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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SE S S Ã. O 2ST. 18
EM 19 DE JANEIRO DE 1921
Presidência do Ex. Secretários os Ex,mos Srs.
Sr. Abílio Correia da Silva Marcai
\ Baltasar de Almeida Teixeira j António Marques das Neves Mantas
Sumário. — Abre-se a sessão com a presença de 83 Srs. Deputados.
É lida a acta, que se aprova quando se verifica haver número regimental.
Da-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— Continua e con-clut-se a dits^us^ão do projecto n." 623-D, sobre a ajuda de custo de vida aos funcionários das cãma-inaras municipais, falando os Srs. (Jodinho do Amaral, Manuel José da Silva, -forge Nunes, Orneias da -Silva e Malheiro Relmão.
O Sr. Leote do Rê O Sr. Ministro do Comércio (António Fonseca) manda para a Mesa uma proposta de lei referente ao porto de Leixões, para que requere urgência, que é concedida. Em negócio urgente, o Sr. Eduardo de Sousa trata de casos referentes à imprensa, respondendo o Sr. Presidente do Ministério (Liberato Pinto). Em ne/jócio urgente, também, o Sr. Dias da Silva produz varias considerações acerca da greve dos trabaUiadores da imprensa, pelo f.ictodeserem destacados policias e guardas -republicanos para comporem os jornais. Responde o Sr. Presidente do Ministério. Ordem do dia.— Debate, em continuação, sobre a Agência Financial no Brasil. Fica pendente, tendo usado da palavra o Sr. Manuel José da Silva (Azeméis). Fazem-se nomeações para comissões parlamentares. Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Plínio Silva inski pela dtsauxsão do projecto de lei referente à escola de recrutas, dando ex/ilica-ções o Sr. Presidente. O Sr. Afonso de Macedo trata do arroz adquirido em Espanha. Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 24, com a mesma ordem dç dia. Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Propostas de lei, renovação de iniciativa. Abertura da sessão às 16 horat e ô minutos. Presentes 83 Srs. Deputados. São os seguintes: Abílio Corroía da Silva Marcai. Afonso fie Melo Pinto Veloso. Alberto Ferreira Vidal. Albino Pinto da Fonseca. Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa. Álvaro Pereira ^Guedes. Angelo de $á Couto da Cunha Sampaio Maia. Aníbal Lúcio de Azevedo. António Albino de Carvalho MourSo. António Albino Marques de Azevedo. António Augusto Tavares Ferreira. António da Costa Godinho do Amaral. António Francisco Pereira. António Joaquim Ferreira da Fonseca. António Joaquim Granjo. António José Pereira. António Lobo de Aboim Inglês. António Maria da Silva. António Pais Rovisco. António Pires de Carvalho. António dos Santos Graça. Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso. Augusto Rebelo Arruda.
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Diário da Câmara dos Deputados
Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
t)idgo Pacheco de Amorim.
Coimdgos Cruz.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cunha Rego Chaves.
Francisco José Fernandes Costa.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco José Pereira.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Daniel Leote do Rogo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Orneias da Silva.
Joaquim Aires Lopes de Carvalho..
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Garcia da Costa.
José Maria de Campos Melo.
José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
José de Oliveira Ferreira Dinis.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Ladislau Estêvão da Silva B-atalha.
Liberato Damião Ribeiro Piiilo.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Manuel José da Silva.
Mariano Martins.
Maxim.ano Maria de Azevedo Faria.
Orlando Alberto Marcai.
Pedro Gois Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira,
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva,
Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Raul Leio Portela.
Rodrigo Pimenta Massapina.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Ventura Malheiro Reinião.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sesszo os Sr s.:
Afonso de Macedo. Américo Olavo Correia de Azevedo. Augusto Dias da Silva. Estêvão da Cunha Pimentel. Francisco da Cruz. H?rmano José de Medeiros. João Peroira Bastos. Joaquim Ribeiro de Carvalio. Júlio Gomes dos Santos Júnior. Manuel de Brito Camacho. Marcos Cirilo Lopes Leitão. Nuno Simões.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques ds. Costa.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbodo Pinto Alfredo Ernesto de Sá Cardoso. Álvaro Xavier de Castro. Antao Fernandes de Carvalho. António Bastos Pereira. António Cândido Maria Jordão Paiva Manso. António Carlos Ribeiro da Silva. António da Costa Ferreira. António Dias. António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho. António Joaquim Machado do Lago Cer queira. António Maria Pereira Júnior. António Marques das Neve;* Mantas. António de Paiva Gomes. Augusto Joaquim Alves dos Santos. Augusto Pereira Nobre.
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Sessão de 19 de Janeiro de 1921
Constãacio Arnaldo do Carvalho.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Fiamisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Róis.
Francisco Cotrira da Silva Garcês.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Holder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues.
Jacinto de Freitas.
Jaime de Andrade Viláres.
Jaime Júlio de Sousa.
Jo^o Cardoso Moniz Bacelar.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Maria Santiago Gouveia Lobo Presado.
Juão Ribeiro Gomes.
Jo&o Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Xavier Camarate Campos.
Joaquim José de Oliveira.
José Barbosa.
José Domingue.s dos Santos.
José Gre.gório de Almeida.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio César de Andrade Freire.
Júlio do Patrocínio Martins.
Leonardo José Coimbra.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís de Orneias Nóbroga Quintal.
Manuel José Fernandes Costa.
Mem Tinoco Vordial.
Miguel A u gás to Alves Ferreira.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Xavier da Silva.
Pelas 10 horas e 5 minutos, com a presença de 33 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta, que se aprovou quando houve número regimental, e deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
Do Sr. Manuel Fragoso, explicando a sua falta à sessão do dia 10. Para a comilão de infracções e faltas,
v t" t/
Ofícios
Do Ministério da Instrução Pública, enviando um livro requerido ptlo Sr. Alberto Jordão.
Para a Secretaria.
Pedidos de licença
Dos Srs. Deputados:
José Maria de Campos Melo — l dia.
Nuno Simões —8 dias.
Concedidos.
Comuni .-ue-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:—Vai entrar-se nos trabalhos de antes da ordem do dia.
Continua em discussão a proposta n.° 623-D.
Leu-se o seguinte artigo novo do Sr. Barbosa de Magalhães:
Tenho a honra de propor o seguinte artigo novo:
Aos funcionários dos corpos administrativos que estiverem aposentados será concedida metade da ajuda de custo de vida estabelecida no artigo 1.° — O Deputado, Barbosa de Magalhães.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Leu-se a seguinte
Proposta
Proponho o seguinte artigo novo:
Para satisfazer os encargos que lhes advêm com a execução da presente lei, ficam os corpos administrativos autoriza-a cobrar de impostos directos numa importância superior em 100 por cento à que cobraram no ano de 1920. — O Deputado, Alfredo de Sousa.
Para a Secretaria,
Admitida.
Rejeitada.
O Sr. Godinhp do Amaral: — Pouco tenho de acrescentar sobre o que disse o Sr. Ministro das Finanças.
As câmaras não podem neste momento aumentar ao dobro as contribuições.
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bro ficaria de 150 por cento, o que é um pesado encargo para os munícipes!
Declaro a V. Ex.a que não voto esse artigo.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Não assisti ao debate travado nesta Câmara acerca deste projecto de lei, e não tive o prazer de ouvir o Sr. -Ministro das Finanças sobre o aumento em questão.
Importa a proposta do Sr. Alfredo de Sousa o dar às câmaras municipais a possibilidade de aumentarem os seus impostos. Tenham V. Ex.as a certeza que as câmaras não poderão cumprir a lei se não aprovarmos essa condição.
óComo é que as câmaras poderão fazer íace aos novos encaigos?
Sr. Presidente : a nossa vida parlamentar tem-nos dado bastantes indicações no sentido de que não devemos constante-mente pronunciar-nos por normas que mais tarde ou mais cedo —muito cedo mesmo— são consideradas impraticáveis. Assim, entendo q^e a discussão do artigo se deve sustar, até que o Sr. Ministro das Finanças compareça, a fim de tomar conhecimento dos argumentos produzidos pró e contra durante a discussão, dis-pondo-se a Câmara a resolver em última análise.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não posso aceitar o alvitre do Sr. Manuel José da Silva como requerimento, visto que não há número para se votar. Entretanto, devo observar que o projecto está há muitos •dias sobre a Mesa, tendo a data de 16 de Novembro. O Sr. Ministro das Finanças já ontem assistiu à discussão do projecte e se pronunciou sobre ele. Nestes termos, eu entendo que a discussão pode continuar.
S. Ex.a não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azem ris): — V. Ex.a dá-me licença? A aceitar-se o alvitre deV. Ex.a. pedia pelo menos que não encerrasse a discussão do artigo em debate até que o Sr. Ministro das Finanças se pronuncie, porque é legítimo que a Câmara aguarde as explicações de S. Ex.a para sabermos como as
câmaras municipais vão fazer face aos novos encargos.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sou um daqueles que concordam com uma melhoria de vencimentos aos funcionários: administra-vos. Advoguei essa causa, desde que ela, pode dizer-se, foi levantada no Parlamento, e por isso neste momento dou o meu inteiro apoio a tudo que tenha por fim aumentar esses vencircentos, mas desde que dessa melhoria não resulte desequilíbrio grande para as finanças municipais. Não é menos certo que me parece de má política o aproveitar a ocasião para autorizar as câmaras a aumentar os seus rendimentos, sem que disso resulte, pelo menos, a convicção para nós de que não vamos provocar uma desordem maior ainda do que aquela a que estamos assistindo, como seja. a cobrança dos impostos municipais e do Estado.
Não estava nesta Câmara quando se votou um coeficiente, para tornar possível a cobrança maior dos :.mpostos do Estado, mas devo dizer a V. Ex.a que, salvo o respeito que devo à Câmara, suponho que o Poder Legislativo cometeu um enorme disparate.
Se ó certamente muito simples e extremamente fácil no papel dizer que se cobre isto ou aquilo, quando se tratar de cobrança de impostos, quando se efectivar essa resolução da Câmara estou convencido de que grandes e enormes embaraços há-de encontrar o Jiistado para a poder realizar.
Aparte que não foi percebido.
Não há duvida que há quem possa pagar mais, muito mais mesmo, daquilo que terá de pagar neste momento, mas sabe--se também, e não é novidade para esta Câmara, que há já propriedades cujo rendimento colectável está expressamente inscrito na matriz, como sendo o legítimo, e que se o imposto for aprovado e se as matrizes se avolumarem, o facto, em vez de dar resultados e benefícios, podemos dizer duma forma insofismável que disso resultará um grande prejuízo para a economia pública.
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um prévio estudo, antes de se autorizar as Câmaras a duplicarem os seus rendimentos. Se o estudo for feito, é natural que em determinadas propriedades a capacidade tributária possa consentir impostos maiores para o Estado e para as Câmaras, mas o que não se pode ó seguir este critério para as propriedades que foram compradas há quinze dias. Isto é muito bom, mas para financeiros de cátedras, que unicamente frequentaram a Universidade, alguma escola superior ou a taberna, com o nome de café luxuoso.
Eu não sou in migo do Estado, porque entendo que só ele pode substituir o indivíduo; mas quem nunca teve coragem para adquirir propriedades, pela sua inteligência e pelo seu valor, não avalia que, quando se trata de exigir impostos, isso se deve fazer com aquela compostura e serenidade que deve presidir a casos desta ordem.
Concluindo, Sr. Presidente, eu devo dizer que voto a melhoria de vencimentos ao pessoal das Câmaras Municipais, e lamento que o Poder Legislativo não tenha tornado extensiva ao pessoal aposentado das administrações dos concelhos as melhorias que têm sido concedidas aos outros funcionários.
Assim, peço ao Sr. Ministro dos Estrangeiros que envide os seus esforços junto do seu colega das Finanças para que a lei que beneficia tantos e tam graduados funcionários abranja também esses desgraçados. Porém, se é certo que voto o artigo que diz respeito a essa melhoria, não posso deixar passar, sem o meu protesto, a proposta que o Sr. Alfredo de Sousa mandou para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Domingos Pereira):—Transmitirei ao Sr. Ministro das Finanças as considerações do Sr. Jorge Nunes sobre o aumento de vencimentos aos funcionários aposentados das administrações dos concelhos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Orneias da Silva:—Pedi a palavra para enviar para a Mesa uma proposta.
Proposta
Proponho o seguinte artigo novo: As subvenções aos funcionários do Estado ao serviço das Juntas Gerais autónomas serão pagas por estas na importância que receberiam se estivessem ao serviço do Estado. — Juão de Orneias e Silva.
Sr. Presidente: não ignora V. Ex.a que há funcionários públicos que estão ao serviço de corporações administrativas. Pois com estes funcionários dá-se o caso curioso, no que respeita a subvenções e ajudas de custo, de não receberem cousa alguma, porque as corporações administrativas dizem que o Estado é quem lhes deve pagar, e por seu turno o Estado diz que são as corporações administrativas que o devem fazer, porquanto eles estão ao serviço delas.
De maneira que, para obviar a esses inconvenientes, eu envio para a Mesa este artigo novo, para salvaguardar os direitos dos funcionários do Estado ao serviço de corporações administrativas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Malheiro Reimão: — Sr. Presidente: em muito poucas palavras quero lavrar o meu protesto contra a emenda que se pretende introduzir na proposta em discussão.
Sr. Presidente: eu sou contra tudo quanto represente aumentos de receita para repartir pelo funcionalismo, e na comissão de finanças quási todos os projectos que lá aparecem visam a melhorar a situação de várias classes. Ninguém se preocupa com os -interesses do Estado, e estamos transformando a função de legislador em função de assistência. Protesto, pois, contra a desorientação que está lavrando.
Tenho dito,
O orador não reviu.
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aproveitando o ensejo para testemunhar a S. Ex.a os protestos da minha consideração pelos primores do sen carácter e pelo seu autêntico republicanismo.
Sr. Presidente: vou ocupar-me um pouco de política internacional, e da situação de Portugal depois das conferências de Ver-sailles, Bruxelas e Genebra.
Infelizmente, Portugal não é a ilha misteriosa de Júlio Verne; Portugal está na Europa, e quem lançar as vistas por toda a parte do mundo terá de reparar para esse pequeno país que tem o senhorio de vários arquipélagos no Atlântico e vastos domínios em África e Oceânia. Eu digo, infelizmente, porque se Portugal fosse a tal ilha misteriosa de Júlio Verne, sem dúvida seríamos bem mais felizes; a moeda deixaria de ser de ouro, prata ou papel, para ser talvez de conchas ou búzios; o meu querido amigo, o Sr. Director da Casa da Moeda, não tinha tanto que se preocupar com greves, incêndios ou avarias nas máquinas; o Sr. Ministro das Finanças não seria certamente o martelo pilão e ao mesmo tempo a bigorna de toda a gente; o Sr. Ministro da Agricultura, e o Sr. Comissário dos Abastecimentos poderiam dormir tranquilos sem o fantasma dos navios fantasmas do trigo, e estabeleceriam que todos os portugueses'comessem carne de tartaruga e vários palmípe-des e bebessem água do coco.
Por estarmos nessa ilha, não correríamos o perigo de que os estrangeiros olhassem para nós com muita vontade de nos dar conselhos, de os dar aos suis milhões de portugueses, que podiam continuar nas suas lutas políticas dos seus variados grupos e até poderia vir a acontecer ter de prestar homenagem a alguns portugueses, e ouvir falar os leaders dos tais seis ou oito milhões de portugueses.
Mas infelizmente não estamos na tal ilha, mas sim estamos na Europa.
Eu li há pouco que o embaixador francês em Londres disse que era a hora de todos os homens públicos dizerem a verdade, e que todos aqueles que insistiam em iludir o povo, eram verdadeiros criminosos, acrescentando que tudo se podia dizer sem palavras desagradáveis para • ninguém.
Como eu assim penso, pode V. Ex.a, Sr. Presidente, estar tranquilo que não gera obrigado a chamar-me à ordem quan-
do vá referir-me a vários países, até aos chefes de Estado desses países, e mesmo até a entidades já mortas.
Pelo que toca à Inglaterra, eu quero afirmar que sempre tive, e ainda depois de visitar as suas colónias, muito mais, uma grandíssima admiração por esse país, onde o estrangeiro se sente respeitado e defendido pelas leis que nele se cumprem com a pontualidade das leis da natureza.
Desde o chefe do Estado até o mais modesto cidadão, todos estão impregnados do amor ao seu país.
Tenho também de me referir à Espanha, país por que tenho grande simpatia, admirando os seus progressos, e sobretudo a magnífica e inalterável hospitalidade do seu povo.
Essa hospitalidade para cora os emigrados portugueses é tam gentil, que chega a ponto de ainda há pouco em Biarritz o rei dançar com uma senhora portuguesa, esposa de um monárquico condenado nos tribunais de Santa Clara a cinco anos de degredo.
Se essa hospitalidade sofrei um a interrupção quando o grande tribino Alexandre Braga e o Sr. Evaristo de Carvalho foram levados pelas ruas de Madrid com os braços amarrados atrás das costas, a responsabilidade desses factos não é dessa nação mas dos homens que ocuparam o Governo em Portugal desde ò de Dezembro, impregnados de ódio contra os republicanos e contra aqueles que tinham as responsabilidades na nossL cooperação militar na Grande Guerra. ^
Outra tentativa semelhante, é certo, se fez em França. Toda a gento se recorda que o representante em França do Governo Português de então, em notas oficiosas dimanadas da LegaçLo de Paus, disse nos jornais que o Sr., Bernardino Machado, o Sr. Afonso Goste,, o Sr. Norton de Matos e eu éramos uns criminosos comuns. Isso muito nos magcou, direi de passagem, mas aproveito o ensejo para dizer a V. Ex.a e à Câmara, que outras cousas se passaram mais tare e que ainda mais nos magoaram, tanto mais que provinham de antigos camaradas e correligionários políticos. Mas não vale a pena insistir nisso. ..
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O Orador: —
Ex.
quere que eu
diga? Então eu direi a V. Ex.aá que depois de ter desaparecido Sidónio Pais, e depois de ter triunfado a República em Monsanto, seria naturalissimo que os republicanos então, todos unidos, que os republicanos dessa conjunção que derivou de Monsanto, e na hora em que todos se deram as mãos, tivessem olhado por cima das fronteiras e dissessem a nós outros que por lá, andávamos escorraçados: venham para cá, não para virem ocupar os seus antigos lugares, mas porque os republicanos precisam que vocês venham para junto deles.
Tal não se tez, porém, sucedendo exactamente o contrário!
Esperámos longos dias por essa chamada. Ò Sr. Norton de Matos telegrafou para o Ministro da Guerra de então, dizendo que desejava partir imediatamente ; passaram-se alguns dias e a resposta que lhe chegou, foi que1 o Governo agradecia a sua lembrança, mas quando S. Ex.a foi ao consulado a solicitar o passaporte, foi-lhe dito que se demorasse mais alguns dias. Ao Sr. Afonso Costa também sucedeu facto idêntico, e junto de mim, na minha obscuridade, também chegaram camaradas meus a Paris, dizendo que eu seria reintegrado na Marinha, com a condição de não voltar tam cedo a Portugal.
E, Sr. Presidente e Meus Senhores, como eu não costumo dizer nada sem ter as necessárias provas, vou ler a V. Ex.as os documentos comprovativos, que mostram o que foi essa ignóbil cliantage política.
Sr. Presidente: são bem tristes estes factos, mas já é tempo que sejam do conhecimento -de todos. E compreendem V. Ex.as muito bem que esta mágoa, que o Sr. Afonso Costa legitimamente conserva no seu coração, como aquela que eu tenho e o Sr. Norton de Matos certamente, talvez dificilmente passará.
Reatando, todavia, o fio das minhas considerações, eu direi que também terei necessidade de me referir à nossa Delegação à Conferência da Paz, e hei-de fa-zê Jo com o mesmo desassombro com que o fiz da última vez que faloi aqui a esse respeito, sem me preocupar com as explicações e interpretações que lá fora se pretenda dar aos meus gestos. Eu bem sei — ó da história — que na esteira dos grandes homens, que na esteira dos gran-
des da terra, navega sempre um grande cardume de centauros, de charameleiros, prontos sempre a erguer às nuvens, com grande barulho, às vezes apenas uma simples palavra do seu ídolo, mas também sempre prontos, logo que antevêm o seu fulgor a desaparecer, a agredi-lo com setas envenenadas. Todavia, também sei que se esses homens forem verdadeiramente grandes e, sobretudo, se forem ho-mens do nosso tempo, que eles conhecem muito bem, eles não têm de dar. a essa gente mais importância do que aquela que ela merece. Conhecem muito bem que os tempos não vão para dogmas, que a infa-libidade desapareceu, e que a nossa inteligência, quer ela seja tam grande que se contenha no castão duma bengala, quer ocupe o espaço duma basílica, não pertence a ninguém, não é grilheta que nos amarre ao carro triunfal seja de quem for.
O Sr. Presidente:— Já há muito que V. Ex.a excedeu o tempo que lhe cabia para usar da palavra, mas eu não o quis interromper. Tendo dado, porém, a hora de passar--se à ordem do dia, e estando o Sr. Eduardo de Sousa inscrito pa"a um negócio urgente na presença do Sr. Presidente do Ministério, Y. Ex.a só por deliberação da Câmara poderá continuar no seu discurso. Vozes: — Fale, falei O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, pode V. Ex.a pro-seguir. , O Orador: — Agradeço à Câmara a sua atenção. Sr. Presidente: quantas vezes o Sr. Afonso Costa não se terá sentido vexado com as cousas espantosas c tremendas que, a propósito dos seus mais pequeninos gestos, se têm dito e escrito! Tomo só para a sua reputação de grande estadista, de homem eminente, de grande patriota e republicano, ele precisasse dessas sabuji-ces, perdoe-se-mc o termo, que aliás é bem português!
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Diário da Câmara dos Deputados
causas que determinaram o ambiente mau que esse grande estadista encontrou em Versailles, depois em Bruxelas e seguidamente em Genebra. Vou eu dizê-las. Esse ambiente derivou, não digo de rancor a Portugal, mas duma grande indiferença, quási que feita de piedade.
Derivou, em primeiro lugar, do De.zcin-brismo, dessa quasi que completa sabotage que se fez do nosso esforço militar, e depois das restaurações monárquicas, que se deram exactamente no momento em que todos os portugueses., sem distinção de partidos, deviam ter o coração bem alto e. cheio de orgulho por verem que os seus soldados tinham podido atravessar, gloriosos, o Arco de Triunfo.
O Sr. Afonso Costa encontrou em Bruxelas uma atmosfera que não era muito agradável para nós, porque, como muito bem disse o nosso ilustre colega Sr. João Camoesas, nós não aproveitámos nem com a lição do sidonismo, nem com a de Monsanto. E quando o Sr. Afonso Costa chegou a Bruxelas não havia orçamentos aprovados e continuava a nãc se pôr um dique às nossas formidáveis despesas.
No momento em que S. Ex.a teve d<_ com='com' de='de' toda='toda' empregar='empregar' alemães='alemães' às='às' devido='devido' delicada='delicada' das='das' s.='s.' portugal.='portugal.' participar='participar' habilidade='habilidade' ocasião='ocasião' ele='ele' tam='tam' suas='suas' energia='energia' paz='paz' visto='visto' relações='relações' tratado='tratado' poincaré='poincaré' especiais='especiais' sua='sua' que='que' ex.j='ex.j' foi='foi' questão='questão' tratar='tratar' navios='navios' dos='dos' ainda='ainda' nãc='nãc' dessa='dessa' vultos='vultos' teve='teve' nessa='nessa' outros='outros' discutido='discutido' não='não' sidc='sidc' a='a' e='e' eminentes='eminentes' conseguiu='conseguiu' podíamos='podíamos' grande='grande' reparações='reparações' o='o' p='p' estadista='estadista' tendo='tendo' qual='qual' da='da' porque='porque'>
E também se esqueceram os- chamare-leiros de mostrar o que foi a angústia, a dor e a vergonha que sentiram o Sr. Afonso Costa, o Sr. João Chagas e outros colaboradores ao verem que os seus colegas das nações de todo o mundo aludiram a um jornal em que se declarava que Portugal era um país de escraragistas.
Sr. Presidente: como eu desejaria poder dizer que o resultado dos esforços do Sr. Afonso Costa tinha sido muito mais brilhante do que na verdade foi!
Mas passemos e'n rápida revista o que é que SP conseguiu. Nào há dúvida que os navios alemães apreendidos por nós passaram para a n"ssa posse defrntiva; não há dúvida que ficamos possuindo essa
meia dúzia de dextroyers austríacos, que são duma grande utilidade para a marinha nacional; não há dúvida que ficamos na posse de Kionga com as suas cinco mil palmeiras e meia dúzia de palhotas; mas quanto à participação na indemnização dos alemães, nós ficamos apenas com 3/8 por cento, e logo os cha-rameleiros e os sonhadores nos equiparar am ao Japão.
Mas nós, os portugueses, somos sempre assim: vivemos num eterno engano de alma; qualquer cousa nos contenta, em-quanto que os outros só s3 contentam com a realidade dos factos. Ora a verdade é que compararem-nos ao Japão é uma verdadeira blague!
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Bruxelas elevadas a embaixadas e, o que é mais, a sua moeda valendo mais do que a francesa; e viu também a sua situação em todas as conferências esplendidamente colocada, e vendo-se acarinhada por todos na figura desse Rei-Soldado, cuja visita nós nos honramos em ter e que foi disputada à porfia por todas as nações.
A Roménia, a Sérvia, etc., triplicaram o seu território.
O Brasil, que não deu quasi um passo, e apenas mandou uma brigada à França, de médicos e aviadores, viu imediatamente um representante na Sociedade das Nações e entrou na posse dos navios alemães; e ainda há poucos dias teve de ocupar uma demonstração maior em Genebra.
A Holanda e a Dinamarca tiveram o seu território aumentado e a Tcheco-Slo-váquia também.
A Espanha, neutral, obteve todas as honrarias, tendo um representante também na comissão executiva da Sociedade das Nações. E, certamente, este carinho não derivava da circunstância de ela ser ,um grande credor da maior parte das nações aliadas.
Como se todas as nações presentes à conferência de Bruxelas, tivessem enriquecido durante a guerra têm hoje o seu câmbio favorável, emquanto que nós continuamos a viver da fantasia, e parece sem disposição alguma de nos corrigirmos dos erros e defeitos que fizeram com que o nosso esforço, esse gesto tam belo que foi a nossa ida para a guerra, sem o mendigarmos nem antes nem depois, e o esforço prestigioso feito pelo nosso representante na Conferência da Paz não tivessem o resultado que seria para desejar que tivesse tido.
De Portugal quasi ninguém tratou: não tivemos sequer cinco minutos de atenção em qualquer das Conferências.
Se não fossem os três discursos do Sr. Afonso Costa em cada uma das Conferências, ninguém teria falado em nós.
O que vi foi que se teria dado à Bélgica, à Holanda e até à China auxílio financeiro e que de nós. que estamos a braços com a mais tremenda crise financeira, ninguém se importa.
É certo que a Inglaterra se mostrou reconhecida carinhosamente à visita feita pelo ex-Ministro dos Estrangeiros o ilus-
tre diplomata Sr. Melo Barreto a Londres, esperando S. Ex.a estreitar cada vez mais os laços de aliança entre nós e a grande Inglaterra.
Mas eu pregunto: £ Durante este longo período de paz o que tem a Inglaterra feito por nós ?
Absolutamente nada, senão interessar-•se pela China e outras nações.
Na conferência de Genève alguém aconselhou a nos voltarmos para a França, esse país a que estamos ligados desde tanto tempo, não por uma aliança política, mas por uma aliança que vale mais.
Estão enterrados nessa terra alguns milhares de soldados portugueses que foram bater-se por ela e também se não fala aí de Portugal. Nem «sequer nessa hora que não foi longa, em que se fez a comoventíssima comemoração dos mortos, o próprio Sr. Poincaré, então Presidente da República, num artigo publicado no Matin, falou de todas as nações menos de Portugal.
Esqueceu Portugal e não se referiu aos nossos soldados, logo que os últimos regressaram!
Sr. Presidente: o primeiro agradecimento que nos fizeram foi o da proibição da importação dos nossos vinhos do Pôr-to, e ainda também essa tremenda campanha que uma grande parte dos jornais franceses está fazendo e a que se pode chamar uma verdadeira caçada, vendo-se em Paris os portugueses na necessidade de comprarem francos três vezes mais caros do que os compravam há quatro anos.
Mas não se deve, Sr. Presidente, atribuir, repito, esta situação somente ao estrangeiro, mas sim também a nós.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que nós durante a guerra e através de todas as dificuldades, fizemos o máximo que podíamos fazer. (Apoiados).
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quanto for necessário para merecerem o respeito mútuo; de contrário, desde que .os serviços não sejam retribuídos, não podem merecer a nossa simpatia; e assim «u direi que é um papel em que existem •duas figuras, uma representando a força, o papão, e a outra todos os vexames.
JSfestas condições, eu devo declarar que essas alianças para mim não me servem e nem devem servir a nenhum português.
O que é verdade, Sr. Presidente, é que no tempo da monarquia, e mesmo depois de implantada a República, nem sempre os nossos diplomatas têm cumprido fielmente o seu mandato, e assim eu direi que nos tempos que vão correndo hoje o papel de embaixador assemelha-se muito ao •de um caixeiro viajante, o que não pode ser.
A nossa diplomacia, no meu entender, carece de continuidade de acção. Ela tem-se limitado até agora a acompanhar simplesmente os acontecimentos, sem os profundar, e, sobretudo, sem o mais pequeno espírito de previsão.
. A par disso, para justificar essa frieza, essa quási que piedade por Portugal, vêm. os nosses desacordos internos e o nosso grande defeito de não encontrarmos em geral a linha média, pendendo sempre para os exageros, umas vezes em plena luz, outras numa cerrada escuridão, erguendo às nuvens um ídolo de momento, para dentro em pouco procurarmos derrubá-lo violentamente às machadadas, e transformando os heróis de ontem em criminosos de hoje. Mas temos pior que isto ainda: a desgraçada educação cívica duma parte da população portuguesa.
A diplomacia portuguesa, como disse, tem-se caracterizado nos últimos tempos por uma falta de firmeza absoluta. Basta ler o Livro Branco, que é um testemunho incontroverso desta minha afirmação. A excepção de três nomes, que muito me alegro de aqui pronunciar, o do Sr. Augusto Soares, o do valoroso e honrado general que foi Pereira de Eça e o do Sr. João Chagas, o que se vê nesse Livro é bem o reflexo da diplomacia antiga, hesitante e tímida, pendendo umas vezes para nm lado, outras vezes para outro.
No dia em que a Inglaterra nos pediu/ em palavras as mais lisongeiras, a nossa participação na guerra, marcando até os
termos em que ela se deveria efectivar, o nosso embaixador em Londres, por cujas mãos tinha passado esse pedido concreto da Inglaterra, permitiu-se acoimar de imoral a atitude daqueles portugueses, em cujo número com muita honra me enfileirei, que numa clara e fácil visão dos acontecimentos, andaram pelo país fazendo, patriòticamente, a propaganda dessa participação.
Mais tarde, porém, com o desenrolar dos acontecimentos, esse diplomata reconhecia então que a situação de Portugal nos últimos meses era absolutt.menta deprimente para a nossa soberania e para o nosso brio de portugueses.
Se nos voltarmos para a Alemanha, vemos com estranheza e coo espanto, que o nosso ministro em Berlim, tendo conhecimento exacto do documento que a Inglaterra nos havia enviado se permitiu, no momento em que Portugal estava já em guerra com a Alemanta e depois dos massacres de Angola, se permitiu, rebito, em demorar uma reclamação do Governo Português, sob o pretexto irrisório de que faltavam alguns elementos de informação.
Mesmo depois duma ordem terminante do Sr. Augusto Soares, esse homem mandava dizer para Lisboa que o Governo Alemão lhe manifestar,! o desejo de comunicar com a sua, cólon: a em África por intermédio de telegramas cifrados, a fim de obter informações seguras do que lá se passara. Quere dizer, esse homem, representante dum país que estava em guerra com Alemanha, não hesitou em contrariar os desejos, do seu Governo no momento em que os soldados cesse Império se encontravam em luta c Dm os aliados!
Tem-se posto muitas vezes em evidência os meus pretendidos exageros ao afirmar que esse diplomata comprometera altamente, com o seu incorapreensível procedimento, os sagrados interesses da sua Pátria. E afirmava-se, entlo, que não se devia falar dos mortos; ir as as criaturas que tal afirmavam, faziam-no por medo. Evidentemente, se não se pudesse falar dos mortos, não haveria História. (Apoiados}.
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tabelecer com a Alemanha, em boa paz e harmonia, a delimitação das nossas fronteiras, questão latente desde há muitos anos entre as duas nações. E quando um dia o Sr. Augusto Soares se viu obrigado a abandonar o seu lugar de Ministro dos Xegócios Estrangeiros, em virtude do golpe de Estado Pimenta de Castro, o Sr. Pais voltou à carga, mas, para honra do titular dessa pasta, Sr. Teófilo Trindade, a atitude ainda foi mais enérgica, pois S. Ex.a lhe proibiu expressamente o íazer quaisquer reflexões sobre o assunto.
Os acontecimentos políticos levaram mais tardo o Sr. Augusto Soares à posse da sua cadeira de Ministro, mas a situação era uma verdadeira lástima e a nossa política internacional decorria mais uma vez acidentada, através toda uma série enorme de hesitações e incoerências.
Tempos depois, o Ministro dos Estrangeiros de então, o Sr. Freire de Andrade, vê-se obrigado a transmitir para Berlim que, em virtude dos massacres de África, se impunha uma reclamação, reclamação que, todavia, tinha de ser feita sem violência e com todo o cuidado, segundo deliberação do Conselho de Ministros, mas não com o seu voto, conforme S. Ex.a declarava.
Tudo isto prova exuberantemente que a nossa política da guerra íoi uma política de verdadeira subserviência, uma política de mãos estendidas, implorando esmola.
Segundo li há pouco nos jornais, o In-tegraltsmo Lusitano pretende reabilitar as figuras de D. João VI e de Carlota Joaquina. Quanto a Carlota Joaquina não sei bem como ele arranjará isso. Quanto à reabilitação de D. João VI, depois do que vi no Livro Branco e do que li numa obra de Luz Soriano, em que se conta que esse monarca teve iim dia um assomo de energia e pediu a um governo amigo para mandar retirar um seu embaixador que por demais se intrometia na política nacional, eu não tenho outro remédio senão ser um dos primeiros a reabilitar Sua Majestade.
Mas, um dos factores principais duma tal política é, sem dúvida, a falta de patriotismo e a educação cívica da maioria das nossas elites. Desgraçado e infeliz país este, realmente, em que as elites são as
primeiras a dar o mau exemplo! Toda a nossa História está cheia de casos que plenamente o confirmam. .
AS 'elites pertenciam os homens que em Aljubarrota se passaram para o lado dos espanhóis; às elites pertenciam igualmente aqueles que partiram para Baiona a pedir a Napoleão que lhes desse um rei para Portugal.' Infelizmente estes casos não são isolados.
Ainda há bem pouco tempo em S. Se-bastian, numa festa realizada nas vésperas do Natal, uma senhora portuguesa, casada com um descendente duma das mais altas figuras da nossa História, na ocasião em que se levantou'um brinde a Portugal, teve a ousadia de declarar que Portugal a não interessava, ao que uma dama francesa respondeu que isso não obstava a que levantasse um brinde ao País cujos filhos se tinham batido heroicamente ao lado dos filhos da sua pátria.
Outro caso há ainda tam flagrante como este. Quando se encontrava em Lisboa uni' redactor de um dos mais importantes jornais franceses, que procurou ouvir todos; os agrupamentos políticos em oposição ao regime vigente, foi-lhe respondido por um dos representantes desses agrupamentos, que Portugal não vivia, que Por-, tugal não existia, porque tinha encontrado a sua finalidade política na jornada de Alcácer-Kibir!
Esta e outras afirmações idênticas levaram o redactor desse jornal a declarar que havia realmente um laço de união entre todos os agrupamentos q-ue combatiam a Kepública: a falta de patriotismo. (Muitos apoiados}.
Meus ilustres colegas: podem V. Ex.as estar certos de que, desde Lisboa, através os Pirinéus e até Londres, há uma linha estabelecida por agrupamentos de inimigos do regime — sidonistas ou mo-nárquicos, não sei! — mas inimigos que têm por fim pegar nos braços dos estrangeiros que nos querem visitar, para desviá-los daqui. Vão para Portugal? Então armem-se, pelo menos. Em Espanha dizem mais: armem-se e levem farinha porque lá não há pão.
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torna estimado e apreciado pelas suas grandes virtudes e qualidades de trabalho e honestidade, possa usufruir o bem estar que merece?
Em primeiro lugar eu considero que é desnecessário educar a nova geração. Em vez de estarmos a aumentar as universidades, devemos pegar, corajosamente, em trezentos ou quatrocentos rapazes, escolhidos de entre os mais classificados que saiam dos liceus e mandá-los para. o estrangeiro : Inglaterra, Alemanha, Bélgica •e América.
Poderíamos fazer isto. com a certeza de que esses rapazes que para o estrangeiro fossem, quando um dia regressassem ao seu país viriam mais amigos da sua pátria do que o eram quando dela saíram. Teríamos depois um núcleo de técnicos de que tanto necessitamos para fazermos mais alguma cousa do que brigarmos em matéria política. .E, Sr. Presidente, quando esses rapazes, regressados do estrangeiro, de cabeça bem levantada, passassem, por certas artérias da cidade de Lisboa, fariam com a sua simples presença, que essa enorme turba de indivíduos do sexo não definido fugisse envergonhada.
Fariam abalar essas criaturas que usam intrometer-se com as senhoras, csquecen-do-se que há uma plataforma em que homens e senhoras se entendem, sejam quais forem as ideas que se professem, que é a aversão por todos esses entes que não têm SPXO definido.
Necessitamos mudar de vida.
Precisamos de ser firmes na nossa acção diplomática.
Precisamos de ser enérgicos, e necessitamos considerar que, se é certo que às vezes somos acusados de nada fazermos nas colónias, outras vezes, como sucede na imprensa da África do Sul, nos acusam de fazermos tanto que até já nos constituímos em sanguessuga perigosa, no flanco norte da província de Moçambique.
Precisamos quebrar o isolamento político, económico e financeiro ern que nos debatemos.
Quando isto se consiga, poderemos dizer serenamente, mas com firmeza, aos representantes dos países que tanto amamos e com os quais mantemos as mais estreitas relações, quando se permitam eles ou os seus Governos, como há pouco ainda sucedeu, dar-nos os seus conselhos:
muito obrigado, mas em nos.sa casa governamos nós conforme melhor entendamos.
Só nessa hora, nós poderemos ter o justo orgulho de ter nascido na boa terra portuguesa.
Para terminar direi: só então, quando nós formos, como costumamos ir, em romaria visitar os túmulos em que jazem os restos mortais dos autênticos propulsores da República, como Cândido dos Reis, Miguel Bombarda e outros, poderemos olhar essas sepulturas sem D receio de que delas se ergam esses ilustres mortos, para nos atirarem à cara, os pedaços dos seus caixões.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente : agradeço as palavras amáveis que me dirigiu o Sr. Leote do Rego, ao iniciar o seu discurso, e lamento não ter tido conhecimento antecipado de que S. Ex.a desejava referir-se aos assuntos de que tratou, para poder dar uma resposta cabal a todas as considerações que S. Ex.a eloquentemente produziu.
Mas não se tratava de uma interpelação, e o Sr. Leote do Rego só quis fazer considerações de ordem geral e vária; pelo que não tenho neste momento, nem a preparação indispensável »;om os elementos concretos de que poderia ter-me fornecido se tivesse recebido ama nota de interpelação, nem S. Ex.a cuis dar aos assuntos versados, a importância de apresentar essa nota, ou de me avisar, ao menos, sobre quais os pontos a que no seu discurso desejava referir-se.
O Sr. Leote do Rego fez algumas considerações muito patrióticas, com as quais estou inteiramente de acordo, como decerto de acordo está com elas toda a Câmara e até o País.
Mas, Sr. Presidente, no discurso de S. Ex.a houve também referências que não considero justas e a elas vou aludir.
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derivam de ocupar este lugar. Elas obrigam-me a falar de outra maneira, ob.ri-gam-me a ser justo e, em honra da justiça, procurar pôr as cousas no pó em que devem ser apreciadas.
O primeiro ponto a que vou referir-me, determina me desde já a declarar que não é no intuito de desviar da minha acção ou da situação internacional do País quaisquer dificuldades, que vou dizer as palavras que a Câmara vai ouvir. O que vou dizer é exacto e verdadeiro, e refere-se especialmente à Inglaterra, às referências que o Sr. Leote do Rego lhe fez. Conhece S. Ex.a decerto melhor do que eu a •Inglaterra, que tem visitado repetidamente, como disse. Na Inglaterra, no seu civismo, no seu patriotismo, no seu justo orgulho nacional, na actividade que caracteriza os seus filhos, no respeito mútuo que uns aos outros se votam independentemente das confissões religiosas ou políticas que os separem, há, efectivamente, muito que aprender. Estamos, nesse ponto, inteiramente de acordo. A grande nação nossa aliada merece o respeito e a admiração de todo o mundo. Mas onde não posso concordar com o Sr. Leote do Rego ó na apreciação que o ilustre deputado acaba de fazer da atitude da Inglaterra para com Portugal antes e depois da guerra. O Sr. Leote do Rego afirmou que a Inglaterra não tem olhado para Portugal com aquela boa-vontade que será lícito esperar de uma nação aliada, não nos dando o apoio necessário nas reclamações que fazemos, sobre os nossos direitos. Não tem razão o ilustre deputado. A Inglaterra tem cumprido com nobreza, com lealdades com constância, os seus deveres de nossa aliada.
Ela tem-nos dado esse apoio em todas as circunstâncias difíceis. Sempre que dele temos carecido e lho temos solicitado, não nos tem faltado com ele.
Presto esta homenagem à verdade, 'não só como Ministro dos Estrangeiros, mas como cidadão português que me prezo de ser,
,:Não tiramos da guerra todos os resultados que- desejávamos, não vemos integralmente satisfeitas as nossas aspirações patrióticas, apesar do grande sacrifício que fizemos com a nossa intervenção em defesa do Direito e da Justiça? de todas as nossas legítimas reclamações? <_:Mas de='de' culpa='culpa' bem='bem' do='do' mais='mais' grandes='grandes' temos='temos' até='até' nem='nem' sagrados='sagrados' concordância='concordância' nacionais.='nacionais.' como='como' sequer='sequer' obter='obter' interesses='interesses' leote='leote' em='em' defesa='defesa' sr.='sr.' já='já' nação='nação' aefender.='aefender.' que='que' trata='trata' dos='dos' nacional='nacional' unidade='unidade' se='se' nos='nos' portugueses='portugueses' cá='cá' tag0:_='_:_' a='a' nossa='nossa' dentro='dentro' disse-o='disse-o' e='e' f='f' cê='cê' é='é' direitos='direitos' quando='quando' rego='rego' conseguem='conseguem' o='o' p='p' necessária='necessária' falta='falta' exclusivamente='exclusivamente' quem='quem' da='da' xmlns:tag0='urn:x-prefix:_'> Temo-nos preocupado absorventemente com a política mesquinha, com a política caseira que não nos engrandece cá dentro nem nos nobilita lá fora. & Quando chegará a hora de pormos definitivamente de parte essa política pequenina ? £ Quando chegará a hora de imitarmos o que se passa nos outros países, territorialmente pequenos como nós, a que o Sr. Leote do Rego aludiu, como a Dinamarca, como a Sérvia, como a Bélgica, sobretudo ? * £ Quando é que teremos a unidade nacional que se verifica em todos esses países, quando se trata do seu bom nome, dos seus interesses gerais, a despeito das diversas opiniões e doutrinas que os cidadãos professem? ,; Quando chegará essa hora para nós?
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lado das potências aliadas como era do nosso dever, combatendo juntos com eles pelo Direito e pela Justiça, fazendo tudo isto com um sacrifício pesado como nação exausta de recursos, como nação há muito tempo fora das lutas com outras nações, como nação que vinha vivendo um período do paz externa que, porventura, atrofiava e amortecia as suas velhas energias guerreiras.
A esse facto aludiu o Sr. Leote do Rego, aqui, mais uma vez. Esse facto foi o de-zembrismo, que interrompeu o esforço que a Nação vinha fazendo para se erguer a toda a altura em face dos outros povos do mundo.
Todos sabem que eu não tenho respon-sabilidades nenhumas no dezembrismo. Todos sabem que eu, como quási todos os Sr. Deputados, que me escutam, sofri as perseguições desse período terrível.
Todos nós estamos inteiramente de acordo, quanto a considerarmos o dezem-briumo como causa determinante da má situação internacional que criámos perante as nações era guerra contra a Alemanha.
Não tivesse havido o enfranqnecimento da nossa participação na grande luta e as vantagens para Portugal resultantes do seu esforço, e os sucessos resultantes da acção dos nossos representantes junto da Conferência da Paz. e das várias rruniões internacionais em que tivemos delegação, seriam mais eficazes e do maior êxito.
Sr. Presidente: já que me refiro à nossa representação nas conferências internacionais, devo dizer mais uma vez, porque vem a propósito, que o trabalho desses nossos representantes, à frente dos quais sobressai a figura do Sr. Afonso Costa, foi o mais inteligente e patriótico, o mais heróico e denodado que podia exercer-se em defesa dos interesses e do bom nome do nosso país.
Ninguém, com maior fé, ninguém com maior galhardia, ninguém, £ porque não dizê-lo? com maior audácia, ninguém com maior conhecimento de causa, ninguém com maior prestígio, podia ter agido em defesa dos nossos interesses,' na conferência da paz, na Sociedade das Nações, em toda a parte onde tivemos de erguer a nossa voz em benefício da Pátria. Admiravelmente se conduziu o grande cidadão que presidiu à Delegação Portuguesa,
hora a hora, momento a momento, exalçando o nosso velho Portugal, para o qual ele anseia dias melhores e para o qual todos nós ambicionamos um futuro risonho e próspero.
Nunca é. demais encarecer os seus serviços ao País e à República, co:no os serviços dos seus colaboradores, já que, infelizmente, nem todos os portugueses os querem reconhecer, e alguns, mais .Infelizmente ainda, os procuram diminuir.
Se, em face da guerra, Portugal tivesse mantido sempre e até o im, ininterruptamente,' a posição da primeira hora, posição que, mais tarde, proturou restabelecer, o trabalho dos nosscs representantes seria facilitado, as «uas justas reclamações mais facilmente acolhidas. A culpa das dificuldades que tiveram a vencer não é deles, mas dos que, cá dentro, não souberam compreender o alcance do papel que nos cabia.
E depois? Erguida de novo a Nação para a luta em defesa do seu brio, as pugnas políticas dividem-nos internamente; ao vigor cem que lá fora portugueses procuram honrar Portugal, correspondemos nós com dissenções no me'.o das quais parecemos esquecer que muitc amamos a Pátria e a República.
O Sr. Leote do Rego, depo;s de se referir ao Livro Branco, o qual não está em discussão, diz que da sua Isitura avultam três nomes, apenas, para os quais vai todo o seu respeito e admiração.
Pronunciou os nomes dos Srs. Augusto Soares, Pereira de Eça e João Chagas. .
Sr. Presidente: a esses ncmes presto toda a minha homenagem. Ponugueses de lei, fizeram, na realidada, tudo quanto podiam fazer para o engrandecimento do nome de Portugal. Mas o Sr. Leote do Rego não teve uma apreciação justa sobre o papel desenvolvido pelo Sr. Teixeira Gomes em face da guerra.
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Profiro estas palavras porque lhe são devidas.
Sr. Presidente: preciso de reíerir-me à circunstância de Portugal não ter representação no Conselho Executivo da Sociedade das Nações, para esclarecer a Câmara e o País sobre esse outro ponto do discurso do Sr. Leote do Rego. O Sr. Dr. Afonso Costa apresentou à Conferência de Genebra, da Sociedade das Nações, a tese da representação das nações pequenas naquele Conselho, pelo sistema do roulement. Essa tese não foi aprovada, é certo, a despeito da vigorosa defesa que o ilustre representante português produziu. Mas certo é também que de tal defesa resultou o facto de não ser rejeitada. Ficou a proposta do Sr. Dr. Afonso Costa para ser , considerada novamente, na próxima reunião da Assemblea Geral - da Sociedade das Nações, e tudo leva a crer — tenho essa fundamentada esperança— que venha então a ser aprovada. Escuso de encarecer a importância desse facto.
Aparte do Sr. Leote do Rego que não foi ouvido.
O Orador:—N,ão tenho nenhum conhecimento de que fosse pago esse trabalho-a V. Ex.a Desde que tenho a honra de ocupar a pasta dos Estrangeiros não autorizei qualquer remuneração e não me consta, nem acredito, que tivesse sido concedida por qualquer dos meus ilustres antecessores.
A propaganda que V. Ex.a, a favor de Portugal, tem feito no estrangeiro, mostra apenas que V. Ex.a lá fora aproveita bem o seu tempo, contribuindo para que se, desfaça muita inexactidão contra o nosso País.
Tenho realmente lido nos jornais franceses as entrevistas de V. Ex.a e por elas se verifica que V. Ex.a é um dos portugueses que, sem terem uma situação oficial lá fora, procuram louvavelmente dar a verdadeira impressão da nossa vida interna, tanta vez, até, deturpada no estran-gueiro por efeito de campanhas de portugueses pouco cuidadosos da nossa reputação. . '
A acção de V. Ex.a é digna de elogio e está dentro da sua tradição de patriotismo.
Sr. Presidente: vou falar do trabalho da .nossa delegação nas conferências interna-
cionais, £ ó necessário lembrar a tal rés l peito que foi devido a ela que Portuga, conseguiu obter representação na confe rência de Spa. Fomos mesmos os 'únicos que, entre as potências chamadas de interesses limitados, alcançámos essa representação, .j
O Sr. Leote do Rego disse que como resultado da conferência de Spa, a Portugal foi distribuída, nas reparações a pagar pela Alemanha, a percentagem apenas de 3/s por cento. Há manifestamente um equívoco da parte do ilustre Deputado.
Se me não falha a memória — e recordo de novo que não estou respondendo a uma/ interpelação, mas de improviso e sem os elementos que poderia trazer à Câmara se se tratasse de uma interpelação — na conferência de Spa, onde os interesses nacionais foram brilhantemente defendidos pelo Sr. Afonso Costa, re-conhece.u-se que, para compensação dos prejuízos que nos derivaram da guerra, nos devia ser fixada a percentagem de 3/4 por cento e não de 3/s> como diz o Sr. Leote do Rego. S. Ex.a deve estar equivocado.
Sr. Presidente: a nossa representação diplomática deve ser firme, enérgica e moderna, disse também o sr. Leote do Rego. Deve ser obrigada a tratar cuidadosamente dos assuntos nacionais, na base em que as condições actuais exigem, e não entreter-se apenas em jantares e chás. Estou de acordo. Mas as referências do Sr. Leote do Rego não são inteiramente justas. Temos excelentes diplomatas entre a nossa representação no estrangeiro, e nas instruções que o Ministério lhes tem dado não se esquece o interesse nacional.
Tem-no feito os meus antecessores, fê-lo o último, o Sr. Melo Barreto, na direcção da política externa. Mas os jantares e os chás não são incompatíveis coin o bom desempenho das funções diplomáticas.
Eles servem para estabelecer e intensificar relações tanta vez úteis para o bom • êxito daquelas funções.
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meio tanto quanto porventura desejariam.
Sr. Presidente: vou terminar. Não trouxe para a gerência da minha pasta mais do que o meu fervor patriótico, a minha - grande boa vontade de acertar, no propósito firme de ser útil ao meu País e à Èe-pública. Defendo os interesses de Portugal quanto posso e sei, continuando a linha de conduta traçada pelos meus antecessores, aos quais naturalmente animava o mesmo desejo de dar ao País a maior utilidade no exercício das suas funções.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António da Fonseca):—Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei alterando a lei n.° 1:028, quese refere às obras do porto de Leixões. -
Peço a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre só concede a urgência a esta proposta, e rogo-lhe a fineza de recomendar às comissões interessadas — obras públicas o finanças — que lho dêem parecer o mais rapidamente possível.
Aprovada a urgência.
A proposta vai adiante, por extracto.
Foi aprovada a acta da sessão anterior.
Continua a discussão da proposta n.° 623-D.
Posto à rotação, foi rejeitado o artigo do Sr. Alfredo Sousa acerca do projecto relativo aos vencimentos dos empregados administrativos, tendo sido aprovados o artigo do Sr. Orneias da Silva e o artigo último do projecto.
O Sr. Eduardo de Sousa (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: há pou--cos dias ainda tive a honra de tratar nesta Câmara da questão relativa à livre circulação dos jornais, encarando-a apenas sob o ponto de vista dos seus respectivos títulos, alguns dos quais considero subversivos e abertamente hostis ao actual regime político. Tal o caso do jornal A Monarquia, que eu especialmente tratei.
Desde então, Sr. Presidente, não modifiquei absolutamente em nada o meu ponto de vista, tanto mais que as considerações •que tive ensejo de emitir a propósito •desse jornal não obedeciam a nenhum acinte da minha parte contra ele, mas
tam somente me foram sugeridas pela intervenção policial nos seus escritórios, a título de razões de ordem pública e de segurança do Estado.
Ê certo que lá fora, como eu já previa e aqui mesmo futurei alguns jornais consideraram essas minhas palavras como manifestação de intolerância da minha parte, quando o que é certo, Sr. Presidente, é que eu de maneira nenhuma pedi ferozmente a cabeça de qualquer dos redactores dessa ou de qualquer outra folha, mas tam só e ainda assim comedida-mente, quando muito o. . . cabeçalho de alguma delas. (Risos).
Será insignificante o assunto de que me ocupei, consoante opinaram vários críticos; não serei eu quem lhes diga o contrário, mas em todo o caso limitar--ine hei a observar que lhe ligo e ligarei tam só a mesma importância que lhe ligarem aqueles que do meu ponto de vista discordam, e ainda aquela que lhe ligou o governador civil do Porto, o falecido Dr. Joaquim Taibner de Morais, quando, em 1891, após o malogro da sublevação militar de 31 de Janeiro, fez, promulgar aquele histórico o esquecido edital que já tive a honra de ler à Câmara.
Sucede, porém, Sr. Presidente que, logo a seguir a fisse meu discurso, foi preso um redactor do jornal A Lpoca> nos termos que vejo relatados, em A Pátria de hoje e quo são os seguintes:
«Ontem, à tarde, a polícia de segurança do Estado mandou prender o editor do jornal A Época em virtude de naquele jornal só dizer que a mesma polícia havia subtraído do cofre da administração de A Monarquia, vários valores, notícia pela qual o sr. director Marreiros se julgou ofendido. Pouco tempo depois; apareceu no governo civil o jornalista Sr. Kodri-gues Leal que ali declarou ser autor da notícia publicada em A Época.
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que, segundo lhe parece, faltam vários valores que não pode mencionar.
Depois do interrogatório foi mandado recolher a um dos calabouços, donde saiu, às três da madrugada, para um dos quartos particulares».
Sr. Presidente: se os factos se passaram nos precisos termos desta notícia, não tenho a menor dúvida em afirmar que se cometeu um verdadeiro abuso e uma inqualificável arbitrariedade.
Sou daqueles que entendem que todo e qualquer, jornalista está sujeito à lei geral quando comete uma falta ou um crime de qualquer natureza, político ou comum, alheio à sua acção como jornalista e, portanto, fora dos limites traçados na lei de imprensa.
Mas, desde o momento om que — e este é o caso de agora—nas páginas do seu jornal fez afirmações ou considerações de ordem política danosas ou não ou quaisquer acusações, verdadeiras ou falsas, seja contra quem for, comete tam só um delito ou crime de abuso da liberdade de imprensa; portanto, nestas condições, cai exclusivamente debaixo da alçada das disposições da lei especial que rege as questões de imprensa no País.
Todavia, não saiu ele para a rua, sem que lá tivesse ficado de reféns — e de reféns ainda está na polícia o autor da notícia. Que série de arbitrariedades Sr. Presidente! . . . A polícia chamou à sua presença o editor da folha, como se ignorasse — e se ignora pouco é o seu faro — que o editor dum u>rnal nunca e consultado acerca do ™ ' 1 ^ l !• que no jornal se publica e, em regra, .não sabe quem são os autores do que no jornal se escreve e imprime. E ele, em suma, uma entidade, por assim dizer, quási decorativa, em casos normais, mas cuja existência obedece apenas ao cumprimento duma imposição legal. Se a polícia pretendia, saltando por cima do que a lei de "imprensa determina, saber qualquer cousa acerca da origem da notícia que tanto a incomodou, a quem devia dirigir-se em primeiro lugar era ao director da folha. É esta a verdadeira doutrina e que eu, ao tempo em que era director da República, sustentei e mantive no tempo do dezembrismo, quando era comandante da polícia em Lisboa o famoso Lobo Pimentel, uma vez que ele à sua presença chamou a preguntas o editor do jornal. Ora, no caso de agora, o director de A Época é o Sr. Fernando de Sonsa, jornalista ilustre com quem muitas vezes estive em áspera discordância na imprensa, mas que, não tenho o menor escrúpulo em afirmá-lo, é alguém no nosso País.. Pois, agora, o Sr. comandante da pplí-cia acobardou-se em chamá-lo à sua presença, pois que não teria a coragem de proceder .para com .ele como procedeu para com o modesto testa de ferro de A Época, que assim procura ganhar a sua vida. Foi preciso o gesto louvável e generoso do redactor que escrevera a notícia, apresentando-83 espontaneamente à polícia, para ele ser posto em liberdade. É que o actual comandante da polícia ainda se lembrava do tremendo fiasco que foi para a polícia de segurança do Estado aquele célebre episódio da prisão dos Srs. Fernando de Sousa e Dr. Cunha e Costa, que o meu querido amigo e ilustre deputado Sr. António Granjo aqui tratou em tempos na Câmara.
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Fernando de Sousa. O escândalo passaria quási despercebido. Ah! Sr. Presidente, um procedimento assim não honra seguramente os princípios democráticos...
Pois bem ! Eu, com a autoridade moral que julgo ter em assuntos desta natureza, eu, que vivi quasi trinta anos a vida da imprensa, ou, que arquei de frente, e sem trepidar, com a tirania do dezembrts-mo que me levou aq cárcere e me pôs várias vezes a vida em perigo, não tenho a menor hesitação eni aconselhar deste lugar ao moço jornalista, meu adversário político e que nem sequer conheço, que que não diga à polícia o modo como conseguiu ' obter as informações que tanto agastaram a polícia. A polícia, Sr. Presidente, não tinha o direito de proceder como procedeu; cometeu, se os factos se passaram realmente como diz o jornal que há pouco li, um inqualificável abuso, chamando não só à sua presença o editor de A Época, mas conservando ainda preso o autor da notícia. O que lhe cumpria era entregá-lo ao tribunal; mas, decerto, o Sr. major Marreiros não leu ainda a lei de imprensa, decerto por não serem da sua especialidade intelectual os produtos legislativos. . .
S. Ex.a sentiu-se ofendido por se dizer em letra redonda, ante o público, que a polícia desviara valores do cofre do jornal monárquico cuja redacção invadiu; reputou isso uma calúnia, como piedosamente creio que seja. Estava, todavia, ante um crime de imprensa; chamasse o caluniador, se o é, aos tribunais, nos termos que a lei do País lhe faculta. Agora proceder como procedeu, chamando à sua presença o representante do jornal em que se viu ofendido e à corporação que tem debaixo das suas ordens, é abusivo e contraproducente. Em vez de a castigar, deu apenas maior relevo à acusação. . .
Porque a polícia também rouba, Sr. Presidente. E eu que o diga; pois que, no tempo da polícia dezembrista, duma das vezes que ela assaltou a redacção da República, que eu tinha a honra de dirigir, levou das minhas gavetas, entre outras cousas, livros que lá tinha, livros de literatura, que são grandes elementos de conspiração ou revolução, mas que ela nunca mais restituiu, apesar das minhas reclamações feitas ao Sr. comandante, no jornal e fora dele.
Ora, Sr. Presidente, paru que o Sr. major Marreiros passe a proceder como procedia o Sr. Lobo Pimento1!, «não valia a pena ter-mudado de governo a nação», como se cantava outrori na conhecida canção duma opereta célebre e que deu a volta ao mundo. . .
Demais, Sr. Presidente, cumpre notar-se que, neste caso, a polícia procedeu de modo bem diferente do que noutro mais grave, ainda há pouco, quando determinado jornal se abalançou a publicar documentos secretos do Ministério dos Negócios estrangeiros. . .
Eepito, pois, o que já disss ao iniciar estas minhas considerações: Sou daqueles que entendem, e o meu longo tirocínio jornalístico dá-me direito a exteriorizar este parecer, que um jornalista, quando comete qualquer crime ou delito político ou comum tem de se sujeitar como .qualquer outro cidadão à lei geral, mas quando se trato de delitos de opinião ou mesmo de simples publicidale não se pode nem se deve proceder prra com ele de modo diverso daquele qu3 está £sta-tuído na lei de imprensa. On.» o caso de que me estou ocupando, referente aos redactores de A Época, é evidentemente um delito de imprensa, por acusações,, calúnias, difamações, ou lá com 3 à polícia lhe possa parecer; mas é, em todo o caso, um delito de imprensa e, portanto regulado pela lei especial, como se vê pelo seu artigo 10.°, sendo ainda de notar o estabelecido no resnectivo processo, pelo artigo 17.°:
«O acusado é sempre obrigado, em todos os casos de difamação, a provar a verdade dos factos imputados., seja qual for a qualidade da pessoa difamada e respeite ou não essa ofensa ao enercício das suas funções».
E pelo seu parágrafo 1.° ainda se determina :
«A injúria considerar-se há difamação, para os efeitos deste decreto, quando atinja ou pretenda atingir qualquer das pessoas indicadas no artigo 181.° do Código Penal, ou outras que exerçam funções públicas».
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ofendido ou difamado pela A Época no acto que atribui à polícia na sua notícia, o que teriam a fazer era comunicar o caso ao tribunal respectivo para este proceder nos termos da lei. Sendo do notar ainda que a lei de imprensa, para casos desta natureza, diz claramente no seu artigo 14.°:
«A publicação pela imprensa da injúria, difamação ou ameaça contra as autoridades públicas considera-se como feita na presença delas para os efeitos deste decreto com força de lei».
Ou o Sr. major Marreiros foi neste particular, quando se viu em presença do redactor de A Época no edifício do Governo Civil, queixoso, ministério público, juiz e. . . executor da sua sentença, afer-ro]jliando esses jornalistas, entre vadios e gatunos, nos calabouços do Governo Civil, onde, nas mesmas condições, eu fui lançado no tempo do dezembrismo, juntamente com ilustres homens públicos que à República têm dado o melhor do seu esforço! Isto assim não está bem, Sr. Presidente do Ministério, e não dá prestígio à Kepública, antes lho embacia ou tira. Não, Sr. Presidente, para dignificar a República, não são precisas violências determinadas por caprichos irritados. Antes polo contrário. A violência não significa quási sempre força; traduz fraqueza. A República dignifica-se, sim, com actos de severa energia, de tolerância mesmo, (apoiados), e sobretudo por um alto espírito de rectidão e juítiça.
Expostos assim os factos, segundo os vi~harrados na imprensa, dou por findas as minhas considerações, aguardando as explicações do Sr. Ministro do Interior •que muito folgarei não sejam de molde a ter de pedir de novo a palavra.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Liberato Pinto): — Sr. Presidente: vou responder às considerações do Sr.. Deputado. Acerca da mudança de designação do jornal A Monarquia, estudei o assunto para saber se na legislação vigente alguma cousa havia estabelecida que permitisse fazer-se essa mudança, conforme S. Ex.a pediu, mas devo dizer que não há nada, absolutamente nada, que
permita ao Governo obrigar a mudança do nome de um jornal.
Podia o Governo efectivamente publicar um edital semelhante àquele que S. Ex.a lembrou haver sido publicado.
Mas devo informar V. Ex.a e a Câmara que ao Governo repugna fazer essa publicação, porquanto no momento actual não julga existir razão suficiente que o determine nessa orientação.
O Sr. Eduardo de Sousa: —Se V. Ex.a me- dá licença, Sr. Presidente do Ministério, direi que não foi meu propósito, quando' dei conhecimento à Câmara do edital do falecido governador civil Taibner de Morais, sugerir a publicação doutro igual ou parecido. Apenas tive em vista lembrar a conveniência de serem introduzidas na lei de imprensa disposições que não permitam factos como esse do caso da circulação de A Monarquia.
O Orador:—Pelas considerações feitas pelo Sr. Eduardo de Sousa vejo que S. Ex.a coloca o assunto absolutamente noxcampp em que deve ser colocado.
A Câmara somente compete, quando o julgar necessário, introduzir na lei do imprensa as modificações precisas, para que ao Governo seja permitido, em dada ocasião, modificar qualquer designação do jornal, ou de outro documento que tenha publicidade e que possa considerar-se como prejudicial para a ordem pública.
O Sr. Eduardo de Sousa: — A Câmara compete essa faculdade, com efeito, mas muito mais conveniente seria que fosse o próprio Governo, como representante do Poder Executivo e que melhor conhece as circunstâncias em que se encontra a sociedade portuguesa, que tomasse a iniciativa do respectivo projecto de lei.
O Orador:—Devo informar que o Governo não julga que as actuais circunstâncias, o determinem a trazer à Câmara uma proposta de lei desta natureza.
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O Sr. director da polícia informou-mo q ao a prisão do redactor não fora feita com qualquer fundamento da lei de imprensa. Fora simplesmente baseada em o Sr. redactor do jornal ter ido visitar um preso que estava incomunicável, sendo por seu intermédio, unicamente, que podia vir cá para fora uma carta desse preso.
Insisti, e ôlo respondeu-me, dizendo que não havia absolutamente nada no caso em que tivesse aplicação a lei de imprensa.
A prisão motivara-se no facto de ele ter sido a única pessoa que podia haver trazido para a publicidade a carta do preso que estava incomunicável.
O Sr. Eduardo de Sousa: — <_ que='que' preso='preso' cometeu='cometeu' visitou='visitou' ou='ou' aquele='aquele' tag0:_='delito:_' fosse='fosse' o='o' p='p' então='então' visitado='visitado' permitiu='permitiu' incomunicável='incomunicável' v='v' quem='quem' estando='estando' ele='ele' xmlns:tag0='urn:x-prefix:delito'>
O Orador : — As averiguações foram feitas por duas entidades, por aquele que prendeu e por aquele que deu causa à vinda da carta para fora.
Com respeito ao redactor do jornal continuar no calabouço, o não em um dos quartos particulares, tratei do caso com o Sr. Governador Civil, e ficou o assunto resolvido, para que de futuro fôss'em dadas instruções por parte do comando da polícia, para que os presos pela polícia-de segurança do Estado pudessem continuar em quartos particulares.
Eu disse ao Sr. governador civil que aprovava em absoluto a sua opinião, de que qualquer que fosse a entidade que mandasse efectuar a prisão, a única qualidade que podia servir para a escolha da ida ou não ida para os quartos era em primeiro lugar o estado de saúde dos presos, e em segundo lugar a garantia do pagamento e categoria dos detidos.
Concordo com a opinião do Sr. Eduardo de Sousa, de que em nenhuma ocasião devemos querer imitar os factos e as más acções antecedentes, porque de contrário, efectivamente, não podemos estabelecer a boa doutrina. É essencial que se entre num caminho novo, dando-se a cada um aquilo que deve ter.
O preso político não fica com categoria inferior pelo facto de ser preso político.
Está realmente assente que quando se trata de qualquer redactor ou outro preso
de categoria, havendo lugar nos quartos, imediatamente serão para ali conduzidos, e para deixar de existir,a possibilidade de qualquer dúvida, foi isto determinado por escrito ao Sr. governado:? civil, para iazer saber aos seus subordinados que a qualidade que devia sempre procurar para servir de escolha era simplesmente esta: o estado de saúde dos presos, e depois disso fosse quem fosse que pudesse pagar.
Devo ainda acentuar que o estado do edifício do governo civil, sob o ponto de vista higiénico, quer dos quar;os quer dos calabouços, é detestável, tor:iando-se indispensável tratar deste assunto com a maior atenção, porque não pode admitir--se que se conservem indivíduos num meio sem higiene e sem condições nenhumas de vida.
Sr. Presidente: parece-me ter assim respondido cabalmente às pregantas feitas pelo Sr. Eduardo de Sousa.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem fo:-*am revistos pelo Sr. Eduardo de Sousa os teus apartes.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Yai prosseguir a discussão sobre o contrato da Agência Financial.
Continua no uso da palavra o Sr. Manuel José da Silva.
O Sr. Augusto Dias da Silva : — Eu pedi a palavra para um negócio urgente.
O Sr. Presidente:—V. Ex/não comunicou à Mesa a natureza do assunto, e além disso estamos já na hora destinada à ordem do dia.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis):—Em qualquer arUra da sessão, se pode pedir a palavra para um negócio urgente.
O Sr. Dias da Silva dirige-se à Presi dência.
O Sr. Presidente: — O Sr. Dias da Silva pretende, em negócio urgente-, tratar do facto de ter sido concedida polícia e guarda republicana para comporem numa certa parte da imprensa. Vou consultar a Câmara sobre a urgência do assunto.
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O Sr. Dias da Silva: — Sr. Presidente: disse há pouco o Sr. Presidente do Ministério que é necessário entrar em vida nova; o que se verifica, porém, é que sempre que se trata de proteger interesses de todos aqueles que de algum modo vivem à custa dos trabalhadores, os governos, seja qual for a sua política, põem-se ao lado dessa mesma gente.
Desde que subiu ao Poder o Sr. Coronel Baptista que se começou a usar o processo que agora de novo vai ser adoptado: a interferência do Governo numa simples questão entre o capital e o trabalho. O Sr. coronel Bíiptista ainda tinha a seu favor o facto de liaver uina certa efervescência popular, mas com o actual Sr. Presidente do Ministério dá-se o caso contrário, a ordem pública é absoluta.
Desde o momento em que se trata simplesmente duma questão entre o capital e o trabalho, não se podo admitir que o Governo venha em socorro das empresas, mesmo porque, segundo me parece, a •Constituição tal determine, nemtam pouco porque a questão tenha deixado de correr ordeiramente. Quem provoca a desordem são certas empresas jornalísticas com os seus ataques ao Governo, por vezes até bastante injustos.
Chego a não acreditar que o Sr. Presidente do Ministério tivesse mandado, como se afirma, polícia e guarda republicana para as redacções de alguns jornais em substituição do seu pessoal gráfico.
Trata-se duina questão entre o capital e o trabalho. Decerto S. Ex.a é o primeiro a concordar em que um tipógrafo não pode viver com o ordenado que actualmente tem.
V. Ex.as devem compreender que em-quanto aqui estão a brincar com os Governos, a vida vai encarecendo dia a dia.
Y. Ex.a, Sr. Presidente do Ministério, não é capaz de apresentar razões que justifiquem os seus actos, porque neste momento não há alteração da ordem pública que possa servir de base a essa violência.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas..
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Liberato Pinto): — Sr. Pre-
sidente: em resposta às considerações feitas pelo ilustre Deputado, o Sr. Dias da Silva, devo informar V. Ex.a e a Câmara de que o Governo pensa que é indispensável a existência em Lisboa de dois jornais diários, mas tornando-só ao mesmo tempo absolutamente imparcial nas lutas que se travam neste momento entre as empresas jornalísticas e o seu pessoal, não se manifesta nem pró nem contra.
O Governo forneceu às empresas os elementos necessários para que circulem, os jornais de ambas as partes litigantes.
Creia V. Ex.a que me felicito pelo entusiasmo que demonstrou na sua argumentação, no sentido de salientar que o Governo não pôs embaraços às empresas jornalísticas, mormente àquelas cujos órgãos mais rudemente o têm atacado. Felicito--me. porque V. Ex.a forneceu ensejo para eu demonstrar que o Governo não aproveitou este momento para coarctar aos seus contraditares os elementos de ataque.
O Governo apenas teve o intuito do manter os jornais que neste momento taru necessários se tornam, para que todo o País possa sabor o que se está passando no Parlamento, para que todo o País possa sabor da sua própria vida.
Interrupção do Sr. Dias da Silva.
O Orador: — ^Então V. Ex.a queria que o Governo tivesse um jornal que oficialmente o defendesse?
Vozes: basta! Risos.
; O Diário do Governo já
O Sr. Carlos Olavo (interrompendo]: — ^ Pode V. Ex.a, Sr. Presidente do Ministério, informar a Câmara se as classes grevistas comunicaram ou não as suas resoluções, nos termos da lei que regulamenta a greve?
O Orador : —.Tem V. Ex.a razão !
O Sr. Sá Pereira (interrompendo): — ; A lei da greve não se pode cumprir!
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presas jornalísticas foram as mesmas que pôs à disposição dos elementos grevistas. O orador não reviu, nem foram revistos pelos Sr s. Deputados que fizeram os «apartes *> intercalados no discurso.
O Sr. Presidente : —Vai continuar a discussão do assunto dado para ordem do dia, respeitante à Agência Financial.
Continua no uso da palavra o Sr. Manuel José da Silva.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): —Continuo respondendo às considerações feitas ontem nesta Câmara pelo ilustre leader do Partido Liberal, o Sr. António Granjo.
Já vai longo o debate, e não só por essa razão, mas também por aquelas que já apresentei, vou reduzir as minhas considerações ao suficiente para responder às que foram feitas por S. Ex.a
S. xjx.*, ontem, armou-se em paladino da imprensa que — no dizer de S. Ex.a — tinha sido ferida pelas palavras aqui proferidas pelo Sr. Ministro das Finanças, que fora intensamente injusto, não podendo o Parlamento sancionar essas palavras.
S. Ex.a teve ocasião de falar da sua pessoa como director de um jornal.
S. Ex.a não era atingido, porque o Sr. Cunha Leal teve o cuidado de fazer a distinção em que foi englobada a Republica e outros jornais.
A prova de que o Partido Popular quis sempre viver honestamente, é que termi-;nou a publicação do seu órgão exactamente no momento em que lhe faltaram os recursos.
Nas colunas do nosso jornal, por exemplo, não foi publicado o comunicado que a tanto por linha prolongou uma campanha jornalística entre duas poderosas empresas, que pagavam bem.
Talvez, se o tivesse feito, se arredassem os motivos que levaram à sua suspensão.
Creio que o órgão do. Sr. António Granjo, assim como muitos outros jornais, vive em circunstâncias muito diferentes das que foram referidas.
O Sr. António Granjo não podia esquecer, sob pena de praticar uma injustiça, que o Sr. Ministro das Finanças, ao falar nos termos em que falou acerca da imprensa, se referiu a certa imprensa que
já está condenada pela opinião pública, porque sobrepõe aos interesses da nação os seus interesses e os interesses de vários sindicatos, que quási sempre colidem com os interesse:? nacionais.
Eu posso dizer que a greve dos trabalhadores da imprensa pode aer a prova mais cabal desta minha afirmação.
Posso ler à Câmara uma parte do artigo de fundo de um jornal que esses trabalhadores publicaram, e que será documento bastante para se ver a maneira como se fazem certas campanhas jornalísticas em Portugal.
Diz assim esse artigo:
«O público conhece-nos bem. Somos nós os trabalhadores dos jornais que temos estado em contacto com ele, concorrendo para o informar e para o defender, tanto quanto nos tem permitido as circunstâncias excepcionais em que até aqui temos trabalhado,, sob o peso da pressão das entidades que se imiscuirun nos jornais não para fazer jornalismo mas para defender interesses particulares, por vezes contendendo com o interesse geral.
O nosso jornal está liberto de todas essas influências e assim se manterá, cumprindo honestamente a sua missão de bem informar os seus leitores e esclarecer e orientar a opinião pública, sem nunca deturpar a verdade ou torcê-la ao sabor de quaisquer conveniências inconfessáveis. Os negócios escuros, as clientelas financeiras, não terão aqui nenhuma espécie de defesa e, pelo contrário, tudo quanto do-cumentadamente chegue ao nosso conhecimento que represente um escândalo, uma manigância contra os interesses do pú blico, aqui será prontamente revelado».
São estes homens que têm vivido dia a dia, hora a hora, a vida de jornal e que vêm publicamente fazer uma afirmação destas, que será bastante para desmascarar todos os que queiram luditriar a opinião pública, fazendo a mais miserável campanha que se .tem feito a um homem público, atacando miseravelmente o Sr-Ministro das Finanças, não só pelas funções que representa mas pela situação que ocupa.
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deiras tem de lutar para salvar a nação do abismo, o que S. £x.a fé/ era nome dos interesses nacionais, fazendo essa denúncia do contrato da Agêacia Financial. Assim, o Sr. António Graujo, pretendendo falar em nome do Parlamento, e dizendo que a Câmara seria incapaz de se solidarizar com o Sr. Ministro das Finanças, no que disse a respeito do certa imprensa, cometeu unia grave injustiça.
0 Parlamento não pode deixar de se solidarizar com o Sr. Ministro das Finanças acerca de certa imprensa, sob pena de se desonrar.
Quando o Parlamento não quis deixar passar de ânimo leve o projecto chamado de navegação, também se levantou a mais feroz das campanhas, chegando-se a pugnar pelo princípio da dissolução.
Não, Sr. Presidente, eles queriam, — dí-ziam-no à boca calada, nos conciliábulos dos cafés, à mesa do hotéis, no Avenida Palace, —fazer um Parlamento melhor do que o que estava, que cuidasse, melhor dos seus interesses, porque eles iriam então para a campanha eleitoral, pondo ao serviço do determinados políticos, felizmente que não disseram quais eram, aqueles caudais de ouro que fossem necessários para corromperem as consciências, a fim de elegerem indivíduos que viessem para o Parlamento, não a defender os in-. teres só s da Pátria e do regime, mas os seus cofres.
1 iulolizmente que a campanha para a •dissolução, por vezes encontrava justificação até no próprio procedimento do Parlamento! Eu recordo-me que sempre que alguém, mormen^e das bancadas pó-, pulares, tocava questões dizendo respoito as interesse colectivo, tratando as com a boa vontade de acertar, eles, entendendo que nós não estávamos a faz~-r aquilo que eles chamavam o seu jogo, orieutavarh contra nós a chamada campanha do paleio. Eu fui um dos visados. Nessa altura eu tive ocasião de ver o desejo revelado por todos os lados da Câmara, no sentido de se fazer uma sessão ruidosa de resposta a essa campanha de paleio.
j Mas hoje não só fazem essas campanhas de paleio! E a razão disso, V. Ex.a a conhecerá. Hoje, desde qu.1 soja visar o' Sr. Ministro das Finanças, desd.s que seja visar o partido a que S. Ex.a pertence e o Governo de que S. Ex.a faz parte, pode
falar-se dez, vinte, cinquenta dias, podo o Sr. António Granjo falar a sua existência inteira, que não há meio de se fazer a campanha do paleio. As razões disso V. Ex.a e a Câmara em peso avaliarão delas.
Sr. Presidente: tive ocasião de dizer ontem à Câmara que as minhas considerações possivelmente não seguiriam aquela trajectória-de lógica que era de esperar de uma criatura que porventura se tivesse preparado para tratar, de uma questão tam importante como é a da Agência Financial. Tive ocasião também de dizer ontem à Câmara que não era propósito meu, por falta de conhecimentos, e só por isso, entrar neste debate. Todavia as considerações do Sr. António Granjo a isso me forçaram. E assim, se não encontrarem lógica nas minhas considerações, e possivelmente não a encontrarão, a responsabilidade do facto cabe não a mim,' que desejaria pOr uma certa sequência nos meus raciocínios, mas a falta de sequência quo o Sr. António Granjo ourem teve ao fazer as suas considerações.
Disse S. Ex." que a situação do ilustre titular da pasta das Finanças, classificada de angustiosa no presente momento, era nem mais nem monos do que a simação angu«tiosíssima que S. Ex.a, Presidente do Ministério, há dois dias encontrara' quando tomara conta do Poder. Não é bem assim, porque as responsabilldades, as dificuldades que o Sr. Ministro das Finanças e o actual Governo têm resolvido e têm para resolver, são as mesmas, é certo, que encontrou o Sr. António Granjo e o seu Governo, nias são agravadas ainda com aquelas'que o Sr. António Granjo e o seu Governo lhe criaram. (Apoiados}.
Não é difícil, compulsando os documentos oficiais, ver quanto são verdadeiras as afirmativas que acabo de produzir, e que o Sr. Ministre das Finanças teve ocasião de apresontar nesta Câmara com verdadeiro rigor da situação do Tesouro neste momento.
O Sr. Ministro das Finanças teve ocasião de apresentar os encargos do Tesouro Português em 2 de Novembro de 1920, somando um milhão, cento e setenta e oito mil libras.
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O Sr. Ministro das Finanças
Leal): — Essa quantia há-de ser muito superior aos cálculos de V. Ex.a e aos meus.
O Orador: — Tomos ainda os encargos provenientes do pagamento de trigo.
Eu tive ocasião de chamar a atenção do titular da pasta da Agricultura para a fornia como se fazia a selecção das propostas dos concorrentes que eram irregulares.
O Sr. António Granjo, que foi Ministro das Finanças, interinamente, é certo, mas o espaço de tempo necessário para um honiom da sua envergadura intelectual conhecer a situação do Tesouro, IS. Ex.a não sabendo ver essa situação, não procedeu como devia proceder um Ministro «das Finanças, visto que o Estado tinha uns encargos que iam até três milhões e tantas mil libras.
Computando em 08:000 toneladas o quantitativo deste cereal necessário para vivermos até o fim do ano económico, tinha o Sr. António Granjo a acrescentar a esta cifra avultadíssima para satisfação da qual...
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo)'.— Esquece-se V. Ex.a de dizer ainda que ao mesmo tempo se fez o contrato do carvão, que dava ao Estado um dispêndio de duzentas mil libras por mês.
O Orador : —Diz V. Ex.a muito bem.
Sr. Presidente: não se pode nem se deve fazer uma acção isolada de cada Ministério, mas essa acção deve ser conjugada e patrocinada pelo Ministério das Finanças, e o Sr. António Granjo, que foi Ministro das Finanças, interino, tinha obri-gabão de saber a situação do Tesouro e os seus encargos, se S. Ex.a tivesse tomado a sério o seu lugar.
O Sr. António Granjo teve ontem ocasião de, nesta Câmara, dizer — e eu fiquei imensamente espantado, — que não sabia a quanto montavam os encargos com o nosso déficit cerealífero.
S. Ex.a atribuía ao ilustre titular da pasta das Finanças a afirmativa de que esses encargos se elevavam a um montante de 100:000 contos.
O Sr. Ministro das Finanças, que é um dos mais ilustres membros desta casa do Parlamento, teve ocasião, coiio parlamentar, como prupaiigandista, Lá fora, nos comícios, de apresentar a qi.estão cerealífera tal.como ela é em Porlugal.
E possível que S. Ex.a tenha ido ato o ponto de afirmar que o nosso déficit cerealífero, ultrapassa o quantitativo de 100:000 contos ...
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Loal): — Não foi só em'conÍ2Íos que eu fiz essa decantada afirmação.
A Contabilidade só podia dizer que o íêcho de cuntas do ano passado acusou um saldo de 9:000 contos. Se, estando o câmbio a 12, ou seja cori a libra a 20;), nós temos din prejuízo de 50:000 contos; estando o câmbio a 6, isto é, com a libra a 40$, forçosamente haveremos de ter 100:000 contos ue prejui'20.
O Orador: — Quere dizer: V. Ex.a, que era então simplesmente um estudioso das questões económicas que interessavam ao País, foi levado à conclusão lígica dt- que os encargos do Tesouro, com o déficit cerealífero, iam até ] 00:000 contos, tendo visto as cousas melhor do que o Sr. António Granjo, que foi Miuislro da Agricultura, e que tomou conta desse cargo, não ignorando como nós o supúnhamos, mas absolutamente consciente da sua alta missão, como V. Ex.!l próprio o disse daquelas bancadas.
Mas, omquanto V. Ex.a se limita a constatar aquilo que é um cancro, nós, pela •boca do actual Ministro das Finanças, íamos mais longe, e afirmávamos aqui e lá fora os nossos pontos de vista para resolver ou, o que já não era pouco, para procurar resolver o chamado problema cerealífero em Portugal.
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problema cerealífero, mas, pelo menos, a sua atenuação.
Devo dizer ao Sr. António Granjo que sou também daqueles que procurando sempre, através de todas as pugnas, as mais irritantes mesmo, da política dos partidos, fazer justiça aos homens, confio altamente na missão dessas duas entidades.
Tenho, porém, de acrescentar que, a par disso, entendo que não é passeando do Terreiro do Paço para o Parlamento ou do Parlamento paru o Terreiro do Paço, que se resolvem os altos problemas da nossa vida colonial. Resolvem-se, sim, estando em contacto com eles, estudando-os com todas as suas pcrmissas, procurando encontrar a equação que os resolva e dar-lhes resolução. Então, quando eu vir quê lá longe, no seu posto de combate—porque o é — esses homens estão a contas com as dificuldades, é que eu, que neles muito confio, poderei ter esperanças. Neste momento, não devo tê--las, nem deixar de as ter.
Disse ontem o Sr. António Granjo que era possivelmente legítimo tirar-se a conclusão de que aqueles que hoje defendem o ponto de vista do Sr. Ministro das Finanças, com respeito à questão da Agência Financial, são precisamente aqueles que antes, mais decedidainente, mais energicamente e com mais ardor combateram o seu contrato dos trigos.
Não estava eu presente quando no Parlamento se discutiu a questão dos trigos, e se eu, defendo o ponto de vista do Sr. Ministro das Finanças...
O Sr. António Granjo (interrompendo):— Eu não me referi a nenhum Sr. Deputado. Apenas estranhei que os financeiros estejam defendendo o Sr. Ministro na questão da Agência Financial.
O Orador:—Eu hei-de-me referir aos mesmos pontos que S. Ex.a tocou no seu discurso.
Se eu estivesse presente quando se discutiu o assunto dos trigos, ia dizendo, teria discutido essa quesião, não com inteligência, mas com o mesmo ardor e entusiasmo com que o discutiram os meus colegas.
Vejamos as afirmações do Sr. António Granjo.
S. Ex.a, como todos nós sabemos, tom f i-i to uma larga vida parlamentar, que vem desde a implantação da República, e, como sempre, foi feliz nas suas sínteses de apreciação.
Ora, eu devo dizer que se o regime de tabelamento e racionamento não tem dado resultado igual ao de outros países, não ó por culpa desse regime, mas daqueles que tem decretado racionamentos que não têm razão de ser, e tabelamentos sem base e que são bem equiparados ao decreto do Srv António Granjo dos dois pratos.
Esse sim, não deu, não podia nunca dar resultado em parte alguma. Por esta razào: é que S. Ex.a, sem querer, foi criar uma nova exploração à indústria hoteleira. Quem ficou prejudicado foi o prejudicado de sempre: o hóspede.
Ao mesmo tempo que era decretado o racionamento nos hotéis, os seus doe os estabeleceram mais tantos por cento nos preços das diárias, para depois não baixarem a conta quando voltasse ao ponto primitivo.
O racionamento feito assim não dá resultado.
Como se. fez em alguns países, em França e em Inglaterra, sim.
Aqui sofremos da falta de educação colectiva.
Ainda assim tem dado mais profícuos resultados do que o do tabelamento dos géneros.
Em Portugal não tem dado'infelizmente aquele resultado que seria mister. Porquê? Porque foi uma medida sem fundamento, sem base nos termos do seu estabelecimento.
Todos pretenderam fazer um a obra sua; e assim prejudicaram esta questão, principalmente nos azeites.
Um Deputado no ano passado teve ocasião de chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para este assunto, muito importante do azeite.
S. Ex.a podia tabelar o azeite em harmonia com as condições de vida impostas polo momento, para basos em lucros razoáveis, mas nunca de especulação.
O Ministro não fez caso dessas considerações.
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retalhista, e não o pôde impedir, porque fez o que tinha feito todos os legisladores: ao acaso marcam um preço inferior ao que as leis mandavam. E assim foi tabelado o azeite a 1$
Passado algum tempo outro Ministro da Agricultura, animado dos mesmos bons propósiti s, fez a operação comercial ao abrigo dum diploma.
Modificou modus vivend».
Anulou a garantia da lei: e o género faltou.
Conclusão: a política do tabelamento feita para o azeite e outros géneros, como a manteiga que o Sr. António Granjo tam bem conhece, deu em resultado os preços não garantirem os interesses do comércio.
Mas, Sr. Presidente, a liberdade do comércio pelas mesmas razõ s que apresentei, não tem dado, não dá nem nunca dará pelas mesmas razões resultados satisfatórios.
Assim as considerações do Sr. António Granjo neste capítulo não foram felizes, se bera que elas não viessem a propósito do assunto em discussão da Agência Financial vendo-me eu obrigado igualmente a referir-me a elas para responder a S. Ex.a
Vejamos as opiniões do Sr. Granjo com respeito à garantia e efectivação de programas de Governo.
Eu, Sr/ Presidente, a este respeito, devo dizer muito francamente à Câmara de que quási sempre o Sr. António Granjo, como político, põe os seus actos em manifesta discordância com as suas afirmações da véspera.
S. Ex.a fez cair o Governo da presidência do Partido Republicano Português, do qual fazíamos parte, e disse que o fizera por ele não ter um programa go-vernativo qu^r financeiro quer económico e pelos seus membros estarem deslocados, com competência é certo, mas fora dos seus lugares.
Assim nós julgámos todos quo S. Ex.% ao ser chamado para formar Governo e ao tomar a responsabilidade da governação do País, nos apresentasse um programa nos termos em que S. Ex.a nos falara; porém, nós, Sr. Pre^dente, tivemos ocasião de ver que tal assim não era, e que as pessoas que formaram o Governo se achavam igualmente deslocadas.
Já vê portanto a Câmara que os seus actos estão sempre em discordância com as suas afirmações da véspera, e se a Camará se der ao trabalho de consultar os anais parlamentares, verá a verdade do que acabo de expor.
Por mim, quando foi da apresentação do Governo do Sr. António Granjo, tive ocasião de apreciar o prograira de 8. Ex.a e do Governo, com dois documentos, a saber:
A declaração ministerial, discurso por S. Ex.a proferido nesta casa do Parlamento quando da interpelação feita ao Ministro das Finanças de entiio, e o discurso proferido pelo Sr. Brito Camacho feito seguichi mente à constituição do Partido Liberal, tendo apresentado então várias considerações tendentes todas a mostrar que os actos de S. Ex.a estavam sempre em manifesta discordância com as suas afirmações da véspera.
Disse então V, Ex.a que o Partido Republicano Liberal, ao tomar as responsa-bilidades do Governo, não se esqueceria daqueles elementos que S. E>:.a reputava necessários para fazer uma ob :a profícua; porém, nada disso se deu durante os meses que S. Ex.a se conservou no Poder.
Precisa este Governo, precisa qualquer Governo, para poder viver, d i reconquistar aquela confiança que o Pa s já perdeu nos Governos, e que teve ap( nas um parêntesis quando S. Ex.a foi Governo. Oh! Sr. Presidente, é preciso ter vivido a dentro do âmbito restrito do Terreiro do Paço para se poder fazer esta afirmativa!
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blicano Liberal primasse por colocar nele as suas primeiras figuras, aquelas que estavam, à altura da gravidade do momento, nós vimos perfeitamente o contrário. Nós vimos que esse Partido pela sua própria acção se revelou absolutamente impotente e incompetente para assumir os destinos da governação.
Falou o Sr. António Granjo em especulações possivelmente feitas pelo Banco Português do Brasil, parte contratante, no contrato relativo à Agência Financial, pelas possíveis especulações feitas, não só por outros Bancos, mas ainda pelo pró-o prio agente financeiro.
S. Èx.a, que foi Ministro das Finanças interino, e que teve no seu Governo um Ministro das Finanças do seu Partido, tinha por obrigação, sabendo as especulações qu-> ¥€> praticaram à sombra do contrato de 31 de Maio de 1919, não só de pôr cobro a elas, como de chamar à responsabilidade aqueles que, deturpando a lei. tivessem prevaricado.
Sr. Presidente: não me consta que o Sr. António Granjo, que foi Ministro das Finanças, interinamente, e o Sr. Inoeêncio Camacho, que geriu como efectivo essa pasta, tivessem procurado encontrar essas possíveis especulações da Agência Financial do Rio de Janeiro.
Deu-se, ou pretendeu dar-se, foros de importância a essas possíveis especulações.
Se não se chegou ao ponto de as considerar como coeficiente único da desvalorização de nosso dinheiro, quási que o atingiram. Contudo, Sr. Presidente, não pôs ainda em foco, perante a Câmara e perante o País, o valor que teve a vida do Consórcio Bancário, em correlação íntima com Conselho Eegulador do Comércio Geral e Câmbios, para se ver até que ponto a acção anárquica, a acção desorientada, a acção por vezes ilegal destas duas instituições influíram na divisa cambial..
Ó Sr. Inoeêncio Camacho, que presidiu desde o início até final à comissão executiva regulurizadora do comércio geral e câmbios, tinha por obrigação, quando Ministro das Finanças, de providenciar no sentido de pôr termo a todos os abusos que pudessem, dar-se e que se deram, constituindo a sua prática talvez o maior coeficiente da depreciação da nossa moeda. Nada fez. porém, nesse sentido.
Disso não tem responsabilidade nem o meu Partido, nem o Sr. Ministro das Finanças, Cunha Leal.
Mas hoje assacam ao Sr. Ministro das Finanças todas as responsabilidades!
Mas pode S. Ex.a muito bem com todas elas!
Sr. Presidente: atendendo a que a hora vai adiantada, atendendo ainda a que o debate vai já demasiadamente longo, eu vou terminar, e vou terminar como o Sr. António Graujo terminou.
S. Ex.a, ao falar dos actos do seu Governo, abusava da cacofonia «por razões».
S. Ex.a, que não encontrou na argumentação fulminante do Sr. Ministro das Finanças qualquer ponto vulnerável em que pudesse tocar, amachucando o Ministro, que foi rebuscar uma frase vinda num jornal, para tirar dela a conclusão de que o Sr. Ministro das Finanças não era um homem de fé.
Ora, Sr. Presidente, não há em toda a vida do Sr. Ministro das Finanças um único acto pelo qual possa ter mostrado falta de fé nos destinos da República e nos destinos da Pátria.
O Partido a que S. Ex.a pertence tem sempre demonstrado que todos os homens que o constituem se encontram animados na mais ardente fé nos destinos da República e da Pátria!
Essa fé a tem proclamado o meu Partido por toda a parte em que tem tido ensejo de se fazer ouvir.
.Não era, pois, legítimo ao Sr. António Granjo tirar a conclusão que tirou.
Mas, Sr. Presidente, trata-se de fé de mais ou fé de menos.
Talvez que o Sr. António Granjo tivesse a posição de fé de mais.
Em última análise, o Sr. António Granjo que, dizia S. Ex.a, procurava afastar aquelas condições que podiam ser os factores perturbadores'da questão principal, não fez mais do que atirar sobre a questão principal punhados de areia. Tenho- a impressão de que varri esses punhados de areia.
A questão está, pois, nos seus primitivos termos, nos termos em que a pôs o Sr. Ministro das Finanças.
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Agência Financial. Homens como o Sr. Ferreira da Rocha, classificaram de bera patriótico esse acto.
S. Ex.% que foi membro da comissão de finanças, até o dia em que se denunciou o contrato, nunca deu mostras de que a sua donunciação era necessária aos interesses nacionais.
^Qual o objectivo, pois, do Sr. António Granj o o do seu partido neste debate?
Deve ser aquele a que visa o Sr. Ministro das Finanças, e então está certo.
Faça-se o inquérito e suspenda-se o concurso.
Mas só o Sr. António Granjo e o seu partido têm outro objectivo oculto, para que todos nós o saibamos, que o di^a. Se são fins políticos, e se S. Ex.a quis que do seu discurso ficasse o ódio ao Sr. Ministro das Finanças, então que o País o saiba para responsabilidade do Sr. António Granjo, nesta hora grave em que se esquece da gravidade da situação para só querer derrubar o Sr. Ministro das Finanças.
Pode S. Ex.a ser derrubado, mas fica o seu valor.
Outros ministros que ali têm estado têm também sido derrubados, mas deles fica zero, porque zero são.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas^
Os apartes intercalados no discurso não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Presidente: — Tenho de fazer à Câmara a seguinte comunicação, relativa a algumas comissões:
De legislação civil:
Substituir o Sr. António Granjo pelo Sr. Raul Portela. Para a Secretaria.
De guerra:
O Sr. Viriato Gomes da Fonseca para substituir o Sr. António Granjo, Para a Secretaria,
Constituição da comissão de legislação civil e comercial: Presidente, Sr. Barbosa de Magalhães. Secretário, Sr. Pedro Pit£,. Para a Secretaria.
De previdência social:
Os Srs. Alexandre Barbedo, Álvaro Guedes, A. Costa Ferreira, Domingos Cruz, Martins Morgado, Hermano Medeiros, João Ricardo, João Orneias e Manuel Fragoso.
Para a Secretaria.
De revisão de contas: Os Srs. João Luís Ricardo, Joaquim Brandão e Nunes Loureiro. Para a Secretaria.
De recrutamento :
Os Srs. Santos Graça, Rebelo Arruda, Domingos Cruz, Martins Morgado, Pereira Bastos, Camarate Campos, Rodrigues Braga, Viriato da Fonseca e Afonso •Macedo.
Para a Secretaria.
De pescarias:
Os Srs. Sampaio Maia, António Mantas, Santos Graça, João E. Águas, Joaquim Brandão, Manuel Alegre e Estêvão Pimentel.
Para a Secretaria.
De saúde e assistência pública: Os Srs. A. Costa Ferreira, A. Pires de Carvalho, C. Maldonado dei Freitas, F. de Sousa Dias, Hermano cê Medeiros, João Damas, João L. Ricardo e J. Rodrigues Braga.
Para a Secretaria.
De petições:
Tavares Ferreira, Evaris;o de Carvalho, Francisco Cruz, Jacinto Freitas, Tavares Carvalho, Manuel Fragoso, Marcos Cirilo Leitão, Orlando Marcai e Marques de Azevedo.
Para a Secretaria.
Dos estrangeiros:
Vitorino Guimarães, Eduardo de Sousa, Fernandes Costa, Henr que Vasconcelos, João Pereira Bastos, Barbosa Magalhães, Lúcio Pinheiro dos Santos, Sampaio Maia e Vasco Vasconcelos,
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Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: o ano passado foi posto pela Câmara o problema da escola de recrutas, e este ano entendeu a Câmara que o assunto merecia maior atenção.
Foi apresentado um projecto que veio à, discussão e esteve já na ordem do dia para esse fim antes das férias.
Quando tornou a abrir a Câmara, manifestei a minha admiração pelo facto de esse projecto não continuar na ordem do dia, e V. Ex.a, Sr. Presidente, com a conhecida amabilidade, pediu desculpa, dizendo que por engano esse projecto não tinha sido dado para ordem do dia, entrando finalmente em discussão.
Lastimei que o Sr. Ministro da Guerra não tivesse comparecido à respectiva sessão, tendo tomado a liberdade de tomar resoluções sobre as escolas de recrutas.
E fácil de mostrar que as suas resoluções são atentatórias da lei, e basta citar o artigo 378.° do organismo do exército e outros.
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Guerra possa comparecer na Câmara para dar as explicações necessárias sobre este assunto.
Tonho dito.
Apartes.
O Sr. Presidente: — Foi comunicado ao Sr. Ministro da Guerra que o projecto a que V. Ex.a se acaba de referir estava em ordem de discussão.
S. Ex.a participou-me que nestes três dias não poderia vir à Câmara.
Vou mandar fazer nova comunicação de que o projecto está na ordem do dia para se discutir e naturalmente S. Ex.a virá à Câmara.
O Sr. Afonso de Macedo:—Pedi a palavra para pedir ao Sr. Ministro das Finanças para transmitir ao seu colega da pasta dos Estrangeiros o desejo que eu tenho em ser esclarecido sobre o destino que íoi dado ao arroz adquirido em Espanha.
O orador não reviu,
O Sr. Eduardo de Sousa: — Peço ao Sr. Ministro das Finanças o favor de, mais uma vez, transmitir ao seu colega
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do Fomento o desejo que tenho de que S. Ex.a compareça numa das próximas sessões, a fim de tratar daquele caso de que eu me ocupei há dias nesta Câmara, e que \T. Ex.a ficou de transmitir ao referido Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sobre o caso do arroz eu transmitirei ao meu colega da pasta dos Estrangeiros as considerações do Sr. Afonso de Macedo, bem como o desejo manifestado pelo Sr. Eduardo de Sousa.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira, 24, com a ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, autorizando o Poder Executivo a publicar novamente a lei n.° 1:028, de 20 de Agosto de 1920, com alterações.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de obras públicas.
Renovação de iniciativa
Do projecto de lei n.° 693-B, relativo à criação de um julgado de paz em Re-, bordelo, feita pelo Sr. Ferreira Dinis.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de legislação civil e comercial.
•Requerimento
Requeiro que, pelos Ministérios abaixo indicados, me seja fornecido um exemplar das obras seguintes:
Ministério da Justiça: Boletins oficiais.
Ministério da Guerra:
História orgânica do exército português.
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Diário da Câmara dos Deputados
Legisla'ion contre l s insectes. Relatório da Missão das Colonizações. Plantas du borracha. Cartas de Angola e Moçambique. Atlas colonial. Relatório de António Enes. Sul fie Angola. Manual, por Leão Pimentel. Portugal colonial e colónias portuguesas.
Colonização de Angola. Etu.de de herbaces de Angola.
Maladies de cocayer à S. Thomé. Criação de ordens em Uu\la. Relatórios e informações. La Gninée Portugaise. Populações indígenas de Angola.
Ministério da Instrução: Regulamento oficial de educação física. Sala. das tíossõos, 19 d