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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 21

EM 8, 9 E 10 DE JULHO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
António Marques das Neves Mantas

Sumário. - Abre a sessão conta presença de 43 Srs. Deputados. É lida a acta da sessão anterior. Procede-se à segunda chamada e, verificada a presença de 64 Srs. Deputados, é aprovada a acta sem discussão. Dá-se contado expediente. É introduzido na sala o Sr. Augusto Rebelo Arruda.

Antes da ordem do dia. - O Sr. António José de Almeida apresenta e justifica um projecto de lei promovendo o Sr. Norton de Hiatos a general, par distinção. O Sr. Domingos Cruz requere que entre em discussão a proposta que divide em quatro a comissão de instrução pública. Aprovada a urgência, entra a proposta em discussão e aprova-se depois de usarem da palavra os Srs. Abílio Marçal e Domingos Cruz. O Sr. António Mantas apresenta e justifica um projecto de lei que revoga aquele que estabeleceu feriado nacional no dia 8 de Dezembro. Aprova-se depois de falar o Sr. Eduardo de Sousa. O Sr. Lino Pinto envia para a Mesa e justifica duas representações de industriais de minas O Sr. Ministro das Finanças manda para a Mesa uma proposta que autoriza a inscrição, no Orçamento do Estado, como despesa extraordinária, de certas quantias destinadas à Casa da Moeda. Aprova-se a urgência. O Sr. Abílio Marçal manda para a Meta um projecto sôbre a revisão constitucional. O Sr. Estêvão Aguas ocupa-se das necessidades instantes da provinda do Algarve.

Primeira parte da ordem do dia. - Elegeu-se um vogal para o conselho fiscal da Caixa Geral de Depósitos e outro para o conselho fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.

Segunda parte da ordem do dia. - Prossegue o debate, sôbre a questão da extinção da Faculdade de Letras de Coimbra, usando da palavra o Sr. Francisco Fernandes Costa. O Sr. Pereira Bastos comunica à Câmara os resultados das diligências da comissão de que fez parte junto do Sr. Leote do Rêgo para que êste Sr. Deputado desistisse da sua renúncia. Prossegue o debate sôbre a extinção da Faculdade de Letras, usando da palavra, em sessão prorrogada, os Srs. Lino Pinto, Vasco Borges e Ladislau Batalha, que fica com a palavra reservada. A sessão é suspensa às 19 horas para prosseguir no dia imediato, tendo antes o Sr. Presidente dado conta, do resultado das eleições da primeira parte da ordem do dia.

Reaberta a sessão, interrompida na véspera, continua no uso da palavra o Sr. Ladislau Batalha, que termina as nuas considerações. O Sr. Brito Camacho pregunta se na Mesa não se encontra uma representação do Senado Universitário de Lisboa. O Sr. Presidente responde afirmativamente. O Sr. Brito Camacho requere que se faça a sua leitura, o que a Câmara aprova, sendo lida na Mesa, seguidamente, a representação. O Sr. Presidente declara que fica em discussão, juntamente com a matéria. Falam depois os Srs. João Bacelar e Pedro Pita. O Sr. Alberto Xavier requere que entre em discussão, juntamente com a matéria, o decreto n.º 5:770, que desanexou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É aprovado. Usam da palavra os Srs. Orlando Marçal e João Pinheiro. O Sr. Estêvão Pimentel, em negócio urgente, refere-se à chegada do batalhão de infantaria. n.° 33 a Lisboa. Responde o Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério). Sôbre o incidente usa tambêm da palavra o Sr. Sá Pereira. O Sr. Mem Verdial inicia as suas considerações nobre a questão universitária, ficando com a palavra reservada. O Sr. Presidente interrompe a sessão, marcando a mesma para o dia seguinte.

Reaberta a sessão, o Sr. Eduardo de Sousa usa da palavra para interrogar a Mesa. Responde-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Mem Verdial, que ficara com a palavra reservada no dia anterior, prossegue nas suas considerações.

O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre um pedido, para usar da palavra em negócio urgente, feito pelo Sr. Maldonado de Freitas. A Câmara concede a urgência.

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O Sr. Maldonado de Freitas ocupa-se da chegada a Lisboa duma companhia do regimento de infantaria n.° 33, pedindo esclarecimentos ao Sr. Ministro da Guerra.

Responde-lhe o Sr. Helder Ribeiro (Ministro da Guerra).

Continua no uso da palavra o Sr. Mem Verdial, concluindo as suas considerações.

O Sr. Estêvão Aguas (em nome da comissão de guerra) manda para a Mesa um parecer.

O Sr. Álvaro de Castro manda para a Mesa uma proposta de adiamento.

O Sr. António Granjo (em negócio urgente) envia para a Mesa um projecto de lei pára o qual pede a urgência. É concedida.

O Sr. Júlio Martins usa da palavra para interrogar a Mesa. Responde-lhe o Sr. Presidente.

Lida na Mesa a proposta do Sr. Álvaro de Castro, usa da palavra o Sr. Brito Camacho, que manda para a Mesa, um projecto de lei, para o qual pede a urgência, que lhe é concedida.

Usa novamente da palavra o Sr. Álvaro de Castro, mandando para a Mesa um aditamento à sua proposta.

O Sr. Mem Verdial usa da palavra para interrogar a Mesa.

E aprovada a proposta do Sr. Álvaro de Castro, bem como o seu aditamento.

Usa da palavra o Sr. Júlio Martins, que envia para a Mesa uma proposta.

A Câmara aprovou um requerimento do Sr. Álvaro de Castro para que se elejam em seguida as comissões de instrução.

O Sr. Júlio Martins requere a contraprova e invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.

Feita a contraprova, o Sr. Presidente declara que está aprovado o requerimento.

Lida na Mesa a proposta do Sr. Júlio Martins, usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Álvaro de Castro.

É admitida em seguida, ficando em discussão.

Usa da palavra o Sr. Brito Camacho.

É rejeitada a proposta do Sr. Júlio Martins.

O Sr. Manuel José da Silva requere a contraprova que dá o mesmo resultado.

A Câmara concede do Sr. Ribeiro de Carvalho autorização pára se ausentar para o estrangeiro.

O Sr. Presidente anuncia que vai proceder-se à eleição de comissões e interrompe a sessão por dez minutos para que os Srs. Disputados possam formular às suas listas.

Reaberta a sessão, procede-se à eleição das comissões de instrução primária, instrução secundária, instrução superior e instrução especial e técnica.

O Sr. Presidente anuncia à Câmara o resultado destas eleições, è em seguida encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 14 horas e 55 minutos.

Presentes os Srs.:

Abilio Correia da Silva Marçal.
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Afonso de Macedo.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Álvaro Pereira Guedes.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio e M aia.
António Alberto Charula Pessanha.
António Alberto de Carvalho Mourão.
António Bastos Pereira.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Francisco Pereira.
António José de Almeida.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Cruz.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime da Cunha Coelho.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Loureiro da Rocha Barbosa e Vasconcelos.
João de Ornelas da Silva.
João Ribeiro Gomes.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Xavier Camarate Campos.
Joaquim de Araújo Cota.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Garcia da Costa.
José Gregório de Almeida.
José Mendes Nanes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio do Patrocínio Martins.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

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Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mem Tinoco Verdial.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Ámérico Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Aresta Branco.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António Joaquim Granjo.
António José Pereira.
António Maria Pereira Júnior.
António Pires de Carvalho Júnior.
Augusto Rebelo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Maldonado Freitas.
Eduardo Cerqueira Machado da Cruz.
Estêvão da Cunha Pirnentel.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco da Cruz.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco José Pereira.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Gonçalves.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim José de Oliveira.
José Domingos dos Santos.
José Maria de Campos Melo.
José Monteiro.
Júlio Augusto da Cruz.
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Manuel José da Silva.
Raul Lelo Portela.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.

Não compareceram os Srs.

Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo Alves de Sousa Vaz.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Maria da Silva.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Peneira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos José Leite Pereira.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco Luís Tavares.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Ferreira da Silva Brás.
Jacinto de Freitas.
Jaime Daniel Leote do Rega.
João Henriques Pinheiro.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João Salema.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Maria de Vilhena Barbosa dó Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Rodrigues Braga.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel Justino de Carvalho Pinto Coelho Vale e Vasconcelos.
Manuel Ribeiro Alegre.
Maximiano Maria do Azevedo Faria.
Plínio Octávio da Conceição Silva.
Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

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Tomás de Sousa Rosa.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Xavier da Silva.

Pelas 14 horas e 50 minutos principiou a primeira chamada, à qual responderam, 43 Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

Às 15 horas e 10 minutos procedeu-se à segunda chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados. Está em discussão a acta.

Foi aprovada a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Pedidos de licenças

Do Sr. Henrique Ferreira Brás, Deputado por Angra do Heroísmo, sessenta dias.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado João Henriques Pinheiro, cinco dias.

Para a Secretaria.

Telegramas

Pôrto, 7. - Grupos revolucionários do norte representantes fôrças vivas país autoridades republicanos velhos reunidos em jantar confraternização saúdam em V. Exa. representantes povo esperando que Parlamento repare falta República deve por distintos serviços defesa Pátria e República combatendo ruas cidade em 14 de Maio e agora no 13 de fevereiro reintegrando exército e pôsto que lhe competia se nunca fôsse separado mesmo por distinção segundo sargento infantaria reserva actualmente amanuense comando divisão Alcino Fernandes e colocado secretariado militar ou guarda republicana. - Presidente assemblea, Djalme de Azevedo.

Para a Secretaria.

Arraiolos, 7. - Núcleo concelhio professorado Arraiolos protesta indignadamente contra rebeldia câmaras que declararam não acatar decreto 5:787. - Vieira, presidente.

Para a Secretaria.

Pôrto, (S. Bento) 7. - Famílias presos políticos Pôrto indignadas pela selvática tentativa agressão a tiro contra preso José de Barros quando sua tranferência 4 madrugada hospital para cadeia vêem perante V. Exa. protestar energicamente pedindo severas providencias para em futuras transferências presos êstes sejam respeitados como por direito das gentes e humanidade merecem.

Para a Secretaria.

Ofícios

Da Câmara Municipal da Figueira da Foz, enviando uma representação em que se pede a revogação do decreto n.° 5:029 de 5 de Dezembro de 1918 na parte que se refere à Escola Industrial Bernardino Machado.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Condeixa a Nova, pedindo a aprovação da proposta que isenta as câmaras municipais da contribuição de registo por qualquer herança a elas deixada.

Para a Secretaria.

Do Ministério do Interior, enviando um ofício da comissão administrativa da Câmara Municipal da Marinha Grande em que pede autorização para transferir do cofre de subvenções para o de encargos gerais de município o produto adicional de 25 por cento sôbre as contribuições gerais do Estado do ano de 1918.

Para a Secretaria.

Representações

Da comissão administrativa municipal da Figueira da Foz e doutras entidades da mesma cidade, pedindo que seja revogado o decreto que extinguiu a Escola Industrial de Bernardino Machado.

Para a Secretaria.

Dos empregados municipais e administrativos do concelho da Marinha Grande pedindo aumento de vencimentos.

Para a Secretaria.

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Duma comissão eleita pelo funcionalismo público, contendo um projecto de lei, igualando os vencimentos de todo o funcionalismo.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Anuncia as seguintes substituições nas comissões:

Na do Orçamento: o Sr. Rêgo Chaves foi substituído pelo Sr. Camarate de Campos;

Na de finanças: o Sr. Joaquim José de Oliveira foi substituído pelo Sr. Alberto Marques Jordão;

Na de Pescarias: o Sr. Baltasar Teixeira foi substituído pelo Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Presidente: - Nomeia uma comissão de membros da Câmara para introduzirem na sala o Sr. Deputado Rebelo Arruda, o qual toma assento.

O Sr. António José de Almeida (em negócio urgente):-Pede a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei promovendo a general, por distinção, o Sr. Norton de Matos, como testemunho de apreço pelos seus altos serviços à Pátria e à República. Pede urgência apenas, e se não requere a dispensa do Regimento é porque isso não está nos seus hábitos, nem quere privar a comissão de guerra de juntar o seu parecer à justa homenagem que se vai prestar ao Sr. Norton de Matos, a quem estima e admira, e de quem é amigo.

Foi lida na Mesa e, consultada a Câmara, aprovou-se a urgência.

O Sr. Domingos Cruz (em negócio urgente): - Envia para a Mesa uma proposta que tem por fim desdobrar a comissão de instrução pública em quatro. Requere urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Abílio Maçal: - Parece-lhe que o assunto da proposta já está consignado no Regimento desta Câmara.

O Sr. Domingos Cruz: - Essa disposição Regimental já foi revogada por uma deliberação da Câmara.

Lida na Mesa a proposta, foi concedida a urgência e dispensa do Regimento, sendo em seguida aprovada.

O Sr. António Mantas (em negócio urgente): - Ontem foi aprovado um projecto de lei, em virtude do qual é considerado feriado o próximo dia 14, a fim de se comemorar a assinatura da Paz. Hoje êle, orador, tem a honra de mandar para a Mesa o projecto de lei destinado a revogar o decreto n.° 0:028, de Dezembro de 1918. Desde que se faz feriado o 14 de Julho, para solenizar o Tratado de Paz, justo é que esta Câmara se manifeste pela revogação do decreto que fez feriado o 8 de Dezembro.

Orgulha-se de mandar êste projecto para a Mesa, quando o Sr. António José de Almeida mandou para a Mesa um projecto para ser elevado ao pôsto de general o Sr. Norton de Matos, distinção que considera justíssima. Pede urgência e dispensa do Regimento.

Foi aprovado.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Congratulado com o projecto apresentado pelo Sr. Ministro, por todas as razões e mais uma, que é por considerar riscado o feriado de 8 de Dezembro, e por esta forma voltar à tela desta Câmara o assunto do dezembrismo, que tinha sido retirado da discussão.

O Sr. António Mantas: - Requere dispensa da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Lino Pinto: - Tem em seu poder duas representações dos industriais de minas, pedindo providências legislativas, pois aquela indústria está em más condições. Já foi apresentado nesta Câmara um projecto pelo Sr. Jaime Vilares, projecto que visa à solução do problema; êsse projecto está dependente da comissão parlamentar de minas, e era de toda a conveniência que a mesma comissão conhecesse estas representações, para depois, com mais fundamento, dar parecer e esclarecer a Câmara. Por estas razões pede ao Sr. Presidente que envie as duas representações à comissão, a fim dela as tomar na devida consideração.

Tinha muito que dizer sôbre esta questão, mas reserva-se para ocasião mais oportuna, que naturalmente será quando se discutir o projecto do Sr. Jaime Vilares. No emtanto, não dá por findas as

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suas considerações, sem pedir à comissão de minas que o mais depressa possível apresente e seu parecer para que entre em discussão, o qual se impõe por motivos que todos conhecemos e a economia do país exige.

O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Envia para a Mesa uma proposta de lei que manda inscrever no orçamento como despesa extraordinária as quantias de 42 e 58 contos, destinadas à Casa da Moeda, o lembra que, em virtude da lei n.° 837, se torna absolutamente indispensável o urgente a votação da proposta, a fim de evitar a cessação ao trabalho, naquele estabelecimento do Estado. Requere a urgência.

Consultada a Câmara, é aprovada a urgência.

O Sr. Abílio Marçal: - Manda para a Mesa um projecto sabre a revisão da Constituição, a fim de que o Sr. Presidente o faça seguir os trâmites legais.

O Sr. Estêvão Águas: - Sr. Presidente: reato as considerações que na última sessão em que falei fiz acêrca do estado em que só encontra o Algarve, por completa esquecido e desprezado, indo ocupar-me dum assunto de capital importância para essa província o na apreciação do qual eu ia então entrar quando, V. Exa. me avisou ter esgotado a hora e eu prometi continuar noutra sessão.

Refiro-me à questão das pescarias que neste momento vem a talhe, de fouce pelo eco da trombeta castelhana que por intermédio dum jornal, há três dias começou a soar. Trata-se da tratado de pesca que essa nação pretende negociar connosco, e pelo, qual, a troco de água, nós lhe cedemos o peixe.

É necessário, porêm, que tenhamos em atenção os interêsses vitais da província do, Algarve, protegendo a indústria que mais produz e a única de que ela lança, mão nos seus recursos. Emprega a indústria, de pesca no Algarve perto de oito mil homens; tem a valor de 1:700 contos o material nela utilizado, e possui mais de duas mil embarcações. Ligada com esta indústria está a das conservas. Há nessa província cento e tantas fábricas, de conservas na laboração das quais estão empregadas milhares de pessoas que delas vivem. Ora, é intuitivo e não necessita de longa, argumentação para o provar, que da redução da indústria da pesca adviria naturalmente a paralisação de muitas das fábricas de conservas. Para evitar que tal suceda é absolutamente necessário que se impeçam os galeões espanhóis do pescar nas águas territoriais, não permitindo que êles se imiscuam na área reservada aos barcos nacionais, isto por forma segura e eficaz e não como até agora se tem feito dotando a fiscalização dessas zonas de barcos com uma velocidade muito inferior à dos navios de pesca espanhóis o que a êstes só pode causar riso.... É preciso não esquecermos êsse ponto, porque se tentarmos fazê-lo não, haverá um algarvio na província que não levante a sua voz contra tal procedimento, porque virá confirmar que o Estado só exige daquela província produto sem lho dar absolutamente nada.

Em 1914, para verificar bom quanto é importante êste assunto para a província do Algarve, a exportação foi, em atum, de 2:600 toneladas; em sardinha, de 23:000 toneladas.

Por aqui se vê o que representa do gravo su acaso a exportação fôr diminuindo, o que se dará por qualquer contrato ruinoso.

Por virtude da guerra, em 1914, desceu aproximadamente de mil contos. A seguir a êste importante ramo de indústria do Algarve tenho a notar tambêm o ramo da indústria da cortiça. O Algarve foi o principal centro dessa indústria. Hoje está suplantado pelo Barreiro. Silves é ainda um grande centro dessa indústria.

Em 1914 foram expedidas do Algarve seis mil e tantas toneladas de cortiça. Devemos reparar que se não fôsse o estrangeire permitir a entrada da cortiça em bruto, sem encargo ou imposto algum, e proibir sem excessivos, direitos, que ela dó entrada laborada de qualquer forma, podíamos dar mais trabalho aos nossos operários corticeiros do que actualmente lhes damos, porque êles não a podem manipular em consequência dela não poder sair do país manipulada. Aqui tem a Câmara como êste caso é importante. A importação foi de 80 contos em 1914, e a exportação foi de 400 e tantos contos.

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Sabe a Câmara que a província do Algarve é uma regido marítima. Tem o mar pelo oeste e pelo sul, e pelo leste tem um rio, Portos tem bastantes e é por êles que fazia grande parto da sua exportação.

E muito para notar o movimento de navios nos portos da província do Algarve e tanto que, em 1914, o movimento de vapores e barcos de vela nesses portos ascende a 2:378 e com a circunstância dos portos de Faro, Portimão e Vila Bial de Santo António terem simplesmente três portos, em Portugal, que lhe excederam, e que foram: Pôrto, Lisboa e Setúbal... Já vê a Câmara qual o valor dos portos do Algarve. Pois bem. As mercadorias descarregadas e carregadas nos portos do Algarve dão um excesso, em benefício das carregadas, de 300 mil toneladas. Comparando a quantidade de mercadorias carregadas e descarregadas no Algarve com aquelas que o foram no continente, temos de dar para a província do Algarve a percentagem de 2,3 por cento para a importação e de 23,7 por cento para a exportação, o que demonstra a alta função do Algarve na vida económica nacional.

Tem na exportação por via terrestre e marítima um saldo, a seu favor, representado por 214 mil toneladas.

Veja a Câmara e atenda V. Exa., Sr. Presidente, como, com êstes dados, a província do Algarve tem sobeja razão para sustentar que possui elementos de vida própria para uma autonomia económica de valor, e bem assim para a autonomia administrativa.

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado de que já decorreram os dez minutos regimentais para V. Exa. usar da palavra.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara pode V. Exa. continuar no uso da palavra.

O Orador: - Agradeço à Câmara Q ter permitido continuar no uso da palavra.

Ligadas a êste assunto estão as comunicações pelas vias marítima e terrestre.

Pela via terrestre temos as estradas e caminhos de ferro.

As estradas, na província do Algarve, têm uma extensão do 852 quilómetros, divididos da seguinte forma:

Estradas nacionais, 329 quilómetros; distritais, 474 quilómetros; de serviço, 474 quilómetros, estando em exploração apenas 467 quilómetros, o que, para uma Deputação de 272:000 almas, como tem a província, dá para cada habitante 1 metro e pico de estrada.

Apartes.

Mas nem todas as estradas estão em exploração, e eu vou dizer quais as escadas que estão construídas, as que estão estudadas e as que estão para estudar, e assim temos o seguinte:

Construídas e em construção acham-se em 511 quilómetros; estudadas, 193 quilómetros; não estudadas, 148 quilómetros.

Vêem V. Exas. que a "grande rede" de 352 quilómetros se reduz a menos de 511 quilómetros, porque dêstes ainda há muitos em construção.

Ora, para uma província com a área de 5:019 quilómetros quadrados, devemos convir, Sr. Presidente, que o Algarve, não estando "mal" servido, não está tam bem como parece deduzir-se dum àparte dum ilustre Deputado pelo Alentejo.

Carece o Algarve de que se ultimem os estudos e construções para ser posta à exploração toda a rede.

É necessário proceder a êstes trabalhos para fazer a ligação de toda a província, pois que há entre essas estradas terrenos extensos e ricos, visto que pode dizer-se que na província do Algarve não há um palmo de torra que não esteja cultivado e até arborizado produtivamente.

Isto no que diz respeito a estradas, e vou agora referir-me a caminhos de ferro. Antes de o fazer quero ainda dizer, com referência a estradas, que foi determinada em 1860 a construção da estrada do litoral com pontos obrigatórios de passagem por várias localidades, mas que em algumas passou a distâncias de 6 quilómetros dessas localidades, donde resultou ter-se de ligar a estrada com ramais, o que ficou a cargo dos municípios, que não t6m dinheiro para a sua conservação. A linha férrea tem um ramal - o de Portimão a Lagos - que está por terminar há já bastante tempo, estando tudo parado à espera da construção da ponte

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que se tem que fazer, tendo-se com o tempo estragado a terraplenagem e as obras já feitas.

Quer dizer, o que se. deixou de gastar com a ponte vai-se embora com a despesa que se tem a fazer com os estragos da linha principiada.

Com respeito a comboios o Algarve está mal tratado. E tam mal, Sr. Presidente, que se chega a parar eternamente nas estações e ter a impressão de que não mais deixamos de andar metidos nas carruagens.

Para vir de Portimão a Lisboa gastam-se cinco dias pelo facto de não haver ligação com os comboios! Mesmo dentro da própria, província, para se ir de Vila Rial de Santo António a Portimão perde-se um dia em Tunes.

E não se concedem mais comboios porque - diz-se! - a província não dá.

A saída de passageiros em 1914 foi de 308:000 e a entrada de 309:000. Como é que a província não dá?! A média é de 4:467 passageiros por quilómetro em exploração.

O Sr. Costa Júnior: - Para os administradores dá sempre dinheiro! Há sempre prémio de exploração!

O Sr. Eduardo de Sousa: - A verdade é que nunca houve meio de conseguir cópia de documentos relativos a essas companhias!

O Orador: - O Algarve, com respeito à contribuição industrial, ocupa o sexto lugar, entre dezassete distritos do continente, pagando essa província mais do que os quatro distritos das ilhas juntos. Tem 8:040 contribuintes, ocupando o nono lugar. A capitação é de 13$50, o que coloca a província em sétimo lugar entre os dezassete distritos do continente e mais que os quatro distritos das ilhas.

No pagamento de contribuições para o Estado ocupa o sexto lugar, e quanto aos rendimentos administrativos ocupa o nono lugar.

Aqui tem V. Exa. uma prova de que o Algarve tem absolutamente direito a exigir dos poderes públicos que o auxiliem, sob pena de pedir que o deixem governar por si próprio.

Apartes.

O Orador: - E o mais lindo canteiro do nosso jardim, e só quem o não conhece é que não pode sentir por êle uma impressão fortíssima de amor e carinho! Tudo é belo, desde o habitante até a mais pequena pedra. Em Portugal não se encontra região melhor para o turismo do que p Algarve. Quanto não é mais linda e cheia de encanto a praia da Rocha, essa maravilha, do que aqueles pontos que estão sendo constantemente cantados no estrangeiro? A temperatura no inverno é muitíssimo melhor, mais suave, do que a de Biarritz.

Dizem-se maravilhas. das praias de Nice, Menton, Cannes e de tantas outras, quando ficam muito aquém da praia da Rocha ou de qualquer outra, que se encontram sobejamente em condições de turismo.

Dê o Estado auxilio às iniciativas particulares, ajude-as, encorajando-as, que elas atestarão o que afirmo.

São necessárias rápidas e cómodas comunicações dentro da província e com o resto do país e Espanha.

Faça o Estado o sou dever, que o Algarve se tornará, como é preciso, conhecido e concorrido pelos forasteiros, que são ainda quem sabe gostar e apreciar os dons da natureza! E que de primores o Algarve possue!

Vou terminar as minhas considerações, em que procurei, não trazer à tola da discussão, mas ao conhecimento dos representantes da nação, as necessidades urgentes da província do Algarve, que tem toda a razão de queixa dos poderes públicos, que a têm despresado e esquecido e que inconscientemente legislam para ela.

Tudo quanto acabo de expor é o conjunto, é a síntese do que ela necessita, para obrigar o Govêrno a interessar se por ela, auxiliando as iniciativas que digam respeito a êsses pontos, o que há de ser feito, com toda a certeza, por cada um dos representantes dessa província, logo que se lhe proporcione a ocasião.

Os algarvios dizem : Se o Algarve está separado do resto do continente é necessário que tenham conta comnosco. Queremos viver com o continente, mas, se continuam a proceder comnosco como até agora, então viveremos separados, porquanto temos o preciso para isso no

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que diz respeito á vida administrativa, económica e financeira.

Peço, pois, á Câmara que, sempre que cada um dos Deputados por aquela região apresente algum diploma que diga respeito a algum dos pontos que eu muito ao de leve tratei, o tome em consideração. Lembrarei que a província do Algarve merece tudo; é a pérola de Portugal ; e que eu, não pretendendo que Portugal seja constituído somente pelo Algarve, desejo que seja afirmado, bem acentuadamente. que o Algarve tambêm faz parte de Portugal.

Tenho dito.

O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: - Manda para a Mesa um requerimento pedindo vários elementos de estudo.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tenham papéis a enviar para a Mesa podem fazê-lo.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição simultânea de um vogal para o conselho fiscal da Caixa Gera! de Depósitos e de um vogal substituto para o Conselho Fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.

Interrompo a sessão por 15 minutos para os Srs. Deputados elaborarem as suas listas.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Reabertura da sessão às 16 horas e 40 minutos.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Sá Pereira e Ornelas da Silva.

O Sr. Francisco Fernandes Costa: - Sr. Presidente: Observando uma velha usança parlamentar, começo por enviar a V. Exa. e à Câmara as minhas saudações. Falo pela primeira vez dentro do Parlamento e faço-o, Sr. Presidente, sob uma viva emoção; ela provêm de eu saber quanto a mina próprio devo como homem, como cidadão e como representante do meu país.

Nunca a minha voz se erguerá, aqui dentro ou lá fora, na defesa de uma causa injusta. Jamais os meus lábios serviram interêsses políticos inconfessáveis; e o esfôrço da minha palavra - por muito modesto que êle seja - desde já o enfeudo para sempre aos altos interêsses da Nação. Não se deixará o meu entendimento, Sr. Presidente, cegar ou obscurecer por mesquinhas rivalidades de partido; não será o ódio dos homens, ou o das ideas que êles representam - o que é bem mais grave ainda - que determinará, neste ou naquele sentido, a minha atitude parlamentar; e ainda quando referver à minha volta a tempestade endemoninhada das paixões, ainda quando a avidez dos empregos e das honrarias transformar em inimigos irreconciliáveis aqueles que hoje caminham de mãos dadas eu procurarei manter a mesma linha de inquebrantável correcção, serenamente, justiceiramente, postos os olhos sempre na figura sagrada da Pátria!

Não serei eu quem virá desenterrar aqui um passado que, por todos os títulos, devemos esquecer; não pesará sôbre a minha consciência o remorso de vir soprar, as faces incendidas pelo ódio, a labareda trágica das paixões políticas; não o farei, Sr. Presidente, e a minha acção será a dum homem estranho a toda a cabala política-enérgica, mas calma; firme, mas sem violência.

Há uma grande obra de regeneração política a fazer, Sr. Presidente; para realizá-la não serão exagerados o esfôrço e a boa vontade de nós todos. E preciso amortalhar no mesmo passado ignominioso os desacreditados processos do antigo e novo regime.

A nós, os novos, compete o início dos novos costumes: e os velhos serão obrigados a seguir-nos, porque se o não fizerem, ai deles e ai de todos nós!

Lamento, Sr. Presidente, que as circunstâncias me tivessem impedido de dizer ao Govêrno transacto duras e amargas palavras do censura; eu queria fazer sentir-lhe bem claramente que só as angustiosas circunstâncias de momento nos forçariam, a mim e à Câmara, e não ter-lhes verberado ainda a sua deplorável obra económica e, sobretudo, a sua fatal

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de respeito e consideração pelo Poder Legislativo. Aqueles 30 suplementos, Sr. Presidente, que são o retrato fiel da última degradação dos costumes políticos em Portugal, constituem para o Govêrno uma vergonha e para o Parlamento ama afronta!

É preciso gritar bem alto ao Govêrno e ao País, para que um e outro nos ouçam, que a Câmara repudia a injúria que lhe foi feita, que não consente, seja a quem fôr que usurpe e consequentemente conspurque os seus sacratíssimos direitos o que quem pretender desonrá-la se desonrará a si próprio!

O calor da minha indignação, Sr. Presidente, afasta-me da ordem das minhas considerações; mas isto importava ao meu brio que se dissesse e importava, creio, ao brio de todos nós.

Sr. Presidente: Ao tratar da questão da Universidade, eu confesso, Sr. Presidente, que a magnitude do assunto não acho paralelo com os meus méritos; e eu próprio me comparo àquele artífice de Athenas que procurou moldar nas suas mãos inábeis o corpo esbelto de Afrodite.

Ah! Sr. Presidente, com que dolorosa emoção eu vejo perseguida e tam injustamente tratada a nossa velha o ilustre Universidade a cuja vida andou tam intimamente ligada sempre a própria vida da Nação e que levou aos quatro cantos do mundo civilizado a glória do seu nome e a do nosso! Não acabaria se quisesse desfiar aqui, uma por uma, as brilhantes tradições do velho instituto, o renome dos seus mestres, a grandeza das suas descobertas, a eficácia do seu ensino; bastará dizer que a êle anda indestrutívelmente ligada, há qúasi sete séculos, toda a actividade intelectual da Nação!

Do que é a Universidade de hoje, do que ela vale pelos seus métodos de ensino e pelos professores que a compõem só não sabe quem nunca por lá passou; ela honra pelo seu progresso material e pedagógico não só o país mas o próprio espírito scientifico moderno.

Confesso, Sr. Presidente, que tenho pela velha Universidade uma ternura quási filial, que por todos aqueles que foram meus mestres eu conservo uma carinhosa amizade que a idade e a reflexão só têm feito aumentar. Ainda hoje eu choro, de entre os que morreram, aquele grande espírito que foi o Dr. Marnoco e Sousa, homem de sciência como poucos, professor notável em qualquer escola do mundo e a quem poderíamos chamar, sem exagero, a mais alta consubstanciação da probidade intelectual.

Repito, Sr. Presidente, eu tenho pela velha Universidade uma ternura quási filial; foi à sombra dela que o meu espírito se formou; foi ela quem abriu carinhosamente os meus olhos quer para as altas especulações do espírito quer para as mais paras emoções da beleza e da arte. Foi no silêncio da sua magestosa biblioteca que o peito pela primeira vez se me inundou daquela maravilhosa luz interior, feita dos mais puros gozos intelectuais e que é pela vida fora, ao desencadear dos desgostos e das paixões, o sublime refrigério do espírito!

Pois, apesar de tudo, eu analisarei com serenidade e com justiça a obra do Exmo. Ministro da Instrução.

Sr. Presidente: Se a hora não fôsse adiantada já, e se eu não receasse fatigar a atenção da Câmara, examinaria primeiro a obra do Ministro, depois a interpelação do Sr. Alves dos Santos e, finalmente, a defesa que o Ministro fez da sua obra; assim, limitar-me hei à última destas tarefas que, de certo modo, envolve e consubstancia as outras duas.

Por muito que me custe confessá-lo, Sr. Presidente, não posso impedir-me de dizer que os discursos do ex-Ministro da Instrução constituíram para mim - e estou na companhia dalguns dos melhores espíritos desta Câmara - uma profunda desilusão.

Eu esperava que S. Exa., honrando os seus créditos de filósofo e o seu lugar de Ministro, trouxesse à Câmara uma serena e bem conduzida exposição dos imperiosos motivos que haviam determinado a sua atitude na já agora chamada questão da Universidade de Coimbra.

Ao contrário, S. Ex a, fazendo táboa raza dos mais elementares princípios scientíficos, proferiu inflamados discursos, onde não há nem vislumbres de método, e que ficariam muito bem na oratória fácil de um comício, mas que não eram conforme à elevação do assunto nem à gravidade do lugar.

S. Exa. que devia ter sido um conferente não passou dum orador revolucionário.

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Vejamos agora os factos e as lições que êles nos dão.

O ex-Ministro da Instrução publicou um decreto com fôrça de lei remodelando a secção de Filosofia das Faculdades de Letras; diz S. Exa. que o fez no uso de um direito e ninguém lho contesta. Em circunstâncias normais o Ministro seria por lei obrigado a consultar os corpos docentes das Faculdades; mas, como o Ministério tinha saído duma revolução, o Ministro podia legislar sem atender a quaisquer preceitos estatuídos.

Em todo o caso, não é descabido acentuar aqui, para lição dos actuais Ministros e ensinamentos dos que se lhe seguirem, que as latas atribuições conferidas às ditaduras revolucionárias devem ser entendidas em termos hábeis e que se elas são tomadas duma maneira genérica, porque o não podiam ser taxativamente, compete, no emtanto, aos Ministros aplicá-las só naquelas medidas de que dependa a segurança do Estado. O contrário disto traz o desprestígio dos Governos e a anulação da sua obra pelo Parlamento - o que se tem visto no caso sujeito.

De maneira que, se o Ministro se podia dispensar da consulta, não devia contudo tê-lo feito; e não só a isso o forçava uma racional interpretação das leis, mas até aquela cortesia e aquele bom senso na condução dos negócios públicos que constituem algumas das não menos apreciadas qualidades de um Ministro.

E no caso especial de que se trata, que é o da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, essa deferência era absolutamente devida ao renome scientífico e pedagógico dos professores que a constituem.

Na verdade, quem há aí que tenha a pretensão de deixar na história da literatura do seu país, um nome que de longe se assemelhe àquele que já hoje lá tem inscrito - e em letras de ouro - o poeta Eugénio de Castro?

Na verdade quem há aí que possa ombrear com êsse grande espírito que é a Sr.a D. Carolina Michaelis de Vasconcelos a quem a história da nossa literatura tanto deve e que é hoje uma competência mundial nos estudos da sua especialização?

Na verdade quem tem aqui dentro uma obra que possa ensombrar os valiosos estudos dos Srs. Mendes dos Remédios, Ribeiro de Vasconcelos e Oliveira? Ao Sr. Alves dos Santos me não refiro que ainda há pouco a Câmara teve o prazer espiritual de ouvi-lo e dos seus méritos terá julgado.

De maneira que o ex-Ministro da Instrução devia ter tido para com todas estas individualidades ilustres as devidas atenções sendo de notar que S. Exa. lhes é colega no professorado, é além disto, muito mais novo em idade.

Tudo isto faz com que a falta do ex-Ministro da Instrução seja sem desculpa.

A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra representou ao Ministro; andou legitimamente ao fazê-lo; o direito de representação é um princípio indiscutível no direito administrativo moderno. Eu li êsse documento o digo em consciência que o não reputo ofensivo nem para o Ministro nem para o Poder que êle representa.

O ex-Ministro da Instrução, na sua inflamada oração, classificou de rebeldia a representação dos professores. E era de ver-se o entono com que S. Exa., que foi sempre um revoltado, e disso tira um talvez, exagerado orgulho, pronunciava a palavra rebeldia. Mas dêmos de barato que a representação era desrespeitosa, o Ministro não tinha mais que submeter os professores reclamantes ao regulamento disciplinar dos funcionários públicos que era, no caso sujeito, a única lei aplicável.

Mas o que fez o Ministro? Esta cousa absurda, ilógica - desanexou da Universidade de Coimbra a Faculdade de Letras e transferiu-a para o Pôrto. S. Exa. praticou um êrro que é, pedagogicamente, uma monstruosa mutilação, agravou sem motivo uma Universidade inteira e lançou na efervescência uma cidade tranquila e laboriosa.

Viu-se já maior falta de tino governativo?

E quais foram os fundamentos do decreto? Primeiro, a educação livresca e de feição acentuadamente tomista ministrada no ensino da referida Faculdade; segundo, o facto da Faculdade poder preparar para o magistério e Coimbra não ser um meio onde se entrechoquem as grandes correntes produzidas pelo progresso material moderno e conseqúentemente aque-

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les que se entregarem ao professorado não levarem da vida mais do que uma noção falsa e idealista.

O primeiro argumento demonstrou o Sr. Alves dos Santos que não é verdadeiro; e o Ministro não invalidou nem podia invalidar essa demonstração. Tomemos o segundo. Mas então a Faculdade de Letras que só acidentalmente prepara professores, não podia ficar em Coimbra no interêsse dos referidos professores e o Sr. Ministro deixava lá ficar a Escola Normal Superior, cujo fim único é a preparação de professores? Mar insondável de contradições.

Mas então Coimbra, a que S. Exa. se referiu no seu discurso, como se ela fôsse no seu ambiente de beleza e de lenda como que uma estratificação do pensamento medieval perdido no ruído avassalador da humanidade em marcha; Coimbra que não é uma cidade industrial, que não tem grandes e numerosas fábricas, que não possui sequer aquelas docas onde se aprende o russo (para não desdenhar de um curioso argumento de que S. Exa. se serviu); Coimbra que não tem ambiente social para uma Faculdade de Letras é dotada duma Faculdade Técnica, duma escola de engenharia? Como se entende isto ? Como se explica esta série de medidas ilógicas e contraditórias?

Ora quere o Sr. Ministro saber o que a medieval Coimbra tem feito no campo económico e social?

Basta dizer-lhe que Coimbra foi a primeira cidade do país que municipalizou, isto é, de certo modo socializou o fornecimento da água, luz e viação eléctrica - êsses três grandes cancros que corroem Lisboa e Pôrto.

Bastará dizer-lhe que muito antes da implantação da República Coimbra concedia por intermédio da sua câmara municipal, aos operários da fábrica de gás o dia de oito horas de trabalho, essa grande reivindicação das classes trabalhadoras a que só agora a conferência da paz procura dar um carácter de aplicação geral e que o Govêrno de S. Exa. fez parte, apesar de ter tido no seu seio um Ministro socialista e possuir a fôrça que lhe dava o ter saído dum movimento revolucionário não conseguiu efectivar em Lisboa, onde existem fortes e numerosos grupos de organização operária!

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, como Coimbra vem de há muitos anos, respondendo com factos à eloquência dos seus detractores.

O ex-Ministro da Instrução afirmou aqui, erguendo descompassadamente os braços, que tinha sido necessária a sua acção de devotado republicano para dar um golpe de morte num organismo de sua natureza reaccionária e que constituía um perigo para as instituições.

S. Exa. que não costuma prever as consequências dos seus actos, não previu desta vez as das suas palavras.

S, Exa. esqueceu que a Faculdade de Letras da Universidade do Coimbra tinha sido criada pelo Govêrno Provisório, sendo Ministro do Interior e da Instrução Pública o Sr. Dr. António José de Almeida, essa prestigiosa figura de tribuno, lídima glória do Partido Republicano e da Pátria Portuguesa e que em matéria de republicanismo, como em qualquer outra, não cede o passo a S. Exa. nem a ninguém.

Sr. Presidente: demonstrado como fica que a obra do titular da pasta da Instrução é, pedagogicamente, um amontoado de providências legislativas sem sequência e sem método, vejamos se sob o ponto de vista dos factos e do direito a sua atitude para com os professores da Faculdade de letras tem mais lógica e maior justificação.

O ex-Ministro da Instrução disse que os professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra eram estruturalmente reaccionários por terem vindo da Faculdade de Teologia.

Ora é preciso que a Câmara saiba que a Faculdade de Teologia era de há muito vista com desagrado pelos altos poderes da Igreja, precisamente por ser liberal, entendendo êles que o corpo docente da mesma Faculdade se deixara invadir pelas ideias do século não tendo por êste motivo nenhum dos seus membros - e havia-os lá distintíssimos - ascendido à dignidade episcopal.

O Sr. Dr. Mendes dos Remédios era considerado por alguns republicanos - ainda no tempo da monarquia - como republicano e tido, sem descrepância, por um espírito liberal.

Mas demos de barato que assim não era; ainda na hipótese se não justificavam

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os processos do ex-Ministro da Instrução.

Pois então nós vemos que a República - e êste procedimento só a dignifica - tem para com os próprios oficiais do seu exército que foram encontrados com armas na mão, combatendo contra ela, todas as cautelas jurídicas, julgando-os segundo leis estabelecidas e dando toda a latitude à defesa, então nós vemos que os funcionários públicos que ostensivamente manifestaram por actos a sua hostilidade ao regime são - como de resto deviam ser - submetidos a inquérito e julgados com recurso; então nós vemos isto, e a Faculdade de Letras de Coimbra e seu respectivo corpo docente são duramente castigados, sem procedimento algum preliminar, sem prova, sem serem ouvidos, simplesmente porque o Ministro, no seu arbítrio, entendeu fazê-lo?

Isto, Sr. Presidente, a efectivar-se seria a afirmação dum despotismo intolerável e se o Parlamento da República o sancionasse, sancionaria a negação de todos os princípios democráticos.

Disse o Sr. Dr. Alves dos Santos e não o reptou o Sr. Ministro da Instrução que era inegável a capacidade scientífica dos professores da Faculdade desanexada, que era absoluta a imparcialidade do sou ensino, não se fazendo nas aulas sombra de política, mas a convicção de um e outro é de que êsses professores na especial modalidade do seu espírito, são profundamente reacionários.

Então pode-se julgar e condenar por convicção, é lá possível que se exponha uma tam perigosa e funesta doutrina sem que toda a Câmara levante contra ela o seu protesto? Então isto não é a negação de todos os princípios fundamentais do direito, da inviolabilidade das consciências, da liberdade de pensamento e uma tal teoria não se presta à prática dos mais monstruosos crimes?

Isto equivale a repudiar todo o princípio de liberdade e está até em completo antagonismo com o próprio sistema filosófico defendido pelo Sr. Coimbra que, condenando as fórmulas empíricas, assenta sôbre a observação experimental dos factos.

Está pois demonstrado, Sr. Presidente, que a obra do Sr. Ministro da Instrução é indefensável no campo da pedagogia, do direito e da própria filosofia.

Trata-se duma amalgama de providências legislativas sem método, sem lógica, dum trabalho informe e desconcertante.

Assim, Sr. Presidente, da obra do Sr. Leonardo Coimbra, nada, absolutamente nada, pode ficar de pé.

Termino, Sr. Presidente, enviando para a Mesa, um projecto de lei.

O Sr. Pereira Bastos: - Comunica à Câmara que a comissão nomeada na sessão de sexta-feira passada para se entender com o Sr. Deputado Leote do Rêgo, a fim de lhe pedir para desistir da sua renúncia, se entendeu hoje com S. Exa. e, depois de se terem feito todas as démarches que são usuais uma situação desta natureza, acordou-se em que S. Exa. fizesse as seguintes declarações, que vai mandar para a Mesa:

O Sr. Leote do Rêgo apresentou a sua renúncia pelos seguintes motivos:

a) Porque tendo deixado o Partido Democrático, julgou um acto de menos lialdade política continuar na posse dum mandato que lhe veio principalmente dos votos dêsse partido;

b) Porque tendo aceitado êsse mandato na persuasão de que a conjunção republicana derivada do novo estado político criado pela derrota da insurreição monárquica, exigia a constituição, ainda por bastante tempo, de governo representante dessa conjunção, discorda por completo da organização dum Govêrno com elementos dum só partido, qualquer que êle seja;

c) Porque julgando interpretar o mandato imperativo de Monsanto, provocou o debate do dezembrismo, pensando que antes da Câmara se ocupar de qualquer assunto, por mais importante que êle fôsse, ela deveria afirmar, ao mundo inteiro, o repúdio da obra dezembrista e a necessidade de se proceder a um imediato inquérito, apreciando essa obra sob todos os aspectos, e viu pelo contrário, a maioria da Câmara, não ter concordado com a liquidação rápida dêste assunto, embora se tivessem logo inscrito 14 Srs. Deputados de todos os lados da Câmara;

d) Porque tendo proposto uma condigna homenagem ao valoroso aviador português Oscar Tôrres, morto em combate, ao qual o próprio inimigo rendeu o preito, a

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essa proposta foi recusada a dispensa do Regimento.

Mas tomando em consideração, com muito desvanecimento, a demonstração de apreço que a Câmara acaba de lhe dar, desiste do pedido de renúncia, pedindo, no entanto, desde já que a Câmara lhe conceda quatro meses de licença, e aproveita o ensejo, pára mais uma vez afirmar a sua muita consideração pessoal pelos seus colegas da Câmara e por todos os membros do Govêrno.

Para a Secretaria.

O Sr. Lino Pinto: - Sr. Presidente: acabou de falar o meu colega e amigo Francisco Fernandes Costa, que sôbre a questão da Universidade produziu argumentos que decerto hão de calar no ânimo desta Câmara, e eu felicito êste meu amigo por partir dele a defesa desassombrada dá velha Universidade de Coimbra, como se êle, sendo como é, um dos mais novos membros desta Câmara, aconselhasse aos cabelos grisalhos dos mais velhos calma e ponderação na resolução do presente conflito.

Sr. Presidente: as medidas adoptadas pelo Sr. ex-Ministro da Instrução para com a velha Universidade de Coimbra geraram o conflito de que todos nós temos conhecimento, conflito êsse que, pela sua generalização, pelo carácter grave que assumiu e pelas consequências a que nos pode levar, bem merece a atenção e o estudo ponderado desta casa do Parlamento.

Devo dizer, Sr. Presidente, que nenhum sentimento de má vontade me anima contra o Sr. ex-Ministro da Instrução, a quem não conheço sequer pessoalmente, com quem nunca troquei uma palavra, mas a cuja inteligência tenho ouvido render louvores.

Antes pelo contrário, lamento que êsse ex-Ministro tivesse tam pouca felicidade como teve na sua passagem pela pasta da Instrução,

Em minha razão, entendo que os actos praticados pelo Sr. ex-Ministro da Instrução representam, por um lado, uma leviandade e uma violência, porque êles são tudo quanto há de mais insensato, de mais atentatório da dignidade profissional, do prestígio da cátedra e até da independência do espírito, e, por outro, representam uma enorme injustiça, um grande deprêzo pelas gloriosas tradições da velha Universidade de Coimbra, pelo trabalho honrado, pelo estudo valoroso dos seus ilustres professores, que têm feito do ensino um verdadeiro sacerdócio, e digamos mesmo uma verdadeira abnegação, em face dos miseráveis proventos que auferem do Estado pelos relevantes serviços prestados ao ensino e, por consequência, ao seu país.

Foram, Sr. Presidente, as paixões políticas e talvez tambêm as pessoais, e digamos, o espírito jacobino desta mal fundada política portuguesa, que acusaram e acusam a Universidade de Coimbra, de retrógrada, de germanófila...

Vozes: - E com razão!

O Orador: - ... de jesuítica e não sei de que mais.

O Sr. Mem Verdial (interrompendo): - E doutras barbaridades!

O Orador: - Foi essa mesma turba de paixões que quási levou o Sr. Presidente desta Câmara, quando Ministro da Instrução, a arredar dos seus lugares alguns professores de direito e a abrir-lhes um inquérito.

Não sou eu, Sr. Presidente, que condeno êsse inquérito, não sou eu que condeno o Sr. Presidente por, quando Ministro, ter ordenado êsse inquérito, e não o condeno porque reconheço a todos os Governos da República o direito e, simultaneamente, o dever de defender e prestigiar a própria República.

Por outro lado, êsse inquérito impunha-se. Exigia-o a própria dignidade dos atingidos para, no caso de estarem culpados, serem condenados à face da lei - mas depois de se proceder a um inquérito, de se usar dum procedimento disciplinar, que, como bem disse o meu colega Fernandes Costa, era o único caminho que se devia ter seguido, porque era o único caminho legal, - ou para, no caso do inocência, ficarem ao abrigo das insinuações malévolas que, doutro modo, os deixariam coactos e, por assim dizer, diminuídos no seu prestígio profissional.

Afirmo aqui bem alto, Sr. Presidente, para que todos me possam ouvir, que, se

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há professores que abusam das suas atribuições escolares para atentarem contra a República, é justo, é legítimo que a República se defenda.

Se é má a organização do ensino, como aqui disse o Sr. ex-Ministro da Instrução e como me parece ter corroborado o Sr. Alves dos Santos...

O Sr. Alves dos Santos: - Na parte relativa à secção de filosofia.

O Orador: - Mesmo assim, não deixa de ser uma má organização de ensino, embora parcial.

Se são deficientes e antiquados os métodos de ensino, que se remodelem, que se aperfeiçoem, que se modernizem.

Eu reconheço, Sr. Presidente, que a velha Universidade pombalina, tal como no-la legou a monarquia, bem carecia de abrir as suas portas ao espírito moderno e renovador, acompanhando as conquistas do progresso o da civilização, de modo a só fazer dela uma Universidade digna de nós e do nosso tempo.

Mas para se fazer justiça, recta justiça à velha Universidade de Coimbra, é indispensável conhecer as transformações por que ela tem passado depois da implantação da República, é preciso ter em linha de conta a curva evolutiva dos seus progressos. E quem não ignorar êstes factos não pode deixar de reconhecer que a Universidade de hoje é bem diferente da Universidade de ontem. Afirma-se que as cátedras da Universidade de Coimbra são um feudo só acessível a espíritos reaccionários. Não é verdade, e esta Câmara bem o sabe. Nós não podemos esquecer que nas cátedras da velha Universidade de Coimbra têm tido assento muitos republicanos como o sábio e saudoso chefe do Partido Republicano. José Falcão, como Afonso Costa, Bernardino Machado, como Bissaia Barreto, Filomeno da Câmara, Daniel de Matos, Alves dos Santos e muitos outros cujos nomes me não vêm à memória.

Eu reconheço, porque isso é um facto que não posso contestar, que nessa Universidade houve e há ainda professores que são monárquicos. Nós sabemos que no tempo da monarquia alguns dêsses professores desempenharam lugares proeminentes, como Deputados e como Ministros, e nem por isso êles deixaram de cumprir os seus deveres profissionais.

O que é certo é que depois da proclamação da República êsses professores não mais quiseram saber da política, para se dedicarem exclusivamente ao ensino.

Uma voz: - É bom não esquecer o que se passou ainda há bem pouco tempo com a recepção do Sr. Sidónio Pais.

O Orador: - Mas V. Exa. pode animar que essa manifestação fôsse uma manifestação reaccionária?

Uma voz: - Sem dúvida!

O Orador: - Eu não sei, então, se V. Exas. põem em dúvida as ideas republicanas de muitos professores que tomaram parte nessa manifestação.

Outros professores nunca quiseram saber nem de política monárquica, nem de política republicana, e êstes em grande número, para se dedicarem exclusivamente ao ensino, para se dedicarem unicamente à cátedra o aos seus alunos.

Sr. Presidente: admito que ainda lá haja hoje professores monárquicos, mas se êsses professores monárquicos saem fora das suas atribuições escolares, para atentarem contra a República...

Uma voz: - Êles têm o cuidado de não se pôr a claro.

O Orador: - Mas como quere V. Exa. proceder sem provas? Não me parece que a acção da justiça deva exercer-se sem provas.

Uma voz: - Existem provas, e bastantes.

O Orador: - Sr. Presidente: disse, e repito, que, se êsses professores saem das suas atribuições escolares, quando tomam assento na cátedra ou quando transpõem o limiar da Universidade, é justo e legítimo que a República os chame à responsabilidade, que a República os castigue, mas aplicando-lhes as leis que ela têm para sua defesa e seu prestígio; mas se êsses professores não saem fora das suas atribuições, condemná-los assim, castiga-los, como fez o Sr. Ministro da Instru-

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ção, é uma violência sem nome, é um atentado à razão e à liberdade de pensamento.

Como é que nós podemos defender uma tal atitude por parte do Sr. ex-Ministro da Instrução, querendo, por assim dizer, obrigar uma criança a mudar de camisa?

Que diríamos nós, republicanos, se a monarquia tivesse expulso da cátedra os Srs. Drs. Afonso Costa e Bernardino Machado, que foram dois ilustres professores?

Uma voz: - No tempo da monarquia o Sr. Dr. Alves Moreira, que devia ser promovido a lente catedrático, não o foi simplesmente por ser republicano.

O Orador: - Não estou preparado para responder a V. Exa. nesse ponto, mas V. Exa., que é um espírito culto, deve ver que há uma grande diferença entre êsse acto e os actos praticados pelo Sr. ex-Ministro da Instrução.

Estava eu preguntando, Sr. Presidente, que diríamos nós, republicanos, se a monarquia tivesse expulso da cátedra os Srs. Drs. Afonso Custa o Bernardino Machado, quando é certo que êstes dois ilustres professores, como intemeratos republicanos, foram os principais demolidores da monarquia, que a hostilizaram com raro desassombro, com rara energia e sem desfalecimento. Se pensávamos então assim, porque pensamos hoje de modo diferente? Que moral é a nossa?

Quereria o Sr. ex-Ministro da Instrução converter as cátedras de Coimbra em tablado de comício ou de charlatanismo scientífico?

Quereria, porventura, o mesmo ex-Ministro transformar as nossas Universidades em centros políticos?

Isso seria a maior das monstruosidades pedagógicas; isso seria um escárneo à inteligência, um insulto à razão.

Sr. Presidente: eu estou defendendo declaradamente a Universidade de Coimbra, mas sem paixão alguma, nem pessoal, nem política, nem de qualquer outra ordem.

E certo que passei o melhor da minha mocidade em Coimbra, é certo que concluí o meu curso naquela Universidade, mas não é menos certo que as modestas provas que lá prestei as consegui pelo meu trabalho honrado e sem prejuízo, sem quebra do meu espírito de independência que sempre lá manifestei perante os meus mestres.

Devo dizer que se me envolvi nesta questão é por um principio de justiça, é porque ela briga contra a minha inteligência e contra o meu arreigado sentimento de justiça.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que deu a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Brito Camacho: - Requeiro que se continue na discussão da primeira parte da ordem do dia, com prejuízo da segunda parte.

Posto à votação o requerimento do Sr. Brito Camacho, foi aprovado.

O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro a contraprova.

Feita a contraprova, verificou-se o mesmo resultado.

O Sr. João Camoesas: - Requeiro a V. Exa. que consulto a Câmara sôbre se consente na prorrogação da sessão até ultimação dêste debate.

Vozes: - Não pode ser.

Grande sussurro.

O Sr. Júlio Martins: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me dizer quantos oradores estão inscritos.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos 9 Srs. Deputados.

Foi aprovado o requerimento do Sr. João Camoesas para que a sessão seja prorrogada.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Aprovaram o requerimento 39 Srs. Deputados e rejeitaram 35.

Está, portanto, aprovado.

O Sr. Alves dos Santos: - Declaro que é absolutamente impossível a discussão terminar hoje.

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O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Lino Pinto.

O Sr. Lino Pinto: - Sr. Presidente: antes de continuar as minhas considerações, devo agradecer à Câmara a gentileza de ter consentido que eu continuasse a usar da palavra.

Sr. Presidente: entremos na apreciação serena e imparcial dos actos praticados pelo ex-Ministro da Instrução.

Pelo decreto 5:491, publicado no Diário do Govêrno de 2 de Maio, o ex-Ministro remodelava os estudos filosóficos da Faculdade de Letras e, pelo mesmo decreto, criava novos lugares de professores.

Contra êsse decreto protestou o conselho da Faculdade de Letras de Coimbra, e êsse protesto, Sr. Presidente, foi feito nos termos mais correctos, embora com uma certa altivez e energia.

Não quero entrar no estudo propriamente pedagógico dessa remodelação, porque isso compete de direito aos profissionais do ensino que têm a autoridade que eu não tenho nem preterido ter, tanto mais que o Sr. Alves dos Santos já aqui fez êsse estudo com raro brilho e uma rara erudição.

O que pretendo é criticar, é apreciar a forma como o ex-Ministro da Instrução fez essa remodelação dos estudos filosóficos da Faculdade de Letras, e apreciar tambêm a forma como êle fez a nomeação extraordinária de novos professoras para os novos lugares criados, forma essa que, a meu ver, é uma novidade que abre um precedente bem digno de censura.

Eu desejaria que o ex-Ministro dissesse a esta Câmara as razões de ordem pedagógica ou scientifica que o levaram a fazer uma remodelação de tamanha grandeza e de tamanha monta; assim como as razões pedagógicas ou scientíficas que o levaram a fazer a nomeação extraordinária de novos professores ,para aquela Universidade, sem audiência prévia da Faculdade de Letras, sem ouvir previamente os profissionais do ensino, que, pela sua autoridade especial, podiam, como ninguém, fornecer alvitres e conselhos, auxiliando assim os propósitos reformadores do Govêrno.

O que é mais curioso é que, depois dêsse decreto publicado, apareceu, passados poucos dias, no Diário do Govêrno, outro decreto que extinguia, ou antes, que transferia a Faculdade de Letras de Coimbra para o Pôrto.

Se havia razão para extinguir essa Faculdade, porque é que a remodelou e para ela nomeou novos professores, para depois a extinguir?

Alegou então o Sr. Ministro da Instrução que a cidade do Pôrto era dum maior desenvolvimento industrial, que não era Coimbra, e o que por si justificava a transferência daquela Faculdade.

Eu quero lembrar êste argumento que o meu colega Fernandes Costa apontou, como apresentado pelo ex-Ministro da Instrução, que em Coimbra não havia navios nem docas.

Sr. Presidente, em outras cidades onde existem Universidades célebres tambêm não há docas, nem navios, as quais, entretanto, têm patenteado um fulgurante brilho. Temos a cidade de Louvain, que não têm docas, nem navios, e, apesar disso, ela tem a primeira Universidade da Bélgica.

V. Exa. tem a Universidade de Bolonha, que é uma das primeiras Universidades, só não a primeira da Itália, em cuja cidade tambêm não há docas nem navios.

Sr. Presidente, o argumento do Sr. ex-Ministro é tudo quanto há de mais pueril!

Não quero dizer que não concorde que a cidade do Pôrto tenha tambêm uma Faculdade de Letras. Agora o que Coimbra tem direito é à Faculdade que lhe roubaram.

Disse aqui o Sr. Alves dos Santos que não concordaria com a revogação pura e simples do decreto porque isso envolveria o desprestígio do Govêrno. V. Exa. sabe, perfeitamente, que o prestígio não é uma cousa que se dê mim se empresto, mas sim uma cousa que se conquista. Não podemos dar honra a quem a perdeu, não podemos dar vergonha a quem nunca a teve e não podemos dar prestígio a um Ministro que o perdeu. (Apoiados).

Disse o Sr. ex-Ministro da Instrução que alguns professores da Faculdade de Letras de Coimbra eram autócratas. Eu devo dizer que não quero saber se êles são autócratas ou não. Neste momento direi apenas que tenho menos receio do seu autocracismo pacífico, do que do espírito jacobino que o Sr. ex-Ministro da Instrução mostrou na obra desastrada que fez,

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mormente no que respeita à Universidade de Coimbra.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra sôbre a ordem o Sr. Eduardo de Sousa.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: como não tenho ã minha moção redigida, desisto da palavra e peço-a novamente.

O Sr. Vasco Borges: - Raramente um debate nesta casa do Parlamento terá atingido o interêsse que a êste deram os notáveis- discursos já proferidos e que a Câmara ouviu.

Considerando o assunto propriamente sob o aspecto pedagógico ou scientífico, podia abster-se de usar da palavra, se a questão não revestisse outro aspecto que nunca será excessivo e muito menos descabido acentuar, qual é o aspecto político que esta questão reveste (Apoiados) porque iniludívelmente a dentro desta questão há tambêm a questão política que é preciso ter em vista e atacar de frente. (Apoiados).

Se à República as questões do ensino, a sua eficácia, a sua organização e a sua difusão nos variados ramos e espécies de ensino, não pode ser uma questão indiferente, porque ela é uma questão vital dentro dos povos modernos, à República não pode ser indiferente a estrutura política de um professor encarregado de ministrar o ensino nas escolas da República.

Já ouviu nesta Câmara fazer a afirmação de que não é permitido ir preguntar aos professores qual seja a sua fé política, desde que nas suas lições e nas suas cátedras não façam política. Em princípio está de acordo com êste modo de ver, mas não obstante reivindica para a República o direito e o dever de, por todas as formas, conseguir que nas escolas haja ou venha a haver professores republicanos, porque, se à República não foi possível, de um jacto, substituir todos os professores que na época do seu advento não podiam dar a sua confiança de colaborar na obra da República, é preciso que os dirigentes da República, substituindo professores e modernizando programas e métodos de ensino, obriguem os professores a fazer, dentro das escolas, obra, republicana.

Sr. Presidente: afirmou o Sr. Alves dos Santos que não, podia haver uma Universidade sem uma Faculdade de Letras. Está de acordo. Mas o que talvez ainda se não tivesse visto em nenhuma Universidade de qualquer país foi que se transformasse uma Faculdade de Letras como quem muda. a cor da frontaria dum prédio, deixando lá ficar os professores de teologia para formar a moral daqueles mestres que devem ir formar o carácter das gerações republicanas. É desta cousa ilógica e anormal que nasço, porventura, o germe ou a origem de toda a questão. Talvez na Faculdade de Letras os professores não façam afirmações nitidamente monárquicas nas suas lições. E êle, orador, crê que toda a Câmara deverá estar de acordo consigo, não acreditando que é nas lições que as afirmações monárquicas podem estabelecer dentro duma Faculdade o espírito retrógrado, conservador e reaccionário. Não: é o ambiente.

É o ambiente retrógrado, conservador o reaccionário estabelecido poios mestres, é na subserviência duma grande parte dos alunos para conseguirem os seus diplomas literários através do menor esfôrço que produzem a academia nefasta para a Pátria e para a República, o que nesta questão se tem manifestado a favor dós lentes monárquicos e, contra a República. (Apoiados).

O Sr. Lino Pinto: - Foi da Universidade de Coimbra que saiu essa plêiade brilhante de republicanos que fizeram baquear a monarquia e proclamar a República!

O Sr. Vasco de Vasconcelos: - Isso só prova que a geração era tam boa que pôde resistir a tudo!

O Orador: - O espírito reaccionário das escolas é o que tem entravado a obra da República e odiado os seus homens. E êsse mesmo espírito que furou guerra de morte à República, sem tréguas, guerra na sombra, e que a toda a hora procuram apunhalá-la pelas costas! E êsse mesmo espírito que, acobertando-se por detrás

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de nós, entrincheirando-se connosco, aproveitando as animosidades entre os republicanos, procurou ferir a República! Foi com êsse mesmo espírito que surdiu Pimenta de Castro para, anavalhar a República! Foi: com êsse mesmo espírito que Sidónio Pais procurou estrangular a República! (Apoiados). É êsse mesmo espírito que vem guerrear um homem eminente da República, o Sr. Leonardo Coimbra, servindo se do pasquins imundos escritos com lama! (Apoiados).

É neste campo que temos de pôr a questão! (Apoiados). Dum lado a reacção, os conservadores, os monárquicos (Apoiados. Muito bem), a Faculdade de Teologia, um exército de inimigos da República espreitando o momento de nos aniquilar (Apoiados); doutro lado a República sem transigências, sem fraquezas que comprometam (Apoiados) a Nação republicana, que quere caminhar e que, custe o que custar, há-de ir avante! (Muitos apoiados).

O Sr. Lino Pinto (interrompendo): - Passa pela cabeça de V. Exa. que são êsses quatro professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra que causam embaraços à República?

Uma voz: - Não são quatro. São quási todos.

Outra voz: - Não importa o número. O que importa é a acção reaccionária que exercem no espírito dos estudantes.

O Orador: - O que pensa é que, relativamente à acção nefasta e reaccionária dêsses professores, a República tem o dever de defender-se.

Então a Câmara não ouviu o que lhe foi dito pelo Sr. Alves dos Santos?

Foi S. Exa. que aqui disse que êsses professores imprimiam à Faculdade de Letras um espírito autocrático. Sabe, e a Câmara tambêm sabe, que há ali um professor que escreveu um livro que intitulou Geração Nova, e em que se define e preconiza, só num título de capítulo, a orientação reaccionária.

A palavra do derradeira condenação pronunciou-a nesta Câmara uma pessoa insuspeita.

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Foi muito mais desprestigiosa para a República a passagem do Sr. Leonardo Coimbra pelo Ministério da Instrução do que a acção dêsses professores da Universidade de Coimbra.

Vozes: - Isto é extraordinário! Estabelece-se uma grande agitação na sala.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço a atenção da Câmara.

O Sr. Domingos Cruz: - É necessário que esto incidente se esclareça. Um Sr. Deputado foi agravado e, portanto, é preciso que o Sr. Presidente exija as devidas explicações a quem proferiu êsse agravo.

Vozes: - Apoiado, apoiado. Trocam-se apartes. Prossegue a agitação na sala.

O Sr. Presidente (agitando repetidas vezes a campainha): - Previno os Srs. Deputados de que interromperei imediatamente a sessão se acaso S. Exas. não retomam os seus lugares pára que o Sr. Deputado Vasco Borges continue no uso da palavra.

Vozes: - Explicações! Queremos explicações!

O Orador: - Admira-me que alguém de boa fé possa dirigir palavras impróprias a uma tam alta mentalidade da República Portuguesa.

Vozes: - Apoiado, apoiado.

O Orador (continuando entre os apartes que se cruzam dos diversos lados da Câmara): - Se alguêm tem havido nos Governos da República Portuguesa cuja obra scientíficamente se impõe a todos, êsse alguém é Leonardo Coimbra.

Vozes: - Apoiado, apoiado. Muito bem.

Outras vozes: - Queremos explicações. Então, Sr. Presidente? O caso não pode ficar assim!

Sussurro.

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O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Pausa.

Estabelece-se o silêncio na sala.

O Sr. Presidente: - Na Mesa não foram ouvidas as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Manuel José da Silva, mas, em presença da manifestação da Câmara, eu convido S. Exa. a explicá-las.

O Sr. Manuel José da Silva: - Acedendo ao convite de V. Exa., Sr. Presidente, declaro com a lialdade que me é própria, que não tive nenhum intuito de melindrar pessoalmente o Sr. Leonardo Coimbra quando há pouco a S. Exa. me referi num breve àparte que dirigi ao Sr. Deputado que está falando, mas hei-de demonstrar que a passagem de S. Exa. pelo Ministério da Instrução foi...

O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Exa. não tein a palavra. Apenas tinha que explicar. Nada mais.

A Câmara ouviu o que acaba de explicar o Sr. Deputado Manuel José da Silva. S. Exa. declara que não teve nenhum intuito do melindrar o Sr. Deputado Leonardo Coimbra. Creio que esta satisfação servirá à Câmara.

Vozes: - Está bem.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Vasco Borges.

O Orador: - Sr. Presidente: a última palavra sôbre a questão que se debate foi proferida pelo Sr. Deputado Alvos dos Santos, professor, a quem presto as minhas homenagens, e que nesta Câmara apareceu como corifeu.

O Sr. Presidente (interrompendo): - Peço a atenção da Câmara. Não posso continuar neste lugar se se mantiver o sussurro.

O Sr. Alves dos Santos (dirigindo-se ao orador): - Peço a V. Exa. que não se sirva de argumentos de autoridade! Quem se serve dêsses é porque não tem outros.

Vozes: - Essa é boa!

O Orador: - Tenho outros. Mas, Sr. Presidente, tenho tambêm o direito de fazer uso do que aqui seja dito. Não considero legítima a pretensão do Sr. Dr. Alves dos Santos. Demais só o Sr. Presidente pode fazer observações de tal natureza. O Sr. Deputado Alves dos Santos aqui não é mestre, é um Deputado como eu.

O Orador (dirigindo-se ao Sr. Alves dos Santos): - V. Exa. não devia interromper-me...

O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. que só dirija à Mesa.

O Orador: - Então digo a V. Exa., Sr. Presidente, que o Sr. Alves dos Santos perdeu uma boa ocasião de estar calado. (Risos).

Servindo-se dos argumentos do Sr. Alves dos Santos, que apareceu como corifeu da Faculdade de Letras, êle, orador, pode declarar que S. Exa. pronunciou as palavras de condenação derradeira, vindo afirmar urbi et orbe que na Faculdade de Letras dominada o espírito autocrático, informando que Já havia um professor de história com cujo método e orientação do ensino o Sr. Alves dos Santos não concordava porque, naturalmente, é um espírito liberal.

De forma que, a discussão que, após o discurso do Sr. Alves dos Santos aqui se fez, ora decerto modo escusada e inútil, porque o discurso do S. Exa. se pode considerar uma grade tumular fechada à roda da questão universitária.

O decreto n.º 5:773 que criou a Faculdade de Letras no Pôrto tem do ser mantido na íntegra, muito embora só crio uma Faculdade de Letras em Coimbra, mesmo para satisfazer aqueles que pensam que não pode existir uma Universidade sem uma Faculdade do Letras. Portanto, crie-se uma Faculdades de Letras em Coimbra, passe-se para lá o material de ensino da antiga Faculdade, o proporia ainda que se procedesse, por intermédio duma comissão, a um exame ao que os professores vivos da Faculdade de Letras de Coimbra têm ensinado. E desejaria que todos aqueles professores que seguem uma confissão religiosa fossem irradiados do ensino, porque homens po-

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minados por uma idea religiosa não podem ter aquela liberdade de pensamento que é absolutamente necessária a quem tenha de ensinar sciências elementares.

Dêste modo, a legislação decretada pelo Sr. Loonardo Coimbra tem de manter-se na íntegra. Essa legislação decretada na plenitude dos direitos públicos, no exercício dum direito absolutamente reconhecido, tem de manter-se, até para dignidade de todos os republicanos e até para salvação da República. E tem de ser assim! É preciso que duma vez para sempre se defenda a República à outrance, e que se acabe com aquela errada sentimentalidade que faz com que nos momentos de perigo ameacemos os nossos inimigos, os monárquicos, com todas as retaliações, e depois, passado pouco tempo, na paz, nos limitemos a tratá-los a quartos de marmelada! (Apoiados).

Os lentes reaccionários da Faculdade de Letras não podem, nem devem ser mais felizes que aqueles seus correlegionários que os republicanos venceram em Monsanto. (Apoiados).

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: quando ura. país, na sua representação nacional, se deixa apaixonar por uma questão superior, por uma questão de alta moralidade, como está dando exemplo esta Câmara, tal país não está perdido, é um país que vive. Efectivamente, trata-se de uma questão de sciência, uma questão puramente scientífica, de orientação moderna, e acaba de se verificar pelo exemplo dêste debate que, quando fala a sciência, a teologia tem de calar-se.

Sr. Presidente: Eu não sou catedrático nem universitário. Tenho, apenas, para entrar nesta questão a seguinte bagagem: uma existência inteira preocupada com a vida pedagógica e duas vezes a volta ao mundo, sempre com a preocupação da instrução.

Trata-se duma questão que, para nós, tem duas importâncias grandes, imensas. Temos de nos decidir sôbre o acto praticado pelo Sr. Leonardo Coimbra; esta Câmara tem de decidir se quere ou não Faculdade de Letras em Coimbra e se quere ou não que se mantenha a Faculdade de Letras no Pôrto...

Mas há uma outra questão superior a todas, uma questão moral sôbre a qual a Câmara tem de dizer ao país o que entenda.

Temos que dar tambêm uma feição scientifica aos nossos estabelecimentos de instrução.

Antes de continuar o meu discurso vou ler a moção que lhe serve de base.

Sr. Presidente: ouvi com o máximo interêsse, desde o princípio desta questão, a palavra erudita do Sr. Dr. Alves dos Santos e devo confessar que as ponderações que se seguiram na discussão só vieram provar aquilo de que eu já tinha tido a intuição.

Sussurro.

A Câmara está agitada, o que é sinal de vida e de que se interessa por esta questão, mas desejaria por agora silêncio, porque tambêm alguma cousa tenho a dizer.

O discurso que sob o título de interpelação o Sr. Dr. Alves dos Santos aqui pronunciou, impressionou-me por aquela estatura respeitável, alta, com a sua calva rodeada de cabelos brancos, merecendo a consideração devida a um erudito. Mas deu-me tambêm a impressão de um sábio do século XVI que tirou as sandálias e as meias de seda para vestir uma sobrecasaca moderna e pôr um chapéu de coco.

S. Exa. fez esfôrços para se modernizar, mas S. Exa. é antigo como a Universidade de que é lente.

Pretende S. Exa. actualizar as universidades e isso acho bem, mas há que distinguir muito a serio no sentido moderno desta expressão universidades que já não corresponde ao fim para que elas foram criadas nos séculos XIII, XIV e XV.

O Sr. Dr. António José de Almeida e os seus colegas do Govêrno reformaram os serviços e as instituições universitárias e a sua obra foi moderna, mas a Universidade de Coimbra continuou no seu castelo de marfim, nada se parecendo com as modernamente criadas. (Apoiados).

É preciso dizer que a Universidade de Coimbra pertence ao número das que nos séculos XIV e XV se criaram como empórios das sciências em contraposição à teosofia que se ensinava a dentro dos conventos.

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Nesses séculos criaram-se várias universidades um tanto contra a vontade dos que ministravam a sciência nos conventos e nos mosteiros.

Foi uma luta que se prolongou até o fim do século XVI.

Foi uma luta que se prolongou por longos ciclos, durante os quais as universidades exerceram um papel preponderante e desempenharam uma valiosa função.

Estas universidades correspondiam a certas urgências que já desapareceram. Esta é que me parece ser a orientação.

As universidades tradicionais, porêm, vão a desaparecer com todos os seus defeitos e hoje só podem subsistir como as de Oxford. Cambridge e que tais, com profundas remodelações.

Modernamente dá-se o seguinte facto:

Dado o império da sciência, o espírito antigo das universidades não pode mais subsistir. O desenvolvimento da sciência e sua aplicação à indústria criou por todo o mundo uma tal profusão de conhecimentos que não há cérebro que possa conter todos êsses conhecimentos variadíssimos.

Platão e Aristóteles - os dois sábios gregos que representam o início das duas grandes correntes: materialista e sensualista - sabiam tanto como hoje qualquer aluno do quarto ano dos liceus. Talvez êsses alunos saibam mais, pelo menos em certos departamentos do saber humano.

As universidades de Coimbra e de Évora - já extinta - depois de criadas, deveu-se a revisão da jurisprudência, introduzindo o direito romano com prejuízo das grandes regalias e tradições liberais que existiam no povo português. Com a introdução da jurisprudência romana, desapareceram os Coutos, as Honras e tantas outras instituições grandiosas do passado. E o desenvolvimento doentio - digamos assim - do direito romano nos séculos XV e XVI e a sua aplicação gerou uma tal abundância de bacharéis que, quem consultar velhos documentos na Torre do Tombo, encontrará disposições para os mandar recolher à Universidade, de maneira que só dali saíssem à medida que fossem sendo requisitados. Sá de Miranda escreveu bastantes sátiras e epigramas contra os bacharéis e lembro-me de que, numa carta dirigida no século XVII pelo padre António Vieira ao marquês de Nisa, lê-se êste brado: "Deus nos livre da praga dos bacharéis". Ora esta superabundância de bacharéis tem ainda hoje a sua repercussão de processos, embora já um pouco atenuados.

Nos bons tempos do bacharelismo passado um queixoso de um caso de 400 cruzados, por exemplo, dirigia-se ao corregedor do eivei. O corregedor do civel, fechado no privilégio dos seus hábitos, via os papéis e mandava baixar à Casa da Suplicação. Chegado à Casa da Suplicação, o queixoso ouvia umas palavras de conforto e respondiam-lho que fôsse aos capelães; dali aos inquisidores o daí para a Mesa da Consciência. E nisto se levavam às vezes anos. Depois voltava à Casa da Suplicação, julgando que estaria por isso tudo acabado. Mas enganava-se, porque tinha de voltar ao Desembargo do Paço, onde então terminava o pleito e se fazia a liquidação, gastando trezentos e noventa e nove cruzados na demanda, em vista de a ter ganho, pelo que recebia um cruzado de retorno. Chamava-se a isto ficar vencedor!

Vê-se que as Universidades tradicionais não correspondem às necessidades modernas, e é por isso que ao lado delas, em todos os países, funcionam Universidades livres.

Isto manifesta a contraposição que as massas populares oferecem ao monopólio da sciência dentro das Universidades tradicionais.

Eu devo dizer à Câmara que em Portugal não seria demais que se fizesse o que se fez em, Itália, no Govêrno de Crispi, se não me engano, em que se fecharam as Universidades durante alguns anos por causa da praga de bacharéis!

Devo dizer tambêm que a Faculdade de Letras me parece uma cousa dispensável, pois tal qual ela se encontra, não é mais do que uma secção da Faculdade de Sciências, ou melhor uma Faculdade de Filosofia.

A respeito de línguas e história, ou fazer o seu estudo sob o ponto de vista prático e concreto, como se faz nas aulas de comércio ou nos liceus, ou estudá-las sob um aspecto superior. Isto então pertence ao domínio das sciências.

É certo que S. Exa. no seu primeiro discurso tentou demonstrar qual era a ne-

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cessidade de orientar no caminho a seguir pelas Faculdades de Letras. S. Exa. encarou isso por uma forma bem diversa, daquela que se expõe num livro publicado recentemente em Coimbra e que tenho aqui presente.

S. Exa. defende a Faculdade de Letras, como bom católico que é. Mas S. Exa. defende também, ou pelo menos eu assim o entendo, a inclusão de um laboratório de psicologia experimental.

Corno S. Exa. foi ao estrangeiro estudar psicologia experimental, estou certo de que trouxe lá de fora os aparelhos modernos por onde se vê a facilidade com que hoje se medem as correntes nervosas, as pulsações, e a facilidade com que modernamente se faz a fotografia do pensamento. Numa palavra, S. Exa. terá assimilado os mais modernos ensinamentos, dos quais se conclui que só há matéria e matéria, onde mesmo se procura o espírito.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - V. Exa. é que amanhã podia trazer êsses aparelhos!

O Orador: - Eu não tenho aparelhos, quem os tem é o Sr. Alves dos Santos. Nem estou aqui para fazer um curso de psicologia experimental, mas para arrancar as leis que regem...

O Sr. Presidente: - Tenho de interromper a sessão para recomeçar amanhã às 14 horas. Se V. Exa. deseja, reservo-lhe a palavra para amanhã.

O Orador: - Fico então com a palavra reservada.

O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: eu desejo saber se amanhã continua a mesma discussão sem haver o lapso de tempo destinado aos oradores para falarem antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor. Amanhã é a continuação da sessão de hoje.

Vou ler à Câmara o resultado da eleição para um vogal do Conselho Fiscal da Caixa Geral dos Depósitos e para um vogal substituto para o Conselho Fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.

É o seguinte:

Vogal para o Conselho Fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios de Previdência Geral:

[Ver valores da tabela na imagem]

Domingos Cruz (eleito)
João da Rocha
Vasco de Vasconcelos
Brancas, 2.

Vogal para o Conselho Fiscal da Caixa Geral dos Depósitos:

João Camoesas (eleito)
Vasco de Vasconcelos
João da Rocha
Brancas, 2.

Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Deputado António José de Almeida, promovendo desde já ao pôsto de general o coronel do Corpo do Estado Maior, José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado António Mantas, revogando o decreto n.° 5:028 de 4 de Dezembro de 1918.

Para a Secretaria.

Dos Srs. Deputados António José Pereira e Campos Melo prorrogando o prazo para reembolso de adiantamentos contraídos com a Caixa Geral de Depósitos.

Para a Secretaria.

Dos Srs. Deputados Fernandes Costa, Meneses Fernandes Costa e Gonçalves Marinha, revogando o decreto n.° 5:770 e criando uma Faculdade de Letras no Pôrto.

Para a Secretaria.

Dos Srs. Deputados Tavares de Carvalho e Velhinho Correia, extinguindo o Quadro auxiliar do Serviço da Administração Militar.

Para a Secretaria.

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Do Sr. Abílio Marçal, alterando a Constituição.

Para a Secretaria.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro das Finanças mandando inscrever no Orçamento como despesa extraordinária as quantias de 42 e 58 contos destinados à Casa da Moeda.

Para a Secretaria.

Representações

Dos representantes da indústria mineira, solicitando que sejam abolidas todas as disposições que estabelecem encargos e embaraços à exportação dos minérios, ficando esta completamente livre como anteriormente a Agosto de 1914.

Para a Secretaria.

Do Senado da Universidade de Lisboa, reclamando contra alguns decretos dictatoriais publicados pelo Govêrno e atentatórios das prerrogativas das Universidades.

Para a Secretaria.

Requerimentos

Requeiro que pelo Ministério do Trabalho, Direcção Geral de Minas, e com a maior urgência, me sejam fornecidos os seguintes elementos de estudo:

Nota dos preços por tonelada dos minérios de volfrâmio lixados pelos Governos Inglês e Português depois da declaração de guerra da Alemanha.

Nota das cotações mensais dos minérios de volfrâmio no mercado de Londres, nos dez anos anteriores à guerra.

Nota das cotações dos mesmos minérios no mercado de Londres no primeiro se semestre do corrente ano. - Aníbal Lúcio de Azevedo.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado João Luís Ricardo, pedindo pela Secretaria do Congresso o relatório e trabalhos da Comissão nomeada em 1913 para classificação de estradas, enviados à Câmara pelo ex-Ministro Dr. Fernandes Costa.

Para a Secretaria.

Para estudo do Orçamento e apreciação do aumento de vencimentos leitos pela legislação publicada desde 5 de Dezembro de 1918, requeiro que com urgência me seja fornecida, por todos os Ministérios, a nota exacta da quantia despendida com serviços extraordinários durante os anos económicos de 1917-1918, 1918-1919, descriminada por funcionários e quantias recebidas mensalmente por cada um. - O Deputado, João Luís Ricardo.

Para a Secretaria.

Parecer

Srs. Deputados: Tendo de pronunciar-se sôbre a proposta do Sr. Deputado José Maria do Campos Melo, convertendo as secções da quarta comissão permanente, estabelecida no artigo 88.º do Regimento em vigor nesta Câmara, em comissões independentes, compostas de nove membros, não quere a vossa comissão de Regimento deixar fugir êste ensejo de vos manifestar a opinião de que todo o referido Regimento necessita de ser revisto e modificado, em ordem a realizar uma e mais perfeita eficiência das funções do Parlamento. A referida proposta está de acordo, porém, com as exigências duma mais eficaz divisão do trabalho parlamentar. E isto basta para que esta comissão vos recomende, sem rodeios, que a aproveis.

Sala das comissões, 26 de Junho de 1919. - Joaquim José de Oliveira, J. M. Nunes Loureiro, Manuel Eduardo da Costa Fragoso, Vasco de Vasconcelos, João Camoesas.

Para o "Diário das Sessões", nos termos do artigo 38.° do Regimento.

Eram 14 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Continua no uso da palavra o Sr. Ladislau Batalha.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Peço a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa., sem consentimento do orador.

O Orador: - Não tenho dúvida alguma nisso.

O Sr. Eduardo de Sousa: - É só para uma pregunta! Queria que V. Exa., Sr.

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Presidente, me informasse quais são os oradores que estão inscritos sôbre o debate.

Foi lida na Mesa a relação dos oradores inscritos.

O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: procurarei quanto possível ser breve na continuação das minhas considerações acerca dêste momentoso assunto que se depara agora ao esclarecido exame da Câmara. Tinha estabelecido vários princípios, que vou recapitular ràpidamente. O primeiro estabelecia que as Universidades tradicionais não correspondem às necessidades modernas, e em Portugal a Universidade de Coimbra é verdadeiramente a representante dêsses estabelecimentos tradicionais e como tal a não ser que sofra no futuro uma remodelação fundamental, nunca poderá corresponder às necessidades de momento. Estabeleci mais que as Faculdades de Letras, embora subsistam por inércia em bastantes universidades, não têm mais tambêm razão de ser, como tal, por não corresponderem aos critérios modernos e ao estado da sciência.

O estudo das letras não pode ser mais nada, senão uma secção das sciências, e é êsse o espírito moderno que se observa nos Estados Unidos, muito em Inglaterra e bastante na Alemanha.

Começa a ser posta de parte essa orientação genérica enciclopédica das Universidades antigas. Começa a fazer-se uma diferenciação, de forma que existem na América, por exemplo, faculdades especiais de medicina e outras, separadas e não todas conjugadas dentro dum estabelecimento, como sucede na nossa Universidade. E não só estas faculdades convêm que sejam separadas em estabelecimentos especiais, como ainda é preciso dar-lhe um carácter de generalização, um carácter de vulgarização, para que possam realmente corresponder às necessidades de momento que são a máxima dispersão dos conhecimentos humanos.

Eu aproveito a ocasião para lembrar êste facto que é bem frisante. Eu vi que lá fora, precisamente nas escolas médicas, o cadáver não é uma cousa só destinada exclusivamente para o estudo dos alunos que estão ali matriculados; facilita-se o estudo dos cadáveres e de fracções de cadáveres, tecidos, etc., a toda a gente que o queira fazer.

Nesta forma, é que tem sido possível realizar-se lá fora inúmeras descobertas scientíficas, que nunca se conseguiriam realizar em Portugal, o dessa forma foi que eu pude estudar o organismo humano, estudo que nunca podia ter feito em Portugal.

Na América a sciência está acessível a todas as criaturas.

Mas esta remodelação do nosso ensino, que é necessário fazer-se no futuro, tem de ser imensa, e a meu ver não deve partir do cima. Nós temos em Portugal uma cousa bem mais importante, neste momento, do que os estudos superiores; temos efectivamente de investir de frente com essa imensa mazela nacional, que se chama o analfabetismo.

Isto é importantíssimo. E certo que nós temos muitos cursos superiores, mas entre os doutorados e os analfabetos não temos uma camada intermediária, com estofo, ou preparação intermédia. Só temos doutores ou analfabetos.

Eu não compreendo como o Sr. Dr. Alves dos Santos queria substituir a cadeira de geografia por uma de sociologia.

Que elementos tem S. Exa. para isso?

A geografia é apenas uma parte elementar da sociologia. O que nós precisamos principalmente é de museus, que são os elementos essenciais para o estudo da sociologia.

Nós temos em Portugal bastantes museus, mas todos êles deixam muito a desejar. O que temos de museus pouco nos serve, está tudo num pêle-mêle. Eu tenho-me cansado em visitar os nossos museus à procura de luz.

Ao Anuário do Dafundo tenho ido muitas vezes, mas quantas mais vezes lá vou, mais grego fico. Vejo lá muita alforreca, muita tainha, muitos outros peixes, mas tudo sem classificação. Aquele museu apenas serve para aos domingos os meninos o irem visitar e ver os peixes.

Quem fôr ao Museu de Brington ficará admirado da forma perfeita como tudo lá está disposto, a forma como tudo está classificado!

Nós tambêm temos cá um museu na Sociedade de Geografia, que de muito estudo poderia servir se tudo lá estivesse disposto em ordem. Mas não, está tudo

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misturado, de modo que resulta uma confusão imensa. Temos ali instrumentos musicais da Índia ao lado de redes de pesca africanos! Antigualhas egípcias ao lado de marimbas da Polinésia! Emfim é uma exposição impossível para estudo.

Eis o mal do que padecemos.

Sr. Presidente: nós não temos classificados metodicamente todos êstes elementos que são a base da sociologia e, portanto, ou pregunto: como querer neste momento criar uma cadeira de sociologia na Universidade de Coimbra, quando nem mesmo para o estudo da geografia lá existem elementos? no dizer do Sr. Dr. Alves dos Santos.

Passemos agora a outro ramo de estudos da Faculdade; a língua. Já no meu anterior discurso ou disse que a língua, como elemento sucinto da transmissão, do pensamento, cursa-se em qualquer aula. Porém, no ponto de vista superior, a língua, conforme se estuda na Universidade, tem de ser propriamente, incluída na categoria das sciências. E positivamente um ramo da filosofia scientífica.

Se formos à origem das línguas, nós encontramo-las precedidas pela vista e pelo ouvido.

O Homem primitivo ouviu e, consequentemente, criou o som. Criou a onomatopeia. E essa onomatopeia existe no espírito e no modo do ser das sociedades humanas, de maneira que continuamos a fazer onomatopeia, como o fez o homem primitivo.

Senão vejamos: a criança diz que o galo faz: qui-qui-ri-qui, e à musica chama tum-tum.

E a mesma onomatopeia dos tempos ancestrais a continuar-se até hoje.

A vista criou a linguagem escrita. A escrita da imagem. Todas as nossas letras são obliterações de formas iniciais o imitativas. Assim o A é a degenerescência do símbolo de Apis, o boi sagrado do Egipto.

Se se trata de apreciar a língua sob o ponto de vista dos seus estados, notamos nela propriamente o objecto de sciência pura. Vemos que as três formas da língua - forma monossilábica, aglotinativa e flexiva - correspondem a três estados da sociedade humana - selvagem, bárbaro e civilizado - de maneira que a língua, nesse caso, chega a traduzir o estado dos povos que a falam.

A êste princípio, afirmado numa grande generalidade, eu me referiria largamente se houvesse tempo para isso, mostrando as diferenciações e o porque das transformações.

Encontramos tambêm o caso da universalização das línguas. E um fenómeno proveniente de acidências históricas, de acidências comerciais o industriais, e das condições de navegação e emigração.

Sr. Presidente: eu tive ocasião de assistir à criação dum dialecto muito curioso, que HO está formando nos Estados Unidos.

Os açoreanos que como todos os povos insulares, tem um grande amor à sua terra natal, não esquecem a sua pátria, embora fixem residência, com suas famílias, nos Estados Unidos da América, para onde emigram em grande quantidade. Assim encontrei ali indivíduos que se dizem açoreanos, pelo facto dos seus bisavós terem saído dos Açores. Pois êsses indivíduos, mostram todo o orgulho em falar a sua língua.

A um dêstes me dirigi duma vez, o tendo-lhe escutado a parlenda patriótica que em inglês me foi referindo, disse-lhe:

Então, se o Sr. é açoreano, se fala a sua língua, muito gostaria de ouvir-lhe alguma frase.

Gostosamente me respondeu com um exemplo:

- Esta auza ser muita tóla.

Com isto pretendeu dizer-me que aquela casa (house) era muito alta (tall),

Como se vê, elo dava forma de terminologia portuguesa a palavras inglesas. Supunha que qualquer palavra inglesa acrescentando-lhe um a ou outra qualquer das nossas desinências, se transformava num termo português!

S. Tomé foi, em tempos, ocupada pelos franceses. Ali é frequento dizer-se saúdjê savuá que correspondo, em francês a comment çá-va-t-il.

No creoulo da Dominica e da Martinica encontrei idênticas revelações.

Não era preciso que a história nos dissesse que ocupamos Ceilão. A natureza do creoulo, que ali ainda subsiste, bastaria para fazer luz neste ponto.

A investigação histórica que se faz através das línguas não é propriamente letras, mas a sciência pura. A linguístico trata da estrutura íntima das línguas, da sua classificação e da sua filiação. A lin-

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guística dá-nos tambêm elementos importantes para a história. Há vestígios, por exemplo, da passagem, por Portugal, dum povo grandioso chamado os ligúricos, principalmente nas regiões dos norte, talvez em épocas proto-históricas.

A tradição diz-nos que os ligúricos estiveram na Itália, onde ainda existe uma província denominada Ligaria, atravessaram a Grécia, vieram para o norte de Portugal, tendo estado na Bretanha francesa e na Irlanda. Pois em Portugal encontramos a palavra Lusitânia, corrupção evidente de Lígulusitânia, ao lado de aquitânia, Pomerânia, e muitos outros de terminalogia ligúrica.

A persistência dos sufixos asco, asca, ingo e outros em regiões afastadas, revela-nos, por assim dizer a direcção o localização das migrações ligúricas.

Nós temos Reguengos e outros nomes onde se adivinha o sufixo ligurico ingo. Da mesma forma ainda conservamos Vasco, Panascais, além do verdasca, rasca, lasca e tantos outros.

Vamos encontrar em Portugal uma povoação de nome Bromélia a recordar a adoração de Bermus que foi uma divindade ligúrica, cujo culto a investigação linguística consegue surpreender desde a Itália até a Irlanda. O vestígio grego através dos liguros igualmente se surpreende.

O cabelo e as tranças das nossas mulheres do norte são penteadas ao estilo grego, afirmando-nos os restos duma civilização que passou e desapareceu.

Tambêm o nosso casamento religioso é celebrado em latim, mas com a adopção do rito grego.

O estudo das línguas está provado que deve constituir apenas uma secção de Letras dentro da Faculdade de Sciência, ou fazer parte duma Faculdade especial de Filosofia.

Cada cousa deve ter o seu lugar, rigorosamente assinalado, e certamente que o estudo da história e função das línguas não terá o seu lugar numa Faculdade de Letras, mas uma secção da Faculdade de Sciências. E bem se prova, quando refletimos que na linguística tem o seu domínio principal os Bopp, os Burnouf, os Max Muller, os Friedrick Diez, os Champollion Le Jeune, e tantos outros cuja lâmpada luminosa anda sempre bem ateada no templo majestoso das Sciências.

E agora entremos na história, que tambêm actualmente faz parte das disciplinas da Faculdade de Letras.

Parece-me que a história, sob o ponto de vista filosófico, colocada numa Faculdade de Letras, é tudo quanto há de mais erróneo. Eu compreendo que nos liceus se façam as narrações de factos históricos que se desenrolaram nas sociedades, a chamada história anecdótica e episódica dos reis e generais do passado. Mas o estudo dessa disciplina, quando se trata de fazer luz ou de esclarecer determinados factos, quando se trata de aprofundar a psicologia das sociedades humanas ou indagar os, motivos que as levaram a agir por certos processos, um estudo desta natureza, dizemos, pertence exclusivamente aos domínios da sciência, mas da sciência mais pura e mais complicada.

E agora, Sr. Presidente, eu chamarei a atenção de toda a Câmara e, em especial, do Sr. Brito Camacho, para as considerações que vou fazer, embora eu não tenha a pretensão de converter ou de contrapor duma forma imperativa às doutrinas espiritualistas de S. Exa. o meu arreigado e convicto materialismo.

Eu possuo sôbre história uma concepção muito minha e sinto-me orgulhoso de ter achado um critério que me permite estudar e tirar conclusões flagrantes do encadeamento dos factos históricos.

Procurei observar no campo dos infinitamente pequenos e dos infinitamente grandes, à luz da minha apoucada inteligência e do meu critério pelas observações feitas, fiquei convencido de que existe uma espécie de harmonia de conjunto na forma como a matéria se desenvolve na imensidade cósmica.

Eu notei, por exemplo, observando-me, que os organismos individuais, todos êles, são independentes na sua maneira de accionar daquilo a que é uso chamar-se vontade. Nós não dormimos quando entendemos, dever dormir, mas quando o conjunto de organismos que compõem o nosso sistema nervoso o desejam fazer. O estômago, tanto como a circulação, assimilação e outros fenómenos biológicos, realizam-se fora da nossa vontade.

Mas qual é a fôrça que domina, tudo isto?

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Investigando e preguntando, respondem-nos que são acções puramente automáticas, que é o automatismo das cousas. Eu, porém, não posso satisfazer-me com tal resposta. Quando não compreendemos qualquer fenómeno, não quere a índole egoista de nós todos que nos resignemos com o seu desconhecimento e inventamos um vocábulo explicativo com que ficamos muito lisonjeados, ainda mesmo que continuemos a não perceber.

Explicam-se-nos êsses fenómenos biológicos pelo automatismo.

Quem governa, porêm, êsse automatismo? O nome por si só não satisfaz.

Eu noto na vida animal um conjunto de esfôrços e criações (unhas, garras, chifres, escamas, ferrões, etc.) para a sua defesa. Observo no mundo vegetal análogos esfôrços e análogas criações (espinhos, acubos, etc.); encontro a mesma harmonia e vejo os vegetais, tanto como OB animais, tambêm dotados do armas para a sua defesa, vejo, noto emfim, uma corta solidariedade na harmonia geral da natureza.

Observo, ainda, no imensamente grande, no nosso sistema planetário, em todo o conjunto dos sistemas celestes, a mesma harmonia, a mesma fôrça. Parece que os astros, que os corpos celestes são dotados de inteligência. A sua fôrça aos seus movimentos nós damos o nome de granitação porque assim o denomiram os sábios. E todos nós ficamos contentes com isso.

Mas quem governa essa gravitação? Qual é o móbil, o dirigente, a determinante?

Noto ainda mais alguma cousa assas curiosa o surpreendente nos seres infinitamente pequenos.

Se deitarmos uma pinga, urna gota dum ingrediente químico numa calda de micróbios, ingrediente que seja nocivo à vida dêsses animáculos, rios vemos que êles fogem precipitadamente, como nós fugiríamos dum teatro se lá houvesse fogo. Porque é que êles procedem desta maneira? Tambêm procedem como se fossem dotados de inteligência. Serão êles deveras dotados de inteligência? Se o são, não se lhes conhecem os órgãos de tal função.

Sr. Brito Camacho e Srs. Deputados: em todos os seres vivos eu encontro os mesmos sintomas, e até mesmo no mundo chamado inorgânico, quando analisado de perto, eu noto um procedimento análogo. Por exemplo, êste papel que eu seguro assim nesta posição; se êle se mantêm, é porque há no seu conjunto uma fôrça que assim o determina. E porque neste papel, como em todo e qualquer corpo, seja qual fôr a sua natureza, cada molécula componente porta-se e procede como mais convêm para a conservação do todo, para a harmonia do conjunto.

E a esta fôrça inacta em toda a matéria, tal qual a impenetrabilidade, inércia, elasticidade e outras, à falta de melhor, dei o nome de propriedade egotista, em virtude da qual, cada átomo hipotético, cada corpo, cada organismo, cada conjunto de organismos, etc., sejam êles astros ou sociedades, portam-se como mais convêm para a segurança, conservação e harmonia do conjunto.

A propriedade egotista, portanto, terá tanto do espiritualidade, como a rijeza, a ponderabilidade, a elasticidade, etc.

O egoísmo que reconhecemos nas sociedades humanas é apenas uma feição do egotismo universal. Tal a doutrina que, procurando aplicar à sociologia, cheguei a encontrar fim vários o múltiplos exemplos, sempre confirmada. Tenho feito observações a êste respeito e possuo alguns milhares do apontamentos anotados em verbetes durante o decurso da minha já longa vida.

Tambêm o egotismo existente na matéria obedece a leis que já procurei definir.

Parece, com efeito, que a intensidade do egoísmo humano está na razão directa do círculo em que êle se inove. E assim que, primeiramente, temos interêsse em nós próprios, depois vem o interêsse pela família, a seguir, e sucessivamente, mas cada vez mais intenso, pelos nossos amigos, pela sociedade, que nos serve de ambiente, pela Pátria, até que por fim chega o interêsse, já muito diluído, pelo amor da humanidade.

O Sr. Fernandes Costa (interrompido): - é Então como se pode ser socialista?

O Orador: - Podia responder a V. Exa., mas peco-lhe a fineza de não cortar o fio das minhas considerações. Se S. Exa. me quiser dar a honra de me procurar para conversarmos a tal respeito, esforçar-me

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hei por lhe demonstrar que esta doutrina tem uma justa aplicação e confirmação no socialismo.

Continuando nas minhas considerações, direi que se compreende a dificuldade que há na história para fixar as determinantes e as determinadas.

Se pudéssemos conhecer o porquê, natureza e função dos móveis egoistas que concorreram para um determinado acontecimento histórico, a luz far-se-ia com facilidade surpreendente.

Os mesmos factores não se repetem, idênticos, na vida histórica dos povos.

Compreende-se perfeitamente a dificuldade, quási insuperável, que há na interpretação histórica, e tambêm como o ensino da história, em vez ode pertencer a uma Faculdade de Letras, terá de pertencer, na sua mais intima significação, a uma secção dentro da Faculdade de Sciências, ou então a uma Faculdade especial de Filosofia.

Dêste medo tem de concluir-se que o Progresso, de que tanto nos orgulhamos- dada a vaidade humana, o egoísmo de cada um de nós - é quem nos governa, e não somos nós que dirigimos o progresso. São as condições, o meio, é que actua nas acções de cada um de nós e nas do aglomerado social. E êsse progresso é tam independente da nossa vontade como a digestão ou o sono.

O progresso resulta da evolução individual de cada um dos componentes sociais. Quero dizer, o nosso próprio cérebro vai fazendo a sua evolução, desenvolvendo-se sob o ponto de vista da intelectualidade.

O modo de haver-se de cada uma das componentes do nosso ser é quem determina, em síntese e no conjunto, o procedimento de cada um de nós em harmonia com os nossos próprios interêsses e com os do ambiente em que nos agitamos.

E, portanto, o desenvolvimento do conjunto social o que nos permite tentar a interpretação dos grandes fenómenos de carácter social. Quando, porem, estamos dentro dos fenómenos, não temos a faculdade de os apreciar. Somos seus comparsas, deles fazemos parte, e por isso não os podemos criticar, nem interpretar.

Senão vejamos.

Diante da invasão dos bárbaros - cataclismo imenso, assombroso - Roma viveu mais ansiosamente e em maior sobressalto do que hoje estamos vivendo em face da iminente revolução social. E, contudo, essas invasões tiveram vantagens imorredouras que aos coevos não foi lícito avaliar.

As invasões dos bárbaros puderam contribuir para o progresso humano. Êsse grande cataclismo subverteu a civilização romana, apavorou os povos de então. Agora, porém, a tantos séculos de distância, vê-se que êsse acontecimento foi uma das mais transcendentes contribuições para a remodelação das sociedades humanas.

O mesmo se deu com as cruzadas, outro flagelo que assolou a Europa, semeando o terror, a fonte e a morte por toda a Europa. Pois êsse cataclismo horrendo - conhecido pelo nome de cruzadas - deu origem a factores importantes, a acontecimentos que foram germe dos progressos futuros. Sem as cruzadas não tomaríamos contacto íntimo com o oriente, não se teriam realizado os descobrimentos na época e nas condições em que se realizaram, factores tam transcendentes para o desenvolvimento da sciência e suas aplicações ao industrialismo nascente. Nem o intercourse comercial teria podido contribuir tam eficazmente para a aproximação dos povos.

O mesmo há-de suceder com a última guerra mundial, apesar dos prejuízos incomensuráveis que ora tanto lamentamos. A guerra mundial neste momento afigura-se-nos o maior e o mais horrível flagelo. Dela nos queixamos horrorizados, em consequência das perdas enormes que determinou e dos milhões de mortos que fez. Dessa guerra mundial já se antevêem novas calamidades, novos flagelos, novos desastres.

A guerra mundial, êsse horroroso cataclismo, está, com efeito, segregando uma convulsão social, uma crise do industrialismo capitalista, que, sendo assombrosa, medonha, neste momento, pode, contudo, servir para grandes transformações. O revérbero que há-de sair dêste clarão pode certamente apressar a queda do existente. Dêste flagelo, porém, chamado a Guerra Mundial, pode também, com as maiores probabilidades, advir alguma cousa de grande e majestoso para o futuro.

Mas só ao futuro será dado avaliá-lo, que não aos contemporâneos envolvidos no flagelo e nele interessados.

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Posta assim a questão, eu digo que toda a matéria que constitui a Faculdade de Letras tem de ser, numa futura remodelação universitária, exclusivamente a uma secção das sciências ou a uma Faculdade de Filosofia.

Entremos agora na parto intrínseca da questão posta dentro desta casa.

Já se falou aqui na deficiência da Faculdade de Letras. Não necessito, pois, alongar-me na demonstração dêste facto.

O Sr. Dias Pereira, no seu discurso, disse isto.

Está aqui a condenação da Faculdade de Letras, pelas suas deficiências.

Relativamente à sua capacidade docente nada preciso pôr da minha casa, como é costume dizer-se. Foi o Sr. Deputado Alves dos Santos, no seu discurso, quem se nos revelou um carácter íntegro e nos mostrou sobretudo a honestidade das suas opiniões, qualidade esta que é para mim respeitabilíssima.

S. Exa. ao apreciar a capacidade do corpo docente da Faculdade de Letras, vem dizer que os professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra têm capacidade superior para o ensino técnico, mas não têm alma democrática, não têm condições de espírito moderno, que possa ser garantia aos interêsses e aspirações da República, e isto é importante (Apoiados).

Pode estar S. Exa. convencido, na sua boa fé, de que êsses indivíduos não farão política a dentro das suas cadeiras; mas a minha experiência em cousas bom pequenas mostra-me que não poderá ser assim.

Sr. Presidente: o professor, seja qual fôr, tem sempre grande ascendência moral sôbre o seu discípulo.

Eu, pobre mestre-escola, professor de línguas, e pouco mais, tenho conhecido essa ascendência sôbre indivíduos de alta posição que, depois de terem saído das escolas superiores, só porque precisam do conhecimento prático das línguas, vêm tomar assento na minha cadeira de estudo. Pois eu tenho notado que exerço, pela situação moral, ascendência sôbre êsses indivíduos. É desnecessário dizer que o professor communica o seu eu, o seu modo de ser, exactamente à doutrina que está ensinando.

Vejamos, para exemplo, o ensino da astronomia. A astronomia tem sido, desde o século XVI, nas mãos de uns, uma arma de sciência pura; mas nas mãos dos clericais reaccionários a astronomia tem servido do elemento para demonstrar a existência de Deus, a verdade dos dogmas e quantos reaccionarismos que ainda existem propalados.

E eu mesmo, num curso popular que estabeleci entre operários, tirei uma vez dessa astronomia consequências socialistas, porque imprimi a minha própria qualidade de socialista às doutrinas que estava leccionando.

Feita esta demonstração, eu digo que a Faculdade de Letras de Coimbra deve continuar a existir, sem que nisto vá desprimor para o Sr. Leonardo Coimbra. Sou de parecer que a Faculdade de Letras, onde está, pode conservar se para não levantar novos atritos, e a do Pôrto, como só existe no papel, que dali mesmo seja riscada. A respeito do corpo docente, entendo que devem ser eliminados os professores que se reconheça que são reacccionários.

E esta a doutrina que estabeleci na moção que redigi e que vou mandar para a mesa.

O Sr. Brito Camacho (para interrogar a Mesa): - Pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, se é exacta a notícia de que os professores da Universidade de Lisboa entregaram ontem nesta Câmara uma representação sôbre o assunto que se discute.

Sendo assim, parece-me que havia toda a conveniência em que fôsse lida na Mesa, para que todos os Srs. Deputados tomassem dela conhecimento.

O Sr. Presidente: - Ontem fui procurado por uma comissão de professores que me entregou uma representação, que eu disse seria lida na devida oportunidade.

O Sr. Brito Camacho: - Nesse caso parece-me que a oportunidade é agora.

O Sr. Presidente: - A sessão de hoje, como V. Exa. não ignora, é a continuação da de ontem, e como tinha ficado com a palavra a Sr. Deputado Ladislau Batalha, eu entendi que não devia interrom-

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per o discurso de S. Exa. para se lazer essa leitura, mas agora vou consultar a Câmara sôbre se autoriza que a representação seja lida na Mesa.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

Foi lida na Mesa.

O Sr. Presidente: - Esta representação tinha já o despacho - para comissão de instrução - mas como a Câmara autorizou agora a sua leitura, consulto-a sôbre se quere que fique em discussão juntamente com a matéria.

O Sr. Jorge Nunes: - V. Exa. deve mandar fazer uma impressão dêsse documento.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma nota de interpelação. E a seguinte:

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério sôbre a acção do Govêrno relativamente à defesa da República. - O Deputado, Afonso de Macedo.

O Sr. João Bacelar: - Vou ser breve nas minhas considerações, pois compreendo que se vai prolongando demais êste debate, com grande prejuízo dos interêsses académicos e grave prejuízo dos trabalhos da Câmara.

Eu não usaria mesmo da palavra se não tivesse uma razão especial para isso.

Eu tive a honra de ser governador civil de Coimbra quando se levantou o conflito universitário, e devo dizer a V. Exa. que só tive conhecimento dêsse conflito pela leitura dos jornais.

Nesta questão, quer sôbre o ponto de vista pedagógico, quer sôbre o aspecto político, eu creio que a Câmara está suficientemente elucidada o todas as palavras que se proferirem não farão mais do que protelar um assunto que deve ser imediatamente discutido.

Limito a minha análise apenas a, um aspecto da questão: refiro-me aos interêsses morais e materiais de Coimbra, ameaçados pelo decreto do ex-Ministro da Instrução.

Trata-se de uma cidade republicana que à causa da República tudo tem dado e foi a primeira que se levantou contra a ditadura do dezembrismo; portanto tratando-se duma cidade a quem o próprio Govêrno da República consagrou condecorando-a com a medalha de lialdade o mérito, parece-me que uma cidade destas não podem passar despercebidos ao Parlamento os seus interêsses.

A cidade de Coimbra vive dependente da Universidade o nestas condições está sempre exposta às contínuas ameaças e questões universitárias, mas isto não pode continuar, pois não é lógico que uma cidade importante, como é Coimbra, esteja à mercê de qualquer questão académica ou remodelação de ensino.

Brevemente, por mim ou pelo Sr. Deputado Alves dos Santos, será apresentado um projecto de lei que põe Coimbra a coberto das modificações universitárias.

Espero que a Câmara terá em consideração as poucas palavras que proferi e, quando chegar a resolução anal dêste assunto, provarei as necessidades morais e materiais de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Ladislau Batalha.

Foi lida na Mesa e admitida.

O Sr. Pedro Pita: - De harmonia com o preceito regimental, tenho a honra de enviar para a Mesa uma moção.

Sr. Presidente: Eu tenho visto desenrolar-se em redor dêste problema que é, sem dúvida, importantíssimo, uma discussão que se tem prolongado extraordinariamente e que ameaça eternizar-se. Vêem-se inscritos inúmeros oradores e parece-me que temos de perder muito tempo na discussão dêste assunto, e digo perder muito tempo porque a verdade é que nós nada temos a resolver, pois nem sequer um simples projecto existe sôbre o qual possamos fazer incidir a nossa crítica. De maneira que com êste longo debate em que uns acham que e Sr. Leonardo Coimbra procedeu bem, outros que procedeu mal, em que uns afirmam que a Universidade tem razão e ainda outros que ela a não tem, só conseguimos desperdiçar um tempo preciosíssimo sem que nada possa resultar de proveitoso. (Apoiados). E foi essa convicção que me levou a entrar, tambêm, na discussão dêste assunto. Que

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haja, ao menos, alguém que diga que nós não temos o direito de estar a perder tempo quando temos assuntos importantíssimos a resolver.

Há, de facto, de parte a parte algumas cousas que não deviam ter-se dado. Eu sou o primeiro a concordar. Há, talvez, um certo abuso de poder,, dum lado; mas do outro há uma grande indisciplina. (Apoiados). Houve, talvez, da parte do Ministro um excesso de atribuições, permitam-me o termo - uma ida mais distante do que lhe concedido; mas da outra parte houve uma grande falta do disciplina, que é tanto mais condenável quanto é certo que ela partiu daqueles que tem obrigação de dar o exemplo da ordem. (Apoiados).

Nós estamos a ver constantemente a desordem a manifestar-se, a assistir a uma permanente sucessão de greves feitas fora do espírito da lei de 1911, feitas contra os preceitos legais, e é verdadeiramente lamentável vermos que são os professores das Universidades - os que têm a seu cargo a educação da mocidade, os primeiros a pregar a rebeldia e a de ordem.

E deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu, antes de mais nada, aqui faça uma afirmação que julgo imprescindível, para bem ser compreendido: - desde que o ex-Ministro da Instrução entrou pelo caminho de reprimir as manifestações de rebeldia daqueles que, de facto, ao Govêrno do seu país devem obediência e acatamento às suas leis, eu censuro-o principalmente porque não soube ir até o fim. Porque o seu dever, como Ministro, era ordenar aos professores, como quaisquer funcionários do Estado, que retomassem o exercício de suas funções, instaurando a todos um auto de abandono de lugar, quando por mais de oito de dias se conservassem afastados deles, e demiti-los.

Demiti-los, sim. E isto, para que o seu procedimento fôsse lógico, para que terminasse como havia começado.

Esta declaração era necessária; fica feita.

Sr. Presidente: se, por um lado pode ter havido excesso de poder, por outro houve rebeldia, falta de respeito; e essa convicção ainda mais m'a arreigou no meu espírito a representação do Senado Universitário de Lisboa que acabei de ouvir ler na Mesa. Ela é a prova provada dessa rebeldia!

Eu deixei há poucos anos a capa e a batina, e pareceria, por isso, que deveria estar ao lado dos rapazes; mas não o posso fazer. Deixei de ser rapaz para ser homem.

Uma voz: - Então, é ou não é?

O Orador: - Serei rapaz, talvez no fogo com que falo, mas tenho de ser um homem na ponderação; e como homem de ordem tenho de verberar as palavras o actos dos que HH colocam fora da ordem.

Sr. Presidente: admitindo que o conflito possa ter nascido com a publicação do decreto que reorganizou a Faculdade de Letras, pregunto: o que é que impedia o Ministro de fazer uma reorganização? Nada! Porque desde que o Poder Executivo tinha chamado a si as atribuições do Legislativo, podia usar das atribuições dêste para legislar sôbre a Universidade.

A Faculdade, se entendia que uma reforma níio estava bom, podia manifestá-lo, mas com aquele respeito que todos devem ao Govêrno do país, o não pela forma desabrida como o fez. Assim, era a obrigação, o dever do Govêrno, chamá-los à ordem.

Podia, repito, se entendia que a reforma não tem o valor que o Sr. Ministro lhe atribui, representar, porque tinha muitos meios de o fazer, mas nunca colocar-se em rebeldia.

Colocaram-se em conflito aberto? Foram mandados entrar na ordem: - consequência bem lógica, ninguém o negará - do seu procedimento.

E sempre assim foi. Quem saiu das normas que a legalidade e a correcção lhe impõe foi sempre mandado entrar na ordem.

Talvez que o afastamento destas criaturas, dos lugares que ocupavam e onde abusavam, fôsse com grande proveito para o ensino.

Eu sei como se ensina em Coimbra, e sei como, com ingenuidade, se pode incutir no espírito dos novos... ideas velhas. Sei, infelizmente, como é êsse ensino e quanto custa entrar na vida prática.

Sei tambêm a quantas dificuldades estão sujeitos os que de Coimbra saem advogados e que só com muito tempo de

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prática conseguem aprender cá fora o que se não ensina lá dentro, onde, se criaturas distintas como advogados tivessem o seu lugar, já assim não aconteceria e o estudo seria prático, completo, o que agora não sucede, nem pode suceder, pois que a maior parte dos que lá estão como lentes nunca advogaram o alguns talvez nunca tenham visto um processo, que só conhecem por ouvir dizer que existe.

Apartes.

Sr. Presidente: isto que se dá com a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde aliás há distintos professores, mestres muito ilustres, e advogados considerados no fêro português, ainda mais se verifica em outras Faculdades, que sendo Faculdades de muitas cousas são transformadas em Faculdades doutras cousas, aparecendo os professores especializados num ramo de sciência a fazer doutores em outros.

Eu sei que há professores de direito que são muito distintos e que podem transitar para outra Faculdade onde realmente sejam pessoas de muito valor; mas hão-de ser, fatalmente, excepções, que só justificam a regra.

Sei, pois, que há indivíduos muito notáveis pelo seu saber e inteligência que se podem especializar em outros ramos de saber; e um exemplo disso temos aqui, nesta Câmara, num nosso distinto colega, o Sr. Alves dos Santos, que pela sua envergadura intelectual merece o respeito de nós todos e honra a Câmara a que todos pertencemos.

Mas isso é, como disse, uma excepção, e uma excepção só serve para justificar a regra, e não obsta a que se possa dizer o que eu disse sôbre a Universidade de Coimbra.

Depois dêste decreto a que venho fazendo referência, aparece um outro, transferindo de Coimbra para o Pôrto a Faculdade de Letras. A razão alegada para assim se proceder é, principalmente, o ser mau o meio de Coimbra. Mas isto não forma sentido!

Em Coimbra há várias Faculdades; e é nesse decreto com fôrça de lei reconhece-se que o meio só à Faculdade de Letras é prejudicial, visto que todas as outras poderam ficar!

Isto não pode ser, na verdade. Porque, de duas, uma: ou o meio é mau e transferiam-se todas as Faculdades; ou é bom e deixam-se ficar todas onde estão.

E uma destas cousas, de facto, que não chega a formar sentido.

Mas era o corpo docente da Universidade, com os seus alunos, que tinha o direito de declarar-se em greve, quais proletários que pedem aumento de salário?

Evidentemente que não. Reclamem a quem devem reclamar.

E porque será, pregunto eu com ingenuidade, que só hoje o Senado Universitário do Lisboa (o de Coimbra está mais alto) veio com a representação?

Quem sabe se o Senado Universitário der Coimbra tem conhecimento de que existe aqui dentro a representação da soberania nacional?

Quem sabe se de não quero reconhecer o Poder Legislativo, por se tratar dum Parlamento convocado por um Govêrno republicano?!...

Eu não sei se concorde com aqueles que dizem que Coimbra forma reaccionários.

Mas não devo, nem posso faze-lo.

Nós tambêm de lá saímos, e quantos não t6m saído, sem sermos nós, que são verdadeiros republicanos, verdadeiros filhos da sua Pátria?!

Então, quando da revolta do Pôrto, não foi de Coimbra que saíram alguns para defenderem êsse ideal que ainda estava tam fraco no ânimo popular?

Não foi a mocidade de Coimbra que em 1907 se manteve em luta contra o Poder então dominante, contra a ditadura franquista?

Coimbra tem o poder de tornar reaccionárias as criaturas que de lá saem para a vida prática, e todos nós, que de lá saímos, não viemos reaccionários?!

Evidentemente, é necessário distinguir. Há muitos reaccionários, é certo, mas tambêm os há que o não são.

Os lentes, porém, querem mal à República. O seu espírito reaccionário, anseia ainda pela sua cátedra e pela sua velha capa e batina, em que só enrolavam satisfeitos quando pontificavam lá do alto.

E quem sabe se será o destruir dessas velhas praxes, a que êles estavam tam agarrados, um dos motivos do seu ódio à República?

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O que é certo é que dentro da Universidade contam-se as criaturas que sejam verdadeiramente liberais.

Aparecem-nos os Srs. Augusto da Fonseca e Alves dos Santos, qualquer deles com o seu prestígio de velhos republicanos.

E mais? Não vejo. E procurando, rebuscando entre os mestres... não vejo ainda; lembrando então - e para que não dizê-lo? - o

Chamo, ninguêm me responde,
Olho, não vejo ninguêm.

Qual é o caminho que se impõe, que todos devemos seguir?

Fazer uma selecção.

Isso é que é indispensável, e, por isso, na moção que mandei para a Mesa, termino afirmando que a Câmara reconhece ao Poder Executivo o dever, que é mais do que o direito, de seleccionar dos corpos docentes dos vários institutos de ensino do país aqueles elementos que, abusando da sua situação, vão incutir no espírito da mocidade estudiosa o desamor pela Pátria e pela República.

Eu sei como as cousas se fazem de forma a evitar futuras reclamações.

E sei por experiência.

Tive um professor de direito político que publicou um livro no ano em que fui seu aluno, intitulado O Poder Governamental.

A primeira vista nada havia mais inocente.

Se algum dos meus ilustres colegas conhece essa obra, há-de concordar que, no fundo, ela está cheia de peçonha.

Nela se defendem encarniçadamente as ditaduras, procurando-se demonstrar que há todo o direito em as fazer.

Isto, como amostra, creio que não é mau...

Sr. Presidente: os regimes para se prestigiarem têm de defender-se. Quando não se defendem, morrem, e quando não se defendem é porque não podem defender-se.

Ninguém os toma a sério, é o caso, e daí o perderem toda a fôrça para se imporem.

Eu assisti à queda da monarquia, aos poucos, devagar, justamente porque ia deixando de defender-se, hoje, amanhã, outro dia, como devia.

Desprestigiou-se: - morreu.

E necessário, absolutamente necessário, que os Governos dá República ponham acima de tudo o prestígio da mesma República. Estão lá justamente para que a defendam e para que a prestigiem, e, quando o não saibam ou o não possam fazer, dêem o lugar a quem o saiba e possa fazer.

E absolutamente necessário, já que nem toda a gente sabe amar a República como nós a amamos, impor-se êsse amor e evitar-se a todo o transo que só pratiquem actos que a desprestigiem.

Mas não foi para isto que eu pedi a palavra.

Sr. Presidente: temos de tratar aqui de assuntos da mais alta importância. Em breve teremos de apreciar a revisão da Constituição; já votámos dois duodécimos e em breve teremos de examinar e discutir o Orçamento.

Vários problemas vão ser submetidos ao nosso estudo e ponderação.

Nestes termos, não podemos, não devemos, para prestígio de nós próprios, estar a perder um tempo precioso a discutir cousas sem importância de maior, e num momento em que nada do aproveitável, pode resultar de tal discussão.

E necessário passar disto.

Precisamos, de lacto, fazer trabalho útil. O Govêrno transacto publicou um milhão, um bilião, não sei bem quantos decretos. Ora êsses decretos têm de vir ao Parlamento para serem apreciados.

Vozes: - Não vêm; isso vêm eles!...

O Orador: - Não vêm?

Continuamos na mesma, não é verdade? Então foi pena que, em lugar de 30 suplementos ao Diário do Govêrno do dia 10, não se publicassem 300.

Sr. Presidente: já expus a V. Exa. e à Câmara a minha maneira de pensar, salientando o desejo que eu, pela minha parte, teria de começar ti fazer trabalho útil em vez de estarmos a fazer êste trabalho que nada representa, visto que está, se não a bater-se num morto, pelo menos a tratar-se duma questão que devia estar morta.

Tenho dito.

Lida, a moção, foi admitida.

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O Sr. Alberto Xavier: - Sr. Presidente: a discussão está a decorrer sem uma base concreta sôbre a qual a Câmara dos Deputados se possa pronunciar. O que está em discussão é a interpelação do Sr. Deputado Alves dos Santos, o que é uma cousa vaga. Envio por isso para a Mesa um requerimento, de acôrdo com o Sr. Ministro da Instrução, a quem tive o ensejo de consultar previamente.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja imediatamente incluído na ordem, para ser discutido juntamente com o assunto da interpelação, o decreto n.° 5:770, de 10 de Maio, que desanexa da Universidade de Coimbra a sua Faculdade de Letras. - Alberto Xavier.

Foi aprovado.

O Sr. Orlando Marçal: - Sr. Presidente: num mixto de entusiasmo e de tristeza, venho tambêm, humílimo cultor de palavras descoloridas e sem frescura, colaborar neste ardente debate, onde já estrugiram paixões no redemoinho estrepitoso das afinidades do coração. E se o meu entusiasmo provêm de que venho recordar o passado, relembrando páginas sentidas e claras da minha agitada mocidade; a minha tristeza nasce por me acercar dum assunto que, ao analisá-lo, me alevanta ainda em tintas frescas, numa água forte que jamais se desprendeu da minha retina alarmada, êsse negro e pesado fantasma que fere ainda a nossa sensibilidade - o velho e caduco - casarão universitário.

Ouvi atentamente os ilustres oradores que mo precederam e numa franqueza sem limites declaro desde já, sem pretender ser injusto, porque a dentro desta casa a todos considero e prezo, que, não me referindo aos Srs. Leonardo Coimbra e Alves dos Santos que esgrimiram galhardamente como dois paladinos de antigas eras ao sol da glória, os vários contendores que lhes sucederam, não apreciaram, como era mester, a delicada e magna questão que nos prende nesta hora as atenções no seu verdadeiro e primacial aspecto.

Sim, Sr. Presidente, eu tenho assistido a essa formidável cachoeira de abjuratórias, contra o caquético sistema universitário coimbrão unias, de repúdio à enérgica e patriótica acção governativa outras, mas ainda não vi, por entre êsse rugir tumultuoso das paixões, através desta incolor tarefa, vibrar o lampejo dum argumento convincente. Dizem uns, no ardor dos seus arrebatamentos juvenis, que a Universidade é retrógrada, reaccionária, atentatória das liberdades, improdutiva e misérrima; outros conclamam que é liberalíssima, educadora, demonstrando um espírito moderno; e finalmente alguns que o gesto do Poder Executivo foi atribíliário, violento, incompatível com as regalias do. século e consequentemente aventuroso e de perniciosos resultados. Mas as provas de que o vetusto instituto é em demasia reaccionário ou liberal ainda não surgiram, em ciar idades vivas e palpitantes de verdade, inconfundíveis, neste ambiente.

Têm-se perdido em divagações prolixas, agradáveis, é certo, porque alevantam ante nós uma poeira dourada de retórica, trazendo a nossos ouvidos os suaves retalhos dêsse sentimentalismo meridional que nos impôs, há largas décadas, como uma raça de sonhadores e fantasistas.

Ora, Sr. Presidente, antes de mais nada é preciso colocar o assunto no seu exclusivo faceto, afastando-nos do caminho errado pelo qual pretenderam enveredar aqueles que lá fora não sentem o pêso das responsabilidades, que é o mesmo que dizer que devemos isentar do actual debate a questão política, visto que ela poderá macular ás mais puras intenções. (Apoiados).

Tratemos tam somente de fazer um estudo sereno de observação, elevado de independência, acarinhado pela máxima justiça, onde somente impere a verdade, êsse lema sublime dos apóstolos e dos evangelizadores, pelo qual se sofre e se morre, porque só assim poderemos sair orgulhosos dêsse memorável pleito. Entre os discursos pronunciados acerca do caso em referência, há dois que pretendo salientar, apesar de não esquecer todos os outros que recolhi dam ente ouvi; são êles os dos Srs. Fernandes Costa e João Bacelar, que, ao tratarem do assunto se deixaram arrastar na onda embora simpática, no emtanto profundamente sentimental, vindo à liça, arrebatados e ardentes, como os paladinos doutrora ao verem a

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sua dama agravada, pondo na sua defesa toda a sua adoração e a sua fé.

O primeiro falou-nos de Coimbra, não da cidade de hoje, moderna, liberal, declaradamente republicana, mas da cidade do passado, cheia de tradições e de poesia. Oh! Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a questão devesse ser por êsse lado encarada, eu tambêm teria a declarar que nutro um cálido afecto filial por essa terra lindíssima e maravilhosa. Evocando-a nos seus mais puros e estonteantes aspectos paisagísticos, de céu azul e águas claras, de sol ridente e verduras sempre frescas,, onde a linha do horizonte parece ilimitada aos nossos sonhos e às nossas quimeras, onde as nossas almas contemplativas se erguiam aos paramos das ilusões mais cândidas, é desfolhar, uma a uma, saudosamente, as laudas enternecidas da nossa vida de magia e de amor; é transplantar-nos ao passado pleno de risos de boémia ardente, em que as notas álacres da nossa voz nos descantes ao som das guitarradas, vibravam e imperavam na serenidade do ambiente ala gado de luar e onde nossos espíritos beijando os mais puros ideais, eram quais flores bizarras sempiternamento abertas ao sol da mocidade.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - O Sr. João Bacelar, e que me perdoe S. Exa., não encarou, a meu ver, a questão no aspecto que ela fundamentalmente nos dá, pois que, aqui não se trata de ofensas à consciência republicana coimbrã, mas de analisar e apreciar os processos do seu professorado universitário, que, em vez de formar espíritos e caracteres, não faz mais do que lançar para a tremenda luta da vida verdadeiros autómatos, à sua imagem e semelhança criados.

Não se pretenda confundir ou encher de sombra os generosos intuitos dos que, por acrisolado patriotismo, despontam na esplanada da luta presente e, sobretudo, não se boqueje sequer que o objectivo desejado dos que defendem somente os enferretados ideais da democracia é ferir os interêsses dessa bela e querida terra onde desperdiçámos os melhores anseios da nossa juventude. (Apoiados). O que pretendemos é examinar com clareza a atitude da Universidade de Coimbra, e eu que a conheço, porque por lá passei, tenho de ver, de apontar à consideração e ao conhecimento da Câmara, casos interessantes e ainda inéditos. Oradores houve que a atacaram acerbamente, outros que a defenderam com entusiasmo. Mas, como já disse, tanto nessa acusação formidanda, como nessa defesa exaltada, ainda não vi sequer uma prova digna de registo. E eu, que já por mais duma vez proclamei que não costumo discutir senão com factos, vou provar que não só a Faculdade de Letras, mas a Universidade inteira têm sido um perigo permanente para as ideas generosas que adoptamos o espalhamos com toda a alma e fé patriótica. Será um libelo sereno e claro no processo que é imprescindível organizar-se para se observar e concluir quanta justiça havia no ataque a êsse antro onde somente se lobrigam sombras de sacristia, em cujo ambiente se respiram ainda as imanações dum passado de trevas. E preciso enchê-la de luz, embora só adopto a trágica proposta do Guerra Junqueiro, o maior poeta do nosso tempo, a estrela radiosa do génio latino, incêndiá-la, porque só assim deixaria de ser um ninho de toupeiras.

Eu que acuso, tenho obrigação de provar. A Universidade de Coimbra é reaccionária, porque jamais admitiu um leve assomo de independência e liberdade dentro dos seus negros muros. Os seus professores fugiam impudicamente às discussões dos altos problemas do espírito humano, porque só tinham em mim guiar a juventude por veredas tortuosas que se afastavam do progresso. Não esclareciam, emaranhavam.

Houve aqui quem afirmasse que altos paladinos da República tiveram plena liberdade de acção política do cimo das suas cátedras. Não é verdade. E desconhecer o que ainda não vai muito longe, visto que não decorreram mais do que uma dúzia de anos. Lembro-me bem que, durante a minha travessia académica o Sr. Dr. Afonso Costa foi comprido pelo Govêrno a ir reger a sua cadeira de Direito Processoal, sob pena de severo procedimento, quando necessitava de ir retemperar a sua saúde abalada na terapêutica benéfica da Suíça. E jamais, que me conste, êsse erudito professor e eminente

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estadista aproveitou a sua cátedra para evangelizar doutrinas avançadas, cumprindo estritamente os seus deveres de professor. Já ontem aqui, em àparte, se assinalou o facto concludente do Sr. Dr. Guilherme Moreira ter estado dois anos pacientemente aguardando a hora de ir cumprir o seu dever, esbulhado do lugar alcançado por concurso, unicamente por. ser republicano.

Tenho a convicção de que todos os espíritos presentes nesta casa, e que pertenceram à minha geração académica, se lembram de quantas lutas, quantos vexames e quantas amarguras foi necessário sofrer para se conseguir impor a condição de homem livre e a afirmação de republicanismo. Porque essa nobilíssima camada académica, a que tive a honra de pertencer, era essencialmente, em sua maioria, lavada das peias e dos anacronismo" aviltantes e amava o nobre ideal da liberdade. Êste facto irrefutável foi até transplantado para as laudas dum livro da autoria do ilustre Deputado Sr. Diogo Pacheco de Amorim, que eu lamento não ver presente, para me corrigir, se eu não reproduzo ipsis verbis a essência da sua afirmação que aos quatro ventos se espalhou e que fez as delícias nas atmosferas reaccionárias. Proclamou êle que essa geração, a que pertenci, era, na sua quási totalidade, republicana, mas as que se lhe seguiram e que ainda deambulam no meio coimbrão (mercê, certamente, do ensino universitário) são, felizmente para S. Exa., monárquicas e católicas.

Esplanar e trazer para a luz viva da ribalta o que se passou na travessia da nossa vida académica é relembrar tristemente avultadas páginas de dor e de revolta, que nos embaciaram os sentidos. Mas eu quero mostrar, com provas seguras e concludentes, que a grande maioria dos catedráticos universitários eram irredutíveis inimigos da República, porque êsse ideal para êles era a luz que os cegava, como às corujas quando as fere a claridade do dia.

Quando em 5 de Outubro de 1910 surgiu no horizonte da nossa Pátria essa madrugada redentora que representava a aspiração suprema e a finalidade máxima para o engrandecimento nacional, os velhos mestres, velhos nos processos e nas ideas, pávidos, tremeleantes, vendo-se no zénite do seu fastígio, encheram-se de pavor. Era a alvorada que raiava, límpida, radiosa, cheia de perfeição e de beleza, e êles viam nela a espada de luz que havia de atravessar impiedosamente a penumbra enodoada onde se aninhavam!

O Sr. Lino Pinto (em aparte): - Pura literatura!

O Orador: - Felizmente que ainda tenho literatura.

O Sr. Júlio Martins: - E da melhor!

O Orador: - Prosseguindo, direi que, proclamada a República, o Govêrno Provisório, pela mão generosa e sem mácula do Sr. António José de Almeida, pretendeu reformar o ensino, arejá-lo, moldá-lo em bases novas, em conformidade com as aspirações dos espíritos desembaciados, e, nas bases da Constituição Universitária, no seu artigo 14.°, impunha que o ensino, em, matéria religiosa, fôsse absolutamente neutral. Era uma perfeita afirmação de liberdade e de soberania que os mestres aceitaram como vencidos porque viam a fôrça pela frente. Mas os factos foram-se desenrolando, tristes ocorrências se avolumaram nesta pobre terra portugueza, algumas aventuras de crime despontaram no seu ambiento e logo após o aparecimento dessa trágica e sanguinolenta noite de 5 de Dezembro, no período agudo da tirania, eis que os mestres soerguem a cabeça, exteriorizam os seus instintos autocráticos, e, saudosos dum passado de mentira, apressam-se a implorar ao detentor supremo dos papiros do poder, para que fulminasse o aludido artigo 14.° e volvesse a vida essa anacrónica disposição que impunha o ensino universitário como entranhadamente reaccionário. Isto é: não tardou que os pálios ricos viessem a público, que as charamelas não atroassem os ares, que os incensos subissem dos turibulos na penumbra soturna das naves, nessa capela de universidade fradesca, cujas portas se abriram com estrondo, depois de lhe terem passado uma esponja para que no seu ambiente não ficasse um vislumbre sequer de ter sido um museu proveitoso para o estudo dos investigadores. Tal

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acto chega a ser ignaro e cobarde que muito deve repugnar a consciência dos homens nobres, porque se aproveitaram do momento angustioso em que a liberdade era ferida em pleno coração para demonstrarem e imporem os seus sentimentos retrógrados.

Mas há mais. A Universidade de Coimbra nunca se manifestou colectiva ou pessoalmente em qualquer festa republicana. Tantas homenagens se prestaram a eminentes cidadãos, provas orgulhantes da Pátria e que só consagraram pela sua obra luminosa, mas bastava que 6ssos vultos fossem republicanos para que, nessas festas, se notasse a lacuna do professorado universitário. Foi preciso porêm que a tirania dezembrista alargasse seus feitos destruidores para que a Universidade de Coimbra, tripudiante, se fizesse representar com espavento numa festa memorável ao jesuíta Francisco Suarez, levada a efeito em Granada, de comparçaria com os representantes da cúria romana e de todas as colectividade que representaram o mais puro reaccionarismo. A Universidade, que não dava apoio a manifestações liberais, fez-se representar condignamente, publicando até monografias bizarras, nessa homenagem retumbante ao escolástico Suárez, que pertencera à ordem dos jesuítas inimigos da civilização o do progresso. É ilucidativo e, se retrocedermos uns anos mais, vemos avultar da nossa memória as provas iniludíveis do que, a Universidade combatia odiosamente o avanço das ideas republicanas que ela julgava perniciosa aos seus intuitos. Temos nós todos conhecimento do que ela fez a essa celebrada mentalidade que é hoje um dos ornamentos mais acarinhados do nosso meio intelectual, que se chama Teófilo Braga. Era êle uma figura imperativa de nobreza, aureolado de talento, estudioso, competentíssimo a ponto do poder ombrear em qualidades intelectivas e morais, com uma Faculdade inteira. Porque, então, foi arredado da carreira a que com toda a alma se destinava e com todos os alentos p ara ministrar o ensino puro e prestigiante? Unicamente por ser republicano. (Apoiados).

E não foi tambêm guilhotinado ao capricho irritante dos mestres essa figura heráldica de académico, inteligente, criterioso e sabedor que se chama António José de Almeida, porque a sua alma luzente de verdade, límpidamente republicana, feria a cerrada treva universitária? Seria por falta de qualidades que o impusessem à consideração dos seus contemporâneos?

Óbvio se torna responder, sabendo-se que é um dos vultos mais relevantes que se enxergam com orgulho na esplanada da vida portuguesa. Foi somente por ser republicano. (Apoiados).

Quantos outros a Universidade não combateu e feriu pelo mesmo motivo? Pois não se lembram dos agravos e das afrontas, das incompatibilidades tremendas havidas no seio do corpo docente com Bernardino Machado e mesmo com Sidónio Pais, quando tiveram a coragem de proclamar a sua liberdade de pensamento?

Mesmo sob o ponto de vista de competência, de processo de ensino, de método, pedagógico, a ponho em dúvida, apesar de me sentir modesto advogado de província, pois, só alguma cousa sei, o devo sómente, a três ou quatro professores que com mais propriedade p odorei classificar do camaradas e, sobretudo, aos esfôrços do toda a hora sob o pêso das responsabilidades da vida, prática, vasculhando ansiosamente os variados autos e passando noites cuidadosas em locubrações constantes no estudo dos velhos e novos textos. Reflectiu-se aqui a idea de que, pelo facto de nalgumas Faculdades existirem professores liberais, e é de notar interessantemente que não houve a franqueza de os proclamar republicanos, a Universidade de Coimbra, indubitavelmente, não poderia ser assacada de reaccionária.

Por mim, declaro que, entre o grande número de professores da Faculdade de Direito que frequentei, só posso salientar com essa condição, reconhecendo-lhes um acentuado feitio liberal e independente, os saudosos Drs. Marnoco e Sousa, homem de sciência emérito e comentador abalisado e orgulhante (Apoiados), Dias da Silva, que, apesar do seu aspecto rude, era animado dum belo coração e viva inteligência (Apoiados), e ainda essa figura imperativa para o meu espírito e que marca no meio português uma alta individualidade intelectual e um profundo cultor do direito, Sr. Dr. Caeiro da Mata, não relembrando

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alguns mais e bem poucos, porque êsses mesmos dela se separaram para uma atmosfera mais propícia, onde os seus espíritos liberais pudessem manifestar-se à vontade.

Como se vem, pois, assumir a responsabilidade tremenda de afirmar neste Parlamento que a Universidade é liberal e não é reaccionária?

Mais ainda. Apregoou-se que não era política, e ela, que jamais deu o seu concurso a qualquer manifestação de vitalidade republicana, ela, de quem fugiram todos os chefes da Estado do actual regime na antecipada certeza de ali irem encontrar hostilidade, bastou ver surgir a noite sinistra do sidonismo para, num servilismo inconcebível, se apressar a vitoriar o seu autor, solidarizando com os seus processos e com a sua orientação. E relembrar as festas pomposas da recepção a Sidónio Pais, semelhantes às que anteriormente haviam promovido ao deposto e último monarca português. Bem sabiam os promotores que não eram dirigidas ao republicano e quiseram somente demonstrar e exteriorizar os seus instintos reaccionários. Que a Universidade jamais demonstrou uma propaganda deletéria do forma a anuviar os espíritos! Os sentimentos dos homens espelham-se nas suas obras, onde vincam perfeitamente o seu perfil, e a obra universitária tem sido a mais perniciosa que pode imaginar-se para as gerações actuais.

Após a proclamação do regime republicano fez-se dentro daqueles muros uma obra de emboscada. É prescrutar o sentimento diz quási totalidade da actual academia coimbrã para se avaliar quanto de profundo e de verdadeiro há nesta afirmação.

A par e passo, pacientemente, jesuíticamente, enredando, emaranhando, tecendo, por meio de escondidas habilidades, a teia maldosa que não tardaria em prender os movimentos instintivamente libérrimos do espírito da mocidade, os Srs. mestres conseguiram alfim amoldá-los, encaminhando-os pelos córregos turtuosos, plenos de escolhos e de perigos, E, assim, deparamos com tristeza, em pleno regime democrático, quando por toda a parte perpassa o clarão civilizador, com uma geração caótica e falhada, frequentando ardorosamente as ladainhas psalmeadas nos lugares conventuais, ajoelhando na sombra enodoada das sacristias, aviltando-se aos pés dos confessores, com silícios e jejuns, ou chalreando enfaticamente nos chá das cinco entre a aristocracia dourada, e entremostrando numa irreprimível onda de monarquismo as suas ligas de cores azul e branca. (Risos).

Esses mentores de tal modo ministraram os princípios da correcção, da gentileza e das boas maneiras, que todos nós nos lembramos ainda dêsse momento doloroso em que ao nosso conhecimento foi trazido o facto daquela manifestação de protesto duma parte da academia, que devia ter por orgulho á sua ilustração e, consequentemente, o reconhecimento expresso da liberdade que aos outros assiste, turvando a festa inaugural dessa associação evangélica académica, com a assistência proposital do Sr. Ministro da América do Norte como representante do seu país, bem como doutros diplomatas acreditados junto do nosso Govêrno, gesto revoltante êsse que nem os mais rudes cabouqueiros, ignorantes e analfabetos, eram capazes de pôr em prática. Pois não é tudo isto um claro sintoma de dissolvência de costumes, e a prova cabal dos processos fomentados dentro da Universidade? Poderiam êles manter do alto das suas cátedras essa reclamada neutralidade? Todos nós sabemos bem quanto um professor pode alcançar à sombra da superioridade que a sua situação privilegiada lhe traz. sem ser necessário comprometer-se por uma aberta propaganda. Basta o aluno conhecer as suas afinidades e inclinações para que o seu espírito timorato e débil, porque está no início do seu desabrochar, se submeta inteiramente e procure ser-lhe agradável com demonstrações de aquiescência, não, tardando a ficar inteiramente manietado aos mesmos sentimentos. (Apoiados).

De resto, êsses processos observam-se nitidamente nas entrelinhas dessa avalanche de reclamações dirigidas ao Sr. Leonardo Coimbra, quando Ministro da Instrução, e na sua qualidade do membro do Poder Executivo.

Ora, melífluamente, se proclamam vítimas dum ataque feroz, ora destrambelham em imposições, mal reparando que se dirigem a um superior hierárquico, a

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quem pretendem dar leis. E que os potentados da Universidade de Coimbra, numa ânsia inenarrável de poderio, jamais souberam destrinçar o princípio da autonomia que nobremente lho foi reconhecida pelo regime republicano, do princípio de soberania que pertence e diz respeito a outros organismos do Estado. Sentiam-se soberanos, não reconheciam em ninguém o direito de lhes tolher o passo na apressada caminhada que levavam com destino à maior das rebeldias. E quando os chamam à ordem até só esquecem daquela serena linha do correcção que no moio social é lícito exigir a qualquer membro da colectividade, por mais iletrado que seja.

Na representação que dirigiram ao Parlamento êles, longe de definirem atitudes, demonstrar ilegalidades por parte do Poder Central, marcarem eloquentemente a sua posição dentro dos princípios, fulminarem com a prova claríssima da sua inocência, êles lançam-se na voragem, do ataque pessoal, ofendendo uma criatura que não podia levantar a sua voz de protesto dentro desta casa, porque nela assento não tem, sabendo que êsse documento devia ser lido, apreciado e discutido neste ambiento. Refiro-me às descabidas afirmações respeitantes ao Sr Coelho de Carvalho, ex-reitor da Universidade, que há longos anos eu acarinho na minha comovida admiração espiritual pelas suas brilhantes qualidades de artista, e que sob o ponto de vista social é um elemento ornado de virtudes, mantendo sempre rígida uma linha de conduta simpática, e que não merecia certamente essas manifestações de rancor que só ficam mal a quem delas se aproveita. E todos, nós sabemos também, porque muita publicidade se lhes deu, dos agravos e dos vexames que lhe dirigiram, guando reitor, no meio universitário, não respeitando os venerandos cabelos brancos, que representam um largo caminho percorrido na vida.

Eu não quero escudar-me nos testemunhos das autoridades. Elas falaram já, pela voz eloquente do meu ilustre colega nesta Câmara, o erudito professor Sr. Alves dos Santos.

E, desde que o rememoro, não quero prosseguir na escalpelização do assunto sem abrir, neste momento, um parênteses que me é muito agradável. Nesse delicioso tempo em que vivi, sonhei, acastelei fantasias e quimeras, desperdicei mocidade nessa legendária terra de encantos, me senti arrastado por uma grande onda de simpatia para a sua figura de professor que se destacara já na defesa e na sementeira das grandes lições de independência. Eu faço idea da tortura constante que sangrava do coração de S. Exa. quando os seus deveres profissionais o obrigavam a acercar-se dessa verdadeira furna. O seu espirito claro e brilhante, buscando a luz, fazia um flagrante contrasto nesse meio ingrato, onde positivamente era a única haste de idealidade que nossos olhos avistavam, acarinhando-o e bemdizendo-o. E a prova de que se sentiu tam mal, inteiramente deslocado naquele meio, está em que não tardou a apartar-se daquele pesadelo, fugindo ao seu pernicioso contacto, à fatal asfixia de suas emanações putridinosas, para marcar uma acção mais útil o mais proveitosa à República e à Pátria, para fitar, emfim, bem de frente, a luz imorredoura da liberdade. S. Exa., melhor do que ninguêm, com a propriedade e a capacidade que lho dão o seu talento e o conhecimento perfeito dos factos, já se pronunciou sôbre o assunto em discussão, tendo até trazido notas elucidativas de muito valor para o presente processo. (Apoiados).

A Faculdade de Letras é, dentro da Universidade reaccionária e monarquista, a lâmpada, sempre acesa, da reacção e do ultramontanismo. E como poderia ser ela liberal se era, ainda há dez anos, a pedra de toque do jesuitismo em Portugal?

Transformou-se, é certo, num outro ramo de ensino de diversos intuitos, mas o que conseguimos entrever na sombra que projecta é o fantasma dessa fábrica de teólogos, que inçavam a sociedade de escalracho daninho, e onde nunca vibrou o mais leve assomo de independência e de vida. Devo frisar a V. Exas. que conheço bem, como o Sr. António Granjo, meu antigo companheiro, êsse alicerce torquemádico em que assenta a actual Faculdade, que outrora se chamava de Teologia. Nunca, naquelas aulas soturnas, se consentiu uma nota palpitante de evolução espiritual ou que demarcasse a mais leve independência de opinião. Prendia-se, atrofiava-se o pensamento humano,

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numa grande rajada de ignomínia e de crime. Nela não se facultava que se discutissem princípios ou sistemas, que se abrissem ideas, a não ser através dessa orientação inteiramente dogmática com que ministravam o ensino. Lembro-me bem, apesar de que muito novo fui fazer essa frequência, de que numa aula manifestei a dúvida em que o meu espírito se debatia, recusando-se a acreditar na ressurreição de Lázaro, um dos milagres de Cristo, tanto mais que eu tinha entrevisto na explicação do célebre filósofo e doutrinário Kant a verdade revelada, reconhecendo o resultado dum sono letárgico que durara três dias, e quando tive a ingenuidade ou a franqueza de o declarar, apresentaram-me o único caminho a seguir, que era o afastamento imediato dêsse retiro piedoso, pois que nele só poderiam viver com vantagem os crentes e os de manifesta e indubitável vocação.

Eu posso garantir a V. Exas., num grande assomo de verdade, numa perfeita rajada de justiça, que o Sr. Mendes dos Remédios, o que lançou o primeiro pregão de revolta contra o Poder Executivo, não duvidou há bem pouco tempo, em pleno regime republicano, em se proclamar católico, apostólico e romano, numa reunião do Senado Universitário!

É de notar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que antes de se proclamarem as instituições vigentes nunca êle se preocupou em demonstrar-se católico ou apostólico e muito menos romano, e em boa verdade se diga que romano não é, visto ter nascido para os lados de Elvas. (Risos).

Êsse ornamento da Faculdade rebelde, que nunca exteriorizou os seus sentimentos religiosos e antes se divorciou do Vaticano, aguardou que a República surgisse em Portugal e que fôsse apunhalada por Sidónio Pais, para fazer semelhante declaração. Como particular, podê-la-ia ter feito, que não demonstrava senão um exibicionismo esdrúxulo e serôdio; mas como membro dum Senado Universitário, era uma afronta que dirigia ao princípio da neutralidade do ensino em matéria religiosa. Porque a fez então? Para agravar a República que não capitulara diante do seu poderio e que lhes não reconhecera o direito de propagarem o êrro e a mentira.

A Universidade não é só inimiga irredutível das ideas modernas; é a mais feroz e pavorosa adversaria do regime republicano.

Levantando-se por todo o país essa temerosa onda de protesto contra a Universidade, e de aplauso à obra meritória do Poder Executivo que lhe deu o golpe profundo nas suas raízes carcomidas, que fez ela no intuito de lançar lux sôbre o assunto e no sentido de esclarecer os espíritos para uma nítida compreensão do conflito? i Que nos veio dizer a Faculdade de Letras da mesma Universidade? Todo o acusado tem direito a alegar a defesa mas, serenamente, criteriosamente, sem pretender transformar em réus as suas testemunhas probatórias. Isso, além de ser prejudicial ao seu desideratum, é pronuncio de incompetência e é em demasia impertinente.

Pois quando contundida, responde arrogantemente: "E a onda dos incompetentes que avança. E a vasa, é o ódio. A Universidade de Coimbra faz medo, assombra, irrita. O que a Universidade de Coimbra é, vê-o bem quem olhar por cima da alcateia das feras ululantes, etc.". As feras, os déspotas, os prevaricadores, os vaidosos, os petulantes e os odientos, eram todos aqueles que reclamavam o castigo severo em nome dos sagrados interêsses do Direito e da Justiça, para os que se haviam rebelado contra o Poder Central. (Apoiados).

Triste defesa demonstrativa de tanta decrepitude e de tamanha incapacidade. De modo que a Universidade que agrediu e pôs de lado todos os elementos que a poderiam honrar, que combateu e sempre se opôs. tenazmente à marcha ascencional das ideias novas, que tem na sua crónica tanta debilidade e tanta miséria, tanta tirania o tamanhas injustiças, pretende apresentar-se como vítima emulada ao nosso ódio num grande escárneo dirigido à inteligência dos que vêm claro?

Pois não sabemos nós, porque já o vimos, como deformava os espíritos, como preparava a plataforma para a selecção do seu professorado, recebendo no seu seio, salvas honrosas excepções, os que se amoldavam às suas imposições e caprichos? Basta recordar a maneira como acarinhou, insensou e chamou finalmente a si, para dentro das suas aulas ministrar o ensino, os monárquicos Pacheco, Colaço, Fesas Vital e outros de igual enver-

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gadura, criaturas que deslialmente combatiam a República e os seus defensores, em arremessos dementados, demonstrando cegueira intelectual, um dos quais, Fesas Vital, não duvidou abandonar a terra que lhe foi berço, ultrapassar fronteiras e ir juntar-se àqueles que pretendiam estrangular o ideal que límpidamente se espelha em nossos corações, que tantas vicissitudes, tantos delírios, tantas amarguras nos tem custado, já para a sua conquista, já para o seu equilíbrio estável. E preciso que saibamos defender a República, sem o que seremos tam criminosos como êles. (Apoiados).

Sr. Presidente: A hora vai adiantada o eu tenho estado a abusar demasiadamente da benevolência muito gentil que a Câmara me tem prestado.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Eu sei que não sou uma testemunha completa com provas cabais para a elucidação perfeita dêste debate. Mas quero deixar campo aberto a quem quiser vir com sinceridade fazer o sou depoimento rigoroso e necessário.

Não obstante não terminarei, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, sem uma voz mais afirmar que trato da questão universitária sem ferir ao de leve sequer essa cidade do meu afecto, que é para mim muito da minha vida. Vejo que os seus interêsses não estão ameaçados, porque se o estivessem seria eu o que me levantaria com mais ardor, com mais entusiasmo e com mais fé em- sua defesa. Eu preconizo a necessidade da criação de uma Faculdade de Letras em Coimbra, o se digo que é mester criar-se, é porque julgo do meu dever defender o prestígio do Poder Executivo.

Quero muito a essa terra, pois foi na sua atmosfera carinhosa que, ainda no início da minha mocidade e no desabrochar do meu espírito, eu tomei êsse banho lustral que em breve me tornou dentro dela um dos mais entusiastas propugnadores do ideal republicano. E justo é confessar que naquele berço dourado de ilusões e de poesia radiaram sempre as mais puras manifestações de afecto para com êsse sagrado ideal político, que nos libertou, vai para dez anos, do regime da mentira e da crápula. Coimbra merece bem o nosso apoio, a nossa admiração, o nosso amor. (Apoiados).

Aquele meio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é só carinhoso e propício a todas as scintilações das belas artes; é tambêm o meio onde se sente e respira perfeita República. (Apoiados). Ainda comovidamente recordo essas prodigiosas jornadas da propaganda democrática nas quais as altas afirmações, inspiradas e eloquentes, dêsses nobres arautos das reivindicações da liberdade e do direito consubstanciadas na República, um dos quais tem assento nesta Câmara, do que é prestigioso ornamento, o Sr. António José do Almeida, bom como Afonso Costa, Bernardino Machado e tantos outros que estão presos à nossa memória numa grande onda de simpatia e admiração, iam acordar no íntimo do povo energias latentes, como o toque de clarim sacode os soldados para a peleja em radiosa madrugada de vitoria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Posso ainda dizer afoutamente: o povo coimbrão é em sua grande maioria fielmente republicano, não desmentindo nunca, aquelas provas de galhardia e de fé que o levaram bastas vezes aos mais duros sacrifícios e às mais alanceantes amarguras em prol do sou credo. Essa justiça lhe devemos fazer como homens de honra, não esquecendo essa recente e brilhante página de heroicidade que com letras de ouro escreveu em doze de Outubro, primeiro grito de revolta contra a tirania dezembrista, guarda avançada no movimento de libertação nacional. Bastava isso para que nós todos, os que reconhecemos direitas e patrocinamos causas nobres, não consentíssemos sequer o beliscar das susceptibilidades a cidadãos tam prestimosos e de tamanho valor político. (Apoiados).

Além disso, existe ainda hoje em Coimbra uma plêiada de espíritos moços, à academia pertencentes, que vêem na República a finalidade máxima para o futuro da Pátria Portuguesa. São em restrito número, de entre a sua colectividade, mas podem bem considerar-se como a ala dos namorados que defendem as prerrogativas do Direito e da Verdade através dos maiores sacrifícios e canseiras. E eu como

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se visse ainda, diante dos meus olhos deliciados, fulgir essa paisagem terna e suave, que é, sem dúvida, a mais linda para o nosso coração, como se me sentisse ainda à sombra dessa melancólica e tradicional capa e batina, a alma enlevada na doce contemplação dos sonhos e das ilusões, quero aqui representar em espírito essa dourada falange de rapazes que confiaram na minha voz e na minha vibratilidade alentos para levar a fim orna obra de defesa patriótica que tambêm lhes está no intimo porque muito estremecem a República. (Apoiados).

Pediram-me ainda há pouco, por telegrama, e seria enferretar aquelas qualidades de que mais me orgulho, se não prestasse inteira solidariedade a êsses nobres rapazes que ainda sentem os efeitos da ignomínia universitária e que pela bravura, audácia, fé, e inteligência que demonstram, são a garantia do ridente futuro de Portugal. (Apoiados).

Mas não se trata de atentar contra os interêsses da estremecida cidade, nem de pôr em dúvida ou à prova o republicanismo de seus habitantes, que é sincero, liai e verdadeiro. O que aqui se tem debatido é a questão universitária e ela restringe-se ao que se tem desenrolado no seu ambiente. Com vantagem se prova que essa velha escola é retrógrada, ultra-montana, inimiga do progresso, da marcha ascencional dos espíritos e dizê-lo é confessar a verdade com desassombro e altivez. Podem os professores tentar desmerecer ou apagar estas afirmações com evasivas irrisórias, ou olímpicas habilidades. Todo o criminoso engendra a sua defesa como meio de provar a sua inocência; pode a Universidade catedráticamente explodir em voz rouquejante "que é a onda dos incompetentes que avança e que a Universidade faz medo, assombra e irrita". Podem êsses incomparáveis corifeus da sciência oculta continuar a apelidar-nos de vaidosos e de petulantes, porque não tergiversaremos na marcha encetada, no sentido de purificar aquela atmosfera e de molde a romper a estrada larga e cheia de luz por onde hão-de caminhar triunfantes as gerações futuras.

E bradar-lhes hemos do píncaro da rocha donde lançamos o nosso pregão de obreiros do progresso: - sim, a Universidade de Coimbra faz medo, porque se não desprende das sombras dum passado funesto; a Universidade assombra, porque é ainda para toda a gente um pesadelo afrontoso; a Universidade irrita, porque os seus processos são ainda os dos tempos medievais. Se a população coimbrã em sua maioria é nobremente republicana, a gente que impera na Universidade e se alcandora nas cátedras, é na sua quási totalidade entranhadamente inimiga das instituições vigentes, reaccionária, jesuítica.

Por honra própria, para não nos afastarmos do caminho da lialdade que devemos aos princípios e do voto de consciência dado aos altos destinos das ideas, temos por dever afirmar neste Parlamento que todo o nosso amor e a nossa inteira solidariedade, está com o Poder Executivo. A Faculdade de Letras sofreu o castigo que merecia. Rebelando-se contra o Poder Central saiu da sua esfera de acção, amarfanhou os seus compromissos de obediência e respeito.

Já a reacção arreganhou os dentes triunfante com o afastamento da Universidade do Sr. Coelho de Carvalho, e desvairou de alegria quando as necessidades políticas do País levaram à presente organização ministerial. Pois é preciso demonstrar-lhes que o Parlamento é sentinela vigilante da República.

Sr. Presidente: Tenho cumprido o meu dever, depondo voluntariamente e para bem da verdade, neste tribunal supremo da representação nacional. Falei com serenidade, fui imparcial e justo, e se por vezes me deixei arrebatar na onda do meu entusiasmo juvenil, isso não quere dizer senão que é uma característica do meu temperamento herdado de meus ancestrais. Mas o que afirmo, à sombra duma convicção que nunca foi desmentida, é que, não foi impulsionado pela mínima parcela de rancor ou de ódio que eu vim apresentar ao meu país êste depoimento inabalável. E, se falei como testemunha, falo agora como republicano e como parlamentar. Reclamo com o direito que me dá a razão que saibamos defender o prestígio do Poder para que essa anacrónica Universidade seja transformada desde os seus fundamentos, para que sinta os efeitos do progresso e da civilização, e sobretudo para que ela nunca mais possa toldar a atmosfera tranquila desta linda Pátria e pretenda pro-

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mover o estrangulamento dos anseios, da regeneração e do futuro luminoso desta Republica que pretende erguer-se, librar no azul imáculo das suas nobres aspirações para fazer de nós um povo forte, de qualidades progressivas, de virtudes claras, na vanguarda da civilização, alma cheia de fé, olhos plenos de esperança, de espírito voejante para o céu anilado das mais puras idealizações, descerrando os lábios para cantar a vitória da liberdade, ardendo-lhe no coração essa chama sagrada do amor!

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Pinheiro: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a esta Câmara cinco dias de licença, porque estou doente, e não viria aqui hoje se eu não julgasse absolutamente necessário definir a minha atitude na discussão dêste assunto. E certo, entretanto, que eu já disse nesta casa do Parlamento o suficiente para que o Sr. Ministro da Instrução ficasse inteirado da opinião que tenho sôbre os decretos publicados, pelo seu antecessor. As considerações que me resta, pois, fazer, poucas são, pelo que serei breve.

O conflito com a Universidade de Coimbra teve de facto, cronologicamente, origem na representação que a Faculdade de Letras dirigiu ao Sr. Ministro da Instrução sôbre a reforma dessa Faculdade, embora as datas fossem oficialmente baralhadas.

V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, ouviram ler aqui essa representação, e ninguêm tem o direito de afirmar que da se afaste daquelas normas de cortezia e de honestidade que são as características dos homens que a firmaram e que honradamente têm cumprido o seu dever, na maneira como orientam e formam o carácter e a inteligência dos seus alunos.

O Sr. Leonardo Coimbra apontou duas passagens dessa representação, sôbre as quais fez incidir especialmente a sua reprovação. Estranhou que a Faculdade de Letras se sentisse magoada com o seu procedimento. £ Então a Faculdade de Letras não tem o direito de se sentir magoada quando vê invadidas as suas atribuições e esmagados os direitos que lhe foram concedidos por leis estatuídas pela República? Evidentemente. A Faculdade tinha o direito de se sentir mais que magoada: indignada.

Sôbre a segunda passagem apontada, S. Exa. estranhando que a Faculdade tivesse lamentado que o decreto que a reformava tivesse aparecido quási no fim do ano lectivo, declarou que só então tinha sido publicado, porque só então era Ministro. Esquece-se S. Exa. de que a representação não era dirigida ao Sr. Leonardo Coimbra, mas ao Ministro da Instrução, que existe sempre em todos os Governos.

Pode o Sr. Leonardo Coimbra ser incidentemente Ministro da Instrução, e pode atribiliáriamente resolver sôbre todos os assuntos da sua pasta. Ninguém, para o efeito das suas justas reclamações, se deve preocupar com a pessoa que desempenha êsse lugar e com o tempo em que pode desempenhá-lo.

O Sr. Leonardo Coimbra poderia ter sido Ministro um dia, mas o Ministro da Instrução, a quem o protesto se dirigiu, faz sempre parte do Govêrno.

Razão tinha a Faculdade de Letras em representar, como representou, ao Poder Executivo. E, Sr. Presidente, se o fizesse em termos monos respeitosos ou em termos demasiadamente humildes não seria eu quem a defendesse.

Tinha a Universidade a sua constituição, que lhe foi dada por leis da República.

Essa constituição, que a Universidade nunca conseguiu no regime monárquico, conseguiu-a no regime republicano.

Tem a sua autonomia, tem os seus direitos e os seus deveres perfeitamente definidos nesta constituição e nos regulamentos e leis subsequentes.

E o Sr. Ministro da Instrução, simplesmente porque julgou ofendida a sua dignidade, numa penada substituiu o reitor, reformou a Faculdade de Letras e suprimiu a de Coimbra, e tudo isto num ímpeto demagógico que assombra.

Só se reconhece a necessidade de reformar a Faculdade de Letras, porque não se ouvem sôbre o assunto, o dentro da lei, as pessoas competentes?

O Sr. Ministro da Instrução do Govêrno transacto passou despreocupadamente e olímpicamente por cima de todos os elementos que deviam ser consul-

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tados, e arvorou-se em poder supremo, publicando descricionáriamente medidas contra a Universidade de Coimbra.

Sr. Presidente: foi depois da reforma da Faculdade de Letras que o Sr. Ministro da Instrução publicou o decreto suprimindo a mesma Faculdade na Universidade de Coimbra.

E porque a suprimiu?

Porque Coimbra é um meio essencialmente universitário, como afirma em um dos infelizes considerandos dêsse não menos infeliz decreto.

O Sr. Ministro da Instrução tirou de Coimbra a Faculdade de Letras, cujas matérias não são essencialmente de aplicação, e mandou para lá uma Faculdade Técnica. E porque não suprimiu S. Exa. as outras Faculdades e a Escola Normal Superior?

Se o argumento é procedente contra a Faculdade de Letras, é o, por maioria de razão, contra todas as outras Faculdades contra a Escola Normal.

Confesso a minha profunda mágoa pela maneira como êste assunto tem sido aqui tratado.

Eu, que fui aluno da Universidade de Coimbra, invoco o testemunho do Ministro da Instrução actual para lhe preguntar se alguma vez alguêm lhe impediu de formular ali a sua opinião, fôsse ela qual fôsse.

Invoco o seu testemunho para que diga nesta caaa se conhece nalguma parte do mundo uma Universidade mais livre, em que os seus alunos tenham mais ampla liberdade de fazer as suas críticas como entenderem, como quiserem, às doutrinas dos mestres, com elementos oferecidos pelos próprios professores.

Nunca um professor da Universidade de Coimbra fez imposição aos alunos dum credo político scientífico ou religioso.

Nestas condições, é preciso que nesta casa se exponham os motivos que determinaram a supressão da Faculdade de Letras e que levaram o ex-Ministro da Instrução a tirar de lá professores que são dos mais distintos de todas as Faculdades Portuguesas, e que mesmo nas Universidades estrangeiras não encontrarão fàcilmente quem os exceda em competência e não encontram seguramente em parte alguma quem os sobreleve em carácter.

Da antiga Faculdade de Teologia existem apenas quatro professores, e êsses honram o alto magistério que lhes está confiado. E curioso que tendo a antiga Faculdade de Teologia merecido de Leão XIII a classificação de demasiadamente secular e a tal ponto que em Roma se fez um complot para que as dioceses não pudessem ser providas pelos seus professores, aparece agora a onda demagógica a alcunhar de reaccionários os homens que dela vieram para a Faculdade de Letras.

Indague V. Exa., Sr. Ministro da Instrução Pública, da grande obra, da obra monumental que êles têm feito na Universidade.

Sr. Presidente: não é justo que simples e unicamente porque se diz que o ensino não é bom, porque se diz que o ensino é reaccionário, se vão afastar professores, sem a menor atenção pelos inestimáveis serviços prestados ao ensino superior.

Não é lícito a ninguêm, simplesmente porque um Ministro assim o pensa, sem cuidar da injustiça que resulta da acusação sem provas, proceder pela forma porque procedeu o Sr. Leonardo Coimbra.

Não é justo que a República, tendo formas jurídicas e processos legais, sancione o despotismo do extermínio duma Faculdade, para respeitar a indignação dum seu Ministro. (Apoiados).

Dizer: é isto, porque é isto, não basta. (Apoiados).

Se realmente na Universidade há professores, o que não creio, que não devam continuar à frente do magistério, faça-se um inquérito e proceda-se segundo as normas jurídicas existentes. Faça-se êsse afastamento, mas pelos processos jurídicos que regulam todas as relações das sociedades civilizadas.

Ninguém pode fazer uma afirmação que vá contra a dignidade dêsses professores, contra a dignidade pessoal e profissional sem que a prove imediatamente.

Sr. Presidente: a Faculdade de Letras de Coimbra foi aqui duramente atacada, mas estou convencido de que nenhuma das pessoas que a atacaram conhece o seu admirável Instituto, a obra dos seus professores e sobretudo daquele que aqui tem sido mais injustamente agredido, o Sr. Dr. Mendes dos Remédios, a quem a Biblioteca da Universidade deve a supe-

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pior reorganização actual, e que é o mais erudito e o mais conscencioso investigador da história da nossa literatura.

Sr. Presidente: como se poderá ministrar, para o futuro, um ensino livre, se pretendem tirar ao professor a liberdade de pensamento e a liberdade de opinião? (Apoiados).

Como é que êle poderá expor livremente uma teoria scientítica se tiver com receio de que à porta esteja um denunciante ignorante e mal intencionado à espreita da oportunidade do valorizar os seus serviços à República?

Nunca a Monarquia procedeu de maneira semelhante a esta. Respeitou sempre a opinião dos professores ainda quando publicamente se exteriorizava contra ela; não sendo neste ponto o confronto honroso para nós, pela forma porque aqui se tem atacado os seus professores.

Se até aqui já se verberou a qualidade de católico como um crime, contra as determinações da Constituição da República que manda respeitar todas as crenças religiosas!

Sr. Presidente: desculpe-me V. Exa. o demasiado calor que tomei nesta discussão, mas é contra o meu modo de ver verificar que se procede assim tam levianamente num assunto tam fundamental.

Se V. Exas. julgarem bem o procedimento do antigo Ministro da Instrução, dão o direito a todos os Ministros de serem êles os Árbitros supremos, (não apoiados), porque êles, então, dispensar-se-iam de observar a lei para proceder conforme o que o seu espírito lhes ditar.

E quando amanhã o Ministro, daquelas cadeiras se lembrar de dizer que determinou assim por amor da República, ninguém, tem o direito de lhe fazer objecções, porque essa defesa está justificada pela conduta de agora.

Na reunião das duas Câmaras, êste ano, levantou-se um viva à República.

Vi que um velho se ergueu da sua cadeira e que correspondeu a êsse viva à República com um viva à Liberdade.

Êsse homem, que é um dos homens mais honrados do seu país e que tem um glorioso e longo passado de lutas em prol da liberdade e da República, correspondera com um viva à Liberdade, ao viva à República, de tal forma a palavra República tem sido desvirtuada e comprometida pelos nossos actos e se tem confundido nos nossos lábios, com o despotismo.

Refiro-me a Jacinto. Nunes, que teve certamente o receio, perante a sua impoluta consciência, de que esta o julgasse cúmplice do presente, em sacrifício do seu passado exemplar.

Nunca mais se apagará esta impressão forte que a sua atitude fixou no meu espírito.

Tantas vezes nos falta a serenidade e a imparcialidade no julgamento dos nossos actos e dos actos alheios que os nossos erros revertem contra os princípios sagrados da democracia que temos obrigação de defender e prestigiar.

Sr. Presidente: contra a lei fundamental da constituição universitária e contra os princípios básicos da sua autonomia, demitiu-se o reitor da Universidade de Coimbra e, acompanhando sempre a crescente e olímpica indignação do Ministro da Instrução do Govêrno anterior, reformou-se a Faculdade de Letras e separou-se a breve trecho essa Faculdade da velha e gloriosa Universidade de Coimbra.

Mas eu quero ainda referir-me a outros decretos publicados pelo Ministério da Instrução e que devem tambêm ser riscados da legislação da República.

Criou o Sr. Ministro da Instrução as escolas primárias superiores e nomeou logo para essas escolas os professores definitivos.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, que por uma lei anterior aqueles alunos matriculados nas escolas normais superiores tinham direito de ser nomeados professores para estas escolas.

Àparte do Sr. Deputado Leonardo Coimbra que não se ouviu.

O Orador: - O que V. Exa. poderia fazer era nomeá-los provisoriamente à sombra do decreto n.° 4:900.

Se tem feito essas nomeações provisórias não ia prejudicar direitos adquiridos.

Disse o Sr. ex-Ministro da Instrução que desde que se tinha confiança no Ministro, desde que a República tinha confiança no Govêrno, devia dar-lhe uma ampla faculdade para êle proceder de forma a defender a República e o ensino.

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Sim, mas dentro da lei, sim mas dentro dos princípios, do Direito que nos rege a todos.

E eu, Sr. Presidente, admiro como a Câmara não se levantou em pêso para reprovar indignadamente as estranha afirmações de S. Exa.

Eu admiro que se fizesse esta afirmação e que ela merecesse aplausos a alguns dos meus colegas desta Câmara.

Vou terminar chamando a atenção de V. Exa. para os considerandos de um dos decretos do antigo Ministro da Instrução, em que se alcunha de erudição livresca a erudição dos professores da Faculdade de Letras.

Essa erudição consiste em os professores darem aos alunos todos os elementos para pensar livremente o diversamente da opinião exposta e vem detalhados nas suas amplas e eruditas bibliografias.

O Sr. Leonardo Coimbra (interrompendo): - Mas não é a isso que se chama erudição livresca.

O Orador: - Mas foi isso que V. Exa. disse, quando respondeu ao Sr. Dr. Alves dos Santos.

Eu entendo que o professor e o aluno podem pensar como quiserem e até lhes permito o direito de serem quasi tomistas de forma escolástica.

Antes isso do que obrigá-los a pensar como eu.

De resto V. Exa. encontrou as características tomistas e escolásticas na filosofia revelada, não nas obras filosóficas dos professores de filosofia, mas manifestadas em outras obras que V. Exa. não disse.

Antigamente no tempo da inquisição é que...

O Sr. Leonardo Coimbra (interrompendo): - O que eu disse e perfilho é que as doutrinas dogmáticas são incompatíveis com a sciência moderna.

O Orador: - Eu sei que V. Exa. defende o livre pensamento desde que aqueles que o escutam pensem como V. Exa.

O Sr. Leonardo Coimbra (interrompendo): - Não é nada disso que V. Exa. está afirmando.

Apenas quero dizer que um dogmático não pode ensinar doutrinas modernas, porque elas são contrárias à lei fundamental do seu dogma.

O Orador: - Antigamente, no tempo da Inquisição, as pessoas que defendiam os inquisidores chamavam-se para familiares do Santo Ofício; hoje só podem investir-se nos lugares de professores das Universidades as pessoas que pensem como o Ministro da Instrução.

Sr. Presidente: desculpe-me V. Exa. o ter-me desviado da sequência natural das minhas considerações, pelas contínuas interrupções que me fazem.

O Sr. Leonardo Coimbra: - Pedi licença para interromper V. Exa.

O Orador: - Não me queixo. Estou simplesmente a justificar perante o Sr. Presidente a razão porque tenho faltado à sequência lógica do meu discurso. Não quero sequer referir-me à obra de solidariedade da mocidade académica que se realizou para defender a lei, e nem penso em considerar a injúria que lhe foi arremessada, desvirtuando êsse movimento através de acusações, que se fossem verdadeiras mal da República, porque dessa mocidade sairão os dirigentes de amanhã. Sobretudo nunca pensei em indagar da cor das suas ligas.

Sr. Presidente: é preciso que desapareçam da nossa legislação, os decretos publicados sôbre as matérias a que me referi e ainda os n.ºs 5:787-LLLL e 5:787-VVVVV.

Se a República entende que devem ser compensados do seu esfôrço todos aqueles indivíduos que, lá fora, se bateram pelo seu país, tem o Govêrno muita maneira de o fazer. Não vá ressuscitar a graça régia do perdão dê acto, para a implantar, agora, em pleno regime republicano.

Havia outras maneiras, e não a que se usou, do Govêrno evitar que todos êsses alunos perdessem o seu trabalho por virtude de não terem podido fazer os seus exames, visto que se encontravam na guerra ou preparando-se para ela. Sr. Presidente: vou enviar para a Mesa a seguinte proposta.

Leu uma proposta em que se pede a supressão de todos os decretos a que se referiu-

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Antes, porém, de realizar êste meu intuito, e a propósito do que ouvi dizer ao Sr. Dr. Leonardo Coimbra, em referência a Coimbra, chamando-lhe ironicamente "terra de saudade", "terra de poetas", como revolta de todo o seu moderno positivismo que o obrigou a levar para um meio mais amplo a Faculdade de Letras, seja-me permitido declarar à Câmara que eu tenho um grande amor a essa terra, da qual guardo as maiores saudades, Coimbra! a terra linda de Portugal, bem digna de melhor sorte. Nela passei os anos mais despreocupados e felizes da minha vida. Amo tanto Coimbra como a terra em que nasci. Não sou poeta, mas deixem-me manifestar, aqui, publicamente, a minha grande, a minha profunda adoração por essa jóia de excepcional valor que o Mondego beija e engasta.

Não quero terminar as minhas considerações sem frisar mais uma vez que é absolutamente necessário para a defesa da República e da liberdade mudar de processos.

Com actos, e não com palavras, é que as podemos defender e prestigiar.

Mas com outros actos e com outros processos.

Há realmente professores que a dentro das suas Faculdades procedem por forma a justificar o afastamento das suas funções? Não o acredito, mas se há proceda-se, então, contra êles, seguindo as normas jurídicas, aquelas normas que se usam em todos os regimes e em todas as circunstâncias. Não se proceda atrabiliáriamente e despoticamente como se procedeu agora.

Envio para a Mesa a minha proposta.

Tenho dito.

Foi lida na Mesa e ficou admitida e em discussão juntamente com a matéria.

O Sr. Presidente: - O Sr. Estêvão Pimentel pediu a palavra para, em negócio urgente, ocupar-se da chegada a Lisboa de fôrças do batalhão de infantaria 33.

Os Srs. Deputados que autorizam queiram levantar-se.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Estêvão Pimentel.

O Sr. Estêvão Pimentel: - Ao usar pela primeira vez da palavra cumpro gostosamente a praxe de cumprimentar V. Exa. e a Câmara.

Tomo a palavra para chamar a atenção do Govêrno, e em especial a do Sr. Presidente do Ministério, para um assunto que considero da maior gravidade neste momento, porquanto correm boatos de que novamente os inimigos da República se preparam para a atacar.

E, Sr. Presidente, a chegada hoje a Lisboa de fôrças do regimento do infantaria n.° 33, que foram recebidas à sua passagem no Chiado com vivas, levantados nos centros talássicos daquela artéria da capital, de: "Vivam os heróis! Vivam os libertadores!"

É de tal gravidade êste assunto que eu não me detenho a analisá-lo. A vinda para Lisboa, neste momento, do 33, mandada fazer pelo Govêrno, não sei a que obedeceu, mas foi, com certeza, uma idea infeliz (Apoiados), porquanto a saída dêsse regimento de Lisboa foi, ainda não lia muito tempo, uma imposição dos republicanos (Muitos apoiados), imposição que custou bastante àqueles que a fizeram (Apoiados), e fizeram-na, Sr. Presidente, não com o desejo do fazer arruaças ou manifestações, mas com aquele desejo - que era um direito de quem pela República se tinha batido - de que a República fôsse defendida (Muitos apoiados).

Êste caso é tanto mais grave quanto é certo que se prepara mais uma vez ferir a República. (Apoiados). S. Exa. tem obrigação de saber tam bem como eu as manobras que estão fazendo em Lisboa e quem são os personagens que as dirigem. S. Exa. tem o dever imperativo de defender a República (Muitos apoiados) e de evitar que mais uma vez seja atacada (Apoiados), porque a missão dos Governos é prevenir e não remediar (Apoiados). E S. Exa. já sabe, por experiência própria, como todos os republicanos o sabem, quanto é má essa nefelibática idea de deixar sair uma revolução para a rua para depois a dominar.

O Govêrno procederá, porém, como melhor entender.

O Sr. Domingos Cruz: - Tambêm em Dezembro de 1917 e 33 tinha chegado

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dias antes a Lisboa. Estamos nas mesmíssimas circunstâncias.

O Orador: - É mais um prenúncio!

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, dos Estrangeiros): - Sr. Presidente: tambêm há pouco tempo tive notícia, na Câmara, dos boatos que corriam acerca de manifestações de caráter monárquico dalgumas janelas da rua Garrett, à passagem do batalhão de infantaria n.° 33. Fiquei surpreendido com êsses boatos e ignoro o fundamento que êles possam ter. Vou proceder, no entanto, às averiguações necessárias.

Quanto a quaisquer manejos dos monárquicos contra a República, posso afiançar à Câmara o seguinte: Eu não precisava desta manifestação feita agora aqui para saber que, fôsse qual fôsse o Govêrno republicano que se sentasse nestas cadeiras, desde que os monárquicos ou sem levantar a cabeça, eu teria os republicanos todos a meu lado para defender a República. (Apoiados).

Eu garanto a S. Exa. que comungo exactamente na sua mesma idea: "antes prevenir que remediar". (Apoiados). Tenho obrigação restrita de evitar que saia o movimento revolucionário que S. Exa. disse estar em preparação. Talvez. Farei, porém, o possível por evitá-lo. Mas se não tiver ocasião de o evitar, os revolucionários hão-de saber que têm na frente um Govêrno atrás do qual estão todos os republicanos a pedir estritas contas. (Apoiados). Têm de se haver connosco! (Muitos apoiados).

Mas garanto à Câmara que vou envidar todos os meus esfôrços para que tal se não dê.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Sôbre o incidente pediu a palavra o Sr. Deputado Sá Pereira, mas não posso conceder-lha sem consultar a Câmara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara dou a palavra ao Sr. Sá Pereira.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra porque entendi na minha consciência dever elucidar a Câmara.

Sr. Presidente: eu devo dizer que nem todo o regimento do 33 foi solidário com o movimento revolucionário de 5 de Dezembro. Dois dos seus batalhões estavam ao lado da República.

Estive preso durante dias no batalhão dêsse regimento que se aquartelou em Lagos, e vi que a maioria dos oficiais eram pela República.

Quando do movimento de Santarém posso citar o nome do major Azeredo que não hesitou romper com o comandante dizendo que arriscaria a vida para defender a República.

Outro oficial foi o capitão Oliveira Lopes, velho republicano que, com mais outros oficiais, deram à República os seus esfôrços mostrando-se dispostos a lutar contra a situação dezembrista.

Por isso eu devo dizer que nem todo o regimento n.° 33 pode ser atingido pelas justas acusações que se fazem a um dos seus batalhões.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sôbre a questão da Universidade e tem a palavra o Sr. Mem Verdial.

O Sr. Mem Verdial: - Sr. Presidente: é realmente para me deixar um pouco embaraçado ter de falar sôbre a questão das Universidades nesta altura da sessão, que é a hora normal de se encerrarem os trabalhos da Câmara.

Não é razoável prender a atenção da Câmara, por muito importante que seja o assunto, nestas condições.

Mas como V. Exa. me deu a palavra, vou usar dela.

A questão universitária, Sr. Presidente, surgiu na altura em que a República tinha triunfado da cartada dos monárquicos, do ataque mais aceso que em toda a sua vida se fez sentir, o não é possível que ninguém, por cego que seja ou por muito pouca vista que tenham os seus olhos, deixe de reconhecer que o ataque dirigido ao Sr. Ministro da Instrução de então não era tanto pela obra que tentava realizar individualmente, mas por aquela obra que, iniciada, se podia e se devia continuar, não somente naquele Ministério.

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O Sr. Presidente: - É muito grande o sussurro e eu peço ao orador a fineza de interromper o seu discurso emquanto a Câmara não estiver com ordem.

O Orador: - Estimaria mais que V. Exa. me pedisse para o interromper até amanhã.

O Sr. Presidente: - Ainda não é a hora de se encerrar a sessão.

O Orador: - É certo, mas como o tempo que hoje tenho para falar é curto, amanhã terei que principiar o meu discurso do novo, não só podendo quási tomar como seu início as poucas considerações que poderei fazer agora.

O Sr. Presidente: - Se então V. Exa. assim o p refere, reservar-lhe hei a palavra para amanhã.

O Orador: - É o meu desejo.

O Sr. Presidente: - Tendo recebido uma carta do Sr. Deputado João Ribeiro Gomos, pedindo escusa do sou lugar de membro da Comissão do Marinha, é nomeado para, o substituir, se a Câmara o autoriza, o Sr. Deputado Jaime de Sousa.

Para substituir na Comissão de Verificação de Poderes o Sr. Deputado Lopes Cardoso, actual Ministro da Justiça, é nomeado o Sr. Deputado Acácio Lopes Cardoso.

Para a comissão encarregada dos festejos de 14 de Julho tem a Câmara que nomear um Sr. Deputado. Nomeio, pois, o Sr. António Ribeiro de Carvalho.

O Sr. Nuno Simões: - O Sr. Ribeiro de Carvalho deve ter partido hoje para Paris.

O Sr. Presidente: - Em vez do Sr. Deputado Ribeiro de Carvalho, que hoje seguiu para Paris, nomeio para esta comissão o Sr. Deputado Liberato Pinto. A sessão continua amanhã às 14 horas.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, seja enviado a esta Câmara para poder ser consultado o processo relativo à classificação de estradas que, pela Secretaria do Congresso para o Ministério foi enviado em 20 de Abril de 1917. - O Deputado, João Luís Ricardo.

Para a Secretaria.

Comunicação

Comissão de Revisão da Constituição:

O Sr. Deputado Adolfo Cunha foi substituído pelo Sr. Deputado Mem Verdial.

Reabertura da sessão às 14 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Continua em discussão a interpelação do Sr. Alves dos Santos.

O Sr. Eduardo de Sousa: - Peço a V. Exa. a fineza de me informar de quantos oradores estão inscritos.

O Sr. Presidente: - Lê a inscrição pela qual só vê que estão inscritos vinte oradores.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Mem Verdial.

O Sr. Mem Verdial: - Começara dizendo ontem que a questão universitária surgira precisamente no momento, em que a República acabava de receber de todos os seus inimigos, os mais desliais e os mais bem disfarçados, o ataque mais ousado de quantos tinha recebido.

A luta era acesa de todos os lados. Não podiam nesta altura os republicanos por mais fraco que fôsse o seu espírito combativo, deixar de reconhecer que era a ocasião própria de reunirem todas as energias para se colocarem aberta e francamente ao lado da República. Esta luta vinha crescendo de há tempo a esta parte e apesar dela se tornar sanguinolenta em extremo, é certo que não acabou e não acabou, porque a República não pôde, ou não quis que os seus correligionários, os republicanos, realizassem o afincado propósito de vencer os seus adversários nessa luta.

Assim, ficaram êstes na situação de, em breve espaço de tempo, poderem nova-

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mente levantar a cabeça, ou levantam os pés para espesinharem a República.

Mas apesar da luta ter sido grandiosa, o que é certo é que podemos todos verificar que o ânimo dos reaccionários cada vez se sentia mais fortalecido, à medida que nos reconheciam mais enfraquecidos.

E se a luta foi grande, é lamentável reconhecer que nos cansámos e tivemos de vir a par e passo recuando, à medida que êles avançavam.

A luta reaccionária tornou-se, portanto, mais intensa, e foi crescendo essa onda até a academia juntar-se a ela, tendo à testa os seus proles sores.

De onde virá a maior garantia de solidariedade a uma democracia que dum ensino bem fundado? De onde virá o maior perigo para a democracia que dos alunos das escolas?

Êles que são os homens do futuro perderão a República.

Se nos colocarmos um pouco mais atrás, no tempo em que o espírito liberal se afirmava bem afincadamente, comparando-o com o que sucede hoje, vemos que pouco a pouco vai desaparecendo êsse espírito liberal que se afirmava no constitucionalismo, surgindo em seu lugar o deprêzo dos princípios.

Daí resultou que cada vez se engrandecia mais o poder rial, chegando-se até ao fanatismo, como aconteceu nos últimos tempos da monarquia. Toda a Câmara sabe que desde êsso período até hoje nós tivemos um grande recuo. É certo que as sociedades caminham e retrocedem e nós podemos constatar que desde o tempo do constitucionalismo se deu um movimento não no sentido progressivo, mas no sentido regressivo; assim aos espíritos liberais dos Ministros dêsse tempo veio suceder o espírito tacanho do Poder Central até a reacção um pouco acentuada no tempo de D. Carlos e depois à reacção declaradamente acentuada no tempo do Sr. D. Manuel.

Nós pusemos os frades fora dos conventos e êles foram fazer sementeira por êsse país fora.

Fechámos as portas dos conventos, mas êles por todo o território português continuaram fazendo propaganda reaccionária.

Nós vemos êste movimento He recuo cada vez mais acentuado.

As gerações a que êle, orador, pertenceu, foram dum espírito liberal e bem firme nas suas ideas republicanas, mas as gerações que se lhes seguiram são gerações cada vez mais acentuadamente reaccionárias, como nós todos temos conhecimento.

O facto é que cada vez mais se acentua o movimento reaccionário e onde êle se manifesta bem é na Universidade de Coimbra.

Êle, orador, tem diante dos seus olhos um livro dum ilustre parlamentar que estimaria ver presente nesta Câmara, mas que se encontra ausente, o Sr. Diogo Pacheco de Amorim.

O orador analisa em seguida diversas afirmações contidas no livro A geração nova dêste seu colega, assim como outros assertos do livro filosofia elementar, do Dr. Mendes dos Remédios, lente da Universidade de Coimbra e o manifesto intitulado A Faculdade de Letras ao país.

O Sr. Presidente: - Poço a atenção da Câmara. O Sr. Deputado Maldonado de Freitas comunicou-me que desejava ocupar-se dum negócio urgente que diz respeito à entrada do regimento de infantaria n.° 33 em Lisboa.

Se a Câmara autoriza que S. Exa. use da palavra peço a fineza de se levantar.

Foi autorizado.

O Sr. Maldonado de Freitas: - Desejava, pela primeira VPZ que falo nesta Câmara, tratar de assuntos meramente de carácter económico ou administrativo, que levem o prestígio do Parlamento ao seu máximo apogeu, mas assuntos da mais alta importância, que só prendem com o incidente ontem tratado nesta Câmara pelo Sr. Estêvão Pimentel, levam-me a desistir do meu intento.

Diz-se que uma parte do regimento 33 veio, sem conhecimento do Sr. Ministro da Guerra, para esta cidade. Não acredito que tal se dêsse, porque, a ser verdade, era necessário vasculhar as teias monárquicas que ainda existem no Ministério da Guerra e que estão entravando a marcha da República.

Falando neste assunto, não quero dizer que todos os oficiais sejam reaccionários, todavia conheço alguns casos que justificam as minhas palavras.

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Eu passo a citar um caso dêsses: trata-se de um oficial que, após terminar o sétimo ano de liceu, ingressou na Escola de Guerra, depois saiu alferes e, competindo-lhe ir para o front, fez o seguinte: conseguiu dum médico uma certidão de que aos sete anos tinha sofrido uma meningite. Essa deficiência não obstou a que entrasse Da Escola de Guerra, mas valeu-lhe para ser reformado. Em seguida veio o armistício e requereu á sua reintegração, e lá está à espera dos galões de tenente.

Para estes factos chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Helder Ribeiro (Ministro da Guerra): - Como Ministro folga, imenso com que o incidente bordado à volta duma companhia do 33, e tratado ontem na Câmara, tivesse dado ensejo de mostrar mais uma vez que a República se mantêm firme.

Ontem, logo que teve conhecimento de que êsse assunto tinha sido tratado no Parlamento, imediatamente procurou informar-se, e, dos informes colhidos, resultou a convicção de que muita fantasia, talvez muito boa vontade do mostrar a grande fé republicana que nos Anima, levou a adulterar os factos.

Êle, orador, dirigiu-se à polícia para que fizesse um inquérito sôbre o assunto.

A polícia, procedendo então a um inquérito, não encontrou ninguém que tivesse visto a manifestação que se dizia feita à passagem da companhia do 33.

Chamou tambêm os oficiais dessa companhia e interrogou-os sôbre o que se tinha passado quando essa fôrça subia o Chiado. Mostraram êles o mais completo espanto quando lhes referiu o que se dizia.

Antes disso aos delegados encarregados do referido inquérito fôra-lhes respondido que cousa alguma se passara no Chiado a passagem da companhia.

Via-se, portanto, que, não só os próprios oficiais, como o inquérito, mostraram que ninguém presenciou nenhuma manifestação à passagem da companhia do 33.

Êle, orador, refere êstes factos para mostrar o cuidado que teve para se habilitar a proceder com a energia que um tal procedimento requeria.

O Sr. Deputado Maldonado de Freitas, nas suas considerações, mostrou julgar possível que se pudesse dar um movimento, de tropas sem conhecimento do respectivo Ministro;

Êsse facto não é possível.

Infantaria 33 tem três batalhões, um dos quais tem a sua sede em Faro, e é o batalhão que tam tristes recordações deixou ao povo de Lisboa.

Outro batalhão está em Lagos, e não desconhece a Câmara que Lagos é uma cidade de tradições republicanas o que as tem mantido através da República, o que não tem acontecido a muitos republicanos, e os soldados recrutados nesta região têm o máximo espírito republicano.

O comandante da fôrça, ontem chegada a Lisboa, é um oficial que tem do Govêrno toda a confiança, o que desempenhou até há pouco tempo as funções de administrador do concelho.

A companhia do 33 veio para Lisboa transitóriamente, por necessidade de serviço, e, havendo conveniência em recorrer ao regimento 33, não podia haver escrúpulo em escolher a companhia de Lagos.

Essa companhia que ontem chegou a Lisboa está aqui transitoriamente, porque é destinada a guarnecer e fazer o serviço e manutenção da ordem na outra margem do Tejo.

Êle, orador, crê que com estas, explicações ficará completam ente tranquila a Câmara, e o espírito republicano do povo, que se alarmou com a vinda dessa companhia.

Quanto ao caso da meningite que S. Exa. citou, êle, orador, dirá que nas condições dêsse oficial há muitos outros que foram reintegrados no nosso exército à sombra de uma lei odiosa e imoral, à sombra duma lei que representa uma ofensa para aqueles que nos campos de batalha se conservaram até hoje, cumprindo o seu dever. (Apoiados).

Já deu ordem para que nenhuma reintegração se fizesse nessas condições; e tenciona trazer à Câmara uma proposta de lei que permita proceder a uma revisão das reintegrações que se fizeram, à sombra de uma lei que ofende a dignidade daqueles que lá fora nos campos de batalha, expuseram a sua vida, e lá andaram defendendo o seu país.

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Vozes: - Apoiado.

O Sr. Manuel José da Silva: - V. Exa. diz-me se está na disposição de manter por mais algum tempo essa companhia do 33 em Lisboa?

O Orador: - Ela não vem, como já disse, para Lisboa; deve deslocar-se em breve para a outra margem do Tejo.

O Sr. Manuel José da Silva: - Mas é intenção de V. Exa. fazer sair imediatamente essa companhia para fora de Lisboa?

O Orador: - Fica aqui transitoriamente e dentro em breve deve seguir o seu destino.

O discurso será publicado ria íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Mem Verdial: - O orador, prosseguindo o seu discurso e dando por finda a análise dos livros já citados, e cujos autores são professores da Universidade de Coimbra, conclui dizendo:

A reacção mantêm-se; a reacção levanta-se. Os campos estão definidos, e pela definição dos campos mostra-se bem os intuitos.

Dessa onda que cresce, nós havemos de triunfar. Essa onda vai crescendo, mas não nos há-de afogar.

De maneira alguma! Para honra do Parlamento, para honra do Govêrno que está nas cadeiras, para honra do país, há-de fazer-se sentir, há de mostrar-se à Universidade, que a luta há-de terminar pela Vitória da Democracia, pela vitória da liberdade, pela vitória do povo.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir, as notas taquigráficas.

O Sr. Estêvão Águas: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa, com o respectivo parecer, o projecto de lei n.° 10-B, afim de que V. Exa. se digne ordenar que êle siga os trâmites legais.

O Sr. Álvaro de Castro: - Se V. Exa. e a Câmara me permitem, eu direi a minha moção porque ainda a não redigi.

Creio que estão na Mesa várias moções e requerimentos, alguns deles, ou pelo menos dois, referentes à matéria que se discute.

Nestas condições, eu proponho na moção, que vou mandar para a Mesa, e que desejo que entre já em discussão, que sejam todos apresentados à comissão de instrução pública para ela dar o seu parecer.

Esta moção de adiamento importa a validade de inscrição de todos os oradores inscritos, para quando a questão vier novamente à discussão da Câmara.

Assim não haverá ninguém prejudicado, e a moção deve ser portanto votada, com vantagem para os trabalhos da Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tendo o Sr. Deputado Manuel José da Silva preguntado se a comissão de instrução superior já se acha eleita, devo informar que ainda não.

O Sr. António Granjo (em negócio urgente): - Sr. Presidente: pelo decreto n.° 5:554, foram isentos de custas os inventários orfanológicos até a quantia de 120$, sendo as custas contadas pôr metade naqueles até a quantia de 500$.

Foram ao Govêrno apresentados vários protestos, várias reclamações e o Govêrno declarou às classes interessadas que tinha tenção de fazer uma revisão cuidadosa da tabela, de modo a dar a essas classes a compensação suficiente.

Essa tabela foi publicada já no Diário do Govêrno e foi revista de forma a dispensar as subvenções que aos funcionários de justiça foram concedidas por vários decretos.

A tabela entra em vigor no próximo dia 15 e, assim, urge aprovar-se um projecto de lei, a fim de que cessem as subvenções àqueles funcionários justamente nesse mesmo dia 15.

Apresento, pois, o respectivo projecto o para êle requeiro urgência, pedindo às comissões que sôbre êle tem que se pronunciar que dêem os seus pareceres de modo que êle possa ser aprovado e transformado em lei até o dia 15 dêste mês.

O orador não reviu.

É aprovada a urgência requerida.

O Sr. Júlio Martins: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de me dizer se já se acha eleita a comissão de instrução desta casa do Parlamento.

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O Sr. Presidente: - A sua eleição acha-se marcada para ordem do dia, mas como a sessão foi prorrogada até final da discussão da questão universitária, ainda não foi possível elegê-la.

É lida na Mesa a moção do Sr. Deputado Álvaro de Castro.

O Sr. Brito Camacho: - Em primeiro lugar desejava saber - e isso pregunto-o ao Sr. Deputado Álvaro de Castro ou a V. Exa. - se a proposta, como se acha redigida, é de adiamento indefinido ou de finido, porque as comissões não têm um prazo dentro do qual hajam de dar os seus parecerem e, sendo o adiamento indefinido, a doutrina do § 2.° do artigo 109.° do Regimento não permite que o assunto volte a ser tratado na presente sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Suponho poder responder a V. Exa., interpretando o pensamento do Sr. Deputado Álvaro de Castro, que o adiamento é por tempo determinado: até a comissão dar o seu parecer.

O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. dá-me licença?

Creio que as comissões têm período determinado para dar os sous pareceres, período êsse que suponho ser de vinte dias, e a rainha proposta não consignava tem pó porque achando-se êle já consignado para a apresentarão do parecer no próprio Regimento entender-se ia que o adiamento seria por tempo determinado e não indefinido.

O Sr. Vasco de Vasconcelos: - Existe tempo determinado para as comissões darem os seus pareceres, mas essa disposição não se cumpre.

O Sr. Álvaro de Castro: - Para o efeito da classificação da minha proposta, está na lei como ela se deve classificar sem que esteja inscrito o prazo, mas havendo dúvidas, qualquer Sr. Deputado pode pedir a marcarão dêsse prazo, indo assim ao encontro da intenção da proposta.

O Sr. Brito Camacho (continuando o sen discurso): - A proposta do Sr. Deputado Álvaro de Castro não marca prazo e, por conseguinte, cai na disposição do artigo 109.°

Eu sei - e é até das poucas cousas que tenho aprendido nesta casa - que há uma disposição regimental, em virtude da qual qualquer Sr. Deputado pode requerer que um projecto ou uma proposta, sôbre que não haja sido dado o respectivo parecer dentro de quinze dias, seja dado para ordem do dia.

Mas eu pregunto se esta questão do conflito universitário, estando nós a 10 de Julho, pode ser adindo por quinze dias e depois por um mês, porque, Sr. Presidente, essa discussão têm sido apenas o preâmbulo duma outra que se há-de fazer.

Como é, portanto, que tencionam resolver o problema de modo que o ano escolar não seja perdido, totalmente perdido?

Sei bem que a proposta do Sr. Álvaro de Castro obedece a um pensamento generoso: o de apressar a solução dêste assunto.

S. Exa. calculou que, havendo ainda inscritos vinte Srs. Deputados e tendo todos muito que dizer sôbre o assunto, que tem ocupado já umas três ou quatro sessões, chocaríamos ao fim do mês sem ter resolvido o conflito.

Entendeu que êste era o caminho mais curto: a comissão daria o seu parecer e a Câmara, ficando com uma base de discussão mais sólida, menos vaga do que a que tem, mais fàcilmente adoptaria a solução que julgasse conveniente.

Simplesmente S. Exa. se esqueceu de que essa comissão ainda se não acha eleita, não se sabendo mesmo quando o será, e que a respectiva disposição regimental está feita na previsão duma preguiça de comissões que, assim, tem apenas um dia por semana para trabalhar, e isto quando trabalham, porque, salvo muito honrosas excepções, quási nunca trabalham.

Não tenhamos dúvidas a êste respeito: a proposta do Sr. Álvaro de Castro, sem um prazo marcado, - prazo que teria de ser muito curto, de muito pouco tempo, de poucas horas apenas, e se a comissão já estivesse eleita, de forma até ela formular ainda esta noite o seu parecer a proposta do Sr. Álvaro de Castro, dizia eu, nos termos em que é apresentada e pode ser aprovada, trará o adiamento in-

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definido desta questão e a perda do ano para todos os alunos.

É isto - pregunta - o que a Câmara quere?

É isto o que o país espera?

E não tenhamos dúvidas a tal respeito: se o conflito não fôr resolvido na sua totalidade - porque êle não é apenas a questão da Faculdade de Letras - , se não lhe fôr dada uma solução integral, podem V. Exas. ter a certeza de que as aulas continuarão encerradas, encerradas ontem por um despacho do Sr. Leonardo Coimbra e encerradas amanhã porque os alunos, em quanto não forem modificadas as medidas tomadas e emquanto se mantiver o abuso das nomeações dos professores. não deixarão de manter tambêm a sua atitude.

E quere V. Exa. saber, Sr. Presidente, o que acontecerá se o assunto não fôr resolvido com brevidade, porque essa Câmara não terá uma duração regular de mais de quinze a vinte dias?

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Essa agora!

O Orador: - Refiro-me a esta sessão legislativa.

Se o assunto não fôr por nós resolvido antes da sessão legislativa terminar, transferiremos para o próximo ano escolar todas as irregularidades, todas as desordens que caracterizaram o actual; e, assim, teremos dois anos universitários perdidos.

De modo que, Sr. Presidente, eu peço ao Sr. Álvaro de Castro, como leader da maioria, e a V. Exa., como Presidente da Câmara, invocando tambêm a intervenção muito vantajosa do Sr. Ministro da Instrução Pública, não pela sua acção sôbre a Câmara na qualidade de membro do Poder Executivo, mas pelo prestígio que goza entre os seus correligionários, para que, se êste adiamento fôr votado, seja o mais curto possível, para que a comissão, uma vez eleita, procure trazer-nos, sem demora, uma base segura e bem definida, qualquer cousa de concreto.

Sem isso, repito, o conflito continua, o ano escolar é inteiramente perdido e são os interêsses de muitos rapazes e de muitas famílias que se conjugam num só protesto contra o Parlamento e na sua má vontade contra a República. É o caso: o mal de nossos avós fizeram-o êles e pagá-mo-lo nós; o mal de nós todos quem o paga é a República.

Chamo para êste facto a atenção da Câmara.

Sr. Presidente: se V. Exa. me permite mandarei para a Mesa um projecto de lei, para a comissão se pronunciar tambêm sôbre êle, projecto que tencionava apresentar se a palavra me tivesse chegado na discussão que agora finda e que tem por fim dar uma solução ao conflito universitário, considerado não apenas pelo seu aspecto restrito, mas na sua totalidade, porque compreende a reforma das Faculdades de Letras, na sua secção de sciências, nomeações de professores feitas por decretos do Poder Executivo e compreendendo tambêm as demais nomeações feitas pelo Sr. Ministro da Instrução Pública do Ministério transacto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a urgência para o projecto.

O Sr. Álvaro de Castro: - Como já disse não carecia a minha proposta de nenhuma indicação de data visto estar determinado no Regimento o tempo em que as comissões têm de dar parecer. Como, porém, o Sr. Brito Camacho levantou dúvidas sôbre se a comissão levaria largo tempo a dar parecer, mando para à Mesa um aditamento à minha proposta para que a comissão dê o seu parecer até o dia 15 do corrente.

Sr. Presidente: creio que está dada para ordem do dia a eleição da comissão de instrução; se não está requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que essa comissão seja eleita em seguida a ser votada a minha proposta de adiamento.

Pontas à votação foram aprovadas as propostas de adiamento do Sr. Álvaro de Castro.

São as seguintes

Proponho o adiamento da discussão sôbre o decreto que extinguiu a Faculdade de Letras de Coimbra até a comissão de instrução dar o seu parecer. - Álvaro de Castro.

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Aditamento

O parecer da comissão de instrução deve ser apresentado na sessão do dia 15 do corrente. - Álvaro de Castro.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara

A sessão de hoje é considerada prorrogação da de ontem; assim não se fez chamada nem havia outra ordem do dia que não fôsse o assunto em discussão. De forma que terei de encerrar a sessão se a Câmara não tomar a resolução de fazer a eleição das comissões que ainda há pouco elegeu.

O Sr. Álvaro de Castro: - Foi por isso que requeri que, votadas as minhas propostas, se procedesse à eleição da comissão de instrução superior.

O Sr. Júlio Martins: - Sr. Presidente: sou daqueles que têm absoluto interêsse e absoluta vontade em que a questão universitária se resolva. Mas resolvê-la assim é tambêm um pouco atrabiliário. Como V, Exa. mesmo afirmou esta sessão é prorrogada, não só podendo deixar o assunto em discussão para se elegerem comissões.

Não discordo de que SB mande 8ste assunto para uma comissão; mas cabia muito bem nomear hoje uma comissão com representação de todos os lados da Câmara para tratar do assunto universitário.

Seria uma maneira parlamentar de resolver o assunto; mas, estar-se em sessão prorrogada e deixar-se de discutir assunto dado para ordem dia para se eleger comissões, parece-me um pouco caótico sob o ponto de vista parlamentar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Posto à votação o requerimento do Sr. Deputado Álvaro de Castro foi aprovado.

O Sr. Júlio Martins: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° Fez a contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão sentados 43 Srs. Deputados e de pé 27. Está portanto aprovado o requerimento.

Vai ler-se para se votar a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Júlio Martins.

Leu-se.

É a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada uma comissão com representação de todos os lados da Câmara, para no prazo máximo da cinco dias, elaborar o parecer sôbre a chamada questão universitária. - O Deputado, Júlio Martins.

O Sr. Brito Camacho (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente, pedi a palavra, não por prurido de falar, mas para assentar doutrinas e porque não quero ligar a minha responsabilidade a um precedente que pode ter consequências desagradáveis. Entendo, e nisto não vai censura para V. Exa., que nesta sessão, que é unicamente destinada à matéria em discussão, não podia tratar-se de mais assunto algum.

Êste precedente, que eu já attribuí a um sentimento generoso, pode amanhã ser aproveitado para quaisquer intuitos políticos.

Também quero acentuar que não me parece inteiramente regular, porque pode tambêm ter consequências desagradáveis, que para a apreciação duma doutrina, sôbre a qual se devem pronunciar as comissões da Câmara, se eleja uma comissão especial.

Poço ainda a atenção do Sr. Ministro da Instrução para a necessidade de providenciar sôbre tudo aquilo, e muito é, que não dependa do Poder Legislativo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta do Sr. Deputado Júlio Martins.

Posta à votação foi rejeitada.

O Sr. Manuel José da Silva: - Requeiro a contraprova.

Fez-se a contraprova.

O Sr. Estêvão Pimentel: - Invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: - Estão sentados 37 Srs. Deputados e de pé 42.

Está, portanto, rejeitada a proposta do Sr. Deputado Júlio Martins.

Vou consultar a Câmara sôbre se concede ou não a autorização pedida pelo

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Sr. Deputado Ribeiro de Carvalho para se ausentar para o estrangeiro.

Foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição das comissões.

Interrompo a sessão por 10 minutos, a fim de se confeccionarem as listas.

Interrompeu-se a sessão.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Às 18 horas e 5 minutos é reaberta a sessão.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição conjunta das comissões de instrução primária, instrução secundária, instrução superior e instrução especial e técnica.

O Sr. Hermano de Medeiros (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente, há tempos mandei, para a Mesa um requerimento que se referia a um negócio urgente por mim tratado na Câmara pedindo que pelo Ministério do Trabalho me fôsse enviado o relatório duma sindicância a que procederam funcionários nomeados pelo Ministro do Trabalho transacto ou que me fôsse permitido ir à respectiva secretaria. Até hoje ainda não tive resposta a êsse requerimento.

Pregunto a V. Exa. se já existe na Mesa alguma resposta.

O Sr. Presidente: - Devo informar a V. Exa. que até agora não veio resposta alguma ao seu pedido. Peço a V. Exa. que mande novamente para a Mesa o seu requerimento por escrito.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrntinadores os Srs. Sá Pereira e Afonso de Macedo.

Corrido o escrutínio foram eleitas as seguintes comissões:

[Ver valores da tabela na imagem]

Comissão de instrução primária :

Leonardo Coimbra (eleito)
Marques de Azevedo (eleito)
Tavares Ferreira (eleito)
Bartolomeu Severino (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Marcos Leitão (eleito)
Carvalho Mourão (eleito)
João de Ornelas e Silva (eleito)
Pereira Júnior (eleito)
Brancas, 2.

Comissão de instrução secundária:

Leonardo Coimbra (eleito)
Alberto Vidal (eleito)
Costa Cabral (eleito)
Eduardo Cruz Deleito)
Alberto Jordão (eleito)
Baltasar Teixeira (eleito)
Júlio Cruz (eleito)
Lino Pinto (eleito)
Ribeiro de Carvalho (eleito)
Brancas, 4.

Comissão de instrução superior:

Barbosa de Magalhães (eleito)
Leonardo Coimbra (eleito)
Vitorino Guimarães (eleito)
Augusto Nobre (eleito)
Liberato Pinto (eleito)
Dias Pereira (eleito)
Alves dos Santos (eleito)
António Granjo (eleito)
Júlio Martins (eleito)
Brancas, 3.

Comissão de instrução especial e técnica:

Costa Cabral (eleito)
Nuno Simões (eleito)
Lopes Soares (eleito)
Mem Verdial (eleito)
Ribeiro Gomes (eleito)
Dias Pereira (eleito)
Campos Melo (eleito)
Vergílio Costa (eleito)
Manuel Fernandes Costa (eleito)
Brancas, 5.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, sendo a ordem do dia a seguinte:

Parecer n.° 2, declarando livre o comércio dos óleos e sementes oleaginosas;

Continuação do debate sôbre a obra do dezembrismo.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Requerimentos

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Renovo a V. Exa. a fineza

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de instar para que me sejam enviados os esclarecimentos e documentos que requer! em 3 de Junho do corrente, e que são:

Pelo Ministério das Finanças:

Nota detalhada de todas as contribuições cobradas pelo Estudo na Covilhã durante os anos de 1913 a 1918.

Pelo Ministério dos Abastecimentos:

1.° Cópia de todos os contratos e concessões dadas à companhia construtora da linha férrea Coimbra-Arganil;

2.° Cópia do contrato de exploração da linha férrea Coimbra-Lousã, realizado entre a companhia construtora da linha e a Companhia Portuguesa.

Pelo Ministério do Comércio:

1.° Nota das verbas dotadas para a estrada das Pedras Lavradas, e quais as quantias gastas nestes últimos dez anos;

2.° Descrição do estado actual das obras da estrada às Pedras Lavradas;

3o° Nota das concessões requeridas desde 1912 até o presente, para o aproveitamento de quedas de ,água na Serra da Estrela, especialmente no vertente da Covilhã;

4.° Estado em que só encontram os processos relativos a êsses pedidos de concessão de quedas de água.

Pelo Ministério do Trabalho:

Boletim do Trabalho Industrial n.ºs 4, 5, 10, 21, 22, 23 e 26.

Da Imprensa Nacional:

Diário do Govêrno n.° 263, 1.ª série, de 5 de Dezembro de 1918. - O Deputado, José Maria de Campos Melo.

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me sejam enviadas com urgência cópias de todos os relatórios, propostas, despachos ministeriais e do Conselho de Ministros apresentados e proferidos desde Maio de 1917 até agora sôbre os serviços de propaganda de Portugal no estrangeiro e da intervenção de Portugal na guerra. - O Deputado, Barbosa de Magalhães.

Para a Secretaria.

Projectos de lei

Do Sr. Deputado Manuel de Brito Camacho, mantendo a Faculdade de Letras que o Decreto n.° 5:770 desanexou da Universidade de Coimbra e transferiu para o Pôrto, suspendendo a reforma da secção filosófica e anulando as nomeações feitas pelo mesmo decreto.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Para a comissão de instrução superior.

Dos Srs. Deputados Américo Olavo, Pedro Góis Pita o Carlos Olavo, concedendo à Junta Geral do Funchal a faculdade de conceder por concurso, o exclusivo do jôgo no arquipélago da Madeira.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado António Granjo, que tem por fim fazer cessar desde 15 de Junho corrente as subvenções concedidas aos funcionários que percebam emolumentos judiciais conformo a tabela aprovada por decreto de 28 do Junho passado.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Aprovada a urgência.

Para a Comissão de Legislação Civil e Comercial.

Pedido de licença

Do Sr. Deputado Guedes Ribeiro de Carvalho, pedindo autorização à Câmara para sair do país.

Para a Secretaria.

Concedido.

Para a comissão de infracções e faltas.

Parecer

Da comissão de guerra sôbre o projecto de lei n.º 10-B, que promove ao pôsto de general o coronel do corpo do estado maior, Norton de Matos, sendo de opinião que a Câmara lhe deve dar a sua aprovação.

Para a Secretaria.

Para a comissão de finanças.

Os REDACTORES:

Avelino de Almeida.
Herculano Nunes.
João Saraiva.

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Discurso proferido na sessão n.° 17, de 1 de Julho de 1919, e agora integralmente publicado

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, dos Negócios Estrangeiros): - Sr. Presidente: ouvi a exposição feita pelo ilustre Deputado, Sr. Nuno Simões. Neste momento, não posso dar a S. Exa. explicações sôbre o assunto, porque ainda há pouco estou gerindo, interinamente, a pasta dos Estrangeiros.

Não quero com isto dizer que, se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se demorar em tomar posse da sua pasta, eu não procure resolver o assunto a que S. Exa. se referiu.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para comunicar à Câmara um telegrama que recebi do Sr. João Chagas, nosso Ministro em Paris, no qual se diz que o Tratado da Paz já foi assinado.

O telegrama tem a data de 28 de Junho.

Estamos, pois, em presença da Paz e o Parlamento Português que colaborou, desde a primeira hora, na obra da nossa participação na guerra, não pode deixar de receber com intenso júbilo a notícia de que a Paz acaba de ser firmada, se não definitiva, pelo menos em condições que deixam esperar que será em pouco tempo um facto incontestável.

Como disse, o Parlamento foi o intervencionalista desde a primeira hora e sempre, apenas talvez por um leve espaço de tempo não se ouviram as palavras de entusiasmo que de todos os lados da Câmara se pronunciavam sôbre a nossa intervenção na guerra. Essa tempestade passou. Devia ter feito algum mal e, possivelmente, teremos de nos ressentir dêsse período que foi apoucar a nossa representação na guerra. É bom dizê-lo aqui e digo-o com a responsabilidade de quem se senta neste logar.

Mas ao mesmo tempo a Câmara tem tambêm a satisfação de saber que apesar de tudo e devido ao esfôrço individual de oficiais e soldados portugueses com a alma de Portugal a vibrar nos campos de batalha, nós pudemos ter representação no front até o último dia, com as armas na mão, pois que, alio estiveram batalhões de infantaria e tambêm artilharia pesada e artilharia de campanha, que eu tive a grata honra de comandar em França.

Sr. Presidente: a Paz está feita! Quere isto dizer que acabaram as lutas com as armas na mão; mas outras lutas vão surgir e não menos graves e importantes. Portugal marcha para esta segunda luta tam mal apetrechado, quanto marchou para a primeira; ou antes, pior apetrechado do que marchou para a primeira, porquanto a aprendizagem para a luta pelas armas, pôde fazer-se nos campos da batalha e o esfôrço português conseguiu suprir as faltas duma organização feitas nas condições em que nos encontrávamos, tendo de improvizar um exército. Mas, Sr. Presidente, agora a luta é de outra natureza. É uma luta de trabalho, de estudo, cujas bases não podem ser improvisadas ràpidamente. Que há, pois, a fazer?

Encarar de frente o problema, na certeza, ou antes - não quero avançar numa declaração que só por mim não posso afirmar - na convicção em que estou de que Portugal saia da Conferência da Paz em circunstâncias perfeitamente iguais àquelas em que saiem as outras nações.

Certamente não vamos obter com o Tratado da Paz, tudo quanto desejaríamos alcançar, mas devemos notar que todas as nações ficam, mais ou menos, descontentes, e nós não poderíamos supor, a meu ver, e sempre assim pensei, que teríamos de alcançar dos aliados a estipulação de reparações pelas despesas da guerra.

Se sempre assim pensei, como disse, desde o princípio da guerra, agora que sei que nenhuma nação aliada obteve quaisquer compensações pelas despesas de guerra, com mais fundamento reconheço que não há razão para que Portugal se considere agravado por semelhante caso, tanto mais que sofreu menos do que outros países que suportaram no seu território a intensificação da luta. E pelo menos esta a minha maneira de ver.

Sr. Presidente: com indizível prazer declaro, perante a Câmara, que estou na convicção de que dêste conflito mundial não saímos financeiramente pior do que qualquer outro país; e que económica-

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mente, tanto quanto às nossas relações e aproximação com as nações aliadas, como quanto à segurança da colocação de alguns dos seus produtos principais, penso que ficámos porventura melhor do que estávamos, isto é, num pé de igualdade com os outros países para podermos trabalhar para o nosso engrandecimento.

Não tenho ainda conhecimento em perfeito detalhe, das condições da paz, mas pelo que já delas conheço, julgo que temos na nossa frente campo aberto para trabalho e que se o Poder Executivo e o Poder Legislativo se derem as mãos e resolverem firmemente trabalhar, haverem de sair vitoriosos tambêm desta campanha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

Discurso proferido na sessão n.° 18, de 2 de Julho de 1919, e agora integralmente publicado

O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente, há já bem longos dias que vem arrastando-se na Câmara esta questão do Dezembrismo e por forma tal que parece já brigar com o ardente entusiasmo e curioso interêsse que primitivamente havia despertado.

Outro assunto alternadamente, ora na primeira parto da ordein do dia, ora na segunda, tem protelado esta discussão, devido, porventura, mais que a qualquer outra causa, a patente desinteresse da Câmara. E, convencido disto, estava eu já disposto a apresentar um requerimento para se retirar êste assunto da ordem do dia, quando V. Exa. me conferiu a palavra para se prosseguir no debate.

Assim limitar-me hei apenas a fazer algumas breves considerações muito rápidas para concluir o meu discurso, iniciado há dois dias, e que tive de interromper quási no fim da sessão, quando V. Exa., e muito bem, me preveniu ser urgente proceder-se à votação das emendas que acabavam de chegar do Senado à proposta de lei dos duodécimos.

Muito pesar tenho, Sr. Presidente, que não esteja presente o ilustre deputado Sr. João Pinheiro, porquanto Ou desejava mostrar-lhe que, quando se referia aos documentos apresentados pelo Sr. Leote do Rêgo nesta Câmara, dizendo que êles, por serem truncados ou destacados dum conjunto, não podiam servir de base sequer para se apreciar com justiça a obra do dezembrismo, êsse argumento aduzido por S. Exa. converte-se a meu ver precisamente na condenação mais formal dessa mesma obra cujas ruínas baldadamente o ilustre deputado procurou cobrir de saudosas e fúnebres flores.

E que o ilustre deputado se esqueceu de que o primeiro ministro da guerra do dezembrismo, o nunca assas lembrado Amilcar Mota, fez pública na imprensa documentos truncados ou fragmentados referentes á acção ministerial do Sr. Norton do Matos quanto á nossa acção militar na guerra, dando-lhes assim uma significação, porventura, diferente daquela que êles realmente tinham o insinuando-lhes um valor diferente do que êles possuíam. Mais tarde foi o seu sucessor, o não menos famoso Álvaro de Mendonça, que veio ler aqui êsses mesmos documentos, como se ignorasse o protesto vigoroso do Sr. Norton de Matos, publicado nas colunas do República, e que êsse tal Sr. Mendonça não podia desconhecer, tanto mais que a censura passara a ser feita no próprio Gabinete do Ministério da Guerra, em permanente comunicação telefónica com Sidónio Pais em Belém, ou com o seu profeta e arcanjo em permanente serviço, o inolvidável capitão Carneira, o tal que não quis ir para a guerra por não poder aceitar tal comissão de serviço por ser deputado, segundo êle próprio alegou oficialmente. Veria, portanto, em face dêstes factos, o ilustre deputado Sr. João Pinheiro, se aqui estivesse, o nulo valor do seu fraco argumento.

Falou ainda o mesmo ilustre deputado na urgente necessidade da publicação do Livro Branco.

Evidentemente que o Livro Branco ha-

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de ser publicado, mas quando o Govêrno não vir nisso inconveniente, porque só êle é o árbitro da oportunidade da publicação dos documentos diplomáticos que se referem às nossas relações diplomáticas com os aliados.

O Sr. Estêvão Pimentel: - Nós é que exigimos a sua publicação e o Govêrno tem por isso de publicá-lo.

O Orador: - Êsse é o parecer de V. Exa., mas não o meu. Nós podemos reclamar a sua publicação, mas o Govêrno fala-há não quando nós a exijamos ou porque a exijamos, mas quando êle vir não haver inconveniência diplomática em tal publicação. Êste é o seu dever.

O Sr. Estêvão Pimentel: - Mas lá fora já foram publicados todos os Livros Brancos.

O Orador: - V. Exa. está confundido. O que está publicado no estrangeiro são os livros que contêm a documentação referente ao rompimento das hostilidades e ás declarações de guerra.

Agora o que em parte alguma se publicou ainda foi o "Livro Branco", isto é, o livro referente à documentação dos entendimentos e acordos dos aliados uns com os outros, isto é, quanto à sua acção diplomática e militar em comum. Aí está o que o Sr. Estêvão Pimentel parece ignorar.

No emtanto, estou dizendo à Câmara que o "Livro Branco" não deve ser publicado? Evidentemente que não. Antes, pelo contrário, entendo, ou melhor, desejo que êle seja publicado quanto antes, agora que terminou a guerra e foi assinado o tratado de paz; mas é necessário primeiro que o Govêrno declare se deve ou pode ou se não pode ou não deve fazer-se, desde já, tal publicação.

Eu, que assisti às sessões secretas em que se debateu êste magno assunto da intervenção na guerra, estou convencido de que a publicação do "Livro Branco" há-de lançar jorros de luz sôbre a acção dos que contribuíram para essa intervenção, forçando todos a prestar a devida justiça e a merecida homenagem à sua inteligente e patriótica orientação. No entanto, ao Govêrno, repito, é que cumpre dizer e avaliar da oportunidade da tam falada publicação.

E necessário publicar-se não só o "Livro Branco" da Guerra, como ainda o "Livro Branco" da Paz, disse ainda o ilustre deputado Sr. João Pinheiro. De acordo. Tambêm eu desejo a publicação dêsses dois livros: - o "Livro Branco" da Guerra, porque trará a documentação inteira dos motivos e influências que nos levaram a cooperar militarmente nos campos de batalha da França e da Flandres, e ainda em África; e o "Livro Branco" da Paz, porque trará aqueles que respeitam às negociações para a Paz. Muito bem. Mas, a meu ver, não se deveria ficar só por aqui, pois que outro livro devia ser publicado ainda - aquele a que chamarei o "Livro Negro da Guerra", que inseriria os pareceres e os documentos daqueles que, por todas as maneiras se opuseram à nossa intervenção na guerra, malsinando-a, contrariando-a e até quási que aniquilando-a. Nesse "Livro Negro" figurariam, por exemplo, entre outros, os artigos da autoria do Sr. Conselheiro José de Azevedo Castelo Branco, contrários à nossa intervenção na guerra ao lado dos aliados e ainda mesmo .depreciando os motivos que levaram os aliados á guerra. Num dêsses artigos intitulado "A lição da Sérvia", e inserto no jornal monárquico O Dia, em 24 de Maio de 1916, faziam-se, entre outras, afirmações como estas: que a Sérvia fora ingrata para com a Áustria; que a Rússia e a Inglaterra haviam explorado a Sérvia contra a Alemanha; que a Áustria tivera razão declarando a guerra à Sérvia; que no fundo quem quisera essa guerra fora a estúrdia camarilha moscovita, cujo "representative man" era o gran-duque Nicolau; que foram a Rússia, a França e a Inglaterra que por fim conseguiram a sua desejada guerra; que a Bulgária é que andou com juízo escapando-se à influência britânica para fazer expiar ao ministro Eduardo Grey o sacrifício que êste lhe impusera quando a abandonara depois da segunda guerra balcânica; que os motivos da guerra eram inconfessáveis; que os nossos políticos deviam aprender com a lição da Sérvia.

Êsse artigo terminava da seguinte maneira:

"Tem vária moral esta lição da Sérvia. É de crer, porém, que nela não aprendam

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os pequenos povos mais do que as crianças costumam tirar das sentenças dos fabulários ou dos ensinamentos dos provérbios. Sem a sugestão da Rússia a Sérvia não teria ousado iniciar a luta espingardeando os austríacos nos primeiros dias de Agosto de 1914. O seu êrro tem a sua desculpa. Menos compreensível será um dia aos críticos da História êste empenho que temos mostrado nós, míseros potes de barro, de nos intrometer nas desavenças dos caldeirões de ferro, cora o grave risco de sairmos do embate pulverizados em cacos miúdos.

Ainda bem que o pouco que podíamos dar não contou para as exigências do momento...

O Orador: - Atenda bem a Câmara, a esta patriótica afirmação...

(Continua a ler) Porque a aventura a que pretendíamos lançar-nos, sem outro fundamento que as subtis fantasias de um regime mi apertos intestinais, nos levaria ao risco quási certo de vir a ser os trocos de cobre com que arredondam a contas últimas na hora de ajuste.

A Sérvia perderá talvez a sua existência, política. Jogou? Perdeu? São os azares do jôgo. Mas sabia, bem o que lucraria, se ganhasse. Mas nós! Ouço dizer que "estamos perdidos" se logram vencer os impérios centrais. Talvez assim seja; mas quanto agradeceria se alguêm nos dissesse útil e claramente o que pode Portugal ganhar com a vitória dos aliados. Se isto é matéria de fé eu estou disposto a crer, pondo nisso todo o desejo de que logro-mos sair desta crise, para a nova era que iniciará a obra da vitória, mais robustecidos na nossa independência e menos opiados do pessimismo que a todos nos entenebrece. Receio, porém, que fique sem resposta isto que a mim mesmo muitas vezes me pregunto: "porque hemos nós de ir para a guerra."

O Orador: - Foi mau profeta o Sr. José de Azevedo Castelo Branco quanto, à, vitória dos impérios centrais. A Sérvia jogou, como êle disse? Se jogou, ao contrário do que êle afirmou, Mo perdeu, ganhou. O sr. José do Azevedo também, arvorando-se em profeta, pôs-se a jogar quanto à nossa política internacional. Jogou e... perdeu. Foi êle, com o dezembrismo, um dos pseudo-deputados monárquicos que se sentavam em torno do Sr. Aires de Ornelas, alcunhado de "lugar-tenente de el-rei", na extrema direita desta Câmara. Transcrevendo então eu êste seu artigo no Museu Germanófilo da República, em 3 de Outubro do ano findo, isto é, poucos dias antes do malogrado movimento de Coimbra, eu preguntava ao termo do comentário feito: (Leu.) "Não haverá ninguém que leia na cara do Sr. Aires de Ornelas êste artigo na sala dos Deputados em S. Bento?"

Não houve, com efeito. Leio-o eu agora aqui, porém. Mas isso é de um monárquico, poderá dizer-se. Era de um monárquico, com efeito, que se sentava ao lado. do Sr. Aires de Ornelas que, nesta casa e naquela farçada de protesto contra a República, a que já tive ensejo de me referir, dizia não haver germanófilos na bancada monárquica. Mas era a êstes monárquicos, que diziam ou sentiam isso que li, que o Govêrno capitaneado pelo Sr. Tamagnini Barbosa e a própria maioria dezembrista ia saudar e apertar a mão como desagravo pelos justos comentários da República...

Mas há mais ainda, Sr. Presidente. Noutro artigo anterior a êste, pois que é de 4 de Agosto de 1914, publicado tambêm no Dia, cujo director o dezembrismo tambêm trouxe à Câmara pura muito justamente se sentar ao lado dos dois conspícuos varões de Plutarco a que acabo de me referir, tomava êsse jornal posições no próprio momento em que a guerra acabava de estalar. E pelo que vou. mostrar à Câmara poderá, esta ver que a doutrina então defendida pelo director do Dia. havia de vir a ser a mesma que o Sr. José de Azevedo Castelo Branco sustentou dois anos depois no artigo a que acabo de mo referir detalha monte. Assim começava destarte êsse artigo do Dia, intitulado A República e a guerra:

"Vamos lá definir situações para que não crie raízes uma especulação a que se torna necessário pôr termo à nascença: é a do "armistício" que, invocando ardilosamente motivos patrióticos, o Govêrno pretende obter para que, à sombra de uma guerra europea, se prolongue a duração de um regime que compromete, agora mais do que nunca, como ontem o

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demonstrámos, a segurança e a independência nacional.

Assim, como se vê, o Dia, logo desdo os primeiros dias de guerra, antes mesmo que o Govêrno e o Parlamento se tivessem pronunciado dó qualquer modo, tomava logo posições contra o Govêrno! E para quê? Para fazer afirmações como esta:

"Seria um êrro político irreparável os monárquicos darem tréguas ao Govêrno lá porque a Rússia invadiu a Alemanha ou a Austria, só está a bater com a Sérvia."

E desenvolvendo êste ponto de vista o Dia dizia ainda o seguinte, dada a hipótese do nos tornarmos beligerantes por efeito da nossa aliança com a Inglaterra, como razão plausível para nos dispensarmos dos encargos e contingências a que êsse reflexo do estado de guerra porventura obrigava;

"Pode haver uma causa legítima a alegar: a do estarmos entregues flui"o à restauração das velhas instituições portuguesas para que, sob elas, assistamos, com a possível defesa, no momento oportuno e finda a guerra, à consequente remodelação do mapa da Europa e das suas colónias. E, sendo assim, ninguém pode exigir-nos fôrças que nos não são bastantes para a segurança e defesa próprias. E, dêste modo, nem sequer teríamos a temida possibilidade... de ir "policiar Marrocos", em serviço das potências da tríplice Entente, podendo tambêm alegar-se ser sobremaneira exquisito que, não tendo Portugal sido ouvido nem chamado para essa é utente, quando ajustada, houvesse de prestar-lhe o auxílio do seu sangue e dos seus recursos... para que os retalhos do mapa ficassem mais à vontade de uns que de outros interessados, para todos os quais a nossa sorte é problema mais secundário. Não faltará quem diga que, ainda mesmo no caso, que se dará na altura do coup de Jarnac, de envolver-se á Gran-Bretanba no conflito europeu, poderemos, alegando a deficiência dos velhos tratados, guardar a neutralidade. É extremamente fácil decretá-la: muito mais custoso é mante-la quando violada. E no regime republicano em q"e aos encontramos, os escrúpulos protocolares não impedirão o caminho brutal das conveniências."

Terminava êsse artigo por êste curioso incitamento:

"A Restauração é um renascimento: e por mais egoísta que seja a Europa, não lhe será indiferente, ao firmar-se um dia, ao terminar a guerra, no poder militar vitorioso, êsse grande princípio conservador, que nós já o tínhamos desafrontado, dando à opinião de todo o mundo culto a satisfação que desde o regicídio está exigindo dêste Portugal onde já chegaram, a nós que as reproduzimos, estas significativas palavras da Áustria, dirigidas no dia 24 de Julho às potências, anunciando a guerra à Sérvia: - "O Govêrno Imperial e Rial está persuadido de que quanto êsse passo está de pleno acordo com os sentimentos de todas as nações civilizadas, as quais não podem admitir que o regicídio se torne uma arma da qual seja possível fazer impunemente uso na luta política".

Como se vê êste artigo assenta precisamente nas bases do outro a que já me referi do Sr. José de Azevedo Castelo Branco. Nele está toda a doutrina e todo o ensinamento que pouco tempo depois havia de levar à sublevação de Mafra, aos gritos de "Viva a monarquia!" e "Abaixo a guerra!"; que mais tarde havia de ser o pretexto real do 13 de Dezembro de 1916, quando se dispunham a embarcar as primeiras tropas portuguesas pura França; e que mais tarde, em 1918, havia de levar ao 5 do Dezembro, prometendo-se ao "bravo 33" de Sidónio Pais, promessa que se cumpriu, de não ir mais nenhum soldado português para a guerra, caso êle se sublevasse, como se sublevou, contra o Govêrno republicano de então, presidido pelo Sr. Afonso Costa. E eram êstes dois homens, Sr. Presidente, que se sentavam nesta casa, como Deputados, ao lado do Sr. Aires de Ornelas, que não podia ignorar tais afirmações e incitamentos; e era a êste Sr. Aires de Ornelas que todo o pseudo-Parlamento de então e o Govêrno, representado pelo Sr. Tamagnini Barbosa, tam cumprimentar como desagravo do que a República dissera acêrca dos reais intuitos do requerimento do Sr. Ornelas, pedindo aquela não me-

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nos famosa sessão secreta... em que, por sinal, nunca mais se insistiu.

Não havia germanófilos na Câmara ou, pelo menos, na bancada monárquica, pretendia lazer crer ao país o Sr. Aires de Ornelas. E para coonestar esta afirmação a maioria da Câmara e o Govêrno de Sidónio, representado pelas despejadas afirmações oratórias do Sr. Tamagnini Barbosa, iam fazer ao Sr. Aires de Ornelas a manifestação a que me referi! No emtanto, Sr. Presidente, essa farçada era antecipadamente posta a nu nas próprias colunas dum jornal que apoiava a situação dezembrista, pela pena dum dos seus publicistas mais cotados e que, católico e monárquico, foi depois um dos mais ardentes defensores da Junta Militar do Norte e do consequente e fugaz reino da Traulitânia por esta preparado. Assim, Sr. Presidente, na Liberdade, jornal católico do Pôrto, em 11 de Agosto de 1918, isto é, poucos dias depois da tal farçada monárquico-dezembrista, posta em scena nesta sala pelo Sr. Aires de Ornelas, Rui Vaz de Sá, conhecido pseudónimo, do Sr. Artur Bivar, dizia o seguinte, num artigo intitulado À margem dos factos - Um pesadelo:

"Disse o illustre conselheiro Sr. Aires de Ornelas que protestava em seu nome, e em nome de todos os monárquicos, contra a acusação de germanofilia. Fui verificar, quando isto ouvi, ao Diário Nacional"...

Como a Câmara não ignora o Diário Nacional era a folha dirigida pelo Sr. Aires de Ornelas...

Continua a ler:

O Orador: - ... e lá encontrei com todas as letras confirmado o facto. Ali se escreveu em artigo editorial, que todos os monárquicos são aliadófilos. Dá-se, porem, o caso de eu viver na segunda cidade do país, e ser eu talvez o único monárquico aliadófilo!!

Isto é público e notório, porque não faço outra cousa há três anos, nos centros de cavaqueira, senão discutir guerra e precisamente defendendo os aliados com uma crânerie a que mais duma vez foi prestada pública homenagem pelos próprios germanófilos.

Declaro, pois, ao Sr. Conselheiro, que entre os monárquicos dêste terceiro centro do país, não conheço nenhum entre os que marcam, segundo se diz, que não seja ardentemente gerai anófilo.

Se esta afirmação fôr posta em dúvida, nenhuma dúvida terei em voltar ao assunto, para cabalíssimamente me justificar., embora isso me desgoste, por vários motivos, mais êste: que o meu fito, neste artigo, é outro".

Não pode o testemunho ser mais insuspeito e fulminante para o Sr. Aires Ornelas, para os monárquicos portugueses e para os seus aliados ou protegidos dezembristas que pela voz do nunca mais esquecido ministro Tamagnini Barbosa do patriotismo e do aliadofilismo dos monárquico tiveram a audácia ou a inconsciência de fomentar aqui a apoteose...

Outros muitos factos de alto alcance comprovativo da tese expressa na minha moção de ordem eu podia, Sr. Presidente, apresentar à apreciação da Câmara. Mas, cumpre-me concluir, que já demais eu tenho abusado da paciência dos meus ilustres colegas, nunca esquecendo no entanto que o Sr. Aires do Ornelas, nesta casa com o aplauso do Govêrno e da maioria dezembrista, afiançou que entre os monárquicos, principalmente entre os que com êle aqui tinham lugar, não havia germanófilos, quando dias antes, no próprio jornal que dirigia, dizia que só por uma sentença passada em julgado nos tribunais é que tal se poderia admitir.

Quere dizer, Sr. Presidente, que embora sr apresentasse ao Sr. Aires de Ornelas documentos comprovativos, recibos ou quaisquer outros, da venalidade ou traição de monárquicos, êle lhes não ligaria valor senão perante uma sentença judicial condenatória.

Adiante, Sr. Presidente...

Assim concluo, lembrando que o tal Livro Negro da Guerra, a que me referi, deveria ser constituído por documentos desta ordem, e ainda por outros de qualquer natureza, que para êste fim merecessem registo.

Na minha exposição não me abalancei a retaliações que estão longe dos meus propósitos e não se coadunam com o meu carácter.

No meu espírito iluminado por um alto sentimento de justiça, não há a mínima preocupação de vinganças, mau grado ter

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sido perseguido e maltratado pela tirania dezembrista.

Falo como uma testemunha que depusesse num tribunal. Apresento provas documentais. Isto me basta.

Sr. Presidente: termino portanto as minhas considerações, fazendo votos para que a Câmara se manifeste quanto antes sôbre as moções apresentadas e para que quanto antes tambêm e o mais ràpidamente possível, se ultime a discriminação das responsabilidades dos implicados no movimento monárquico do norte e de Monsanto, consequência lógica da obra do dezembrismo, e que só poderia ter surpreendido a quem fôsse por inteiro destituído de visão política ou a quem dêsses movimentos fôsse encoberto cúmplice.

Felicito-me por ter apresentado êstes documentos à Câmara porque mais que as minhas palavras êles são duma alta e impressiva eloquência para a apreciação da obra do dezembrismo.

Não falo como juiz, não falo como julgador, já o disse; e pôsto que eu pudesse falar como vítima que fui dessa nefasta política dezembrista pus inteiramente de parte propósitos de desforras e vinganças para só pedir justiça.

Para isso ultime-se o apuramento das tais responsabilidades, em nome do direito dos próprios presos, e sobretudo em nome do alto prestígio da República que todos nós temos o dever de defender e exalçar.

Tenho dito.

Discursos proferidos na sessão n.° 19, de 4 de Julho de 1919, e agora integralmente publicados

O Sr. Augusto Dias da Silva: - Sr. Presidente: é para pedir ao Sr. Ministro do Trabalho a fineza de esclarecer um pouco mais a situação do Govêrno perante os ferroviários.

Sabe V. Exa. e a Câmara, muito bem, que êste movimento é a consequência do deprêzo a que o anterior Govêrno votou a classe ferroviária. V. Exa. sabe muitíssimo bem que há bastantes meses vinham reclamando constantemente dos Governos que os atendessem e os Governos constantemente foram adiando indefinidamente a solução dêste problema.

Eu sei que V. Exa. não são responsáveis, absolutamente em nada, pela forma incorrecta com que os anteriores Governos procederam para com os ferroviários.

Mas o que é certo é que V. Exa. tem de ter em conta êsse facto, e V. Exa. tem têm de considerar êsse acto como consequência da forma como os Governos têm atendido os grevistas!

V. Exa. parece estar nas melhores disposições de solucionar o conflito e assim peço a V. Exa. a fineza de dizer públicamente na Câmara até onde está disposto a satisfazer as reclamações feitas pelos ferroviários.

Disse.

O Sr. Lúcio de Azevedo: - Antes de iniciar as minhas considerações devo declarar que foi por mero lapso que pedi a palavra sôbre a ordem quando a devia ter pedido sôbre a matéria.

Não queria prejudicar os oradores já inscritos, antecipando-me na discussão do assunto que tanto tem interessado a Câmara.

O Sr. Presidente (interrompendo): - O êrro foi meu, que não reflecti que V. Exa. tinha pedido a palavra sôbre a ordem.

O Orador: - Sr. Presidente: sendo êste o primeiro assunto económico tratado nesta sessão legislativa, eu folgo por o ver tratado com aquela grandeza e elevação com que de futuro têm de ser tratados os assuntos económicos por serem os mais momentosos; por serem aqueles que todos esperam hão-de, pelo seu conjunto, quando devidamente estudados sob o ponto de vista dos interêsses nacionais e dos interêsses colectivos, provocar o levantamento do crédito do país, o ressurgimento da nossa nacionalidade.

O Sr. Presidente: - Tendo V. Exa. pedido a palavra sôbre a ordem, peço o

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66 Diário da Câmara dos Deputados

favor de enviar para a Mesa a sua moção.

O Orador: - Tem V. Exa. razão, e passo a ler a minha moção:

Moção

A Câmara, suficientemente esclarecida pela elevada discussão do projecto sôbre as oleaginosas, que os altos interêsses do Estado e a economia da Nação não foram defendidos pelo decreto com fôrça de lei n,° 5:013, nem o são pelo projecto do lei n.° 1-A em discussão, continua na ordem do dia. - Lúcio de Azevedo.

Admitida.

Sr. Presidente: dizia eu quê pela elevada discussão que aqui se fez do projecto de lei n.° 1-A, a Câmara está suficientemente elucidada pelo que diz respeito ao decreto n.° 5:513.

Verifica que o referido projecto teve o fim único de servir os interêsses particulares dum potentado industrial em detrimento dos interêsses legítimos dos coloniais.

Devo fazer a justiça de afirmar, muito categoricamente, que pela forma como êsse potentado industrial labora, adoptando os métodos modernos racionais da produção scientifica, êle merece um tanto do nosso respeito.

Todavia o que é certo é que êle desenvolve a sua indústria, em prejuízo e à custa dos produtores, quere dizer em prejuízo dos interêsses coloniais.

Sendo assim, e vendo que uma parte dá Câmara já tomou a defesa dos interêsses industriais, a defesa da doutrina do decreto n.° 5:513 em contraposição à defesa do que agora se discute o projecto n.° 1-A, devo dizer que para defender os interêsses legítimos duma nacionalidade que se encontra numa situação financeira que se afigura grave e delicada parece-me de boa prudência o procurar-se a fórmula intermediária, o meio termo, não prejudicando os coloniais em benefício exclusivo dos industriais, nem os industriais em benefício exclusivo dos coloniais, o que sucederia com a aprovação do projecto de lei agora em discussão.

E assim, se é certo que a guerra promoveu uma alta das sementes oleaginosas, é tambêm certo que a economia da Nação foi a que mais sofreu com a mesma guerra. Daí a legitimidade de fazer reverter para os cofres públicos uma parte dos benefícios causados pela guerra pela valorização das oleaginosas.

Quero dizer, devemos procurar um beneficio para o país, e a forma prática de resolver o assunto seria a fixarão duma sobretaxa proporcional à alta das mesmas oleaginosas, sobretaxa que poderia ser revista em períodos certos para que pudesse manter sempre o carácter dum imposto justo e harmónico com os interêsses legítimos dos coloniais o dos industriais.

Demais êste exemplo não é novo, foi estabelecido em diversos diplomas durante a guerra, temo-lo ainda aplicado a um outro produto colonial, o cacau de S. Tomé.

Quando numa certa altura da guerra essa sobretaxa foi fixada tambêm se levantaram alguns clamores de parte dos exportadores, mas a justiça da iniciativa do Ministro das Finanças dêsse tempo foi tam justa que ainda hoje vigora e com as mesmas razões de ordem económica, a referida sobretaxa.

Defendeu-se assim os legítimos interêsses do Estado e da indústria, prestou-se um alto serviço no país.

Eis o exemplo a seguir, a forma legítima do defender interêsses tambêm legítimos.

O que se fizer fora dêste critério não tem a menor defesa porque no fundo será sempre a defesa dos interêsses de um grupo contra os do Outro grupo, sem se atender aos interêsses especiais do tesouro público para o qual devem incidir as nossas mais particulares atenções.

Estou convencido, portanto, que esta é a verdadeira doutrina, que a Câmara deve aceitar. E a meu ver, por tal motivo, êste projecto, como está redigido, deve baixar à comissão para lhe ser introduzido êste ponto de vista que deve satisfazer em absoluto às duas partes em litígio, porque acima de tudo êle serve os interêsses nacionais, que serão acautelados. Encontrará assim o tesouro uma nova fonte de receita de que tanto necessita para fazer face às despesas extraordinárias que a guerra provocou. Declarar livre o comércio das oleaginosas no período em que elas atingiram uma alta formidável não devida a um particular esfôrço dos ex-

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portadores pela adopção de processos especiais de cultura ou outras razões fortes que valorizassem os seus produtos, mas unicamente pela guerra e outras circunstâncias dela derivadas afigura-se-me ilegítimo, como iligítimo e mais que ilegítima, ultra escandalosa foi a protecção descabelada que o decreto n.° 5:513 deu à Companhia União Fabril, e por consequência, ao Sr. Alfredo Silva, que é o seu primeiro accionista. O que é certo, portanto, é que não podemos agora inverter os factores sem praticarmos uma grande injustiça. Se vamos inverter as vantagens dadas à Companhia União Fabril para os comerciantes de África sem atendermos aos interêsses do tesouro. Nestes termos, seguindo um critério que julgo o mais defensável por ser o mais equitativo, eu proponho, e vou redigir a minha proposta, que enviarei para a Meza, para que seja declarado o comércio das oleaginosas, livre não só da exportação das colónias, como o da reexportação continental, mas aplicando-se-lhe sempre uma sobretaxa de exportação.

Tenho dito.

Foi Lida na Meza e admitida pela Câmara a moção do Sr. Lúcio de Azevedo.

Proposta

Proponho que o projecto de lei n.° 1-A baixe à comissão especial que elaborou, a fim de que nele seja incluído o princípio da aplicação das sobretaxas de exportação e reexportação, sempre que pela alta da cotação das oleaginosas nos mercados se verifique que o Estado vem comparticipar dessa mesma alta.

Esta comissão apresentará o resultado do seu estudo no mais curto prazo de tempo. - O Deputado, Lúcio de Azevedo.

Admitida.

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