:

"Oferecemos êste guardanapo ao Govêrno para que se assoe a êle, tanto mais que o roulement, como êle o determinou, foi com o viso de colhêr simpatias talvez mais cá dentro do que lá fora... Olhe que a Liberdade é um dos seus melhores amigos... de Peniche".

O Sr. Vitorino Godinho (interrompendo): - O roulement dos oficiais era impraticável como o pode averiguar quem quiser ouvir a opinião dos oficiais que estiveram em França e quem quiser ler o que está escrito a êsse respeito.

Essa idea só podia ser defendida por má fé, e o que se pretendia fazer com o roulement era um verdadeiro conto do vigário.

O Orador: - Eu tambêm assim o considerei e considero; mas isso é caso para ser tratado mais tarde.

No dia 28 de Julho ainda o jornal a República era mais uma vez vítima da censura.

O corte foi feito no artigo que vou ler:

Museu germanófilo (2.ª série). III. "O maior crime nacional". - Exporemos hoje neste nosso educativo e incomparável "Museu" o seguinte trecho de um artigo

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inserto em uma folha monárquica do Pôrto:

"Quanto à nossa participação na guerra dissemos que foi o maior crime nacional que se tem cometido, e disso estamos convencidos. E bem do domínio público que todas as nações publicaram em livros os documentos trocados com as chancelarias e que precederam a sua participação no conflito. Só Portugal o não fez; não o fez o Govêrno democrático que foi quem para a guerra nos arrastou. Foi a nossa fiel aliada quem solicitou a nossa cooperação militar? Porque se não deu então a público o documento em que tal cooperação era pedida? (Da Pátria, jornal monárquico do Pôrto, em 20 de Julho. Redactor principal, Campos Monteiro, deputado monárquico pelo Porto).

E a República comentava: - Como se vê, é Deputado monárquico o redactor principal da folha em que se assevera que foi "O maior crime nacional" não só cumprirmos os nossos deveres de aliança, como ainda defendermo-nos contra a afrontosa declaração de guerra que nos fez a Alemanha. Vê-se que o Sardinha fez escola. O que cumpria era fazer Portugal o contrário do que fez... Ora o taJ redactor, bem como o inspector Sardinha, são... Deputados. Claro está que vão pedir em sessão pública os esclarecimentos que exigem nas suas respectivas folhas. Se não o fizerem, e desde já, não são mais que uns simples farçantes".

Repito que essa transcrição, assim comentada, era feita de um jornal monárquico do Pôrto, dirigido pelo célebre Pereira, um homem que tam celebre se havia de tornar depois no tempo da Traulitânia, e de cuja redacção fazia parte outro monárquico, o Dr. Campos Monteiro, que tinha assento nesse pseudo parlamento sidonista.

O meu dossier é enorme, e o que apresento à Câmara é a mínima parte dele, escolhendo eu de entre êle o que se me afigura demais impressivo quanto à orientação do dezembrismo na questão da guerra, pois não quero tomar demasiado tempo à Câmara cora a minha despretenciosa e desataviada exposição. Por isso vou referir-me agora a um incidente levantado nesta mesma sala era que estavam reunidos no tempo em que aqui se reuniam os Deputados dezembristas, monárquicos e não monárquicos ou monárquicos encobertos. Pois numa dessas sessões, um dia foi apresentado pelo Sr. Aires de Ornelas o requerimento que passo a ler:

"Nos termos do Regimento que no n.° 4.° do seu artigo 4.° preceitua que a Câmara funcionará em sessão secreta:

N.° 4.° Por simples requisição de vinte Deputados que, apenas informarão o Presidente do assunto a tratar na sessão secreta: os abaixo assinados, Deputados da Nação, requisitam uma sessão secreta:

1.° Para que o Govêrno se manifeste sôbre a conveniência ou inconveniência da publicação dum Livro Branco com os documentos referentes à nossa entrada na guerra;

2.° Para que o Govêrno defina a nossa situação actual na guerra.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 29 de Julho de 1918. - Aires de Ornelas, António Cabral, D. Luís de Castro, José de Azevedo Castelo Branco, José Augusto Moreira de Almeida, Alfredo Pimenta, Gaspar de Abreu e Lima, Camilo Castelo Branco, Aníbal Soares, António Sardinha, Conde da Arrochela, Alfredo António Cunhal Júnior, F. Rocha Martins, Eduardo Pinto da Cunha, António Hintze Ribeiro, Artur Carvalho da Silva, António Teles de Vasconcelos, Alberto Navarro, Abílio de Campos Monteiro, Fernando Pizarro de Sampaio e Melo, João José de Miranda, Álvaro de Miranda Pinto de Vasconcelos, Frederico de Bivar Weinholtz, José Lobo de Ávila Lima, António Duarte Silva e António Horta Osório.

Êste requerimento transcrevia-o a República no seu Museu germanôfilo, de 31, comentando-o nestes termos:

"Pedem os signatárias dêste documento uma sessão secreta para saberem as razões porque não se publica o Livro Branco. Porque não fazem pregunta em sessão pública? O Govêrno não carece de sessão secreta para dizer quais essas razões, tanto mais que, fazendo parte do Govêrno indivíduos que no Parlamento fizeram tais preguntas em sessão pública por várias vezes, nunca os Governos de então pediram sessões secretas para explicarem

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o motivo porque não publicavam o Livro Branco. Entenderão agora êsses mesmos indivíduos que só em sessão secreta é que se podem explicar?...

Demais ainda no requerimento se pede para o Govêrno definir a nossa situação actual na guerra. Pois ainda não está definida?...

A razão da sessão secreta não é nenhuma das alegadas. Fazendo parte da actual assemblea de S. Bento, a título de Deputados, indivíduos assas conhecidos como germanófilos e outros publicamente acusados, sem que nunca conseguissem defender-se da acusação de servirem a Alemanha por dinheiro, o que se pretende evidentemente, é conhecer documentos secretos para se informar conscienciosamente o alemão que paga..."

Deu ensejo êste justo comentário, a que o Sr. Aires de Ornelas, que era director do jornal monárquico o Diário Nacional, viesse aqui à sala do Parlamento pôr em scena uma ridícula o torpe comédia política a que o Govêrno de então se associou, o durante a qual não faltaram imprecações e injúrias contra o jornal a República e o seu director, a minha humilde pessoa.

Esqueceu ou fingiu ignorar êste desgraçado Sr. Ornelas, que parecia ter então o rei e o Sr. Sidónio Pais na barriga, e chamo-lho desgraçado, porque êle se encontra agora entre o número dos presos políticos, que tinha então a seu lado na bancada parlamentar indivíduos que eram conhecidos como germanófilos profissionais, francamente dedicados à Alemanha; indivíduos como José do Azevedo Castelo Branco, por exemplo, que publicava no jornal monárquico O Dia, cujo director tambôni figurava entro os signatários do requerimento que tive a honra do ler à Câmara, vários e inolvidáveis artigos contra a nossa entrada na guerra, e como êsse venal e ridículo Pimenta, que toda a gente conhece, e que fazia tambêm parte da redacção do próprio jornal que o Sr. Aires de Ornelas dirigia.

No emtanto o próprio Aires de Ornelas escreveu, ou consentiu que o jornal monárquico quê dirigia, publicasse o que vou ler cêrca de germanofilismo e germanófilos. É uma verdadeira revelação e, do mesmo passo, a mais formal condenação da indignação postiça que então pôs nas palavras que aqui nesta sala então proferiu:

"Se um monárquico fôr acusado, mesmo com factos, de germanofilia combatente, não ficará fora do nosso grémio emquanto uma sentença passada em julgado o não afirmar culpado".

E êste aforismo do Diário Nacional, do dia 7 de Julho, isto ó, de poucos dias antes daquele em que o Sr. Aires do Ornelas aqui apresentou o tal requerimento. De forma que, como lugar-tenente do D. Manuel e jornalista, entendia que o seu partido podia ser valhacouto de todos os suspeitos de propaganda germauófila, contanto que fossem suficientemente hábeis para escapar a uma sentença de justiça; mas, como Deputado e chefe do bando monárquico, entende que qualquer dêsses lá podia estar muito bom, pois que ainda que lhe mostrassem as provas palpáveis de traição ou os próprios recibos dos trinta dinheiros, isso não podia substituir o valor duma sentença condenatória do Poder Judicial. Assim poderiam assistir à sessão secreta que requeriam êsse venal Pimenta e o Teles de Vasconcelos, por exemplo, tomar conhecimento dos documentos secretos do Estado e ir entregá-los depois, mediante estipêndio, ao inimigo.

Não tinha dúvida. Ainda não havia sentença contra qualquer deles...

Assim, Aires de Ornelas, jornalista, em vez de tratar a questão no seu jornal contra o jornal e o jornalista que lhe fora a mão, preferiu valer-se da sua situação de Deputado e vir aqui para a Câmara representar a tal comédia, pois estava certo de que aqui não poderia ter logo a devida resposta, visto eu não ter, por honra minha, lugar entre os pseudo Deputados de então. Não pôde escapar, porém, ao duro castigo que lhe infligi na imprensa, tendo só agora que registar a triste fuga do Deputado e do representante do el-rei, esquivando-se a todo e qualquer encontro com o jornalista e o jornal no terreno da imprensa.

O Sr. Aires de Ornelas parece ter, mais tarde, reconhecido o triste papel que fizera nesta casa, porquanto no próprio Diário da Câmara dos Deputados

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fez justiça a si próprio, não fazendo publicar nele êsse tal seu discurso.

Em compensação, Sr. Presidente, o Sr. Tamagnini Barbosa saiu do seu lugar, na bancada governativa, para cumprimentar o mau português que tinha tido a coragem de, sem o menor rebuço, fazer tal afirmação.

Emquanto o Sr. Aires de Ornelas tinha a hombridade de, por vergonha, evitar a publicação do seu discurso no Diário das Sessões, o Ministro Tamagnini, para ignomínia sua, deixava publicar o seu.

O Sr. Tamagnini Barbosa dizia então, respondendo ao Sr. Aires de Ornelas:

"Escusado seria tomar a palavra para acentuar, em nome do Govêrno, a reprovação a essa atitude dum jornal que, procurando visar os parlamentares monárquicos, visava a Câmara toda. (Apoiados). Os seus autores são os mesmos que, pregando durante tanto tempo a união de todos os portugueses, formulam agora, pelos processos mais ignóbeis, a desordem de todos nós.

Não é preciso acrescentar mais nada.

Isto está impresso no Diário das Sessões.

Não se torna necessário acrescentar mais nada, dizia êle. E não.

O futuro, os factos subsequentes são a própria condenação do seu procedimento. O cordial aporto de mão trocado então entre êle, em nome do Govêrno, e o Br. Aires de Ornelas, teve, como consequência levar a República à beira do abismo, poucos meses mais tarde, com a sublevação monárquica do Pôrto.

E mais não digo sôbre o Sr. Aires de Ornelas, pois que se encontra preso, e eu nunca ataquei ninguém que preso se encontrasse, e que, portanto, não pudesse gozar da sua liberdade para se defender plenamente dos ataques que lhe fossem feitos.

Quando nós as vítimas do dezembrismo, estávamos sob prisão, elo no seu jornal aproveitou-se da situação de favor que então fruía para nos atacar rudemente, mais que rudemente, descareadamente, e sem o menor escrúpulo.

Eu, ao contrário dele, limito-me a um singelo repudio das palavras com que procurou atingir-me nesta casa e a apresentar serenamente, como uma simples testemunha, os documentos dos factos que conheço e que comprovam a turva política do dezembrismo, em que êle colaborou, quanto à nossa cooperação na guerra.

Mas há mais ainda neste meu dossier - e para isto chamo a especial atenção da Câmara:

Tempo depois, ainda no jornal A Republica, e a propósito de se afirmar no próprio órgão oficioso de Sidónio Pais que o Sr. Brito Camacho se esquivava a ir para a guerra, publicou-se o seguinte:

"Como se viu pelo requerimento do Sr. Brito Camacho, êle não se recusa a ir para França, disposto como está a seguir, como médico militar, quando o mandarem, quer lhe caiba, quer não, a vez na escala dêsse famoso roulement, palavra francesa que o geral do público não sabe o que é, mas que pode ter a livre, significativa e justa tradução de engrolamento.

Se não veja-se o que se está dando com o Sr. capitão Carneira, a escora máxima do dezembrismo, o qual, não querendo ser enroulé, se pinta para engrolar os outros na sua altura da escala.

E tanto assim que sabemos que, avisado o Sr. capitão Carneira de que, lhe cabia a vez de marchar, o Sr. capitão Carneiro - capitão dos serviços de administração militar, Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa, por extenso - participara que "não aceitava a comissão no Corpo Expedicionário Português por ser Deputado da Nação".

É curioso, pois, comparar o procedimento do Sr. Brito Camacho com o do Sr. capitão Carneira (Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa, por extenso), e, principalmente, dêste "Deputado da Nação"... dezembrista com os Deputados da Nação que eram militares no Parlamento demolido a tiro pelos canhões do parque Eduardo VII em Dezembro do ano passado, os quais não invocaram a sua qualidade de parlamentares para deixarem de cumprir o seu dever militar, não sendo mesmo poucos aqueles que voluntariamente se ofereceram - e seguiram - para marchar para a frente de batalha.

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De resto, chamar um oficial "mobilizado" comissão a um serviço de campanha só podia lembrar ao Sr. capitão Carneira (Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa, por extenso), e aceitar como boa tal classificação e... desculpa do Sr. capitão Carneira (Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa, por extenso), só o podia fazer um Ministro que, de facto, não é Ministro, mas simples secretário, ou lá o que quer que é, de quem tem por escora máxima o Sr. capitão Carneira (Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa, por extenso)".

Compare-se agora o procedimento inqualificável dêsse pseudo-Deputado de então que, sendo oficiando exército, e demais a mais da administração militar, o que diminuía profissionalmente o seu risco pessoal, recusava o serviço de guerra que por escala lhe competia, e a que êle chamava comissão de serviço, sob o pretexto do ser Deputado, com a nobre atitude dos meus colegas no Parlamento que Sidónio Pais dissolveu a tiro, os quais tendo feito a propaganda da guerra e que, a começar pelo seu ilustre presidente, que é hoje o novo presidente, o Sr. coronel Sá Cardoso, a quem por isso presto a mais alta homenagem, à frente, puseram inteiramente de parte as suas regalias parlamentares, seguindo, sem hesitação, para onde o dever militar os chamava a combater pela Pátria. (Apoiados).

Outro documento, Sr. Presidente. Consta da República, de 25 de Agosto de 1918.

Havia o próprio órgão de Sidónio Pais, a Situação, publicado o seguinte:

"Os aliados não solicitaram reforços, antes pelo contrário; mas o Sr. Garcia Rosado foi encarregado de ir a Paris e Londres conseguir que êsse "pelo contrário" desapareça".

Foi isto transcrito, sob a epígrafe Canalhas, em o número de 18 de Agosto do Rebate, propriedade do Grupo de Propaganda Estudos Sociais, que lhe fez o comentário seguinte:

"Isto é mendigar-se uma autorização para o envio de tropas. Todas as promessas, todos os protestos não passaram de repelentes burlas. O povo tem fome, não importa, contanto que se possa mandar para o front carne de canhão e que à custa do sangue derramado se consolide o poder das carnarilhas".

Pois a censura, a tal censura... contra a intervenção na guerra feita no Ministério da Guerra, deixou circular isto! Em vista do que a República transcreveu isso mesmo na sua secção: Museu germanójilo, de 25 de Agosto, sob a epígrafe: Estranho protesto, o fazendo o seguinte comentário que a censura curtou, como aliás curtou tambêm o tal comentário à Situação que havia deixado circular no tal jornal operário ou pseudo-operário:

"Como se vê, fala-se em promessas não cumpridas, note bem a Câmara, em promessas não cumpridas, e, portanto, qualificadas de burlas. Que promessas foram essas? Quem as fez? Dar-se há caso que se confirme assim as declarações feitas no Liberal de Madrid pelo Deputado espanhol D. Emílio Santa Cruz, que se encontrava em Lisboa nos primeiros dias de Dezembro do 1917, o qual entre outras cousas disse: e constou ser o movimento de então monárquico-germanófilo, tendo-se prometido às tropas que se revoltassem para não irem para a guerra?

Verdado é que êle acrescentou não ter para isso outro dado que não fôsse o saber-se que "700 homens do regimento de infantaria de linha n.° 33 tinham de embarcar dum momento para o outro, a fim de serem transportados para a frente".

Por sinal que por nós termos transcrito isto em a República de 15 de Dezembro de 1917 ia caindo o Carmo e a Trindade... Mas agora o Rebate diz aquilo que diz com permissão da censura... Mas quem foz então as tais promessas? Os monárquicos ou quem?...".

Isto foi simplesmente cortado pela censura na República. Aqui tem a Câmara o respectivo exemplar da prova submetida à censura para ver. Digam agora que a censura não era germanófila, ou que no Ministério da Guerra anterior, pois tinha começado o contra-ataque vitorioso de Foch, se procurava ocultar ao país e ao estrangeiro estas provas evidentes duma anterior subserviência ao ídolo germânico.

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Outro facto. Não tem fim a série. Isto agora é com o jornal o Tempo, órgão oficioso do Ministro Tamagnini Barbosa. Achava-me eu preso com o Sr. José Barbosa na Torre de S. Julião após o malogro do movimento de Coimbra em que não tínhamos tomado parte, escusado será dizê-lo. Um dia pela manhã apareceu inesperadamente na Torre um agente de polícia com um mandado. Tivemos de o acompanhar até ao Ministério do Interior, onde nos fizeram entrar para a sala onde funcionava a polícia inter-aliada. Nada tenho de dizer à Câmara quanto ao motivo porque nos forçaram a comparecer ali. Não serei eu que levante aqui o sigilo até agora conservado por essa polícia. Apenas direi, e aqui está a prova, que o Tempo, do Sr. Tamagnini Barbosa, com a segurança de que não podíamos protestar por estarmos incomunicáveis publicava o seguinte dois dias depois, a 24 de Outubro...

O Sr. Presidente: - Previno o ilustre Deputado de que são 18 horas e 15 minutos e que estão na Mesa emendas do Senado à lei dos duodécimos que necessitam ser hoje discutidas, por isso rogo a V. Exa. a fineza de terminar as suas considerações ou suspende-las até a próxima sessão.

O Orador: - Se V. Exa. me permite eu faço a leitura a que ia proceder. E breve.

"Um telegrama sensacional - Quem são os germanófilos? - Foi uma casa alemã que forneceu os revolucionários - O nosso presado colega A Situação publicava ontem o seguinte telegrama sensacional:

Paris, 19. - Sabe-se de fonte autorizada que uma grande parte das armas e munições apreendidas aos organizadores da recente tentativa revolucionária contra o Govêrno do Sr. Dr. Sidónio Pais foram enviadas para a fronteira portuguesa por uma casa alemã.

Causou profunda sensação a prontidão e energia com que foi dominada a tentativa revolucionária, esperando-se com confiança a eficácia das medidas tomadas pelo govêrno português, a fim de pôr termo a esta constante agitação que torna impossível toda a colaboração séria de Portugal nos negócios internacionais. - Fast".

A segunda parte do telegrama é de molde a regozijar o nosso coração de portugueses. Vê-se que nos meios políticos da França causou sensação a rápida jugulação do movimento criminoso da semana última. Não podem os demagogos portugueses alegar o reaccionarismo da França, agora que o velho tigre, essa admirável figura de velho lutador, que é Clemenceau, preside aos destinos da pátria de Joana d'Arc. Apurado o caso Malvy, tam explorado pelos jornais adversos á actual situação política de Portugal, que teciam ao prescripto os mais rasgados elogios, a França, embora dirigida pelo velho jornalista do "Homme Libre", compreendeu a união nacional.

Compreende-se, portanto, que a França tenha visto com bons olhos a jugulação do nosso movimento interno, porque essa vitória representava a vitória da união dos portugueses sinceros.

Eis porque nos agradou a segunda parte do telegrama da Fast. Mas, infelizmente, a primeira parte, que a agência parisiense diz ter colhido em fonte absolutamente autorizada, vem dizer-nos que as armas foram enviadas para a fronteira portuguesa por uma casa alemã.

Vejamos agora esta local, publicada nos jornais de ontem:

No ministério do interior estiveram ontem depondo perante a policia inter-aliada os Srs. José Barbosa e Eduardo de Sousa, respectivamente, director e redactor principal dos jornais A Luta e a República.

Não haverá correlação entre os dois casos? Fica a pergunta apenas a título de curiosidade.

Por agora só nos resta perguntar, lembrando-nos da porta aberta em Angola. Quem são os gormanófilos?

O Orador: - Quer dizer: eu, que sus tentei a mais ardente, trabalhosa e insistente campanha em prol da nossa participação na guerra ao lado dos aliados, eu, que na República tinha inaugurado o "Museu Germanófilo" para arquivares documentos da lavra dos inimigos da nossa

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intervenção, isto é, dos serventuários da Alemanha, era acusado pela folha ignóbil dum não menos ignóbil político de estar vendido ao ouro alemão!

Sr. Presidente, dada a observação do V. Exa., ficarei com a palavra reservada e concluirei na próxima sessão as breves considerações que ainda me restam por fazer. Por hoje tenho dito.

O Sr. Presidente: - No Senado foi introduzida uma emenda à proposta do lei dos duodécimos, rejeitando o artigo 3.º e seus parágrafos e o artigo 4.°

Foi lida a emenda noa precisos termos anunciados.

Posta à votação, foi aprovada sem discussão.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Campos Melo: - Chamo a atenção do V. Exa. para o seguinte assunto:

Há dias foi enviada para a MRSH uma proposta do Sr. Manuel da Silva sôbre a nomeação duma comissão. Essa proposta foi a uma comissão, que a devolveu por não ter competência para tratar do assunto. Creio que se encontra na Mesa, por isso peço que V. Exa. nomeie uma comissão especial para tratar do assunto.

O Sr. Presidente: - Essa comissão será nomeada na próxima sessão.

A próxima sessão é na segunda-feira, 30, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Documentos mandados para a Mesa Projectos de lei

Do Sr. Deputado Alves dos Santos, transformando em cooperativas de consumo os celeiros municipais actualmente, existentes.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Dos Deputados Srs. João Estêvão Aguas, F. G. Velhinho Correia e A. L. Aboim Inglês, considerando uma variante da estrada de Lagos a Vila Rial de Santo António as estradas de Albufeira a Pêra e de Albufeira a Martenda.

Para a Secretaria.

Publicado no "Diário do Govêrno", volte para ser submetido à admissão.

Do Sr. Deputado Jaime de Andrade Vilares, suprimindo as sobretaxas de exportação que incidem sôbre vários metais, e tornando livre de direitos a entrada de maquinismos destinados às minas de estanho e volfrâmio.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Proposta

Pelo Sr. Deputado Alberto Xavier, justificando uma proposta da substituição do n.° 24 do artigo 3.° da Constituição.

Para a Secretaria.

Constituição de comissão

Constituiu-se a comissão de pescarias, elegendo para presidente e secretário, respectivamente, os Srs. Deputados Augusto Nobre e António doa Santos Graça.

Requerimentos

Do guarda-mor chefe da estação de saúde do Funchal, pedindo que lhe sejam satisfeitas as gratificações de exercício que lhe não teem sido abonadas.

Para a Secretaria.

Requeiro que pelo Ministério da Justiça me seja enviada, com urgência, cópia das declarações feitas pelo ex-governador civil do Funchal, Dr. António Correia da Silva, na polícia, quando da sua prisão; e ainda cópia das declarações feitas pelo mesmo indivíduo, no processo crime que lhe foi instaurado; promoção do Ministério Público para que o processo fôsse arquivado; e despacho do respectivo juiz. - O Deputado, Pedro Pita.

Para a Secretaria.

Requeiro em nome da comissão de finanças que pelo Ministério das Finanças, Direcção Geral da Fazenda Pública, sejam enviados a esta comissão todos os documentos que se refiram ao contrato celebrado entre aquele Ministério e o Banco Português do Brasil sôbre a Agên-

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da Financial do Rio de Janeiro. - O Secretário, F. Pereira Lopes.

Para a Secretaria.

Requeiro que pelo Ministério da Guerra me seja fornecido o seguinte:

Relação nominal, indicando patentes, dos oficiais do exército que desertaram desde 9 de Março de 1916 até 5 de Dezembro de 1917.

Relação dos oficiais que foram reintegrados no exército desde 5 de Dezembro de 1917 até 31 de Janeiro de 1919, indicando-se as patentes que tinham à data da demissão ou deserção, a patente que lhes foi dada no acto da reintegração, se a demissão foi pedida ou imposta e, neste último caso, indicar os motivos, bem como a importância dos vencimentos que a cada um foi abonada no acto da reintegração.

Relação dos oficiais que foram julgados incapazes do serviço desde 9 de Março de 1916 e que posteriormente voltaram para o serviço indicando se o foram por opinião da junta e quais os que a ela foram presentes a seu pedido.

Iguais relações referentes a sargentos do exército. - O Deputado, Domingos da Cruz.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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