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REPUBLICA «SF PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARÁ DOS DEPUTADOS
só
EM 14 E 17 DE MAIO DE 1920
Presidência do Ex,mo Sr, Alfredo Ernesto de0Sá Cardoso
Baltasar de Almeida Teixeira
Secretários os Ex,mos Srs,
António Marques das Neves Mantas
PRIMEIRA PARTE
Sumário.— As 14 horas e 40 minutos é aberta a sessão com a presença de 28 Srs. Deputados. Lida a acta e usando da palavra, sobre ela, o Sr. Viriato da Fonseca, é aprovada, com a presença de 54 Srs. Deputados. Expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro da Justiça (Ramos Preto) pede à Câmara que se pronuncie sobre a vinda do cadáver do Sr. D. Afonso de Bragança para o Panteão de S. Vicente. O Sr. Malheiro Reimão manda para a Mesa uma moção sobre o assunto, usando da palavra os Srs. Viriato da Fonseca, Abílio Marcai, João Bacelar, Eduardo de Sousa, Ladislau Batalha, António Fonseca e Malheiro Reimão que substitui a sua moção por um projecto de lei que é admitido e aprovado. O Sr. Presidente do Ministério (António Maria Baptista) responde ao discurso proferido pelo Sr. Álvaro de Castro na sessão anterior, sobre ordem pública, voltando a falar o Sr. Álvaro de Castro e António Maria Baptista. O Sr. Mariano Martins, em nome das comissões de finanças e marinha, manda para a Mesa um parecer. É lido na Mesa um convite do Ministério do Trabalho para que a Câmara se faça representar na festa dos Bairros Rociais e uma nota de interpelação do Sr. Alberto Crua. O Sr. Presidente dá conta duma modificação na comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos. O Sr. Presidente consulta a Câmara sobre se concede ao Sr. Leio Portela tratar em negócio urgente da questão do aumento do preço dos fósforos. Concedida. Usam da palavra, sobre o assunto, os Srs. Leio Portela que apresentou uma moção -e Ministro das Finan-ço-s (Pina Lopes). Ê admitida a moção do Sr. Leio Portela, em contraprova. Subre cia usam du palavra os Srs. Leio Portela e Álvaro de Castro que manda uma moção para a Mesa.
Foi admitida e entrou em discussão, usando da jíalavra o Sr. Msnistro das Finanças. E prorrogada u sessão a requerimento do Sr. Pedro Pita. dn n, disw-isíív iinam da, puluori!, os Srs. ícia, Áidú.iio Lítiriu da /Sífaa,,
senta uma moçãj?, Ferreira da Bocha, Ministro das Finanças, Álvaro de Castro, Velhinho Correia e Ferreii a da Rocha, que requere que a sessão seja interrompida até a segunda-feira seguinte, o que é aprovado.
A sessão foi levantada às 19 horas.
SEGUNDA PARTE
Reaberta a sessão, e tendo desistido da palavra o Sr. Brito Camacho, o Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes) responde às considerações dos oradores que o precederam.
Seyue-se no uso da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, que faz largas considerações e manda para a Mesa uma moção. E admitida.
O Sr. Velhinho Correia usa da palavra, mandando para a Mesa uma moção que é admitida.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Raul Portela, Abílio Marcai, Ministro do Comércio (Lúcio de Azevedo) que manda para a Mesa uma proposta de lei e António Maria da Silva que apresenta uma moção, e pede licença à Câmara para retirar outra moção anteriormente apresentada. É concedido.
Lê-se na Mesa e é admitida a moção do Sr. António Maria da Silva.
Usa em seguida da palavra o Sr. Presidente do Ministério (António Maria Baptista,) que faz declarações.
Usam ainda da palavra os Srs. Álvaro de Castro, Ministro das Finanças, Brito Camacho, e, em seguida o Sr. Presidente declara esgotada a inscrição, anunciando que vai proceder-se à votação das moções.
Lida na Mesa a moção do Sr. Raul Portela, o Sr. António Maria da r S Uva requere a prioridade para a sua moção. cÊ aprovado.
O Sr. Dias da Silva requere a contraprova. Feita a contraprova verifica-se ter sido rejeitado o requerimento por 40 votos contra 30.
Usa da palavra sobre o modo de votar o Sr, Brito Camacho.
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Diário da Câmara dos Deputados
Procedendo-se à contraprova, requerida pelo Sr. Dias da Silva, verifica-se ter sido rejeitado por 50 votos contra 19.
A Câmara autoriza o Sr. Velhinho Correia a retirar a sua moção.
O Sr. Álvaro de Castro requer e licença para retirar a sua moção. E concedida. *
Lida, na Mesa a moção do Sr. António Maria da Silva, o Sr. Eduardo de Sousa requere a votação nominal.
Usa da palavra sobre o modo de votar, o Sr. Ferreira da Rocha.
E rejeitado o requerimento do Sr. Eduardo de Sousa.
Usam da palavra, para declaração de voto, os Srs. Brito Camacho, Leio Portela e Costa Júnior.
O AÍ>V. Álvaro de Castro manda para a Mesa a sua declaração de voto.
É aprovada a moção do Sr. * António Maria da Silva.
Lida na Mesa a moção do Sr. Ferreira da Rocha, o Sr. Eduardo de Sousa requere a votação nominal. È rejeitado este requerimento,.
É rejeitada a moção do Sr. Ferreira da Ro-clia.
O Sr. Presidente dá uma explicação à Câmara.
E aprovada uma última redacção.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem da dia.
Abertura da sessão às 14 horas e 40 minutos.
Presentes à chamada 54 Senhores Deputados.
Presentes os /Srs.:
Abílio Correia da Silva MarçaL
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa,
Álvaro Pereira Guedes.
Angolo de Sá Couto da Cunha Sampaio JVIaia.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Albino. Mfirques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Bastos Pereira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Dias.
António Francisco Pereira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José Pereira.
António Marques das Neves Mantas.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebolo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio Arnaldo de Carvalho.
Custódio Martins de Paiva.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Hermano José de Medeiros.
Jacinto de Freitas.
Jaime da Cunha Coelho.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim Brandão.
José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Gregório de Almeida.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos*
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Bocha.
Manuel José da Silva.
Mariano Martins.
Pedro Gois Pita.
Plínio Octávio de SanfAna e Silva.
Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Raul Leio Portela.
Rodrigo Pimenta Massapina.
Viriato Gomes da Fonseca.
Entraram durante a sessão:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Al V aro Xavier de Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Aresta .Branco.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos^
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
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Sessão de 14 e 17 de Maio de 1930
Domingos Cruz.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Josó de Meneses Fernandes Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Francisco de Sousa Dias.
João Gonçalves.
João Henriques Pinheiro.
João Luís Ricardo.
João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.
João de Orneias da Silva.
João Pereira Bastos.
Josó António da Costa Júnior.
José de Oliveira Ferreira Dinis.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Júlio César do Andrade Freire.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimao.
Não compareceram os Srs.:
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António da Costa Forrcira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Granjo.
António Joaquim Machado do Lago Oorqueira.
António Maria Pereira Júnior.
António Pais Rovisco.
António dos Santos Graça.
Augusto Pereira-Nobre.
Dio^o Pacheco de Amorim»
Domingos Leite Pereira.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado,
Estêvão da Cnnha Pimentel.
Francisco Coolho do Amaral Keis0
Francisco Cotrim da Silva Garcês»
Francisco da Cruz,,
Francinco da Cunha RGgo Chaves,
Francisco Ja^ Ttíartinu "^oríuIíK
Francisco Manuel Couceiro da Costa. Francisco Pinto da Cunha Liai. Helder Armando dos Santos Ribeiro. Henrique Ferreira de Oliveira Brás. Henrique Vieira de Vasconcelos. Jaime de Andrade Vilares. Jaime Daniel Leote do Rego. Jaime Júlio de Sousa. João Estêvão Aguas. João José Luís Damas. João Ribeiro Gomes. João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes. João Xavier Camarate Campos. Joaquim Aires Lopes de Carvalho. Joaquim Josó de Oliveira. Joaquim Ribeiro de Carvalho. Jorge de Vasconcelos Nunes. José Domingos dos Santos. José Maria de Vilhena Barbosa de Magalhães.
Josó Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Monteiro.
Júlio do Patrocínio Martins.
Leonardo Josó Coimbra.
Liberato Damiãô Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís de Orneias Kóbrega Quintal.
Manuel Alegre.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva.
Maximiano Maria do Azevedo Faria.
Mem TinõGO Verdial.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marcai.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guima-
Xavier da Silva.
PRIMEIRA PARTE
Às 14 horas e 30 minutos principiou a fazer-se a primeira chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 28 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.
Eram 14 horas e 40 minutos,
Foi lida a acta.
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Diário da Câmara dos Deputado
O Sr. Presidente:—Estão presentes 54 Srs. Deputados.
O Sr. Viriato dá Fonseca (sobre a acta):— Naturalmente por causa das más condições acústicas da sala não foram bem traduzidas na acta algumas considerações que eu fiz ontem. Também alguns jornais não traduziram bem as minhas frases e essa falta pode dar lugar a reparos.
Eu vou rectificar pedindo a V. Ex.% como é de uso, que na acta da sessão de hoje fique consignada a rectificação.
Quando me referi aos médicos de Cabo Verde eu não disse que havia trinta e três, mas apenas cinco para 150:000 almas. E também quando tratei da sindicância à alfândega não disse que cada um dos sindicantes ganhava 1.000$ por mós, mas que os dois é que ganham essa quanr tia, assim como também não se trata duma .missão de estudo, mas duma sindicância. .Foi aprovada a acta.
Procede-se à leitura do seguinte
.Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Francisco da Cunha Rego Chaves, doze dias.
Do Sr. Rodrigo Pimenta de Massapina, uni dia.
Para a Secretaria.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e -faltas.
Ofícios
Do Ministério da Justiça, comunicando não haver naquela Secretaria os elementos necessários 'para satisfazer ao requerido em 7 do corrente pelo Sr. Sampaio Maiâ
Para a Secretaria.
Do Sr. Vaz Guedes, participando não poder comparecer às sessões desta Câmara por motivo do serviço da comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, de que é presidente.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do presidente da comissão de inquérito ao Ministério da Guerra, pedindo "a substituição, nesta comissão, dos Srs. Henrique Brás e Vergílio Costa. Foram nomeados para esta substituição os Srs. António Granjo e Malheiro Keirnao.
Para a Secretaria.
Do Ministério do Trabalho e Previdência Social, convidando o Ex.™° Sr. Presidente desta Câmara e Srs-. Deputados a assistir em 16 do corrente, pelas 17 horas, a uma festa comemorando a colocação do pau de fileira nas primeiras casas em construção no Bairro Social do Arco do Cego. v
Para a Secretaria.
Do presidente da comissão nacional de Defesa da República, convidando a Câmara a representar-se na sessão solene para comemorar o movimento de 14 de Maio.
Para a Secretaria.
Representação
' Da Sociedade Propaganda de Portugal contra a proposta de lei que cria um imposto a pagar por todos os indivíduos que saiam do continente pela fronteira soca. Para a comissão dos negócios estrangeiros.
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro da Justiça (Ramos Preto):— Em 15 de Abril último, em ofício que dirigiu ao Ministro da Justiça, comunicava a Mesa desta Câmara o desejo manifestado pela viúv do Sr. D. Afonso de Bragança que o cadáver de seu marido fosse transportado para o Panteão da Casa de Bragança, em S. Vicente de Fora, e preguntava também à referida\Mesa se o Governo estava na disposição de tomar alguma resolução sobre o assunto.
Devo dizer que procurai dar imediato cumprimento a esse ofício e assim o levei a Conselho de Ministros, o qual foi de opinião não haver inconveniente algum que embaraçasse a vinda do cadáver do Sr. D. Afonso de Bragança, para Porta-gal.
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do trono da monarquia portuguesa e a ocupar no exército lugares de destaque.
D. Afonso de Bragança fugiu sempre ao contacto da gente que rodeava a família rial, e no exílio nunca pogou em armas nem incitou à revolta.
Polo contrário, em todos os actos que praticou no exílio, demonstrou bem os seus sentimentos de amor pelo seu País, como foi no do seu casamento e testamento feitos sob a égide da República.
Mas apesar disto, a lei é superior a todos os desejos, e esta opõe-se por uma forma absoluta à inumação de qualquer indivíduo que não seja nos cemitério s^pú-blicos.
De facto não era a primeira vez que se abria uma excepção, porque já isso se fez para o Sr. Dr. Sidónio Pais.
O Governo espera que a Câmara se manifeste, para proceder.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro da Justiça deseja que a Câmara se pronuncie -sobre o caso que S. Ex.:l acaba de submeter à apreciação dos Srs. Deputados.
Portanto peço aos Srs. Deputados que entendem que se deve abrir debate sobre o mesmo caso o favor de se levantarem.
Pausa.
O Sr. Malheiro Reimão: — Em presença das considerações que acabam de ser feitas pelo Sr. Ministro da Justiça, tomo a iniciativa de enviar para a Mesa uma moção, autorizando o Governo a consentir na vinda do cadáver de D. Afonso de Bragança para o Panteão de S. Vicente.
Foi entregue na Mesa a moção.
O Sr. Viriato da Fonseca : — Concordo em absoluto com o ponto de vista do Governo, manifestado a esta Câmara por intermédio do Sr. Ministro da Justiça, no sentido de se permitir que o cadáver de D. Afonso de Bragança seja depositado no Panteão de S. Vicente.
Conheci de perto D. Afonso de Bragança, pois que na luiulia qualidade do ofi ciai de artilharia, com Cie privei em várias marchas que fiz, tendo também a meu lado o nosso ilustre Presidente.
Tive nessas ocasiòos o onsojo do conhe-etvr das suas qualidades do verdadeiro
Mais tarde, após a implantação da República, D. Afonso de Bragança não dês-' mereceu do conceito em que era tido, visto que, não sendo, como não poderia ser, um republicano, soube manter-se numa inquebrantável linha de correcção, não se intrometendo em políticas adversas ao regime.
Antes o respeitou sempre, como bom português que era.
Nestas circunstancias, dou o meu voto a favor do que se pretende fazer.
O Sr. Abílio Marcai:—Por parte deste lado da Câmara, declaro que damos o nosso voto no sentido de ser autorizado o Governo a permitir que o cadáver de D. Afonso de Bragança soja encerrado no Panteão de S. Vicente.
Procedendo desta forma, o Pa-lamento só mostra mais uma vez quanto elevado ó o espírito tolerante da República.
O Sr. João Bacelar:—Sr. presidente: entendo que o assunto só pode ser resolvido por meio dum projecto de lei e não por uma simples moção.
•Nestas condições espero que à Câmara seja apresentado esse projecto.
O Sr. Eduardo de Sousa:—Sr. Presidente: tomo a palavra sobro, o assunto em. debate unicamente para declarar que concordo em que de facto o cadáver de D. Afonso de Bragança venha repousar no Panteão de S. Vicente. • D. Afonso de-Bragança, embora membro da família reinante proscrita, nunca desrespeito a .as leis da República, nunca conspirou contra ela, e antes foi alvo de ataques dos próprios monárquicos portugueses, se não de todos pelo menos duma parte dOlcs.
Tudo isto prova quanto ele possuía altas qualidades dum bom português.
O Sr. Presidente:—Vai ler-se a moção apresentada pelo Sr. Malheiro Roirnão.
Foi lida e admitida, entrando em discussão.
Moção
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Diário da Câmara dos Deputados
cadáver deste cidadão.—Malheiro Rei-mão.
Para a Secretaria.
O Sr. Ladislau Batalha:—A minoria socialista dá o seu voto à moção, pois considera o acto que vai pratícar-se como significado da correcção da República qne necessita reabilitar-se. :
Não se trata dum acto político.
Trata-se sim dum acto de justiça, tributado pela Eepública a um homem que, a despeito de todas as lutas políticas, pertence à história de Portugal.
O Sr. António da Fonseca:—Sr. Presidente: não basta que o Sr. Ministro da Justiça nos diga que se contentaria com a votação duma moção.
A única cousa' que a Câmara tem de fazer, se quiser satisfazer os desejos do Sr. Ministro da Justiça, ó aprovar um projecto que qualquer Sr. Deputado apresente, ou uma proposta do Governo.
Julgo que V. Ex.a, Sr. Presidente, nem sequer pode submeter essa moção à votação da Câmara.
O Sr. Malheiro Reimão:—Peço a V. Ex.a, Sr. Presidente, que consulte a Câmara sobre se permite que eu substitua a minha moção por um projecto de lei que enviarei para a Mesa.
Consultada a Câmara, foi permitida a substituição.
O Sr. Malheiro Reimão:—Agradeço a deliberação da Câmara, acedendo aos meus desejos e envio para a Mesa o projecto do lei, pedindo que seja discutido com urgência e dispensa do Eegimento.
O Sr. Presidente: — Vai-ler-se o projecto de lei apresentado pelo Sr. Malheiro Eeímão.
Foi lido na Mesa.
á u seguinte:
Artigo T.0 É autorizado o Governo a consentir a" inumação do cadáver de D. Afonso de Bragança no Panteão de S. Vicente de Fora.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e dispensa
do Eegimento para a discussão deste projecto queiram levantar-se. Pausa.
O Sr. Presidente:—Está aprovado. Está em discussão na generalidade. Pausa.
O Sr. Presidente:—Ninguém'pede a palavra, vai votar-se.
Fez-se a votação e foi aprovado.
O Sr. Presidente:—Vai fazer-se a discussão na especialidade.
Seguidamente foram lidos na Mesa os artigos 1.° e 2.°, que ficaram aprovados sem discussão.
O Sr. Presidente : — Tem a palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Fui ontem informado pelo Sr. Ministro das Finanças de que S. Ex.ao Sr. Álvaro de Castro reclamara a minha presença- nesta O/i. m a rã s
O meu estado de saúde não permitiu que eu viesse aqui. Disse S. Ex.a que eu deveria comparecer nesta Câmara imediatamente, para dar explicações a respeito dum artigo que foi publicado no jornal O Século.
Aqui estou, pois, para responder a S. Ex.a, que parece ter considerado esse artigo como motivo de obrigatoriedade para mim de me apresentar nesta Câmara.
Eu já tinha lido o artigo, mas em consequência da atitude do Sr. Álvaro de Castro fiz nova leitura do aludido artigo para me certificar da obrigatoriedade em que ele me poderia colocar para vir aqui dar explicações.
Confesso que não encontrei em tal artigo nada que não seja da responsabilidade da respectiva redacção do jornal que o publicou. Não encontrei nenhuma referência que pudesse suscitar os melindres de qualquer partido.
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passar sem a contestação devida. Vou íazô-la, no campo da verdade, da justiça e da-razão.
Declarou S. Ex.a desejar agir sempre no campo constitucional. Também o Governo só nesse campo agirá.
Nas conferências em que S. Ex.a tem falado, tem dito que o GovGrno é inepto. Mas pode estar certo de que o Governo saberá cumprir o seu dever.
O Sr. Álvaro de Castro: — Nunca fiz nessas conferências referências ao Governo, nem a favor, nem contra.
Emprazo S. Ex.a a provar o contrário.
O Orador: — Já vou provar. Quero seguir a discussão serenamente, com elevação, como é próprio de homens de bem.
Esta questão precisa de ser tratada com a maior serenidade e, por isso, eu peço a V. Ex.a para ser o mais breve possível nas interrupções que, porventura, deseje fazer-me. As palavras de V. Ex.a colocaram-me numa situação verdadeiramente difícil que me obriga a vir prestar claras e completas explicações perante esta Câmara, no uso dum direito que ninguém me contestará, qual seja o de me defender das acusações que me foram dirigidas.
O ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro, no ataque que ontem fez à minha acção como cheíe do Governo, chegou a alcunhar-me de opressor, afirmando que eu estava fora da lei e que ou mandara vigiar por ministros os actos de S. Ex.a na propaganda ultimamente realizada.
Oh! Sr. Presidente!^como magoamos-tas palavras saídas da boca dum homem que tam bem conheço o meu passado, e como S. Ex.a foi cruel em as pronunciar no dia em que, faz 6 anos, que eu estava considerado como desertor do Exército, prestos a entrar ao lado do S. Ex.a num movimento revolucionário para o resta belecimento dos princípios constitucionais que S. Ex.a injustamente afirma eu ter calcado agora í (Apoiados),
O ilustre homem púbiicu na sua injac tíficada anciã do mo atacar chamou-iiío ainda inepto, afirmando nus suas conferencias realizadas no Algarve q no actualmente os govorr-oK tio í 10 eoíiipmílium
os templos de Júpiter, nem possuem, talvez, a lúcida inteligência do Sr. Álvaro de Castro, mas são criaturas cheias de boa vontade e de amor à República e ao seu País, dispostos a todos os sacrifícios e prontos a responder pelos seus actos, o que já é alguma cousa.
Falou, depois, S. Ex.a em intentonas promovidas pelo Governo. Eu não sei o que pudesse ter sugerido a S. Ex.il semelhante presunção. O Governo tem, é certo, a força a seu lado para jugular quaisquer intentonas, mas jamais se servirá dela para as promover. No dia em que esto Governo reconhecer a sua incompatibilidade com o Parlamento, apresssar-se-ia a pedir a sua demissão, mas jamais o colocaria em situação de desprestígio. (Apoiados).
O Governo cumprirá o seu dever. Sabe bem defender a República e já não ó a primeira vez quo tom ensejo de o demonstrar. Não ó preciso que ninguém dê o grito de alarme quando us regalias verdadeiramente constitucionais se sintam prejudicadas, porque o Governo será o primeiro a reconhecê-lo, con siderando-se muito honrado em poder contar com o Sr. Álvaro do Castro a sou lado para salvar a República.
V. Ex.a não pediu um inquérito; fez uma afirmação categórica, e quem afirma ó porque tem provas incontestáveis e bem evidentes. Eu desejaria que V. Ex.n me reptasse apresentando provas.
Creia V. Ex.a quo essa política em vez de o levantar afunda-õ num lodaçal. A dignidade de V. Ex.a há-d e ser sornpre a mesma; mas politicamente V. Ex.a asfixia-se nessa orientação, bascando-a no que se chama, em estilo comesinhoj uma intriga.
Eu desejava que as suas palavras não fossem tani vagas o quo aíirmasse que uma pessoa chegada, ao Governo disuo que em tal dia haveria uma revolução da qual V, Ex.a era rosponsável.
Disse Y. Ex.a quo repudia qualquer suspeita do quo cstiveuse comprometido num movimento revolucionário, porque do qualquer alteração de ordem pública neste momento u:lvirií;ru graves consequências para a ivepúbliea.
TuinbC-m concordo com ússo. ^:-.n V»
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V. Ex.a fez ainda mais acusações ao Governo, e fica bem demonstrada a falta de razão que lhe assiste.
O Sr. Lopes Cardoso (interrompendo):— Foi bom que este caso sé deslindasse, porque de contrário, a continuar o mal-entendido, uma maior intriga se levantaria.
O Orador: — Não sei qual a oportunidade da interrupção do Sr. Lopes Cardoso, e certamente só ele é que a conhece.
Mas, Sr. Álvaro de Castro, eu estou convencido absolutamente de queV.Ex.1'1 não é capaz de conspirar contra a Eepú-,blica ou contra a Constituição, e sei mesmo que V. Ex.a é capaz de se aliar comigo na defesa das mesmas.
V. Ex.a foi tam cruel que até leu nos meus gestos, pois disse que eu tinha feito um gesto significativo ou indicativo de que ia fechar o Parlamento!
Francamente não sei que gesto indicativo é que eu teria feito!
JRisos.
Isto pertence à secção das charadas e dos enigmas, e eu nunca tive grande geito para os decifrar.
Parece, pois, esclarecida suficientemente a questão.
Relativamente ao assunto do Porto, eu trarei à Câmara os respectivos documentos. Tenho instado por eles e logo que eles cheguem V. Ex.a será satisfeito e verá que o chefe do Governo, pequenino como é, terá sempre lampejos de inteligência, assim como todo o Governo, para proceder sempre com o lema da justiça, estando animado da melhor boa vontade para servir o País. (Apoiados).
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações) : — Ouvi as declarações do Sr. Presidente do Ministério e creio que S. Ex.a disse, uuina maneira categórica, que não havia nenhum movimento revolucionário em preparação, afirmando bem concreta-mente que nem eu nem qualquer dos meus amigos políticos tínhamos a menor interferência em nenhum movimento dessa natureza.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista) (in-
Diário da Câmara dos Deputado
terrompendo}:—Perdão! Eu não disse isso. tCu declarei que não poderia supor que V. Ex.a fosse responsável por um movimento dessa natureza,
O Oraaor :—V. Ex.a não respondeu à pergunta capital que eu produzi aqui na sessão de hontem. O que eu sei e todo o público sabe é que os jornais publicam diariamente notícias que não tranquili-sam nada a opinião pública, anunciando que os navios saem dos quadros por causa da artilharia do campo entrincheirado, que V. Ex.a tem tido conferências com este e com aquele, e V. Ex.a acha absolutamente natural que a imprensa esteja a fazer a propaganda de intranquilidade sem motivo algum, mantendo-se V. Ex.a de braços cruzados sem dizer aqui uma única palavra.
Diz-se até que já foram apreendidas pelo Governo cartas em que se reconhece que eu e o Sr. Helder Eibeiro estávamos comprometido nesse movimento.
Ontem, se V.Ex.a fosse à «Brazileira», tinha conhecimento de que não eram uma ou duas pessoas que o diziam.
O que me interessa não é a minha atitude nem a circunstância de se dizer que eu estou ou não comprometido num movimento, mas sim saber se está a esta hora a fazer-se um movimento revolucionário e se V. Ex.a tem a força necessária para aniquilar os seus factores.
Isto é que o País carece de saber: se S. Ex.a está disposto a deixar que determinadas pessoas continuem espalhando os boatos mais tétricos na sociedade portuguesa para unicamente servirem os seus intuitos. O resto não tem interesse nenhum.
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cia. Se S. Ex.a entende que esta afirmação se lhe refere ou ao Ministério a que preside, não é comigo
Tenho ainda de fazer uma rectificação às considerações de S. Ex.a quanto ao caso ocorrido no Porto. Não mandei para a Mesa nenhuma interpelação. Tratei do caso numa sessão desta casa do Parlamento, e S. Ex.a respondeu-me que não "tinha documentos em seu poder.
Isto teve lugar há muito tempo. Re-queri de facto cópia de documentos, e embora S. Ex.a tivesse prometido trazS--los à Câmara, até agora ainda não os trouxe. O que estranho,é que sendo o espaço que medeia entre o Ministério do Interior e a guarda republicana apenas uns poucos de metros, e estando esses documentos há mais de quinze dias no comando da guarda, S. Ex.a ainda não ordenasse aos seus inferiores que mandassem os documentos que pediu. (Apoiados). O que estranho é que não consiga o cumprimento dessa ordem em menos de um quarto de hora, quando, de mais a mais, o caso não interessa só à minha pessoa, mas à Câmara, bera como ao corpo que superiormente tem o comando de S. Ex.a e aos oficiais, que querem saber se efectivamente vivem em regime de arbítrio ou de legalidade. Creio, pois., que S. Ex.a deve ter a peito esclarecer o mais rapidamente o assunto. Foi'nesse intuito que falei.
Quanto às outras considerações que S. Ex.a fez não interessam propriamente ao debate, mas definem a política de S. Ex.a Eu também não disse que S. Ex.a não tivesse um passado republicano cheio de dedicações pela República. O que disse foi que os actuais actos de S. Ex.a desmentem os do passado. S. Ex.° mandou apreender jornais que propalaram factos falsos, entendendo necessário aplicar-lhes princípios extra-legislativos, e contudo quando eu me refiro a factos idênticos S. Ex.a acha estranho que eu chame a sua atenção e não quere usar dos meios precisos para garantir a ordem e a tranquilidade.
S. Ex.a enteado que o Poder só deve considerar absolutamente estranho a quaisquer factos de ordem pública desde o momento que ela seja perturbada por pessoas que de qualquer modo possam ter a simpatia do Governo. Por minha
parte discordo absolutamente de tal afir-ma.ção.
Eu entendo que a República só se dignifica garantindo as regalias e direitos de todos, tenham eles a política que tiverem.
A República não consegue integrar-se no espírito de todos senão por princípios elevados.
São estes os princípios que vejo esmagados por certos actos do Governo, e entendo que devo pôr bem diante dos olhos de S. Ex.a o seu passado político para que o honre, como o honrou sempre.
Era isto que eu .entendi dever dizer a S. Ex.a
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista) : — Sr. Presidente, falo sempre claro e ponho nos meus discursos a maior sinceridade, mas o Sr. Álvaro de Castro falou sem bases nenhumas.
S. Ex.a veio aqui dizer que os navios haviam saído do quadro, dando assim a impressão de que . . .
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo}: — Eu disse que a notícia vinha nos jornais.
Apartes.
O Orador:—& Então V. Ex.a vem para aqui repetir o que dizem os jornais?
V. Ex.a não pode acusar sem provas, porque a Câmara é um tribunal público.
V. Ex.a devia ter lido o desmentido a essa notícia, que foi publicado também nos jornais.
Não se pôde admitir o que dizem os jornais : que o Sr. Ministro da Marinha tinha ficado no seu gabinete, quando ele passou o serão numa casa para onde tinha sido convidado, e ali jogava a sua costumada partida sem se preocupar com qualquer cousa que se passasse.
£ Então S. Ex.a vem pedir que mantenha a ordem pública, e estranha que eu tenha conferências com os elementos que têm de manter a ordem pública?
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S. Ex.a vem também dizer que ôste Gabiaete pratica toda a sorte de irregu-laridades.
Ora eu, para provar que sou sempre justo, posso reler ir à Ccâmara que, tendo sido assaltada uma casa de batota e sido presos vários jogadores, foram feitas várias diligências junto do Governo para eles serem soltos.
Pois -o Governo resistiu a todas essas insistências, respondendo que fossem enviados para os tribunais.
Assim responde o Governo.
O Governo, Sr. Presidente, mais uma vez cumpriu o seu dever, e admira-me muito que o ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro, que é um jurisconsulto distinto, venha ao Parlamento expender certas doutrinas.
As leis, Sr. Presidente, estão em vigor e, como tal, são para se cumprir.
Eu, Sr. Presidente, não faço política partidária, e a prova ó que, sabondo pelo próprio governador civil que V. Ex.a tem feito várias reuniões com o seu grupo político, a resposta que dei foi de que isso nunca poderia ser prejudicial para a Ee-pública.
Eii, Sr. Prcsidou-te, tenho no meu Ministério cerca 'de 4 a 5:000 telegramas de vários pontos do País, pelos quais se vê que em toda a parte reina absoluta tranquilidade.
O que eu contesto, e não posso deixar de contestar, é que um secretário meu tivesse espalhado a notícia de que a ordem estava para ser alterada.
O que eu posso garantir à Câmara é que apenas umas duas ou três pessoas me vieram dizer que os Srs. Álvaro de Castro e Holder Eibeiro se mexiam —,; e quero V. Ex.a saber qual foi a resposta que eu lhes dói? Foi a soguinte:
Que me não importava absolutamente nada com isso, por isso que homens dessa natureza se podiam mexer à vontade, porquanto estava convencido do que nunca só poderão mexer contra a Eepública, por isso que compreendem muito bem os seus deveres cívicos o republicanos, e assim, quando S. Ex.as entenderem que o Governo vai por mau caminho e o queiram ver substituído por outro, o hão-de fazer pelos meios legais e justos.
O que eu posso garantir a V. Ex.a e u Câmara e que as prevenções que ontem
• Diário da Câmara doa Deputados
se fizeram não tiveram nenhuma importância, tendo sido feitas mais por causa de movimentos operários do que por quaisquer outros movimentos.
Não há motivos para que hoje tenhamos receios de movimentos revolucionários, o que não quere dizer que os não possa haver amanhã ou depois. . Alguma cousa se prepara efectivamente, devo dizê-lo; porém, no momento presente, repito, não há receios para tal.
Relativamente ao que o ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro disse sobre os oficiais da guarda republicana do Pôr-to, eu devo dizer que S. Ex.a não foz uma interpelação e, como tal, não me julgo habilitado com os documentos precisos para lhe responder sobre o assunto.
Aqui tem V. Ex.a o que posso dizer de concreto.
O dossier completo acerca da saída do Sr. tenente coronel Lereno da guarda republicana do Porto teve-o V. Ex.a logo, e, tanto tempo levou a estudá-lo, que ainda não teve a bondade de devolvê-lo.
Os documentos não estão só no comando da guarda republicana. Logo que cheguem serão enviados a V. Ex.a Já insisti por eles. Então é que a discussão terá alguma base.
V. Ex.a ataca o Governo por tudo, e até peio que sucedeu na estação de S. Bento, no Porto.
Ora, francamente, V. Ex.3 sabe muito bem que o Governo não interveio em cousa alguma.
Não me importo que V. Ex.a vá ao Porto.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo):— j V. Ex.a inventa factos extraordinários! Não-me referi a esses factos.
O Orador: — Na primeira vez referiu-se.
O Sr. Aivaro de Castro: — Não disse isso.
O Orador:—V. Ex.a dirigiu uma afronta aos oficiais do Porto...
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Sessão de U e ff de Maio de 1930
O Orador: — Disse V. Ex.a que o Go
vôrno ó que quis afrontar os oficiai? que foram esporar V. Ex.a à estação de S. Bento...
O Sr. Álvaro de Castro: —Há ainda um equívoco.
Consta dos quesitos. Foi o que disse.
Eles preguntam se os oficiais foram esperar o Sr. Álvaro de Castro com amigos, etc.
Estes quesitos ó que ó necessário que todos conheçam.
São o contrário do que V. Ex.a tem defendido até hoje.
O Orador:—V. Ex.a sabe perfeitamente que o Governo não fez isso.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sei perfeitamente que aos oficiais eles foram dirigidos.
V. Ex.a não podia autorizar esses escritos.
Esses documentos já deviam cá estar.
Hoje mesmo eles poderiam vir por ordem de V. Ex.a •
Todas as palavras de V. Ex.a são inúteis, porque V. Ex.a desmente-as.
V. Ex.a agora mesmo telefonava e mandava vir os documentos.
O mais é fantasia.
O Orador.:—V". Ex.a tem pedido documentos por doses.
Um dossier não vai por doses: tem de òrganizar-se.
Está fazendo uma questão por partes; de cada vez vem um pedido.
O Governo fez o que podia fazer e não podia de forma alguma proceder doutra maneira.
O Governo não exerceu, pois, acção nenhuma.
Podia partir do comando do batalhão da guarda republicana e eu não posso coarctar a iniciativa primitiva.
Não podia, de maneira nenhuma, fazer senão ò que fiz.
Podo V. Ex.ater a certeza de que ôsses documentos hão-do vir.
S. Ex.a quero lançar as responsabili-dades sobre o Governo para que alguma cousa fique, embora depois se passe o contrário. Tanho dito»
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O Sr. Álvaro de Castro : —Principio por repetir a última afirmação do Sr. Presidente do Ministério.
Disse S. Ex.a que os meus intuitos eram apenas lançar a responsabilidade sobre o Governo, de a fim que da calúnia alguma cousa ficasse.
Eu digo a V. Ex.a que o Sr. Presidente do Ministério não disse uma palavra que desmentisse as afirmações que eu aqui fiz para demonstrar quo S. Ex.a não tinha razão nenhuma no que afirmou quanto ao meu pedido, que foi apenas de dois documentos que mando para a Mesa para que sejam entregues a-S, Ex.a.
Os documentos que S. Ex.a tam rapidamente trouxe ao Parlamento são ao todo vinte e três. A cópia desses documentos, não demorou um dia, tanto foi o tempo que mediou ontre o eu usar da palavra e a sua apresentação no Parlamento, mas esto documento que se pode copiar em dez minutos e quo dentro do meia hora estariam aqui, diz S. Ex.a que é necesá-rio esperar muito tempo e de compulsar muita cousa complexa.
Se eu quisesse fazer um ataque político cm forma, para que não mais se sentasse nas cadeiras do Poder este Governo, pouco seria preciso fazer para que o país mo apoiasse.
Vozes:—Apoiado! Trocam-$e apartes.
Q Orador: — Se eu quises.se, como ia dizendo, iniciar um ataque político ao Governo, seria forte razão ter-se verificado que S. Ex.a não tinha força suficiente num seu subordinado.
Se S. $x.a tivesse trazido os elementos que eu pedi, imediatamente teria tranquilizado tudo.
Mas S. Ex.a não o fez, porque sabia que Cases documentos, trazidos aqui à Câmara, seriam a demonstração plena e completa de quo eu não levantei uma questão política, mas uma alta quostão de princípios, a que, aliás, está ligada toda a nossa tradição republicana; a de V. Ex.a e a minha.
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Diário da Câmara dos Deputados
da Câmara, lhe foi lavrada a grave sentença condenatória.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Mariano Martins: — -^Pedi a palavra para enviar para a Mesa a proposta n.° 429-A, com os respectivos pareceres das comissões de marinha e finanças, pedindo a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre só consente a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O Sr. Leio Portela: — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para um negócio urgente, antes do Sr. Mariano Martins o ter feito, e, por isso, peço a V. Ex.a que ponha primeiramente à votação o meu pedido.
Tenho dito.
É lido na Mesa um convite feito pelo Ministério do Trabalho, para que a Câmara se faça representar na festa a efectuar no próximo dia 16 no Bairro Social do Arco do Cego, e bem assim uma nota de interpelação do Sr. Alberto Cruz.
O Sr. Presidente dá conta da substituição na comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos do Sr. Velhinho Correia pelo Sr. Paiva Manso.
O Sr. Presidente: — Já deu a hora de se passar à ordem do dia, mas tenho presentes na Mesa três pedidos de negócios urgentes e bem assim o requerimento do Sr. Deputado Mariano Martins para que entrasse imediatamente em discussão determinada proposta.
Pela ordem como estes assuntos têm sido apresentados vou consultar a Câmara sobre se autoriza ou que eles sejam tratados com prejuízo da ordem do dia, ou que fiquem adiados.
Por consequência peço a atenção da Câmara.
Posto à votação o negócio urgente do Sr. Leio Portela, foi aprovado em contraprova.
O Sr. Leio Portela: — Sr.'Presidente: não se trata evidentemente duma questão que não mereça toda a atenção e toda a consideração da Câmara, porque se assim fosse eu não teria pedido a palavra para um negócio urgente.
Trata-se dum negócio urgente, porquanto, tendo por fim defender os interesses do Estado e acautelar os interesses do País, é necessário agir com rapidez, porventura dentro dum prazo que já está a correr «e a Câmara entender, como eu entendo, que o assunto que vou tratar merece a sua aprovação ou a sua repulsa.
Assim, Sr, Presidente, quando me propus tratar da questão, relativamente a um acórdão proferido e já publicado no Diário do Governo, no qual se consente à Companhia dos Fósforos quo esta levante o preço estipulado nos contratos, é porque na verdade eu reconheço que, por esse acordo, os'interesses do Estado não ficavam devidamente salvaguardados, e os interesses do público ficavam profundamente agravados.
Sr. Presidente: lendo o acórdão, lendo as razões que justificaram o pedido por parte da Companhia para que se constituísse um tribunal arbitrai, vê-se que ele não era de constituir, porque a petição da Companhia não era de resolver, mas analisando o acórdão reconhece-se, Sr. Presidente,, qne o que foi resolvido só atcn deu aos interesses da Companhia, ficando de parte, e absolutamente lesados, os interesses do Estado.
Desejo desde já frisar que pelas declarações íeitas pelo Sr. Ministro das Finanças, a quem neste momento quero fazer justiça, qualquer observação, comentário ou consideração que faça jamais pretenderei visar o Sr. Ministro das Finanças na sua honorabilidade.
A fornia como foi requerida a constituição do tribunal arbitrai por parte da Companhia resume-se no desejo que a Campanhia tinha em atender as reclamações dos seus operários, porquanto, dizia ela que os salários eram muito exíguos, atendendo à carestia o n. vida.
Mais declara a Companhia que se porventura o Estado não consentisse nesse aumento, ela se via na necessidade de cessar a laboração das suas fábricas, e bem assim que se as reclamações dos operários não fossem atendidas eles iriam para a greve, e que imputava a responsabilidade deste facto ao Governo.
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Sessão de 14 e l? de Maio de 1Ô2Ú
cordou, aliás mal, pois que a Companhia não está em situação de ter necessidade de receber uma tal subvenção.
Sr. Presidente: se avaliarmos e verificarmos a cotação actual das acções da Companhia dos Fósíoros nós constatamos que ela está pelo dobro do seu valor nominal.
Tal alta só pode ser devida a uma de duas razões: ou os dividendos que distribui são tam grandes que, cm relação ao capital empregado, representam uma 'devida remuneração, ou então representa que o activo dessa Companhia, é tam garantido e está tam valorizado que vale bem a pena comprar as acções pelo preço dessa cota-
Nestas condições a Companhia não estava, como não está, em circunstâncias precárias.
Mas vamos ao processo que se seguiu no tribunal arbitrai.
A Companhia dos Fósforos apresentou a sua petição e o representante do Governo contestou.
Devo desde já declarar que acho profundamente singular a forma como esta contestação está redigida.
Num dos considerandos dessa contestação diz-se o seguinte:
«Que tal pedido, se em parte é de atender, devido ao excessivo aumento do custo das matérias primas. .. que obriga a aumentar os salários. . . aos funcionários do quadro do comissariado. . . dividendos aos accionistas-».
É esta uma forma do representante do Estado dar razão aos considerandos da petição apresentada pela Companhia dos Fósforos.
Sr. Presidente: eu concluo ainda qne tal contestação é absolutamente extravagante e estranho imenso que o tribunal atenda o pedido de aumento do preço dos fósforos, e é ainda mais singular quando pede para que se julgue ex aequo et.bono.
E quando digo que é singular esta consideração que li da parto do representante do Estado ó porque ele produzia uma alegação que é contra a lei, visto a disposição legal que regula a constituição do tribunal arbitrai tal mio consentir.
De resto o tribunal de\ia ter o cuidado do deixar garantido ao Estudo o podar ré-
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correr, visto o tribunal arbitrai ser constituído por uma disposição legal, na qual se não diz ser permitido às partes prescindir de recurso.
Pois o representante do Estado vem pedir que se julgue sem apelação nem agravo.
Depois da análise feita a -esta peça do processo vou apiesentar à consideração da Câmara algumas extravagâncias dos considerandos que precedem o acórdão.
Diz um desses considerandos o seguin-
«Considerando que é princípio jurídico, geralmente adoptado, o dever que aos Estados incumbe de acudir economicamente... os prejuízos... das empresas com que o Estado tenha contratos. ..».
Sr. Presidente: vivo já há bastantes anos no foro e ainda não encontrei doutrina ou jurisprudência alguma que permita semelhante asserção, de mais quando se trata dum caso particular co-mt) este, dum contrato bilateral em que o Estado não pode pedir partilha de lucros à outra parte, quando os tem, alem daqueles que lhe são conferidos pelo contrato o conseqíientemento a Companhia não pode pedir indemnizações dos prejuízos sofridos.
Diz-se em outro considerando o seguinte:
«Considerando que pela lei de 2 de Setembro de 1915 foi concedida ao Poder Executivo autorização para ocorrer a todas as emergências de carácter económico».
Então se se trata duma resolução que estava dentro da alçada do Poder Executivo não tinha de se constituir tribunal arbitrai, e se o que o tribunal vem subscrever é um acto do benemerência, um acto de generosidade que o Governo podia, querendo,ter, mas só ôle, para com a Companhia, ^conio é que o tribunal encontra em si competência para lançar o acórdão fundado em considerandos desta natureza?
Um outro considerando é o seguinte:
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(E atribui a este facto a razão de qtie é por estarem os fósforos baratos e não pelo facto dá estar a nossa moeda desvalorizada, em relação à moeda espanhola!
j Atribui-se aquilo como um dos fundamentos a considerar para julgar a acção procedente e provar!
Mas o que é mais estranho é que num dos considerandos desse acórdão se venha dizer que é necessário o aumento dos fósforos.
Para quê?
l Para aumentar os vencimentos do comissário do Governo junto da Companhia e dos Funcionários que lá se encontram na situação de disponibilidade!
E é baseado em tais considerandos que se proferiu o acórdão que passo a analisar e que é perfeitamente uina monstruosidade, e de tal natureza, que merece a mais completa reprovação desta Câmara. Por honra da República e para prestígio de nós próprios temos a obrigação moral de envidar todos os meios e esforços para que esse acórdão não se cumpra, porque tal como está exarado representa um bodo dado graciosamente à Companhia dos Fósforos e por uma forma em que SR ilude mentirosamente os míercsbes do Estado. Assim, vê-se que dessa sentença o tribunal arbitrai concedeu à Companhia dos Fósforos tudo quanto esta pediu. £E do aumento de 100 por cento concedido existe qualquer verba que represente aumento de comparticipação de lucros por parte do Estado? Não.
Diz o artigo 5.° dessa sentença:
«Que às receitas líquidas anuais da Companhia se dê a seguinte aplicação:
Diz a alínea c):
«À Companhia e sobre a verba de lucros em 1919 um aumento de 50 por cento para melhoria dos accionistas e reservas».
Verifica-se este caso inaudito:
«A Companhia dos Fósforos fica, para os seus fundos de reserva e dividendo a distribuir aos accionistas, com uma quantia certa que garanta aos accionistas sem pré'um juro permanente e nunca inferior a 12 por cento».
Diário da Câmara doa Deputados
Diz a alínea d): «O remanescente pertence ao Estado». Vamos apurar o remanescente. Pelo n.° õ.° o remanescente é deduzido dos lucros líquidos da Companhia. A primeira cousa é que ó iludido o Estado, é que fica à mercê de lucros que a Companhia lhe queira apresentar e serão os que ela quiser dar. Deles depois são deduzidos o aumento aos empregados da Companhia que segundo ela própria confessa orça para cima de 1:200 contos e o aumento concedido ao comissário do Grovêrno e mais empregados, os 50 por cento já .referidos, para a Companhia, o desconto para revendedores, o fundo de reserva consignado no acórdão de 1918. «;0 que fica depois de tudo. isto para o Estado? Absolutamente nada. Assim se iludiram os interesses do Estado com enorme gravame para os interesses do país. E se agorn. tenho do rao referir ao Sr. Ministro das Finanças, é tam somente para fazer alusão ao despacho, por S. Ex.a lançado, que, a meu ver, merece os devidos reparos, porquanto, fazendo justiça às suas boas intenções e à sua honorabilidade pessoal, ele é a origem da constituição do tribunal arbitrai desejado pela Companhia e a que S. Ex.a não devia ter assentido ... 'O Sr. João Bacelar:—A cláusula do contrato é bem expressa. O Orador: — Eu julgo que o Sr. Ministro das Finanças não devia ter lançado esse despacho por isso que nada existia que a tal decisão obrigasse. Decerto S. Ex.a foi mal informado. A constituição do Tribunal arbitrai é prevista pela clausula %7.a do contrato existente entre a Companhia e o Estado. ^Mas, nos termos dessa cláusula, em que casos se pode • ele constituir? Quando surgirem dúvidas acerca da interpretação a dar às disposições desse contrato.
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ÍSe»são de 14 e 17 de Maio de 1930
Afirmou a Companhia que precisava aumentar o preços dos fósforos para acudir às necessidades dos seus empregados. Ora a cláusula 36.a determina que qualquer conflito entre a Companhia e os seus empregados seja resolvido por um tribunal com recursos para os tribunais da l.a instância presidido pelo Sr. Ministro das Finanças. Como este tribunal não convinha, porém, à,Companhia, esta tratou de exigir constituição dum tribunal fora da fiscalização do Sr. Ministro das Finanças, invocando para isso a cláusula 37.a que, aliás, ó bem expressa e bem clara.
O que se pediu é, manifestamente, uma alteração das cláusulas do contrato.
V. Ex.a nessa altura poderia dizer à Companhia que não se tratava de inter pretar dúvidas acerca do contrato, mas de alterações e de tal ordem que tom de ser submetidas ao critério e ponderação do Parlamento.
Depois, a forma como se constituiu este tribunal é ilegal.
Nos termos das cláusulas do contrato, esse tribunal, desde que é determinado por lei, é um tribunal arbitrai necessário, e o tribunal que-julgou este conflito foi um tribunal arbitrai voluntário.
V. Ex.a só poderia consentir na constituição de um tribunal arbitrai necessário e tinha de cingir-se ao Código do Processo Civil.
Mas tal não se fez. Houve um requerimento ao Sr. Ministro das Finanças, e, por um seu despacho, mandou constituir o tribunal e nomeou logo os árbitros.
Constituíu-se assim um tribunal voluntário.
Ora, um tribunal arbitrai voluntário não poderia nunca constituir-se entre o Governo e a Companhia dos Fósforos, porque o artigo 44.° do Código do Processo Civil determina que os tribunais voluntários só podem ser aceitos por pessoas que possam dispor livremente dos seus bens e o Governo não tem dentro da sua alçada o direito de dispor dos bens ou direitos do Estado.
Portanto não podia constituir-se o tribunal voluntário como só constituiu. Funcionou Osso tribunal ilcgítiniamonto, não só por incompetência cios juízos, mas iam-bGm per ínconipeaOnci.-! oin razão da ma-
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O objecto que foi discutido nesse tribunal não é da-sua coinpotôncia, entretanto julgou-se e por tal forma que se verificou não terem sido os interesses do Estado devidamente acautelados com manifesta vantagem e proveito para a Companhia.
Basta até comparar o acórdão de 1918 com este, para se verificar quo em 1918 houve mais cuidado apesar de ser julgado também ilegalmente autorizando o aumento apenas até seis meses depois de assinada a paz e com mais cautelas em defender a comparticipação do Estado.
Quere dizer, era um aumento provisório e só. graças a este acórdão, ontem publicado no Diário do Governo, se tornou definitivo aquilo que era provisório pelo contrato anterior, com o prémio ainda de mais um aumento de 100 por cento.
Veja V. Ex.a, Sr. Presidente, como tudo isto é tam estranho e singular.
No acórdão de 1918 procurara-se acautelar os interesses do país, só concedendo o aumento a título provisório.
E desta vez? Nada disto se fez, e por tal forma eram os árbitros concordes, que não houve necessidade de intervir o árbitro do desempate, porque o acórdão foi proferido por unanimidade.
Nestas condições estou absolutamente certo e convencido de que as considerações que acabo do apresentar à Câmara hão-de calar tanto no seu espírito, que todos hão-de ter o desejo, como eu tenho, de que semelhante acórdão se não possa manter.
S. Ex.a, o Sr. Ministro das Finanças, ainda, porventura, podo recorrer desse acórdão para a Relação do distrito, nos termos do Código do Processo Civil, S. Ex.a pode aconselhar ao Procurador Geral da Kepública qne recorra, para que não passe cm julgado tal acórdão. E certo quo nnrn dos considerandos do acórdão diz-se que ele entrará em vigor logo que tenha sido publicado no Diário do Governo.
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Os representantes do Estado tinham de se cingir e subordinar absolutamente às disposições da lei.
Este tribunal arbitrai é um tribunal criado por uma determinação legal, é por isso um tribunal necessário, e desde que o é, e desde que a disposição de lei que o regula o não consente expressamente, jamais poderiam renunciar ao recurso para a Relação, e por isso julgo que, se for interposto o recurso, é de receber.
Mas, Sr. Presidente, como "sei o que são os interesses do Estado defendidos nos tribunais e mormente numa questão desta natureza, em que a chicana e os jogos malabares da advocacia hão-de enredar o Estado e, porventura, levá-lo até à perda da própria questão, eu desejaria, porque estou aqui como- estrénuo defensor dos interesses do Estado, acautelá-los por uma forma mais terminante e eficaz, e para isso eu apresentarei à consideração da Câmara uma, moção, que vou enviar para a Mesa, concebida-nos termos que vou ler.
Sr. Presidente: devo dizer que esta forma não é inédita nem nos anais da ga-vernação, nem a dentro deste Parlo-mento.
Já quando se discutiu uma questão que apaixonou a opinião pública, que a fez vibrar intensamente, como foi a questão de Ambaca, o Governo de então tomou a deliberação de anular o despacho que tinha consentido na constituição desse tribunal.
Como V. Ex.a vê, desde que não é uma forma inédita, é legítimo que eu mande .para a Mesa esta moção, visto que se trata de defender os interesses do Estado que desta vez foram absolutamente postergados.
Tenho dito.
A moção é a seguinte:
«Considerando que o julgamento efectuado pelo tribunal arbitrai constituído pelo Governo e a Companhia dos Fósforos não incidiu sobre dúvidas relativas à interpretação das disposições do contrato de 25 de Abril de 1895;
Considerando que a matéria, que neste tribunal foi julgada, importa alteração do contrato de 25 de Abril de 1895;
Considerando que a alteração do contrato só podia ser feita por acordo ex-
Diàrio da Gamara dos tíeputadsô
presso do Estado, mediante autorização votada pelo Parlamento;
Considerando demais que, ainda quando se tratasse de resolver dúvidas entre o GovSrno e a companhia acôrca das cláusulas do contrato, o julgamento a que havia de se proceder devia competir .a um tribunal arbitrai «necessário»-, nos termos do artigo 56.° do Código do Processo Civil, visto ser «determinado por lei» e nunca «voluntário» como se fez;
Considerando que a aceitação do juízo arbitrai «voluntário», que se organizou, não estava dentro da alçada do Poder Executivo, visto só terem a faculdade de a ele recorrer as pessoas que podem livremente dispor dos seus bens nos termos do artigo 44.° do Código do Processo Civil, qualidade que, relativamente aos bens e direitos do Estado, não assiste ao Governo;
Considerando, pelo exposto, que o despacho ministerial de 13 de Março ultimo, que mandou constituir o tribunal arbitrai, é ilegal:
A Câmara convida o Governo a anular o referido despacho e os actos dele consequentes. R passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 14 de Maio de 1920.— Raul Leio Portela».
O Sr. Ministro das finanças (Pina Lopes) : — Sr. Presidente: mais uma vez o Sr. Raul Portela vem levantar uma questão desta natureza sem prévio aviso.
Disse S. Ex.a que a constituição do tribunal foi ilegal. Não me parece que assim seja porque nele compareceu o Procurador Geral da República e o Procurador Geral da República não punha a sua assinatura num documento que não fosse legal.
O Sr. Leio Portela: — O Procurador Geral da República interveio depois de constituído o tribunal.
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arbitrai nos termos do contrato, como já se havia feito em 1918, quando a Compa-nhia veio então pedir o primeiro aumento ! no preço dos seus produtos e, o que.é verdade é que depois de receber o parecer do juiz auditor do Ministério, depois de estudar convenientemente o assunto, entendi que não tinha outro caminho a seguir senão mandar constituir o tribunal arbitrai. O meu despacho não ó ilegal como S. Ex.a dú. Procurei acautelar os interesses da Fazenda Pública.
A Companhia dos Fósforos estava à espera da resolução deste assunto para aumentar o s. vencimento s ao seu pessoal1, vencimentos que neste momento são miseráveis, pois que regulam entre 1$20 e 1050.
O relator, repito, não pode deixar de reconhecer que é justo o aumento do preço dos fósforos, aumento este que necessariamente terá de acompanhar o preço de todos os outfos artigos.
V. Ex.a antes da guerra comprava um par de botas entre 4$ e 5$, porém,, hoje não as comprará por menos de 40$ a 500.
De resto, Sr. Presidente, o Governo não fará questão do assunto, fará dele uma questão aberta e assim o Parlamento resolvê-lo há como, julgar mais conveniente.
Poderá a Camará não aceitar o acórdão do tribunal; porém, eu não posso deixar de dizer à Câmara que ele foi feito com toda a lialdade, como nem outra cousa é de esperar, visto que o Sr. Procurador Geral da República não colocaria o seu nome num documento que não fosse legal.
Disse V. Ex.a que o Estado não terá lucros nenhuns.
Devo dizer a V. Ex.a que não é assim, pois o Estado, pelos cálculos a que já se procedeu, deve tirar pelo menos 1:500 contos por ano de lucros.
Não tenho aqui os documentos para poder provar isto a S. Ex.a e a razão de eu não os ter trazido foi o de julgar que se não trataria hoje do assunto, visto estar dada para ordem do dia a discussão da contribuição industrial, assunto este que é da máxima importância.
Eu, Sr. Presidente, não venho para aqui defender os interesses nem da Companhia dos Fósforos no™ cb Companhia
dos Tabacos, não sou accionista destas companhias nem espero sõ-lo, e assim falo sem interesse.
O que é facto, Sr. Presidente, é que a Companhia esteve dois anos sem receber dividendo e daí o facto do tribunal arbitrai achar justo o aumento do preço dos fósforos.
Desta forma é que ela poderá reforçar a sua verba que foi bastante defraudada com os preços porque tem ficado os produtos nestes últimos anos.
Por estas e outras razões que já apresentei à Câmara é que eu acho necessário o aumento do preço dos fósforos, preço esse que tem de acompanhar indiscutivelmente a elevação de todos os outros artigos.
Tambôrn V. Ex.a se referiu ao aumento dos ordenados dos comissariados, aumento esse que foi feito em Maio de 1919, isto é, quando foram aumentados os vencimentos dos directores gerais, porém, devo declarar à Câmara que esse aumento é pago pela Companhia.
Eu, Sr. Presidente, não estou aqui a defender os interesses da Companhia, mas não deixo de concordar que o aumento dê preço tem razão de ser o assim talvez se evite que os fósforos vão para Espanha.
Como V. Ex.;ls sabem o tribunal é independente e não tem de acatar as indicações de ninguém,- e teve como presidente o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que deve merecer a confiança de todos nós.
O Sr. Ladislau Batalha (interrompendo}:— (JMas não há recurso?
O Orador: — Desde que o Sr. Leio Portela trouxe ao Parlamento esta questão eu não recorro sem o Parlamento se manifestar nesse sentido.
O Sr. Presidente: — A Câmara concedeu o uso da palavra para tratar deste assunto em negócio urgente ao Sr. Leio Portela, que terminou as suas considerações enviando para a Mesa uma moção, mas, noa termos do Regimento, eu tenho dúvidas se ela é de aceitar o nesse sentido consulto a Câmara.
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Diário da> Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — A Câmara resolveu que a moção não é de aceitar.
O Sr. Leio Portela:—Requeiro a contraprova.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Está resolvido aceitar a moção. Vai ler-se. Foi lida e admitida.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Leio Portela.
O Sr. Leio Portela: — O Sr. Ministro das Finanças julga tudo muito esclarecido, e eu cada vez vejo isto mais confuso.
Como S. Ex.a não é um jurista, julga que pelo facto de ter intervindo nesse tribunal, como representante do Estado, o Procurador da República, que, por todos os títulos, ó um grande jurisconsulto, julga que o tribunal ó competente.
Devo declarar que na altura em que o Procurador Geral da República-interveio, já não podia, a dentro desse tribunal, deduzir a ilegalidade ou legalidade do tribunal.
Assini; o primeiro acto que ,se praticou para a constituição do tribunal arbitrai foi o requerimento da Companhia, o pedido para a constituição desse tribunal. O segundo acto foi o despacho do Ministro, a declarar que aceita e consente na constituição desse tribunal.
O assentimento -do Governo à constituição desse tribunal, nomeando logo os árbitros do Estado, é que faz constituir o tribunal, e é só então, e depois que intervêm o Procurador Geral da República.
Intervêm, mas como Ministério Público, num tribunal que o Governo constituiu, considerando-o, por isso, legítimo. Entretanto, afirmo que ele é ilegítimo, porque se constituiu para se conhecer duma matéria, que se não podia ser tratada neste tribunal, nele só se podia tratar das dúvidas que se suscitassem na interpretação das cláusulas do contrato, e o que esse tribunal julgou foi uma alteração do contrato.
Quando disse que se não podia con-. sentir na constituição desse tribunal, disse-o por o Sr. Ministro poder escudar-se
no argumento de que a matéria controvertida não era da competência e alçada do tribunal arbitrai.
Por consequência, continuo a manter às afirmações que fiz.
Não vim para aqui de má fé nem com intuitos de especulação. (Apoiados).
Não os tenho nem os tive.
Disse claramente a razão por que levantei este debate.
A ininha qualidade de parlamentar, como representante vdo país, impõe-me a obrigação de defender os interesses do Estado, que não foram devidamente acautelados nesta questão.
Referiu-se o Sr. Ministro, contestando a minha afirmação, a que o Estado obtinha lucros do 1:500 contos.
Tenho muita consideração, repito, por S. Ex.% mas é certo que esta asserção, produzida por esta forma, é absolutamente gratuita.
Subsistem inteiramente as minhas dúvidas e as razões que aleguei.
A Companhia chega ao fim do ano e apura, sem nenhuma limitação, quais os seus lucros líquidos. Apurados que se-j.irn quais os sons Inf.ros. di/. n ar,6rflã.o: 50 por cento sobre os lucros que a Companhia tom tido pelo contrato de 1918, ficam exclusivamente pertencendo à Companhia, para fundo de reserva. São ainda deduzidos os aumentos para o pessoal, funcionários do quadro, descontos a revendedores e o fundo de reserva.
O que resta ao Estado ? O que a Companhia quiser.
^Qual o remanescente que fica para o Estado depois de deduzidas estas verbas ?
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definitivo, um aumento incomportável. Na contestação o representante do Estado diz que esses aumentos devem ser concedidos a título provisório, pois, apesar disso, o acórdão votou e julgou por unanimidade qne Gsses aumentos fossem definitivos. „
Sr. Presidente: quando eu dizia ao Governo, não a título de conselho, porque não me competia nem devia fazê Io, mas como lembrança de que devia recorrer, jamais me passou pela mente que a Câmara fizesse essa indicação terminante ao Governo. Mais ainda. O Procurador Gorai da. República, por lei, deve recorrer do acórdão, porque os representantes do Estado, em todos os processos em que intervenham e em que não vejam períei-tamente acautelados os interesses do Estado, têm obrigação de recorrer, e quando formulei a indicação de que ainda se podia talvez, e porventura, recorrer dês-se acórdão é porque suspeito de que no compromisso firmado se tenha prescindido do recurso.
Por último, disse o- Sr. Ministro das Finanças que os'-empregados da Companhia estavam numa situação calamitosa, porque percebiam 1$20 e lá>50. quantias bastante exíguas para suportar os encargos da vida presente.
É certo que o Estado deve ser o primeiro a zelar pelo bem-estar de todos, mas entre zelar os interesses dos outros com prejuízo dos interesses do Estado, redundando em benefício dum particular, que neste caso é a Companhia dos Fósfo-ros, vai uma distância do abismo.
Á Companhia dos Fósforos não está em condições tam precárias como o Sr. Ministro das Finanças afirmou.
G índice mais verdadeiro, mais iniludível, de que a Companhia disfruta uma situação próspera é a cotação das suas acções. (Apoiados).
Jamais se poderia, por um artifício da Bolsa, elevar as cotações, seja de que companhia for, até o grau em que foram elevadas 6 estão mantidas as acções, desta Companhia, quo, tendo o valor nominal do 4õj5, ostão nojo a 90$. Esto ó o Índico da situação e da valorização do activo da Companhia dos Fósforos.
Nessa conformidade, pareço-mo quo bom andaria o GovOrno recorrendo a iodos os meios para r,T:ícr a ;;xacu::;-iu> do
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semelhante acórdão, que, julgo, não cala mesmo intimamente no espírito do próprio Governo.
Todos os recursos que se empreguem são bons, legítimos, necessários, e até se impõem ao próprio Governo, ao qual incumbe zelar e defender os interesses do Estado. (Apoiados).
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: na verdade não me parece quo os termos do Regimento tenham sido integralmente cumpridos, não por culpa de V. Ex.% mas, porventura, por culpa dalguns Srs. Deputados que não estiveram com. a atenção devida, e que, como eu, votaram duma maneira diversa da que desejariam, pois, sendo o assunto que versou o Sr. Leio Portela classificado de negócio urgente, só deveria ter entrado no debate S. Ex.a e o Sr. Ministro das Finanças, por cuja pasta corre o mesmo assunto.
Nestes termos, não podia ser apresentada unia moção do ordem, pois só quando há uma inscrição se podem apresentar moções dessa natureza.
Sr. Presidente: dificilmente, num assunto tam complexo como este, seria possível que, depois da Sr. Leio Portela ter falado com a proficiência que lhe é peculiar e com conhecimentos detalhados d-a questão, e tendo-lhe respondido o Sr. Ministro das Finanças, conhecedor do caso, porque nele trabalhou, dificilmente, repito, a Câmara poderia votar com consciência, sem o perigo de praticar inconvenientes, por isso que neste momento não está habilitada a decidir-se escrupulosamente e sabendo o que íaz, ou pela moção do Sr. Leio Portela, ou contrariamente a ela.
Creio que muitos Deputados estão nesta situação.
Parecia-me conveniente que esta discussão se fizesse de maneira mais larga, dando tempo para o estudo da questão àqueles que queiram intervir no debate.
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seja, vou enviar para a Mesa unia moção nesse sentido, que diz: .
Moção
Considerando que o assunto em debate é de extrema complexidade e convindo que a Câmara seja devidamente esclarecida:
A Câmara, declinando para o Governo a responsabilidade dos actos praticados e de qualquer omissão prejudicial à boa solução do. assunto, resolve que o Sr. Ministro das Finanças deve recorrer da deliberação do tribunal arbitrai, e que a matéria da moção deve ser dada para ordem do dia na próxima sessão (segunda--feira), sem que o recurso importe o reconhecimento, por parte do Parlamento, da competência do tribunal arbitrai na matéria sobre que deliberou.— Álvaro de Castro.
Entendo que nesta moção ' se define a boa doutrina a seguir quanto a esta discussão.
Para libertar de entraves a atitude futura do Parlamento, quanto à apreciação de actos de S. Ex.* na resolução do assunto, era necessário dizer, como se diz, que a Câmara, por virtude de tomar quaisquer resoluçõos, não assumia a responsabilidade dos actos já praticados polo Governo, e que só a ele pertencem.
jL necessário que o Parlamento se esclareça e, para isso, será o assunto debatido na segunda-feira, visto que S. Ex.a está convicto de que praticou um acto legal dentro das normas administrativas.
Foi lida na Mesa a moção.
Foi admitida e entrou em discussão.
O Sr. Presidente : — Tem a palavra o .Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes) : — Sr. Presidente: nem a moção apresentada pelo Sr. Leio Portela, nem a apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro podem ser aceitas pelo Governo. Qualquer dela^s representa, pelo menos, o reconhecimento de que o Ministro das Finanças andou mal, nomeando um tribunal que não é legal.
O Governo não pode aceitar este princípio, tanto mais que o Ministro das Finanças formulou o seu despacho ein harmonia com o parecer do auditor j uridico
Diário da Ô amara dos t>eputados
do Ministério respectivo. Além disso foram seguidas as normas do contrato exis -tente entre o Estado e a Companhia dos Fósforos, relativamente ò. constituição do tribunal arbitrai, embora o Sr. Eaúl Portela queira dizer o contrário.
Eu estou disposto a empregar o melhor dos meus esforços para que os interesses do Estado sejam convenientemente salvaguardados, e resolvido a servir-me dos meios que a lei me faculta para que os acórdãos tenham a aplicação que devem ter, ou não tenham aplicação alguma, conforme isso for da vontade do Parlamento.
O Sr. Pedro Pita:—Eequeiro a prorrogação da sessão até se liquidar este assunto.
foi aprovado.
O Sr. Leio Portela:—No final das minhas considerações' apresentei uma moção que, como então declarei, não pode significar nenhuma espécie de especulação, nem tam pouco o propósito de hostilizar o Governo. Ao apresentá-la ou tive apenas em vista esclarecer devidamente a questão. (Apoiados}. Foi esse exclusivamente o meu desejo, e, porque esta Câmara também sabe zelar os interesses do País, eu não tive dúvida em apresentar a minha moção.
Atendendo, porém, às declarações feitas pelo Sr. Ministro das Finanças, e para que se não- julgue que as minhas intenções foram outras, eu peço a V. Ex.% Sr. Presidente, .para pôr a minha moção à votação apenas quando se discutir nesta Câmara o assunto que ela versa.
O Sr. António Maria da Silva: — O Sr. Raul Portela anunciou o negócio urgente relativamente à questão dos fósforos, urgência que a Câmara reconheceu. No espírito de nuási todos os Deputados que a aprovaram não passava, porém, a idea de que o assunto vinha a correr nos termos em que tem seguido. De facto, nós fomos apanhados de surpresa, completa--mente desapossados do todos os elementos necessários para entrarmos conscien-temente na apreciação do assunto...
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Até agora não proferi qualquer palavra que dalguma maneira destruísse as afirmações produzidas pelo Sr. Leio Portela. Simplesmente quis significar que nos termos GUI que S. Ex.!l pôs a questão, discutindo até a legalidade ou ilegalidade do Tribunal Arbitrai, faz com que a maior parte das pessoas que não têm conhecimentos especiais de direito, não possam entrar de surpresa numa questão desta natureza, tanto mais sabendo-se que num período para nós desagradável do dezem-brismo, se publicou um acórdão nos mesmos termos, estebelecendo-se, por assita dizer, prática da legalidade.
Mas no momento em que estivermos habilitados a discutir o assunto e a deliberar com consciência, não fugiremos.
Demais, pela forma como a moção do S. Ex.a está redigida, é fundamentalmente uma moção de carácter político, de absoluta desconfiança ao Govôrno.
Sei que S. Ex.a ó um adversário liai e não produzia uma afirmação para a desmentir em escrito, mas como não podemos separar a pessoa do que está escrito, e como S. Ex.a não pode andar com uma sineta aos ouvidos de toda a gfinte a dizer quais são os seus intuitos sobre um documento aprovado nesta Câmara, só se poderá julgar pelo que está escrito.
Basta a dúvida que estará no espírito do ilustre Deputado para bem se ajuizar que não podemos aceitar a moção apresentada, o que não queré significar que este lado da Câmara não tenha tanto empenho como S. Ex.a do que os interesses do Estado sejam defendidos.
O Sr. Leio Portela: — Eu até frisei que já uma vez se havia feito a dentro da República o mesmo que eu propunha na moção, e isso não importou a queda, do Govôrno.
O Orador: — As cousas são o que são. E como o ilustre Deputado repete que não tem empenho em transformar uma questão de defesa de interesses do Estado numa questão meramente política, estou convencido de que S. Ex.a só não importará om que a sua moção seja substituída por outra onde se defina quo os interesses do Estado sejam perfeitamente defendidos com os meios legais que o G-ovôrno tem, não deixará de recorrer no prazo lo-
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gal, dadas as palavras de S. Ex.a (Apoiados).
E por isso que, antes do prosseguir nas minhas considerações, quero ler os termos da moção que vou mandar para a Mesa.
Moção
A Câmara, reconhecendo quo o Governo tem na lei os moios necessários para acautelar devidamente os interesses do. Estado, e que deles usará, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 14 do Maio de 1920.— António Maria da Silva.
Desde que temos dado nos últimos dias pleno exemplo de que só nos determinam os superiores interesses da Republica e do País e de que nos podemos unir todos numa obra de ressurgimento nacional, e isso também o demonstrou o Sr. Ministro do Trabalho quando se aprovou um projecto de lei alargando prazos, eu pregunto se, a tam curto prazo, vale a pena arri-piarmos o bom caminho que vínhamos seguindo.
Não se trata de dar apreço à minha rnoçãç, à do Sr. Leio Portela ou à do Sr. Álvaro de Castro. O que ficou expresso, é que nenhum destes- Deputados teve qualquer empenho de, natureza política, e até o próprio Sr. Álvaro de Castro afirmou que a Câmara não tinha tomado bem conhecimento da moção do Sr. Leio Portela e que, se assim não tivesse sucedido, não teria aprovado sequer a sua admissão, porquanto ela tinha, naturalmente, que se transformar num debate de natureza política generalizado.
Seria um mau precedente que isto acontecesse; seria mesmo uma surprGsa política que não está nos intuitos do Sr. Leio Portela — era imprópria do seu carácter — e que havia de trazei1 maus dias para a República, porque, se tais processos subsistissem, não havia Governo que resistisse ao mais insignificante negócio urgente que qualquer Deputado quisesse levantar de um momento para outro.
Estes, porGm, são processos que não subsistem, tanto mais que a pessoa principalmente intoroGGada ontcndo quo assim deve ser.
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estavam em condições diversas dos de outras empresas, ocorreu-lhe a idea, que a todos os portugueses tem ocorrido, de que devemos colocar todos os cidadãos em idênticas circunstâncias. Foi este mesmo critério que fez com que o Sr. António Fonseca trouxesse ao Parlamento um projecto de equiparação .de vencimentos dos funcionários públicos; é este mesmo o critério • que prevalece não só no nosso país, mas em toda a Europa, porque toda a gente solicita melhorias, mercê de circunstâncias várias, sem que, todavia, ninguém se importe de criar receitas.
De forma que o Sr. Ministro das Finanças, verificando que tais assalariados se achavam em inferioridade de circunstâncias em relação a outros que tinham conseguido ser aumentados pelo consentimento das empresas onde se encontram da elevação do preço dos artigos em que negociam, entendeu que, cm princípio, devia aceitar a questão posta naqueles termos, mas também senão desinteressou das conveniências do Estado e, como há. pouco disse, arranjava uma receita de 1:500 contos.
S- F/x,a estava ainHa convencido de que. se a sentença não fosse amais conveniente para os interesses do Estado, teria na lei os meios necessários para a sua defesa.
Circunstâncias várias, resultantes talvez da maneira como as cousas foram postas, iludiram o Sr. Ministro das Finanças e fizeram S. Ex.a ver um propósito que não havia nas intenções do Sr. Leio Portela e, realmente, S. Ex.a não se poderia sentir bem naquela cadeira, se porventura se pudesse interpretar a moção como mostrando ser ilegal a sua acção ou se se pudesse dizer lá fora que havia um Governo da República que para favorecer qualquer companhia tinha praticado um acto de natureza a dar legalidade ao que era ilegalidade manifesta. • São estas as considerações de que entendi dever acompanhar a minha moção, que resolverá o assunto, se os Srs. Deputados que apresentaram documentos de igual natureza, se convencerem que assim deve ser, e o Sr. Ministro das Finanças de que não se trata de lhe criar uma situação precária sobre, uma questão que tem por fim defender os interesses do Estado.
Tenho dito,
O Sr. Ferreira da Rocha:— Sr. Presidente : desejava pedir alguns esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças e seria favor se S. Ex.a me respondesse desde já para orientar as considerações que desejo apresentar.
Desejava saber se o Governo e a Companhia estão na resolução de renunciar ao direito de apelação. (Apartes).
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes):— Eu nomeei dois árbitros e o tribunal escolheu o seu presidente, reúniu--se, teve as suas sessões e deu a sentença, (Apartes).
O Orador:—Eu desejaria que S. Ex.a dissesse se as partes tinham ou não renunciado a recurso.
O Código diz o seguinte:
Os árbitros no julgamento da causa devem conformar-se com as leis, podem contudo julgar de aequo et bono, se para isso forem autorizados no compromisso e os compromitentes tiverem renunciado à apelação.
Q acórdão foi publicado no Diário do fíovfírnn o o tribunal assim já julgou, c. O- tribunal julgou em última instância.
Se se pudesse recorrer, seria aceitável a moção do Sr. Álvaro de Castro, e podia S, Ex.a remediar o mal da sentença.
Se houvesse recurso, ele só podia ter por base a incompetência da matéria. (Apartes}.
A sentença quási que dá mais do que a companhia pede.
Podia-se reconhecer as dúvidas sobre o contrato," mas não sobre os aumentos de preços.
Não vá alguém supor que o aumento do preço dos fós'oros e das tarifas dos caminhos de ferro poderiam constituir uma dúvida. (Apartes).
Neste momento em que toda a gente lá fora está dizendo às companhias que se não podem conter que abram falência, porque emquanto ganhavam não davam o excedente, é defensável a doutrina de V. Ex.a porque só o Poder Legislativo e o Executivo podiam modificar o contrato, mas jamais poderá ser a resultante duma deliberação dum tribunal.
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vimento é exactamente que aquele tribunal n&o podia conhecer do assunto.
Pode dizer mais ainda: ó que o seu despacho não era legal.
^ Que inconveniente pode haver em que a própria Câmara seja a primeira a dizer que ó necessário o recurso?
Este assunto é importante e interessa ao Estado e aos consumidores o até seria ele precedente para todas as firmas ou companhias que tenham negócios com o Esvtado.
Assim V. Ex.a terá armas para se defender das pretensões injustas.
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes):— Não rne admira que este assunto tenha apaixonado tanto a Câmara, porque sempre esse caso se dá quando no Parlamento se trata de contratos da Companhia dos Fósioros ou dos Tabacos.
Não me recorda em que termos foi o meu despacho dando direitos a ôsse tribunal, mas nada obsta a que a moção do Sr. António Maria da Silva possa ser votada sem que disso resulte mal para o País, pois quem tem de saber se o tribunal é ou não competente é a Câmara.
Assim, Sr. Presidente, quando me foi dito que devia reunir o Tribunal Arbitrai nos termos do artigo tal, que não me recordo agora qual ó do contrato, a minha resposta foi que estava de acordo.
Eu, Sr. Presidente, devia declarar francamente que não me lembro agora das condições que foram conferidas àquele tribunal, porém ainda hoje vou tratar de o saber, 'Concordando assim com a moção enviada para a Mesa pelo Sr. António Maria da Silva e na próxima segunda--feira poderei trazer ao Parlamento todos os elementos necessários a fim de se poder discutir o assunto com verdadeiro conhecimento de causa.
Tenho dito.
O Sr. Álvaro de Castro:—Sr. Presidente : pedi a palavra para declarar à Câmara que a moção que enviei para a Mesa não ó de desconfiança ao Governo, e fi-lo pula, srguiuíu razão:
O Sr. Ministro das Finanças a primeira voz que falou JÍHBG qiu; tinha o direito de interpor o recurso, mas que oin vista das considerações que MO haviam produzido
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que a Câmara lho dissesse muito claramente.
Em virtude disso é que eu fiz a moção que enviei para a Mesa, para assim dar lugar ao Sr. Ministro das Finanças a fazer o seu recurso, visto ter declarado que o não faria sem autorização da Câmara.
Eu, Sr. Presidente, estou convencido que há lugar a recurso, e se aprosontei a moção a que me tenho rof rido foi em vista das declarações feitas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Já vê, portanto, a Câmara que a minha moção não pode ser considerada de desconfiança, a qual foi feita, repito, de harmonia com as declarações feitas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Quanto a aprovar a moção do Sr. António Maria da Silva, tenho a declarar que o não posso fazer, por isso que o que se trata do saber é se com as disposições que estão em vigor o Sr. Ministro das Finanças poderá defender os interesses do Estado como ôles devem ser defendidos,
Repito, não posso votar a moção do Sr. António Maria da Silva, para que se en-cfirre a discussão, por isso que entendo que ô de toda a conveniência que se justifiquem os actos praticados, que alieis eu não sei se foram bem oi> mal praticados.
A dúvida com rospoito a qualquer acto de qualquer Ministro nunca pode importar desconfiança para os Ministros, porque a verdade ó que ao Parlamento é a quem compete averiguá-los, e só depois das averiguações feitas com inteira latitude é que poderá decidir 'sobro a boa ou má prática das suas íunções.
Tenho dito.
O Sr. Velhinho Correia:—Sr. Presidente : pedi a palavra para responder às ligeiras considerações produzidas pelo Sr. Ferreira da Rocha.
Disse S. Ex.H no sou discurso que o Sr. Ministro não devia ter entregue a solução desta questão ao tribunal arbitrai.
Não conheço esta questão, como de rosto acontece a quási todos os Srs. Deputados, nas suas minuciosidados; mas, em todo o caso, as ligeiras informações que tenho habilitam-mo a pensar da seguinte forma:
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licitando-um aumento de preço nas caixas de fósforos.
£0 que é que o Ministro devia fazer?
Desde que se reconhecia alguma razão neste pedido, que decerto existe, como o não negou o próprio Sr. Leio Portela, o Ministro tinha de agir de qualquer forma; ou resolvia o assunto por si, ou nomeava uma comissão, ou ainda, podia fundam en-tar-so na opinião duma entidade oficial, que é o consultor jurídico do Ministério.
Eu sói, Sr. Presidente, que a opinião desse juiz não obrigava de maneira'nenhuma o Ministro a segui-la, mas a verdade é que S. Ex.a ficava ao abrigo de quaisquer insinuações que porventura se levantassem.
Acontece que esta questão foi levantada depois do tribunal ter proferido uma sentença desfavorável; mas não é ao Ministro que cabe a responsabilidade deste facto.
Sr. Presidente: diz-se: mas o tribunal não era competente para julgar.
É incontestável isso; e 6 incontestável porque a favor dessa orientação estavam muitas opiniÓ.es autorizadas.
QIIP.T-O qnfi a Camará não fique com um pensamento, que não seja justo, sobre qual foi a orientação do Sr. Ministro.
O Sr. Ferreira da Kocha disse que se não devia de maneira nenhuma autorizar a Companhia a aumentar.
Evidentemente, duma maneira geral, • que não; mas sim duma forma justa e indispensável.
Há circunstâncias - como a da desvalorização da moeda, carestia da vida, etc., que justificam estes casos.
A negativa está num ponto relativo e justo.
Em minha consciência há apenas a conhecer o ponto a que deve atender-se.
O Sr. Ministro não procedeu levianamente, e não pode ser chamado à responsabilidade pela Câmara.
Entregou o caso a um tribunal em vez de o resolver por si ou de entregá-lo a uma comissão.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Duas palavras para fazer sentir que a argumentação de S. Ex.a é errada quando quere dar M impressão de que dalguma forma se pretende atacar o Sr. Ministro das Finanças.
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Não, ninguém pretende atacar o Sr. Ministro. (Apoiados).
Aindo mesmo que S. Ex.a tivesse concordado com a decisão jurídica.
Evidentemente todos sabemos que não é possível que o Sr. Ministro estudasse o assunto técnico tam detalhadamente que tivéssemos de censurar S. Ex.a por axitos que praticou.
Tam pouco é verdade que o Sr. Leio Portela tivesse dito que seria razoável que a Companhia aumentasse.
S. Ex.a disse qun a Companhia poderia com razão aumentar o preço às caixas de fósforos, mas não disse que ela teria direito a resolver isso num tribunal arbitrai.
O tribunal não podia sequer conhecer desses assuntos.
A sentença do tribunal não é tam 'somente para resolver sobre salários ;. vai mais além.
Em 1918 foi garantido aos accionistas da Companhia lucro médio, ao passo que vai conceder- 00 por cento de aumento para elever os lucros dos accionistas.
Não se podem julgar por essa forma as palavras que S Ex.a disse.
A forma mais lógica de resolver o as-' sunto,por agora, a era não votar nenhuma moção das apresentadas.
Nem a do Sr. Portela, nem a do Sr Álvaro de Castro,-pelo motivo de se poder ver nelas qualquer censura ao Governo.
Por outro lado não podomos aprovar uma moção que começa por reconhecer que há nas leis maneira suficiente para salvaguardar os interesses do Estado, quando nós, se não estamos convencidos, pelo menos devemos reconhecer que o Estado não tem já o direito de recorrer."
Não podemos aceitar uma moção que significa que o Sr. Ministro não possa amanhã mesmo recorrer...
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Abílio Marcai.
O Orador: — O Ministério não pode prescindir de recursos determinados por lei.
Aparte do Sr. Abílio Marcai, que se não ouviu.
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para que S. Ex.a, durante estes dois dias, possa estudar convenientemente o .assunto e então pronunciarmo-nos como for de justiça sobre as moções apresentadas.
Nestes termos requeiro que a sessão seja imediatamente interrompida até a próxima segunda-feira, para continuar na discussão deste assunto.
Posto à votação o requerimento, foi aprovado.
O Sr. Augusto Dias da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Fez-se a contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pó 21 Srs. Deputados e sentados 40.
Está, portanto, aprovado o requerimento do Sr. Ferreira da Rocha.
A sessão continua na próxima segunda--feira, 17, às 14 horas.
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente:—Está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e ô minutos.
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes)-:— Sr. Presidente: apesar de ter boa memória, nestes últimos tempos, ou porque tenha produzido um esforço superior às minhas forças físicas, ou por qualquer outra circunstância, o que é verdade é que nos últimos tempos essa memória me tem falhado um pouco.
E daí não pude na última sessão responder cabalmente às considerações que aqui foram produzidas especialmente no ataque que me foi dirigido pelo ilustre Deputado Sr. Leio Portela.
Eu tinha a certeza absoluta de que a lei não tinha sido ofendida e de que os interesses do Estado tinham sido rigorosamente salvaguardados.
Hoje, porém, posso dar mais amplas explicações à Câmara, e creio que de molde a satisfazerem.
Com toda a independência e justiça, como sempre, eu vou expor a questão.
Em 1917, a Companhia dos Fósforos vendo sensivelmente baixar as suas receitas, de fornia a não poder satisfazei1 os en-
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cargos do contrato, fez um requerimento ao Governo de então, pedindo a modificação do contrato.
Era Ministro das Finanças o Sr. Afonso Costa, cuja competência em matéria jurídica é suficientemente conhecida de nós todos e considerado o mais abalizado advogado do nosso país.
S. Ex.a teve dúvidas e mandou retinir o Tribunal Arbitrai, nos termos da base 37.a do contrato.
No dia 8 de Março pelas 19 horas, depois de eu tomar posse apareceu-me o comissário geral dos fósforos, dizendo que tinha necessidade de se reunir comigo, porque estava latente uma greve do pessoal dos fósforos tendo por base o aumento de salário.
No dieyimediato fui procurado pelo delegado da administração, o Sr. D. Luís de Lencastre, e pelo engenheiro Sr. Pinto Bastos, que me pediram para solucionar um conflito que estava pendente entre a Companhia e o Estado.
Havia um despacho do Sr. António Fonseca, sobre um requerimento da Companhia, .mandando ouvir o juiz auditor.
Diz nessa consulta o Sr. juiz auditor:
«Termina a Companhia por solicitar a constituição dum tribunal arbitrai».
Em presença deste parecer e do despacho já lançado pelo Sr. António Fonseca, eu estude-i convenientemente o contrato de 1895, e efectivamente verifiquei que na cláusula. 37.a se mandava reunir o tribunal arbitrai para resolver as dúvidas entre o Çstado e a Companhia.
Eu que não soa jurista e que sei que há sempre divergências entre os próprios jurisconsultos para interpretar o mais simples texto legal, também cheguei à conclusão de que não era preciso ir a Coimbra tirar a carta de bacharel em direito para interpretar uma cousa tam co-mesinha como a qne se consigna na cláusula 37.a do contrato, que é tudo quanto há de mais claro, como clara é a luz do dia.
Não tive dúvida absolutamente nenhuma sobre qual era o caminho a seguir.
O contrato de 1895 foi. feito ao abrigo de uma lei especial, e esta lei tem de ser cumprida.
Segundo o meu modo de ver e segundo a minha consciência cumpri a lei.
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tada nem pelo Parlamento de 1918, nem pelo Parlamento de 1919, nem pelo Parlamento de 1920, nem pela imprensa, nem pelo consumidor, n,em pela opinião pública.
Trata-se, portanto, duma questão de direito eonsuetudinário.
Em 1917, como disse, a Companhia fez um pedido ao Estado para introduzir uma modificação no contrato.
O Sr. Afonso Costa, depois de estudar convenientemente o assunto, lançou o se-guin^e despacho:
«Existindo realmente dúvidas entre o concessionário e o Governo...»
Como a Câmara bem se recorda, logo no dia imediato ao lançamento deste despacho, seguiu para Paris o Sr. Afonso Costa a fim de touiar parte na Conferência Económica I ater- aliados.
Quando S. Ex.a regressou a Portugal, em princípios de Dezembro, estava triunfante o movimento dezembrista, que considerou aquele grande cidadão, que ao País o à Ropúbliôa tem prestado e está prestando os mais assinalados serviços, como um criminoso, encerrando-o numa pri-s fio.
Foram nomeadas comissões de inquérito aos Ministérios dasFinançaseda Guerra, porque o dezembrismo queria ver nos despachos, dos Srs. Afonso Costa e Norton de Matos favoritismos, escândalos e ilegalidades.
E assim foram-se buscar aos arquivos tados os processos para serem examinados cuidadosamente.
O despacho em questão foi motivo dum estudo especialíssimo, e a final de contas íoi um homem da confiança do dezembrismo, foi um correligionário do Sr. Leio Portela, 'o Sr. Santos \Hegas, que é al-guôm em Portugal, e a cuja honestidade, a cuja competência, a cuja austeridade, justo é que se preste as maiores homenagens, quem assinou o compromisso para a reúnilto do Tribunal Arbitrai, dando execução ao despacho do Sr. Afonso Costa-, por tO-lo reconhecido legal.
O compromisso foi assinado pelo Procurador Geral da Eep blica, e tanto no Tribunal Arbitrai de 1918, como no de 1920 interveio o mais elevado magistrado judicial do nosso País, o venerando presi-
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dente do Supremo Tribunal do Justiça, e fizeram parte dele dois dignos e ilustres magistrados, os Srs. Almeida Pessanha e Pina Calado, e a verdade é que nenhum destes magistrados, especialmente o Procurador Geral da República, a quem cumpre zelar pelo prestígio da lei, entendeu que a lei fosse ofendida na sua mais insignificante partícula.
,?E o que se. vê agora?
Que em 1920 por eu ter aceitado a ju-risprudôncia estabelecida em 1918, sou acusado em pleno Parlamento, de ter desrespeitado a lei e de não ter zelado con^ venientemente os interesses da Fazenda Nacional. .
O Governo podia, se quisesse, resolver este assunto ao abrigo das faculdades que lhe onferia a lei n.° 373, que são claras e e °xpressas.
Não o quis fazer, px>rque sendo o contrato aprovado por um:i lei especial, a única cousa que tinha a fazer era submeter-se completamente às disposições dessa lei!
Tendo dúvidas, cumpriu, o seu dever, recorrendo ao tribunal arbitrai, como aliás, já o fizera o Sr. Afonso Costa, em 1917.
Eu disse aqui, e repito-o hoje, que se trata duma questão absolutamente .aberta para mim. Os restantes membros dôste Ministério não -têm. quaisquer responsabi-lidades neste acto, pois fui eu que resolvi a questão como se tratasse de expediente corrente da minha pasta. Sou,, portanto, eu quem assume as responsabili-dades, tenho muita honra eu o afirmar.
Creio que na parte que se refere à legalidade e à moralidade do meu procedimento, a Câmara está suficientemente esclarecida.
Vamos agora à parte económica.
Como a Câmara sabe, em 1918, foi prometido um aumento no preço dos fósforos, aumento que se destinava a pagar à Companhia apenas uma quantia correspondente à média dos dividendos que distribuía aos accionistas de 1910 a 1914.
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só absorveu toda a verba do remanescente, como trouxe, ainda, um déficit para o Estado.
O Ministro das Finanças mandou reunir o Tribunal Arbitrai para serem resolvidas as dúvidas existentes entre a Companhia e o Estado, tendo dado aos seus delegados as mais rigorosas instruções — o que aliás não seria necessário dada a envergadura intelectual e moral desses delegados— para que a lei fosse cumprida e devidamente salvaguardados os legítimos interOsses do Estado que tem absoluta necessidade de aumentar consi-derávelmente as suas receitas.
O aumento de despesa proveniente da melhoria de vencimentos exigida pelos ope-rárips o restante pessoal da Companhia importava em 1:200 contos. O Estado foi, oficialmente citado, é claro, para que distribuísse a ossos operários um aumento de vencimentos que correspondesse a esses 1:200 contos, o que foi devidamente contestado, havendo, então, réplica e tréplica sobre o caso. A Companhia procurou fazer vingar o seu ponto de vista, o que não conseguiu dada a atitude dos representantes .do Estado.
Os 50 por cento de agora são destinados não só a compensar os accionistas do dividendo que deixaram de receber em 1917, mas ainda a dar à Companhia os meios indispensáveis para ela poder aperfeiçoar os seus maquinismos antigos e cansados, de forma a não deixarem de produzir, o que seria um prejuízo para os seus próprios interesses e para os do Estado, no momento em que este precisasse aumentar as suas receitas para fazer face às excessivas despesas dos últimos anos, equilibrando o Orçamento, de maneira a criar lá fora uma atmosfera favorável ao crédito de que carecemos para progresso e desenvolvimento do nosso País.
Na pior das hipóteses a sentença do Tribunal Arbitrai deve trazer para o Estado uma renda de perto de 2:000 contos, o que não ó para desprezar.
Parece-me que justifiquei convenientemente a minha atitude, não só fazendo cumprir a lei, como zelando e defendendo escrupulosamente os superiores interesses da Nação. O Parlamento, porém, que julgue, não com um critério mós quiabo de política scctaristíi, mus com im-
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parcialidade, com independência e com justiça.
Vozes:—Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráf.cas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente : antes de iniciar as minhas considerações sobre a assunto, desejo desde já fixar que jamais Gste assunto será discutido pela minha parte, ou por qualquer membro do Partido Liberal, com aquele espírito de política óectarista, ou de política estreita, a que S. Ex.a o Sr. Ministro das Finanças se referiu, quási ao terminar o seu discurso. Nós Deputados, do Partido Liberal, no uso dum direito, levantamos aqui sempre todas aquelas questões que interessam à administração pública, fazendo sim política, porque é, sem dúvida, essa a nossa missão — a política, como ela deve ser compreendida— mas jamais procurando por espírito de mesquinho sectarismo, como S. Ex.a disse, ferir, magoar de qualquer forma algum dos Srs. Ministros.
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Não podia deixar de dizer isto, antes de começar estas considerações.
Entrarei neste assunto invertendo os termos da sua discussão. Irei analisar primeiro os resultados da decisão do tribunal arbitrai.
Será preferível começar desde já por dizer qual o resultado da sentença, para sabermos com o que temos de contar.
Assim o primeiro resultado da sentença do tribunal arbitrai que S. Ex.a fez reunir, além do aumento do preço dos fósforos* o da aplicação das quantias que dGsse aumento advêm para a Companhia dos Fósforos, é que à Companhia foi dado um. aumento de 50 por cento sobre os lucros que o tribunal arbitrai de 1918 permitiu aumentar os preços das caixas de fósforos, consentindo à Companhia levar às suas reservas anualmente uma p arte nunca inferior à niédía dos últimos anos anteriores à guerra e distribuir em lucros aos accionistas a importância não inferior à méuia das contas de lucros líquidos que a Companhia distribuiu cinco anos antes da guerra.
Ora daqui resulta o seguinte:
Daqui resulta, Sr. Presidente, que a Companhia, retirando as importâncias que tom de pagar ao Consc]ho de Administração e no Conselho Fiscal, que serão as únicas importâncias que tem a pagar, e que são 30 por cento dos lucros anuais, garante aos accionistas daqui para o futuro, segundo o acórdão de 1920, um juro de 12 por cento.
Já vêm V. Ex.as que daqui para o futuro os accionistas da Companhia Portuguesa dos Fósforos já sabem que, segundo o contrato, recebem, pelo menos, 12 por conto de dividendo sobre as suas acções, continuando a Companhia a colocar nas suas reservas a mesma importância qne, em média, havia colocado cinco anos antes da guerra.
Continua a aumentar as suas reservas, garantindo aos aocionistas o juro sobre as sua.s acções de 12 por cento.
E este, pois, Sr. Presidente, o resultado do acórdão a que se poderá chamar uma garantia de juros.
Sr. Presidente: este sistema de garantia de juro ainda se poderia compreender se se tratasse duma nova exploração ou dum novo monopólio; mas nunca da Companhia- Portuguesa dos Fósforos.
O que é uni facto é que a Companhia daqui para o futuro, quer seja bem ou mal administrada, garante aos accionistas o juro de 12 por conto.
£ Agora, prcgunto ao Sr. Presidente, quem paga as consequências de tudo isto?
Necessariamente o Estado.
Quem pagou? O Estado?
Com que autorização?
Ninguém, sabe.
O acórdão de 1918 fixou que além da verba dada à Companhia para garantia das suas acções, o remanescente, faria parte destinada à melhoria do salário dos operários.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia que não se ouviu.
O Orador:—Nào me estou referindo ao actual Sr. Ministro pessoalmente. Refiro-me a Ministros. Não distingo se ó A ou B.
O facto é que houve um Ministro que autorizou o aumento do salário do pessoal pelo remanescente reservado-para o Estado.
Por acórdão de 1918 foi a Companhia autorizada a elevar o custo dos fósforos. A verdade é que o Estado é que paga. Mas a Companhia não se limitou a pjagar por conta do Estado, Foi mais longe. Debitou o Estado pelos jurosi
O Sr. MinistnTdas Finanças (Pina Lopes) : —Pela diferença...
O Orador:—É o relatório que o diz. Troçam-se apartes.
O Orador:—Dando o. Estado garantia de juro deveria o mesmo Estado reservar-se o direito de fiscalizar o apuramento" das rcspectiv.-s contas.
Jii isto o que sem; ro se fez em tais circunstâncias. Mas neste acórdão não há nada disso.
A Companhia está livre para proceder como entender por melhor ao bem da sua administração.
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Disse o Sr. Ministro que o Estado precisa de ir buscar receita a toda a parte, dada a crise financeira que atravessa. Não sou eu quem conteste isso; mas, para obter essa necessária receita, S. Ex.a não podia lançar um imposto sobre os fósforos, permitindo-se o aumento do seu preço, ficando a maior parte para o Estado.
Também.' no contrato dos tabacos existe o tribunal arbitrai para resolver dúvidas, mas nós vemos que não foi submetido a esse ^tribunal o caso do aumento do .tabaco. Esse aumento foi determinado por um decreto com força de lei, e ficou o Estado garantido com as devidas cautelas, definindo-se o que era para o Estado e o que era para a Companhia.
Garantia-se tanto quanto possível à Companhia dos Tabacos o juro de 6 por cento sobre o capital. Veja-se a diferença que há entre isto e o que se faz quanto à Companhia dos Fósforos, que fica com a garantia de juro de 15 por cento sobre o capital social.
Disse o Sr. Ministro que o requerimento da Companhia tinha de ser submetido ao tribunal arbitrai, visto tratar-se duma dúvida.
Como já disse, dúvidas sobre quaisquer contratos não podem ser senão as que se suscitem sobre a interpretação do qualquer cláusula. Jamais se poderá considerar como dúvida a pretensão de modificar qualquer base dum contrato.
Acrescentou S. Ex.a que a disposição a considerar é bastante clara para dispensar a quem pretenda compreendê-la, a necessidade de ir a Coimbra, ou a qualidade de jurisconsulto. Eu tambôm não fui a Coimbra, e Vejo que me não faz isso falta para ver o sentido de tal disposição, à qual dou significação contrária à de S. Ex.a
Mantenho que não se trata" de qualquer dúvida.
O Sr. Leio Portela: — O próprio acórdão diz que se trata duma alteração.
r O Orador: — Resolver dúvidas sobre contratos não é fazer alteração das suas bases fundamentais.
Nem V. Ex.a, Sr. Ministro, nem o Governo podiam, alterar as condições desse
contrato, que fazia parte dum decreto ditatorial, e que só pelo Poder Legislativo poderia ser modificado.
Este tribunal arbitrai não tinha essa competência, nem jamais a teria assumido se V. Ex.a, no compromisso arbi-ral, não tivesse dado ao tribunal a suposta competência para modificar o contrato. O Governo e a Companhia dos Fósforos celebraram um compromisso. Levantou-se um litígio, verificando-se que as dúvidas que se tinham levantado eram causadas pela situação da Companhia, que invocava como argumentos a carestia das matérias primas, e o facto de ser necessário aumentar os salários do seu pessoal. Sabe V. Ex.a, Sr. Ministro, que o acórdão arbitrai de 1918 vigorava até seis meses depois de assinada a paz, e portanto esse acórdão nem já em vigor es--táva. No emtanto, por este acórdão de 1920, a Companhia fica desde já absolvida da falta de cumprimento do contrato de 1918.' Sucede mesmo que ao passo que em 1918 se fixava que o aumento do preço dos fósforos não podia ir além do seis meses após a assinatura dó Tratado do Paz, neste contrato do 1920 fixa-se que estes novos preços vigorarão em quanto durar a crise das subsistências. Disse V. Ex.a que tinha havido grandes contestações no tribunal arbitrai, sobre os direitos do Estado e sobre os direitos da Companhia, cada um fazendo triunfar os seus pontos de vista. Eu digo a V. Ex.a que o que triunfou foi o ponto do vista da Companhia, tanto mais quanto é certo que não havia outro ponto do vista. V. Ex.a vê curiosamente que neste acórdão, depois do que a Companhia invoca em sua defesa, o representante do Estado não fiz mais do que arranjar novos argumentos para reforçar o qu*í a Companhia podo.
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O Sr. Velhinho Correia (interrompendo) :— Contudo foi a mesma pessoa que fez os dois acórdãos.
O Orador: — Não tenho nada com as pessoas.
Estou simplesmente a referír-me aos factos.
V. Ex.a reincide nessa monomania de citar pessoas.
O Sr. Velhinho Correia:—Foi \) mesmo funcionário.
0 Orador:—O mesmo funcionário pode ter praticado um esplendido acto em 1918 e uma acção pouco acertada em 1920.
1 Mas, Sr. Ministro, veja V. Ex.a agora o que diz o acórdão de 1920!"
E o representante do Estado que pede que o primeiro julgue deste modo, segundo os princípios de equidade, e que sé julguem os recursos depois nos tribunais superiores.
É o próprio Estado que pede desde logo que esse tribunal determine a importância que se de aos accionistas.
E note V. Ex.a que tudo isto à volta duma ameaça de greve, e isto quando há um Governo especialista em greves.
Tudo isto é curioso.
Era no Parlamento que se deviam fazer as alterações qae o Estado tinha feito-
Era no Parlamento que se deviam tomar as medidas necessárias para zelar os interesses do Estado, e ver quais os aumentos de receita havidos.
V. Ex.a vê que no compromisso arbitrai foram apreciadas as dúvidas que se haviam reconhecido sobre o objecto em litígio.
V. Ex.a vê que o tribunal era incompetente em relação à matéria.
O Gevêrno não podia ter o direito de decidir.
O Governo não pode desistir da apelação de qualquer sentença, seja qual for o tribunal, porque o Poder Executivo não dispõe dos bens do Estado, e só o Poder Legislativo deles pode dispor.
O Sr. Ministro das Finanças não tem direito a renunciar à apelação e ao recurso de qualquer sentença.
O Governo não tem esse direito e se o Sr. Ministro das Finanças consultar o Có-
Câmara dos Deputados
digo do Processo Civil, verá que o seu artigo 45.°, ou outro, dá às partes o di-leito de renunciar ao recurso, não podendo jamais esse artigo ser compreendido na disposição que regula o tribunal arbitrai.
Não se pode renunciar ao direito de recurso.
Essa disposição do artigo 45.°, que manda dispor dos bens, não se aplica aos bens do Estado, porque o Governo, ou o Ministro das Finanças não pode dispor à sua vontade dos bens do Estado.
Disse V. Ex.!l que em 1918 havia sucedido o mesmo.
Um erro não justifica outro. (Apoiados).
Eu creio que ato não havia Parlamento nessa ocasião, mas fosse como fosse, esse erro jamais podia justificar outro erro.
Este facto não pode passar sem um violento protesto, pois amanhã todas as companhias, todos os empreiteiros que tenham contratos com o Estado, pedirão aumentos e apelarão para o tribunal arbitrai.
Isto vai repetir-se com todas as companhias. . . •
O Sr. Velhinho Correia: — Isso quando houver outra guerra. . .
O Orador: — Agora já não estamos em guerra. Amanhã todas as companhias pedirão a aplicação do artigo que concede o tribunal arbitrai.
Estamos ainda a tempo, Sr. Ministro das Finanças.
Sem intuitos mesquinhos eu estou aqui no meu direito, como Deputado, procurando fiscalizar todos os actos de ádmi1 nistração pública e, neste sentido, peço a V. Ex.a para que empregue todos os meios ao seu dispor para que essa sentença não seja cumprida.
Para que V. Ex.a não possa .ver na moção, apresentada ontem pelo Sr. 'Eaúl Portela, qualquer intuito político, eu -vou mandar para a Mesa outra moção para mostrar a V. Ex.a que, trate-se embora do Sr. Afonso Costa, do Sr. Santos Vie-gas, correligionário do Sr. Raul Portela, ou de quem quere que seja, o facto é que se deve impedir a execução da sentença.
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guinte
Terminando, mando para a Mesa a se-
Moção
Considerando que o tribunal arbitrai, instituído pela lei de... 1895, só pode decidir das dúvidas do contrato do exclusivo do fabrico dos fósforos que forem suscitadas entro o Estado e a Companhia concessionária, nunca lhe competindo modificar as condições desse contrato, o qual, tendo sido aprovado por lei, só pelo Congresso da Kepública pode ser alterado ;
Considerando que o Governo, não tendo faculdades para dar a esse tribunal ! competência diversa da que lhe fixa a lei, ' não pode, por acto próprio, autorizá-lo, ; no compromisso arbitrai, a modificar con- í dições dum contrato, cuja alteração, por ' parte do Estado, é atribuição exclusiva do Poder Legislativo;
Considerando que o Governo não tem competência para renunciar previamente à apelação da sentença de qualquer tribunal onde sejam controvertidos direitos do Estado;
Considerando, portanto, que nula deve ser considerada, por incompetência em razão da matéria, a sentença proferida era 10 de Maio último por aquele tribunal arbitrai, como nulo, por incapacidade duma das partes, está o respectivo compromisso' :
A Câmara espera que o Governo empregará todos os meios legítimos para impedir a execução da mesma sentença, e submeterá ao Congresso da República as alterações ao mencionado contrato, cuja autorização julgar conveniente para os interesses do 'Estado.— Ferreira da Rocha,
Foi lida e admitida,
O Sf. Yelhiíilio Correia: — Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras serão pedindo desculpa à Câmara, e designadamente ao orador que acaba de falar, de o ter interrompido nas suas considerações, o que apenas foi devido ao meu temperamento do moriuiouãi, por nem sempre poder conter os meus nervos, sobretudo quando estou absolutamente con vencido de que uin doíorniinado ponte de vista ó aquoií1 q;ie, cvidoaíomiMito, (;or= c à vorcuiú;-. c à ju^íu;^
Posto isto, permita-me V. Ex.a que eu entre na análise do assunto.
Devo, dizer que só ontem, por assim dizer, o estudei.
Não usaria da palavra neste momento em defesa dos actos do Sr. Ministro das Finanças, quaisquer que fossem as minhas ligações pessoais com S. Ex.a, se não estivesse absolutemente convencido de que S. Ex.;i tinha procedido em harmonia com a lei e com os interesses legítimos, porque, acima de quaisquer considerações de ordem pessoal, acima de quaisquer considerações de ordem política, evidentemente estão os sagrados interesses que ternos, como Deputados, do aqui defender e que, acima de tudo, nos devem nortear.
O Sr. Ferreira da Rocha, no bem urdido ataque ao Sr. Ministro das Finanças, dirigiu-se a S. Ex.a como se S. Ex.a tivesso redigido o acórdão que o Sr. Ferreira da líocha analisou nos seus detalhes, e fô-lo com muita habilidade.
O principal ponto ó ôste: ^ procedeu o Sr. Ministro das Finanças em harmonia com a lei, mandando para o tribunal este caso, ou não procedeu?
Se procedeu, e só o tribunal é competente, o exame do acórdão não pode ser tomado à conta do Sr. Ministro das Finanças, em termos de o tornar responsável pelo acórdão.
Seria o mesmo que discutirmos aqui se num Tribunal da República uma determinada questão tinha sido bem dirigida.
Este ponto é, quanto a mim, absolutamente fundamental: ,; o tribunal é ou não cornpe ente para julgar do assunto?
O exame do acórdão ó um caso secundário.
Nesse 'ribunal o Governo estava representado por dois árbitros: o presidente do tribunal, que era um alto funcionário da República, e o Procurador Geral da República.
Essas entidades, principalmente os árbitros, que julgaram de facto a questão, eram, mais do que ninguém, competentes para a apreciar»
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cinquenta vezes neste País para serem apreendidas, em 1917 a Companhia, como consta dos autos, e eu devo dizer, antes de prosseguir nas minhas considerações, que para intervir nesta questão comecei por estudar os autos, e estou convencido de que, se os meus antagonistas nesta questão tivessem procedido da mesma forma, esta questão não tinha sido aqui tratada; se V. Ex.as tivessem lido o processo...
O Sr. Leio Portela : —Se V. Ex.a quere dizer com isso que nós tratámos da questão no ar...
O Orador: — Quero apenas dizer qtíe V. Ex.as não colheram alguns elementos ...
O Sr. Leio Portela: — Mas também nós podemos dizer que, se V. Ex.a tivesse lido o acórdão, teria compreendido todo o processo . . .
£) Sr. Ferreira da Racha: — Se nós não conhecemos alguns documentos, V. Ex.a queira indicá-los.
O orador:—^Mas porque é que V. Ex.as não procuraram todos os documentes elucidativos da questão?
Trocam-se mais apartes.
O Orador: — Mas deixem-me V. Ex.as prosseguir no meu raciocínio.
Em 1917 a Companhia faz um requerimento ao Sr. Ministro das Finanças, dizendo pouco mais ou menos o seguinte:
«Eu sou obrigada, pelo artigo 22.° do contrato, a fornecer os fósforos por determinado preço; mas este contrato foi feito no período normal, no período do paz; a guerra, porém, veio alterar profundamente as condições económicas de todo o mundo; afectou-me duma maneira extraordinária, e eu, invocando esta razão de força maior, declaro ao Governo que não posso cumprir o contrato tal como ele está estabelecido, e. portanto, peço ao Governo que me consinta fazer um aumento no preço dos fósforos».
Em 1917 o caso foi levado para o tribunal arbitrai. Quem o mandou para lá
foi o Sr. Afonso Costa, pouco tempo antes do dezembrismo.
A orientação dada a este processo tem a sanção do dezembrismo, visto que o analizou miúdamente com o fim de ver se conseguia afectar a honorabilidade política daquele homem público, amarrando-o ao despacho que sobre o assunto dera, quando Ministro das Finanças.
Cito o facto porque entendo que alguma importância ele tem, porquanto essa sanção mostra-nos que o caso não foi indevidamente entregue ao tribunal arbitrai.
O que dizia a Companhia? . Dizia que não podia cumprir.
De facto ela encontrava-se em graves dificuldades para cumprir as cláusulas do contrato que fizera em 1895, dada a situação criada pela guerra, que então não podia ter sido prevista.
Todos sabem que os produtos componentes dos fósforos tiveram, como de resto todos os produtos, uma grande alta no preço.
Assim, por exemplo, o clorato potássi-co subiu 2:000 por cento.
Trocam-se apartes.
O Orador: — Seria bom" que V. Ex.as me deixassem concluir 'o meu raciocínio, pois de contrário não poderei fundamentar o mou modo de ver sobre o assunto.
Havia o caso de força maior, dado o facto que apontei de terem subido de preço, extraordinariamente, as matérias primas necessárias ao fabrico dos fósforos.
Havia uma razão de direito para alterar o contrato, porque se trata duma alteração..
É o artigo 705.°
Devo dizer a V. Ex.a o seguinte:
Tínhamos de verificar se realmente as alegações da Companhia eram verdadei-* rãs, se o que ela dizia relativamente aos preços das matérias primas, à impossibilidade de as adquirir e de continuar a manter o contrato, tal como estava, era verdadeiro.
Esta é que é a verdade.
Jtti verdade que a Companhia tem tido lucros.
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deviam ser atendidas as reclamações da Companhia.
Tudo isso eram as dúvidas a que se refere o artigo 44.°
O erro tem sido restringir-se a interpretação do artigo 44.°
Desde que a Companhia vinha pedindo um aumento e desde que havia dúvidas sobre a veracidade das suas alegações, a única solução era a que lhe deu o Sr. Ministro das Finanças.
Essa solução vinha desde 1895.
Apartes.
O Orador: — Aí têm V. Ex.as um argumento que me dá razão, porque num processo em que figura o Sr. Azevedo e Silva, que ó uma alta personalidade da Eepública, S. Ex.a se entendesse que o tribunal não era competente, podia ter logo de princípio feito essa declaração, e tinha obrigação de a fazer.
O Sr. Leio Portela (interrompendo}: — Num 'tribunal não se podia alegar essa incompetência.
Apartes.
O Orador:—Sempre tenho visto fazer isso nos tribunais.
Sr. Presidente: se eu fosse Ministro, não teria tido dúvidas e as dúvidas só apareceram depois da sentença.
O que ó certo é que no meu entender e artigo 44.° não restringe.
apartes.
O Orador:—Não se podiam ter levantado dúvidas. Eu devo dizer com a máxima franqueza que pela leitura do processo e pela leitura do contrato, não tenho dúvida de emitir a minha opinião de que se tratava realmente de um caso em que era competente o Tribunal Arbitrai, porque o artigo 44.° não restringe as razões em que o Sr. Ministro das Finanças se fundou para levar a questão ao Tribunal Arbitrai.
O texto do artigo 44.° sempre assim se interpretou.
A Companhia tem relações com o Estado há vinte e cinco anos e sempre assim se compreendou.
A segunda razão é o facto do assim se ter feito em 1917 som contostação do nin-guôin o a coberto do dezeinbriHmo.
Apartes,
O Orador:—Mas reparem V. Ex.lis ainda num outro facto; reparem, ainda neste ponto de vista de direito, que também é interessante : trata-se da modificação dum acordo anterior. (Apoiados). Eu sustento que está bem a orientação seguida pelo Sr. Ministro das Finanças, porque não se trata bem de revogar um contrato, mas alterar uma alteração anterior ao contrato.
O Sr. Alves do Santos : — O que isto prova é que os dois acórdãos são absolutamente nulos.
O Orador: — Esse pouto de vista altera um pouco o rumo das minhas considerações, mas está bem, porque lucramos alguma cousa : — pelo menos, esclarecemos o assunto. A questão é aberta para o Sr. Ministro das Finanças e a Câmara resolve como entender sobre o assunto. A Câmara é competente para interpretar leis, mas ifão pode acusar o Sr. Ministro das Finanças de ter cometido uma ilegalidade na alteração do acordo anterior.
Por isso aí tem V. Ex.as a razão do que eu afirmava.
Hoje, depois desta discussão que aqui se tem feito, pode realmente haver muitos Deputados que digam, mesmo até convencidos da sua boa razão, que não se devia aplicar o artigo 44.° como foi aplicado; mas reparem V. Ex.ils no seguinte : primeiro : que a sua letra justifica honestamente e em boa razão, a alteração do contrato; segundo: que a atitude tomada nesse sentido foi sancionada pelas pés; soas que intervieram no processo, e pelas entidades jurídicas, que poderiam opôr-se e que se não opuseram.
Depois dií-vto, Sr. Presidente, deixe-me V. Ex.a agora responder a alguns ilustres oradores que me antecederam, na parte especial o detalhada que trataram.
Eu, Sr. Presidente, entendo que essa parte do acórdão deve estar completa-mente excluída da discussão.
Dizem V. Ex.as que a Companhia dos Fósforos vai aumentar considerávelmente as suas receitas.
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porém, o que ó uma verdade é que as circunstâncias são excepcionais. •
Houve o aumento das tarifas dos Caminhos de Ferro, .aumento esse que foi de cem por cento, o aumento das matérias primas, a diminuição de horas de trabalho, o que é para atender e o que tem feito com que todas as Companhias que têm contratos com o Estado tenham aumentado os preços dos seus produtos.'
Disse o ilustre Deputado Sr. Ferreira da Kocha que, estabelecido este precedente, amanhã se podem alterar quaisquer contratos, invocando-se o mesmo precedente de força maior.
Não é assim, j>or isso que a razão apresentada felizmente que se não repetirá.e que foi a razão da guerra, que eu considero não de "força maior, mas sim de força máxima.
Eu, Sr. Presidente; devo dizer que é preciso que o Sr. Ministro das Finanças se não esqueça das greves que se tem dado e das suas consequências '€ que assim resolvendo o assunto evitará mais uma greve, cujas consequências são sempre muito graves.
Assim, Sr. Presidente, eu entendo que o acto praticado pelo Sr* Minis Iro das Finanças foi muito inteligente, pois que assim não se podorá pôr oui conjunto com os actos praticados por outros Srs. Ministros que podendo ter resolvido o assunto a tempo, como por exemplo o da greve dos funcionários públicos, o não fez, do que resoltou eles serem atendidos apressadamente com prejuízo das próprias reclamações e do Estado.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer que tive ocasião do ler a lista dos ordenados dos operários da Companhia do Fósforos, e devo dizer que as suas reclamações são para atender visto que' alguns ganham 1$00 e 1$20 diários, o que actualmente é uma miséria.
O Sr. Augusto Dias da Silvei:—V.Ex.a acredita no espírito altruísta do actual Governo? - >
Creio que o que V. Ex*a diz são palavras perdidas para um Governo desta natureza.
O Orador: — Eu, Sr. Presidente não estou • aqui a discutir se o actual Governo tem oa não espírito altruísta, o que
digo é que o Governo procedendo como procedeu, evitou mais unia greve.
O Sr. Aboim Inglês (interrompendo): — £ E a garantia dos 15 por cento ?
O Orador:—Não discuto isso. O que me interessa é saber se o assunto devia ou não ser levado a tribunal.
Trata-se duma sentença em julgado.
Quando muito podíamos dizer: levaram uma questão ao tribunal onde os interesses do Estado não foram bem acautelados.
O Sr. Aboim Inglês: — V. Ex.a está de acordo em que os interesses não foram bem acautelados, e já é alguma cousa .. *
O Orador : — O Governo não tem culpa disso. Cercou a questão de todas as cautelas como ora legítimo. E não discuto isso. Analiso apenas a questão de direito, completarnente convencido de que o Governo, procedendo de harmonia com a lei, tratou de levar o assunto para o Tribunal Arbitrai.
Trata-se não de revogar o contrato, mas da matéria dum acordo. _
O Sr. Alves dos Santos : — Nunca um abuso pode justificar outro abuso.
O Orador: — Ambas as partes iam desistir do recurso, e era legítimo confiar a um tribunal arbitrai composto a resolução do assunto.
O facto não tem o relevo que se lhe pretendeu dar.
É de sentir que ambas as partes desistam do recurso.
Termino, Sr. Presidente, declarando que não entrei na discussão deste assunto por quaisquer considerações de ordem pessoal ou política e que estou absolutamente convencido de que o Sr. Ministro das finanças proc'edeu de harmonia com a lei. - Mando para a Mesa a seguinte moção.
Moção
A Câmara reconhecendo que" o Governo procedeu de harmonia com a lei passa à ordem do dia.
17 de Maio de 1920. — Velhinho Correia.
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Sesaào de 14 e 17 de Maio de 1920
O Sr. Leio Portela:—Fui em quem, na sessão de sexta-feira, levantou nesta Câmara a questão que se debate, te ido, então, declarado, ao iniciar as minhas considerações, que as razões que me levavam a fazê-lo eram apenas baseadas no meu muito desejo de que fossem devidamente acautelados e defendidos os superiores interesses do Estado.
E que, para mim, os interesses do Estado, e só eles, devem constituir neste momento a razão de ser desta discussão.
Eu disse então que os interesses do Estado não tinham sido escrupulosamente defendidos; que o acórdão representava um bodo à Companhia, e que o tribunal que se tinha constituído era ilegítimo não só quanto à matéria de que se ocupou, mas ainda quanto à competência de que estava investido.
Começarei, portanto, por analisar o acórdão. E faço-o, visto que é por ele que devemos averiguar se os interesses do Estado foram ou não acautelados.
'Sr. Presidente: já tive ocasião de dizer na sessão passada que pela forma como estão redigidas as considerações do acórdão os interesses do Estado não estão acautelados, mas os interesses da Companhia.
O Estado ficará à mercê do que a Companhia quizer dar.
A Companhia pede aumento para os seus operários, aumento para o comissário e funcionários dependentes do Ministério das Finanças, e 50 por cento para melhoria dos seus accionistas e para fundos de reserva, ficando para o Estado o remanescente.
Qual é o remanescente?
Analisando o acórdão, vê-se que Osse ' remanescente não está garantido nem definido.
O n.° 5 diz que é a receita líquida.
A Câmara dirá que a Companhia não pode viciar a escrita, e o remanescente fica gcirantido para o Estado.
Não ! A Companhia pode deduzir os lucros.
Por este acórdão pormito-GO quo a Com panhia leve à conta de despesas o fundo de reserva de 25 contos guruntido em 1918.
Eu não faço afirmacoos gratuitas e sem bases, mas sim seguras o verdadeiras. Já
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em 1918 o Estado recebeu uma importância mesquinha de 107 contos.
Agora como está redigido o n.° 5a Companhia fica com mais âmbito para iludir os interesses do Estado.
Se no acórdão de 1918 em que a disposição era já expressa e taxativa, procurando-se garantir os interesses do Estado, o Estado só recebeu nessa altura 107 contos, da forma como agora a cláusula está redigida ainda à Companhia ó mais íácil iludir essa disposição e a avaliar pelos prpcedentes, pelos lucros que a Companhia distribuiu-no ano antecedente de 107 contos, concedendo-se-lhe por este acórdão um aumento de 100 por cento, legítimo é supor que a Companhia não dará mais que o dobro, isto é, 214 contos.
Assim, eu pregunto, e ponho isto à consideração do Parlamento do meu país, se valeu a pena conceder à Companhia um aumento de 100 por cento com enorme gravame para o público, para o Estado comparticipar a importância de 214 contos.
JPJ certo que a Companhia veio alegar a sua situação precária, é corto que ela veio alegcir as suas dificuldades, é certo que veio alegar os- seus encargos incomportáveis, ameaçando o Estado do que cessaria a sua laboração, mas também é certo que a espíritos ponderados, a quem quiser, íazer um estudo da situação da Companhia, não lhe é difícil concluir que a Companhia atravessa uma situação próspera. E certo que ela teve o cuidado de redigir os relatórios que apresentou aos accionistas de forma a não se poder ver com segurança e com verdade qual ó o estado verdadeiro da Companhia, porque não indica a venda total da mercadoria; mas o que é .certo ó que indo-se ao seu activo, verificamos que ela tenta iludir os interesses do Estado.
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Verifica-se que o capital accionista está garantido e assim se compreende que as acções da companhia, que são do valor de 45$, tenham a. cotação que têm hoje de 9te0.
^Gomo se compreenderia que as acções da companhia tivessem uma cotação desta natureza se, porventura, ela não tivesse o seu capital verdadeiramente garantido ^ assegurado?
As acções são bem o índice dó estado próspero e rico duma companhia.
Mas, Sr. Presidente, se assim era, vejamos em que situação ficou depois do acórdão publicado.
Já aqui se disse que, por virtude desse acórdão, houve uma garantia de juro que vai até o mínimo de 15 por cento, e mesmo que a companhia não queira distribuir mais que 12 por cento, fica-lhe margem para arrecadar todos os anos, para um fundo de reserva especial que o acórdão teve a cautela de lho garantir, a importância de 140 contos que, no final da sua concessão, deve montar, pelo monos, a 7:000 contos.
• Verifica-se, Sr. Presidente, que a re-serV'i legal a qnn ela é obrigada está completa; verifica-se que, a título de fundo de reserva, já tem mais de 50 contos.
Isto significa que se a companhia, no fim da concessão, fosse forçada a ir para uma liquidação, não só tinha o seu capital accionista garantido pelo activo, mas tinha ainda o fundo de reserva para distribuir pelos accionistas.
Pregunto se uma companhia que ostá tam próspera e tam rica tinha direito a vir pedir um sacrifício tam grande do País, e se, porventura, não era legítimo que para o Estado ficasse reservada uma maior percentagem do que aquela que lhe foi estabelecida pelo acórdão.
A companhia, até a, publicação deste acórdão, distribuiu sempre aos seus accionistas um dividendo de 9 por cento.
^Pregunto, porque razão se lhe vai garantir ainda 50 por cento dos lucros do ano anterior para distribuir pelos seus accionistas ?
£ Estava a companhia necessitada? Não.
Assim, Sr. Presidente, se verifica que se foi estabelecer num acórdão matéria que torna as acções privilegiadas porque têm os seus dividendos garantidos por
lei e daí sucede que os interesses dos accionistas, que devem correr os riscos da companhia, estão devidamente salvaguardados, e qualquer que fosse a situação a que chegasse a companhia, eles, accionistas, jamais sofreriam nesses prejuízos.
Mas, repito e pregunto, £ os interesses do Estado ficaram garantidos? Não ficaram e não ficaram pelos termos em que está redigido o acórdão.
Agora, Sr. Presidente, vou examinar o acórdão e todas as peças que o antecederam.
O acórdão foi lançado por um tribunal constituído por acordo estabelecido entre a companhia e o Poder Executivo; o acórdão foi julgado por um tribunal criado perante os desejos que a companhia manifestava de que o aumento dos fósforos se .fizesse.
Alegaram-se então, por parte da companhia, razões que mostravam que ela necessitava desse aumento, e foi em face dessas alegações que o Poder Executivo resolveu ceder à constituição dum tribunal arbitrai. •
Até aqui, Sr. Presidente, uma vez que a companhia vinha suscitar dúvidas, o Sr. Ministro das Finanças podia mandar constituir o tribunal, mas quando ela concretizasse essas dúvidas e o Sr. Ministro verificasse que elas importavam alteração do contrato, S. tíx.a nessa altura não assinava o compromisso. E se S. Ex.a não tivesse assinado esse compromisso, já o tribunal não funcionava. • Disse-se que semelhante procedimento já estava assento por um acórdão anterior e, sobretudo, pelo ' punho do Sr. Afonso Costa, que tinha lavrado um despacho nas mesmas condições.
Foi sob o peso formidável dessa figura que se quis escangalhar e destruir toda a minha argumentação, pois que se S. Ex.a tinha lavrado um despacho nessas condições era porque, evidentemente, . ele não era ilegal.
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que ele sancionou a interpretação da cláusula 37. a, isto é, que permitiu a constituição dum tribunal arbitrai para aumentar o preço dos fósforos. Não, Sr. Presidente.
•E que o despacho lavrado pelo Sr. Afonso Costa foi só para se constituir o tribunal, em vista da companhia dizer que havia dúvidas acerca da cláusula 14. a do contrato. E se S. Ex.a me dissesse que o Sr. Afonso Costa havia assinado um compromisso onde se determinava o objecto, que havia de ser julgado no tribunal, eu diria, como o digo a V. Ex.a, que tinha procedido muito mal, perque a lei a isso o não autorizava.
Nesta conformidade, a interferência do Sr. Afonso Costa foi só até este ponto : mandar constituir o tribunal.
Por consequência, não vale nem ao Sr. Ministro das Finanças, nem ao Sr. Velhinho Correia, o argumento de autoridade do Sr. Afonso Costa.
Também, Sr. Presidente, não vale o argumento da intervenção do Procurador Geral da República. E não vale, porque S'. Ex.a só interveiu depois de estar constituído o tribunal, cabendo apenas a responsabilidade do compromisso ao Sr. Ministro das Finanças, como representante do Governo.
E,' Sr. Presidente, constituíu-se o tribunal, por determinada matéria, não aquela matéria para que a Companhia reque-reu a constituição do tribunal, mas sim matéria que não fazia parte desse julgamento, qual foi a de dizer se a Companhia tinha ou não cumprido todas as cláusulas do acórdão de 1918. . E então, Sr. Presidente, sucedeu esta cousa inédita: é que tendo a Companhia, pelo acórdão de 1918, tido a concessão do aumento dos fósforos em 100 por cento, mas só ato seis meses depois de assinado o Tratado de Paz, o tribunal arbitrai, no seu acórdão, vem dizer que a Companhia tinha cumprido em absoluto as cláusulas do acórdão de 1918, quando ela já o tinha infringido.
Mas, repare V. Kx.a que Gsto acórdão ó tamanha monstruosidade, não só nas razões que o determinam na contestação que fez, e na sentença que se lavrou, que t* o verifica quo houve pó,»? parte do repre-«míunto do Governo, no «símlo da con-
eee
aiaíú-
ria requerida, tratava-se do aumento dos preços.
E note V. Ex.a que nessa altura o Procurador Geral da República era o mesmo que agora interveio nesta contestação.
Era então, Sr. Presidente, o Procurador Geral da República quem levantava a questão, e que dizia na sua contestação que não era lícito constituir um tribunal arbitrai para julgar de matéria que não era da sua, competência.
Dizia-se então mais: ó que se porventura se cometesse a ilegalidade de conferir à Companhia esse aumento, ele só poderia ser concedido a título provisório.
Pois bem, Sr. Presidente, esse acórdão então proferido não acautelou os interesses do Estado, porque desse aumento a Companhia só distribuiu ao Estado 107 contos.
0 acórdão publicado há três dias só vera destruir a matéria do acórdão'de 1918, como vem converter em definitivos os lucros que então lhe foram dados a título provisório.
Esse acórdão vem fixar um outro fundo de reserva, arbitrando para isso 50 por cento sobre os lucros que havia obtido no ano anterior.
1 E assim que se defendera e acautelam os interesses do Estado!
Mas eu ainda não vi demonstrado — até pelo contrário — procura-se diluir, afastar a questão máxima que deve ser ponderada pelo Parlamento: se o Estado foi devidamente garantido nos seus interesses.
Procura-se deslocar a questão para um ponto, embora essencial, que é secundário aos mterêsses do Estado : saber se o tribunal constituído é ou não legal, se o Sr. Ministro das Finanças, procedeu ou não legalmente.
Mas a mini o1 que me importa saber ó se os interesses do Esíado foram acautelados.
É o fundamento da questão e ainda n3o vi contraditadas as minhas razões, nem as dos oradores que neste assunto se tem pronunciado.
Aponas tenho visto sacudir a água do capote, alijar rospousabilidadeHo
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ao abrigo da lei e que o artigo 37.° permite a' constituição desse tribunal.
A questão é saber se os interesses do Estado mereceram a devida consideração.
Desde que se reconheça que os interesses do Estado não foram defendidos, nem acautelados, importa ao Parlamento procurar os meios necessários para garantir esses interOsses.
Assim vi com estranheza que o- Sr. Ministro das Finanças, ao iniciar hoje as suas considerações, começou por afirmar que ao lavrar o sou despacho tinha estudado a questão, havia visto todo o processo e que proferira o despacho, em sua consciência, na mais pura das intenções, quando é certo que S. Ex.a na sessão anterior dissera que a sua intervenção havia sido...
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Quando fui Ministro das Finanças foi-me apresentado um requerimento da Companhia dos Fósforos e como não tinha a certeza do processo legal a seguir, despachei mandando que fosse enviado ao auditer do Ministério, para informar com urgência sobre o modo legal de resolver o assunto.
Portanto nem sequer deixei vincada a minha opinião a este assunto.
O Orador: — O certo ó que se não tem até agora destruído a minha argumentação.
Tem-se apelado para a autoridade do Sr. Afonso Costa, para se defender a constituição do tribunal.
Não importa que no tribunal arbitrai se reconhecesse o direito de aumentar os preços dos fósforos.
Procurou-se também insinuar que o Sr. António Fonseca pelo facto de ter lançado um despacho mandando o recurso para o auditor jurídico do seu Ministério sancionava porventura a constituição do tribunal para decidir do pleito.
O Sr. António Fonseca:—Suponho que ninguém fez tal arguição, porque ela seria Jnteiramente descabida.
E fácil de compreender que o auditor jurídico tem justamente por missão esclarecer as dúvidas que sugerem aos Ministros.
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O Orador: — Eu não estou fazendo essa arguição.
O Sr. António Fonseca: — NinguGm a podia ter feito.
' O Orador: — O que é certo é que, afirmando-se daqui que o tribunal constituído era ilegítimo e que ilegítima era a matéria discutida, ainda não foi contra esta asserção apresentado uni único argumento ou razão.
Absolutamente nenhum!
Assim, entrando propriamente ria questão jurídica, eu afirmo e sustento que o tribunal ó duplamente ilegítimo. Esse tribunal é ilegítimo quanto à forma da sua constituição, visto que se não constituiu nos termos do artigo 56.° do Código do Processo Civil, tribunal único que a cláusula 37.a do contrato permitia, porque é precisamente o artigo 56.° do Código do EJrocesso Civil que regula o . funcionamento e constituição dos tribunais instalados por lei, chamados em Direito tribunais necessários. O que se constituiu foi um tribunal voluntário, porque não foi constituído a dentro do Tribunal do Comércio, nem foi distribuído a um escrivão d Asse tribunal, nem confiado à jurisdição de um juiz para regular todos os tennos preparatórios da sua constituição.
Constituíu-se deste modo uni tribunal voluntário que é absolutamente vedado ao Poder Executiv.o constituir, quando se trata de interesses do Estado.
O tribunal voluntário só é permitido quando as pessoas interessadas podem dispor livremente dos seus bens, como determina o artigo 44.° do Código do Processo Civil, e, nestas circunstâncias, o Sr. Ministro das Finanças deu um passo e assinou documentos para que não tinha direito nom competência. (Apoiados).
Só o tribunal arbitrai é ilegítimo quanto à forma como foi constituído, ele ainda é incompetente pelo objecto que julgou.
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tinha competência, porque importa uma alteração do contrato. E não basta o argumento de se dizer que Gsse tribunal pode constituir-se para todas as dúvidas que a Companhia a seu belo prazer queira estabelecer ao Estado.
Afirmei eu. em àparle, que semelhante doutrina levava ao absurdo, porque, dessa forma, se a Companhia quisesse apresentar a dúvida, se os seus directores tinham direito a passe nos caminhos de ferro, o Sr. Ministro das Finanças tinha então obrigação de constituir o tribunal para resolver essa dúvida.
E preciso querer fazer jogos malaba-res muito complicados para se dizer duma cláusula tam terminante, que ela importa a criação dum tribunal arbitrai para resolver todas as dúvidas que lhe sejam apresentadas, e até sobre a legalidade do contrato, se essa dúvida lhe for apresentada.
É preciso para isso uma interpretação muito forçada p eira nela se entrincheirar o Sr. Ministro das Finanças; e não é sem o meu protesto que ela passará, porque ela bradaria a toda a jurisprudência. Ja-mas o Parlamento poderá discutir uma interpretação desta natureza. O contrato é bem expresso, não pode dar lugar a essa interpretação.
Se, por consequência, o tribunal arbitrai só se podia constituir para. um fim muito diferente daquele para que se constituiu, o seu acórdão é absolutamente nulo.
E, Sr. Presidente, quando eu daqui aleguei a incompetência do juízo e da matéria, não quis mais do que mostrar ao Sr. Ministro das Finanças que _ esse acórdão não podia ser modificado à face da jurisprudência; mas se disse isso, foi porque, principal e fundamentalmente, eu tinha visto que os interesses do Estado não tinham sido devidamente acautelados.
(Apoiados).
E se insisti sobre este ponto, e insisto, é porque até agora nem o Sr. Ministro das Finanças, nem qualquer outro orador, se reportou a esto ponto do vista-.
Se porventura as reclamações dos operários da Companhia eram justas o de atender, conccdesse-sc o aumento ao preço dos fósforos, mas só para satisfazer a essas reclamações. Descor-so, porém, a o*t;i «'.ousa de a umn companhia próspera
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garantir-se por lei um juro que pode ir até 15 por cento, é que é absolutamente inacreditável. \
Eu pregunto se esse lucro que se vai dar à Companhia, desde que se afectam os interêssss do Estado o do público, não era justo que se desse ao Estado somente. E eu pregunto ainda se nesse caso, o Estado não devia ponderar, apesar da sua situação ruinosa, se lhe convinha arranjar um aumento de receitas dessa natureza em face do prejuízo do público.
Assim, Sr. Presidente, jamais largarei de mão este assunto e aguardo as explicações que são devidas ao Parlamento, sobretudo aquelas demonstrativas de que o Estado ficou com interesses grandes, mas interesses garantidos e impossíveis de ser sofismados. E aguardo essas explicações para, se me não convencerem duma forma clara e segura, provar que essa argumentação ó errada, que ela é irrisória.
Não quis, ao encetar a discussão deste assunto, convertê-lo numa discussão política. Quem trate com sinceridade de questões desta natureza, em que estão em jogo importantes^ interesses do Estado, não pode dizer que procurei levantar um incidente político. (Apoiados).
Mal anda quem queira assim converter a questão para porventura a abafar sob a pressão de votos!
Questões que assim interessam ao país têm de ser tratadas peJo Parlamento com clareza, com imparcialidade. (Apoiados).
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, qnando, revistas pelo orador, forem devolvidas as notas taquigráficas.
O Sr. Abílio Marcai: — Sr. Presidente: vai adiantada a discussão deste incidente. As discussões levantadas entre portugueses parecem quási sempre tanto mais complicadas quanto mais adiantadas, vão; esta, porém, tem o merecimento de ter sido conduzida a um estado de clareza, que nos permite tirar conclusões perem= tórias e expressas.
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tervenção do Sr. Ministro das Finanças, e o aspecto económico ou financeiro, para concluir contra a forma como foram acautelados os interesses do Estado, interesses que os oradores da oposição, que apreciaram o assunto, entendem não terem sido convenientemente defendidos.
Sob o aspecto jurídico, o Sr. Leio Portela insurgiu-se contra a invocação dos argumentos de autoridades por parte do Sr. Ministro das Finanças.
Creio que o Sr. Ministro, tendo de fazer a história da questão ab initio e encontrando as opiniões de dois jurisconsultos de incontestável renome no nosso país, invocou as opiniões desses dois homens, apenas como reforço para a sua argumentação e não para sobre elas a querer sustentar.
Estes, dois nomes, os dos Srs. Afonso Costa e António Fonseca, embora sejam os de dois ilustres estadistas o jurisconsultos, não servem, para este caso, como reforço de autoridade.
O Sr. Ministro das Finanças mandou ouvir o auditor encarregado do indicar qual o caminho a seguir, e fez o seu dever.
£ Foi boa ou má a opinião do referido consultor? Não sei, nem o quero discutir, porque não sei mesmo se o Parlamento terá autoridade para discutir esse parecer.
Podia • o Ministro concordar ou não. Mas pregunto eu: ^sendo o Ministro um homem inteligente, ia, de ânimo leve, contra a informação duma pessoa categorizada, duma autoridade especificada no assunto? O Ministro que assim procedesse assumiria para si todas as responsabi-lidades da questão, porque não podia limitar-se a dizer que não concordava; tinha de lançar o seu despacho e fundamentá-lo.
O Sr. Ministro das Finanças concordou com o parecer.
^Oflde está a responsabilidade do Ministro? (jOnde está a sua incorrecção? (j.Onde está a ilegalidade que praticou? O Sr. Ministro das Finanças procedeu coerentemente, conformando-se com as disposições logais e com a informação das autoridades competentes. Evidente-mOnte 'que, se o Ministro deixasse de aceitar a opinião do consultor jurídico, assumia para si toda a responsabilidade.
mas, no caso em questão, ficou a coberto da decisão da pessoa competente.
O Sr. Leio Portela: — j Legalmente é que o Sr. Ministro não procedeu!
O Orador: — Procedeu em face do que lhe apresentaram.
O Sr. Leio Portela:—.Procedeu somente segundo as normas burocráticas. Mais nada!
O Orador: —O despacho de S. Ex.a é da sua inteira responsabilidade. -
Vamos agora tratar do aspecto económico da questão.
Disse o ilustre Deputado que acabou de falar que, sob o aspecto económico, se procedeu escandalosamente., visto que no acórdão só há benefícios, generosidades e garantias a respeito dos accionistas e de toda a gente, mas foi avaro, mesquinho e miserável a respeito dos interesses do Estado, relegando-os de tal maneira ou garantindo-os tam mal que é justo duvidar da eficácia das disposições. Creio mesmo que foi o Sr. Leio Portela quem elii-gou ci fixar a verba aproximada de 100 contos de lucros que o Estado virá a auferir do aumento do preço dos fósforos, que deve dar para a Companhia, segundo S. Ex,a, uma receita de 2:500 contos.
Sem querer fazer retaliações a ninguém, posso dizer que ao Sr. Leio Portela, que declarou conhecer o processo em todos- os seus elementos, lhe passou despercebida uma das folhas do processo que contraria fundamentalmente o que S. Ex.s afirmou, calculando que o aumento dos 100 por cento, concedido pelo acórdão, dará para a Companhia -uma receita de 2:570 contos.
O Sr. Leio Portela: — Dá mais. Posso provar que dôsse aumento resulta uma vantagem de corça de 4:000 contos.
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que este documento é oficial, como também porque foi Ole que serviu de base à elaboração do acórdão, nós teremos de tirar 875 contos' para os encargos que motivaram a representação da Companhia, encargos que' ela reputavu urgentes •e necessários, havendo ainda a tirar 227 contos que correspondem a 50 por cento dos 454 contos.
Temos, portanto, que o Tesouro Público luarará 1:468 contos por efeito do aumento de 100 por cento. Sempre ó alguma cousa mais do que os conto e tal contos a que se referiu o Sr-. Leio Portela.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Leio Portela
O Orador:—Ainda pelo que diz respeito ao aspecto financeiro desta questão, há também a afirmação do Sr.. Leio Portela de que os interesses do Estado não estão suficientemente acautelados.
Acredito' que,, realmente, não estejam suficientemente acautelados no-acórdão, que, sem, dúvida, não é um modelo; mas, desde que o Estado tem no Conselho de Administração um, delegado e existe ainda um seu representante que bem pode fiscalizar o movimento da Companhia, esses interesses podem ser eficazmente defendidos. \
Em lugar de qualquer cautela, eu quero a cautela que se impõe a homens que têm a responsabilidade dos seus actos e do seu nome.
Tenho, dito.
Vozes:—Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taqidgrájicas.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: recorda-se V. Ex.a e a Câmara de que, na sessão de sexta-fcira, o Sr. Raul Portela, pedindo a palavra para um nogócio urgente, tratou da questão denominada «a quostâo dos fósforos», apresentou o seu ponto do visja o mandou para a Mesa uma moção estabelecendo a doutrina que já por mais duma vez manifestara nas suas palavras.
A Câmara não tinha clrrut níos. porôm, para se pronunciar p-obro o assunto.
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Ventilou-se o caso e a opinião do ml nante nessa data era de que o Governo recorreria do acórdão se pudesse.
Não se sabia ainda se o julgamento tinha sido feito devidamente.
Posta a questão nestes termos, mandei para a Mesa uma moção.
O Sr. Ministro das Finanças considerou, pela declaração do Sr. Presidente do Ministério, como políticas as moções dos Srs. Raul Portela e Álvaro de Castro.
De facto, embora rião fosse essa a intenção dos Srs. Deputados, o caso é que grande número de pessoas lhe deram essa interpretação e legítimo era que assim fosse, mesmo fora deste caso.
Sendo assim, e porque todos estavam no melhor desejo de resolver o assunto sem prejudicar os interesses do Estado, assentou-se que se votasse o requerimento do Sr. Raul Portela, tendente a restringir a discussão, ficando todas as moções para serem consideradas na sessão do hoje, para quo a Camará estivesse habilitada a julgar a questão,
Compreende a Câmara que posta assim a questão, ninguém punha em dúvida as intenções do Sr. .Ministro das Finanças e tratava-se duma questão de carácter financeiro e portanto mais ou menos aberta, como foi declarado pelo Sr. Presidente do Ministério.
Mas, Sr. Presidente, o caso é que estamos em frente dum facto consumado e temos de o aceitar tal como é, o este lado da Câmara não podo deixar de aceitar a questão nos termos om que a pôs o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Ministro das Finanças -não é jurisconsulto e S. Ex.a encontrou uma interpretação no seu Ministério, referente a situações análogas.
Referiu a esta Câmara o que continham os papéis de 1917; referiu-se também ao parecer dado pelas autoridades legais sobro o assunto que se versou om 1918; referiu-se ainda ao facto do ninguém ter protestado ato essa data e referiu-se ainda à reunião do um Parlamento, cuja legalidade se mio podo neste momento discutir.
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Não se anularam os factos em relação a todos os outros problemas versados.
Mais uma vez ainda constituiu doutrina que ainda hoje prevalece nos tribunais, teudo-se o Miáistro conformado com ela, como não podia deixar de ser.
Em matéria que não é diferente desta, antes pelo contrário, é semelhante e absolutamente análoga, chegou-se a esta conclusão de que não houve prejuízo nem para o Estado nem para o consumidor.
Diz-se: i mas porque é que o Ministro não fez outra cousa?
,;Mas como é que V. Ex.as-que'iam que o Sr. Ministro procedesse doutra maneira?
O Governo entregou exactamente o assunto aos tribunais para eles darem o seu parecer na especialidade, a fim de se podor verificar depois se a doutrina desse contrato estava em conformidade com a lei.
O Procurador Geral da República não fez a mais pequena reclamação, e entendo que os funcionários daquela categoria não foram nomeados para outra cousa.
(Apoiados}.
O Ministro portanto a meu ver não tem responsabilidade alguma jurídica sobre o assunto, tendo cuiUpnuo a lei.
O Sr. Leio Portela: — Eu devo dizer a V. Ex.a que o Procurador Geral da República, quando do primeiro acórdão, na contestação negou o processo.
O Orador: — Seja como for e o que eu estranho é que V. Ex.a como jurisconsulto -venha para aqui expender certas doutrinas.
O Sr. Leio Portela (interrompendo]: — Perdão, a única cousa que tinha a fazer, era recorrer para a Relação do distrito, mas como o Sr. Ministro assinou o compromisso, o Procurador Geral da República ficou impossibilitado disso.
O Orador: — Ora vêem V. Ex.as que se tem levantado uma tempestade num copo do água.
Tem-se censurado o Sr. Ministro das Finanças, mas eu preguuto a V. Ex.a e à Câmara se realmente, tantas estações por onde o processo passou não podiam ter elucidado convenientemente o titular daquela pasta.
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Se isto se tivesse feito, Sr. Presidente, decerto não teríamos de estar agora aqui a tratar do assunto e a preguntar se os interesses do Estado foram ou não convenientemente acautelados.
Mas V. Ex.a compreende, eu não posso modificar a questão. O facto está consumado, e embora eu neste momento pudesse defender uma doutrina que ó abso-í lutamente justa, qual é a de que o erro está feito e o Estado tem de cumprir/para sua própria honra, eu não quero enveredar por õsse caminho.
No emtanto, Sr. Presidente, não posso deixar de concordar que a moção que apresentei na sessão passada já não tem lugar, visto que'a apresentei numa hipótese que agora já não se dá.
Visto, pois, que somos representantes do País, nós devemos procurar encontrar uma fórmula pela qual fiquemos bem, e se faça justiça às intenções do titular-da pasta das Finanças, que não teve culpa de que outros não cumprissem integralmente .o seu dever.
E assim, Sr. Presidente, eu vou pedir a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre se permite que retire a moção que apresentei na sessão passada e a substitua pela seguinte:
Moção
A Câmara, certa de que o Governo empregará todos os meios legítimos para impedir a execução do acórdão do tribunal arbitrai, submetendo ao Congresso da República as alterações ao contrato de 25 de Abril de 1895, que julgar necessárias, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Maio de-1920.— António Maria da Silva.
Foi admitida.
U discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador-, quando restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
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Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças procedeu na melhor das intenções e boa fé (Apoiados) e fundou-se na opinião de capacidades, de que não é lícito duvidar.
Ouvi discutir toda a gente e ninguém, creio, formulou a maneira de resolver a questão.
O Governo procura — e é isto que em todas as moções vejo: convidar o Governo a unia solução — seguir dentro da orientação que se propôs sem a mais pequena sombra de mancha na sua honra política ou dignidade pessoal e aceita a moção mandada para a Mesa pelo Sr. António Maria da Silva.
Uma voz: — E aceita as outras ? O Orador: — Não aceita.
Vozes: — É então uma questão fechada.
O Orador: — Não é. Seria então uma questão caída porque o Governo cairia então. O Governo está sempre dentro da orientação que se propôs seguir: há-de sair daqui com o Parlamento contente pela maneira como procedeu honradamente.
O País o julgará também a todos.
O procedimento do Sr. Ministro das Finanças foi fundado, em ' opiniões de altas capacidades.
Mesmo o Sr. António Fonseca, cuja inteligência e alto espírito ninguém é capaz de contestar, teve essa orientação.
Ninguém pode duvidar das intenções do Governo, nem do Sr. Ministro das Finanças.
O que nos resta, porém, é sairmos daqui com a convicção de termos cumprido com a vontado do Parlamento, com boa fé, sentimento patriótico e boa vontade.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido, revistas, as notas taquigráficas.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente : a moção do Sr. António Maria da Silva significa, a meu ver, que razão tinha a Câmara (Apoiados) quando significava duma maníura bem elara que o as-
sunto não comportava a solução dentro do tribunal arbitrai. (Apoiados).
A Câmara estava convencida disso. Conhece que não havia possibilidade de reunir o tribunal arbitrai para resolver do que não fosse a interpretação das cláusulas. (Apoiados).
E faço a constatação de que a moção do Sr.' António Maria da Silva, aceita pelo Governo, dá perfeitamente a entender que a reunião do tribunal arbitrai deve considerar-se nula em face da sua não competência para resolver da mate-, ria.
Surgiu-me, contudo, uma dúvida: £ qual é o processo adoptado pelo Governo para não deixar executar a sentença arbitrai?
Eu só vejo um meio de tornar possível a anulação da sentença do tribunal arbitrai: é anular o despacho do Sr. Ministro das Finanças que originou a constituição do tribunal. Qualquer outra forma não vejo que tenha viabilidade.
Disse aqui o Sr. Ministro das Finanças estar convencido de que não havia direito a recurso.
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes) : —V. Ex.a é que na sua moção indicava isso.
O Orador: — A primeira vez que V. Ex.a aqui falou declarou que tinha direito a recorrer no prazo de cinco dias, mas que não recorreria depois do que se tinha passado na Câmara, porque tendo esta avocado a si a" resolução do assunto, V. Ex.a dele abriu inteiramente as mãos. Em face desta declaração e porque V. Ex.a desejava uma indicação da Câmara no sentido de recorrer, é que eu, sem intenção de produzir uma moção de desconfiança, mas para procurar uma ponte de passagem para só poder discutir com largueza o assunto, apresentei a moção para que V. Ex.a recorresse, mas aqui mesmo disse a V. Ex.a, seguidamente á apresentação da moção, que a apresentava apesar de estar convencido de que não havia direito a recurso.
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recurso para a instância superior, e levar lá todo o assunto que foi presente ao tribunal arbitrai.
Mas para que a questão fique resolvida desde o início, conforme a vontade da Câmara, creio que ninguém se negará a votar a moção do Sr. António Maria da Silva, que, aliás, representa o desejo da Câmara, e é de que°a sentença do tribunal arbitrai seja anulada e que o Parla mento seja ouvido sobre uma proposta tendente a celebrar o contrato.
Desde o momento em que V. Ex.a aceite a indicação da Câmara, no sentido de não deixar cumprir a sentença arbitrai, seria cómodo que a Câmara votasse nesse sentido; e como V. Ex.a decerto quere dar cumprimento à deliberação da Câmara, só tem um meio : é anular o despacho que mandou reunir o tribunal. As sim é neste sentido que interpreto a moção do Sr. António Maria da Silva, e evidentemente não podia deixar de a aceitar, porque, se a rejeitasse, rejeitava os princípios que ela contêm e que também estão expressos na minha moção.
O discurso será publicado na integra miando n nrndnr "hmn devolvido, rm-istos-
JL e/ ------ ^ - . - . - ^
as notas taquigráficas.
O Sr. Ministro das Finanças (Pina Lopes) : — O assunto já está suficientemente esclarecido, para que seja preciso aduzir quaisquer considerações sobre ele.
A verdade é que encontrei no meu Ministério jurisprudência assente sobre este assunto, e nessa contbrmidrde segui o caminho que os meus antecessores haviam seguido, embora não aliene qualquer responsabilidade que me possa competir nesta questão, porque tenho a coragem precisa e autoridade moral para me defender seja-, de quem for. A minha vida é clara. ^
Entendi que o meu procedimento ora o único que havia a seguir. Era um direito que estava assente — direito consuetudi-nário.
Então não foi contestado por ninguém. Entendi que a solução de 1918 era o caminho a seguir. Citei os nomes dos Srs. Afonso Costa, Santos Viegas e António Fonseca— que haviam dado q despacho, para ser ouvido o consultor do Ministério das F mancas, para se seguir a forma legal — porque eram nomes de pessoas
t)iário da Câmara, dos Deputados
conhecidas, absolutamente honestas, conhecidas pelo seu passado.
O Sr. Leio Portela declarou que eu tinha cinco dias para interpor recurso do tribunal arbitrai.
O Sr. Leio Portela: — Eu disse que tinha o prazo de dez1 dias. Jb o costume.
O Orador: — O que agora fiz foi o mesmo que se fez em 1918. Se procedi mal, também os outros procederam mal, mas a verdade é que até hoje ninguém o afirmou ainda.
O que era bom então deve também ser bom agora.
O meu único crime foi adoptar o prin-, cípio assente.
O Sr. Aboim Inglês:—As condições agoraj§ que são diversas.
O Orador: — No modo de ver de V. Ex.a
O Sr. Aboim Inglês: — V. Ex.a está a querer interpretar o meu pensamento.
O Orador]: — Segundo o critério de V. ExA será assim.
Os direitos do Estado estão garantidos. Isto é uma questão aberta. O Sr. Presidente do Ministério quis que o Governo se tornasse solidário com o Ministro das Finanças, mas eu tinha pedido a S. Ex.a que não fizesse essa declaração. Eu queria toda a responsabilidade só para inim. Eu considero o assunto como uma questão de expediente do meu Ministério.
Estou pronto a aceitar a moção do Sr. António Maria da Silva, desde que ela não vá contra a minha dignidade, e, portanto, cumprirei as indicações da Câmara, procedendo dentro dos processos legítimos.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido, revistas, as notas taquigráficas.
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do Partido Liberal a podemos votar, V. Ex.a compreendo eoni que satisfação nós registamos'o ter sido um correligionário nosso que trouxe ao Parlamento esta questão de interesses e de princípios. Foi na verdade a intervenção do Sr. Raul Portela, brilhantemente secundado pelo Sr. Ferreira da Rooha, que trouxe esta questão ao Parlamento, pois do contrário passaria, naturalmente, sem o Parlamento dar por isso; e de tal maneira foi apresentada pelos meus correligionários que o leader democrático só tove de dar forma à moção do Sr. Ferreira da Rocha.
Sr. Presidente: 6ste incidente parlamentar traz-me à memória um outro incidente passado em 1912, com os caminhos de ferro através da África, ou antes com a questão de Ambaca. Nessa ocasião foi apresentada uma moção análoga à do Sr. António Maria da Silva em que eram ressalvados os interesses do Estado.
Simplesmente, então, sucedeu que o Sr. Presidente do Ministério, por motivos que eu agora não preciso recordar, entendeu que não devia dar solidariedade ao Sr. Ministro das Colónias, e a questão resolvcu-sp, por uma anulação da portaria que tinha mandado reunir o Conselho Arbitrai, e por uma crise ministerial, limitada ao respectivo Ministro.
Hoje, e eu folgo que assim acontecesse, o Sr. Ministro das Finanças reivindicou para si, dignamente, toda a responsabilidade do seu procedimento, mas o Sr. 'Presidente do Ministério entendeu que devia dar a inteira solidariedade dos seus colegas, e só isso impediu que nós tivéssemos uma crise ministerial, porque, de facto, sem essa solidariedade, o Sr. Ministro das Finanças tfão poderia continuar fazendo parte do Govôrno. (Apoiados).
É manifesto, Sr.' Presidenta, que ao levantarmos os ta questão no Parlamento, nós, Deputados do Partido Republicano Liberal—já foi dito, mas não ó ocioso jepeti-lo — não tivemos nenhum intuito político e muito menos tivemos o intuito de agressSo pessoal. V. Ex.a sabe, por que tem a dará tarefa de presidir aos trabalhos desta Câmara, que uma cousa difícil para nós todos mio ó atacar o GovCrno, mas evitar que Glp soja atacado; e por isso a difícil emprGáu que KG noi; impõe JLÍÍO ó derrubar o GovGniG, uuis ^muitC-io fie "00, pois qno nóí> .uâo
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nós não queremos desde que se estabeleceu que além das indicações constitucionais, para resolver as crises políticas contribuem todas as chafaricas criminosas, que só formaram à sombra do Poder, e que à sombra dele vivem — nós não queremos nenhuma responsabilidade de crises políticas, senão quando estiverem em jogo os altos interesses da Nação e o sacrossanto prestígio da República. (Apoiados). Então sim; não se pode perder o País nem a República, para sustentar um artifício governativo; mas só nessas condições é que o Partido Liberal tomará a iniciativa dum ataque ao Governo.
É necessário que isto fique dito, não para evitar asperezas às discussões parlamentares, mas para evitar todas as cousas que se possam dizer lá fora, nos centros da má língua.
É necessário que fique assente, porque essa é a boa doutrina, que, -de facto, o tribunal arbitrai não tinha o direito de alterar as cláusulas do contrato, è que, por conseguinte, ele só poderia funcionar como tribunal de arbitragem voluntária, para que ò Governo soubesse com a autoridade que atribuía aos árbitros^ qual o caminho que justamente deveria seguir. E uma vez armado com a opinião de árbitros competentes, ele deveria então pedir ao Parlamento a autorização para modificar o contrato nos termos em que isso fosse razoável. (Apoiados).
Esta ó a doutrina defendida pelo Sr. Leio Portela, que foi brilhantemente secundado pelo Sr. Ferreira da Rocha, e ó afinal a doutrina defendida por todos os oradores que tomaram parte no debate; mas é a doutrina que para o íuturo nenhum Govôrno, ou seja por leviandade' ou incompetência, tem o dever de ignorar.
E nestas condições, não querendo ser mais papista do que o papa, eu declaro, em nome dos meus amigos políticos, depois as declarações que fiz, e que não foram mais do que a reprodução sumária das brilhantes considerações do Sr. Álvaro do Castro, que damos o nosso voto à moção do Sr. António Maria da Siiva. (./i/Jo/í/c/o.y).
Tenho dito.
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. Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente:—Está esgotada a inscrição. Vai ler-se a moção do Sr. Leio Portela.
O Sr. António Maria da Silvai (para um requerimento}:—Sequeira a prioridade para a votação da minha moção.
Aprovado.
O Sr. Augusto Dias da Silva: — Requei-ro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procede-se à contayem em contraprova.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 30 Srs. Deputados e rejeitaram 40. Está, portanto, rejeitado.
Vai votar-se a moção do Sr. Raul Leio Portela.
O Sr. Brito Camacho (sobre o modo de votar):—Sr. Presidente: pedi a palavra para lembrar a V. Ex.a que tendo o Sr. Álvaro de Castro declarado que votava a moção do Sr. António Maria da Silva e tendo eu declarado que votava tambôm a mesma moção, entendo em minha consciência que não posso deixar de a votar, sobretudo depois das palavras do Sr. Presidente do Ministério. Foi por isso que eu aprovei a prioridade para a moção do Sr. António aviaria da Silva.
Não consinto, com a minha responsabilidade, que um artifício, seja qual for, determine uma crise ministerial, pelo único motivo de não ter sido votada uma moção que o deveria ser.
O Sr. Eduardo de Sousa (para um requerimento)—Requeiro votação nominal para a moção do Sr. Leio Portela.
Rejeitado.
O Sr. Presidente :-moção do Sr. Portela. foi rejeitada.
-Vai votar-se a
O Sr. Augusto Dias da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente:—Aprovaram a moção 19 Srs. Deputados e rejeitaram 50. Está, portanto, rejeitada.
O Sr. Velhinho Correia (para um requerimento] : — Peço u V. Ex.a, Sr. Presidente, que consulte a Câmara sobre se permite que eu retire a minha moção.
Autorizado.
. O Sr. Álvaro de Castro (para um requerimento}:— Requeiro a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre se me autoriza a retirar a minha moção. Autorizado.
O' Sr. Presidente:—Vai ler-se a moção do Sr. António Maria da Silva. Foi lida na Mesa.
O Sr. Eduardo de Sousa: — Requeiro votação nominal para esta moção.
O Sr. Ferreira da Rocha (sobre o modo de votar}: — Sr. Presidente : a moção do Sr. António Maria. da Silva é, nas suas conclusões, sensivelmente a mesma cousa que eu havia apresentado. Tem a minha moção considerandos que justificam essas conclusões. A possível que os membros da maioria não queiram votar esses considerandos, porventura pelo facto do Governo os não aceitar; mas das declarações dos Srs. Álvaro de Castro e Brito Camacho deduz-se que a moção do Sr. António Maria da Silva é aprovada pela Câmara, dentro da orientação que se conclui dos meus considerandos.
Devo por isso declarar, pessoalmente, que não considero prejudicada a minha moção pela do Sr. António Maria da Silva.
Foi rejeitado o requerimento do Sr. Eduardo de Sousa.
O Sr. Brito Camacho (para declaração de voto}:—.Desejo simplesmente declarar que estando nós todos na intenção de votar a moção do Sr. António Maria da Silva, inútil -se torna a votação nominal.
O Sr. Leio Portela (para declaração de voto}:—Declarou o Sr. Brito Camacho que o Partido Republicano Liberal, a que eu pertenço, votava sem discrepância a moção ds Sr. António Maria da Silva, porque ela importava a anulação do despacho do Sr. Ministro.
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O Sr. Costa Júnior: — A minoria socialista aprova a moção do Sr. António Maria da Silva, convencida de que o Sr. Ministro das Finanças vai revogar o despacho que lançou.
O Sr. Álvaro de Castro: — Nos termos do Regimento, mando para a Mesa a declaração de voto.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à votação da moção do Sr. António Maria da Silva.
Procedeu-se à votação.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente:—Vai ler-se, para votação, a moção do Sr. Ferreira da Rocha.
Leu-se na Mesa.
O Sr. Eduardo de Sousa: — Requeiro votação nominal.
Consultada a Câmara, foi rejeitado, Seguidamente a Câmara rejeita a moção.
O Sr. Presidente : — No sábado passado a Presidência recebeu uma comunicação da Comissão Nacional de Defesa da República, convidando a Câmara dos Deputados a fazer-se representar nos festejos comemorativos da revolução de 14 de Maio.
Não me foi possível ouvir a Câmara sobre o assunto.
Em todo o caso pensei que a Câmara, de bom grado, se associaria a essa comemoração, e fui, em nome da Câmara, à sessão que se realizou.
Convidado, porOm,'a falar, tive o cuidado do declarar que, não se tendo a Câmara pronunciado sobre o convite, eu falava em meu nome pessoal.
Quero ainda participar à Câmara que para substituir o Sr, Velhinho Correia, que há tempo pediu a sua exoneração de membro da comissão de inquérito ao Ministério das Subsistôncias, indico o Sr. Paiva Manso. E para substituir o Sr. Barbosa de Magalhães na comissão de revisão constitucional indico o Sr. João Camoesas.
Vai proceder-se à leitura duma segunda redacção.
.Lê-Qe na Mesa e foi aprovada.
O Sr. Presidente:—Aproxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Documentos mandados para e Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Artigo 1.° É autorizado o Governo a consentir a inumação do cadáver de D. Afonso de Bragança no Pateão de S. Vicente de Fora.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário:.— O Deputado, Malheiro Rei-mão.
Para a Secretaria.
Admitido.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Do Sr. Francisco José Pereira, criando em Santarém um juízo criminal para instrução e julgamento dos crimes e con-travençOes praticados naquela comarca e determinando a composição do pessoal privativo deste juízo.
Para o «.Diário do Governo»
Última redacção
Dó projecto de lei n.° 288, tornando extensiva aos indivíduos da classe civil, aposentados ou na inactividade, a disposição do artigo 81.° da lei n.° 226, de 30 de Junho de 1914.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Admissões
Do projecto de lei dp Sr. Ministro da Agricultura permitindo a entrada no País de animais das espécies pecuárias e seus despojos, vindos do estrangeiro, pelos pontos que o Governo designar.
Admitido.
Para a comissão da agricultura.
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são Nacional de Propaganda para o aumento da produção de trigo».
Admitido.
Para a comissão de agricultura.
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Do projecto de lei dos Srs. João Gonçalves, Sá Pereira e Marcos Leitão autorizando a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira a cobrar designados impostos sobre os produtos exportados do seu concelho.
Admitido. -'.
Para a comissão de administração pública.
Do projecto de lei do Sr. Alfredo de Sousa fixando os vencimentos dos magistrados, funcionários e empregados das administrações, que ficarão a cargo do Estado.
Admitido.
Para a comissão de administração pública.
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Ex.mo Ministro da Guerra, sobre os dois últimos concursos para oficiais médicos do quadro perma-Vi ante. PI bom assim sfibre as condições e circunstâncias dos oficiais médicos milicianos actualmente em exercício no activo.
Lisboa 14 de Maio de 1920.—Alberto Cruz.
Para a Secretaria.
Expeça-èe.
Requerimentos
Requeiro que pelo Ministério da Ins trução Pública mo sejam enviados os documentos pedidos em meus requerimentos de 18 e 27 de Junho e 15 de Dezembro de 1919 sobro às escolas primárias superiores, pedindo se transcrevam estes requerimentos juntos:
i
Requeiro que pela Direcção Geral do Instrução Primária me sejam fornecidos com a maior urgência mapas descritivos com os nomes de todos os cidadãos, de ambos os sexos, que façam parte dos corpos docentes das escolas primárias superiores do contiuente e ilhas adjacentes, com a designação dos que foram antigos professores das escolas- normais primárias e de habilitação para o magistério
Diário da Câmara doe Deputados
primário e dos que foram nomeados para as referidas escolas primárias superiores, ao abrigo do disposto nos decretos n.os 5:594 e 5:787-A, respectivamente de 5 e 10 de Maio findo, com a designação das habilitações literárias ou scientíficas de cada nomeado, ou documentos justificativos da sua competência profissional.
Requeiro que pela Direcção Geral da Instrução Primária me sejam enviadas com a maior urgência:
Relação nominal de todos os cidadãos, de ambos os sexos, que foram nomeados professores das escolas normais superiores, ao abrigo do artigo 5.° do decreto n.° 5:504 de 5 de Maio de 1919 e n.° 5:787-A de 10 do referido mês e ano, bem como nota das habilitações literárias de cada um ou documentos que justificaram reconhecida competência dos nomeados. Data dos despachos que nomearam aqueles indivíduos e o Diário do Governo onde constam .tais nomeações.
Requeiro que pelo Ministério da Instrução me sejam -enviados, com a maior urgência, os soguinics 63Co.arôCimentús:
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Insisto pela remessa urgente de tais documentos que há quási um ano pedi.
Em 14 de Maio de 1920. — António Mantas.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Kequeiro que pelo Ministério da Agricultura me seja fornecida, com urgência, cópia do requerimento de António Paula, de Santarém, sobre a venda dum automóvel a Escola Agrícola daquela cidade, e bem assim a cópia das informações prestadas pelas competentes repartições e do respectivo despacho ministerial.
Câmara dos Deputados 14 de Maio de 1920. — António Augusto Tavares ferreira.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Declarações de voto
Aprovo a moção do Sr. António Maria da Silva, entendendo, porém, que a indicação dada pela Câmara, ao Governo, deve ser no sentido da anulação do despacho do Sr. Ministro das Finanças que convocou a reunião do -tribunal arbitrai. — José Garcia da Costa.
Para a Secretaria.
Para a acta.
Declaro, em nome do Grupo Parlamentar da Reconstituição Nacional, votar a moção do Sr. António Maria da Silva, por entender que ela significa para o Governo a obrigação de anular o despacho do Sr. Ministro das Finanças que mandou convocar o tribunal arbitrai, incompetente para a resolução do assunto que lhe foi sujeito. —Álvaro de Castro.
Para a Secretaria.
Para a acta.
Projectos de lei
Do Sr. João Bacelar estabelecendo a liberdade condicional para todos os condenados pela primeira vez na perda da liberdade por mais dum ano e que se encontrem cm designadas condições,
Para o (.(.Diário do Governo».
Dos Srs. Alberto Jordão, Manuel Fragoso, José Gregário de Almeida, Tavares do Carvalho e Joaquim. Brandão mandan-
do contar aos empregados dos Caminhos de Ferro do Estado, para concessão de diuturnidade, o tempo que serviram no exército.
Para o «.Diário do Governo».-
Requerimentos
Requeiro que me seja remetida pelo Ministério da Guerra, cópia da sindicância realizada sobre irrogularidades que teriam sido cometidas num dos últimos exames para majores e que já foi resolvida pelo actual titular da mesma pasta.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados em 17 de Maio do 1920. — Carlos Olavo.
Para a Secretaria. Expeça-se.
Requeiro, pelo Ministério da Guerra, cópia das certidões dos comandantes da 6.a e 8.a divisão do exército passadas a requerimento do major João Rodrigues Baptista, promotor do .Tribunal Militar Territorial-do Porto e que por este oficial foi pedida a junção ao processo enviado ao Ministério da Guerra pelo comandante da divisão com sede no Porto.
Sala das Sessões, Maio de 1920.—Álvaro de Castro.
Para a Secretaria. Expeça-se.
Requeiro pelo • Ministério do Trabalho, cópia do contrato de concesslo ou arrendamento das Caldas do Monchique. Requeiro também cópia da planta e descrição das referidas Caldas.
Sala das Sessões, 17 de Maio de 1920.— Álvaro de Castro.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Pareceres
Da comissão de finanças sobre o n.° 395-B unificando para dezoito o quadro dos sargentos ajudantes, primeiros e segundos sargentos telegrafistas, promovendo desde já o número necessário de cabos telegrafistas.
Para a Secretaria.
Imprima-se.
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passa para o cargo do Estado, o pagamento dos vencimentos dos magistrados, funcionários e empregados das administrações, dos concelhos.
Para a Secretaria.
Para -a comissão de finanças.
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Comércio mandando entregar, pelo comissariado de casas económicas da cidade do Porto, à respectiva Câmara Municipal, para os fins indicados no decreto n.° 4:163, as 62 casas já construídas no bairro da Arrábida, e abrindo um crédito especial de 60.000)$! para conclusão do grupo de 100 casas na mesma cidade.
Para o a Diário de Governo».
Diário da Câmara dos Deputados
Última redacção
Do projecto de lei n.° 444 autorizando a inumação do cadáver do Sr. D. Afonso de Bragança no Panteão de S. Vicente de Fora.
Aprovada.
Remeta-se ao Senado.
Substituição de comissões
Substituir o Sr. Barbosa de Magalhães na comissão de revisão constitucional pelo Sr. João Camoesas.
Para a Secretaria.
Substituir o Sr. Velhinho Correia na comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos pelo Sr. Paiva Manso.
Para a Secretaria.
Os KEDACTORES: