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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 9
EM 12 DE DEZEMBRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira 
António Marques das Neves Mantas
Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 61 Srs. Deputados, lê-se a acta, que é aprovada sem discussão, e dá-se conta do expediente.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso) solicita urgência e dispensa de regimento para o parecer n.° 280 sôbre a proposta de lei, vinda do Senado, relativa à punição dos assambarcadores. Á Câmara concede a urgência e dispensa solicitadas e a proposta é lida na Mesa e entra em discussão na generalidade. Usa da palavra, anunciando que vai apresentar algumas emendas, o Sr. Ministro da Justiça, ao qual se seguem os Srs. Júlio Martins, António Granjo, Mesquita Carvalho, que requere que a proposta seja retirada para entrar em discussão na ordem do dia, da sessão imediata, o que é rejeitado, Ladislau Batalha e Cunha Lial, tendo o Sr. Ministro da Justiça respondido a cada um dêstes oradores.
O Sr. Presidente anuncia que vai dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos para antes de se encerrar a sessão. - Lê-se na Mesa um oficio do Senado comunicando que aprovou as comissões de inquérito a vários Ministérios.- O Sr. Manuel Fragoso ocupa-se do tratamento dos presos políticos, pedindo que sejam castigados os autores e responsáveis de violências sôbre êles, ou punidos os caluniadores, caso se não provem êsses maus tratos. - O Sr. Augusto Dias da Silva trata da deportação para a África de vários indivíduos, protestando contra o facto. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério que justifica as medidas do Govêrno. - O Sr. Presidente marca a sessão imediata com a respectiva ordem do dia e encerra os trabalhos.
Abertura da sessão às 15 horas e 8 minutos.
Presentes à chamada - 61 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal. 
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz. 
Alberto Jordão Marques da Costa. 
Albino Pinto da Fonseca. 
Álvaro Pereira Guedes. 
Álvaro Xavier de Castro. 
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio e Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo. 
António Albino de Carvalho Mourão. 
António Augusto Tavares Ferreira. 
António da Costa Ferreira. 
António da Costa Godinho do Amaral. 
António Dias. 
António Francisco Pereira. 
António Joaquim Granjo. 
António Lôbo de Aboim Inglês. 
António Marques das Neves Mantas. 
António Pais Rovisco. 
António Pires de Carvalho. 
Augusto Pereira Nobre. 
Baltasar de Almeida Teixeira. 
Custódio Martins de Paiva. 
Diogo Pacheco de Amorim. 
Domingos Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo. 
Domingos Leite Pereira. 
Francisco José Pereira. 
Francisco Pinto da Cunha Lial. 
Francisco de Sousa Dias. 
Henrique Ferreira de Oliveira Brás. 
Jacinto de Freitas. 
Jaime de Andrade Vilares. 
João Estêvão Águas. 
João de Ornelas da Silva. 
João Salema. 
João Xavier Camarate Campos.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Gosta Júnior.
José Garcia da Costa.
José Maria de Campos Melo.
José Meneies Nunes Loureiro.
José Monteiro.
José Rodrigues Braga.
Júlio do Patrocínio Martins.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Guedes do Vasconcelos.
Viriato Gomes da Fonseca.
Xavier da Silva.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José Pereira.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebêlo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Eduardo Alfredo de Sousa.   
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Hermano José de Medeiros.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Gonçalves.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Domingos dos Santos.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Gregório de Almeida.
José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.
Júlio Augusto da Cruz.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva.
Raúl António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que não compareceram:
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Aresta Branco,
António Bastos Pereira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Maria Pereira Júnior.
António dos Santos Graça.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco José Martins Morgado.
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Sessão de 13 de Dezembro de 1919 3
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Henriques Pinheiro.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Ribeiro Gomes.
Joaquim Aires Lopes de Carvalho.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio César de Andrade Freire.
Leonardo José Coimbra.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Miguel Augusto Alves Ferreira. 
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
Raúl Lelo Portela.
Rodrigo Pimenta Massapina.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Às 14 horas e 55 minutos começa a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 61 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Foi lida a acta da sessão anterior, sendo aprovada sem discussão.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que, por lapso, o Sr. Hermano de Medeiros figura na acta desta sessão como eleito para a comissão de guerra, em vez do Sr. Henrique Brás, Fica feita a rectificação.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. João Luís IJicardo, mais oito dias, a contar do dia 14 próximo.
Do Sr. Manuel Alegre, quarenta e cinco dias.
Do Sr. José Garcia da Costa, seis dias, a contar do dia 25 próximo.
Concedido.
Comunique-se.
Do Sr. Malheiro Reimão, pedindo dispensa de comparecer à sessão de hoje.
Concedido.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Pedro Pita, desistindo dos quatro meses de licença que, ontem lhe foram concedidos.
Para a Secretaria.
Telegramas
Elvas. - Alunos Escola Primária Superior Elvas rogam V. Exa. digne manter regalias concedidas alíneas artigo 8.° decreto n.° 5:787-A.
Para a Secretaria.
Leiria. - Corpo docente e alunos da Escola Primária Superior Leiria protestam contra projecto lei que cerceia regalias alunos curso primário superior e pedem que tal projecto não vá por diante, mantendo-se lei em vigor. - Director Escola Primária Superior de Leiria. - Luís Oliveira.
Para a Secretaria.
Torrão. - Mui respeitosamente protesto centra proposta apresentada Exmo. Ministro Instrução extinguindo juntas escolares entregando administração ensino câmaras municipais. - Augusto Ferreira de Almeida, professor.
Para a Secretaria.
Pombal. - Professorado Pombal protesta contra entrega ensino câmaras municipais. - Pelo professorado, Alberto Martins Oliveira.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do Ministério das Colónias, informando quanto à aplicação da doutrina do decreto n.° 5:721, de 10 de Maio última, em resposta ao requerido pelo Sr. João Estêvão Águas.
Para a Secretaria.
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4 Diário da Câmara doa Deputados
Do Ministério do Trabalho, enviando mapa do movimento de doentes nas enfermarias n.ºs 5 e 6 do Hospital ao Desterro no 1.° semestre do corrente ano, em satisfação ao requerido pelo Sr. Ladislau Batalha.
Para a Secretaria.
Do Comité Nobel du Parlement Norvégien, enviando exemplares duma circular sôbre a distribuição do prémio Nobel da paz em 1920.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, enviando cópias dos decretos n.ºs 6:248, 6:249 e 3:252, publicados no Diário do Govêrno n.° 242, de 27 de Novembro.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo Ministério, enviando cópia do decreto n.° 6:267, publicado no Diário do Govêrno n.° 247, de 4 do corrente mês.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo Ministério, comunicando estar à disposição do Sr. Afonso de Melo, para o examinar neste Ministério, o processo contra o tesoureiro da Fazenda Pública de Santa Comba Dão.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, enviando mapas das importâncias pagas por trabalhos extraordinários em 1917-1918 e 1918-1919 ao pessoal das Direcções Gerais dêste Ministério, satisfazendo ao requerido pelo Sr. João Luís Ricardo.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Colónias, enviando relação das candidaturas apresentadas pelos Deputados e Senadores pelo círculo n.° 47 (Grume), em satisfação ao Sr. Jaime de Sousa.
Para a Secretaria.
Requerimento
De Máximo Augusto de Vasconcelos, tenente-coronel na reserva, pedindo a promoção a coronel do seu quadro.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.
Admissões de projectos Foram admitidos os seguintes:
Dos Srs. Sá Pereira e Marcos Leitão, desanexando da freguesia de Alverca do Ribatejo, e passando-o para a de Alhandra, o sítio denominado Termos de Alverca.
Para a Secretaria.
Admitido.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Orlando Marçal, reorganizando os serviços da Repartição do Medição Oficial de Lisboa.
Para a Secretaria.
Admitido.
Para a comissão de administração pública.
Do mesmo Sr. Deputado, concedendo a pensão anual do 720$ à viúva e filhos do Dr. José António Alves Ferreira do Lemos, de Santo Tirso.
Para a Secretaria.
Admitido.
Para a comissão de finanças.
Antes da ordenado dia
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso):- Sr. Presidente: são muitas as reclamações que na imprensa vejo contra os assambarcadores, e dentro desta Câmara tambêm tenho ouvido pedir enérgicas providências para acabar com os abusos que em matéria de subsistência" se estão fazendo.
Eu, que me não lembro de haver pedido urgência e dispensa do Regimento para qualquer proposta da minha pasta, ouso solicitar hoje da Câmara urgência e dispensa de Regimento para o parecer n.° 280, sôbre a proposta de lei n.° 174-A, vinda do Senado.
Não apresento uma proposta nova por já se encontrar nesta Câmara uma proposta aprovada no Senado e caso o meu requerimento seja votado eu apresentarei as emendas que reputo indispensáveis para que resulte um diploma justo e eficaz.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento, entrando na discussão da generalidade a pro-
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posta, que foi lida na Mesa, e é a seguinte:
Parecer n.° 280
Senhores Deputados. - A vossa comissão de comércio e indústria tendo examinado a proposta de lei, vinda do Senado, n.° 174-A, tendente a evitar o açambarcamento de géneros alimentícios, e a punir os autores dêsse acto verdadeiramente delituoso, é de parecer que deveis aprovar a referida proposta de lei, que visa a dar satisfação às justas reclamações da opinião pública.
Sala das sessões da comissão de comércio e indústria, Novembro de 1919. - Luís de Mesquita Carvalho (com restrições) - J. M. Nunes Loureiro (com declarações) - Aníbal Lúcio de Azevedo - Eduardo de Sousa - F. G. Velhinho Correia, relator.
Senhores Deputados. - As vossas comissões de legislação civil e comercial e de legislação-criminal, reunidas conjuntamente, tendo apreciado a proposta de lei n.° 174-A, vinda do Senado, são de parecer que deve ser aprovada, e com a maior urgência.
Torna-se absolutamente necessária a publicação de medidas legislativas que evitem abusos que hoje se cometem, e até desleixes condenáveis, no que se refere a subsistências, e que cada vez mais dificultam a resolução dêste problema.
As comissões referidas recomendam, portanto, à aprovação de V. Exas. essa proposta.
Sala das sessões, 25 de Novembro de 1919. - Álvaro de Castro (com declarações) - Barbosa de Magalhães (com declarações) - Álvaro Guedes - Angelo Sampaio Maia (com declarações) - Queiroz Vaz Guedes - Camarote de Campos - Adolfo Salgueiro Cunha - João Bacelar - José Garcia da Costa - Pedro Pita, relator.
Proposta de lei n.° 174-A
Artigo 1.° Os géneros estragados, deteriorados, e os açambarcados ou escondidos, serão imediatamente apreendidos e o seu possuidor pagará uma multa correspondente ao quíntuplo do preço pelo qual êsses géneros estejam a ser vendidos no mercado.
§ 1.° Os géneros estragados ou deteriorados serão imediatamente inutilizados, e os açambarcados ou escondidos para evitar a venda terão o destino que é dado pelo § único do artigo 2.° , § 2.° O agente apreensor ou o cidadão que denunciar a existência dos géneros nas condições dêste artigo receberá metade da multa, revertendo a outra metade em benefício dos estabelecimentos de caridade, mediante entrega no governo civil respectivo.
Art. 2.° Todos os comerciantes são obrigados a despachar dentro de quinze dias os géneros alimentícios que dêem entrada nas alfândegas do continente e ilhas adjacentes; dentro de seis dias nas estações de caminho de ferro de Lisboa e Pôrto, e dentro de quatro dias nas restantes.
§ único. Decorridos êstes prazos consideram-se os géneros abandonados, e serão, dentro de oito dias, vendidos em hasta pública, sem base e pelo maior lanço obtido, revertendo o produto da venda em benefício de casas de caridade nos termos do § 2.° do artigo 1.°
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, em 3 de Setembro de 1919. - António Xavier Correia Barreto - Bernardo Pais de Almeida - José Mendes da Costa Reis.
N.° 85. - Artigo 1.° Os géneros estragados ou deteriorados serão imediatamente apreendidos e inutilizados, e o seu possuidor pagará uma multa correspondente ao quíntuplo do preço porque êsses géneros estejam a ser vendidos no mercado.
§ único. O agente apreensor ou o cidadão que denunciar a existência dêsses artigos estragados receberá metade da multa, revertendo a outra metade a benefício dos estabelecimentos de caridade, mediante entrega no governo civil respectivo.
Art. 2.° Todos os comerciantes são obrigados a despachar dentro de trinta dias os géneros alimentícios que dêem entrada nas alfândegas do continente e ilhas adjacentes.
§ único. Passado êste prazo consideram-se os géneros abandonados e serão, dentro do oito dias, vendidos em hasta pública, sem base e pelo maior lanço obtido, revertendo o produto da venda
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em benefício de casas de caridade nos termos do § único do artigo 1.°
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões do Senado, em 25 de Agosto de 1919. - O Senador Vasco Gonçalves Marques.
Está conforme. Direcção Geral da Secretaria do Congresso da República, em 3 de Setembro de 1919. - Pelo director geral, Carlos Ferreira.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Tendo lido o projecto em discussão, Hão posso deixar de fazer justiça às intenções do digno Senador que o subscreveu; contudo reconheço que não se estabelecendo um processo simples e rápido, que não dê lugar a chicanas e delongas, tanto na instrução como no julgamento e limitando-se a sanção final à multa, nada adiantaremos e certa ficará a costumada impunidade dos novos indesejáveis quê o projecto Se propõe corrigir.
O assambarcador sem escrúpulos, sob a iminência da multa e em fronte do um negócio ilícito não se detêm desde que os lucros dêste cubram o prejuízo daquela. Nestes delitos que tam profundamente perturbam a nossa sociedade, os seus autores devem ser imediatamente presos e conservados em tal situação, até o julgamento; assim o reclama a opinião pública e o impõe a defesa social.
Isto pode fazer-se sem ir de encontro à Novíssima Reforma Judiciária e para tanto basta conservar o delinquente preso só durante oito dias como aquele diploma permite e estabelecer o seu julgamento dentro de um prazo inferior.
Como a opinião pública reclama que o assambarcador seja reduzido à situação de não poder pelo menos durante algum tempo pôr em prática os seus ignóbeis processos, o julgamento tem de ser implacável e feito não só no desejo de punir mas tambêm no desejo de intimidar aqueles que até aqui têm delinquído por não haver lei bastante que puna os seus desvarios.
Nessas condições, nas emendas que Vou apresentar à Câmara, são julgados os assambarcadores pelo decreto n.° 5:576, conhecido pela, lei Granjo, em homenagem ao meu ilustre antecessor na gerência desta pasta, o Sr. Dr. António Granjo, que relativamente aos vadios, aos perigosos, aos indesejáveis da sociedade, estabeleceu processos severos que têm dado magníficos resultados na prática.
Se quanto aos vadios, aos perigosos, que a cada passo perturbam a nossa vida social, temos medidas rigorosas, maior rigor é necessário para aqueles que, podendo ter uma vida honesta, praticam actos mais atentatórios ainda da ordem e tranquilidade pública, não impelidos pela miséria, que em geral impulsiona os que nós chamamos indesejáveis da sociedade, mas pelas suas repugnantes o insaciáveis ambições.
Na primeira delinquência a pena a aplicar será o castigo da multa, e na segunda proporei que o assambarcador seja deportado para as colónias, como são deportados todos aqueles que à sociedade não pode suportar.
Não há innovação neste ponto, porque o decreto n.° 4:506, em vigor, já permite que à terceira infracção o assambarcador seja deportado para as colónias.
Muito embora pareçam violentas estas medidas, elas são precisas. O julgamento é dado em Lisboa e Pôrto aos directores da polícia de investigação, e nas restantes terras do país aos juizes de direito. Nas suas linhas gorais, são estas as bases das emendas que tenciono apresentar.
Há porem ainda uma pequena modificação a introduzir.
Até agora os agentes da fiscalização não podiam fazer buscas ou varejos sem que as autoridades judicial ou administrativa estivessem presentes, mas visto a dificuldade que há pára um caso urgente em chamar essas autoridades para com a sua presença, - em geral, não fazem mais nada - garantirem o cumprimento das formalidades legais, ou proponho que seja dispensada a comparência dessas autoridades.
Tive ocasião, como auditor do Contencioso Fiscal, de anular muitos processos por não se terem cumprido aquelas formalidades.
As apreensões devem ser feitas por funcionários merecedores da nossa confiança, devendo nós esperar dêles que pratiquem as diligências no sentido de serem úteis à sociedade, cumprindo estritamente a lei e não cometendo extorsões ou violências desnecessárias e injustas.
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A todos, porêm, poderemos exigir responsabilidades por quem de direito.
Para evitar a demora nestes processos, para evitar a anulação constante de grande parte dêles, devemos pois dispensar aquelas Formalidades.
Quanto à divisão da multa, apresento tambêm uma modificação: Que se conceda embora os 50 por cento para os apreensores, mas que para a Assistência vá só 25 por cento, mas os restantes 25 por cento para o Estado a fim de criar a receita necessária para pagar aos magistrados encarregados de auxiliar o serviço, como adjuntos do director da polícia de investigação.
É justo que de qualquer forma, se crie receita para fazer faço ao inevitável aumento de despesa.
Como com certeza, a propósito de cada um dos artigos, terá de fazer-se discussão, e sendo natural que todos os membros desta Câmara interessados pela questão da punição dos assambarcadores, querem tambêm concorrer para o aperfeiçoamento desta lei, reservar-me bei para a propósito de todas as disposições do projecto produzir as afirmações que julgar convenientes.
O Govêrno apenas faz questão da aprovação do projecto, mas não podendo considerar-se a sua matéria dê natureza política, aceitará todas as emendas no intuito de conseguir um diploma tanto quanto possível perfeito e justo.
O Sr. Júlio Martins: - Sr. Presidente: tendo nós, dêste lado da Câmara, instado com o Govêrno para que apresentasse medidas contra os assambarcadores, e desde que êle vem nesta altura apresentá-las, debaixo do ponto de vista geral, declaro que lhes damos o nosso apoio, o que não quere dizer que na discussão que iremos porventura fazer estejamos de acôrdo com o Sr. Ministro da Justiça.
Como, porôm, o projecto tem por fim obstar a que os assambarcadores realizem ganâncias o tornem a vida cada vez mais cara, tem inteiramente o apoio do grupo parlamentar popular.
O orador não reviu.
O Sr. António Granjo: - Sr. Presidente: reconheço, como o reconheceu o Sr. Júlio Martins e como o reconhece, certamente, a Câmara, que é indispensável que se punam os assambarcadores dos géneros alimentícios, remediando-se a situação proveniente da guerra, tanto quanto possível, e nunca a deixando atingir uma acuidade, uma gravidade que seja insuportável para as classes menos favorecidas da fortuna.
Reconheço que é indispensável usar para com os assambarcadores do maior rigor, e todas as penas que se apliquem a essas criaturas serão sempre benévolas por mais pesadas que sejam. (Apoiados). Em todo o caso só a um espírito muito simplista se poderia afigurar que o problema se resolvo estabelecendo penas severas contra os assambarcadores; se resolve, apenas, por meio de qualquer texto legal.
A situação presente não é peculiar a Portugal. Esta situação, que se traduz popularmente pela expressão: "carestia da vida", é um fenómeno geral, em todo o mundo, e talvez não seja justo dizer-se que nós sofremos as conseqùências dessa situação mais gravosamente do que sofrem outros povos da Europa.
Lendo-se os jornais, ouvindo-se as narrativas dos viajantes, à verdade é que em muitos outros povos da Europa, como, por exemplo na Itália e na França, apesar de todos os esfôrços dos Govêrnos, apesar da melhor disciplina dos governados e apesar de todas as leis, as mais violentas, contra os assambarcadores, a situação não tem melhorado.
Decerto, Sr. Presidente, o facto de haver povos em que a vida é mais cara do que em Portugal não nos pode servir nem de triste consolação. O que é preciso averiguar e se nós, vivendo melhor do que os outros, podemos ainda viver melhor, porque nós, por uma deficiente organização de trabalho, por uma incipiente organização das indústrias, por uma defeituosa exploração da terra, não podemos tam fácilmente como outros povos, em que essa organização é mais perfeita, aguentar por muito tempo esta situação.
Mas esta situação não é de agora. Repetidas vezes, de todos os lados da Câmara, e da própria maioria, se tem chamado a atenção do Govêrno para o problema dos subsistências. Até hoje o Govêrno nada fez, não tomou providências absolutamente algumas, nem sequer traduziu perante à Câmara, ou por qualquer
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forma quais as suas intenções, quais os seus planos, a respeito dêste magno problema, e só hoje é que vem, com urgência e dispensa do Regimento, apresentar à Câmara a verdadeira proposta de lei, porque as emendas que traz não são mais do que a substituição completa da proposta de lei n.° 174-A.
Só hoje é que o Govêrno acordou!
Apoiados.
Parece-me, pois, que devemos exigir do actual Govêrno uma maior prudência, uma maior ponderação nos seus actos e senão o maior respeito pelo Parlamento, pelo menos uma maior consideração pelos parlamentares, que não estão dispostos a votar de olhos fechados e que desejam dar aos projectos o propostas apresentados um voto absolutamente consciente.
Alguma preparação tenho, Sr. Presidente, para o estudo e apreciação da proposta de lei n.° 174-A e das emendas apresentadas pelo Sr. Ministro da Justiça em nome do Govêrno, pela circunstância de ser bacharel em direito e se tratar, nesta questão, de dar apenas uma forma jurídica ao problema das subsistências, visto que tam somente só define um delito, se estabelece a pena para êsse delito e o processo para o seu julgamento e mais algumas disposições secundárias sob o ponto do vista do destino a dar aos bens penhorados ou executados.
Pois, apesar disso, afirmo à Câmara composta de parlamentares, alguns dos quais não têm a preparação que eu possuo por não serem bacharéis, que não me julgo em condições de fazer um juízo seguro, formar uma opinião firme nem sôbre o alcance da medida do Sr. Ministro da Justiça, nem sôbre a organização e funcionamento dos tribunais a que êle se refere, em relação aos comerciantes, nem tam pouco das conseqùências benéficas ou desastrosas que, porventura, traga ao país a execução dessa proposta.
Não sou daqueles, nem serei nunca, que votam uma proposta sob a indicação dum Govêrno, ou sob a pressão de quaisquer circunstâncias ou de qualquer movimento da chamada opinião pública. Isso equivaleria ao facto, que ninguêm pode admitir, dum júri condenar um réu, não porque estivesse convencido da sua culpabilidade, mas apenas para dar uma satisfação ao público.
Muito se tem falado do Parlamento e alguns parlamentares se arreceiam da possibilidade de se esboçar uma campanha contra êle. Sr. Presidente: o país é demasiadamente pequeno para que nos não conheçamos bem uns aos outros, e, se eu manifestei sempre, e desde o primeiro dia a opinião de que o Parlamento devia terminar quando se votou a dissolução, acato, como me cumpre, a resolução do Parlamento e hei-de, quer como parlamentar quer como cidadão, zelar pelo seu prestígio tanto quanto em mim couber. Receio de que, pelas razões lá fora apontadas, se levanto uma campanha contra o Parlamento, não temo, porque sei bem que ela, a manifestar-se, seria impulsionada por objectivos escuros, por motivos a que nenhum parlamentar, por sua honra, deve submeter-se. (Apoiados). Porém, arreceio-me bastante de que a campanha que, porventura, se levante se baseie ria leviandade com que se votam leis desta natureza e dêste alcance, sem a discussão necessária, o que faria com que ela tivesse um fundo de justiça, uma razão de ser que, quando existem, as faz triunfar.
Produzidas estas explicações para fazer ver que não se trata da discussão da proposta n.° 174-A, o que estava bom, visto que da já se encontrava distribuída, mas sim duma nova proposta do lei, substituindo inteiramente a proposta primitiva e acrescentando disposições novas que demandam um estudo, um exame e um cuidado que não se compadecem nem com a discussão à sobreposse que se está fazendo, nem com a gravidade do Parlamento, nem tam pouco com a consideração que por êste Parlamento devem ter os homens que se sentam nas cadeiras ministeriais.
Eu sei que estas palavras, à fôrça de repetidas, não encontram eco no seio da própria representação nacional, e que o sentimento da dignidade parlamentar está de tal forma embotado que admitimos, sem protesto, os actos vindos do Poder Executivo, ainda mesmo que êles traduzam uma demência completa e absoluta da nossa parte...
O Sr. Sá Pereira: - Não apoiado!
O Orador: - É mester que se não imagine que o Parlamento possa, apenas, ser
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uma delegação do grupo parlametar democrático, servindo as minorias simplesmente para como que coonestar actos puramente partidários.
Não quero fazer ofensa aos meus colegas da maioria parlamentar, supondo que assim seja; pela maioria, como sempre tenho declarado, nutro a maior consideração e o maior respeito. Não posso, pois, dirigir-lhe palavras, que sequer de longe, levantem uma susceptilibidade.
Feitas estas considerações, Sr. Presidente, tanto quanto pôde resultar duma apressadíssima leitura desta proposta de lei, entendo que é do meu dever formular algumas observações sôbre a sua generalidade. Segando o Regimento, a discussão na generalidade incide sôbre a oportunidade e sôbre os fundamentos da lei que se pretende elaborar. É, pelo menos, o que se tem feito sempre. Há até uma expressão que define o espírito do Regimento: a oportunidade e a economia geral do projecto.
Esta proposta de lei, Sr. Presidente, é inoportuna,, só, talvez, por ser tarde demais.
Há muito tempo que o Govêrno estava apercebido da situação, porque já os Govêrnos anteriores tinham tomado, durante a guerra e depois do armistício, medidas mais ou menos adequadas à resolução do problema, mas só após seis meses de Poder é que êle nos vem apresentar esta proposta de lei, como se apenas só agora tivesse conhecimento da situação.
O Sr. Álvaro de Castro: - É preciso estudar os assuntos e tudo leva tempo.
O Orador: - O ilustre leader da maioria diz-me, no àparte que acaba de fazer, que...
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Pois não!
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Lembro a V. Exa. que ainda está em vigor o decreto n.° 4:506.
O Orador: - Bem sei que está. Eu já disse que havia providências tomadas pelos Govêrnos, durante a guerra e após o armistício. O que é certo, porêm, é que era insuficiente o que havia, fôsse porque as leis eram realmente deficientes, fôsse por se tornar indispensável providenciar por um complexo de medidas...
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - O decreto n.º 4:506 foi feito para um regime de tabelas. Desde que uma porção de géneros foi declarada de comércio livre, os assambarcadores dêsses géneros escapavam aos efeitos dêsse decreto.
O Orador: - Mas não foi o Govêrno actual, que declarou livres êsses géneros? Porque não tomou simultâneamente as providências necessárias para se obstar a êsse inconveniente apontado pelo Sr. Ministro?
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Foi exactamente por isso, porque o decreto n.° 4:506 era inadaptável aos assambarcadores de géneros, que foram declarados livres, que o Govêrno pensou em elaborar uma nova lei que tambêm se referisse aos assambarcadores dos géneros não tabelados. Quando eu tratei de organizar a respectiva proposta, vim encontrar outro projecto aprovado no Senado. E, pelo que devo ao Congresso, entendi que tudo aquilo que eu tinha coordenado para redigir uma proposta podia ser apresentado aqui, como emendas, na discussão daquele projecto, porque não me parece que, até agora, a ninguêm se tenha deixado de permitir que apresente as emendas que entenda, a quando da discussão de qualquer projecto.
O Orador: - É muito simples o que tenho a dizer a propósito das observações que o Sr. Ministro da Justiça acaba de produzir.
Efectivamente, S. Exa. tem, como aliás qualquer membro do Parlamento, o direito de apresentar as emendas que quiser em relação a cada projecto ou a cada proposta de lei que se discuta. Ninguêm ainda negou um tal direito.
Mas o que é certo, tambêm, é que as emendas que S. Exa., no seu direito, apresentou correspondem a uma substituição completa da proposta de lei n.° 674-A, excepto no § único do artigo 1.° Acres-
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centa ainda novos artigos de tal importância e com tal conseqùência, que obrigam a um estudo sério e reflectido.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Isso não é comigo.
O Orador: - Não é com V. Exa.?! Ou V. Exa. entende que a Câmara estava apta...
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Faço-lhe essa justiça.
O Orador (continuando): - ... a tomar conhecimento dessas emendas, sem exame, ou não entende. Se entende que a Câmara, sem exame das propostas, as podia votar, eu pregunto em que se funda S. Exa. para fazer tal juízo sôbre o Parlamento.
O Sr. Ministro da Justiça quere dizer apenas: "eu apresentei as propostas, o Parlamento que resolva. Já não é nada comigo. Cumpri aquilo que supus ser o meu dever".
Razão eu tinha, mais uma vez, em dizer que realmente a responsabilidade é sempre nossa e que não nos devemos determinar...
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Não pode V. Exa. tirar essa conclusão.
Eu disse que entendi apresentar as minhas emendas, olhando o caso dos assambarcadores sob o ponto de vista jurídico, e que estava pronto a colaborar com a Câmara para que, pelo esfôrço de nós todos, saísse do Poder Legislativo um diploma perfeito, tanto quanto possível. E pus acima de tudo o desejo de que sôbre êste assunto não se fizesse política.
O assunto é de interêsse nacional e não partidário. Foi o que disse; é o que mantenho. Por estas declarações moldarei o meu procedimento até final da discussão.
O Orador: - Sr. Presidente: lamento ter de ocupar a atenção da Câmara, por virtude das interrupções do Sr. Ministro da Justiça, mais tempo do que o necessário para expor as minhas impressões sôbre a proposta em discussão.
O Sr. Ministro da Justiça declara, agora mesmo, certamente para facilitar o exame da questão, que desejaria que ninguêm fizesse política com êste assunto; que o Govêrno a não fazia. Mas, Sr. Presidente, ou eu chego a desconfiar de mim mesmo, das minhas faculdades de compreensão e de inteligência, ou julgo que os outros farão de mim um juízo tam abaixo da realidade, que não me darão, sequer, a liberdade de pensar.
Sr. Presidente: nós estamos em face duma situação governamental a respeito da qual se têm bordado na imprensa considerações e se têm trazido boatos insistentes de crise ministerial.
Na última reunião do grupo parlamentar democrático, o Govêrno apontou cortas medidas que eram indispensáveis para a sua vida ministerial. O Govêrno inicia essa étape experimentando a maioria com esta proposta de lei, para a qual pediu urgência e dispensa do Regimento.
Nós não fazemos política, mas é de estranhar que o Govêrno pela boca do Sr. Ministro da Justiça nos traga emendas que constituem uma substituição dessa proposta. (Apoiados).
Sr. Presidente: o Partido Republicano Liberal, aqui dentro ou lá fora, poderia fazer uma campanha do difamação ou por qualquer forma de combate, porque não lhe faltava base moral e tinha motivos de sobra (Apoiados] mas não o tem feito porque acima de tudo estão os superiores interêsses da República e da Pátria (Apoiados), mas é preciso que não o provoque o Govêrno, é preciso não ir demasiado longe e vir aqui o Sr. Ministro da Justiça com uma insinuação.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Não fiz insinuação nenhuma, por consideração por V. Exa. e pela que devo a mim próprio.
O Orador: - Não tenho o direito de insistir sôbre o significado das palavras do Sr. Ministro da Justiça.
Sr. Presidente, no artigo 1.° da proposta 174, que tenho presente, aparece a expressão "estragados" que não tem significado jurídico e o artigo em que ela vem é substituído por uma emenda proposta pelo Sr. Ministro da Justiça...
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Não mandei ainda a minha proposta de substituesição para a Ma.
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O Orador: - Julguei que V. Exa. já a tinha mandado. O meu equívoco provêm de S. Exa. já ter feito referência a ela e eu imaginei que já tinha sido enviada para a Mesa, pois doutra forma até à discussão da especialidade não poderá ser enviada.
S. Exa. nas considerações que fez referiu-se ao decreto n.° 5:556 a que deu o título de "lei Granjo". Efectivamente, ela tem sido designada nos jornais por êsse título, agradeço a V. Exa. a sua amabilidade. A proposta de emenda do Sr. Ministro da Justiça vem sujeitar os assambarcadores de géneros alimentícios a um julgamento idêntico àquele a que são sujeitos os vadios, pois que S. Exa. disse que, segundo a sua proposta, os assambarcadores serão sujeitos a pena de deportação para as colónias.
Quanto a mim, devo dizer que as penas violentas, penas draconianas, nunca deram bom resultado entre nós; essas leis pela sentimentalidade do nosso povo estão em desacordo com as circunstâncias do tempo, do lugar e das pessoas. Sr. Presidente, não tem frutificado entre nós o sistema de deportação para as colónias por delitos que mais ou menos se prendem com crimes políticos ou sociais. Deve estar na lembrança de todos que fizeram a propaganda republicana antes de 5 de Outubro o efeito que produziu no país a lei de 13 de Fevereiro. Deportavam-se para as colónias criminosos de opinião, mas fazia-se isso em obediência a uma lei, e a propaganda republicana aproveitou-se dessa má impressão em que o país estava para fazer derrubar a monarquia.
Ouvi dizer aqui na Câmara que o Govêrno tinha feito, sem lei, a criminosos de opinião, o mesmo que João Franco fizera, escudando-se numa lei...
O Sr. Álvaro de Castro: - Não apoiado.
O Orador: - Oiço dizer ao Sr. Álvaro de Castro "não apoiado". Será assim, mas então por que lei foram mandados para Cabo Verde...
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - O Govêrno não fez nenhuma deportação.
O Orador: - V. Exas. não me deixam sequer completar o meu pensamento.
Nova interrupção do Sr. Álvaro de Castro.
O Orador: - Eu tentei compreender S. Exa. mas não o consegui. Não quero discutir, por agora, as circunstâncias que levaram o Govêrno a praticar êsse acto, o que quero é frisar que houve um navio que transportou para Cabo Verde indivíduos que eram apenas acusados deterem opiniões políticas subversivas, facto que apaixonou uma parte da opinião pública e que tambêm aqui teve eco. Agora não se trata de criminosos de opinião, mas de indivíduos que cometem delitos um pouco fora dos nossos costumes, conquanto criminosos comuns.
Esta proposta cria uma atmosfera de revolta, não só contra o Govêrno, o que é alguma cousa, mas contra o próprio Parlamento, o que é muito, e até contra a própria República.
Não é só de agora que êstes delinquentes são considerados criminosos comuns, porque já no Código Penal havia disposições relativas à acção ilícita de comerciantes para obterem lucros ilegítimos.
Lembro-me de, ainda no tempo da monarquia, terem respondido, no Pôrto, por uma só vez, cento e tantos comerciantes que se tinham combinado para provocarem a alta de certos produtos.
Os criminosos comuns só são deportados quando o crime corresponde a pena maior, que pode ser substituída por alternativa em deportação para qualquer das nossas colónias.
Se o Parlamento quere castigar severamente êsses assambarcadores, eu vou até o ponto da votação de uma lei que puna severamente êsses assambarcadores, mesmo com a pena de prisão celular, fazendo-os julgar por um determinado júri.
Se o Parlamento tem coragem de fazer essa lei rigorosa, vá até aí, que eu acompanho-o.
Sr. Presidente: tenho advogado e visto advogar há muitos anos, e a verdade é que sempre tenho ouvido dizer que é mais fácil corromper as classes cultas do meu país, que o coração do povo, onde existe o sentimento da justiça, que substitui com vantagem a cultura jurídica. (Apoiados).
Se o assambarcamento é um crime contra a sociedade, mais que nenhum outro
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crime, o julgamento dêsse crime deve ser entregue a essa sociedade, ao povo. Interrupções.
O Orador: - Sr. Presidente: numa assemblea como esta, é extraordinário que em relação a um problema que não envolve nenhuma espécie de definição de princípios e de ideas não possa haver dum e doutro lado da Câmara inteira uniformidade de propósitos, inteira uniformidade de fins.
Seria desconhecer a vontade da nação não tomar uma deliberação que, embora seja brutal, não deixa do ser junta, em relação aos assambarcadores. Não teria dúvida em votá-la; mas não posso votar a pena de deportação para os comerciantes. A pena de prisão, até celular, sim.
Não voto a deportação, porque não posso dar a um crime desta ordem carácter social ou político.
Ainda dentro das considerações feitas pelo Sr. Ministro da Justiça, vejo querer-se entregar o julgamento dos comerciantes implicados nos delitos punidos por esta lei ao director da polícia, de investigação.
Sr. Presidente: é bem certo que não há propósito nem intuito que não sejam mudáveis: o que um homem faz hoje numa corta intenção, pode amanhã ser aproveitado por outro, com uma intenção diferente.
Nunca poderia imaginar, nem podia nunca ser objecto da mais larga fantasia, que ainda se aplicaria uma lei feita para a limpeza da vadiagem e vagabundagem na cidade a um assambarcador, a um comerciante. Nunca podia passar-me isto pela cabeça. Impossível absolutamente seria imaginar semelhante monstruosidade.
Estabeleça-se um processo especial. Organize-se um tribunal especial e até de excepção para êsses crimes, mas, Sr. Presidente, se se submete ao mesmo julgamento um vagabundo e um comerciante, dá-se a idea de que um comerciante nunca pode ser um homem de bem, quando é certo que um comerciante pode ser um homem de bem que vive num meio social que não permite a sua equiparação a um gatuno.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - O tribunal tem garantias para todos e, só depois da condenação, é que se pode afirmar que o gatuno ou vadio é vadio ou gatuno.
Àpartes.
O Orador: - O Sr. Álvaro de Castro está a dar-me razão.
Repara S. Exa. que antes do julgamento não há criminosos, e parece que o mesmo processo pelo qual é julgado um gatuno já condenado é o mesmo por que é julgado um comerciante, ainda que seja julgado pela primeira vez.
O Sr. Júlio Martins (interrompendo): - Um assambarcador é maior gatuno que qualquer outro gatuno. (Apoiados).
Àpartes.
O Orador: - O que eu digo é que não se pode dar a um. gatuno já julgado algumas vezes as garantias que se devem dar a um comerciante.
Àpartes.
Temos os tribunais encarregados de julgar os gatunos condenados já, o que tratam da sua deportação para a África.
Àpartes.
A igualdade das garantias não pode ser a mesma, e o Sr. Álvaro de Castro sabe muito bem que há tribunais especiais, que há o foro militar, o fôro fiscal, que há o tribunal do comércio e que há vários processos especialíssimos e tribunais muito especiais para julgamento de delitos comuns, políticos ou outros. Para tudo isto há processos especiais e garantias de defesa diferentes com formalidades diferentes. Havendo, pois, situações diferentes, tem de haver tribunais diferentes. No decreto com fôrça de lei n.° 5:576 dei aos vagabundos e aos gatunos as necessárias garantias de justiça.
O Sr. Nóbrega Quintal (interrompendo): - Não há um tribunal apenas para julgar êsses indivíduos?
O Orador: - Há, e eu vou explicar a S. Exa. a razão disso.
Êsse tribunal toma conhecimento de actos de vadiagem praticados por indivíduos que depois serão entregues ao Govêrno. Atribui a competência dêsses julgamentos ao director da polícia de investigação criminal por duas razões principais, a primeira é porque essa entidade,
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pela natureza das suas funções, mais fácilmente só pode convencer da sua adaptação ou inadaptação ao meio social; e a segunda razão é porque na Boa-Hora faziam-se verdadeiros comícios e a apologia do crime de vadiagem feita pelo próprio réu e pelas testemunhas a que os juizes não podem pôr cobro ou o mais pequeno entravo.
Não se pode consentir que se dirijam, em pleno tribunal, os insultos maiores a todos os poderes da Estada. Aparecem testemunhas nesse tribunal a jurar que reconhecidos vadios nunca o foram. Há-os que são proprietários ou comerciantes inscritos no Tribunal do Comércio, que nunca se dedicaram senão à vagabundagem.
V. Exa. compreende que isto assim não podia continuar e que se deve acabar com aquele indecoroso espectáculo. E assim procurei maneira de se proceder ao que se chama limpeza da cidade.
O Sr. Ladislau Batalha (interrompendo): - Que ficou ainda mais suja.
O Orador: - Aqui têm V. Exas. a razão justificativa dêste decreto. E eu pregunto ao Sr. Ministro da Justiça se em sua consciência a proposta em discussão tem os mesmos fundamentos.
Concluindo as minhas considerações, devo dizer que não posso dar o meu apoio a esta proposta porque não há razão que o justifique.
O discurso na íntegra, revisto pelo orador, será publicado quando forem devolvidas as notas taquigráficas.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Sr. Presidente: vou responder ao Sr. António Granjo e, para o fazer, reporto-me aos dois argumentos que deduziu. Disse S. Exa. que a pena de deportação corresponde apenas aos réus condenados a pena maior, o que não é verdade. Quanto à, intervenção do júri, devo dizer que o critério de S. Exa. não é certo. Em princípio, na nossa legislação o júri só intervém quando aos delitos corresponde a pena maior ou são contra as leis eleitoral e de imprensa. E a verdade é que a pena de deportação já existe para crimes de assambarcamento no decreto n.° 4:506 ainda vigente.
A deportação, pois, para as colónias é providência já estabelecida em direito e a emenda que vou apresentar estabelece essa mesma deportação para o caso da segunda infracção;
Nesse intuito, estabeleço que o julgamento se faça dentro de oito dias, pela forma como disse S. Exa. que se estabeleceu para os vadios.
A S. Exa. repugna-lhe que1 a lei dos vadios seja tambêm aplicada aos comerciantes.
Ninguêm tem maior consideração do que eu pela classe comercial e por isso em caso algum confundirei classe dos comerciantes com a turba dos assambarcadores. Note ainda S. Exa. que esta lei é feita para assambarcadores, sejam êles comerciantes ou não. Esta lei é mesmo aplicada àqueles que não exercem ordinariamente a profissão de comerciantes, mas especulam irregularmente em géneros de primeira necessidade, o que tambêm não é novo, visto que o decreto n.° 4:506 já providenciava a êsse respeito. Esta lei tanto deve ser aplicada àquele que quere servir-se da sua qualidade de comerciante para lesar o comprador, como tambêm deve atingir o próprio produtor desde que êle, podendo e devendo vender, torno difícil essa venda.
Esta lei não visa apenas os assambarcadores que se acobertam debaixo do nome de comerciantes para nos roubarem e extorquirem aquilo que não devem extorquir; esta lei refere-se a todos aqueles, comerciantes ou não comerciantes, que exploram com a miséria pública, todos aqueles que por meios fraudulentos pertendem perturbar a nossa sociedade.
E por isso que estou convencido de que S. Exa. como leader do Partido Republicano Liberal empregará todos os seus esfôrços para que esta lei seja moderada tanto quanto seja possível.
O Govêrno tem muitos defeitos, nem podia deixar de tê-los porque todos os Govêrnos os têm, basta ser Govêrno; mas há um defeito que não tem, é a loucura de supor-se infalível.
V. Exas. apreciarão o projecto e melhorá-lo hão tanto quanto puderem.
Tenho dito.
O Sr. Mesquita Carvalho: - Sr. Presidente: depois das considerações feitas
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pelo meu querido amigo e ilustre parlamentar o Sr. António Granjo, poderia abster-me de intervir na, discussão se não me julgasse constituído na obrigação de fazer uma declaração sob um aspecto restrito dela e que importa da minha parte o mais enérgico e solene protesto contra a violência que se pretende exercer sôbre mim como Deputado e até como profissional em apreciar e votar uma proposta de lei que tem alto valor moral e alto significado jurídico sem dela ter o mínimo conhecimento e sem me poder julgar habilitado a sôbre ela me pronunciar convenientemente.
Eu, Sr. Presidente, devo por insuspeito à Câmara na sinceridade e na lialdade dos meus propósitos, não só porque lhe afirmo que não tenho o menor intuito político ou reservado, mas ainda porque, sendo ao tempo presidente da comissão de comércio e indústria desta Câmara, quando me foi submetido o projecto vindo do Senado sôbre assambarcadores, a que se refere o parecer n.° 280, eu assinei com restrições, porque assim é costume assinar êsses mesmos pareceres com cuja doutrina se não concorda, não em absoluto, porque então se assina vencido, mas em detalhe, e eu estava em absoluta discordância, no detalho, com êsse projecto porque o achava em absoluto defeituoso, absolutamente insuficiente e absolutamente improdutivo.
Por êsse motivo não tenho pessoalmente senão que louvar o Sr. Ministro da Justiça, pelo intuito que certamente determinou S. Exa. a trazer agora a esta Câmara alterações tam profundas a essa proposta que representam matéria inteiramente nova.
Mas é precisamente por isso, Sr. Presidente, que eu quero lavrar o meu solene protesto, visto que, se eu estava habilitado a discutir o parecer n.° 280, de modo nenhum o estou a apreciar a proposta do Sr. Ministro da Justiça, que ou quero acreditar que esteja bem feita, que fôsse por êle devidamente ponderada, mas à qual não posso dar o meu voto únicamente por artigo de fé.
Devo à obsequiosidade do Sr. Ministro da Justiça o ter-mo mostrado a sua contra-proposta, da qual só pude fazer, uma muito rápida e imperfeitíssima leitura, de que me resultou, no emtanto, o reconhecimento de que semelhante proposta comporta a determinação de responsabilidades, a fixação de penas, a competência e jurisdição de tribunais e a forma de processos, pontos todos êstes que, numa lei desta natureza carecem de ser devidamente estudados e ponderados.
Eu tenho o defeito, Sr. Presidente, do qual me confesso abertamente, do não, saber estudar a conversar e discutir. Gosto de formar o meu juízo com a consciência que me dá a minha limitada capacidade; mas para isso preciso de concentrar-mo. Não é lendo na bancada ministerial a proposta do Sr. Ministro da Justiça, nem ouvindo as considerações, que se possam produzir, que eu me habilito não só a discutir, mas a A7otar: Visto que como Deputado tenho de o fazer, eu não posso dar um voto que é inconsciente e que é arrancado à fôrça, sem que préviamente saiba o que voto e até onde voto.
Nestas condições, eu pediria encarecidamente ao Sr. Ministro da Justiça que mande para a Mesa desde já as suas emendas, que representam uma verdadeira contra-proposta, a fim do que pela sua publicação, pelo menos, na imprensa diária, eu possa e todos os Srs. Deputados possam tomar conhecimento e habilitar-se a apreciá-las, a estudá-las e a discuti-las. E, só S. Exa. me fizer êste favor, que não é pessoal porque lho não peço pessoalmente, mas em nome do brio e dignidade de todos nós, do brio é dignidade da República, do brio, prestígio e dignidade do Parlamento, se S. Exa. ar como espero, aceder a esta minha instância, eu nesse caso requeiro que esta discussão se suspenda até segunda-feira, dando-nos assim o tempo indispensável a todos nós para sabermos o que estamos a fazer, a discutir, e para sabermos o que temos de votar.
Não se alarme a Câmara com êste meu pedido que é justo, judicioso e honesto, pois nem por isso os assambarcadores deixarão de ser punidos com o rigor que merecem e nem por isso tremerá a República ou a justiça nos seus fundamentos, visto que essas 48 horas seriam bem aproveitadas, para que mais perfeita seja a lei que os há-de castigar.
O Sr. Ministro da Justiça, que está a ouvir-me, certamente não deixará desde
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já de fazer a declaração de que não tem dúvida em mandar para a Mesa a sua contra-proposta e, se assim suceder, peço a V. Exa. que submeta à deliberação da Câmara um requerimento meu para que esta discussão se suspenda desde já, para continuar na ordem do dia de segunda-feira, habilitando-nos assim a todos - repito-o - a apreciar o que estamos a discutir e o que havemos de votar. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Não tenho dúvida em mandar para a Mesa todas as emendas que tenciono apresentar sôbre esta proposta, e tanto estava isto no meu propósito que ao Sr. António Granjo, ilustre leader do Partido Liberal, eu facultei, antes da sessão começar, uma nota dessas emendas.
Está, portanto, absolutamente dentro dos meus propósitos que estas emendas sejam por todos conhecidas; mas a verdade é que, tendo ontem o ilustre Deputado pertencente ao Grupo Popular, o Sr. Manuel José da Silva, instado pela publicação de quaisquer medidas relativas à punição dos assambarcadores, empenhei-me em demorar o menor tempo possível em trazer à Câmara alguma cousa que a êsse respeito a pudesse satisfazer e tranquilizar a opinião pública.
Nestas condições, apresentarei a s emendas todas, mas sem que seja interrompida a discussão desta proposta até finai da sessão.
O Sr. Mesquita de Carvalho: - Protesto enérgica e cabalmente contra isso. Não deixarei discutir cousa nenhuma! Falo com toda a lialdade e tenho direito a que V. Exa. me corresponda de igual modo.
O Orador: - Proceda V. Exa. como quiser. Estou procedendo como devo. Tenho um critério para julgar os meus actos, como V. Exa. tem o seu, tendo a Câmara um critério para nos julgar a todos nós. (Apoiados).
O que V. Exa. não consegue de forma alguma é modificar o meu propósito, o que corresponde a desviar-me daquilo que devo à República e ao voto que a Câmara der sôbre êste projecto. V. Exa. está protestando não contra mim, mas contra a deliberação da Câmara.
Nestas condições Sr. Presidente, e como está em discussão a proposta n.° 174-A eu mandarei para a Mesa as emendas que julgo convenientes, não só como gentileza, Sr. Dr. Mesquita Carvalho, mas por um dever e para simplificar a discussão.
E comtudo Sr. Presidente: estamos na discussão da generalidade; as emendas não podem ser apresentadas, nem o devem ser, emquanto não começar a discussão da especialidade. Não tenho, todavia, dúvida em transigir, dentro da medida do possível, de forma a atender o desejo do Sr. Mesquita Carvalho, sem contudo dispensar o privilégio especial que a Câmara concedeu a êste projecto, dando-lhe urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - O Sr. Mesquita Carvalho requereu que o projecto em discussão seja retirado, devendo entrar na próxima segunda feira em ordem do dia.
Foi rejeitado.
O Sr. Mesquita Carvalho: - Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, foi rejeitado.
O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: o projecto que está em discussão é apenas uma fracção do muito que há a fazer. Eu não terei dúvida em dar parcialmente, se fôsse possível, o meu voto às emendas apresentadas pelo Sr. Ministro da Justiça, na parte em que é quási uma cópia das bases que apresentei vai em quatro meses nesta casa.
Sôbre a parte jurídica, peço licença para me não ocupar dela, mas sôbre a parte que manda aplicar a lei aos assambarcadores devo dizer que não concordo com a maneira de a efectivar. Sobretudo discordo de se enviar tudo o que não presta, tudo o que não nos convêm, para as colónias.
O país tem de suportar tudo quanto nele haja de bom e tudo quanto nele haja de mau, e não fazer das províncias ultramarinas o barril do lixo, o despejo do tudo quanto não presta na metrópole, pois que isso é a contradição do sistema colonizador modernamente preconizado.
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Eu vejo, Sr. Presidente, que esta proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Justiça não pode, de forma alguma, resolver nem dar a menor solução ou benefício à carestia da vida. E a razão é simples: eu disse há cêrca de quatro meses nesta casa que a carestia da vida era um assunto muito complexo e que provinha de vários factores, e que tinha de ser simultâneamente atacado em todos os redutos, pois, em caso contrário não se obterá nunca uma solução satisfatória. Só a projecção de leis fundadas nas bases que apresentei poderia conduzir a resultado satisfatório.
Com êste resultado não se queria, compreende-se, fazer voltar ao statu que ante. Não é isto, mais é que em Portugal a carestia resulta de dois factores, sendo um dêles insolúvel: é o factor geral. Já aqui se tem dito, efectivamente, qual êle seja: a falta de tonelagem, a falta de braços, a escassez de produção, etc. Mas fora dêste factor há um outro importantíssimo: é o factor local, o factor nacional. Êste, sim, êste tem de ser corrigido, atacado perfeitamente no âmago, o não será esta proposta que se discuto, nem as emendas que o Sr. Ministro da justiça lhe introduzir que virão resolver o problema. E por que? Porque nessa proposta não estão, nem podem estar, previstas todas as nuances determinantes do assambarcamento.
Ainda que fôsse aprovada na íntegra, tal como está, a proposta de S. Exa., e ainda que ela, como lei, fôsse cumprida sem favoritismos, nem partidarismos, continuaria a manifestar-se a questão dos assambarcadores, porque há milhares de maneiras de cometer êsse crime, que não estão compreendidas na proposta.
Sr. Presidente: vai para quatro meses que fiz aqui uma interpelação sôbre a carestia da vida, e eu chamo a atenção de V. Exa. para êste facto.
Respondeu-me S. Exa., o Sr. Presidente do Ministério, com a delicadeza que lhe é característica, dizendo que tomava em consideração as minhas palavras e que ia adoptar medidas a fim de poder dar solução ao problema, mas que em todo o caso -- acrescentou - eu estava, talvez, demasiado pessimista. Iam então fechar-se as Câmaras e S. Exa. disse-me que não tardariam muitos dias sem que eu e toda a Câmara sentíssemos qualquer diferença para melhor na carestia da vida, visto que já tinha alguns pontos resolvidos, como a aquisição de açúcar e doutros géneros. A vida, emfim, iria baratear.
Ora vão já passados quatro meses e a vida não continua na mesma, piorou até. S. Exa. enganou-se nas suas previsões e, permita-me que lhe diga, S. Exa. não se integra no assunto e não tem coragem para investir com a alta finança e com o alto comércio, que são os causadores da carestia da vida. S. Exa. enganou-se, e tudo quanto eu aqui frisei a respeito de cálculos da carestia já hoje não são verdadeiros, porque está tudo mais caro e com tendência para subir. E não tenho dúvida que assim sucederá, porque êste problema da dificuldade da vida é muito complexo e não vejo, infelizmente, pensadores que se integrem nele e lhe procurem a solução de conjunto.
É facto que nós "abemos perfeitamente que a carestia da vida tem de existir sempre mais do que noutros países e tem de existir, assombrosamente, porque um país que imporia tudo tora do pagar muito mais caro a mercadoria, tanto mais que a desvalorização da nossa moeda é grande e só assim só explica que uma libra inglesa valha três das nossas. Mas essa carestia pode atenuar-se com medidas sensatas de governação pública, e essas medidas - não vou agora apresentar um longo estudo, como apresentei da outra vez que falei sôbre êste assunto - não se podem, entretanto, aplicar sem se ter conhecimento da engrenagem como esta cousa da carestia da vida se executa. Estou na presença de muitos médicos e todos êles sabem que o diagnóstico da doença é o primeiro ponto de onde se parte para a atacar, e nós ainda não diagnosticámos os sintomas, as causas e as determinantes dêste infamíssimo acto da assambarcamento, que fez, aliás, com que o Sr. Ministro da Agricultura, na minha interpelação doutro dia, me dissesse que nunca se tinha consumido tanto açúcar em Lisboa como na época em que êle faltou e, como eu tive ocasião de verificar, segundo uma nota que S. Exa. me enviou.
Sr. Presidente: para estudar essa engrenagem a que já me referi, eu tornei o
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parecer que o meu velho amigo Hermano de Medeiros me deu nesta Câmara, de que estudasse bem as questões, vendo-as com os meus próprios olhos e encarando-as debaixo de todos os pontos de vista.
Fiz efectivamente, um pouco de Sherlok Holmes, e assim estou habilitado a dizer ao Sr. Ministro da Agricultura, ao Sr. Presidente do Ministério, e a toda a Câmara, as infâmias que se praticam em Lisboa à sombra de pretensos privilégios que não existem, à sombra de leis que tambêm não existem, e à sombra até duma perda enorme de carácter, o que é palra lamentar, e que vai desde o mais humilde até o mais alto nas posições hierárquicas da sociedade.
Sr. Presidente: em 7 de Novembro, tive notícia de que tinham sido apreendidas 16 sacas de açúcar, que foram dirigidas, depois da apreensão, para a estação policial do Teatro Nacional.
Fui lá e preguntei particularmente quando seria vendido o açúcar apreendido, visto que estava já tanto povo à espera da venda. Responderam-me que êle não era vendido ali, e, se o fôsse, só mais tarde o seria.
Indo mais tarde lá, e declinando a minha identidade, preguntei pelo açúcar, e a resposta que obtive foi esta: "já se vendeu, mas não aqui; vendeu-se numa loja ao lado", de cujo nome agora não me recordo.
Todavia, a loja, que me indicaram não o tinha vendido pelo menos na totalidade.
Pedindo explicações, obtive respostas assaz curiosas.
Temos a atender à psicologia do nosso povo, problema muito importante.
A mim já me foi dito uma vez nas minhas pesquisas de ordem cívica, se eu queria açúcar, que mo arranjavam em determinadas condições.
O Sr. Hermano de Medeiros: - Eu não encontro manteiga ao preço da tabela, mas se quiser pagar 3$ por quilograma, tenho quanta quiser.
Vozes: - Aonde? Diga em que rua.
O Sr. Hermano de Medeiros: - É na esquina do meu prédio, o número não mo lembro, mas é na Rua Barata Salgueiro.
Vozes: - Diga o número.
O Sr. Mem Verdial: - Está feito com o comerciante.
Riso.
O Orador: - Eu vi uma carroça com sacas de açúcar que costumam ser brancas como se sabe, envolvidas noutras trigueiras, para parecer outra cousa e a carroça levava serradura para disfarçar a suspeita carga.
Concluí imediatamente que havia fraude, pois era uma cousa que não se podia vender às claras, visto ir tam disfarçada.
Não larguei a pista.
Preguntei quem eram os donos.
Um nome disseram-me bem, o outro disseram-me errado.
Apareceu um fulano a reclamar o açúcar que ia para Leiria.
Depois apareceu um factor da Companhia Portuguesa a reclamar o açúcar que era para mandar para a Figueira.
Certamente que não eram o factor nem o outro maltrapilho os donos do açúcar.
Não passavam duns testas de ferro, a cuja sombra se encobriam os verdadeiros assambarcadores.
A guia foi apreendida e o açúcar não pôde seguir ao seu destino, e porque?
Em primeiro lugar, porque o açúcar ia escondido, e portanto sonegado, e segundo, porque tinha uma guia com um número menor de sacas do que as apreendidas.
Portanto, nem a guia era daquele açúcar, nem os homens eram os donos do açúcar.
Quis ver essa guia e falei com o inspector Belanger a quem devo fazer as melhores referências pela boa vontade com que me atendeu e o bom desejo de colaborar na descoberta dos assambarcadores.
Não me foi possível ver o processo porque tinha sido enviado ao tribunal de transgressões.
O Ministério da Agricultura requisitara a guia e eu quis vê-la.
Nessa secretaria do Estado, porêm, nenhum empregado tinha conhecimento do caso.
Isto quero dizer que naquele Ministério os serviços não estão montados com a regularidade necessária.
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De pesquisa em pesquisa, dirigi-me finalmente à Repartição das Subsistências (Largo de S. Roque), onde consegui saber que fora para ali requisitada a guia e lá a encontrei; é do teor seguinte:
Leu.
Não era uma guia falsa, mas dava-se o caso, para que desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, lastimando não estar S. Exa. presente.
Estas guias são passadas mediante a apresentação dum nome e declaração de qual é a câmara do destino para o açúcar requisitado, tudo acompanhado do sêlo em branco da câmara requisitante.
Falo diante de quem conhece o que são algumas das câmaras do país.
O sêlo em branco de muitas câmaras está na gaveta dum tendeiro, que muitas vezes é o presidente da Câmara referida. O secretário é igualmente quem põe e dispõe.
O presidente tem sempre a importância dum distribuidor de lavores, e o solo em branco anda à vontade para todos que dêle queiram servir-se.
Apresenta-se um tipo sem escrúpulos, pretendente a açúcar, e na requisição logo é pôsto o sêlo branco com todo o favoritismo de que o sujeito procurou rodear-se.
Àpartes.
Como as guias não têm registo e são os chefes dos caminhos de ferro que as guardam, sucede esta cousa monstruosa: um indivíduo apresenta-se na estação, afirma que pretende mandar para um determinado ponto tantas sacas ou tantos fardos dum determinado género, e o chefe, invariavelmente, responde-lhe: "O senhor deseja guias de quantas sacas ou de quantos fardos? Eu tenho aí guias que lhe devem convir". E desta forma se negoceiam guias que permitem que êsses produtos, furtados ao consumo de Lisboa e Pôrto, atravessem impunemente o país através das suas linhas de caminho de ferro, com a cumplicidade de funcionários do Estado e de empregados ferroviários, e sem que qualquer autoridade lhes embargue a passagem. Isto é perfeitamente pasmoso e não cai na alçada da lei que o Sr. Ministro da Justiça nos vem trazer, o que é absolutamente lamentável e tem de ser remediado.
Mas há mais. Quando procedi às minhas investigações eu tive conhecimento de que se passavam guias para uma certa quantidade de açúcar ao preço da tabela, $46 se não me engano. Ia-se à Companhia dos Açúcares, que recebia os fregueses nos seus guichets e passava-lhes recibos das suão compras, relativos ao preço da tabela. Os clientes entravam logo no gabinete da direcção, onde se lhes cobrava a diferença. Assim, êsse açúcar era pago particularmente a $70. Era a cumplicidade do comprador e do vendedor, para na província o açúcar ser consumido a 2$ e 3$, enriquecendo os açambarcadores.
De arroz não falamos. O que se passou ontem nesta casa do Parlamento é bastante elucidativo sôbre o estado da psicologia moral do povo português desde os mais humildes até os mais cotados. Eu creio que o arroz de que ontem se falou, ou já se comeu ou está podre. Houve manifestamente uma falta de correcção, de franqueza e de escrúpulos que mostram bem o que é a nossa administração dos negócios públicos.
O Banco Nacional Ultramarino tem um processo pela venda de 40 sacas de arroz avariado, a $15 o quilograma, que lhe for ram apreendidas na Rua das Fontainhas. Eu pregunto ao Sr. Ministro da Justiça se S. Exa. terá coragem, porventura, para ir aplicar às entidades do Banco Nacional Ultramarino a lei que fôr aprovada.
Nós temos o desgraçado exemplo do vermos os grandes passarem pela malha das leis, praticando toda a qualidade de infâmias e de crimes, assassinando e envenenando a população com géneros falsificados.
Não venham dizer-me que, se por acaso o prevaricador se chamar Alfredo da Silva ou Castanheira de Moura, será castigado e, metido como qualquer outro na cadeia. É falso.
Os que aprovam agora essas punições seriam os primeiros a meter empenhos, por portas travessas, no sentido de se lhes não aplicarem as penalidades.
O nosso país atravessa neste momento uma grande crise, a crise de caracteres, a crise moral. Deu-se uma fraude no Ministério dos Negócios Estrangeiros. E provável que o delinquente seja punido, porque se trata dum desgraçado que pe-
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diu ao Director dos Negócios Consulares seis sacas de açúcar, ao preço de $46, para repartir pelos seus colegas. Num grupo de amigos que, numa dissimulada casualidade, encontrou no café Chave de Ouro - coió de monárquicos e sidonistas - conseguiu vender quatro dessas sacas à razão de $90 por quilograma, recebendo 270$, e só depois foi para o Ministério repartir as duas sacas restantes ao preço de $46.
Sr. Presidente: nós vemos, com surpresa, nos 2.° e 3.° Juízo de Transgressões, absolver indivíduos que deviam ser castigados, como foi, por exemplo, a casa Henrique Gomes, negociante da Rua da Prata, que, tendo um fornecimento de 50 a 60 quilogramas de manteiga, diários, para o Hospital de S. José, apresentando factura de 59,5 quilogramas de açúcar, impingia ao Hospital apenas 30 quilogramas de manteiga, que era de manhã levada para o Banco, pretextando-se que era fabricada de noite.
Disto lavrou-se documento. Logo, porêm, apareceram pessoas a conversar sôbre o caso, comentando para quem queria ouvir. Todos nós que nascemos em Portugal, sabemos o que significam essas conversas... O processo começou logo a ser preparado por forma que o réu tivesse de receber a absolvição no Tribunal das Transgressões.
Como alêm de falsificação ainda havia alguma cousa que podia ser considerado envenenamento, pensou-se em remeter o processo para o Tribunal Criminal.
O funcionalismo a quem incumbia remeter o processo para o Tribunal crime, foi solicitado para que o não remetesse para ali, visto que o interessado e os seus protectores desejavam que fôsse para o Tribunal das Transgressões, onde melhor disporiam das precisas influências.
Mas como felizmente não é tudo perverso em Portugal, ainda há funcionários dignos e honrados.
É do número dêsses, aquele a que aludi e tanto assim que, cioso do cumprimento dos seus deveres, mandou o processo para o crime.
Isso, porêm, de nada serviu, visto que passados uns quinze dias, o processo transitava do Tribunal Criminal para o das Transgressões Fiscais, e o réu foi ali julgado e absolvido.
Ainda estranhei que tal sucedesse embora soubesse que, quando se deu a apreensão - e isto é um caso curioso - fora enviada a notícia para todos os jornais. Andou alguêm de automóvel durante a noite percorrendo todas as redacções, onde ia, evidentemente, conversar... mais nada.
Era uma visita inocente a todas as redacções. Bastante frio suportei para assistir a êste caso. Finalmente de manhã só foi dada a notícia pelos jornais o Mundo, a Batalha e o Combate.
Eu fui ao Tribunal das Transgressões e pedi ao Sr. juiz a fineza de me mostrar o processo daquele homem que fora absolvido. S. Exa. prontamente mo facultou e não só aquele como ainda outros que pedi.
Como sou leigo na geringonça jurídica não posso dizer, se um ou outro artigo das respectivas leis foi cumprido; mas sei que o julgamento se fizera em conformidade com as peças do processo e concluí que em virtude dessas peças é que se deu a absolvição dêste réu, como, de rosto, se dão as absolvições a todos os que caem sob a alçada daquele tribunal.
Êste facto não é conseqùência da prevaricação dos juizes. É que os processos vão já instruídos para êsse fim, mercê do triste sistema do suborno. Todos se vendem, em geral, nesta sociedade desmoralizada!
Todos, não! Ainda há, felizmente, quem não se venda. Mas contam-se!
Quando se preparam os processos corre, como diz o povo, muita massa e as peças organizam-se por forma tal que o juiz, lógicamente, não pode deixar de absolver. Dados os nossos costumes - vá lá - dada a bondade dos nossos costumes eu pregunto se o Sr. Jerónimo Martins, por exemplo, que tem uma transgressão a que pertence a multa de 50.000$, a pagará.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para êste facto que não sei se S. Exa. conhece. No 2.° Tribunal das Transgressões existem 19:000 processos acumulados. Foi o ilustre Deputado Sr. Pais Rovisco e o respectivo juiz que tiveram a amabilidade de me mostrar montanhas e montanhas de processos e o mais interessante é que 7:000 dêsses processos já estão prescritos porque há dois anos não têm tido andamento!
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O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Dos processos que foram remetidos do Contencioso Fiscal para a Alfândega nenhum pode estar prescrito; agora daqueles que lá existiam por outros motivos pode muito bem ser.
O Orador: - E sabem V. Exas. como são feitos os julgamentos? Desta forma: um cento por dia!
Pregunto à Câmara se conscientemente se podem ver com processos por dia.
Há por conseqùência uma burla e uma burla completa em assunto tam sério.
O Sr. Brito Camacho: - V. Exa. não disse que tinha visto 19:000 num dia?
O Orador: - V. Exa. tem sido, com franqueza, um dos causadores da desgraça de Portugal com a sua eterna blague. Cousas destas não são para brincadeiras, são cousas muito sérias. Trata-se aqui dum povo com fome.
Como a Câmara vê, depende de muitos e muitos factores a questão da carestia da vida.
Esta lei, tirada duma das minhas bases, está incompleta. Só no conjunto só pode atacar a questão.
Se estivesse presente o Sr. Ministro das Colónias preguntaria a S. Exa. se ainda continua em vigor, em Angola, o decreto n.° 3:405, que elevou o direito de exportação de açúcar durante o período transitório da guerra. A guerra já acabou, continuará ali em vigor esta lei?
Descuido, desinteresse?
A interrupção do Sr. Brito Camacho há pouco feita, é a prova de que fingimos importar-nos com estas cousas, mas não nos importamos, àparte uma ou outra excepção.
Disse em tempos o ilustre Deputado e meu prezado amigo Sr. Álvaro de Castro que a liberdade de comércio resolveria tudo e que não mais haveria assambarcadores.
Tambêm há quem tenha afirmado que basta resolver o problema da navegação, havendo uns tantos milhares de toneladas para nos trazerem das colónias e donde mais seja preciso os géneros necessários para o consumo público. Pois estão enganados e posso assegurar que isso nada resolverá, emquanto se não acabar com o vício da usura, com o vicio do roubo, disfarçado em papel selado, conforme se está fazendo em Portugal, servindo apenas para enriquecer ainda mais êsses novos ricos que nos sujam com a lama das suas carruagens e dos seus automóveis e procuram ofuscar-nos com o brilho das suas mulheres que vertem peles caríssimas e usam colares de quinze e dezoito contos!
Como socialista, sou inteiramente pela liberdade de comércio, mas essa liberdade não dará resultado, ainda que exista a grande navegação, senão houver, de facto, a coragem e o valor para castigar violentamente os criminosos, sejam êles quais forem e chamem-se como se chamarem, pois aqueles que procurem envenenar ou reduzir pela fome a população são criminosos que devem ser castigados sem qualquer espécie de tibieza, para exemplo e sugestão.
Um aparte.
O Orador: - O eu ser proprietário não impede que reconheça que, como disso o Sr. Dr. Afonso Costa, o proprietário seja o detentor da propriedade colectiva.
Vou terminar, Sr. Presidente, e, acêrca da proposta e das emendas e substituições do Sr. Ministro da Justiça, devo declarar que as aceito apenas em parto, isto é, no que respeita à multa e prisão para o assambarcador. Na parte que diz respeito à geringonça - chamemos-lhe assim - política e judicial, rejeito in limine.
Declaro terminantemente que êste documento não resolve, por forma alguma, o problema da carestia, a que é necessário atender.
Fala-se muito por aí no perigo do bolchevismo. Pois o bolchevismo são todos êsses imensos crimes que se estão praticando. É êste o bolchevismo branco, que têm de emendar e corrigir, se não quiserem ter o bolchevismo vermelho.
Tenho dito.
Muito bem.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações do Sr. Ladislau Batalha, e afinal nada tenho a responder, mas simplesmente a agradecer as indicações que S. Exa. trouxe para o debate, a fim de se melhorar a proposta
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que tive a honra de apresentar à Câmara, e tanto mais que S. Exa. concorda com a proposta na generalidade, o ela só por emquanto está em discussão na generalidade.
Quanto ao facto que S. Exa. referiu, de haver muitos processos acumulados nos tribunais das transgressões, relativos a êste assunto, devo dizer que não tenho conhecimento oficial dêste facto, mas presumo que assim seja. Efectivamente, tendo-se acabado com a competência dos tribunais fiscais para julgar êsses processos, o que foi uma medida acertada, porque eram ali sujeitos os processos a tais exigências que na maior parte dos casos tinham de ser anulados; - tendo-se acabado com a competência dêsses tribunais, mandaram-se todos êsses processos para os tribunais de transgressões.
Ora essa acumulação, com os processos que ainda depois se organizaram, deram lugar a grandes embaraços e demoras nos julgamentos. Mas os juizes e os magistrados do Ministério Público não têm culpa nenhuma dêsse facto, pois que não têm pessoal suficiente para darem rápido andamento aos processos. Eu até já tenho atendido algumas reclamações nesse sentido, mas luto tambêm com falta de pessoal competente.
Realmente os escrivães são funcionários de competência, competência que lhes vem da lei, e nós não os podemos improvisar nem nomear pessoal assalariado para o desempenho dêsses cargos. Só havia uma maneira de remediar tudo, era alargar os quadros dêsses funcionários, mas isso não tenho competência para o fazer, só a Câmara a tem.
De resto, S. Exa. disse que os juizes não têm culpa da demora do julgamento dos processos, e assim é, pois que o motivo principal dessa demora, no meu entender, é resultante da má organização dos processos. Os processos deviam ser rápidos.
Nestas condições, agradecendo os elementos de informação que V. Exa. trouxe, afirmo que o Govêrno não tem outro fim que não seja o de melhorar o projecto, e que entre imediatamente em discussão, para que se possam reprimir os abusos que se estão praticando.
V. Exa. referiu-se há pouco à futura aplicação da lei; como V. Exa. sabe, nas comarcas do país quem julga êsses processos são os membros do Poder Judicial, excepto nas de Lisboa e Pôrto, onde tal serviço é feito pelos chefes da policia do investigação.
Tenho dito.
O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra neste período legislativo, comêço por saudar em V. Exa. um republicano digno de todo o meu respeito e consideração. E faço-o menos, em obediência às velhas praxes parlamentares do que em virtude duma imposição do meu coração.
Conheci V. Exa. num período agitado da vida política portuguesa: conheci-o depois de Monsanto. E. conquanto não concordasse com muitos dos actos governativos de V. Exa., tive sempre de reconhecer que V. Exa. é um republicano que tem fé, uma intransigência de fé que é digna, repito, de todo o meu respeito e admiração.
Saúdo tambêm a Câmara, onde tenho, em todos os lados, amigos sinceros; é ela constituída por grupos republicanos, tendo cada um a sua aspiração, mas todos pugnando por um mesmo ideal de engrandecimento da Pátria e da República. Uni ponto há, pois, que nos serve de traço de união: e vem a ser êste nosso comum amor à Pátria e à República, por motivo do qual durante uma parte da situação do dezembrísmo, eu me coloquei em franca oposição às ideas que então dominavam.
Invoco ainda os interêsses superiores do País para pedir a todos os Deputados da República que pugnem pelo prestígio do Parlamento uma das instituições basilares da nossa República. É que se desenhou nos últimos tempos no jornalismo um ataque feroz ao Parlamento, não devendo o país, estranhar de que eu aproveite a oportunidade de ter a palavra para lavrar o meu protesto contra esta tentativa de descrédito, que só redunda em prejuízo para a boa marcha da vida pública portuguesa.
Nós não podemos consentir que, com o nosso silêncio, essa campanha continue. (Apoiados). Não podemos consentir que, sem protesto se pretenda fazer acreditar ao Sr. Presidente da República que a opi-
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nião do pais exige a dissolução do Parlamento.
Temos de pregar a nossa função de legisladores, sem o que não somos, realmente, dignos dela, e pugnar por levantar êste Parlamento acima da craveira moral dos Parlamentos anteriores. Devemos, alto e bom som, fazer ver ao país que, durante o período dezembrista, quando a repressão era feroz, pouquíssimos jornais daqueles que hoje nos atacam, atacaram o Parlamento de Sidónio Pais. (Apoiados).
Ora desde o primeiro dia do seu funcionamento até o dia de Monsanto, não se discutiu ali um único projecto, um só que fôsse, para amostra. (Apoiados).
Mas porque é que, Sr. Presidente, os colossos da informação, os grandes homens dó jornalismo não disseram nessa época nada acêrca do Parlamento? É que havia, a pesar sôbre êles, a vara do mando; e esta era feroz e a nobre independência do jornalismo receava que ela lhe caísse, pesadamente, em cima tambêm. (Apoiados).
E isto explica que êste meu protesto seja veemente: o que vejo não terem autoridade para atacar o Parlamento aqueles que actualmente o atacará.
Quererá isto dizer que eu entendo ter o Parlamento actual correspondido às necessidades instantes da hora que passa? Não: mentiria à minha consciência se o afirmasse, mas isso é conseqùência dos defeitos da própria instituição parlamentar, que tendo muitíssimas virtudes tem tambêm muitos defeitos como todas as instituições. E impossível o Parlamento poder discutir, numa época agitada da vida pública, com ponderação, demoradamente, os mil e um assuntos que será preciso submeter à sua discussão. Os Parlamentos servem para épocas normais §m que as modificações da legislação se fazem lenta e pausadamente. Em tempos ordinários só o projecto de arrendamento dos navios, por exemplo, levaria talvez os quatro meses da sessão legislativa para ser discutido convenientemente. (Apoiados).
Acusam-nos de improdutividade quando é mal deriva sobretudo da circunstância de ser impossível legislar dia a dia, fazendo uma lei todos os dias, como se fazer uma lei fôsse tam simples como organizar um rol de roupa suja.
Não pareça à Camara que está divagação seja de todo exterior ao assunto que hoje aqui estamos tratando. A consequência lógica do que venho dizer é que, nos tempos que vão correndo, é absolutamente imprescindível não entravar a acção do Poder Executivo, dar-lhe largas autorizações e votar quásí cegamente medidas que necessidades de momento tornaram imperiosas.
Voto por êste motivo o projecto apresentado pelo St. Ministro da Justiça.
Não pretende é Grupo Parlamentar Popular fazer oposição a projectos desta natureza.
O grande defeito do Parlamento, segundo a nossa opinião, não está em se concederem autorizações parlamentares, mas sim em não se pedirem depois contas ao Govêrno do uso que faz dessas autorizações.
A respeito de câmbios, por exemplo, deram-se aqui ao Govêrno amplíssimos poderes para decretar medidas tendentes a melhorar a situação, que era grave.
Em lugar, porêm, de melhorias, da acção do Govêrno resultou um agravamento.
As responsabilidades das autorizações concedidas, repito, pertencem aos Ministros, que as arrancaram sem competência para delas saberem usar com descernimento. E é para fazer ressaltar a inépcia governamental que anunciei a S. Exa. o Ministro das Finanças uma interpelação sôbre o caso.
O assunto que se discute agora é dêsses sôbre que recaem as atenções do público alarmado. Todos gritam com razão que o País está farto da inépcia do atual Ministério perante o grave problema do assambarcamento, um dos factores da carestia da vida.
O povo está farto de ver que em Portugal 50 por cento de portugueses são exploradores dos outros 5$ por cento. Toda a gente arma em comerciante sem estar registada no Tribunal do Comércio.
Toda a gente, mercê do excesso da circulação fiduciária, encontra capitais para comerciar. E desta abundância de comerciantes improvisados e sem consciência, que nos faz reviver os velhos tempos da pirataria do Oriente, resulta o assambarcamento, afina de facínoras.
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As medidas promulgadas, há dias; pelo Sr. Ministro das Finanças a propósito da situação cambial, não entravam, como deviam, a vida dos importadores de acaso.
Êste é o espectáculo que há muito estamos presenciando sem que do Govêrno venha qualquer medida repressiva. E, quando o Govêrno acorda, emfim, do seu sono hipnótico, suponho bem que, fazendo-lhe sentir a sua inércia anterior, â Câmara poderá votar esta proposta na generalidade desde que nos dêem as 24 horas necessárias para o seu estudo na especialidade.
De contrário, o povo voltar-se há, e com razão, não contra um Govêrno inerte, mas contra uma Câmara chicaneira.
Sr. Presidente: o Grupo Parlamentar Popular orgulha-se, pois, em dar o voto a êste projecto, na generalidade, depois de votar a urgência, e dispensa do Regimento.
Isto não quere dizer que o projecto de lei não tenha de sofrer modificação. A lei tem de definir o que são importadores. A lei não define concretamente o que é o assambarcador.
O artigo 6.° do Código Penal não deve ser aplicado aos casos previstos e punidos por esta lei, pois, em virtude dêsse artigo, e, por se ter declarado o comércio livre de certos géneros, ficam arquivados certos processos, relativos a êsses géneros.
Assim, o Partido Popular dá a sua aprovação à generalidade do projecto, com plena consciência. E ficamos, simultâneamente, fazendo votos para que o Sr. Ministro da Justiça e os mais Ministros acordem do sono que os atacou, parecendo até que estiveram em África e que foram mordidos pela tsé-tsé.
Não quero cansar a atenção da Câmara. Mas, antes de terminar, quero pedir a qualquer membro do Govêrno a favor de dizer ao Sr. Ministro das Colónias que seria uma grande gentileza dispor de um dia ou dois para vir ao Parlamento a fim de se tratarem aqui assuntos que interessam às colónias. De facto, as colónias estão abandonadas e lamentam-se sinceramente disso e é necessário que lhes acudamos.
S. Exa. esteve já hoje na Câmara, mas retirou-se, não dando tempo a poder dirigir-me a S. Exa.
Por último devo declarar que o partido a que pertenço não pretende por sistema fazer oposição a todas as propostas apresentadas, como muitas vezes tem acontecido nesta Câmara, em que se pede a palavra sôbre qualquer projecto e se diz muita cousa, sem tem nem fundamento, só pelo prazer de fazer oposição;
Àpartes.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso): - Sr. Presidente: o Sr. Cunha Lial não atacou o projecto; pelo contrário, deu-lhe todo o seu apoio, que é muito, e declarou, até, que um projecto desta ordem devia ser votado, deixando ao Govêrno a responsabilidade da sua execução.
Ainda S. Exa. disse que casos desta ordem importam, a tranquilidade pública e o interêsse da Nação e devem ser resolvidos pelo Poder Executivo por meio da confiança que nele deposita o Congresso da República. Nunca o Govêrno pensou em pedir determinadas autorizações, mas afigura-se-me, depois de ouvir as palavras de S. Exa., que dessa forma hão se resolvia a questão.
Disse S. Exa. que ressalvava o direito de fazer emendas ao projecto com o fim de o esclarecer.
Tambêm eu, apresentando as emendas que o ilustre leader do partido liberal disse alterarem por completo o projecto, me reservo-me ainda o direito de, durante a discussão, apresentar outras e com esta declaração.
Apesar de não se estar discutindo o projecto na especialidade vou mandar para a Mesa algumas emendas.
Já vêem, pois, o ilustre leader do Partido Liberal e o Sr. Mesquita Carvalho, que da parte do Govêrno e da minha, como logo no princípio da sessão declarei, há simplesmente o desejo do aperfeiçoar uma lei que todos reclamam, e de maneira alguma fazer questão ministerial ou política dura assunto que a todos pertence e por todos tem de ser resolvido, visto que a Câmara não significou por qualquer forma que o Govêrno por si o resolvesse. (Apoiados).
Aproveito a ocasião para mandar para a Mesa umas propostas.
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Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos para antes de se encerrar a sessão.
Lê-se na Mesa um ofício do Senado, comunicando que, em conformidade com a lei 11.° 916, de 9 do corrente, aprovou as comissões de inquérito ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao Ministério da Guerra, ao Ministério das Colónias e ao Ministério dos Abastecimentos.
O Sr. Dias da Silva: - Sr. Presidente: desejava fazer as minhas considerações na presença do Sr. Presidente do Ministério, visto que se trata dum caso que reputo da maior gravidade. Ora, S. Exa. não está...
O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério encontra-se ainda no edifício.
O Orador: - Nesse caso, espero que S. Exa. compareça na sala.
O Sr. Manuel Fragoso: - A Capital de ontem à noite referia-se, num artigo com cunho de indiscutível republicanismo, a um facto que a mim se me afigura de incontroversa gravidade, terminando o mesmo artigo por fazer um apelo ao Parlamento Português.
O artigo dêsse jornal republicano, com intuitos bem visíveis de prestigiar e dignificar a República, parece que deve merecer a atenção desta Câmara e não pode ficar sem resposta.
Com muito agrado eu levanto a questão, porquanto de lia muito tempo é convicção inabalável minha que as referências desprimorosas para a República, feitas em público, verdadeiras ou caluniosas, não devem ficar sem reparo, não devem transitar em julgado, sem que sôbre elas se averigúe alguma cousa para que, num caso ou noutro, sejam castigados os acusados se houver fundamento, ou então os seus detractores.
É o caso que os monárquicos, que jamais se poderão decentemente lavar das graves responsabilidades que assumiram com o seu criminoso aplauso à obra dos martirizadores dos presos republicanos no período negro da ditadura dezembrista, e que mais tarde se comprometeram definitivamente agindo duma forma directa nas infernais brutalidades do Aljube e do Éden, do Pôrto, levantaram agora, com intenção de no espírito do público apagar de certa forma o eco infame do, seu procedimento vil, uma campanha em que acusavam os republicanos de maus tratos semelhantes para com os presos monárquicos de Monsanto e do Pôrto. Essa campanha teve repercussão nos tribunais de Santa Clara e por último até nas colunas dum jornal que se publica em Lisboa e que inocentemente se diz... católico!
Foi habilidosa a manobra dos monárquicos, mas a Capital, muito louvavelmente, muito republicanamente, saiu-lhos a tempo ao caminho e requereu que se procedesse a um inquérito rigoroso acêrca dêsse facto.
A êsse inquérito se procedeu, e são as conclusões do mesmo inquérito que a Capital lógicamente pede que venham a público. Parece que se suscitaram alguns entraves a essa publicação! Eu não os compreendo, nem os admito, porque não conheço cousa mais justa, natural e lógica do que a publicação dessas conclusões.
Diz ainda a Capital que do inquérito resulta claramente a inanidade das acusações, e, portanto, a má fé dos acusadores. Ainda bem que assim é, para prestígio e honra do regime republicano.
Mas se assim não fôsse, se delinquentes houvesse, ainda tínhamos forma de prestigiar a República, castigando inexoravelmente êsses delinquentes, fôsse quem fôsse. (Apoiados).
Eu tive tambêm a honra de estar preso no ano nefasto de 1918. E certo que nunca fui maltratado, mas muitas vezes me revoltei contra os maus tratos aplicados a outros presos, nesse ponto menos felizes do que eu.
Se, porêm, êsses maus tratos se reeditam ou se se pretende reeditá-los, a minha revolta é hoje maior, dobradamente me revolto agora, porquanto as violências de então só desonravam e infamavam, para todo o sempre, os meus adversários políticos, e a sua repetição, em plena administração republicana, desonraria o regime que eu quero ver prestigiado e merecedor do respeito de todos os bons portugueses.
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Termino, pois, pedindo a S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério, que está presente, a imediata publicação em todos os jornais, se possível fôr, das conclusões do referido inquérito, para que a lei seja aplicada, em todo o seu rigor, sôbre quem quer que seja que se prove ter exorbitado no exercício das suas funções, ou, no caso de nada se ter provado, para que a vileza da calúnia caia, juntamente com a aplicação da justiça, sôbre as cabeças dos caluniadores de ofício.
O Sr. Augusto Dias da Silva: - Eu falo no momento em que sôbre a República pesam as mais tremendas acusações.
O Govêrno, para se libertar de determinados elementos que o estorvavam, não teve escrúpulos em tomar a medida mais draconiana de que até hoje lançaram mão governantes ávidos de perseguições, enviando para África criaturas cujo único delito consistiu em manifestarem o seu pensamento.
E uma resolução verdadeiramente monstruosa, e eu apelo para a minoria popular, eu apelo para a minoria liberal e para todos os homens rectos e justos desta Câmara, a fim de que semelhante resolução se não efective, pela injustiça que ela representa e pelo desprestígio que acarreta para a República.
O Govêrno, deportando, porque não é outro o termo, para África, criaturas que nem sequer: podem despedir-se de suas famílias, comete a acção mais infame que é dado a um Govêrno praticar.
Tanto maior autoridade eu tenho para atacar S. Exa. neste momento, quanto é certo que, pessoal e politicamente, eu sou quási sempre mais atacado do que propriamente o Sr. Presidente do Ministério.
Êsses rapazes continuam mais preocupados com a acção do Partido Socialista do que com a reacção do Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério deportou essa gente com receio de que ela viesse a público ensinar ao Govêrno o modo de se poder ainda governar.
Pelo Ministério do Trabalho o Govêrno tem elementos para opor-se à propaganda bolchevista.
É necessário que o Sr. Presidente do Ministério compreenda, mas isso é um pouco difícil, que o ataque ao bolchevismo não se faz prendendo e deportando quem não pensa como o Govêrno.
Não queiramos de novo em Portugal o sistema da política dezembrista.
Foi assim que se procedeu durante, o dezembrismo.
Quere o actual Govêrno tentar os mesmos processos?
Trocam-se àpartes.
O Orador: - É assim mesmo. Mal vai o Govêrno nesse caminho.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. que resuma as suas considerações.
O Orador: - Vou já concluir.
A República promulgou um decreto, que foi assinado pelo Sr. Jorge Nunes, estabelecendo os seguros sociais obrigatórios em Portugal. Mas, infelizmente, o Sr. Jorge Nunes, segundo dizem, deixou-se ir nas palavras do Sr. João Ricardo, e essa lei não é exequível.
Vou terminar, Sr. Presidente, mas na próxima sessão terei mais uma vez ocasião de demonstrar que o Sr. Sá Cardoso é o Presidente dum Ministério constituído por criaturas que, pessoalmente, são excelentes, mas que politicamente são como o Sr. Ramada Curto as classificou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Sá Cardoso): - Sr. Presidente: principio por declarar que propositadamente não falei hoje em resposta ao Sr. Pais Rovisco, por isso que não quis guardar para a última hora, isto é, para o encerrar da sessão, o tratar de um assunto que presumo dever ter uma certa gravidade.
Como porêm V. Exa. compreende, chamado a terreno pelo Sr. Augusto Dias da Silva, não posso deixar de dizer alguma cousa, embora pouco, tanto mais que prometeu voltar ao assunto.
O que vou dizer não é bem para S. Exa., mas para a Câmara e para o país.
O Sr. Ladislau Batalha: - Mas é tambêm para êste lado da Câmara.
O Orador: - Se V. Exa. faz parte da Câmara e, como disse há dias, representa
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26 Diário da Câmara dos Deputados
o país, evidentemente que o que vou dizer é tambêm para V. Exa.
O Govêrno a que presido e que é alcunhado de complacente, é por vezes acusado tambêm de praticar as maiores violências.
É que as violências vêm justamente no momento em que são precisas e a tolerância exerce-se normalmente porque essa é a norma do Govêrno.
Os. homens, que enviei para África, não foram realmente condenados, nem julgados.
São indivíduos que voluntáriamente se exilaram de Portugal e; que tendo ido para o Brasil, ali praticaram actos do tal natureza que obrigaram o Govêrno Brasileiro a expulsá-los.
O Govêrno tem a obrigação de defender a sociedade dos perturbadores que cá estão e dos que para cá pretendam vir e eu não quero - porque, se a Câmara me dissesse que assim não procedesse, sairia do Poder - manter em Portugal essa quantidade de díscolos que nada mais fazem do que incitar ao crime por todas as formas ao seu alcance. (Apoiados).
Não deportei êsses homens, tendo-me limitado a impedir a sua entrada, o que farei com todos os demais que venham nas mesmas condições. (Apoiados).
Não os tratei, porêm, como condenados e tive o cuidado de os não misturar com vadios ou com condenados e de os não mandar no mesmo, vapor com êstes, sendo-lhe ainda escolhida uma colónia, em estado adiantado de civilização, que lhes dá a faculdade de poderem trabalhar e, querendo, voltar a Portugal com hábitos de trabalho e não de desordem.
Nestas circunstâncias, recomendei ao governador de Cabo Verde que lhes facilitasse no sítio que entendesse, nas ilhas daquele arquipélago, cujo clima não é dos piores, os meios necessários paro. empregar a sua vida, podendo dar-lhe terreno e alfaias.
O Sr. Augusto Pias da Silva sabe bem o que se passa nas associações que êsses indivíduos frequentam, onde se prega o assassínio.
Não consinto, em quanto aqui estiver, que êsses homens voltem para Portugal.
Falo claro para que o país me ouça.
Para Africa foram dezasseis.
O Sr. Ladislau Batalha: - Criminosos?
O Orador: - Criminosos, sim senhor. Protestos da minoria socialista.
O Orador: - Criminosos da pior espécie.
Continuam os protestos.
Grande sussurro.
O Orador: - O que V. Exas. pretendem é que eu não diga estas cousas.
Fazem barulho propositadamente.
Dizia eu, Sr. Presidente, que êstes homens, abusando da hospitalidade da terra para onde foram, juntaram-se nos bolchevistas brasileiros pregando o assassínio do Presidente da República do Brasil e lutando a tiro e à pedrada com a polícia brasileira.
Se alguns Srs. Deputados tiverem dúvidas sôbre o que afirmo, tenho documentos em meu poder que lhes posso mostrar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é na segunda-feira, 15, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
Parecer n.° 280, que estabelece penalidades contra os assambarcadores.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Comissões
Pede-se ao Ministério da Guerra, por intermédio da Mesa, a remessa imediata à comissão de guerra, da nota de assentamentos respeitantes a José Branco, sargento ajudante de infantaria n.° 2. - O Secretário, João E. Águas.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
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Sessão de 12 de Dezembro de 1919 27
O Sr. Velhinho Correia, participou que se havia constituído a comissão de colónias, escolhendo para presidente o Sr. Dr. Álvaro de Castro e para secretário a êle participante.
Para a Secretaria.
O Sr. Américo Olavo, participou que se havia constituído a comissão de comércio e indústria, escolhendo para presidente o Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo e para secretário o participante.
Para a Secretaria.
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério do Comércio e Comunicações, me seja enviada, com urgência, a nota global das quantias despendidas no ano económico findo em todo o arquipélago dos Açores: em estradas, pontes, serviços hidráulicos e geodésicos, incluindo as despesas feitas com o respectivo pessoal.
Sala das Sessões, 12 de Dezembro de 1919. - Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
O REDACTOR - Avelino de Almeida.