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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS

IsT.

(EXTRAORDINÁRIA)

EM 30 DE MARÇO DE 1920

ss

Presidência do Jx.mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso

Secretários os Ex.mos Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira António Marques das Neves Mantas

Sumário.— Inicia-se a sessão extraordinária por efeito do decreto de 25 de Março de 1920, sob representação do Governo da República, nos termos do n,° 2." do artigo 1.° da lei constitucional n.° 891, de 24 de Setembro de 1U20. convocando extraordinariamente as câmaras legislativas para ser apreciada a proposta de lei sobre a ratificação do Tratado da Paz.

Faz-se a primeira chamada, a que respondem 38 Srs. Deputados. É lida a acta da sessão anterior, que é posta em discussão e que é aprovada sem xem a ter, quando se verifica a presença de 75 Srs. Deputados. É lido o expediente.

São admitidas proposições de lei, já publicadas no «Diário do Governo».

Antes da ordem do dia.— O Sr. Costa Júnior insta por documentos que requererá. O Sr. Júlio Cruz agradece à Câmara ò voto de sentimento pela morte duma sua filha.

Ordem do dia. — O Sr. Presidente propõe que seja dispensado o Regimento para que entre imediatamente em discussão o parecer sobre o Tratado da Paz, visto não terem decorrido 48 horas após a sua distribuição É aprovado, sendo dispensada a leitura, a requerimento do Sr. Brito Camacho. Usam da palavra os Srs. Brito Cama-eho, Júlio Martins, Ramada Curto e António Granjo, ficando pendente o debate.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte à hora regimental.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Requerimentos.

Abertura da sessão às 14 horas e 48 minutos.

Presentes à chamada 75 Srs. Deputados,

São os seguintes:

Alberto Carneiro Alves da Cruz. Alberto Jordão Marques da Costa. Albino Pinto da Fonseca. Albino Vieira da Rocha. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso. Álvaro Pereira Guedes. Álvaro Xavier de Castro. António Albino de Carvalho Mourão. António Aresta Branco. António Bastos Pereira. António Carlos Ribeiro da Silva. António da Costa Ferreira. António da Costa Godinho do Amaral. António Dias. António Francisco Pereira. António Joaquim Granjo. António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

António»José Pereira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Marques das Neves Mantas.

António Pais Rovisco.

António Pires de Carvalho.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Augusto Dias da Silva.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre. " -

Augusto Pires do Vale.

Baltasar do Almeida Teixeira.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Cruz.

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Diário da Câmara do» Deputados

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Evaristo Luía das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Francisco José Pereira.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

Jaime da Cunna Coeího.

Jaime Daniel Leoto do Rego.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João José da Conceição Camoesas.

João de Orneias da Silva.

Jo3o Salema.

João Xavier Camarate Campos."

José António da Costa Júnior.

José Gomes Carvalho de Sousa Varela.

José Gregório de Almeida,

José Maria de Campos Melo.

José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

José Rodrigues Braga.

Júlio Augusto da Cruz.

Júlio César d.e Andrade Freire.

Ladiálau Estêvão da Silva Batalha.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís Augusto Piato de Mesquita Carvalho.

Manuel de Brito Camacho. . Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Nnno SiniOes.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Raúl.Lolo Portela.

Vergílío da Conceição Costa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Sr s. Deputadas que entraram diante a ttessçío:

Acácio António Camacho Lopes Cardoso. Afonso de Macedo..

Amílcar da Silva Ramada Curto. Aníbal Lúcio de Azevedo. António Joaquim Ferreira, da Fonseca. António Maria da Silva. António de Paiva Gomes. António dos Santos Graça. Bartolomeu dos Mártires Spusa $eve-rinq.

Custódio Maldonado de Freitas. Domingos Leite Pereira. Estêvão da Cunha Pimentel. Francisco Alberto da Costa Cabral. Francisco de Pina Esteves Lopes. Francisco Pinto da Cunha Liai. Hermano José de Medeiros. Jaime Júlio de Sousa. João Estêvão Águas. João Gonçalves. João Lopes Soares.' João Luís Ricardo. João Pereira Bastos. Joaquim Ribeiro de Carvalho. José Monteiro. _

Júlio do Patrocínio Martins. Lino Pinto Gonçalves Marinha. Luís de Orneias Nóbrega Quintal, Manuel José da Silva. Orlando Alberto Marcai. Rodrigo Pimenta Massapina,. Tomás de Spusa Rosa. Vasco Borges.

V^sco Guedes de Vasconcelos.. Ventura Maíheiro Reimão. Xavier da Silva.

Deputados que

ram t

Abílio Correia da Silva Marcai.

Adolfo Mário Salgueiro Cunha.

Afonso, Augusto da Costa.

Afonso de J\felq PintQ YelQs.0.

Alberto Álvaro, Dias Pereira.

Alberto Ferreira Vidal.

Alexandre Barbedo Pinto $6,

Alfredo Pinto de Azevedo, e

Américo Olavo Correia do Azevedo.

Angelo, d.e Ba Cputp da Ounjia S ua-* paio e Maia1. -

Antfto Fernandes de Carvalho.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira. -

António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

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Sessão de 80 de Março de 1920

António Maria Pereira Júnior. Augusto EobOlo Arruda. Carlos Olavo Correia de Azevedo. Constâncio Arnaldo de Carvalho. Diogo Pacheco de Amorim. Francisco Coolho do Amaral Reis. Francisco Cotrim da Silva Garcês. Francisco da Cruz. Francisco José Martins Morgado. Francisco Luís Tavares. Francisco Manuel Conceiro 4a Costa. Francisco de So,usa Dias. Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique Ferreira de Oliveira Brás, Jacinto de Freitas. '

Jaime de Andrade "Vijares. João Henriques Pinheiro, João José Luís Damas. João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João Ribeiro Gomes.

João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Aires Lopes do Carvalho.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira,

Jorge de Vascp.ncòlos Nunep.

José Domingues dos Santos.

José Garcia da Costa.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

Leonardo José Coimbra.

Literato Damuío Ribeiro Pinto.

Manuel Alegre.

Manuel José Fernandes Costa.

Mom Tinoco Verdial.

Miguel Augusto Alves Ferreira.

Pedro Gois Pita. '

Vítor José de Deus de Macedo Pinto.

Vitorino Henriques Godinho.

Ás 14 horas e 30 minutos comecem a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 3'8 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Eram 14 horas e 48 minutos.

Leu-se a acta, que foi posta à discus-

O Sr. Presidente: —Estão presentes 75 Srs. Deputados. Como ninguém pede a palavra sobro a acta, considera-se esta aprovada.

Deu-se conta do seguinte Expediente

Justificação de faldas

Do Sr. Mem Verdial.

Para a comissão de infracções e faltas.

Pedidos de licença

Do Sr. Jacinto do Freitas, 2 dias. Do Sr. Joaquim Brandão, 2 dias. Do Sr. Afonso de Melo, 10 dias. Concedidos. Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Carta

Do Sr. Feio Terenas Júnior, agradecendo em nome da sua família o exarado no ofício n.° 302, do 2 de Janeiro último da Câmara dos Deputados.

Exposição

Da Associação dos Engenheiros Civis, sobre alterações a introduzir no artigo 61.° da tabela dos emolumentos judiciais.

y Petição

Dos presos políticos detidos no Aljube do Porto, chamando a atenção da Câmara para que lhos seja feita justiça, mandando-os julgar ou restituir à liberdade.

Telegrama

Da câmara municipal e associações comerciais de Benguela e Bihé, chamando a atenção da Câmara dos Deputados para a resolução do Governo Belga, relativa à construção rápida da linha Cassai-Matadi para transporte do cobre das minas de Katanga e pedindo ao nosso Govôrno a anulação do docreto n.° 4:628 e auxílio imediato para o prolongamento do caminho da ferro do Benguela.

Para a Secretaria.

Ofícios

Do Ministério das Colónias, enviando um processo roferonto a Francisco Pe-roira do Sousa, pedindo melhoria do situação.

Para a Secretaria'.

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Do Ministério do Trabalho, satisfazendo' o pedido para ò Sr. Manuel José da Silva, ao ofício n.° 439.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Agricultura, dando as informações pedidas pelo Sr. Manuel José da Silva, na sessão de 25 de Fevereiro último.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Lisboa, pedindo a urgência para a aprovação do projecto do Sr. Domingos da Cruz sobre o problema da habitação.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Instrução, devolvendo, por míngua de esclarecimentos, segundo diz, o ofício n.° 458 desta Câmara, que transmitiu um pedido do Sr. Sampaio Maia.

±~aru u u 6C f etária.

Do mesmo Ministério, em aditamento ao ofício de 21 de Fevereiro e em satisfação do requerido pelo Sr. Nuno Simões:

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, respondendo ao requerido pelo Sr. Alves dos Santos e comunicado em ofício n.0 283.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, enviando os processos de sindicância da Universidade do Porto, requeridos pelo Sr. Raul Tama-gnini.

Para a Secretaria.

Do' Ministério do Comércio, remetendo documentos requeridos pelo Sr. Estêvão Pimeníel em l de Março de 1920.

Para a Secretaria.

Do Ministério do Intorior, enviando uma representação da Câmara Municipal de Anadia, pedindo que os vencimentos dos funcionários da administração sejam pagos pelo Estado.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Guerra, enviando o processo respeitante ao capitão José da

Diário da Câmara dos Deputados

Trindade Leitão Júnior, pedido pelo Sr. Jacinto de Freitas em ofício n.° 466. Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, remetendo os documentos pedidos em ofício n.° 374 pela comissão de Guerra. . „ Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, enviando documentos pedidos pelo Sr. Costa Júnior em ofício n.° 402.

Para a Secretaria.

Do mesmo Ministério, respondendo ao ofício n.° 486, que transmitiu um pedido do Sr. Alberto Cruz.

Para a Secretaria.

Requerimento

De Francisco Guimarães Fisher, primeiro sargento da 7.a companhia de re-íormadoR; polindo melhoria de reforma.

Para a Secretaria.

Para a comissão de guerra.

Admissões

. São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no «Diário do Governo s:

Projectos de lei

Do Sr. Yelhinho Correia, criando, sob a protecção do Estado, em Lisbota e Pôr-to, cooperativas sociais.

Para a Secretaria.

- Admitido.

Para a comissão de previdência social.

Do Sr. Alves dos Santos, sobre aproveitamentos hidráulicos para a produção da electricidade.

• Para a Secretaria. Admitido. "

Para a comissão de comércio e indústria.

Antes da ordem do dia

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Sessão de 30 de Março de 1920

careço para tratar aqui dum assunto importante.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Ainda não vieram.

O Sr. Júlio Cruz: — Pedi a palavra para agradecer a V. Ex.a e à Câmara, o voto de sentimento que foi lançado na acta das nossas sessões, pela morte da minha querida filha.

ORDEM DO DIA

Parecer n.° 402 — sobre a ratificação do Tratado da Faz

O Sr. Presidente:—Vai entrar em discussão o parecer n.° 402, em substituição da que estava marcada, visto esta convocação do Congresso ter sido feita para aquele fim.

Como V. Ex.as sabem, este parecer foi distribuído hoje. Não passaram as 48 horas que manda o Regimento para entrar em discussão, mas como se trata de um assunto urgente, proponho que seja dispensada esta formalidade, entrando-se imediatamente nas discussão do assunto.

Os Srs. Deputados que aprovam queiram levantar-se.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Está aprovado. Vai ler-se o parecer.

O Sr. Brito Camacho (para uir requerimento):— Sequeiro que seja consultada a Câmara sobre se permite a dispensa da leitura.

foi aprovado.

O Sr. Presidente:—Está em discussão. E o seguinte:

Parecer n.° 402

Senhores Deputados. — Circunstâncias de vária ordem impediram esta comissão, que especialmente elegêsteis para estudar o Tratado de Paz com a Alemanha, de ter vindo mais cedo apresentar-vos o resultado dos seus trabalhos.

E teve de ser afinal para obedecer à pressão imperiosa do tempo para aproveitar prazos marcados no Tratado o podermos imediatamente usar das faculdades e

1 direitos nele conferidos, que esta Comissão, prescindindo de vir trazer-vos estudos parciais sobre as várias partes do Tratado, se limita a oferecer-vos um parecer geral sobre todo ele, com especiais atenções para aqueles assuntos que são de maior interesse mundial ou que mais directamente respeitam ao nosso País.

Não pode, porém, este estudo deixar de ser deficiente e imperfeito, dada a estreiteza do tempo em que é elaborado e dada, principalmente, a grandeza e a complexidade do seu objecto.

E que, em verdade, nenhum documento politico-diplomático, ato hoje aparecido, teve a extensão, a importância, a complexidade e, digamos ainda, a originalidade que tem o Tratado de Paz com a Alemanha. Teve a pretensão, como frisou Vi-viani em seu admirável discurso no Parlamento francês, de fazer cousas que nunca tinham sido feitas, de concretizar e aplicar novos princípios, de realizar aspirações, de resolver novos problemas, de fazer, como também disse Clemenceau, uma revolução.

E se, no fim de contas, não alcançou todos esses desiderata, se deixou muitas questões — e algumas importantes — por resolver, se essa aplicação e realização foram incompletas e imperfeitas, e—principalmente— se a sua obra—particularmente para as pequenas nações—não foi sempre impregnada dos princípios e sentimentos de equidade e justiça, que tanto tinham sido apregoados e que sempre de-" viam dominar uma construção social e jurídica da natureza e da magnitude do Tratado de Versailles, no emtanto várias considerações e circunstâncias do política internacional podem " explicar, mas não justificar, algumas dessas faltas, que produziram, em todos os países interessados, um descontentamento maior ou menor.

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Diário da Câmara dos Deputados

Ias compensações e vantagens a que ti nhã direito e que merecia, assim como também não pode deixar de reconhecer que a Conferência fez uma obra notável e grandiosa, procurando inspirar-se nas necessidades sociais e políticas do "mundo moderno; que nela os Delegados Portugueses, que tiveram a honra de subscrever o Tratado em nome do Ex.mo Presidente da Eepública, e todos os que com eles colaboraram, empregaram os seus mais denodados e inteligentes esforços pá rã, a despeito òas más circunstâncias que a nossa política interna nos tinha criado, conseguir os maiores benefícios para Portugal ; e que o Tratado deve ser por vós, Srs. Deputados, imediatamente aprovado a fim de que possamos imediatamente usar dos direitos e vantagens que nos confere.

Não é ele, como sabeis, susceptível de qualquer alteração; tem de ser votado em conjunto, como resulta da sua natureza do convenção entre vários contratantes, dos princípios e regras do direito internacional público e das disposições da nossa Constituição Política, em conformidade com as quais foi redigida a proposta de lei, que o Governo apresentou ao Parlamento, em 30 de Janeiro de 1920, e sobre a. qual recai afinal este parecer.

E é, portanto, a sua aprovação total, que esta comissão tem a honra do vos propor, baseada no .estudo que fez do Tratado e tendo na devida atenção as condições sociais e políticas do nosso País, da Europa e do mundo inteiro.

• A todo elo interessa o Tratado, que, n3o tendo querido vizar só os interesses das Altas Partes Contratantes, mas" pretendendo, estabelecer um novo estado de cousas internacional, que a todos os Estados ligue, moral o juridicamente, começa pela adopção do pacto que institui a Sociedii-de das Nações.

Dá-se assim realização ao sonho de Ros-seau e outros filósofos, não menos anji-gos, ao idealismo do Bourgeois e outros sociólogos, o por fim às ideas de Wilson, os quais todos tinham propugnado a constituição duma união jurídica, liga, ou sociedade, em q no todas as nações civilizadas se encontrassem solidarizadas para a consecução dum objectivo comum: «p respeito absoluto dos povos e da humanidade».

E se é certo que, não sem alguma ra--zão, espíritos que se dizem práticos e íor-tes, põem as maiores dúvidas sobre os resultados de tal pacto e até sobre a própria existência da Sociedade'das Nações, certo.é também que o Tratado veio dar um largo passo — o maior que até agora se tem dado — no caminho, não diremos já da paz geral e permanente, mas dum regime jurídico internacional que, embora, mais sujeito ainda a perturbações do que os regimes jurídicos internos de cada Estado, deles se aproxime, e substitua com vantagem o regime anterior pelo estabelecimento duma autoridade supernacional, que, ao menos; para os Estados associados seja verdadeira, isto é, possa tornar eficazes, executórias, as suas decisões.

O próprio Tratado não vê na Sociedade das Nações— expressão já consagrada na Conferência da Haia de 1907—mais do que um meio «para desenvolver a cooperação entre as Nações e lhes garantir a paz e a segurança» ; e se mesmo quanto a esses fins alguns pessimistas -e scépti-cos provêem a completa falência da. nova Sociedade e se sorriem superiormente quando se lhes fala no direito internacional, pelo facto de ele ter sido desprezado e postergado pela Alemanha e os seus aliados durante a conflagração mundial a que acabamos de assistir í, também muitos sociólogos, que não são meros idealistas, muitos jurisconsultos com o sou espírito prático, reconhecem que o novo organismo tem condições dê viabilidade e de progresso e deve, se não imediata-

1 Exactamente porque a conflagração foi tremenda e tremendas foram as violações do direito internacional e os atentados e crimes contra a humanidade, é que se çoderá esperar que, pelo menos, durante largo período de tempo, haja paz no mundo.

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mente, a pouco e pouco, ir tendo os meios de acção e execução indispensáveis.

Como diz um distinto escritor «uma vida internacional regular tende a afirmar ajjsua existência e os seus direitos ao lado cía vida nacional e como seu prolongamento».

Os próprios que pensam que a guerra nunca acabará, que ó uma condição sine qua non da vida social e do seu desenvolvimento, vão sendo obrigados a reconhecer que o pacto da Sociedade das Nações é mais alguma cousa de que se tem feito até agora e contribuirá para atenuar e transformar os conflitos entra os Estados.

Pode dizer-se que depois do fracasso de' anteriores sistemas de política internacional— da hegemonia, da autoridade religiosa e do equilíbrio—, vem inaugurar um novo sistema, ia com carácter iuri-

í • ."'.)..

dico — ubí societaS) ibi jus — e que assenta em bases ma:'S -humanas, em sentimentos de fraternidade e solidariedade que são verdadeiras forças sociais.

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Mas essas disposições hão-de ir sendo alteradas e acrescentadas por forma a ir permitindo à Sociedade uma constante adaptação às circunstâncias sociais e políticas do mundo, uma maior extensão da sua acção e uma maior eficácia das suas decisões.

Disto temos já seguras indicações no breve funcionamento da Sociedade, que já tem entre mãos importantes e graves assuntos1 e que tem tido já a adesão de quási todos, se não todos os Estados, que pelo Tratado foram convidados a dela fazer parte e no aparecimento de iniciati-

1 Pelo j)rp£rio Tratado, era muitos dos seus preceitos, toi decretada a intervenção da Sociedade das Nações sobre assuntos que não puderam ficar logo resolvidos, sendo-lhe conferidas atribuições e poderes de vária extensão e natureza (Conf., artigos 34.°, 48.°, 49.°, anexo ao artigo 50.°, §§ 16.» a 19.» e 34.» a 40.°, 213.», 280.°, 389.», 304.°, 312.», 336.», 338.°, 342.°, 336.» a 379.°, 286." e 387.» a 426.»).

vás de carácter internacional — como a do Governo da Holanda — para a criação, que 'julgamos indispensável, dum Alto Tribunal de Justiça, como a de comités tendentes à unificação legislativa, e como a das Associações nacionais de propaganda cía Sociedade das Nações, que há pouco tiveram em Bruxelas o seu primeiro Congresso.

Nele se fez representar o nosso País, e convôm frisar, como aliás já o fez o G-O-vêrno no seu excelente relatório que precede a sua proposta de lei, que o ilustre Presidente da Delegação Portuguesa, usando da palavra, sustentou a necessidade de se melhorar o pacto da Sociedade das Nações, e aproveitou o ensejo para novamente propugnar pela entrada de Portugal no Conselho Executivo da Sociedade. As suas eloquentes e justas palavras tiveram o aplauso do Congresso, sendo a sua proposta adoptada como base dos trabalhos da primeira comissão.

Duma maneira geral Srs. Deputados, já aquele relatório nos diz qual seja a organização da Sociedade. Dispensamo--nos, portanto, de a fazer também e até mesmo de a apreciar.

Diremos apenas que, assentando no princípio da igualdade e autonomia de todos os Estados associados o no da sua solidariedade, essa organização, embora idêntica à de qualquer Estado — civitas máxima — não é ainda perfeita nem completa.

Mas a assomblea plenária da Sociedade — Poder Legislativo— deverá a pouco e pouco aporíeicoá-la e complotá--la1, elaborando uma Constituição Política Internacional, onde não falte a declaração de direitos fundamentais garantidos internacionalmente aos indivíduos, às associações, às nacionalidades, aos Estados, todos considerados como membros da comunidade humana, onde se organize um verdadeiro Poder Judicial e se adoptem meios coercitivos —económicos, políticos

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ttiário da Câmara dos Deputados

.Q militares — indispensáveis para a íntegra execução dos seus veredicta.

Para essa obra de fraternidade é de justiça social devem tender os esforços de todos os Estados, que não tenham preocupações militaristas e imperialistas, que desejem cooperar com todos os outros amigável e solidariamente em prol da civilização e do progresso da humanidade e que queiram que a Liberdade, o Direito e a Justiça prevaleçam contra a força bruta.

Por este nobre objectivo lutou Portugal ao lado das outras nações aliadas e associadas, honrando -se em ter selado com o sangue dos seus . valorosos soldares o pacto da Sociedade das Nações, contribuindo assim para que o princípio d"as nacionalidades seja sempre respeitado, os direitos de todas as nações — grandes e pequenas, ricas e pobres — sejam sempre devidamente garantidos e o direito dos povos a disporem de si mesmos fique assflp-nrado.

• De justiça é dizer-se que já no Tratado de Paz, sob o ponto de vista das recla-

cípio e esses direitos tiveram quási plena satisfação.

Querendo apenas tratar do que directa-, mente nos respeita, não devemos, contudo, deixar de aludir à reconstituição da Polónia, à constituição do Estado dos sérvios, dos croatas e dos slovenos e do Estado Tcheco-SlÓYaco e à restituição da Alsácia Lorena à França.

Portugal só tinha uma reclamação territorial para ser decidida, a relativa ao chamado triângulo de Kionga, compreendido na colónia alemã da África Oriental, mas tinha também especial interesse nas deliberações que pudessem ser -tomadas quanto a todas as colónias alemãs, principalmente pela vizinhança de duas delas com as nossas colónias de Angola e Moçambique.

Ora pelo artigo 118.° do Tratado a Alemanha renuncia a todos os seus direitos sobre ou concernentes a todos os territórios fora da Europa, que lhe pertenciam ou aos seus aliados, assim como a todos os direitos, títulos ou privilégios que tenham podido, a qualquer título, pcrton-cer-lhe vis-à-vis das Potências aliadas e associadas, obrigando-se a reconhecer

e consentir as medidas adoptadas ou a adoptar pelas principais Potências aliadas e. associadas; e pelo artigo 119.° renuncia, em favor das principais Potências aliadas e associadas, a todos os seus direitos e títulos sobre a suas possessões de álêm--mar.

Pelo artigo 22.° essas possessões, ou melhor 'esses povos, ainda não capazes de se governar por si, serão, pela Sociedade das Nações, confiados em tutela às nações mais adiantadas que, em virtude dos seus recursos,, da sua experiência e da sua posição geográfica, estejam em condições de assumir aquela responsabilidade e que consintam em aceitá-la, exercendo essa tutela como mandatárias da Sociedade e, portanto, com todas as atribuições, direitos e deveres, que a um mandatário competem.

Não pode deixar cie reconhecer-se que. esta solução 'é justa e está de harmonia com os próprios interesses desses povos e com os da civilização e progresso da humanidade; acrescendo que se atribui assim já à Sociedade das Nações uma alta e grave missão, pois que, em defini-

a directa e primacial responsabilidade pela segurança, pelo bem estar e pelo desenvolvimento desses povos.

Ainda nenhuma resolução sobre a atribuição desses mandatos foi tomada pela Sociedade das Nações; mas Portugal, sendo a terceira potência colonial do. mundo, tendo nas suas colónias combatido os alemães e ajudado mesmo a combatê-los na colónia alemã da^África Oriental, e julgando-se nas condições que o Tratado indica, pediu e espora que um mandato lhe seja confiado para assim poder contribuir ainda mais para a missão civilizadora que desde séculos tem vindo exercendo1. «

No emtanto, o Conselho Supremo dos-Aliados, tomando desde logo conhecimento da reclamação que Portugal ^Iho apresentou para lhe serem reconhecidos os seus direitos à restituição do chamado triângulo de Kionga, que em 1894 lhe foi atrabiliária e violentamente extorquido

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Seissão de 30 de Março de 1920

pela Alemanha, «decidiu reconhecer Portugal como o proprietário original e legítimo da parte da antiga colónia do Este Africano ao sul do Rovuma e conhecida pelo nome de Triângulo de Kionga» e assim o comunicou em 26 de Setembro de 1919 à nossa Delegação à. Conferência da Paz-.

Foi assim favoravelmente decidida a nossa única reclamação territorial por forma a dar-nos plena satisfação, tanto material como moralmente.

Portugal sai, pois, da grande conflagração, não só mantendo a integridade do seu domínio colonial, pela qual, aliás, fez todos os sacrifícios, $nas ainda acrescendo-o da parte que lhe tinha sido usurpada pela Alemanha e que volta a ficar sob a sua soberania, -sob a sua gloriosa bandeira.

E se é certo que foi pelo esforço heróico dos seus soldados e marinheiros que essa porção de território voltou à sua posse e domínio, também ó certo que êsste facto se pode tirar a lição do que não é já apenas a vontade do mais poderoso, a força material das espingardas e dos canhões, que domina a vida. social e que dispõe, a sou belo prazer, dos direitos dos mais fracos e do destino dos povos.

Esse documento, em que o Conselho Supremo dos Aliados nos comunicou a sua decisão sobre Kionga, ó um título dos nossos direitos, que foi já apresentado ao Parlamento pelo Governo, e cujo original, como o do Tratado de Paz, a que, como natural complemento, deve ficar apenso, tem o seu lugar próprio nos Arquivos Nacionais.

E pois que, assim, uma porção de território vem do reentrar no nosso domínio por virtude duma decisão de carácter internacional, mais entendo esta Comissão, e assim o propõe, tendo ainda em vista o que estatuem os artigos 2.° e seu § e 26.° n.° 12.° da nossa Constituição Política, que à proposta do Governo deve ser aditada uma outra disposição concebida nos seguintes termos:

Artigo 2.° E encorporado na Nação Portuguesa o território situado ao sul do Rovuma e conhecido pelo nome de Triângulo de Kionçja. que fazia parte da antiga colónia alemã da África Oriental e de que

a Conferência da Paz, por deliberação tomada em 25 de Setembro de 1919, de harmonia com os -artigos 118.° e 119.° do Tratado, reconheceu ser Portugal proprietário originário e legítimo.

A parte do Tratado relativa às reparações, alem de ser a mais importante *, pelo menos para Portugal, é a mais complexa e delicada, jogando com quási todas as outras partes do Tratado e sendo a mais emaranhada e confusa.

O assunto era, na verdade, difícil e melindroso.

Podia ter duas soluções diversas: uma, simples, rápida e cómoda; outra complicada, demorada- e fastidiosa. Mas, em contrapartida, aquela tinha de ser tomada à ligeira, sem os elementos precisos para se fazer uma obra de mais certeza e maior justiça, ao passo, que a segunda, havendo já, senão todos, muitos dos elementos, fornece um resultado mais certo e mais equitativo.

A Conferência, ou, para melhor dizer, o Conselho Supremo resolveu seguir o segundo caminho; e assim, em lugar de fixar logo o montante das indemnizações a pagar pela Alemanha a todas e a cada uma das Potências aliadas e associadas, determinando ao mesmo tempo os prazos e forma do pagamento, limitou-se a consignar o princípio da responsabilidade da Alemanha, a estabelecer certas regras sobre as soluções a dar a esses problemas, mas deixou-as para mais tarde, colhidos que sejam aqueles elementos, incumbindo-as a uma entidade especial—a Comissão das Reparações.

Compreende-se bem, especialmente se se atender à diversidade da situação das diversas Potências aliadas e associadas, e ainda à transformação por que, durante e depois du guerra e depois da vigência do Tratado, tem sofrido e sofrerá a Alemanha, como a fixação imediata do montante das indemnizações teria de ser arbitrária, como arbitrária teria de ser também a sua distribuição pelas referidas Potências e a determinação da forma e prazos de pagamento.

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Mas, pois que se não resolveram já esses importantes e momentosos problemas, sucedo que é ainda incerta a situação económica e financeira em que pelo Tratado ficarão as Potências aliadas e associa-'das, e a Alemanha e os seus aliados.

E, pois que para essas resoluções a tomar por uma entidade nova, foi preciso formular regras, estabelecer limites, fazer excepções, descer mesmo, por vezes, a detalhes, calculu-se bem quanto o -trabalho foi árduo e difícil e como árduo e difícil é igualmente o de todos aqueles que queiram, conhecer bem o alcance de todas as disposições do Tratado e será também depois o trabalho daquela Comissão.

Mas, pior do que essa dificuldade, é a incerteza em que, sob este ponto do vista e durante estes primeiros tempos, ficam os Estados interessados sobre o que poderão obter e, portanto, sobre a sua situação económica e financeira, que aliás tem tido e tem necessidade de regular imediatamente. Outro inconveniente ainda— o de manter vivo por mais algum tempo o ódio, ou, pelo menos, a má vontade e a reserva entre os vencedores e os vencidos; ou, se assim não sucedei*} e a Alemanha conseguir alcançar, não já as simpatias, mas as boas disposições dalguma ou algumas Potências aliadas1 ou associadas, ter probabilidades de conseguir que a resolução dos referidos problemas venha a ser bom melhor para ela do que seria se a Conferência a tivesse tomado já.

Tudo isto nos faria talvez propender para a primeira via indicada; e tudo isto obriga .todos os países interessados a procurar calcular já, tam aproximadamente quanto possível, qual o montante dessas indemnizações que lhe virá a caber. Mas para, isso necessário e começar por conhecer com exactidão a regulamentação jurídica da matéria das reparações no Tratado da Paz. v

É isso o que vamos fazer,-^o mais sucintamente possível, pois que a estreiteza do tempo não' nos permite mais, nem a oportunidade ó para um estudo profundo e detalhado do assuntO) procurando em primeiro luffar pôr em destaque a economia do Tratado em tal matéria e expor depois os seus principais preceitos e determinar o seu alcance jurítico o económico.

Diário da Câmara dos Deputados

É na parte 8.a do Tratado, intitulada— Reparações — quê Se encontra o conjunto dos principais preceitos que sobre a matéria o Tratado contêm.

E esta parte 8.a abre pela consignação, no artigo 231.°, do princípio geral de que a Alemanha e os seus abados são responsáveis, visto que lhes deram causa, por todas as perdas e danos sofridos pelos Governos aliados e associados e seus-nacionais em consequência da guerra, que lhes loi imposta pela agressão da Alemanha e dos seus aliados.

Desde que se tem como assente, e a Alemanha reconhece que foi ela e os seus aliados que ocasionaram a guerra, resulta como cofolário jurídico inegável, a responsabilidade pelos danos e perdas emergentes da mesma guerra para os que foram vítimas da agressão.

Tanto em direito privado, como em direito público, em direito natural, como dantes se dizia, ou em direito social, como se pode dizer hoje, nada há que opor e antes há que aderir 0, esse corolário.

Nem precisaria de ser expresso, se não fosso pára abrir caminho ô mesmo para obrigar a Alemanha à confissão de que foi ela" e os seus aliados ^que lançaram o mundo na mais tremenda conflagração-que a história regista.

Mas tem ainda outra vantagem essa consignação—e ó a de estabelecer a comunhão da Alemanha e dos seus aliados na responsabilidade assumida. E se tal comunhão ficou apenas declarada pela Alemanha, e hão também pelos seus aliados, certo é que logo se ficou vendo que eles teriam de a declarar depois nos respectivos tratados de paz, como" efectivamente aconteceu.

Depois veremos o alcance desãa comunhão, cumprindo-nos apenas, por agora, destacar o princípio gerai de que o Tratado faz derivar todas as restantes suas disposições, sobre a matéria que nos • ocupa.

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nos aliados e associados impõem, todavia, e a A-lemanha aceita, a obrigação de reparar todos os prejuízos causados à população civil de cada uma das Potências aliadas e associadas e aos seus bens, durante o período em q.ue essa potência esteve em estado de beligerância com a Alemanha pela referida agressão, quer fosse por terra, pelo mar ou pelos ares, e, duma maneira geral, todos os prejuízos que são definidos 110 anexo 1.° da secção l.a, que contôm as disposições gorais.

Estes últimos prejuízos — convêm conhecê-lo já— são os seguintes:

1.° Danos ou prejuízos causados aos civis na sua pessoa e, em caso de morte, aos sobreviventes de quem eles eram o amparo, por actos de guerra, incluindo bombardeamento ou outros ataques leva"^ dos a efeito em terra, no mar ou nos ares, e todas as suas consequências directas ou por quaisquer operações do guerra dos dois grupos beligerantes-seja onde for.

2.° Danos ou prejuízos causados pela Alemanha ou seus aliados aos civis que tenham sido vítimas de actos de crueldade, violências ou maus tratos (compreendendo os danos causados à vida ou saúde como consequência de prisão, deportação, internamento ou evacuação) seja onde for, e, em caso de morte, aos sobreviventes dê quem estas vítimas eram o amparo.

3.° Danos ou prejuízos causados pela Alemanha ou seus aliados, no seu território ou em. território ocupado ou invadido, aos civis que tenham sido vítimas de quaisquer actos prejudiciais à s,ua saúde, capacidade de trabalho ou à sua honra, bem como, em caso de morte, aos sobreviventes de queia as vítimas eram o amparo.

4.° Danos ou prejuízos por qualquer espécie de maus tratos aos prisioneiros de guorra. '

5.° Como danos e prejuízos causados às potências aliadas o associadas, todas as reuniões ou compensações da mesma natureza às vítimas militares da guorra (exércitos de torra,'mar e forças aéreas) mutilados, feridos, doentes ou inválidos, e, em caso do morto, às pessoas do quem estas vítimas eram o amparo; o total (Jas somas devidas aos Governos aliados e associados será calculado, por cada um

dos ditos governos, pelo valor capitalizado, na data em que o presente Tratado entrar eui vigor, das referidas fusões ou coinpensaçõt-8, na base das tarifas em vigor em França na data mencionada.

6.° Despesas feitas pelos Governos das Potências aliadas e associadas com a assistência aos prisioneiros de guerra, às suas famílias ou pessoas de quem elas eram o amparo.

7.° Subvenções dadas pelos Governos das Potências aliadas e Associadas às famílias ou outras pessoay dependentes dos mobilizados ou pessoas que serviram nos exércitos; o total, das somas que lhes são devididas em cada um dos -anos civis em que as hostilidades tiveram lugar, será calculado, para cada Governo, na base da tarifa inódia aplicada em França, durante o referido ano, para os pagamentos ndesta atureza.

8.° Danos ou prejuízos causados aos civis por virtude da obrigação, que, pela Alemanha ou seus,aliados, lhes tenha sido imposta, de trabalharem sem uma justa remuneração.

9.° Danos ou prejuízos causados em quaisquer propriedades, situadas onde quer que seja, Q pertencentes a qualquer das Potências aliadas e associadas ou aos seus nacionais (exceptuando as obras militares ou navais).que foram arrebatadíis, confiscadas, sacrificadas ou destruídas por actos da Alemanha ou seus aliados, em terra, no mar ou nos ares, ou danos ou prejuízos diroctamente consoquentes de hostilidades ou quaisquer operações de guerra..

10.° Danos o prejuízos causados aos civis sob a forma de tributos, multas ou exacções similares da Alemanha e seus aliados, em detrimento das populações civis.

É de ver que todos estes números interessam a Portugal, mesmo o 8.° e 10.°, pois que fomos vítimas de invasões alemãs em Moçambique.

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Assim parece, pois não é fácil descortinar à primeira vista que outro alcance a limitação possa ter.

E alguns argumentos podem aduzir-se para sustentar essa doutrina de que a Alemanha só fica pelo Tratado obrigada à reparação desses referidos prejuízos.

Tais são: à) que o artigo 233.° dizendo que o montante dos ditos prejuízos, cuja reparação é devida pela Alemanha, será fixado por uma comissão, etc., só se refere aos prejuízos enumerados no artigo 232.°, o quo se confirma pela expressão que adiante se lê no mesmo artigo prejuízos determinados acima; ò) que só, portanto, em relação a tais prejuízos se regula a determinação do seu montante e a fixação da forma e prazo de pagamento; c) que é essa a conclusão lógica do reconhecimento feito no artigo 232.° pelas Potências aliadas e associadas, de que a Alemanha não tem recursos que lhe permitam pagar todas as perdas e danos sofridos pelas referidas potências e seus nacionais em consequOu-cia da guerra.

Todavia, esta argumentação não pro-ced.0; nornne: à) no artigo 231.° os Governos aliados e associados declaram e a Alemanha reconhece quo ela e os seus aliados são responsáveis por todas essas perdas e danos; e, se a Alemanha só devesse indemnizar certos desses prejuízos, não se declararia por forma tam terminante e peremptória, a sua responsabilidade, da qual deriva, lógica e juridicamente, a obrigação de indemnizar; b) e certo é que não se encontra no artigo 232.° nem em qualquer outra disposição do Tratado, a exoneração da Alemanha quanto aos outros prejuízos não indicados no artigo 232.°, como seria absolutamente preciso que existisse; c) a limitação da responsabilidade da Alemanha feita em tais condições contrariaria o sistema seguido pelo Tratado, pois que, se este não quis fixar à priori o montante das indemnizações, também não quereria fixar à priori quais as indemnizações, do montante ainda, desconhecido, que a Alemanha deverá pagar de harmonia com os seus recursos, cuja amplitude ainda hoje se não pode determinar: d] além dos prejuízos definidos no anexo í. ° da secção l.a, outros muitos se encontram mencionados no Tratado como devendo ser pagos

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pela Alemanha; tais são os indicados nos artigos 235.°, 263.°, ?97.° alíneas e) Q K), no anexo ao artigo 298.°, § 4.° do artigo 299.°, alínea b) 2.a ptarte, 300.° alíneas ô) a/), 302.° e 305.°, não falando em restituições territoriais, como a da Alsá-cia-Lorena, nem em restituições ou mesmo reparações de carácter especial e especialmente reguladas, como as relativas aos prejuízos causados nas minas de carvão da França ou na Biblioteca de Lou-vain, na Bélgica, etc.

Daqui resulta que, como habilmente se snstenta do relatório ministerial, a Alemanha deve pagar todas as perdas e danos, por que é responsável, nos termos do artigo 231.°, à medida que para tanto cheguem os seus recursos financeiros — dans Ia pleine mesure de sés moyens, como disse Clemenceau.

De resto, quando, de todo em'todo se não queira adoptar, esta doutrina absolutamente conforme com os princípios do direito e da justiça e com as tradições e regras do direito míwjiãcioaâl público, ter-só há forçosamente de reconhecer que a limitação do artigo 232.° é apenas referente ao prazo dentro do qual se há-de apreciar se a Alemanha tem recursos para pagar as perdas e danos compreendidos no artigo 231.°, mas não no artigo 232.°, e dentro do qual a Alemanha tem de fazer o respectivo pagamento.

Comparando os artigos 231.° e 233.'° e os mais já acima citados, resulta que, em caso algum, mesmo que para tanto não cheguem os seus recursos dentro dos 30 anos seguintes a 1921, a Alemanha, deixará de pagar os prejuízos referidos no artigo 232.° mas que pagará, além desses, todos os mais que se provar que causou, desde que para isso tenha, dentro daquele período, os necessários recursos;— esta interpretação está de harmonia não só com a letra e o espírito do Tratado, mas também com os princípios de direito o de justiça, desde que se parta da idea de que o Tratado não quis obrigar a Alemanha a. pagar todos os prejuízos que causou com a guerra, e quis fazer a limitação da possibilidade dos seus recursos.

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referir-se a um certo período de tempo-, aliás não seria conforme à realidade e seria mesmo absurdo. E desde que, portanto, se fez referência a um certo período, para não deixar a Alemanha durante um prazo muito longo sujeita às consequências temporárias da guerra — o que não seria injusto, bem ao contrário — preciso ó ver qual seria esse prazo. Não é isto difícil, porque, se o Tratado o não diz directa e- expressamente, di-lo por uma forma indirecta quando, no artigo 233.°, última parte, dispõe que a Comissão de Keparações estabeleça simultaneamente, com o montante dos prejuízos no mesmo artigo designados, -uma nota de pagamentos prevendo as épocas e as modalidades de quitação pela Alemanha da totalidade da sua divida num período de 30 anos, a datar do 1.° de Maio de 1921.

Não poderá deixar de reconhecer-se, pelo menos, que é um prazo muito curto e que não seria domais estendê-lo a 50 anos, que, se é longo na vida dum homem, não o é na vida duma nação. E não seria mesmo .castigo demasiado para quem cometeu tantos crimes e tantas dores e tantos prejuízos causou. As legislações criminais estabelecem ainda hoje penas de muito maior duração relativamente à vida humana e nalgumas mesmo ainda se encontra estabelecida a pena de morte; ora vem a propósito preguntar se não teria sido mais justo, e mais político, isto é, mais conforme com os interesses do mundo e com os desejos de manter e assegurar a paz, decretar a morte da Alemanha, do Império alemão, hoje República do Império (!), ou como diz Louis Barthou não tratar com a Alemanha, mas sim com cada um dos Estados confederados, dissociando-os da Prússia e entre si.

Parece-nos bem que sim.

Nos termos expostos, dependerá dos maiores ou menores recursos da Alemanha o pagamento de todos os inais prejuízos, incluindo os económicos e as despesas de guerra, nos termos do artigo 231'.°, o cuja reparação não Atenha sido especialmente regulada em outros artigos do Tratado, devendo not.ar-se que, além da reparação de prejuízos, propriamente dita, há ainda as restituições, que o Trata manda fazer no artigo 238.°, e que

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abrangem todo o dinheiro retirado, confiscado ou sequestrado, assim .como os animais, objectos de toda a sorte ou valores retirados, confiscados ou sequestrados, caso seja possível a sua identificação no território da Alemanha ou no dos seus aliados.

Estas restituições devem ser feitas imediatamente e, como é natural e justo, não são levadas a crédito da Alemanha na conta geral das reparações (artigo 243.°).

Isto importa a Portugal, porque quantias relativamente importantes do Esta4o e de entidades particulares foram confiscadas ou sequestradas pelo Governo Alemão durante a guerra.

Entre as reparações especialmente reguladas no Tratado e a que acima fizemos referência, algumas há que pela sua particular e grande importância para o nosso país, merecem ser destacadas e conhecidas mais detalhadamente.

A mais importante é a determinada no § 4.° do anexo ao artigo 298.°, onde se estabelece que os bens, direitos e interesses dos nacionais alemães nos territórios duma Potência aliada e associada, assim como ó produto líquido da sua venda, liquidação ou outras medidas dó transferência poderão ser oneradas por aquela Potência aliada ou associada, em primeiro lugar.: a) pelo-pagamento das compensações devidas em virtude dos nacionais da respectiva Potência relativas aos seus bens, direitos e interesses, incluindo as sociedades ou associações, nas quais esses nacionais eram interessados em território alemão, ou b) das quan-« tias a eles devidas pelos nacionais alemães, assim como c) do pagamento das reclamações produzidas por actos cometidos pelo Grovêrno Alemão ou por qualquer autoridade alemã, posteriormente a 31 de Julho de 1914 e antes que essa Potência aliada ou associada tomasse parte na guerra; e, em segundo lugar, pelo pagamento das compensações devidas em virtude das reclamações dos nacionais da Potência aliada ou associada relativas aos seus bens, direitos e interesses no território das outras Potências inimigas, até onde essas compensações não tenham sido desoneradas por outra forma.

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em todo o território português que foram mandados arrolar pelo decreto n.° 2:350, de 20 de Abril de 1916, assim como o produto da sua^ venda ou liquidação, que dou entrada na Caixa Geral de Depósitos, nos termos do mesmo decreto, e está portanto em poder do Estado Português, são adjudicados em princípio de pagamento das quantias de todas as aludidas reclamações, entre BA quais há a destacar as inferidas na al:'nea c), não só porque o seu montante há-de ser maior, mas ainda porque quási se pode dizer que só serão apresentadas pelo nosso País, pois só nele é que os prejuízos vdurante o referido período foram tantos e tam importantes.

Bastará lembrar como já fez o relatório, que precede a proposta de lei, que neles estão incluídas todas as despesas que fizemos com as expedições e campanhas militares nas nossas colónias de Angola e Moçambique para repelir as agressões alemãs o todas as perdas e danos sofridos quer pelo Estado, quer pelos nacionais portugueses nessas colónias durante o mencionado período.

tna f\a moía orm-

i Ouriõ cibo,

merados em primeiro lugar no citado § 4.°, devem ser-nos integralmente pagos, como se deduz do mesmo parágrafo e como resulta das regras de direito internacional público. Não estando ainda então em guerra com a Alemanha, as disposições gerais do Tratado sobro reparações não nos são aplicáveis relativamente a esses prejuízos. ' . A distinção, que o Tratado faz, no citado parágrafo, introduzido, & última hora a instâncias da nossa Delegação à Conferência da Paz, muito nos aproveita, pelos motivos já indicados e ainda porque nos permito exigirmos reparação integral de todas as perdas e danos compreendidos nas alíneas a), b) e c) do mesmo parágrafo.

E é, como dissemos já, para princípio de pagamento da importância total de todas essas perdas e danos e ainda das incluídas na última parte do parágrafo, que o Estado Português pode reter e liquidar, nos termos do artigo 297.° e do artigo 84.°, todos os bens, direitos ou interesses pertencentes, à data da entrada em vigor do Tratado, a alemães ou a sociedades por eles constituídas^em território português.

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O produto desses bens, direitos e interesses, já liquidados e a liquidar ainda pelas Intendências dos Bens dos Inimigos é superior a 20:000 contos; mas falta ainda liquidar as cargas dos navios ex-alemães, que apreendemos e que os tribunais julgaram boa presa, e essa liquidação deve ainda produzir, segundo opiniões autorizadas, muitas dezenas de milhares de contos.

Vem a propósito dizer aqui que o Tratado no § 1.° do anexo ao artigo 298.° absolutamente confirmou toda a nossa legislação sobre .os bons dos inimigos, que muitos, consideravam excessiva e até foi mais longe, sendo aliás certo que nenhuma outra legislação de guerra sob este ponto de vista, se avantajou à nossa e poucos Estados beligerantes procederam tam firmemente como nós.

Por outro lado, forain declaradas nulas todas as «medidas excepcionais de guerra» e todas as «medidas de transferência» (umas e outras definidas no § 3.° do anexo ao artigo 298.°) tomadas pela Alemanha quanto aos bens, direitos elnterêsses dos nacionais de todas as Potências aliadas a naancin/lqti A nnrtímfn. rlrt Pnrtnfíl.l.

•v ~ ~ 7 ~ j- - - 7 - - - CJ f

em territórios alemães (§ 1.° do anexo ao -artigo 298.°) e foi mandada sustar a sua execução (artigo 297.°, alínea a), tendo os interessados direito, ou à restituição dos bens, direitos e interessas ainda não liquidados (citada alínea) ou ao recebimento do respectivo produto-e ainda indemnização, de .perdas e danos quanto aos que foram objecto de liquidação (alíneas e) e h) do artigo 297.°). Essa restituição tem de ser feita imediatamente; o pagamento do produto da liquidação tem também de ser imediatamente pago ao directo interessado ou ao seu Governo, se este não adoptar a socção 3.a e o anexo junto da parte 10.a do Tratado, isto é, se não criar a Câmara de verificação e compensação para liquidação de dívidas, ou será levado a crédito da Potência a que pertencer o proprietário, por intermédio da aludida Câmara, • se tiver sido criada (alínea h), n.os 1.° e 2.° do artigo 297.°).

Ficaram assim devidamente acautelados os legítimos interesses dos portugueses proprietários de bens, direitos e interesses em territórios alemães.

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perdas marítimas; e neste capítulo deve reconhecer-se que os legítimos interesses de Portugal furam também tonto quanto possível salvaguardados, embora ainda tenha de intervir para os reconhecer e lhes dar eficácia a Comissão das Reparações.

Pelos §§ 1.° a 3.° do anexo 3.° ao artigo 244.° todos os países aliados e associados, e portanto Portugal, têm direito à substituição, tonelada por tonelada, (tonelagem bruta) e categoria por categoria, de todos os navios e barcos -de comercio e pesca perdidos ou avariados por actos de guerra, e esse direito, por isso que os navios e barcos alemães, existentes à data do Tratado, representavam uma tonelagem muito inferior à das perdas sofridas pelas Potências aliadas e associadas em con: sequência da agressão alemã, é exercido cedendo o Governo Alemão aos Governos aliados e associados e entregando à Comissão das ReparaçOes todos os navios e barcos indicados naqueles referidos parágrafos, ou sejam : todos os navios mercantes, cuja, tonelagem bruta é iguul ou superior a 1:600 toneladas, pertencentes aos seus nacionais, assim como a metade em tonelagem dos navios, cuja tonelagem bruta está compreendida entre 1:600 toneladas e a quarta parte em tonelagem das traineiras a vapor, assim como a quarta parte em tonelagem dos outros barcos de pesca, e compreendendo todos os navios e barcos: a) que arvoram ou têm o direito de arvorar a bandeira mercante alemã; ou 6) que pertencem a um nacional alemão, a uma sociedade ou a uma companhia alemã ou a uma sociedade ou companhia dum país, que não soja nenhum dos países aliados ou associados, mas sob a superintendência ou direcção de nacionais alemães; ou c) que estejam actualmente em construção: 1.° na Alemanha; 2.° em países que não' sejam os países aliados e associados por conta dum •nacional alemão, dum nacional ou duma, companhia alemã.

Aquela entrega já começou e já deve mesmo ter concluído, pois que já terminou o prazo mareado de dois meses depois da entrada em vigor do Tratado ; deve agora a Comissão de Reparações íazer a atribuição dessa frota aos países aliados e associados, distribuindo-a por eles segundo uni critério equitativo.

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E esse é, manifestamente, o que se baseie na proporção das perdas marítimas sofridas e que se trata do computar.

ali o que está om harmonia com o princípio consignado no Tratado, da substituição tonrlada por tonelada e categoria por categoria, e com toda a doutrina seguida pelo Tratado quanto a reparações.

Como vimos, além dos preceitos gerais que no Tratado as regulam, há preceitos peculiares e próprios de crrtas categorias de perdas sofridas; entre estas está a dos navios e barcos de comércio e do pesca, e portanto a sua reparação deve ser feita sem atenção às condiçõesoem que porventura sejam feitas as outras reparações e tendo em atenção somente o seu quantitativo c a sua proporção com a tonelagem a distribuir.

Se houvesse tonelagem bastante para reparar integralmente todas as perdas sofridas, cada país aliado ou associado receberia uma cota parte dela igual à tonelagem que perdeu por actos de guerra da Alemanha; mas; pois que essa tonelagem não chega, deve ser distribuída a cada um segundo o montante das suas perdas.

E o que é natural, razoável e justo. •

Portugal perdeu por actos de guerra da Alemanha 121:077 toneladas brutas.

Não podendo receber tonelagem igual à que perdeu, tem direito a receber, da que tenha sido e for entregue pela Alemanha, nos termos do § 1.° do anexo 3.° do Tratado, a parte que proporcionalmente lhe competir, em relação aos outros países aliados o associados, segundo as fperdas que sofreu.

E certo que parte dessa tonelagem perdida (91:363) era dos navios que Por--tugal requisitara à Alemanha em 23 de Fevereiro de 1916, e que depois foram apreendidos o julgados boa prosa. •

Mas, exactamente por que assim foram julgados, tendo Gsses julgamentos sido confirmados pelo Tratado de Paz (artigo 440.°), tal circunstância não tem o menor valor para dalgurna forma prejudicar a doutrina acima exposta ou a sua aplicação.

Esses navios ficaram sondo o são portugueses, para todos os efeitos, e nem no Tratado se faz, a tal respeito, qualquer restrição.

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da Paz, o problema foi apresentado e discutido, tendo obtido vencimento o ponto de vista francês, segundo o qual ficaram sendo" nacionais dos países respectivos, que os tinham apreendido, os navios alemães que fossem julgados boas presas. ^ Sob o ponto de vista jurídico, nenhuma dúvida pode haver, portanto, de que a proporção deve ser estabelecida em relação à tonelagem perdida por Portugal por actos de guerra da Alemanha, tanto a que já era portuguesa antes de 31 de Julho de 1914, como a que só o ficou sendo por virtude dos julgamentos dos tribunais de presas portugueses.

E sob o ponto de vista moral, ou da equidade, a situação de Portugal não muda, por isso que, se houve países que proporcionalmente perderam tonelagem própria superior à que Portugal perdeu, também é certo que Portugal, requisitando em 23 de Fevereiro de 1916 os navios alemães ancorados nos seus portos e alugando a, maior parte deles à Inglaterra, prestou, não só a este país, mas a todos os países aliados e associados, um enormís-simo serviço.

Como, tal foi logo reconhecido pela Inglaterra *, e escusado será agora encarecê-lo. Bastará dizer que foram 158:773 toneladas brutas que ficaram servindo a economia mundial, e especialmente a dos países aliados, e que, tendo o SPU aluguer sido feito sem preocupações interesseiras, pelo preço corrente nessa época (14/3), mais tarde, quando a guerra submarina atingiu o seu auge, o preço do aluguer subiu, aliás contra tudo o que seria natural esperar, a uma importância muitíssimo superior.

E o mesmo se pode dizer quanto aos

1 Na própria nota em que pediu ao Governo Português que fizesse a requisição dos navios :

«Tendo re.sultado sérias dificuldades para o comércio da presente escassez fie navios, dificuldades que são sentidas nãj só na Gran-Rreta-nha, mas também nos países que mantêm com ela boas relações, o tnndo Portugal, desde o início das hostilidades, mostrado invariavelmente completa dedicação pela sua antiga aliada, o Ministro de Sua Majestade teve ordem, em nome do,Governo de Sua Majestade, de instar com o Governo da República, em nome da aliança, para que faça requisição de todos os navios inimigos surtos em. portos portugueses, que serão utilizados para a navegação comnrfiul portuguesa, e tambôm entre Lisboa e os demais portos que se determinarem por acordo dos dois Governos».

Diário da Câmarv dos Deputados

próprios navios ex-alemães que ficaram ao serviço de Portugal (77:731 toneladas brutas), por isso que da metrópole e das colónias portuguesas transportavam produtos indispensáveis aos países aliados e neutros, e duns e doutros traziam para Portugal e para as.colónias o que elas podiam exportar, e todos serviram para transportar rtropas e material de guerra para os campos, de batalha, tanto da Europa como da África.

Ainda como modo suplementar de reparação parcial das perdas marítimas, a Alemanha compromete-se a fazer construir navios de comércio nos seus estaleiros por conta dos Governos aliados e associados, para o que a comissão das reparações deverá:

à) No prazo de três meses, a datar da entrada em vigor do Tratado, isto é, até o próximo dia 10 de Abril, notificar ao Grovôrno Alemão a totalidade da tonelagem que há-de entrar em construção em cada um dos dois anos seguintes àquela data;

b) No prazo de dois anos, a contar tambôm da entrada em vigor do Tratado, notificar ao Governo "Alemao a totalidade da tonelagem que há-de entrar em construção em cada um dos três anos que se seguirem aos dois acima mencionados, não podendo a totalidade da tonelagem que há-de entrar em construção em cada um dos cinco anos ser superior a 200:000 toneladas de tonelagem bruta;

c) Determinar as especificações dos navios a construir, as condições em que do-verão" ser construídos ou enrregues, o preço por tonelada a que deverão ser levados em conta, e todas e quaisquer outras questõps relativas à encomenda, construção e entrega dos -navios, assim como ao seu lançamento em conta (§ 5.° do anexo 3.° ao artigo 244.°).

O saldo que a nosso favor existir, depois de feita a substituição.tonelada por tonelada e categoria por categoria das nossas perdas marítimas e de levado em, 'conta o valor dessa reparação suplementar da construção de navios, deverá, nos termos do n.° 9.° do anexo 1,° ao artigo 244.°, ser-nos creditado na conta das reparações incluídas no artigo 232.°, que têm do nos' ser integralmente pagas.

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anexo), e a restauração material das regiões invadidas, e esta ainda nos interessa por motivo dos raias alemães nas nossas colónias de Angola e Moçambi , que, por cujos prejuízos, segundo o reja-tório do Governo, pediremos as respectivas indemnizações em dinheiro, todas as outras têm, para o efeito da fixação ios seus quantitativos, das suas garantias e dos prazos de pagamento, de se dividir em duas categorias distintas.

Umas relativas aos prejuízos resultantes de actos cometidos pelo Governo Alemão, ou por qualquer autoridade alemã, posteriormente a 31 deo Julho de 1914, e antes que essa Potência aliada ou associada tomasse parte na guerra, e outras relativas aos 'prejuízos resultantes de actos de guerra cometidos pela Alemanha ou seus aliados.

As primeiras, reguladas no § 4.° do anexo ao artigo 298.°, dependem do julgamento do árbitro que for nomeado pelo Sr. Gustavo Ador ou pelo Tribunal Arbitrai Mixto criado pelo artigo 304.° do Tratado. Embora aquele parágrafo o não diga expressamente, dele e doutras disposições do Tratado se deduz que terá de ser pago imediatamente o saldo que resultar depois de feita a compensação do seu montante com o do produto da liquidação dos bens, direitos e interesses nacionais alemães nos territórios da respectiva Potência aliada ou associada.

As segundas, reguladas nos artigos 232.° e seguintes, dependem do julgamento da Comissão de Reparações, o mais importante organismo de carácter temporário criado pelo Tratado, ao qual foram dadas as mais amplas e importantes atribuições, e que ó hoje presidida pela grande figura do antigo Presidente da República Francesa, Sr. Poincaré.

Pelo artigo 233.° a Comissão terá de apreciar todas as respectivas reclamações de todas as Potências aliadas e associadas e.de as notificar à Alemanha até l de. Maio de 1921. Todavia o Conselho Supremo há pouco, -em Londres, resolveu, aliás, e salvo o devido respeito, indevidamente, que esse prazo seja encurtado. Simultaneamente a Comissão terá de estabelecer uma nota do pagamentos prevendo as épocas e as modalidades do quitação pela Alemanha da totalidade da sua dívida num período de trinta anos, a con- |

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tar do 1.° de Maio de 1921. Após esta data a Comissão deverá estudar, de tempos a tempos, os recursos e capacidades da Alemanha, tendo todos os poderes para lazer as necessárias investigações e para estender o período emodifictir as modalidades dos pagamentos (artigo 234.°). Entretanto, «com o fim de habilitar as Potências aliadas e associadas a empreender desde já a restauração da sua vida industrial e económica», a Alemanha terá de pagar, durante os anos de 1919 e

1920, .e os quatro primeiros meses de

1921, em tantas prestações e segundo tais modalidades (em ouro, mercadorias, navios, valores ou outra forma) que a Comissão de Reparações entenda fixar, o equivalente a 20 biliões de marcos,> ouro, por conta das dívidas acima mencionadas, e terá de entregar mais até o 1.° de Maio de 1921 outros 20 biliões de marcos ouro, imediatamente, emitidos em bilhetes ao portador, sem juros, os quais ou serão amortizados até àquela data com os valores acima referidos, ou serão substituídos com os que também têin de emitir na-importância de 40 biliões de marcos ouro, ao portador, vencendo o juro de 2 l/% por cento entre 1921 e 1926 e a seguir 5 por cento, com l por cento em suplemento para a amortização, a partir de 1926, sobre a importância total da emissão; e, finalmente, terá de emitir, quando a Comissão estiver convencida de que a Alemanha pode assegurar o serviço dos juros e amortização dos mencionados .bilhetes, mais 40 biliões de marcos ouro em bilhetes ao portador, vencendo juros de 5 por cento, devendo ser determinados pela Comissão os períodos e o modo de pagamento do capital e dos juros.

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tiiârio da Câmara dos Deputados

tâncias justificam uma 'modificação dessa taxa (§ 16.° do anexo 2.° ao artigo 244.°).

Os pagamentos sucessivos, que a Alemanha for efectuando, serão repartidos pelos Governos Aliados e Associados segundo as "proporções previamente determinadas por eles na base da equidade e dos direitos' de cada um (artigo 237,°).

Tais proporções ainda não foram determinadas, mas confiadamente devemos aguardar que, dentro daquele critério, o sejam, tendo em atenção os serviços e os sacrifícios de Portugal e a sua situação económica e financeira.

E, para garantia de tais pagamentos, ot> recursos económicos da Alemanha serão directamente aplicados às reparações, como vem especificado nos anexos IUy IV, V e VI, respectivamente relativos à marinha mercante, às restaurações materiais, ao carvão e seus derivados, às matérias corantes e outros produtos químicos, ficando sempre entendido que o valor dos bens transferidos ou dos serviços prestados pela Alemanha nos termos daqueles anexos, avaliados segundo a forma neles prescrita, serão levados a crédito da

"

U.

resultantes dos artigos 231.° a 235,° (artigo 236.°). -

Mais: — salvas as .excepções com que possa concordar a Comissão, ó estabelecido, sobre todos os bens e, rendimentos do Império e dos Estados alemães, um privilégio de primeira categoria para a liquidação das reparações, ficando o Governo alemão proibido de, até o dia 1.° do Maio de 1921, exportar ouro ou dispor dele, e autorizar a exportação de ouro ou quo dele se disponha sem autorização das Potências aliadas e 'associadas representadas pela Comissão1.

1 Alem destas garantias estabelece o Tratado, nos §§ 17.° a 18-° do anexo 2.° ao artigo 2 J4.° que, se a Alemanha faltai- ao cumprimento de qualquer das obrigações designadas na parte 8.a—~ reparações — a Comissão notificará imediatamente a falta a cada uma das Potôncias in teressadas, juntando todas as propostas que lhe parecerem oportunas relativamente às medidas que devam ser adoptadas, e que a Alemanha se compromete a não considerar como aot.ns de hostilidade. Essas medidas podem compreender actos de proibições e represálias económicas e financeiras, e, em geral, todos os nnp, os respectivos Governos possam considerar exigíveis em face das circunstâncias.

Constitui 6ste preceito do artigo 248.° a primeira e mais importante das cláusulas financeiras contidas no Tratado.

Uma outra, que se deve salientar, é a que se contêm no artigo 262.°s em que se determina que qualquer pagamento em numerário, a que a Alemanha é obrigada, em execução do Tratado, expresso em marcos ouro, será realizado, à escolha dos credores, em Jibras esterlinas pagáveis om Londres, dólares ouro dos Estados Unidos pagáveis em Nova York, francos ouro pagáreis em Paris e liras ouro pagáveis em Roma, devendo as referidas moedas ouro ser do peso e título legalmente estabelecidos no 1.° de Janeiro de 1914 para cada uma- delas.

Mas é. principalmente nas cláusulas económicas do Tratado que se encontram muitas disposições de grande alcance, que, contribuindo para a normalização e levantamento da vida económica das Potências aliadas e associadas, constituem

p.omnp-nsflpfip.s indirfiptnsi às n^rrlas nnr i * -• - - -- •• r ~'------ r

elas sofridas.

De todas elas, expressas em nada menos de 48 artigos, com alguns anexos,

COxiatituiiiuO a. parte o. uO «. râíuú.0,

apenas destacaremos agora as que mais directamente beneficiam o nosso País, e a que ainda não tínhamos feito as devidas rpferênp.iíifi.

Versando sobre relações comerciais entre as Potências aliadas e associadas e a Aleniíinha (regulamentação, taxas e restrições alfandegárias, navegação, concorrência deslial, tratamento dos nacionais das referidas Potências) sobre tratados, sobre dívidas, bens, direitos e interesses, sobre contratos, prescrições e julgamentos, sobre propriedade industrial e sôhre seguros sociais e de -Estado nos territórios cedidos, contêm importantes vantagens para as Potências aliadas e associadas, e de quási todas elas Portugal .muito aproveita. .

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sulta a defesa dos nossos vinhos regionais;— e as relativas à propriedade industrial (artigos 306.° a 310.°).

Ainda depois na parte ll.a, relativa à navegação aérea, e na parte 12.a, relativa a portos, vias navegáveis e vias férrea^, se encontram bastantes disposições vantajosas para todas as Potências aliadas e associadas, muitas das quais o são para a vida económica do nosso País, como da sua simples leitura ressalta.

E, finalmente, temos também valiosas compensações indirectas n» s disposições do Tratado, que contêm as cláusulas navais e as concernentes à aeronáutica militar e naval.

Por aquelas, deixaram de pertencer à Alemanha logo que o Tratado começou a vigorar, tendo já sido entregues uns e devendo-o ser em prazos curtos, os ou-fres: a) todos os vasos de guerra alema.es, de superfície, que se encontravutii fora dos portos alemães à data da entrada em vigor do Tratado; b) todos os navios que, em execução das cláusulas do Armistício de 11 Novembro de* 1918, estavam àquela mesma data internados nos portos das Potências aliadas e associadas; c) todos os navios que na referida data estavam internados em portos neutros; d) mais: os vasos de guerra alemães, de superfície, enumerados no artigo 185.° (8 couraçados, 8 cruzadores ligeiros, 42 des-troyers recentes e 50 torpedeiros recentes) ; e) G mais: todos os submarinos alemães, assim como os navios de salvamento de submarinos e as docas para submarinos, compreendendo a doca tubular.

Toda es*» "i t guerra ó rateada

pelas Potências aliadas e associadas; e a Portugal foram já adjudicados uma canhoneira, que virá assim substituir o caça-minas Augusto de Caxtilho, que perdemos na guerra, e mais seis torpedeiros, quê virão prestar nos vaidosíssimos serviços, como sejam os relativos à fiscalização da pesca nas nossas costas do continente e a vigilância e defesa dos nossos portos coloniais.

Pelas cláusulas concernentes à aeronáutica militar e naval, a partir da entrada em vigor do Tratado, todo o material da aeronáutica militar o naval ale' mão, à excepção dos aparelhos indicados no artigo 198,°, alíneas 2) o 3), deveria começar a ser entregue aos Governos das

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principais Potências aliadas e associadas, compreendendo-se nele, em particular, o que esteve empregado ou destinado a fins de guerra, especificadamente enumerado no artigo 202.°

Ksse material será também rateado pelas Potências aliadas e associadas; e igualmente devemos esperar que nesse rateio os direitos e legítimos interesses de Portugal sejam devidamente considerados.

O mesmo devemos esporar quanto aos cabos ou porções de cabos submarinos, a cujos direitos, títulos e privilégios de qualquer natureza, a Alemanha, em seu nonie e nó dos seus nacionais, renunciou em favor das principais Potências aliadas e associadas (anexo 7.° ao artigo 244.°); e ainda quanto aos despojos provenientes do propositado afundamento da esquadra alemã ancorada em Seap.a-Flow.

Para o conseguir já a Delegação Portuguesa à Conferência da Paz apresentou e tem defendido as respectivas reclamações.

Confiamos na justiça que nos assiste e no espírito de justiça que há-de inspirar as deliberações do Conselho Supremo e da Comissão das reparações.

É certo que o nosso Delegado nesta Comissão não tem, como têm os dalguns outros países e como seria justo, direito de voto; rnas nem por isso devemos recear que os nossos direitos e interesses sejam menosprezados, que seja' esquecida a nossa atitude constante e principalmente nas horas mais difíceis da luta, e que não seja considerada a grave situação em que ficámos o que estamos atravessando com a nossa dívida pública considerávelmente aumentada e com os maiores embaraços para prepararmos e conseguirmos, por uma larga obra de fomento, o desenvolvimento da economia nacional.

De esperar é, por isto, que nos seja dada representação nos comités, a que se refere o § 7.° do anexo 2.° da parto 8.a do Tratado e que, na interpretação e aplicação-do artigo 237.° tanto quanto possível se resgatem as faltas que, em relação ao nosso País o Tratado cometeu, dando-se satisfação às suas justíssimas reclamações o mantendo todos os aliados com elo na paz, a mesma solidariedade que ele coni todos teve na guerra.

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internacional da Sociedade das Nações, quis também encerrá-lo, coroando-o, com outra construção da mesma natureza e quiçá de importância não menor, a ele associada, e destinada a regulamentar internacionalmente o trabalho, melhorando as suas condições e estabelecendo um regime humano, de justiça social, que não seja um óbice, e antes contribua para assegurar uma paz mundial duradoura.

Esta . organização permanente do trabalho compreende'uma Conferência Geral de representantes dos seus Membros, que são os mesmos da Sociedade das Nações. e uma Repartição (bureau) Internacional do Trabalho.

Uma e outra terão as suas sessões e a sua sede na sede daquela sociedade (em Genève), tendo aquela um Presidente e esta um conselho de administração e -um director, que exercerá também as funções de secretário da Conferência. Compõe-se esta de quatro representantes década

uúi cios Membros, sendo dois delegados

. do Governo e outros dois representantes

duma parte dos patrões e doutra parte dos trabalhadores pertencentes à jurisdição de cada um dos Membros.

Cada delegado tem o direito de'votar individualmente em todas as questões submetidas às deliberações da Conferência, e os conselheiros técnicos poderão usar da palavra a pedido do delegado a 'que estiverem adjuntos e com autorização especial do Presidente, não podendo tomar parte nas votações.

Cada um dos membros da Conferência obriga-se:

a) a aplicar as convenções a que hajam aderido, conforme as disposições desta parte do presente Tratado, às' suas colónias, possessões ou protectorados sem autonomia de Governo, com as seguintes condições:

1.° que a convenção não seja tornada inaplicável pelas condições locais.

2.° que as modificações necessárias para adoptar a convenção às condições locais possam ser introduzidas nesta;

b) a submeter no prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, se, em consequência de circunstâncias excepcionais, se tornar impossível proceder neste prazo, logo que seja possível, mas nunca além de dezoito meses depois do° encerramento da Confe-

rência) a moção ou o projecto de convenção à autoridade ou autoridades na competência das quais cabe a matéria, no propósito de a transformar em lei ou de adoptar medidas doutra ordem ;

c) a apresentar à Repartição Internacional do Trabalho um relatório anual, sobre as medidas por ele adoptadas para pôr em execução as convenções a que aderiu.

Qualquer membro da Conferência ou qualquer organização profissional operária ou patronal poderá apresentar à Repartição Internacional do Trabalho qualquer queixa contra os Membros da Conferência que não tenham assegurado dum modo .satisfatório a execução duma convenção a que tenha aderido.

Estas queixas são comunicadas ao conselho de administração que, ouvindo, ou não, imediatamente o arguido, poderá reclamar a formação duma comissão de inquérito, que tora a missão de estudar a questão levantada e de apresentar um relatório sobro o caso, o qual será comunicado â cada um dos Governos interessados para que digam se aceitam ou não as ouservãções nele contidas e, caso as não aceitem, se desejam que a contestação seja submetida uo Tribunal permanente de jus tiça internacional da Sociedade das Nações.

Da. mesma forma quando qualquer dos Membros não adopte, quanto a uma moção ou a -um projecto de convenção, as medidas tomadas "pela Conferência, qualquer outro Membro tem o direito de levar o assunto ao mesmo Tribunal, a cuja apreciação são também submetidas quaisquer questões ou dificuldades relativas às interpretação desta parte (13. a) do Tratado e das convenções, que em virtude delas sejam ulteriormente celebradas pelos Membros da Conferência.

Esta organização, que se nos afigura mais perfeita do que a da Sociedade das Nações, não poderá, porém, produzir todos os seus benéficos resultados emquan-to não for criado e posto a funcionar o Tribunal Permanente de Justiça Internacional, embora até então as questões que lhe deveriam ser submetidas sejam apresentadas aum Tribunal forma do por três pessoas desigmidas pelo Conselho da Sociedade das Nações.

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internacionais, exista aquele Tribunal dotado de toda a autoridade e prestígio e de todos os meios coercitivos indispensáveis para que as suas decisões não possam 'Sor desrespeitadas e antes tenham plena execução.

Só assim serão eficazes todos os esforços tendentes a um melhor regime internacional, tanto do trabalho como de todas as outras . manifestações da actividade humana.

Só assim se poderá assegurar a obediência aos métodos e princípios fundamentais do trabalho internacional, que, emquanto não se pode .atingir a uniformidade absoluta nas condições do trabalho, o Tratado de Versaillos consigna no seu artigo 247.° para guiarem a política da Sociedade das Nações e que, «seforem adoptados pelas comunidades industriais que são membros dessa sociedade e se forem mantidos na prática por um corpo idóneo de inspectores, espargirão benefícios permanentes sobre os assalariados do mundo».

Assim fala o Tratado; e estas suas palavras, pela intenção que ;as dita e pelo que contêm de desejo e de esperança quanto a um- melhor e mais justo e mais humanitário regime económico e social, merecem a nossa entusiástica aprovação. Procura-se assim, por um caminho direito e legal, por uma evolução democrática, que não deve ser muito lenta, porque as circunstâncias e a ânsia de perfeição e justiça assim o exigem, chegar a um resultado que o sentimento e a razão impõem e cuja obtenção constitui hoje o fulcro da política dos Estados mais adiantados.

É preciso prosseguir na senda que melhor nos conduz à realização do ideal de bem-estar, de justiça e de dignidade para todos os trabalhadores, e que é a do acordo dos Estados civilizados para o estabelecimento duma legislação internado^ nal do trabalho.

E Portugal, que é hoje um Estado republicano e democrático, assim tem feito, pois que, nos últimos anos, tem promulgado já importantes reformas tendentes a melhorar a situação e assegurar o futuro das classes trabalhadoras,e nas suas colónias tem a vigorar uma legislação reguladora do trabalho indígena, que ó perfeita e completa, a par das mais^adianta-1

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das nações coloniais, e que é aplicada por forma que os indígenas podem, quanto ao seu bem-estar e protecção e quanto ao seu valor' produtivo, sofrer o confronto com os de todas aquelas nações, como o atestam bem alto, por exemplo, os territórios da Companhia de Moçambique, a Zambézia e S. Tomé.

Por isso com caloroso júbilo fez parte dos iniciadores da nova Organização e nos seus trabalhos já interveio activamente, enviando os seus delegados à primeira reunião da Conferência Geral, que teve lugar em Washington em Novembro e Dezembro de 1919, e onde, seguindo-se o programa estabelecido no anexo ao artigo 426.° do Tratado, foram já aprovados 6 projectos de convenção e 6 recomendações, que o relatório ministerial indica e resume.

A obra, com que a Conferência Geral enceta a sua tarefa, marca já um avanço notável, não só pelas resoluções tomadas mas ainda porque ao regimen dos tratados de trabalho, que, como diz Ernest Mahaim, contribuem já para estreitar os laços que unem as nações, elevando o nivel da classe operária ao duma humanidade mais cultivada, mais poderosa e mais livre, substitui o da promulgação de diplomas legais, que são já verdadeiros capítulos do -Código Internacional do Trabalho, da protecção ao proletariado de todas as nações.

Concluímos:

O Tratado de Paz, cuja exacta e justa apreciação só mais tarde poderá sej devidamente, feita, ó inegavelmente uma obra que, apesar de não corresponder à espectativa geral, e aos desejos e necessidades das próprias Altas Partes Contratantes, e não obstante todos os seus defeitos de forma —método e redacção — merece o nosso respeito.

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lecer inteiramente e imediatamente uma situação internacional maravilhosa-, ou mesmo boa.

Não conseguiu tal resultado nenhum dos mais notáveis tratados anteriores, que puseram termo a conflagrações menos extensas, demoradas e intensas do que esta de que acabamos do sair.

Nem mesmo o poderia conseguir amanhã uma nova Conferência que se reunisse para o rever, ou piira fazer um novo tratado—e tanto que os seus mais ásperos críticos e os que mais propugnam pela sua revisão, ou rejeição, estão divididos, têm pontos de vista absolutamente con-• traditúrios e opostos, são dominados por sentimentos e ideas que se chocam e de-gladiam.

Portanto, esta Comissão entende que o Parlamento Português deve dar a sua rã tificação ao Tratado, - fazendo aliás seus os eloquentes e enérgicos e justos protestos que perante a Conferência apresentou o presidente, da Delegação Portuguesa — o eminente estadista e jurisconsulto Dr. Afonso Costa—, -e manifestando o seu sentimento por que Portugal não tenha podido obter, como não obtiveram as outras nações —pequenas e grandes—,a devida compensação a todos os seus prejuízos, aos seus pesados sacrifícios, aos valiosos serviços, que prestou em torras deÁfricae nos campos da gloriosa França, e aos denodados e valorosos esforços dos seus soldados de terra e mar.

Cabe aqui prestar a mais calorosa homenagem a estes soldados, como a todos os que contribuíram para que Portugal, honrando os compromissos tomados para com a sua secular aliada — a Inglaterra — e reatando as suas tradições de cavalheirismo e heroicidade, ocupasse na contía-grt cão mundial um posto do honra e de responsabilidade, em que, através de tudo, conseguiu manter se até o fim, cooperando até o último momento para a vitória do Direito e da Justiça, da Liberdade e da Democracia!

Tom esta suprema compensação, que ó um grande incentivo para continuar agora na paz, pela ordem, pelo trabalho, pelo culto dos bons princípios e pela adopção dos melhores processos, uma cooperação não monos útil e necessária na tarefa da reconstituirão dum no\ o mundo, em. que o bem-estar dos homens, a fra-

ternidade e a solidariedade dos povos e o progresso social não sejam palavras vãs e antes sejam concretas realizações desses permanentes ideais da humanidade. — João Pereira Bastos — António Aresta Branco (com restrições)'—Jaime de Sousa — António Maria da S Uva — António Granjo — Luís de Mesquita Car-oallio (com restrições)—Ai L. Aboim-Inglês (com restrições)'—Barbosa de Magalhães, relator.

Proposta de lei n." 329-B

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convenção de 1919, certo de que os representantes do país, no exercício da sua soberania, se consagrarão a determinar--Ihe a inspiração geral, as condições e as consequências, polo estudo dos quatrocentos e quarenta artigos desse complexo instrumento que é um dos grandes tratados da História e que seria o maior, no dizer de Louis Barthou, se tivesse podido resolver todos os problemas que a guerra trouxe à humanidade, para que, sobre a sua resolução, se construísse, de facto, uma .nova ordem internacional de cousas.

Ao lazer esta apresentação, o primeiro dever do Governo é saudar a momória daqueles soldados heróicos- que não voltaram, quer o seu sacrifício se tenha consumado em torras sagradas dessa França invencível, onde floriu, para o mundo, a mais alta expressão da liberdade, na conquista dos directos do homem, quer nas colónias, onde a luta não foi menos gloriosa para os portugueses que ali tiveram a missão de dar a vida pela honra e polo futuro da sua pátria. Desse dever, em nome do Governo, me desobrigo, neste momento, envolvendo na mesma invocação de saudade todos os nossos mortos queridos, cujo sangue generoso completou , a obra de redenção que o esforço dos ali-ados na grande guerra representa e simbolizará para todo o sempre. O Governo presta, também, a sua homenagem aos oficiais, soldados e marinheiros que, mais felizes do que os seus irmãos de armas imolados no sacrifício supremo, puderam saudar o alvorescer da Vitória, de que foram obreiros, nessa dourada manhã do armistício em que sobre a Europa em fogo pousou a primeira benção da paz. Desses oficiais, muitos, à data da entrada de Portugal na guerra, exerciam o Poder Legislativo, que vai, agora, pronunciar-se sobre o resultado da obra a que eles deram o subsídio cia sua acção heróica, e abandonaram, espontaneamente, as suas cadeiras do Deputados e Senadores para colaborar na cruzada da civilização contra o antigo império central, donde saíram, os violadores da neutralidade da Bélgica, os destruidores da catedral de Beiras e da biblioteca1 de Louvain, os bárbíiros quo, tendo assinado, na Haia, om 1907, as convenções quo colocavam os habitantes dos países inimigos ocupados por um

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beligerante sob o patrocínio e a salvaguarda dos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, dos direitos da humanidade e das exigências da consciência pública, haviam de arrancar, em massa, às mães de Lille, de Tourcoing e de Rou-baix—mães dolorosas, mães de angústia e de desespero! — as suas filhas muito amadas. Alguns dôsses oficiais estão, ainda hoje, nesta sala. Não poderia o Governo da República, nesta hora, dispensar-se de expressar a sua admiração e o seu respeito a eles e a todos os sous camaradas dos exércitos de terra e mar que, como eles, bem mereceram da Pátria.

Cumprido este dever, outro se nos impõe, ainda. E esse é o de saudar os homens eminentes que têm representado Portugal na Conferência da Paz, sem distinção d,J épocas, quer sob a presidência do Sr. Dr. Egas Moniz, quer sob a presidência do Sr. Dr. Afonso Costa, alguns dos quais, como os Srs. Freire de Andrade, Santos Viegas, Batalha Heis e Botelho de Sousa, passaram da primeira para a segunda delegação, trabalhando nesta ao lado de Afonso Costa, de Augusto Soares, de Norton de Matos, de João Chagas e de Teixeira Gomes. Todos eles, desde o primeiro ao último dia das suas respectivas missões, fizeram a defesa dos nossos direitos, tam legítimos como os dos outros combatentes, e a exaltação das nossas aspirações, tam despidas de egoísmo como as que mais o foram nessa luta espiritualisada por uma rara beleza mo-raL A figura de Afonso Costa, esmalte e glória da República, que simboliza essa campanha na sua fase decisiva e na sua mais alta expressão, não deve passar, evidentemente, sem uma referência especial, neste momento em que o grande português completa a sua obra redigindo o relatório desses trabalhos, que o Governo se honrará do apresentar ao Congresso, como documento de serviços excepcionais, quo nunca poderão ser suficientemente agradecidos!!

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históricas; — e ao cumprir esse preceito constitucional não se dispensa de traçar uma síntese dos pontos que mais directamente interessam o nosso país.

Pelo artigo 1.° do tratado de Portugal é .considerado como Membro originário da Sociedade das Nações, criada, segundo o pensamento cíe Wilson, para proporcionar a todos os Estados, grandes e pequenos, igualmente, garantias mútuas de independência política e de integridade territorial e, pelo artigo 3.°, tem o direito de nomear três representantes para a Assembloa, tendo, como as outras nações, apenas direito a um Voto.

A acção da Sociedíide das Nações exerce-se por intermédio duma Assem-blea ò dum Conselho, assistidos duni Secretariado ^permanente. Pelo artigo 4.°, até nova decisão dessa Assemblea, só fa-

além das principais potências aliadas e associadas, a Bélgica, o Brasil, a Espanha e a Grécia — e contra esta constituição formulou a Delegação Portuguesa as devidas reservas, de natureza puramente jurídica. Mas, sempre que no Conselho se tratar de qualquer questão que interesse Portugal, temos o direito de nos fazer representar. De resto, no recente Congresso das' associações nacionais de propaganda da Sociedade das Nações, realizado em Bruxelas, o ilustre presidente da Delegação Portuguesa, logo na sessão inaugural—em que só usaram da palavra os representantes da França, de Inglaterra, de Itália e de Portugal — expressou, por entre aplausos gerais, a aspiração adoptada, depois, pela Assemblea como base dos trabalhos da primeira comissão, de que o pacto da Liga das N

Um dos artigos fundamentais do. Tratado, o artigo 231.°, firma o -princípio das reparações, que, essencialmente, nos interessa. A Alemanha e os seus aliados reconhecem-so responsáveis por todas as perdas e prejuízos sofridos pelos Governos aliados e associados e pelos seus na-

cionais, em consequência da .guerra que a êssos Governos foi imposta. Afirmado e reconhecido este direito estrito das nações da Entente, logo estas quiseram limitar as reparações tornando-as proporcionais aos presumidos recursos financeiros do "inimigo. E assim é que o artigo 232.° reconhece esses recursos insuficientes para assegurar a completa reparação de todas aquelas perdas e todos aquebs prejuízos, tomando em consideração a diminuição permanente da capacidade financeira da Alemanha, que resulta das outras disposições do Tratado. Exige-se, porém, e a Alemanha a isso se obriga, que sejam reparados todos os prejuízos causados à população civil das potências aliadas e associadas e aos seus bens, e, dum modo geral, todos os prejuízos tais como estão* definidos no anexo I. Examinando este anexo, vemos que as reparações a efectivar por parte da Alemanha, em benefício de Portugal, podem ser divididas em duas categorias principais: as que interessam directamente o Estado e vão representar um alívio nos seus orçamentos, ou compensação de pré-

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T\ OS A O

5.°, 6.° e 1.° (assuntos a atender pelo Ministério da Guerra) e 9.° e 10.° (assuntos que correm por outros Ministérios) ; as QUPI interessam os particulares e cons-tam^dos n.08 1.°, 2.°, 3.° e 8.°

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gação do trabalhar som justa remuneração. As reparações por danos e prejuízos nas propriedades, exceptuando as obras militares ou navais, atingem o Estado e os particulares.

Para fornecer ao representante de P.or-tugal junto da comissão de reparações, criada pelo artigo 232.° do Tratado, os elementos indispensáveis à documentação dos nossos sacrifícios está sendo elaborada pela Comissão Executiva da Conferência da Paz, a que tenho a honra de " presidir, a memória definitiva sobre a situação económica e financeira de Portugal, imediatamente antes o depois da guerra. Esta memória dem,ons.trará as consequências da nossa participação na guerra sobre a situação económica e financeira do país. Está-se procedendo, também, ao cálculo de todos os prejuízos sofridos — não só daqueles que, em face do Tratado, nos dão uni crédito incondicional sobre a Alemanha, mas ainda dos que, em virtude do princípio consignado no artigo 231.°, podem um dia ser reparados pela nação vencida. Trata-se, pois, de memórias parciais sobre prejuízos económicos, despesas de guerra e '-prejuízos directos, estas últimas nos termos do referido Anexo I à Parte VIII.

Em consequência do disposto no n.° 5.°, Anexo I da-Parte VIII, indicar-se há a capitalização das pensões ou compensações da mesma natureza às vítimas mili-tároa &* guerra, mutilados, feridos, doen-.tes ou inválidos, ou seus sobreviventes europeus o indígenas, segundo a tabela francesa.

• Por virtude do n.° 6.° do mesmo anexo, o valor das subvenções fornecidas aos prisioneiros do guerra e suas famílias.

Por virtude do n.° 7.° o das subvenções dadas às famílias ou outras pessoas a cargo dos mobilizados ou indivíduos que serviram no exército.

Por virtude do n.° 9.°, o valor a reclamar pelos navios mercantes pertencentes ao Estado o a nacionais, afundados por actos de guerra, e pelas avarias causadas a navios dessas duas qualidades, incluindo na conta destas avarias todas as indemnizações relativas às despesas feitas para as reparar, aos salários das tripulações durante a forçada inactividade o os lucros cessantes durante esse período, os prejuízos relativos a cargas, danos causados

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em edifícios públicos, de carácter não militar, etc.

Não nos é atribuído polo Tratado o pagamento das despesas de guerra, cuja conta, apesar disso, apresentaremos, dentro do prazo legal imposto para a notificação, dos chamados prejuízos directos até l de Maio de 1921. A nenhuma nação é atribuído esse pagamento que, aliás, representaria a aplicação dum princípio assente em jurisprudência civil interna^ cional. Em princípio, as potências aliadas e associadas renunciaram às indemnizações legítimas, que tinham o direito de exigir pelas suas despesas de guerra, avaliadas recentemente pelo Sr. Lloyd George ein 30 biliões de libras, esterlinas..Só a Bélgica, a título de reparação especial pela violação do tratado de 1839, receberá da Alemanha, nos termos do 3.° § do artigo 232.°, a importância dos empréstimos que os Governos Aliados e associados lhe fizeram até 2 de Novembro de 1918, isto ó, até.-o armistício compreendendo o juro de 5 por cento. A questão das despesas de guerra foi, precisamente, um dos termos das reclamações portuguesas formuladas na sessão plenária de 6 de Maio de 1919. Mas a verdade' é que, dentro da redacção do artigo 231.°, está o reconhecimento de dividas para com todos os Estados que tiveram perdas, ou despesas, que perdas são. Torna-se indispensá« vel considerar a noção do tempo, a que, necessariamente, se refere a admissão, pela Alemanha,' dos princípios impostos pelos aliados. A insuficiência dos recursos da Alemanha, reconhecida-no artigo 232.°, é apenas actual e por isso transitória, . subsistindo, .para sempre, o reconhecimento de dívidas (artigo 231.°) que não podem ser pagas por agora, mas que nada impede que o sejam um dia, quando o desenvolvimento económico e a recons-titulção financeira da nação vencida pu--sercm nos cofres dos nossos inimigos de. ontem disponibilidades, cuja existência, pelo menos durante trinta anos, a partir de l de Maio de 1.921, os aliados, generosamente, se recusam a admitir.

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É certo 'que o artigo 232.° declara que os recursos da Alemanha não são suficientes para garantir a completa reparação de todas as perdas e prejuízos sofridos pelo Estado e pelos seus nacionais, em consequência da guerra. Mas, quem nos çliz que, daqui a cinquenta ou bossenta anos, a Alemanha não estará em condiçOes de pagar tudo aquilo que .os Governos aliados e associados, por agora, lhe perdoem? Já neste momento o seu esforço de organização económica excede toda a espectativa.

A indústria têxtil de Wnppertal está em plena florescência desde ' o mós de •Agosto; os .Estados-Unidos, que ainda não ratificaram o tratado, já permitiram a importação das; matérias corantes alemãs até a concorrência da quantidade precisa para cobrir, durante seis meses, as necessidades das manufacturas americanas; a recente feira de Leipzig teve uma importância de excepção no ponto de vista do desenvolvimento das exportações, base essencial da solvabilidade alemã; a venda anual do carvão do antigo império central, apesar da perda da bacia do Sarre, foi calculada em 80 milhões de toneladas, por unia autoridade indiscutível, como é o Sr. Loucheur, há pouco, ainda, ministro francês da reconstituiçao industrial, etc.

Todos estes factores, e outros, que seria fastidioso enumerar, fazem prever que a Alemanha poderá pagar mais do. que os aliados lhe exigiram, dominados pela preocupação de atender a concepções generosas da chamada capacidade de pagamento dos seus inimigos de ontem. E preciso não confundir a dívida com o paga-gamcnto. De resto, o Tratado não contêm cláusula alguma que impeça a manutenção das nossas reclamações quanto a despesas de guerra e a prejuízos, económicos. E, quanto aos prejuízos directos, deve acentuar-se que, segundo o artigo 237.°, as sucessivas entregas de fundos, efectuadas pela Alemanha, compreendendo as referidas nos artigos anteriores, serão distribuídas pelos Governos aliados e associados -om proporções previamente fixadas por ôlbs, o -fundadas na equidade e nos direitos de cada um.

Convêm notar, ainda, que, com fundamento no § 4.° do anexo da secção IV da Parto X, serão descriminadas as despesas

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feitas na metrópole "para repelir a agressão da Alemanha à província de Angola, as despesas feitas naquela província para o mesmo fim, e as despesas feitas na metrópole e em Moçambique, para evitar qualquer agressão a esta última província. Temos o direito de ser indemnizados por estas despesas feitas desde 31 de Julho de 1914, isto é antes- da declaração de guerra pela Alemanha. Nos termos do mesmo parágrafo, ^ao respectivo pagamento e ao doutros prejuízos nele mencionados, pode ser atribuído, em primeiro lugar, o -produto líquido dos bens inimigos, cujos proprietários deverão ser indemnizados pela Alemanha, por virtude do disposto-na alínea i) do artigo 297.° (Reclamações por actos cometidos pelo governo alemão ou por qualquer autoridade alemã, posteriormente a 31 de Julho de 1914, e-anteriormente à entrada em guerra da potência aliada reclamante). Os prejuízos causados pelo ataque dos alemães no sul de Angola entram na categoria dos créditos privilegiados, assim ^omo as despesas preventivas relativas au Moçambique. O Governo tem o direito de reter os bens alemães situados em território português para GC reembolsar do moniaiitô desses danos a fixar nos termos do processo estabelecido pelo mesmo § 4.° jio anexo ao artigo 298.°

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ou de quaisquer outras s-anções adequadas, a importação e a exportação assim como a fabricação, a circulação, a venda e a exposição à venda no interior, de todos os produtos ou mercadorias com quaisquer marcas, nomes, inscrições ou sinais, que comportem directa ou indirectamente, falsas indicações. sobre a sua origem, a espécie, a natureza ou as qualidades específicas.

Pelo artigo 275.°, a Alemanha obriga-se a respeitar as leis em vigor, nos países aliados, fixando o direito a uma designação regional, para os vinhos ou espirituosos produzidos no país a que pertence a região, ou as condições em que o emprê-go duma denominação regional pode ser autorizado.,,A importação, a exportação, assim como o íabrico, a circulação, a venda e a exposição à venda dos produtos ou mercadorias com designação regionais contrárias às leis em questão, serão proibidas e reprimidas pela Alemanha. Da •coiijugação d6stes dois artigos resulta a defesa dos preciosos vinhos regionais que constituem o elemento primacial da nossa exportação, tani rigorosamente garantida como o foi no protocolo final do tratado de comércio de 30 de Novembro do 190&.

Com respeito ao segundo ponto referido, a matéria é regulada pelo artigo 269.° Durante um período de seis meses os direitos de importação na Alemanha não poderão ser superiores aos mais favoráveis ali em vigor em 31 de Julho de 1914, continuando esta disposição a ser aplicada por mais trinta meses, para uma determinada categoria de produtos, a que pertencem os nossos, .que àquela data, gozavam de direitos convencionais. O artigo 264.° garante o regime de nação mais favorecida.

Em face dá doutrina dos artigos 274.° e 275.°, que resume a principal vantagem do tratado do comércio com a Alemanha, poderíamos —o estou, convencido de que poderemos— continuar a dispensar aquele .acordo comercial; mas o artigo 269.°, preceituando que cada uma das potências aliadas c associadas notificará à Alemanha quais as convenções ou tratados bilaterais que deseja repostos em vigor, dá a Portugal a faculdade do restabelecer o tratado de 1908, se assim o julgar conveniente Não ó natural que nos utilizemos desta concessão por diversas razões, uma

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das quais é a de que o Tratado de Paz atribui a Portugal, todas as vantagens do tratado de comércio, sem o obrigar a nenhum dos encargos deste acordo, negociado em igualdade de soberanias e não imposto, como o instrumento diplomático de Ver-sailles, por vencedores a vencidos.

Quanto aos navios alemães, que constituem hoje a parto mais importante da nossa frota de comércio", factor primacial do. ressurgimento económico do país, a Alemanha, pelo artigo 440.° do Tratado, reconhece como válidas e obrigatórias todas as sentenças dos Tribunais de presas, renunciando a qualquer reclamação contra elas, o que significa que a legitimidade da posse desses navios é, hoje, incontestada. Portugal dispõe de uma tonelagem importante, que será ainda acrescida pela que deve corresponder às toneladas afundadas., que a Alemanha terá de repor,. Com efeito, pelo § 1.° do anexo m, da parto viu, a Alemanha obriga-se a substituir, • tonelada por tonelada, e categoria por categoria, todos os navios apreendidos e julgados-boas presas e que, posteriormente, 'foram perdidos ou deteriorados por actos de guerra, porque desde a intervenção da jurisdição competente, 6s-ses navios deixaram de ter a nacionalidade alemã, para terem a nacionalidade do aliado, em favor do qual foram julgados boas presas. Para Osso -fim, a Alemanha entregará uma parte da tonelagem que possue e que, não sendo suficiente para reparar todas as perdas causadas, terá que ser rateiada pelos aliados, proporcionalmente às suas perdas.

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Portugal, com o potência aliada} tem pois direito^: , .

1.° A substituição, tonelada por tonelada, e categoria por categoria, de todos os navios e barcos de comércio e de pesca, incluindo os ex-alemães já julgados boas presas, perdidos ou deteriorados por virtude de factos de guerra até onde for possível esta.substituição.

2.° Ao pagamento do valor da tonelagem afundada e que não tenha sido substituída. ^

3.° À 'construção de navios de comércio nos estaleiros alemães, como modo -suplementar de reparação parcial.

Para a realização deste direito, o Go-Têrno remeterá à Comissão de Koparações:

1.° Uma lista completa de todos os navios e barcos de comércio e de pesca perdidos ou deteriorados por factos de guerra, conr. indicação rigorosa da tonelagem e da categoria e/da data do evento.

2.° Uma "lista dos navios que deseja que sejam construídos por sua conta, em estaleiros alemães, como modo suplementar de reparação parcial dos navios destruídos..

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xv. xncinunLici rtccitã, u principio úe ãpii-car os seus recursos económicos à restauração material das regiões invadidas (anoso iv da parte viu).

Para esse fim serão organizadas listas, indicando:

1.° Os -animais, máquinas,, equipamentos, ferramentas e quaisquer outros artigos similares de carácter comercial que foram confiscados, consumidos ou destruídos pela Alemanha ou destruídos em consequência, directa das operações militares, e que devem' ser substituídos por animais ou artigos da mesma natureza, existentes no território alemão à data da entrada em •vigor do Tratado, para a satisfação,de necessidades imediatas e urgentes.

2.° Os materiais de construção; máquinas, aparelhos para aquecimento, móveis e toda a- espécie do artigos do carácter comercial que os Governos desejem que sejam produzidos e fabricados na Alemanha e -a eles entregues para a restauração das regiões invadidas.

Esta parte das reparações pouco nos interessa. Só tem aplicação ao sul de Angola o. a Moçambique, por motivo dos raids. O Governo poderia organizar uma lista dos artigos a requisitar—mas entende

que é preferível pedir a indemnização em dinheiro.

A Alemanha, a título de reparação parcial, dá à Comissão de Reparações, uma opção de entrega até 50 por cento do sen stock total de cada espécie de matérias corantes e produtos químicos farmacêuticos. Esta designação compreendo todas as matérias corantes, todos o& produtos químicos farmacêuticos sintéticos, todos os produtos intermediários e todos os outros-produtos empregados nas indústrias correspondentes e fabricados-para venda. -

O Governo está inquirindo das necessidades do país em matérias corantes e produtos químicos farmacêuticos, a fim de enviar o resultado do seu inquérito à Comissão de Eeparações — que é o representante exclusivo do conjunto dos Governos aliados e associados para o efeito de receber, conservar e repartir o pagamento das reparações a efectuar pela Alemanha— a fim de que o nosso representante use do direito que, segundo o critério adoptado, possa caber a Portugal. Esses produtos poderão ser utilizados quer para - abastecer o mercado interno,1

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qualquer das hipóteses é ou ouro que deixa de sair, ou ouro que entra.

O Tratado de Paz constitui-nos credores da Alemanha por uma fivultadíssima quantia, a título de reparações. A Alemanha reconheceu o seu débito e a solvabilidade está demonstrada por comissões técnicas competentíssimas. ^Obteremos reparação integral pelos prejuízos sofridos? Nenhuma nação a obteve, nem mesmo aquelas que saem da guerra com acréscimos ou restituições territoriais. Mas o crédito sobre a Alemanha' abre possibilidades enormes à,solução do nosso problema financeiro. Trata-se dum devedor solvável e de credores armados" de poderes para 'aplicar todas as sanções. Por agora, a crédito, da conta devedora da Alemanha poderemos inscrever o produto dos bens inimigos. O resto virá dentro dos períodos fixados no Tratado;— mas o crédito existe e é uni valor negociável.

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de transição entro o absolutismo do patronato, quo foi o regime do ontem, o a soberania do trabalho, que será o regime do amanhã. Não se trata, apenas, do melhorar as condições materiais do trabalho, mas, também, de produzir, para elo, uni ambiento moral mais perfeito.

Nos termos do artigo 387.° do Tratado, Portugal, como membro originário da Sociedade das Nações, está representado na Organização permanente do, Trabalho, que compreende a Conferência Geral dos Ke-presentantes dos Membros e a Câmara Internacional do Trabalho, — e nessa qualidade enviou a Washington a sua delegação, presidida pelo antigo e ilustre parlamentar o Sr. José Barbosa, actual Ministro das Colónias. O Governo aproveita o ensejo quo a apresentação do Tratado lho proporciona para expor ao Parla-merito os trabalhos dessa Conferenciarem quo os representantes portugueses trabalharam com inteligência, colaborando no início da grande obra de legislação social quo se vai edificar no mundo.

Foram seis os projectos de convenção 'Q seis as recomendações aprovadas, dentro das condições previstas no Tratado de Paz..

A mais importante das convenções, é, naturalmente, a que diz respeito ao problema' da duração do trabalho. Essa convenção estabelece quo em todos os estabelecimentos industriais, públicos ou particulares, ou -em quaisquer das suas dependências, exceptuados aqueles em quo, apenas, estejam empregadas pessoas da mesma família, a duração do trabalho do pessoal não excederá oito horas-por dia e quarenta e oito horas por semana,'salvo nos casos excepcionais, a que, adeante se fará referência.

Para . os efeitos desta convenção consideram-se compreendidos na designação do estabelecimentos indtistriais os seguintes: as minas, pedreiras o quaisquer outros trabalhos do extracção de minerais no solo; as indústrias destinadas à manufactura, alteração, limpeza, reparação, ornamentação, acabamento e preparação para a venda do quaisquer produtos ou à transformação de quaisquer materiais, incluindo a construção de navios o as industriais de demolição do material o a produção, transformação o transmissão do energia eléctrica ou qualquer outra força motriz;

a construção, reconstrução, conservação, reparação, modificação ou demolição de todos os edifícios, caminhos do ferro, carros eléctricos, portos, docas, cais, canais, -instalações para navegação interior, es-, tradas, túneis, pontes, viadutos, esgotos, poços, instalações telegráficas e telefónicas, instalações eléctricas, fábricas de gás, de distribuição de agua, ou outros trabalhos de construção, e bem assim os trabalhos de preparação ou de assentamento das fundações das obras acima mencionadas; o transporte do pessoas ou mercadorias pela via ordinária, via férrea ou via aquática, marítima ou interior, incluindo o tráfego das mercadorias nas docas, cais, desembarcadoiros e entrepostos, exceptuados os transportes à mão. As excepções previstas são as seguintes:

l.a As diposições da Convenção não só aplicam aos indivíduos ocupando postos de confiança ou empregados em serviços de fiscalização e gerência;

2.a Nos casos cm que, por disposição legal, ou por acordo entre patrões e operário, o número de horas de trabalho, em um ou mais dias da semana, seja inferior a oito, o limite das oito horas por dia poderá ser excedido nos outros dias' da semana, mediante autorização da autoridade competente -ou acordo entre as organizações ou representantes-patronais e operários. Esse aumento no número de horas de trabalho não poderá, porém, ir além de uma hora por dia;

3.a No caso do trabalho por turnos, a duração do trabalho poderá ir além de oito horas por dia e quarenta e oito horas por semana contanto, porém, que para um período de três semanas, a média das horas de trabalho não exceda oito horas por dia o quarenta e oito horas por semana.

Em caso de acidente, trabalhos urgentes a efectuar nos maquinismos ou instalações, ou de força maior, os limites fixados poderão ser excedidos. Nos"casos em que a natureza do trabalho exige a Liberação contínua, assegurada por meio- de turnos sucessivos, os'limites fixados poderão ser excedidos contanto que o número de horas por semana não soja, em rnódia, superior a cincoenta e sois*

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tivamente 'a trabalhos preparatórios ou-complementares a executar fora das. horas de trabalho normal e as excepções temporárias ocasionadas por excepcional %pressão de trabalho.. Esses regulamentos, feitos com prévia consulta das organizações operárias a patronais interessadas, determinarão o numero máximo de horas suplementares que poderão ser autorizadas, horas que serão pagas, pelo menos," a uma vez e um quarto a taxa normal.

Esta Convenção, _como todas as outras, será-ratificada, nos termos do artigo 4Ôõ.°, para entrar em vigor ato l de Julho do próximo ano.

As outras Convenções são as seguin-tos :

Desemprego.—Será necessário enviar à Repartição de Trabalho todas as informações que digam respeito ao desemprego e estabelecer agências públicas do colocação gratuitas.

famprêgo das mulheres antes, e depois da maternidade.— Proibição do trabalho num estabelecimento comerciai ou industrial durante as seis semanas que se seguirem ao parto. Direita de deixar o trabalho mediante apresentação dum certificado médico atestando que deverá provavelmente dar à luz dentro de seis meses. Durante -estes períodos de inactividade forçada deverão as mulheres receber um subsídio paru as .manter, e às crianças, em boas condições higiénicas. Terão igualmente direito a assistência gratuita médica.

Trabalho nocturno das mulheres.— Man-têm-se a proibição estabelecida pola Convenção de Berne de 1906, de que tive a honra de ser relator na Câmara dos Deputados, alargando-se, porém, a- sua esfera do aplicação, visto que apenas são exceptuados -da proibição os estabeleçi-. mentos industriais em que trabalhem somente pessoas da mesma família.

Admissão dos menores ao trabalho,— Nenhum menor de menos de 14 anos será admitido ao 'trabalho nos estabelecimentos industriais, tal como são definidos na convenção relativa à duração do traba lho.

Trabalho' nocturno dos menores.— Proibição do emprego de menores de menos de 18 anos' em. trabalhos nocturnos, excepto nas fábricas de ferro e aço, fábricas de vidros, fábricas de papel, fábricas

onde se prepara o açúcar em bruto e instalações para redução do minério de ouro, em que podem ser admitidos indivíduos de 16 anos.

São estas as convenções. As recomendações dizem respeito também ao desemprego, à reciprocidade de tratamento de trabalhadores estrangeiros, aos serviços públicos do higiene, à protecção das mulheres e menores contra o saturnismo, às medidas contra o antraz ou carbúnculo e à proibição do uso do fósforo branco.

Portugal entrou na guerra-, ao lado da Inglaterra, sua aliada de séculos, para ocupar o posto' que a sua raça, a sua tradição, a sua honra e o seu destino lhe marcavam, o posto em que, de facto, se encontrava, já, pelo mais nobre impulso-de uma solidariedade de ideais, desde o dia em "que se cometeu, conscientemente, o maior crime contra a humanidade e a liberdade dos povos; e sai da guerra com os seus domínios coloniais, não só íntegros mas aumentados pela posse de Kion-

ffi.. í\, única, reivindicação t! 6 HílturCZS

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de prosperidade. -Todo esse esforço, porém, terá que ser efectivado na prática .de virtudes cívicas, por um alto espírito de sacrifício e por uma benéfica paz interna. Clemenceau, o velho sublime, aureolado de unia imperecível glória, exortava, há pouco, a França, dizendo-lhe, com a autoridade única dó quem viveu o calvário doloroso que vai de Versaiiles de 1871 a Yersailles de 1919, para realizar a obra da révanche.

«A paz geral será apenas a miragem enganadora dum dia, se não formos capazes de viver, nós próprios, em paz, isto é, de dar ao nosso próprio país, como fundamento da paz exterior, a paz interna. Para isto é necessário o apazigua-mento de antigos conflitos, porquo se o espírito de guerra, dalgum modo,' persistisse, a paz civil seria traída no próprio momento em que desejamos assegurá-la. A paz exterior pode conquistar-se, num momento sublime, pelo sacrifício de tudo o que representa o preço e a beleza da vi.da. A paz interna só se obtém polo esforço contínuo, num espírito de equidade superior, de justas composições sucessivas de vontades, de crenças, do ideaes e de interesses tradicionalmente opostos, por vezes, mesmo, contraditórios».

Quási ao mesmo tempo, Loyd George, a mais alta expressão de organizador que, por certo, a História tem conhecido, exclamava:

«O problema da organização do mundo sobre uma base de paz nunca, até agora, tinha sido posto. O dever supremo dos homens de Estado e dos povos é não desonrarem a vitória do direito, deixando-se-dominar pelas suas paixões»,

Nesta hora de rara solenidade, em que nm mundo novo" surge, amassado no sangue dos heróis que a Alemanha sacrificou o nas lágrimas que o sou crimo fez correr, consideremo-nos atingidos pelo apoio destes homens que foram os obreiros supremos fda Vitória. Sacrifícios o p"az interna. K entro Cstes dois poios de acção que devemos proparar o Portugal maior dos nossos sonhos, sob o patrocínio das idoas generosas- consagradas pelos portugueses no seu subsídio heróico da epo-• peia deLaventie, de Nouve-Chapelle o do La Couture— idcas que ôste tratado procura honrar, na limpidez da sua doutrina, que não é de esquecimento, porque es-

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quecer seria uma traição e um perigo, mas que, sendo inspirado na Justiça não é, tambCm, uma obra de ódio ou do vin--gança;

Ao Parlamento entrega o Governo da "República, com estes votos, o texto oficial, devidamente autenticado, do Tratado de Paz de Versaiiles, de 28 de Junho de 1919.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São aprovados, para ratificação, o Tratado de Paz e o Protocolo anexo celebrados entre Portugal, os Es-tados-Unidos da América, o Império Britânico, a França, a Itália, o Japão, a Bélgica, a Bolívia, o Brasil, a China, Cuba, o Equador, a Grécia, Guatemala, Haiti, o Hedjaz, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, a Polónia, a lioménia, o Estado Servo-Croata-Slovénio, o Sião, a-Tcheco-Slovaquia e o° Uruguay, duma parte, e a Alemanha da outra, assinados em Versaiiles em 28 de Junho de 1919. ' -

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. •

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados em 30 de Janeiro de 1920.—O Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Carlos de Melo Barreto.

O Sr. Brito Camacho:—Peço à palavra.

O Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Brito Camacho.

O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente: Como ainda não foi publicado o Livro_ Branco, uma discussão, neste momento, sobre a nossa intervenção na guerra, tinha de se reduzir a afirmações num sentido ou noutro, nenhuma delas podendo ter valor, decisivo, por lhe faltar a indispensável baso documental. Isto explica quo eu mo dispenso de fazer, neste momento a crítica da nossa intervenção na guerra, reservando-me o direito de -o fazer quando estiver publicado o Livro Branco.

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mistício, a perto de um ano da assinatura da Paz em Versailles. , Por inais duma vez se disse aqui, nesta casa do 'Parlamento, que o Livro Branco estava a imprimir, qno o Livro Branco estava impresso, e até a uma pregunta minha foi respondido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, que ao tempo era o Sr. Melo Barreto, que o Livro Branco seria enviado à comissão parlamentar para o estudar conjuntamente com o Tratado. Punha nisso o maior empenho, e só não o faria se lhe fosse impossível fazê-lo.

Não poude S. Ex.a realizar a sua promessa, melhor direi, o seu desejo, e assim a comissão teve de estudar o Tratado sem conhecer o Livro Branco, como nós temos de o discutir sem do Livro Branco termos conhecimento.

O Governo dirá porque uma tal publicação ainda sé não fez, e o Parlamento resignar-se há a disci;t;r o Tratado da Paz sem primeiro ter apurado os motivos por que entrou na guerra.-

Todos nus conhecemos já uma boa parte das peças que hão de compor o Livro Branco mercê da inconfidência não sei de quem, mas fácil é presumi-lo, que as entregou à publicidade dos jornais. Simples^ mento esses documentos, a que falta o indispensável cunho de autenticidade, porque foram atirados para o público sem a directa responsabilidade dos Governos, não podem servir de base a uma'discussão no Parlamento, servindo apenas, como tem servido, para as retaliações da imprensa diária.

Tem-se dito que o Livro Branco foi enviado, em provas, à Chancelaria de Londres, e que na volta, surpreendido pela greve dos correios, se deixou ficar ala-pardado na mala em que viajava. Se isto é verdade, e o Governo se explicará a este respeito, o facto mostra que só há muito poucc-tempo, excessivamente tarde, se tratou, a valer, da publicação do 'Livro Branco, tam tarde que a greve dos correios, solucionada há poucos dias não tendo durado um mês, pôde estorvar essa publicação. Prova ainda este facto, admitindo que as cousas se passaram assim, que a nossa Legação em Londres não teve o elementar cuidado de remeter para Lisboa as provas do Livro Branco em termos que ele não pudesse sofrer com as vulgares contingências dos correios. Para

cousas de menor importância se faz uso dum próprio, indivíduo de -toda a con-' fiança, embora isso acarrete alguma despesa, a qual, no caso de quo se trata, seria ainda lançada à. conta da guerra, como uma das suas consequências.

Devo explicar, para que às minhas palavra não seja atribuída uma intenção que não têm, que do forma alguma acho cen-surái-el que as provas do Livro Branco fossem enviadas a Londres. Os documentos de que se trata não interessam apenas ao Governo Português, alguns deles interessando mais ao Governo Ingícs do qne ao nosso, sendo por isso necessário que ele pronunciasse sobre a conveniência ou inconveniência da sua publicação.

Sèi-o e apraz-me dizê-lo aqui, que" o Sr. Melo Barreto, promovendo a publicação do Livro Branco, se houve com extremos de correcção, sem deixar quo as conveniências diplomáticas resvalassem até o ponto em quo principiam as sabser-viências.

Se o Livro Branco era indispensável para se discutir a nossa intervenção na guerra, um circunstanciado relatório da nossa Delegação à Conferência da P/i/ seria igualmente indispensável para vermos como nessa Conferência tinham sido advogados os nossos interesses e para saber quo poderosas, que invencíveis resistências impediram que tivessem satisfação as nossas justas reclamações.

É possível que, embora tarde, esse relatório, já fosse enviado para Portugal, não tendo chegado a horas de ser distri-do com o parecer que foi dado para ordem do dia nesta sessão do Congresso.

Se ê}e se encontra na Mesa, eu requeiro a sua leitura, interronpendo as minhas considerações.

O Sr. Presidente: — Não, tenho aonhe-cimento de tal relatório, mas vou-mo informar a esse respeito junto do Sr. Ministro "dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (-Xavier da Silva): — O relatório está sendo elaborado pelo Sr.- Afonso Costa, presidente da Delegação.

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não só se empenharia em que o Livro Branco fosse publicado antes do tratado ser submetido à ratificação do Parlamento, mas se empenharia também porque o Parlamento, ao discutir o tratado, já tivesse conhecimento do relatório da nossa delegação; dos relatórios da nossa delegação, disse S. Ex.a, explicando que ela tivera dois presidentes, o Sr. Egas Mo* niz, primeiro, -o o Sr. Afonso Costa depois.

Ignoro se no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou nos arquivos da nossa delegação em Paris, existe o relatório do Sr. Egas Moniz, se é que S. Ex.a o fez; mas quanto ao relatório ° do Sr. Afonso Costa, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros acaba de afirmar à Câmara-de que S. Ex.a o está elaborando. ' A situação é esta: vamos discutir o tratado na completa ignorância das reclamações que perante a Conferência da Paz formularam os nossos delegados, sem nada sabermos acerca do acolhimento que elas tiveram nessa alta assembloa.

Pelo que me diz respeito, sinto que me faltem elementos para.fazer justiça à nos-; sã delegação, justiça à nossa competência ou à sua incapacidade, uma o outra cousa independente do seu ardor e zelo patriótico.

Poderia suprir a falta do relatório a presença, nesta assemblea, do presidente da delegação.

Mas S. Ex.a teimosamente impôs a sua renúncia de Deputado, e o Parlamento teve a indesculpável fraqueza de lha aceitar, de facto, não sendo ela acompanhada de renúncia à presidência da delegação.

Somos o único país,, cujo presidente de delegação na Conferência da Paz se permitiu voltar as costas ao Parlamento, dispensando-se do indeclinável dever de pé r-anto ele justificar os seus actos, do seu contacto tirando mesmo a força necessária para fazer vingar as suas reclamações.

O Sr. Eduardo de /Sousa, interrompendo, diz que, não foi aceite a renúncia do Sr. Afonso Costa.

O Orador:— Faltando-nos o Livro Branco, e 'faltando-nos o relatório da nossa delegação, suponho eu que outra cousa não pode fazer a Câmara senão considerar o tratado em si, quer dizer nas suas

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j estipulações, a maior parte das quais só ; muito indirectamente nos dizem respeito. { Foi com profunda mágua que, len^o minuciosa e atentamente este volumoso è importantíssimo diploma, só uma vez encontrei o nome do Portugal, a não ser apensado ao nome dos nossos delegados na Conferência da Paz.

Dir-se-ia que na guerra fôramos um adventício, e que nos ajustes da Paz, a despeito dos nossos grandes e múltiplos interesses em jogo, nada mais tiuharnos sido do ,que um factor comum.

É opinião de muita gente, e talvez seja boa essa opinião, que visto o tratado não comportar emendas-, sequer ao menos alterações de redacção, o melhor seria votá-lo sem o discutir, o que teria a vantagem de economizar tempo e palavras.

Penso do maneira muito diferente.

Um documento como este de que nos estamos ocupando, de importância transcendente sob mais dum .ponto do vista, não só merece mas oxige larga discussão e o Parlamento que a fizer honra-.se só em a fazer.

Trata-so de refazer o mapa político- da Europa; trata-sp do lançar os fundamentos duma sociedade nova, regida por um direito novo, orientada para novos e superiores destinos, e eu pregunto se tudo isto não se impõe ao exame e à crítica dum Parlamento que não seja, que não queira ser mera chancela do que outros resolvam por si.

Pelas questões que agita, pelos akos problemas que põe, pelas soluções que preconisa, este tratado, a despeito das suas insuficiências, das suas contradições, das suas iniquidades, dos seus absurdos, ó o mais importante diploma de quantos jamais tenham sido apresentados à sanc-ção parlamentar em todos os Parlamentos do mundo.

Não faltará quem pretenda que melhor iria à nossa modéstia de nação pequena uma rápida discussão do tratado, não querendo dispensar-nos, por completo, da sua' discussão, para lho darmos a olhos fechados, a ractificação que nos éproposta pelo Governo.

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povos, pois que a nenhum podo ser indiferente o que neste tratado se estatui.

Sc neste Parlamento houver quem discuta largamente o Tratado, não apenas no ponto de vista dos interesses materiais que ele regula, mas no ponto de vista dos altíssimos problemas do Direito e da Filosofia q.ue ele suscita com o propósito, .infelizmente baldado, de os resolver, com isso nos devemos regozijar todos, porque será ganho esse tempo que por alguns se considera perdido.

Não seria levar muito longe as nossas exigências, pretendendo que a Conferência da Paz deixasse resolvidas, nas estipulações' do Tratado, ^algumas importantes questões que temos pendentes, a maior parte relacionando se com a nossa política exterior, e algumas delas tendo sido já, e p :d indo vir a ser ainda, o motivo ou a ocasião de embaraçosos conflitos.

Fica-nos pendente o litígio sobre os limites do Sul de Angola; fica-nos penden-

"

certa porção do território de Macau, fica--nos sem resolução o conflito da Suazi-lâudia, e nem sequer nos fica satisfatoriamente resolvida. a questão dos limites. pela fronteira norte, da Província de Moçambique. Eehavemos Kionga, 6 certo; mas eu tenho .dúvidas sobre se a retrocessão quo nos ó feita de Kionga, estabelece a nossa fronteira norte, em Moçambique, no curso do Eovuma.

O Sr. Barbosa de Magalhães : — O Ro-vuma fica sendo, de facto, o limite norte da Província de Moçambique.

O Orador : — Folgo, muito de que assim seja., isto é, que cesse "por completo a iniquidade de que fôramos vítimas om 1894, arrebatando-nos a Alemanha, sem o protesto de ninguém, a não ser o nosso, territórios que eram nossos, ficando estabelecida a fronteira de Moçambique, com a perda de Kionga, muito para baixo do Eovuma. Mas lamento que esta justa retrocessão, tam justa como a da Alsácia e da Lorena à França, não se fizesse por uma expressa disposição do Tratado, vindo a ser feita pelo Conselho dos Aliados, mais como um acto de generosidade do quo propriamente como. um procedimento de justiça.

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Eu sei que o nosso conflito, em Macau, ó com a China, e sei que o nosso conflito na Suazilaâdia é coni a Inglaterra. Mas propondo-se a Conferência da Paz a reparar graves e bem. constatadas injustiças, pretendendo, além disso desfazer situações que possam originar conflitos entre as nações tornando pre-' caria a paz eterna a que o Tratado pretende servir do alicerce, seria muito que em nosso favor resolvesse os conflitos quo temos pendentes, não sendo lícita a menor duvida sobre a justiça que nos assiste nas reclamações que temos, formulado a respeito' de todos eles ?

Sem o relatório da nossa delegação impossível nos é fazer sequer a idea'dos esforços quo ela empregou para que a Conferência decidisse, em nisso favor, sobre os limites do sul de Angola, que mais não fosso liquidando-se este conflito, dos vários que temos pendentes 'e que dizem respeito à nossa vida colonial.

Eectificaram-se, pêlo Tratado, fronteiras na Europa e fora da Europa, não só para serem devidamente reparadas injustiças que já quási tinham a consagração do tempo, mas tambôm, e principalmente, para que não subsistam germes de conflitos internacionais, podendo conduzir a novas guerras no futuro. Só a nossa fronteira do Sul de Angola subsiste tal como ora tintes da, guerra, incerta, litigiosa, e não sei que mais tenhamos a esperar dos vizinhos de hoje, que aos alemães conquistaram unia província, que dovia ser quo podia ter sido por nós conquistada.

Estamos na discussão da generalidade da proposta.de lei; mas o que verdadeiramente há que discutir é o Tratado, e porque ôle não pode ser alterado de qualquer forma, como já disse, de facto ôle só comporta um discussão, a da generalidade, que terá de fazer-se sem a rigorosa observância do que dispõe o Ecgimen-to a ôste respeito, Preciso esclarccer-me, porque tenho de votar, e seja qual for o meu voto, a favor' ou contra, csforço-me' porque ôle seja consciente.

Algumas preguntas lenho a fazer ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, dispensando S. Es.a de me responder imediatamente.

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so, como se a ratificação do Tratado • não pudesse ser feita depois do adiamento. Nunca aqui se' disse, nem mesmo quan-* do foi proposto e votado o adiamento, que o Tratado carecia de ser ratificado com urgência, antes de 10 de Abril. A quâsi totalidade dos prazos que se fixam no Tratado expiram em 10 de Abril, -mas esses prazos não dizem respeito a faculdades que nós tínhamos de exercer a dentro deles as vantagens que perdemos se a dentro deles nos não forem concedidas.

De resto, -o Trata_do tem a data de 28 de Junho de 1919"; entrou em vigorem 10 de Janeiro de 1920,-e se a alguém fosse permitido alegar desconhecimento quanto aos seus prazos, não seria certamente àqueles, que, em cada país, exercem funções de governo ou representam os países na Conferência da Paz. Mal se compreende, e por íornia alguma se desculpa, que chegássemos quâsi à expiação de pra-. sós, de superior importância para nós, sem termos exercido a dentro deles aque-. Ias faculdades que o Tratado nos concede e que representam vantagens de qualquer ordem.

A este respeito o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros dirá o que tiver por conveniente., desejando eu muito que sejam de aceitar as suas explicações.

Vô-se, pelo Tratado, que foram convidados a aderir ao Pacto ou Sociedade das Nações aqueles países que, por um motivo ou por outro, se conservaram neutros, é dá-se o caso dum outro, a Espanha, fazer parte do respectivo Conselho.' Isto respondo aos que pretendiam, que por aí borravam que devíamos entrar_ na guerra quando mais não fosse para fazer-o mós parte da Sociedade das Nações.

£ Seria muito vantajoso entrar na Sociedade das Nações?

Ninguém poderia dizO-lo então; nin-guGm o pode dizer hojo; mas vê-se que aparte os- Impérios Contrais e os que ao lado dêlos batalharam, só não entra na Sociedade das Nações quem não quiser entrar. A Espanha, como disse, país noutro, duma neutralidade em que- havia muita afeição pelos alemães, faz parto do Conselho da Sociedade, honra quo nos foi negada, a nós como a outros beligerantes.

Sob este ponto Ndo vista, como a respeito de tantos outros, a visão política . dos nossos intervencionistas não se mos-

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trou de .uma agudeza que suscite a admiração, porque foi acanhada e falsa.

Antes de analisar alguns artigos do Tratado, dos que para nós têm maior interesse, desejo significar o meu desgosto pelo nenhum cuidado que houve na redacção em português. Um documento desta importância impunha os maiores escrúpulos de tradução, e maior cuidado na escolha chás palavras, eni termos que o sentido das suas estipulações não ficasse obscuro ou duvidoso. A tradução que se fez do Tratado não garantiria ao seu tradutor, que eu não sei quem fosse, a aprovação no exame do liceu. Demandes foi traduzido por demandas, e kreise foi traduzida por círculos. O tratado na tradução portuguesa ficará guardado nos arquivos do Congresso e ele constitui nm mau documento para a posteridade avaliar das nossas habilitações... em algumas das elementares disciplinas dos-liceus.

Nações que tinham'colónias, e se conservaram neutrais, como a Holanda-, conservam a integridade do seu domínio colonial, e nações que tambôni sc^conseva-ram neutrais como a Dinamarca, nada arriscando na guerra, polo Tratado da Paz ficam territorialmente aumentadas.

Ainda aqui foi errada a visão política dos uossos intervencionistas, dos que proclamavam a necessidade de entrarmos na guerra para não perdermos as colónias. 'Mas isto vem apenas como incidente, sobre o qual não insistirei, porque me im-puz a obrigação díí só discutir a nossa política da. guerra quando for publicado o'Livro Branco.

Ignoro se a nossa Delegação à Confe-rôecia da Paz foz alguma reclamação no sentido da Alemanha renunciar perante nós, como renunciou perante a China, u toda- e qualquer reclamação por motivo de embargo ou requisição de navios, liquidação, sequestro, disposição ou penhora sobre as propriedades, direitos o interesses alemães em Portugal a partir da nossa declaração de guerra. Urna disposição idêntica à do artigo 133.° do Tratado doso j ária eu que fosse adoptada a nosso respeito o ignoro só rochinuímos neste sentido, porque não conheço o relatório da nossa Delegação.

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Diz este artigo : •

«Os cruzadores auxiliares e bases auxiliares alemãs, adiante enumerados, serão desarmados e tratados como navios de comércib».

<_ p='p' como='como' que='que' de='de' dizer---tratados='dizer---tratados' isto='isto' quer='quer' navios='navios' _='_' comércio='comércio' o='o'>

Se a estes barcos 6 aplicável a doutrina do § 1.° do Anexo Ilido artigo244-°, maior será o nosso quinhão nos barcos mercantes a distribuir, nos termos desta estipulação. O meu receio, infelizmente bem fundado receio, é quo nós só recebamos . . . promessas, e isto acontecerá se alguma cousa mais do que promessas não recebermos desde já, seja em que género for.

Sei, e ninguém o ignora, que a Bélgica foi a nação mais sacrificada na guerra. Suponho eu que sem o seu heroísmo, sem o seu espírito de sacrifício/ a guerra se teria desenrolado com vantagem para os alemães. U pequeno mas valente povo belga fez do peito dos seus soldados uma muralha contra a qual se quebrou o ímpeto com que os exércitos da Alemanha .avançavam em direcção a Paris. Isto quer •dizer que não seria justo, que nem sequer seria honesto negar à Bélgica quaisquer compensaçõas desde que coubessem nos limites das mais generosas possibilidades. E porque assim o entenderam todos, a Bélgica foi considerada para todos, ao tratar-se de ajustar as condições da Paz, como nação privilegiada. Acho., pois, justo o que se contêm no artigo 232.° do Tratado, e que reza.assim:

«Em execução dós compromissos tomados anteriormente pela Alemanha, relati vãmente ás restaurações e restituições íntegras devidas h Bélgica, a Alemanha obriga-se, além das compensações de pre-juizos previstos noutro lugar no presente Tratado, e em eonseqiiência da violação do Tratado de 1839, a efectuar o reembolso de todas as somas que a Bélgica obteve por empréstimo dos governos aliados e associados até 11 de Novembro de 1918 ...»

A Bélgica foi invadida;. a Bélgica foi ocupada ; a Bélgica sofreu incomportáveis martírios; a Bélgica, como já disse, ga-

rantiu a victória dos 'Aliados, impedindo a sua derrota na primeira hora. Nada se pjderia, nada se deveria regatear à Bélgica.

Mas pregunto : — Não seria justo que para comnosco, pequeno país como a Bélgica, mais pobre do que ela, e que para a guerra fomos sem interesses próprios a defender, e por motivos da guerra creámos obrigações e encargos que são a nossa ruina no presente, e ficarão a' pesar sobre gerações sem conta por tempos sem limite, não "seria justo que em relação a nós se adoptasse um procedi-rnfcnto, não perfeitamente igual., pelo menos equivalente?

Ignoro se alguma reclamação, neste sentido, fez a nossa Delegação, visto dela não haver relatório, o não se encontrar aqui, o qne ó lamentável e chega a ser vergonhoso para o Parlamento, quem a represente.

Estatue-se' no n.° 12 do Anexo n do artigo 244.° quo a Alemanha emitirá imediatamente 20 biliões de . marcos ouro, pagáveis até o 1.° de Maio de 1921 o mais tardar, sem juros, e 40 biliões de

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cento; entro 1921 e 1926 e depois um juro do 5 por cento e uma taxa para amortização.

£ Recebemos já alguns destes bilhetes, que por certo a Alemanha já entregou à Comissão de-Reparações ?

È aqui vem dizer que não estamos representados na.Comissão de Reparações, tratados a este respeito como qualquer •Libéria, só ouvidos quando dos nossos particularíssimos interesses se tratar, mas ouvidos sem o direito do voto. Não estamos nem viremos a estar, apesar da ratificação que vamos dar ao Tratado, com extremos de urgência.

Conforme se dispõe no Anexo v do artigo 244.°, a Alemanha terá de fornecer à -França uns tantos milhões de toneladas de carvão durante um certo número de anos, e o mesmo com relaçjfo à Bélgica.

'Acho bem.

As minas do carvão tanto na França como -na Bélgica foram muito danificadas pelos alemães, que delas tiraram quanto poderam tirar emquanto durou a ocupação.

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Itália não se pode alegar, justificando esto benefício/ senão as necessidades da sua indústria.

Pregunto então, e creio que é legítimo fazer esta pregunta, se o carvão é um ° luxo em Portugal; se ele não é o pão da nossa indústria, tam indispensável à nossa alimentação?

Deveriam ficar garantidos, por expres,-sã disposição do Tratado, contra a possível falta deste combustível, o garantidos contra um exagero tal do preço, que se viesse a tornar quási impossível a sua aquisição.

Pelo menos a nossa Delegação empenhou algum algum esforço para isto se conseguir ?

'Não o sabemos, porque dela não "há relatório, nem aqui está quem possa falar em seu nome. Até o Luxemburgo foi beneficiado na distribuição de carvão, unicamente por dele ter necessidade, e não por quaisquer outras atondíveis razões.

Desejo chamar a atenção do Sr. relator, para o artigo 252.°, assim redigido:

«As disposições, precedentes não prejudicam o direito que assiste a cada uma das Potências aliadas e associadas de dispor dos .barcos e propriedades inimigas que se encontrarem sob a sua jurisdição no momento da entrada em vigor do pre-. sento Tratado».

Se esta disposição só vale pelo que expressa e claramente contou', eu fico tranquilo quanto à carga dos navios ox-ale-mãcs, que consideramos propriedade nossa, legitimamente adquirida, já sancionada essa posse por tribunais competentes. v

E a propósito, de navios ex-alomães, já que a eles nie referi, não quero dispensar do verberar a vergonha de ainda hoje não, estar devidamente arrolada a sua carga, encontrando-se nos cais e depósitos para cima de 200:000 caixas por abrir, .kstc facto mostra a negligência, que cm grande parte ó incapacidade dos nossos governantes, cuja responsabilidade pelos prejuízos causados não pode, infelizmente, tornar-se efectiva.

Muito seria para desejar'que figurasse no Tratado, cm relação a nós, uma disposição idêntica à do artigo 260,-°, pela qual a Alemanha se obriga a adquirir a í

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propriedade e os direitos dos seus naturais nos caminhos de ferro da Kússia, China, Áustria, etc.-, transferindo-os para a comissão de reparações.

Possuem os alemães consideráveis interesses na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, e ai podíamas nós ter uma compensação, embora pequena, dos sacrifícios que a guerra nos impôs, e que talvez a Alemanha deixe sem .compensação. Eu bem sei que há no Tratado as compensações imediatas o"u próximas, e as compensações futuras.

Desejo que o Si\ Ministro ou o Sr. relator me diga só o tribunal mixto, de "que tra.ta o artigo 304.°, é obrigatório, ou é facultativo. Suponho eu que elo ó obrigatório para a Alemanha, mas facultativo para as potências aliadas e associadas. Faço.esta pregunta porque já ouvi dizer que foi nomeado um juiz por banda de Portugal para fazer parte desse tribunal,' de cuja criação ainda não foi dado conhecimento ao Congresso.

O Tratado é • violento em muitas das suas .disposições ; em algumas delas chega a ser duma ingenuidade pueril. Não ó uma obra de justiça; não ó sequer uma obra de equidade. Não liquida satisfatoriamente os erros do passado, e não garante eficazmente a paz no futuro.

.Muito pelo contrário.

Dentro dele, em muitas .das suas estipulações, encontram-se os germens de novas guerras, de tremendas lutas. Oxalá me engane, mas estou convencido de que o Tratado, longe de fechar um ciclo de brutalidades guerreiras, alarga o período dentro do qual os conflitos internacionais se hão-de resolver pela força. .

É ver como já se dogladiam, no terreno dos interesses, cada qual pretendendo sobrepor os seus aos de0 todos os outros, os que ontem estavam intimamente ligados na luta contra a Alemanha. Na base de todos os conflitos guerreiros há sempre um interesse ferido.

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meus de superior talento — imaginar que na concorrência das nações não faria falta um povo de 70 milhões do trabalhadores inteligentes. .

Estava muito bom que se anulasse a Alemanha militarista, que se reduzisse a condições de. não mais pensar em impor ao mundo a sua hegemonia de nação guerreira. Mas havia que considerar que a Alemanha não é apenas uma caserna, mas tambOm uma escola; não ó apenas um quartel, mas também uma oficina.

Não "acredito na Sociedade das Nações, a não ser como expressão dum pensamento generoso, e prevejo que uma nova guerra terá lugar, deutro do poucos anos, se uma revisão honesta do Tratado não vier realizar a obra justa qno o inspirou, mrs que elo não traduz.

Terminando, preguntarei ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se considera caduca, pelo facto da ratificação do Tratado, a nossa aliança com a Inglater-' rã, p -se entende que podemos adormecer tranquilos, sobre o travesseiro que nos ofereço o Pacto das Nações, sem receio pelo futuro. Por fim diroi que a nossa segurança só devemos confiá-lavao nosso próprio esforço e ao sistema de alianças em que entremos, mantondo-se a que já tínhamos.

A Câmara peço desculpa do tempo que lhe roubei, o que só é desculpável pelo honesto propósito que ditou as considera coes que fiz.

O orador foi cumprimentado.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe f oram enviadas.

O Sr. Júlio Martins: — Sr. Presidente: entendeu -o Governo, no interregno parlamentar, convocar extraordinariamente o Congresso para a ratificação do Tratado da Paz. o

Sr. Presidente: eu jcí vi preguntar ao ao Governo—acabou do fazê-lo o Sr. Brito Camacho — quais seriam, porventura, as razoes que imperara"m no espírito do mesmo Governo para no intervalo parlamentar convocar extraordinariamente o Congresso para este assunto.

Eu, Sr. Presidente, li o Tratado; tomei conta dos diferentes prazos quo nele se estabelecem, e estou absolutamente

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•convencido do que esses prazos hão-de ser também do conhecimento do Governo, e, portanto, do , Ministério dos Nego--cios Estrangeiros. É, pois, legítimo preguntar por que razão só' agora, a dez dias da finalização dum prazo, o Governo vem reunir extraordinariamente o Congresso para lhe apresentar a ratificação .do Tratado de Paz.

Sr.. Presidente : ou fiz parte dum Governo que foi presidido pelo Sr. Domingos Pereira, em quo este assunto se ventilou, o ao tempo, Sr. Presidente, vai já quási um ano, sugestões foram feitas a esse Governo para que o Parlamento antigo, ou porventura um Parlamento a constituir, estivesse em condições de poder reunir e ratificar o Tratado da. Paz, visto que o Tratado ia ser assinado pelas trGs principais potências, e,, portanto, afirmava-se, nós o deveríamos assinar também, pois do facto de não o assinarmos poderiam resultar circunstâncias inconvenientes para 03 interesses da Nação.

Foi, pois, dominado por essa imperativa categórica quo o Governo presidido pelo Sr. Domingos Pereira lançou o país

.

Congresso.

Vai passado um ano. O Tratado foi ratificado pelas três principais potências. Os prazos marcados nesse Tratado se: guirarn, e, Sr. Presidente, passou esse.-Governo, passou o Governo do Sr. Sá Cardoso, passou outro Governo do Sr. • Domingos Pereira e apareceu o Governo actual, que, ao aprosentar-so ao Parlamento, solicitou o imediato adiamento- do Congresso.

Não se sabia no Ministério dos Estrangeiros que o prazo (estava quási a expirar.

Assim, foi necessário fazer-se esta convocação extraordinária do Congresso no interregno parlamentar, para o Poder Legislativo se pronunciar a respeito da ratificação do Tratado da Paz. 'E o Parlamento tem de fazer • essa ratificação, como bem disse o Sr. Brito Camacho, sem saber qual é o alto pensamento da nossa delegação à Conferência da Paz, e, emfim, de todos esses organismos qus se criaram para tratar dos nossos interesses nesse Tratado.

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Parlamento desconhece tudo que diz respeito ao mesmo Tratado.

í O que tem feito a Conferência da Paz até hoje?

Estão lá homens que eu -respeito e muito admiro, homens a quem a Pátria muito deve (Apoiados), homens que tom prestado altíssimos serviços, mas nós, Parlamento da República, devemos saber o que só passa nessa Conferência da Paz.

Eu sei que o Sr. Ministro dos Negá-cios Estrangeiros rne vem dizer que ainda não estão .concluídos os trabalhos dessa comissão, que ainda não está concluído o relatório. Mas o relatório da Conferência podia fazer-se por'étapes.

O Parlamento 'português desconheço por 'completo os trabalhos dessa Conferência. (Apoiados],

Sr. Presidente: nós temos lá fora uma comissão executiva c cá dentro uma comissão de negócios, e essa comissão desconhece absolutamente o que se passa em assunto tam capital.

Isto doe, e o Parlamento vai resolver sobre- uma cousa, que descoúhece -por completo; absoluta e categoricamente nada sabo dos trabalhos da Conferência da Paz.

Sr. Presidente: o Parlamento nada sabe; o nós, de tempos a tempos, pelos* jornais, sabemos que marchou um membro para a comissão.

Diz-se que estão à espera dos trabalhos da comissão executiva.

Nós, representantes do povo, não sabemos nada.

O Parlamento português ;está mudo e quedo.

O Parlamento português só serve para ratificar o Tratado, não serve para mais nada (Apoiados], desconhece as mais pequenas cousas. (Apoiados]. Nada sabemos do que lá se passa.

Sr. Presidente: é certo que no Parlamento foi nomeada uma comissão do Tratado da Paz; também eu fui chamado à Mesa e consultado sobre a representação que o Parlamento lá devia ter, embora nós posteriormente, por circunstâncias que a Câmara sabe, nos abstivéssemos do trabalho dessa comissão, mas, no emtanto, afirmar que essa comissão não reuniu, não trabalhou, dando agora rapidamente o seu parecer, a lufa-lufa.

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Sr. Presidente: já vi nos jornais, não sabendo se assim ó, que os motivos que levaram o Governo a convocar extraordinariamente o Parlamento se ligam com o § 3.°, anexo 2.°, sobre a possibilidade e direito das Nações que fizeram parte da conflagração terem direito à construção duma certa e determinada tonelagem nos estaleiros alemães.

Não sei se é esta a razão, mas se é, o Parlamento, pela sua comissão do Tratado da Paz, devia saber como é que o País estava habilitado a fazer essas reclamações, a entrar em consideração conros direitos que lhe estavam garantidos dentro do § 3.°, anexo 2.° Não sabemos nada* doloroso ó constatá-lo, mas temos de o constatar.

Autoridades publicistas da própria França, como o Sr. Barthout, presidente da comissão dos negócios estrangeiros, afirmam que o Tratado de Paz é, .por assim dizer, mal orientado, sem um pensamento directo, constituído por agregados diferentes ; embora as proporções entre mim o essas mentalidades sejam bastante diferentes, também tenho a dizer que a voz do Portugal, que se sacrificou na guerra, não foi verdadeiramente ouvida e que os inteiesses da Pátria portuguesa, que entrou na conflagração, que escreveu uma página brilhante na história das suas armas, que os interesses do País não foram verdadeiramente acautelados e que os interesses das pcquenaas potências foram esquecidos dentro desse Tratado, tendo--so afirmado durante a guerra que se batalhava pelos direitos dos pequenos povos.

Sr. Presidente: ratifiquemos o Tratado dá Paz, mas que se erga a voz deste Parlamento e que se diga que dentro' do que o Parlamento conhece, dentro do espírito de nós todos, está a convicção sincera de que realmente o Tratado da Paz não contêm as reclamações de todos aqueles países que entraram na conflagração.

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Tratado da Paz ó Icita pedindo ao mesmo tempo a S. Ex.a que por seu intermédio junto da Comissão Executiva do Tratado daPaz nos sejam enviados os elementos suficientes que nos habilitem a saber qual foi a orientação, quais as reclamações, qual o papel que desempenhámos nessa conflagração.

Sr. Presidente: afirmou também o Sr. Brito Camacho que seria indispensável o Livro Branco para a discussão deste assunto ; sou daqueles que ha muito vêm lutando pela publicação do Limo Branco; SDQ daqueles que intervencionista na guerra c Dntinuam a ter uma noção diferente daqu ela que tem o Sr. Brito Camacho, estou absolutamente convencido de que realizámos uma grande obra de visão política ligando os nossos interesses aos interesses das outras nações beligerantes.

Sr. Presidente: entrámos na guerra por uni instinto do conservação patriótica, entrámos na guerra o a meu ver fizemos muitíssimo bem, cumprimos tudo, realizá-iiioã urna obra ds visão política c, s" ehc= gamos à paz em condições diferentes daquelas que seria para desejar, se a nossa intervenção não teve a continuidade que devia ter não é culpa -daqueles que muito amando a sua terra quiseram acautelar os interesse» de Portugal unindo os seus destinos aos destinos dos povos beligerantes.

-Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ramada Curto: — Sr. Presidente: na discussão que se está fazendo da ratificação do Tratado da Paz o Partido Socialista Português não podia deixar de fazer a sua afirmação de princípios, dizer o que pensa, dizer aos seus camaradas de todo o mundo que está em unânime e absoluto acordo com a posição que ocupa hoje o socialismo internacional em face do Tratado da Paz entre as potências centrais e os aliados.

À distância que estamos hoje da epopeia napoleónica, nós todos, homens do nosso tempo, podemos impressionar-nos, até favoravelmente, por essa página de conquista militar que o génio francês soube ditar a todas as nações, quando pensa-

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mós que foi o génio vda França,- pela mente de Napoleão, que levou na ponta das baionetas parte da humanidade à realização dos princípios da liberdade, da -igualdade e da fraternidade, tais como os sonharam as massas obscuras do proletariado francês, embora depois esses princípios descambassem numa liberdade aparente, numa igualdade falsa e numa íra-ternidade~ccga!...

Pela revolução francesa marcava-se um grande progresso para os ideais de maior força e beleza da humanidade; mas os representantes das forças obscuras e reacionárias do passado procuravam contrariar a obra que deu lugar;à revolução francesa, e contra essa apregoada revolução criou-se mesmo a santa aliança.

Até porventura contra ela trabalhou mesmo a inteligência obscurecida dos maiores reaciouários, e a diplomacia secreta dos -estados militaristas.

•j E foi assim, portanto, necessário o génio e audácia de Napoleão, para que num momento osmon'a.-s£íl toda. essa vincl^ da

O ^^ «.^x*»» —

obscuridade do passado!

Todavia, a 130 anos do tratado de Viena, a 130 anos da tomada da Bastilha, nós estamos sancionando hojo "um novo tratado de Viena, nós estamos sancionando uma nova obra igual à que se fez naquela conferência.

Estamos na mesma, alheados de todo o formidável movimento do mundo, alheados de todas as forças que determinaram a terrível catástrofe da guerra europeia, procurando encontrar uma fórmula de equilíbrio que nada representa, nem nada consegue. ^

Efectivamente, o tratado de Versailles não pode apavorar ninguém que tenha a visão nítida que acima de todos os farrapos do papel, quando não há o despotismo dos militaristas, há a nobre e luminosa consciência da humanidade!'

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lia; é mais ainda, e triste é notar esta desilusão para todos os homens de coração e de inteligência visionária, é a obra daquele espírito que encantoa todo o mundo quando, rasgando uma imensa clareira de luz, no meio de tanto sangue e horror, ergueu a sua voz e teve a coragem e a nobreza de nas trevas fazer pela sua palavra brilhar o sol, podendo nós dizer que foi a obra de Wilson.

.O Presidente da República Norte-Ame-ricana foi o lunático e visionário dos qua-torze princípios! Foi o homem que saindo da sua cadeira de professor para a mais formidável situação política duma grande raça, em nome da força, em nome do direito, em nome da justiça e da verdade, com uma superioridade mental, exclamou: Não! , "

E iníquo, é injusto que tal situação se prolongue.

E assim esse grande homem, olhando para o céu, defende os mais justos, os mais sagrados princípios de humanidade!

Pois, meus senhores, esse homem levou para a América debaixo do braço o tratado sem restituir à República Chinesa os seus territórios!

Esse homem vai para a América com a responsabilidade de ter ligado a sua assinatura a um tratado desta natureza.

Se não fosse esta contradição de Wilson, que formidável ele seria! O que não teria sido Wilson se têm lançado jorros de luz na escura diplomacia?

Oh! se ele tivesse dito:

l Esta conferência é a conferência da humanidade; estão aqui representados por vivos os mortos dessas grandes batalhas ; pois bem, daqui em diante não haja mais tratados secretos!

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(j Qual é a razão de direito? Qual é a razão moral?

Temos a história do leão. Quem vai comigo à caça apanha os sobejos, porque a primeira parte é para mim, que HOU mais forte; porque a segunda parte é para mini. que tenho juba e a terceira é para mim, que me chamo leão.

Eu, que fui intervencionista de Portugal na guerra, que puz nessa questão todo

o meu entusiasmo, todo o meu sonho de quiméricas ilusões, errei e errei profundamente, julgando que a humanidade tinha chegado a uma outra étape em que era possível, singrando o caminho da justiça e da equidade, fazer alguma cousa de nobre e alevantado. E eu vi que se chegou a impor à Alemanha, a impor ao povo alemão,- liberto dos miseráveis donos que o levaram a ser a raça mais antipática do mundo, condições de vencedor para vencido iguais àquelas que a Alemanha, se fosse vitoriosa nos teria imposto.

^ Onde estão os 14 princípios de Wilson? <íOnde p='p' de='de' disporem='disporem' os='os' povos='povos' si='si' estão='estão' próprios='próprios' dos='dos' direitos='direitos' livremente='livremente' _-='_-'>

Diz-se à Prússia, orgulhosamente, que se desligue da^ tutela alemã; diz-se à Al-sácia, hoje francesa, que ela pertence indiscutivelmente à França. Na parte em que se atribui à Bélgica um território anexado diz-se que é da Bélgica, mas antes disso há-de lá dentro fazer-se um plebiscito. Com a Alsácia não se fala em nenhum plebiscito. E o caso do leão,

O único plebiscito que se levou a efeito no império alemão foi em Weinstein e o resultado dele foi uma maioria do oito milhões de votos e a declaração feita por esse Estado de que queria continuar a ser alemão.

Eu desejaria que se acabasse de vez com as diplomacias secretas, com os armamentos e com o nacionalismo económico feito nas barreiras alfandegárias, a fim de que fosse possível os homens estenderem as mãos irmãmente.

Nós assistimos, no Tratado da Paz, ao facto de estarem 27 potências dum lado e do outro a Alemanha. Entre essas potências está o Hedjaz, povo selvagem, composto de árabes nómadas, e ponsou-se que cada assinatura do Tratado da Paz, fora os 178.000:000 de pessoas. '

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Na Liga das Nações há representantes, há muitos representantes, como enumerou o Sr. Camacho, e no emtanto não têm ali representantes os 178 milhões de russos, nem os 70 milhões de alemães.

Na Liga. das Nações há representantes do Egipto, que é um protectorado inglês, e o Império Inglês tem tantos votos quantos são os seus domínios coloniais.

Na Liga das Nações, ao imperialismo de Guilherme II, opõe-se agora o imperialismo americano, o imperialismo francês, o imperialismo inglês e o imperialismo japonês.

Era de esperar, que, ao concluir-se a paz, não ficasse este equívoco que não evita.que no futuro se repita a formidável tragédia que foi a guerra.-

Estou certo de que a este czarismo hoje se levante uma outra força, que já se opõe aos Governos que defendem a actual constituição da sociedade. Essa força, que já dita ao mundo as suas leis, é a consciência socialista, que reconhece que só a superprodução deu origem à guerra e por isso trata de evitar outro conflito sangrento, abrindo ao mundo uma nova era.

E a hora da diplomacia aberta, ó a hora das reivindicações, ein nome dos outros princípios, é a1 hora da luta em nome da justiça, que já canta como alvo-' rada dentro daqueles que não têm a coragem de o dizerem.

A razão porque a Rússia não assinou o Tratado foi porque nesse país o regime da propriedade é diferente do regime da propriedade em França.

A razão por que os 178 milhões' de russos não ficaram incluídos na Liga das Nações é porque actualmente a concepção do propriedade na Rússia é por completo diferente da do Governo francês.

Por isso esse tratado, nas suas minúcias, não foi aprovado pelos Estados Unidos da América e a Itália aprovou-o por um simples decreto, não tendo a coragem de o levar ao Parlamento, onde há 145 socialistas.

Por este Tratado pretende-se relegar a responsabilidade de Guilherme II e doutros alemães por uni tribunal, preparado adredo, como nunca houve no roma-nismo, nem podia imaginar, o direito canónico.

Tratado, que não è cumprido porque nem os responsáveis da guerra foram entregues aos vencedores, porquê nobremente, dignamente, corajosamente a nação holandesa disse que não, não valendo sequer as esquadras inglesas e o poder formidável dos vencedores para arrancarem à Holanda os homens que, sendo os mais refaJsados criminosos que a história regista, não se encontravam, todavia, sob a alçada de qualquer lei que permitisse o seu julgamento, esse Tratado que consigna a alienação da bacia do Sarre à França, quando o que seria legítimo era que os alemães, que tinham destruído as minas e impedido a continuação da exploração, fossem obrigados simplesmente a repô-las no seu primitivo estado ...

O Sr. Júlio Martins : — j E até lá morria a França sem carvão!

O Orador : — < . . e nunca a alienação pura 0 simples dessa região mineira, obrigando os seus 150:000 habitantes a ser franceses durante 15 anos.

O Sr. Barbosa ue Magalhães : — ; O Tratado não diz isso!

O Orador: — V. Ex.a não tem base alguma para me poder contradizer.

Além disso, é absolutamente ingénua a concepção dos vencedores de que, para acautelar qualquer possível acto de hostilidade por parte dos alemães, basta manter em armas perto de 100:000 homens como se pudessem impedir a Alemanha, unida como um só homem, de lhes dizer : ocupem os nossos territórios, ou, mesmo evitarem que ela, auxiliada, . porventura, pela Rússia, lhes dissesse terminantemente que não cumpriam o Tratado de vencidos.

Este é o valor moral deste documento..

A Sociedade das Nações, que não exclui a hipótese da guerra, que não cria um tribunal arbitrai e que mantêm o direito a cada nação, menos à Alemanha, de se armar como entenda, e.ssa Sociedade das Nações ainda não começou a funcionar e já surgem entre as nações que a formaram irredutíveis conflitos.

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Relativamente à posição que Portugal ocupa dentro dela, já foi feita uma análise, completa polo {Sr. Brito Camacho.

E a mesma posição já definida no apó-logo do padre Manuel Bernardes. a posição daqueles quo escolhem amigos notavelmente superiores : ó o caso da bilha de barro e da bilha de cobre.

; Sempre a bilha de barro ficou partida e sempre a bilha de cobro ficou inteira!

Nenhuma das questões quo interessam à nossa nacionalidade foi resolvida no Tratado da Paz. Nesse documento nem sequer estão fixadas as nossas fronteiras no Rovuma, porque não se sabe. SP aquilo que nos fica definido .no Tratado' ó uma clara e honesta delimitação de fronteiras, ou se a simples, restituição da parte de Kionga, a que vulgarmente se chama o Triângulo de Kionga, nom sequer a pequena zona ao sul de Angola, que se acha, segundo creio — e S. Ex.a dirá se sim ou não — numa jurisdição combinada de ingleses e portugueses, nem sequer isso, de real valor para Angola, visto quc° dentro de tal território exis"te uma das mais formidáveis quedas de água quo poderia vir a sor a fonte de energia para a industrialização daquela região, ficou fixado para Portugal.

Quanto a indemnizações, a Alemanha tinha a obrigação de pagar todas as despesas, mas apareceram credores privilegiados — a França o a Bélgica — e tal era legítimo. A fortuna pública da Alemanha estava em 1914 calculada em 475 biliões de francos, e o montante das indemnizações, quo uns elevavam a l milhão do biliões, está em 875 biliões de francos, mas, Sr. Presidente, . admitindo que as indemnizações cheguem apenas, e mal, para pagar aos credores privilegiados, o mais que se pode admitir quo a Alemanha pode pagar sào 120 biliões, representando esta cifra para toda a população alemã, desde os homons de 80 anos até às crianças do mama, a capitação d y 475 francos por ano. j 4 Em quo cabeças de negociadores só poderia motor a possibilidade do tal facto se realizar?!

^E não viram Ossos homens — ôlos, os conservadores — que, só amanhã os aliados optassem pólo pagamento om espécie, absorvendo assim toda a produção alemã, só realizaria o colectivisvo do Estado que tanto receiam? O operário e o trabalha-

dor seriam então apenas os produtores, e a Alemanha uma grande oficina, cuja produção exclusivamente se destinaria ao pagamento das indemnizações de guerra.

^O Sr. Júlio Martins:—j^E as martirizadas populações da França e da Bélgica ?!

O Orador: — Olhe, Sr. Júlio Martins: há homens quo falam línguas diferentes e eu, por exemplo, não percebo o chinês. V. Ex.a ou compreende a justiça fundamental do meu ponto de vista, que ó, aliás, o dos homens que não são cegos ou que não querem sustentar por capricho um ponto de vista militarista, ou não tem razão para me interromper, porque não lho posso dar mais explicações.

Um aparte do Sr. Júlio Martins.

O Orador: — Sim, as pobres populações, as pobres crianças alemãs, porque não devemos ignorar quo hoje em Viena existe ao canto do cada rua uma ambulância, havendo tambôm um lactário — quando há leite! -

Porque acontece frequentemente caírem na rua homens, mulheres e crianças. Do quê, de fome.

\

O Sr. Barbosa de Magalhães: — 4E quem é o culpado da guerra?

O Orador:-—Os militaristas.

Sussurro.

i

O Orador: — Esto barulho não honra o Parlamento.

Sr. Presidente: a Alemanha, para mim, é tam antipática como ao mais ardente patriota que aqui estoja, mas a Alemanha de Kant o Ileckol, a Alemanha de Bee-thowon'o Schubcrt, a Alemanha da sciên-cia do aplicação, a Alemanha que levantou a tradição intelectual do mundo, a mais forte e formidável, a Alemanha onde há crianças, mulheres e artistas, essa podo bem opor-so às acusações dos seus adversários (Não apoiados). Como a França de 1870, que caiu na lama do terceiro império; mas a fama imortal da França essa salvou-se.

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O Sr. Barbosa de Magalhães:—V. Ex.a mudou do lugar...

O .Orador: — Se estivesse no seu partido creia V. Ex.a que, a ninguém que estivesse dizendo o que eu digo, eu faria as interrupções que V. Ex.a faz. Não costumo fazer interrupções, porque as discussões devem sustentar-se num plano mais alto, que não seja o plano de baralhar.

Sr. Presidente : é inteiramente impossível este Tratado da Paz. Hoje há uma força nova que não se amolda ao capricho da civilização capitalista (Apoiados).

Um direito novo se levanta e ai daqueles homens públicos que, ou por paixão ou por deficiência, não o queiram ver.

Sr. Presidente: ou nós compreendemos inteligentemente o momento, colaborando todos na realização desse novo direito para salvar os destinos'da raça, ou continuamos a ser os mesmos homens que, negociando a guerra, de-ivíiram Portugal sem dinheiro, sem ouro.

Sr. Presidente: o Parlamento vai sancionar o Tratado da Paz. Pouca influência tal facto terá nos seus destinos; as reparaçães que a Alemanha deve aos aliados não chegarão para pagar a dívida da França. Da guerra saímos com honra e com brio, como exproprio da raça portuguesa, honra e brfo que cabem aos homens que sacrificaram a sua vida, que lutaram pela sua terra, que deram o seu sangue, à ordem do comando, para defender a honra da raça.

Para esses homens, Sr. Presidente, vai a comovida homenagem minha e do meu partido, que em face da insólita agressão alemã votou a intervenção na guerra.

Para esses, toda a comovida homenagem da minoria socialista, mas a respeito de quaisquer benefícios para o Pais não se fiem, havendo apenas uma cousa que temos de fazer por força: fechem V. Ex.as os olhos, tomem uma colher de -açúcar e votem o Tratado. •

Sr. Presidente: depois de terem votado o Tratado, o que peço aos homens que têm por obrigação olhar a situação internacional do meu país, é que não se fiem nas garantias da Sociedade das Nações que o Tratado contêm, e íaçam uma política inteligente, hábil e oportuna; mas essa política não pode ser feita obscuramente,

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dentro dos gabinetes dos Ministros, mas sim em público, para que se saiba a razão por que a politica portuguesa se desloca para um determinado lado, ocupa uma determinada posição, defende um determinado ponto de vista.

Se porventura a próxima deslocação do nosso eixo* político fizer com que se dê uma ameaça militar, emfim, Sr. Presiden-.te, vamos então para a Sociedade das Nações a fim>de que ela nos defenda.

Mas, sobretudo, no que os homens públicos, do meu país se devem inspirar é na legalidade e terem a competência precisa para a enfrentar, a inteligência para a compreender, levando os corações ao alto e sabendo compreender a gravidade do momento que atravessamos, para que Portugal se possa integrar no futuro, mantendo a sua tradição gloriosa.

Isto está nas mãos dos homens públicos do meu país, e é necessário ter a consciência limpa e ir ao encontro dessa civilização.

- Sr. Presidente: tenho tido nesta Câmara ocasião de afirmar que hoje não tolero, em nome do princípio socialista, uma raça a governar outr» rapa. p.omo não tolero o

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colectivismo do Estado, como se fez em Espanha. A entente entre os pOA^os, sim, mas o domínio de outro povo, não.

Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações pedindo aos homens do meu país, a quem cabo restabelecer as relações com as outras nações do mundo, que estudem bem o problema e digam ao País claramente qual a sua posição, para que não caia de chofro sobre a nossa naciona-; lidade a impressão profunda que'causou a carta do nosso Ministro João Chagas, publicada no Diário de Notícias, em que apesar de todas as intervenções na guerra se diz, duma forma bastante clara, que se não tivermos juízo estamos ameaçados de ^perder as nossas colónias.

E necessário que acabe a política de gabinete e que se galvanize a opinião do País, porque se tivermos de morrer, é mais bonito morrer de pé do que acabrunhados e tristes.

Tenho, porém, a convicção de que tal não sucedera, pois que conto muito com as virtudes da nossa raça.

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Sessão de. 30 de Março de 1920

cão de Setembro a ocuparem as posições da primeira fila. Ela, pois, saberá manter honrosamente a nossa posição no mundo. Mas, Sr. Presidente, não é o Tratado da Paz que nos tira ou que nos põe.

A guerra, Sr. Presidente, deu-nos apenas a honra dos nossos soldados; deu-nos apenas o direito de falar aos grandes e aos senhores com autoridade e orgulho.

Nada mais nos deu.

i Porquê?

Porque somos pequenos e quem governa sãq os grandes.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir, revistas, as notas taquigráfícas que lhe foram enviadas.

O Sr. António Granjò: —Sr. Presidente: foi este congresso convocado extraordinariamente pelo Governo para discutir e ratificar o Tratado da Paz. Prestou-se assim o Governo, Sr. Presidente, a fazer uma convocação em termos a que não se prestou nenhum dos Governos anteriores.

Não temos o Livro Branco.

Não temos o relatório da nossa delegação à Conferência da Paz.

Todo o nosso estudo tem de limitar-se à leitura, mais ou menos inteligente, do próprio Tratado. A situação em que o Parlamento se encontra é assim bem de molde a justificar as palavras proferidas pelo ilustre Deputado Sr. Júlio Martins, quando disae que o que havia a fazer era simplesmente ratificar o Tratado da Paz. Efectivamente, é o que nos cumpre. •

A crítica do Tratado, com os elementos de que o Parlamento dispõe, foi feita pelo Sr. Deputado liberal Brito Camacho. E S. Ex.tt fê-la em termos tão alevantados que dificilmente se poderá dar uma nova discussão nos mesmos termos.

Como muito bem disse o Sr. Ramada Curto, quando mais não houvesse, o discurso de S. Ex.a teria salvo a honra do convento, demonstrando que o povo português tem a consciência dos seus direitos e dos seus deveres, e que por isso mesmo lhe assiste o direito de protestar com toda a veemência contra as estipulações do Trarado da Paz, que não reconheceram como deviam os sens direitos.

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O -Partido Republicano Liberal orgulha-se que dele faça parte esse' homem público, honra da República (Apoiados) que no tempo da propaganda desempenhou um dos mais salientes e elevados papéis, fez parte do Governo Provisório, foi chefe dum partido político e é o mais antigo parlamentar desta Câmara, e pelo qual todos devemos ter respeito, não apenas o que deriva dás relações que entre todos deve haver, mas o que deriva do reconhecimento dos seus méritos e qualidades. (Apoiados).

Parece-me, porém, que alguma cousa há a dizer, além do que já foi dito. Não seria despropositado lembrar que antes dos Estados Unidos terem intervindo na guerra, lançando para ~o campo de batalha o valor dos seus soldados, neste mesmo Parlamento se fez a declaração de guerra, não para defendermos propósitos de rapina ou ambições desmedidas, mas justamente para termos o nosso lugar no campo de batalha defendendo o Direito e a Justiça esfarrapados pela Alemanha. Foi a seguir à invasão-da Bélgica, quando o orgulho da primeira vitória levava a Alemanha a declarar que o Tratado que assegurava a neutralidade da i.élgica eram ch/ffons de papier, foi nessa altura que a alma portuguesa se levantou e, traduzida pelo Parlamento, exigiu o seu lugar nos campos de . batalha, porquê tal era o seu dever e o seu direito.

Nesta hora, ao ratificarmos o Tratado da Paz, devemos lembrar com orgulho que interviemos na guerra apenas com a vontade decidida e firme, e assegurando o nosso património colonial e a nossa independência, defendermos a independência dos povos pequenos, dos povos que, como nós, dentro dos seus próprios direitos deviam ter efectivamente o seu lugar junto das nações livres com consciência para se desenvolverem dentro da sua idio-sincrasia, recursos e história.

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vi cair nos campos de batalha muitos dos filhos de Portugal. Fui testemunha do sacrifício e do heroísmo desta raça nos campos da Flandres, e é em nome desse sacrifício, em nome desse heroísmo, em nome desse sangue, que eu peço que se não amesquinhe a nossa intervenção na guerra.

Assim o .compreendeu o Sr. Brito Camacho, não discutindo nesta hora a nossa intervenção na guerra; assim o compreende o Partido Republicano Liberal, sem abdicar, contudo, de na hora própria fazer a devida apreciação.

Sr. Presidente: somos chamados a discutir o Tratado numa ocasião em que já se fala na sua revisão, e no próprio Parlamento francês já um dos seus membros declarou que o Tratado tinha de ser revisto ; e quem provoca essa revisão não são apenas as nações pequenas, feridas nos seus interesses, feridas na sua dignidade (Apoiados], são mesmo algumas das grandes nações que reconhecem que este Tratado não corresponde à conveniência, da humanidade, nem aos interesses gerais do mundo.

Nós vemos já os Estados Unidos a fa-

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Os delegados à Conferência da Paz precisam do apoio do Parlamento, que é o legítimo representante do povo. (Apoiados).

Mal ficaríamos, nós parlamentares, se nesta hora não protestássemos com toda a violência contra a forma porque fomos .tratados; 'e, assim, nós damos força ao delegado, o Sr. Afonso Costa. Mal ficaria se nós" aprovássemos o Tratado sem protestarmos, pois os nossos interesses mais vitais foram lamentavelmente esquecidos pela Conferência da Paz.

E tanto mais ingratamente se procedeu para comnosco, que se resolveu que a" questão do norte de Moçambique, em harmonia com os nossos legítimos direitos, e as outras, questões de carácter territorial que nos dizem respeito, ficassem por atender; e sendo essas questões, em regra, j com as nações aliadas, não seria de mais ; esperar que elas, conhecendo os nossos sacrifícios, nos tivessem dado essa peque- ; na, essa insignificante compensação. '

Sr. Presidente: estando a crítica já feita, a mim compete-me, apenas, falar em nome do Partido Eepublicano Liberal, para afirmar que ele aprova o Tratado

Diário da Câmara dos Deputado»

da Paz; mas não podia deixar; antes de fazer essa animação, do produzir as considerações que V. Ex.a acaba de ouvir; e não podia aprová-lo antes de ter sido feita a crítica do Sr. Brito Camacho, com cujas conclusões todo o Partido Republicano Liberal está inteiramente de acordo.

Sr. Presidente : algumas breves palavras entendo eu que devo ainda dizer, e oxalá que elas pesem um pouco sobro a Câmara e sobre o Paia.

Não podemos, nunca poderemos, para manter a integridade do nosso território, quer colonial, quer metropolitano, deixar de contar com o nosso esforço próprio. Não é, apenas, um sistema racional, que eu reconheço nos é .indispensável; do que precisamos é o esforço colectivo levado ao máximo, no inteligente e racional aproveitamento de todas as suas energias.

E se o não fizermos, só teremos um futuro de incertezas e de humilhações.

Algumas palavras aqui foram ditas, e não o foram em vão. Q Sr. Brito Ca-

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futuro, prevendo uma nova guerra. O Sr. . Ramada Curto, reconhecendo que a Sociedade das Nações se demonstra uma.

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povos, apoiou para a congregação de todo os elementos do País, de forma a organizarem-se . para a resistência a qualquer ataque, quer à nossa soberania, quer aos nossos interesses.

Lembro-me, Sr. Presidente, nesta hora, de que pouco tempo vJepois de declarada a guerra, o Rei de Espanha, numa entrevista, previu que em seguida a esta guerra, uma nova guerra haveria. Não ó, pois, da parte do Sr. Brito Camacho uma previsão gratuita a sua, e a forma como se estão produzindo hoje as relações diplomáticas, sobretudo entre as grandes potências, obriga os povos pequenos a reflectir maduramente sobre o seu passado e" sobre o seu futuro.

Saímos da guerra arrumados, saímos da guerra com uma dívida que se eleva quási a 40 por cento da nossa fortuna pública, .saímos da guerra divididos ou por paixões políticas ou por ódio ao regime, a República não conseguiu unificar o sentimento nacional em volta da entrada na guerra.

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ciência de patriota pesar como chumbo a apreensão do futuro?

Nós temos que preparar a nossa alma na paz para esse futuro que talvez seja trágico.

Discutir nesta hora sobre a forma como foi feita a nossa intervenção nesta guerra, discutir o rendimento dos nossos cor-pos de exército que enviamos para ofront isso seria um péssimo acto.

A hora ó de dizer a todos os portugueses que chegou o momento supremo de sacrifício e que a situação ó grave e que temos a obrigação de aproveitar todos os recursos de dinheiro, material e homens subordinando o interesse pessoal ao colectivo.

Temos de dizer isto ao país, porque esta é a linguagem da verdade é a voz do povo.

É admirável como um povo, q.uási apodrecido por dezenas e dezenas de anos de paz, se habilitou a combater numa guerra para que estava absolutamente desprovido! E tudo isto foi esquecido não lhe dando aquilo a que tinha direito.

Nunca eu, durante o período que precedeu a guerra, quere publicamente, em comícios ou. reuniões, quere por escrito, incitei os meus correligionários a intervirem nesse conflito mundial; mas se o tivesse feito não me arrependeria, e convenço me cada vez mais de que, se não tivéssemos intervindo na guerra, pior teria sido a nossa sorte. .

Se nós, que demos o sangue dos nossos filhos, o dinheiro dos nossos cofres, esgotando-os, merecemos este tratamento por parte dos aliados, como seriamos tratados se não tivéssemos feito todos esses sacrifícios ?

A previsão dos homens que prepararam a nossa intervenção na guerra, quanto a mim, foi inteiramenle harmónica com as necessidades nacionais. O nosso património colonial estava em perigt) e para o salvarmos era preciso osso sacrifício.

Eram estas pouco mais ou menos as considerações que eu tinha a fazer termi-

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nando por lembrar mais uma vez à Câmara, que precisamos de nos deixar de discussões estéreis e de soluções fictícias e de organizações, quere da parte do Governo, quere da do Parlamento, que sejam apenas o produto de combinações de corredores que sejam apenas o produto dos interesses de partidos, porque devemos, cada vez mais, empregar a nossa acção, o nosso pensamento e as nossas ideas nos interesses supremos da vida da nação.

(Apoiados).

O discurso será publicado na integra, revisto pelo ^orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que Uie foram enviadas. •

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, sendo ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Requerimento

Eequeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me sejam fornecidos os seguintes livros:

Notas sobre Portugal. Exposição Nacional do Rio de Janeiro em 1908.

Lê Portugal au point de vue agricole, Cincinato da Costa e D. Luís de Castro.

Viticulture por Viala.

Câmara dos Deputados, 30 de Março de 1920- — António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

Expeça-se.

Desejo consultar na 5.° Repartição'do Ministério da Guerra, assim como na Farmácia Central do Exército, com a máxima urgência, vários documentos que aí estão arquivados. — José António da Costa Júnior.

Expeça-se

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