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REPUBLICA ^Sf PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

IsT. 36

EM 10 E II DE MARÇO DE 1921

Presidência do Ex,mo Sr. Abílio Correia da Sil?a Marcai

Baltasar de Almeida Teixeira

Secretários os Ex,mos Srs,

António Marques das Neves Mantas

PRIMEIRA PARTE

Sumário.— A sessão abre com a presença de *29 Srs. Deputados. Lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Alves dos Santos manda para a Mesa um projecto de lei e uma nota dt interpelação.

O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso) manda para a Mesa uma proposta de lei.

O Sr. João Gonçalves ocupa-se da sua acção quande Ministro da Agricultura.

Ordem do dia.— É aprovada a acta.

Prossegue o debate político, por motivo da apresentação do novo Ministério, usando da palavra os Srs. Ladislau Batalha, Eduardo de tiousa, Manuel Fragoso (para requerer a prorrogação da ses-sãoj, Dias da Silva, Nuno Simões, Costa Júnior, e Plínio Silva. -

A sessão é .interrompida para continuar às SI horas.

SEGUNDA PARTE

Reaberta a sessão, o Sr. Plínio Silva, conclui o sen discurso. a%z Segue-se no uso da palavra o Sr. Nuno Simões.

O Sr. -Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira) refere-se a falsas acusações feitas por dois jornais ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Usa da palavra para explicações o Sr. Plínio Silva.

\ i Segue-se no uso da palavra o Sr. António Mantas, e, em seguida o Sr. Presidente anuncia que vai interromper a sessão, a qual continuará no dia seguinte, às 15 horas.

TERCEIRA PARTE

As iô horas e 53 minutos do dia 11 é reaberta a sessão e continua o debate político sobre a orga-do Ministério.

Usa da palavra, tratando da questão das reparações, o Sr. Victorino Guimarães, depois de se trocarem explicações com o Sr. Presidente do Ministério (Bernardino Machado), pelo facto de se não encontrar presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Leite Pereira), que mais tarde entra na sala e responde ao orador. O Sr. António Granjo trata do mesmo incidente, e sobre ele dá explicações o Sr. Nuno Simões, felicitando-se pelas afirmações por parte do Sr. Ministro. " ' •

O Sr. Victorino Guimarães volta a usar da palavra, acentuando as razões por que levantou o incidente.

O Sr. Presidente do Ministério responde aos diversos oradores, depois do que se encerrou o debate político, encerrando-se a sessão, e sendo marcada a imediata para o dia 14.

Abertura da sessão às 15 horas e ô minutos.

Presentes 76 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Correia da Silva Marcai. . Acácio António Camacho Lopes Cardoso.

Afonso de Macedo.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Pereira Guedes.

Álvaro'Xavier de Castro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Albino Marques de Azevedo.

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Diário da Câmara dos Deputados

António Dias.

António Francisco Pereira.

António Joaquim Granjo.

António José Pereira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Maria da Silva.

António Marques das Neves Mantas.

António Pais Kovisco.

António de Paiva Gomes.

António dos Santos Graça.

Artur Alberto Uamacho Lopee Cardoso.

Augusto Dias da Silva.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Rebelo Arruda.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.

Constâncio Arnaldo de Carvalho.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Cruz.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco José Pereira.

Francisco Manual Couceiro da Costa.

Francisco de Sousa Dias.

Jaime de Andrade Vilares.

Jaime da Cunha Coelho.

Jaime Daniel Leote do Rogo.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João Gonçalves.

João de Orneias da Silva.

João Pereira Bastos.

Joaquim Aires Lopes de Carvalho.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Domingues dos Santos.

José Garcia da Costa.

José Gomer de Sousa Varela.

José Gregório de Almeida.

José Maria de Campos Melo.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Monteiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

Júlio Augusto da Cruz.

Júlio Gomes dos Santos Júnior.

Júlio do Patrocínio Martins.

Ladislau Estêvão da Silva Batalha.

Liberato Dam ião Ribeiro Pinto.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.

Manuel Alegre.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva.

Mariano Martins.

Nuno Simões.

Pedro Gois Pita.

Pedro Januário do Vale Sá, Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão. , Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão: •

Afonso de Melo Pinto Velos o.

Alberto Carneiro Alves da Cru/.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Américo Olavo Correia do Azevedo.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Carlos Ribeiro da Silva.

António Joaquim Ferreira Fonseca.

Augusto Pereira Nobre.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Domingos Leite Pereira.

Francisco Alberto da Costa Cabral?

Francisco da Cunha Rego Chaves

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Helder Armando dos Santo» Ribeiro.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

Hermano José de Medeiros.

Jacinto de Freitas.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

José António da Costa Júnior.

José Maria de Vilhena Barbosa de Magalhães.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Raul Leio Portela.

Rodrigo Pimenta Massapina..

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Afonso Augusto da Costa.

Alberto Álvaro Dias Pereira.

Albino Pinto-da Fonseca.

Albino Vieira da Rocha.

Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.

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Sessão de 10 e 11 de Março de 1921

António Albino de Carvalho Mourão. António Augusto Tavares Ferreira. António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António da Costa Ferreira.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira..

António Maria Pereira Júnior.

António Pires de Carvalho.

Augusto Pires do Vale.

Custódio Maldonado de Freitas.

Diogo Pacheco de Amorim.

Estêvão da Cunha Pinicntel.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cotrim da Silva Garcès.

Francisco da Cruz.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José Fernandes Costa..

Francisco Josó Martins Morgado.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

Inocêncio Joaquim Camacho Ro,dri-gues.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Qamoesas.

João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João, Ribeiro Gomes.

João Salema.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Xavier Camarate Campos.

Joaquim Brandão.

Joaquim Josó de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

José Barbosa.

José Rodrigues Braga.

Júlio César de Andrade Freire.

Leonardo José Coimbra. . Lino Pinto Gonçalves Marinha.

Luís de Orneias Nóbrega Quintal.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel José Fernandes Costa.

Manuel José da Silva. * Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Mem Tinoco Verdial.

Miguel Augusto Alves Ferreira."

Orlando Alberto Marcai.

Tomás de Sousa Rosa.

Vasco Guedes de Vasconcelos.

Vergílio da Conceição Costa.

Vitorino Henriques Godinho.

Xavier da Silva.

PRIMEIRA RARTE

Pelas 14 horas • e ô minutos, estando presentes 29 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte:

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando a proposta de lei que autoriza a junta de freguesia de S. Martinho da Cortiça, concelho de Ar-ganil, a vender um baldio.

Do Senado, enviando a proposta de lei que ,aumenta o quadro dos guardas-mari-nha maquinistas condutores da armada.

Da Câmara Municipal e Juntas de Freguesia de Tarouca, agradecendo a conservação dos quadros de S. João e de Salzedas.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Justiça, enviando um documento sobre a lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Sr. Luís de Mesquita Carvalho, justificando as suas últimas faltas às sessões.

Para a acta.

Do Ministério da Guerra, pedindo a devolução dum processo respeitante ao capitão José Trindade Leitão Júnior.

Devolva-se o processo.

Projectos de lei

Dos Srs. F. de Sousa Dias e Sousa Varela, criando uma assemblea eleitoral no lugar de Amêndoa, concelho de Mação.

Dos Srs. José Sousa Varela, Francisco J. Pereira e F. Sousa Dias, cedendo à Junta Geral do Distrito de Santarém todo o edifício mandado construir pela que foi extinta em 1892.

Publicado no «Diário do Governo», volte para ser submetido a admissão.

Do Sr. Alberto Jordão, suspendendo os concursos para aspirantes do quadro privativo do Ministério da Agricultura.

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Diário da Câmara dos Deputados

Pareceres

Da comissão de marinha sobre o projecto de lei n.° 649-H.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de marinha, sobre o projecto de lei n.° 649-1.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de guerra, sobre o projecto de lei n.° 637-G.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de guerra, sobre o projecto de lei n.° 635-L

Pára a comissão de finanças.

Da comissão de guerra, gôbre o projecto de lei n.° 637-£.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de finanças, sobre o projecto de lei n.° 498-E. Imprima-se.

Da comissão de finanças, sobre o projecto de lei n.° 622-A. Imprima-se.

Da comissão de finanças, sobre o projecto n.° 599-N. Impritna-se.

Da comissão de finanças, sobre o projecto n.° 635-J. Imprima-se.

Da" comissão de agricultura, sobre 6 projecto de lei n.° (366-H.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da comissão de guerra, sobre o projecto de lei n.° 666-B.

Para a comissão de colónias.

Da comissão de finanças, sobre o projecto n.° 63Õ-K.

Imprima-se com o declaração supra.

Da comissão de finanças, sobre o projecto de lei n.° 74-B.

Aguarda marcação para ordem do dia.

Da comissão de finanças, sobre o projecto n.° 649-A. Imprima-se.

Da comissão de guerra, sobre o projecto de lei n.° 534.

Aguarda marcação para ordem do dia.

Da comissão de marinha, sobre o projecto de lei n.° 649-H.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de legislação civil e comercial, sobre o projecto de lei n.°669-A.

Para a comissão de administração pública.

Antes da ordem do dia

O Sr. Alves dos Santos: — Tenho a honra de enviar para a Mesa uma "nota de interpelação e um projecto de lei. Poucas palavras pronunciarei para justificar esta dupla iniciativa.

A nota de interpelação é tendente a provocar, da parte do Governo, a declaração do que pousa a respeite* de política pedagógica.

O Governo, na sua declarajão ministerial, apresenta apenas um programa geral em que cabe tudo.

Ora, isto é muito e não é nada, porque, do semelhantes expressões, não se fica sabendo qual é o critério do Governo em matéria de educação.

O nosso ensino era mau em 1914; hoje é péssimo. Temos necessidade absoluta de encarar, de frente, o nosso problema do ensino.

No Ministério da Instrução está um homem inteligente e com faculdades de trabalho, que certamente substituirão a falta de preparação para a gerência da pasta. Mas isso não basta. Importa que o Governo defina claramente o seu pensamento sobre àquele problema.

Se o não quis fazer, porque entendeu que a questão não é oportuna ou por carência de ideas, então precisa o Parlamento de se lhe substituir, assumindo a responsabilidade de dizer ao País aquilo que importa dizer, para seu esclarecimento, em assunto de tanta rconta.

Sabe a Câmara dos Deputados que, para vergonha de todos nós, toda a nossa legislação sobre instrução é ditatorial, desde o ensino primário até a constituição universitária.

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Sessão de 10 e 11 de Março de 1921

O Sr. Domingos Cruz (interrompendo}:— Tanto não tem, que ainda há pou-coo dias, com o Parlamento aberto, foram publicados dois decretos que são duas autênticas leis.

O Orador:—Deu-se, não há dúvida, esse caso. Porém, é preciso afirmar a-nossa competência; e, por isso, convido o Parlamento a discutir o projecto que mando para a Mesa, e o Governo a colaborar connosco nesta obra de ressurgimento nacional.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso) : — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta regulando a forma da aplicação dos salários dos presos que trabalham. Vem ela instruída com os respectivos documentos, bem como com o parecer do Conselho Penal e Prisional, pedindo a V. Ex.a se digne consultar a Câmara sobre se concede a urgência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João Gonçalves: — Sr. Presidente: peço à Câmara uns momentos de atenção, por isso que me vou ocupar dum assunto que interessa o prestígio de nós todos, tanto aqueles que foram elevados aos mais altos lugares dentro do Governo, como o próprio Parlamento. Nestes esclarecimentos que vou dar, desejo chamar a atenção dalguns Srs. -parlamentares, entre eles os Srs. António Grajo, Mesquita Carvalho e do Presidente do Ministério, Sr. Liberato Pinto.

Devo dizer a V. Ex.as que me tenho mantido na mais absoluta reserva que aos homens públicos se impõe, porque entendo que, como Ministro que. fui, não devia explicações senão ao Parlamento. Lá fora chamei sobre mim todas as responsabili-dades que me pudessem caber por resoluções tomadas em Conselho de Ministros.

Entendo, Sr. Presidente, que mal vaia Kepública, relatando-se cá fora, a.propósito de qualquer incidente, o que se passa em Conselho. Mantive sempre a solidariedade com os meus colegas e não me arrependo de o ter feito, e se hoje vou elucidar a Câmara ó porque não há prejuízo nenhum para os interesses do Esttfdo; se o pudesse haver, continuaria a supor-' tar essa má vontade.

Quando entrei para o Ministério encontrei vários contratos sobre aquisição! de trigos. Foi desde o início desejo do Conselho não aceitar nenhum deles, por virtude das dificuldade» em que se encontrava o Tesouro, e resolveu-se que um, o do London Brazilian Bank, não fosse efectivado, apesar de eu ter mantido o critério de que deviam ser cumpridos esses contratos.

Alegavam as dificuldades do Tesouro, e eu alegava a conveniência de os cumprir quanto possível, procurando todas as plataformas para evitar o nosso descrédito.

0 Noutro Conselho de Ministros, acentuou-se nãofsó manter a não efectivação dos contratos, mas não aceitar todos os carregamentos que viessem em viagem. Começaram, portanto, a surgir as reclamações junto de mim,, os aborrecimentos e as contrariedades.

Em novo Conselho de Ministros e já com muitafrelutância, porque me parecia que alguns dos meus colegas estavam contrariados com a minha insistência, mas eu entendia que ainda devia insistir, tratei do caso novamente; — e ainda bem que veio esta campanhampara eu poder provar àqueles|que agora me atacam que era o único que nos Conselhos de Ministros os defendia. Mas no Conselho, o Sr. Presidente do Ministério em discussão comigo e com o Sr. Ministro das Finanças, inquiriu das necessidades que eu tinha para o consumo público, e elucidei-o a tal respeito, ficando combinado que seriam satisfeitos os meus desejos quanto^a essas necessidades.

Aqui, todavia, começaram a surgir as dificuldades, e ainda ben\que não cheguei a comprar nenhum carregamento, porque agora com certeza apareceria alguém a dizer que eu estava pago pelos donos desse carregamento. Neste país, realmente, quem se mete a zelar os interesses do Estado, é sempre atacado violentamente!

1 E é de sentir que a Imprensa, que devia ter uma cautela extrema com a aceitação de insultos sobre alguém,, os receba com tam pouco cuidado! (Apoiados). De res-

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Diário da Câmara dot Deputados

lavras do Sr. António Granjo proferidas no Parlamento, e, cousa curiosa, essa criatura foi absolvida pelos tribunais!.. .

Como dizia, porém, novas contrariedades surgiram sobre mim, porque vinha dum lado a Sociedade Portuguesa Importadora, e do outro a casa inglesa e ainda outras pessoas que tinham carregamentos, e não me largavam para lhes dar uma resolução. E tam aborrecido andava que, encontrando o Sr. Mesquita Carvalho, lhe declarei que tencionava abandonar o Poder. S. Ex.a respondeu-me que isso não podia ser, e então contei-lhe a história. Resolvemos, depois, procurar o Sr. Presidente do Ministério e com S. Ex.S achámos uma fórmula para resolver o assunto.

Quisemo-la trazer para o Parlamento, mas este estava fechado, e então levou-se o caso para a Procuradoria Geral da República.

Devo salientar que foi também consultado o Conselho Superior de Finanças.

Tendo a Procuradoria dado parecer favorável para a aceitação dos contratos, começaram novamente a aparecer os interessados no meu Gabinete, e eu a conversar com eles, mas. sem chegar a nenhuma conclusão; conversava, apenas, sobre a forma de melhorar e prolongar o pagamento.

Estas cousas foram-se prolongando até que houve uma reunião dos leaders parlamentares, à saída da qual o Sr. Presidente do Ministério disse para o Sr.,Cunha Leal:—você anda a quebrar lanças pelos contratos e o.António Granjo disse-me que se os interesses do Estado exigissem que se não cumprissem os contratos, ele não hesitaria em os não cumprir, tanto mais que os não achava perfeitos. Sabedor desta conversa, pedi ao Sr. Presidente do Ministério que me mandasse um ofício com as declarações do Sr. António Granjo, pois desde que ele assim falava eu não queria ser mais pa-pista que o papa. Veio esse ofício, e eu disse aos delegados das casas fornecedoras, quando insistiram comigo sobre a compra dos carregamentos, que estava tolhido para dar uma resposta, pois que estava á espera duma reunião do Ministério, em que se iria ventilar a crise, e eu não queria tomar a responsabilidade duma resolução nessas condições.

O Sr. Liberato Pinto: —V. Ex.a dá-me

licença ? "'

O Conselho de Ministros, mesmo, tinha resolvido, claramente, que sendo os contratos para o trigo a seiscentos e tal xelins, e sendo o preço do rne>rcado o de quatrocentos, o Conselho dei Ministros não tomava a responsabilidade de manter esses contratos.

O Orador: -r- O meu argumento era este : os contratos estavam feito» como dantes se faziam. Era sempre o mesmo processo.

Ou por esta forma ou por outra qualquer, a verdade era que, em Conselho'de Ministros, o único que lesava os seus interesses era eu.

Agora temos uma parte interessante. Isto parece uma fita de animatógrafo em várias jornadas.

Enviei diversas reclamações dos interessados para a Direcção Gersl da Fazenda Pública, acompanhadas de um ofício.

Chamei o Sr. Bento Mantua ao meu Gabinete, que me disse quais os créditos que tinham sido abertos.

O Sr. Liberato Pinto: — Para tratar desse, assunto, retini no meu Gabinete o Ministro da Agricultura e o Director Geral, a fim de ouvirem os reclamantes.

O Orador:.—V. Ex.as vão ver este final de acto que é realmente muito curioso.

Em 6 de Janeiro recebi da comissão importadora de trigos, cujo presidente ó o Director Geral do Comércio Agrícola, um ofício que me indignou.

Não podia compreender que* o presidente da comissão me enviasse tal ofício, quando ele próprio tinha conhecimento dos créditos abertos, os quais, bem ou mal, foram feitos por intermédio dele.

O que parece, Sr. Presidente, é que havia o desejo de envolver o Ministro da Agricultura no assunto, isto é atribuir-lhe responsabilidade desses créditos abertos a favor de carregamentos mais caros contra carregamentos mais baratos.

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Sessão de 10 e 11 de Março de Í921

nando esse ofício pôr estranhar que a comissão de que faz parte o Director do Comércio Agrícola não tivesse conhecimento dos mesmos factos.

Entendi, Sr. Presidente, que se devia proceder a um inquérito, e como tal tratei de arranjar um magistrado para inquirir dos factos aludidos. (Apoiados).

O meu desejo, foi livrar a minha, responsabilidade e assim, como já estava demissionário, tratei de lançar o meu despacho, qual foi o do inquérito ser submetido à apreciação do meu substituto.

Não sei qual o resultado desse inquérito, nem quero saber í porém, o meu desejo, repito, foi livrar-me da responsabilidade de factos a que fui alheio.

O que lastimo é que o Director Geral do- Comércio Agrícola tivesse assinado o ofício a que me referi. Eis, Sr. Presidente, o escândalo que se tem vindo fazendo sobre a abertura de créditos para pagamento de carregamentos de trigos uiais caros, contra carregamentos mais baratos.

O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem_ do dia. V. Ex.a tem ainda cinco minutos para concluir as suas considerações.

Vozes: — Fale, fale.

O Orador: — Nesse caso, peço a V. Ex.a para ficar com a palavra reservada.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando forem devolvidas as notas taquigráficas.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:—Está em discussão a acta. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguém se inscreve, considera-se aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 678.

Durante a leitura entrou na sala o Mi~ . nistério.

O Sr. Presidente: — Como já está presente o Governo, vai continuar o debate político.

. Lê-se uma nota de interpelação que tem o devido destino. É a seguinte:

Nota de interpelação

«Nos termos do Kegimento anuncio ao Sr. Ministro da Instrução uma interpelação sobre o estado geral do ensino público, no País; e, determinadamente, sobre os seguintes assuntos da sua pasta:

1) Lei 861, que restringiu a autonomia das Universidades. ^Qual ó a atitude do Governo em relação a essa lei; e o que pensa acerca dos actos que, à sombra dela, têm sido praticados ?>

2)

3) Em matéria de ensino primário geral ; de ensino infantil; primário superior; e normal primário, apreciação do critério pedagógico do Governo.

£ Mantém ou não o Governo a legislação de 1919, ^m relação a estas categorias de ensino?

4) Ideas concretas do Governo sobre a reorganização do ensino.

l O que tenciona o Governo fazer para actualizar a escola, pondo-a em estado de satisfazer as necessidades criadas pela Grande Guerra?»

Em 10 de Março de 1921. —O Deputado, Augusto J. Alves dos Santos.

O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Ladislau Batalha; í

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da Gâln&ra dos

Mas o certo é que, para uma obra destas, o déficit que se apresentava pavoroso, quando a monarquia caiu, porque era de cerca de 3:000 contos, apesar de todos os Ministros que se sucederam na pasta das Finanças clamarem que se devia tratar do equilíbrio orçamental, decorrido todo este tempo, a despeito de todos esses esforços, esse déficit subiu a 26:000 contos. E como poderia ser de outro modo?

Há números que são deveras ridículos, mas, como é também pelo ridículo que se castigam os maus costumes a que chegámos, feito o cálculo em conformidade com uma repartição do tempo pelo número dos Ministros que se tem revesado no Poder, encontramos 0,37 de Ministro por cada mês.

Ora aqui está a razão da ineficácia de tudo quanto se faça e porque é inútil tudo quanto se empreender. Torna-se indispensável, portanto, a neutralização do Ministério das Finanças.

O Ministério das Finanças não pode por forma alguma estar sujeito a caprichos da política tumultosa em que se vai avançando.

Emquanto cada Ministro, ao chegar ao Poder, se limitar a destruir o que o Ministro anterior fez, será de cada vez maior a crise.

Vejo com estranheza um fenómeno que não compreendo, para não dizer que compreendo perfeitamente.

Estávamos em 17 de Novembro. Subiu ao Poder um Ministério presidido pelo Sr. Álvaro de Castro, que foi recebido festivamente, j Sete dias depois caía dentro desta casa! Por consequência não merecia a confiança do Parlamento, embora nada tivesse feito para merecer a sua desconfiança.

Todos estamos concordes em considerar o Sr. Álvaro de Castro uma alta capacidade, uma figura de grande relevo. (Apoiados).

Caiu, pois, esse Ministério e quatro dias depois era nomeado, por assim dizer, um Ministério com os mesmos homens do Governo anterior.

Estamos de acordo que os Ministros do Gabinete do Sr. Álvaro de Castro eram figuras do maior realce, dentro da Kepú-blica, mas esses mesmos homens, esse' mesmo Ministério que havia caído no Con-'

gresso, passaram imediatamente a merecer confiança e por uma razão muito simples: o Sr. Álvaro de Castro já não era Presidente do Ministério, a presidência havia passado para o Sr. Liberato Pinto.

De maneira que os mesmos homens que na véspera não mereciam confiança, passaram imediatamente a merecê-la por essa circunstância. Por conseguinte pode--se ponderar nesta altura como o personagem do Hamlet: To be, or not to be...

Derrubado o Ministério da presidência do Sr. Liberato Pinto, veio ao Poder o Ministério do Sr. Bernardino Machado e-o Sr. Álvaro de Castro, que no Ministério anterior não merecia confiança, tornou a ser nomeado Ministro, porque então já merecia... confiança l

Portanto conclui-se disto que o Sr. Álvaro de Castro é em política considerado uma figura de realce, conforme as circunstâncias caprichosas da política, ora merecendo, ora não merecendo a confiança do Parlamento. (Apoiados).

Note-se que pessoalmente sou de opi-' nião que o Sr. Álvaro de Castro é sempre uma figura de relevo da República.

Pelo que -respeita a finanças, temos outra cousa, também muito curiosa.

No Ministério do Sr. Liberato Pinto apresentou-se ao Parlamento o Sr. Cunha Leal com as suas propostas d'9 finanças, que, se não foram recebidas carinhosamente, também o não foram na, ponta das espadas, como sói dizer-se. Essas propostas de finanças referiam-se principalmente à transmissão de direitos por título oneroso e gratuito e à contribuição industrial e predial.

Como Y. Ex.as devem recordar-se, levantou-se aqui o Carmo e a Trindade, caiu o sacristão e o altar-mór, como se diz no Minho, a propósito dessas propostas.

Levantaram-se as forças vivas da nação, houve uma celeuma enorme, barafustava-se que tais propostas eram a liquidação social que tudo subvertia, e o Sr. Cunha Leal caiu, farto de dissabores e de atritos. S. Ex.a deixou o Ministério, justamente por causa das suas propostas.

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Sessão de^lO e 11 de^Março de 1921

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) (interrompendo): — O Governo adopta essas propostas, mas, coerente com as suas declarações aqui feitas, adopta-as com as emendas que há-de propor durante a discussão.

- O Orador: — Evidentemente. Era o mesmo que acontecia quando o Sr. Cunha Leal apresentou as suas propostas.

Como eu ia dizendo, as chamadas forças vivas da nação revoltaram-se indignadamente contra as tais propostas de finanças que neste momento são adoptadas, com um mutismo incrível por parte dessas mesmas forças vivas que anteriormente as tinham torpedeado!

Isto é muito curioso.

£ Então as propostas eram ou não eram boas?

(i Qual é, pois, o critério das forças vivas, do comércio, da agricultura?

£ Estão a pôr a sua inteligência e saber em acção, ou fazem simplesmente uma política da corrilho ?

Eu tinha tenção de, a propósito da

• contribuição de registo, apresentar alguns algarismos edificantes.

Logo que o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro das Finanças tragam à discussão outra vez essa proposta, eu apresentarei o meu trabalho, não porque tal proposta me assuste —pois a mim, socialista, só poderá assustar-me por insuficiente— mas porque acho que precisa de modificações.

O Sr. Jorge Nunes (interrompendo): —

• V. Ex.a é um socialista capitalista.

O Orador : — Se a minha pobre propriedade pode emendar o» defeitos do regime da propriedade, eu ponho-a ao seu servi-ção; mas se é para só servir os banqueiros, de modo nenhum. ; Falei também na submissão em que o Poder Executivo está colocado perante o Legislativo e parece-me que apresentei alguns factos que demonstram a inconveniência das constantes moções de desconfiança,, resultantes de. certos conchavos partidários e mais nada. E reciprocamente parece-me também que dos votos de confiança reiterados quando- os Ministérios se apresentam outra ilação não pode

tirar-se, a não ser a de falta de bom senso.

Evidentemente que quando um Governo se apresenta ao Parlamento, este não tem elementos para confiar nem para desconfiar dele, porque ainda não teve ensejo de lhe surpreender os erros, nem ocasião de lhe apreciar actos de acerto ainda não praticados.

Portanto, a apresentação dum Governo deve ser objecto dum platonismo absoluto por parte da Câmara, e mais nada.

Este facto das moções de desconfiança obedece a uns tantos factores realmente inúteis e prejudiciais. Um deles é a multiplicidade de Ministros que ascendem a esse cargo para satisfazer a sua vaidade.

Entra-se para a política com o objectivo pessoal. Alguns entram para os Partidos porque querem ser varredores, sem que nem para isso valham, outros porque pretendem ser amanuenses, outros porgue desejam ser oficiais e outros porque querem ser ministros.

O Sr. Pais Rovisco (interrompendo): — ó E Y. Ex.a porque entrou para a política?

O Orador: — Eu entrei para a política com a esperança única de bem servir o'' meu país.

Tenho gasto a minha saúde e estou pronto a gastar a própria vida pelos meus ideais de felicidade humana. Nunca mendiguei nenhum favor para mim e por isso não receio que aqui ou lá fora contestem as minhas boas intenções.

O Sr. Pais Rovisco (interrompendo): — Há também muita gente nessas condições nos diversos partidos.

O Orador: — Mas também há muitos que se servem da política para satisfação da sua vaidade e de interesses inconfessáveis, em detrimento dos interesses do país.

Outra causa da- intensificação das crises ministeriais é a fragmentação dos partidos, o que não é fácil evitar.

Ela dá-se em Portugal e em outros países, mas entre nós é o sintoma duma grande doença nacional.

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Diário da Câmara dos Deputados

dar-se divergências internas, mas não devem nunca por tal motivo fracassar.

Desde que os partidos fracassam é porque não havia neles homogeneidade nas aspirações.

Ora nos partidos portugueses, que são os que mais importa considerar, estamos vendo a facilidade com que os indivíduos transitam de uns para os outros partidos.

Isto dá a entender que as aspirações de todos eles valem o mesmo, porque, se assim não fosse, tornar-se-iam incompatíveis uns com os outros.

Um indivíduo que tem aspirações, se sai dum partido vai para a vida particular, mas não para outro qualquer partido.

Esta fácil mudança de uns agrupamentos para outros, voltando ainda às vezes àqueles mesmos donde sairam, mostra que não são aspirações que conduzem os indivíduos, mas quaisquer'interesses. Nas sociedades modernas predomina tanto c individualismo, que chega a compreen-der-se que seja assim, embora contra toda a lógica.

Falei já na impossibilidade e inconveniência dos Ministros, quando no .Governo, estarem perante a Câmar^ como réus e não como representantes do Poder Executivo.

A este respeito ocorre me referir um íacto passado com Hintze Ribeiro.

Não me lembro neste momento a data do facto, mas seria fácil ver e talvez esteja nesta Câmara quem dele se recorde.

Tinha-se feito uma interpelação e pré-guntava-se a Hintze Ribeiro porque tinha feito certa nomeação.

Hintze Ribeiro respondeu que come Ministro não tinha de dar contas nem dizer as razões por que fizera a nomeação, e 'que só teria de dar satisfações se lhe mostrassem que tinha transgredido qualquer lei.

Foi esta a doutrina que ele estabeleceu, pela qual não chegou a ser atacado. A monarquia estava eivada dos mesmos males que já nos afligem. Nós cometemos, erros semelhantes. E o nosso mal é não emendarmos os erros da monarquia.

Os tempos mudaram, é certo, mas a interpretação que nós, socialistas, damos L essa'mudança de tempos é que é bem diversa da que lhe dará esta Câmara.

A humanidade no seu início não teve

classes. Só no tempo da velha Roma se criaram as classes capitalistas e proletárias.

Criou-se também a realeza que a breve trecho era combatida e foi por fim abatida. Paralelamente à realeza criara-se a classe aristocrática, a fidalguia. Contra esta classe combateu já nos tempos modernos a burguesia e venceu-a; a aristocracia está esmagada, a fidalguia desapareceu.

Uma parte extinguiu-se, outra parte transitou para a burguesia onde se encontra diluída.

As Jutas que vêm a repetir-se na história dos últimos tempos são exactamente as logicamente indicadas pela acção que a burguesia desenvolveu par?, se emancipar da casta aristocrática. Quando hoje se condenam certos atentado», parece te-reni-se esquecido os grandes crimes que a burguesia praticou através' dos séculos, para se emancipar.

Não nos esqueçamos também que foi uma época de terror aquela em que se desenvolveram as lutas da revolução francesa.

Foi o maior crime da burguesia prati.-cado nas sociedades para obter a sua emancipação, obra aliás incompleta, porque não se reparou que atrás* da emancipação burguesa ficava o proletariado a sofrer as iniqúidades duma nova classe emancipada.

A burguesia era insignificante em relação à grande humanidade, em relação aos 1:500 milhões de habitantes do mundo.

Começou consequentemente a levantar grande celeuma em toda a Europa. Logo surgiu na América uma corrente de indignação contra os privilégios que ainda se mantinham num século em que não podiam mais manter-se.

Aqui .começa a revolta latemte por toda a parte.

Deram-se os morticínios destinados a reprimir a revolta comunal c.e Paris.

A burguesia queria esmagar as consciências que se levantavam.

Seguiram-se os morticínios no forte de Montjuich.

Ferrer foi ainda vítima da burguesia espanhola, que quis lutar contra a almejada emancipação dos povos.,

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Tudo isto tem tido uma consequência lógica.

Contra a corrente moderna que quere manter-se não haverá força. Não poderá" existir a felicidade nas sociedades humanas emquanto se não realizar a igualdade social, emquanto o mundo se não emancipar.

Mas este esfacelamento a dentro dos partidos republicanos tem. apenas o valor de lutas em família, tal qual as lutas que se continuam dando nesta guerra de capitalistas, como foi a de 1914.

Não sei bem, permitam-me V. Ex.as que diga, qual a orientação de V. Ex.as sobre a apreciação dos factos a que estamos assistindo.

Nós, por estarmos dentro da sociedade e colaborarmos nos factos que se vão dando, não os compreendemos bem; e é por isso que coutiuuamos a compreender melhor os fenómenos astronómicos fora de nós, que propriamente o que se passa aqui no mundo. •

As perturbações da Idade Média não as compreenderam os que estavam dentro delas.

Pois dovemos-lhes o estarmos aqui a esta hora.

Todas estas revoluções sociais são o caminho para as novas organizações-do futuro. .

Se eu tivesse de sair do Partido Sócia lista, nem por isso iria para outro. Quando muito, formaria um agrupamento aparte com os partidários dos meus ideais e que quisessem acompanhar-me.

Quanto mais desgostos suporto, mais amo a igualdade; e os desgostos não tem o dom de prejudicar á essência dos meus ideais de felicidade humana.

O que tenho exposto, como Y. Ex.as vêem, constitui uma apreciação geral dos fenómenos que se passam.

Tenho uma absoluta confiança em V. Ex.a e nos homens que o acompanham, ernquanto não os vejo prevaricar. Aliás, seria antecipar apreciações injustas.

V. Ex.a assumiu o Poder numas condições difíceis, mas, enfim, V. Ex.a felizmente já tem provado pelo seu passado saber enveredar por processos adequados, para arcar com. as causas. O essencial é que o meio lho permita e V. Ex.a persista.

Entendo que V. Ex.a, fazendo o seu Governo, pode e deve neste momento,

em que tanta sede há de justiça, em que se carece de tanta ostentação de patriotismo, opor uma resistência vitoriosa contra a guerra insidiosa de inimigos da República, Y. Ex.a pode e deve, com os olhos na história, proceder em harmonia com as necessidades do momento.

Mais uma observação farei antes de terminar.

Entre- nós ó costume lamentar os homens de letras que caíram na miséria, como há pouco se fez a propósito de Gomes Leal.

Sr. Presidente do Ministério, quando foi aqui comemorada a revolução de 1820, invocámos o nome glorioso de Fernandes Tomás. Tive ocasião de lazer uma pequena indicação a propósito do assunto, lembrando que Fernandes Tomás foi grande, mas que, como sucede com todos os homens grandes, teve atrás de si outros homens, espécie de Mecenas da política, que não transitaram para a história, embora tenham sido exactamente os inspiradores dos grandes feitos.

Aconteceu isto com Fernandes Tomás.

Outro nome houve de valor —Xavier de Araújo — que foi a alma inspiradora de Fernandes Tomás.

Fez-se aqui a comemoração de 1820, mas esqueceu ô nome de Xavier de Araújo, como o do seu neto, que por aí transita ao abandono, embora só deseje trabalhar, produzir e ser útil.

O Sr. Presidente:—Peço a V. Ex.a para se cingir ao assunto em debate.

O Orador: — Eu termino .j á, Sr. Presidente, visto que me falta apenas fazer um pedido ao Sr. Presidente do Ministério, pedido idêntico àquele que eu já fizera ao Sr. Presidente do Ministério transacto e ~que consiste em dar ao neto de Xavier de Araújo um logar onde ele possa honradamente ganhar a vida. A República dignificar-se-ia tirando da miséria o neto duma figura ilustre da nossa história.

Tenho dito.

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sã; e para que não o fosse bastaria, pondo de parte quaisquer outras considerações e circunstancias, vermos encabeçando esse Ministério um antigo Presidente da República.

Nada de mais democrático, portanto, e nada quo mais dignifique uma democracia do que este simples facto encarado só em ^ si. (Apoiados). Um antigo Cheio de Estado volvendo à arena política onde tanto se acentuara, outrora, a sua alta (3 distinta individualidade, numa mais modesta situação de simples Presidente do Ministério.

É, pois, hoje S. Ex.a um simples Presidente de Ministério corno o foi qualquer dos muitos outros dos seus inúmeros antecessores, tantos que nem vale a pena contá-los neste já imemorial período de dez anos que conta a vida da República; mas, se oficialmente S. Ex.a é tanto como esses outro* foram, mesmo os mais obscuros ou os mais nocivos, podemos estar certos —e essa é, pelo menos, a minha certeza— de que, sendo S. Ex.a realmente quem é —e Alguém ó nesta sociedade portuguesa— não virá a ser realmente um Presidente de Ministério como qualquer dos outros que o precederam.

Será, sim, um Presideute de Ministério como S. Ex.a já foi, isto ó, um Presidente de ' Ministério como só o Sr. Bernar-dino Machado é capaz de sei'.

Quero com isto dizer que em todo o caso e em todas as circuntâncias S. Ex.a será, todavia, o que muito poucos — dois ou três, se tanto— dos seus antecessores foram, um Chefe de Governo,

Nesta simples frase vai expresso todo o meu pensamento o bem- vincado o abismo que de facto há entre um simples portador duiu programa ministerial e a inconfundível personalidade de um autêntico homem de Estado.

Não tem S. Ex.a de me agradecer estas palavras que são de. inteira justiça. Embora seja longa a distância quo nos separa em idade, conhecemo-nos já ambos há longos anos para que não nos tenhamos observado assazmente nas nossas respectivas psicologias, e para que S. Ex.a bem conheça e saiba que de nenhum modo sou, .como nunca fui, um louvaminheiro fútil e dúctil de quem quer que fosse, uma criatura gelatinosa e de alma desveríe-brada, mas sim um homem, que, quando

se dispõe a falar alto, alta c> claramente diz o qne pensa e entende.

Xão tom, pois, repito, S. Ex.; do me agradecer o sincero juízo que acerca da sua personalidade há pouco -:ive a honra de emitir, nem tam pouco os cumprimentos quo, em meu nome individual daqui agora lhe envio pelo facto de o ver à frente do Governo do sou País, facto que, dadas as circunstâncias nacionais e a avançada idado de S. Ex.;i, denota uma coragem rara a quo presto um sincero preito, e uma energia moral que eu passaria a admirar se de há muito não a conhecesse já. (Apoiados).

E certo, pois, íár. Presidente, que, post tot tantosque. labores, temos finalmente um Ministério com cabeça, facto este quo bem pode e deve ser uma ccusa bem diferente de um Ministério simplesmente .. -encabeçado.

E o caso do ser o Sr. Bernardino Machado a cabeça desse Ministério dá-me precisamente essa esperança, isto é, de que, não sendo esse Ministério de forma alguma constituído por gigantes, nem tam pouco por simples glgantòeít desses dos populares moldes das bem conhecidas festas saiamantinas, S. Ex.a se não prestará a fazer junto dos seus colegas a contraposta figura de ... cabecuc/c. Ou S. Kx.a não tosse o Sr. Bernardino Machado.

d, Mas o quo é o Ministéiio presidido pelo Sr. Bernardino Machado ?

Que foi a final a operação a que S. Ex.a se abalançou para aqui se apresentar no Píirlamento à frente dos Ministros que o acompanham no Governo?

S. Ex.a fez tam só isto — a recomposição do uma decomposição.

Havia um Ministério decompondo-se lastimàvelmente aos bocados, deixando hoje aqui um dos seus componentes, largando logo a seguir, acolá, outro da mesma natureza.

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Vejo, porém, o Sr. Bernardino Machado, e ao fim de muitos e variados passes da sua varinha mágica, como que ressuscitar o cadavérico e decomposto lázaro. . Recompôs essa decomposição, e aí a temos agora de novo na nossa frente, nos bancos ministeriais,, com aparências de uma vida que será tam longa ou tam breve quanto o seja a da Presidência Ministerial de is. ExA Mas para que navegue nos emparcelados e agitados mares da nossa política, necessário é que S. Ex.a não adormeça um só instante sobre o leme da governação.

De contrário logo mergulharia nas on-as como o Paliuuro da Eneida, descon-untada a barca em que se meteu. Certo ó que S. Ex.a é um piloto experimentado, do muito mar, seguro da sua rota, conhecedor dos ventos e das tempestades. Mas não poderá evitar a sorte de Palinuro, mnis tarde ou mais cedo, principalmente quando só não tenha absoluta segurança da equipagem que o meteu e leva a bordo. (Risos). E não leve S. Ex.a a mal que eu lhe'profetize, desde já, a sorte do piloto da epopeia vorgiliaua, pois tenho a certeza de que S. Èx.a, cuja principal característica política é a cordeal concordância com toda a gente, mesmo na mais formal discordância, será o primeiro a achar-me razão, porquanto se não são Palinuros, ou de Palinuro não tenham a sorte, todos os pilotos que navegam sobre as ondas dos mares que circundam a terra, Palinuros são todos aqueles, por mais dextros ou sabidos que sejam, que se metam a dirigir naus ou mesmo simples galeotas sobre as ondas ou mesmo nos estagnos dos meios parlamentares'.

Esses todos têm o mergulho certo, Sr. Presidente do Ministério, de cabeça para baixo, como na "epopeia latina, e segundo a tradução do nosso ilustre e comum amigo e eminente humanista, Sr. Coelho de Carvalho.

E questão de tempo, mas sorte inevitável de todos os pilotos políticos. Não quero isto dizer que eu anseie ou rejubile com o fatal naufrágio ministerial; mas apenas que entendo que todo o alerta ó pouco não só para os escolhos do mar, como ainda para as manobras da variegada maruja governativa que com V. Ex.a a bordo vai .. . Toda a perícia náutica de V. Ex.a talvez não seja suficiente

para conseguir o que a estradiota do Sr. Liberato Pinto não conseguiu ... (Risos).

Disse eu há pouco, Sr. Presidente, que o Sr. Bernardino Machado, apresentando--se no Parlamento com o elenco ministerial que traz, realizara a «recomposição duma composição». Já o mesmo fizera o Sr. Liberato Pinto organizando o seu Governo, ou melhor^ o Governo do Sr. Cunha Leal, com os salvados da jangada ministerial do Sr. Álvaro de Castro. Agora o Sr. Bernardino Machado apresenta-se aqui com os salvados das duas jangadas anteriores, isto é, com o Sr. Cunha Leal a menos e não sei se com. o Si\ António Maria da Silva a mais.

E certo que vejo no Ministério o meu antigo amigo e correligionário no extinto e saiídoso partido evolucionista Sr. Júlio Martins, ontem ainda chefe político do Sr. Cunha Leal, seu colega no Ministério Liberato Pinto, e creio que ainda hoje também, que o Sr. Cunha Leal não faz parte do Governo presidido pelo Sr; Bernardino Machado. Mas o Sr. Júlio MartiiiSj que no Ministério Liberato Pinto tam mal se deu com os ares marítimos, aparece-nos agora, no Ministério actual, porventura procurando refazer-se com uma espécie de «cura de repouso» nas regiões mais serenas do Ministério da Instrução j aliââ em Portugal tam pouco grato a Minerva, a deusa da sciência e das artes, Ministério sobre o qual, desde que foi nado com a República, parece pesar uma aura da insuficiência e de ridículo derivada, porventura, da fama e da tradição que, em má hora, nele deixou o seu primeiro inquilino.

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De novo, vejo ainda no Ministério actual o meu velho e querido amigo Sr. Fernando Brederode, uma das mais interessantes e vincadas personalidades da geração académica a que pertenci e que na nossa história política ficou sendo conhecida pela «geração do ultimatum» e que foi aquela que haveria mais tarde de presidir à instalação da República. Está de novo na pasta da Marinha, em cuja corporação, pelas suas distintas qualidades pessoais, deixou amais grata memória.

Talvez esteja de novo aí para protíurar acalmar os ares agitados pela passagem do seu chefe político pela mesma pasta e que tam mal lhe fizeram à fisiologia pessoal e política. Se assim for, não serei eu que por isso o censure, cônscio como estou de que, acima dos desastres ministeriais, seja qual for a sua determinante, cumpre salvaguardar o prestígio imaculado da República.. .

Vejo ainda vago nas bancadas do Go-vêrno o lugar do Ministro da Agricultura. Não quis continuar nele o Sr. João Gonçalves, que no Ministério do Sr. Li-berato Pinto representava o grupo dos parlamentares independentes, não os independentes agrupados, como erroneamente por aí se tem dito, pois que no Parlamento não há independentes agrupados, o que não quere dizer que não haja um grupo de Deputados independentes, os quais,.ao Sr. João Gonçalves, no Ministério Liberato Pinto, dispensavam o seu apoio parlamentar. Por duas vezes eles impediram que, desgostoso com as dificuldades- derivadas não só das circunstâncias administrativas, mas principalmente de certos atritos na própria vida interna, S.Ex.a saísse do Ministério, abrindo assim prematuramente uma crise intempestiva e cuja responsabilidade lhe não devia caber.

Reservada pelo Sr. Bernardino Machado, como S. Ex.a fez saber, na última étape da crise a pasta da Agricultura para algum dos independentes, estes alvitraram que nela continuasse o Sr. João Gonçalves, se-assim o entendesse, pois que tinha tanto direito a sair ou a ficar como aqueles que saíram do gabinete Liberato Pinto ou que desse ressurgiram no Gabinete actua}. Por duas vezes S.Ex.afôra sacrificado a permanecer no Gabinete Liberato Pinto. Seria cruel impor-lhe novo sacrifício, agora que se lhe abria a can-

cela da liberdade. E por ela abalou então livremente e, sem dúvida, alegremente, para longe dos cuidados que o mortificaram e para junto dos seus amigos, que tam carinhosamente de novo o acolhem'

O Sr. Bernardino Machado decerto preencherá a lacuna com alguém,, daqueles grupos representados no Ministério e que cubiçosamente espreitam o painço da gaiola. .. agrícola. (Risos). Ausim, poderá S. Ex.a, num sábio jogo aritoético, equilibrar, dentro do seu Ministério, as pretensões de qualquer grupo raenos satisfeito. S. Ex.a é um político da escola de Talleyrand, o qual dizia, e bem, que «a política se fazia com os dtidos e não a coices», e, portanto, sabe bem mexer os dedos e deixar cair por entra eles o.. . painço das pastas, precisamer te onde realmente mais lhe convenha. (Risos).

Os meus parabéns, porta.ito, ao Sr. João Gonçalves por se encoitrar agora livre finalmente dos cuidados da agricultura e, sobretudo, das subsis-:ências e seu concomitante comissário.

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aprovado as moções referidas e porque acho bem a presença do Sr. António Maria da Silva na pasta para tirar as consequências lógicas da doutrina então expendida na sua moção.

O que eu não sei é se S. Ex.a se sentirá bem ao lado daqueles ministros que ontem tanto apoiavam o Sr. Cunha Leal, nem tam pouco se estes se sentirão igualmente bem ao lado do Ministro que, mais que ninguém, ontem mais concorreu para derrubar esse já hoje lendário Ministro das Finanças. Não sei, repito;,o que sei, pois que o vejo, é que todos eles se sentem igualmente bem ao lado do Sr. Ber-nardino Machado, o ilustre presidente do Ministério. Sendo assim, como creio, ó porque realmente o Sr. Bernardino Machado é o chefe do Governo, a cabeça dirigente do Ministério, o responsável por uma política que ele imporá aos seus colaboradores de hoje, ele, que, com a sua risonha cordealidade de sempre, poderá dizer que preside a um Ministério de. .. chefes, dos quais ele é o marechal de direito e... de facto. «Todos chefes», dirá carinhosamente S. Ex.a, tal como aquele rei de. Nápoles que da janela do seu palácio proclamou inarquezes uma multidão que inesperada e festivamente o aclamava. (Risos).

E. se assim não for, se realmente o Sr. Bernardino Machado não é ou não for realmente o chefe do Governo, impondo--Ihe uma política firme, é porque o Sr. Bernardino Machado terá deixado de ser quem era, não tendo valido a pena a sua intervenção no Governo para libertar a impotente estradiota do Sr. Liberato Pinto da incontinência e desobediência dos variegados chefes e sub-chefes que encontrava pelotonados pelo Sr. Álvaro de Castro no seu fugaz Ministério e a que teve depois que presidir, mas não... comandar.

Assim, afigura-se me que entre estes dois ministérios sucessivos, -por um fenómeno de insomnia política, sendo os principais componentes qualitativos os mesmos, há apenas esta diferença. . . fundamental— o anterior era presidido pelo Sr. Liberato Pinto, o actual é comandado pelo Sr. Bernardino Machado, isto diz tudo, ou então este Ministério já não será nada nem poderá ser nada. (Risos).

Sr. Presidente: eu vou terminar, tanto

mais que sinto ter já abusado excessivamente da paciência da Câmara.

Assim, resumirei as minhas considerações, que procurei tornar tão amenas e suaves como a tradicional cordealidade do eminente chefe do Governo, dizendo que no quadro que procurei fazer da respectiva situação de S. Ex.a e dos seus acidentais colegas no Ministério dentro das suas respectivas psicologias e da circuns-tancialidade do momento político, procurei interpretar a significação do Ministério,"a qual bem poderá ser a tentativa de se inaugurar uma política malgré os políticos chamados a realiza-la. Por isso não me deterei na apreciação do programa ministerial, que deve, a meu ver, ser o programa arrancado pelo Sr. Bernardino Machado às divergências anteriores dos seus colaboradores actuais — tuti mar-cJiesi, como na anedota do rei de Nápoles — e que S. Ex.a terá conseguido enfeixar num mesmo feixe de forçadas concordâncias. S. Ex.;i estará, pois, de acordo com todos eles, visto que S. Ex.° conseguiria pô-los todos de acordo, senão entre si, pelo menos com S. Ex.a. Ou S. Ex.a já não fosse o Sr. Bernardino Machado, pautando-lhes a regra do bem viver dentro do seu Ministério, depois de verem o país cansado duma tão prolongada gestação ministerial que elas se mostraram impotentes para resolver.

E, se assim não foi ou não é, não valia a pena ir arrancar o Sr~ Bernardino Machado da Parede (Risos) onde se encontrava retemperando o seu rijo organismo fisiológico e moral.

Prefiro, a discutir o programa, aguardar o Governo nos seus actos. Por eles pautarei o meu procedimento nesta Câmara, sem intuitos reservados, porque não sou candidato a pastas, e espero vir a morrer com a consolação de ter sido o único português que nunca foi ministeriável na sua vida. (Risos). Assim, Sr. Presidente, não farei como a oposição financeira ao Governo que, pela voz do Sr. Cunha Leal, ilustre leader do Sr. Ministro da Instrução nesta Câmara, prometeu ao Governo um franco apoio na ponta de um.. . chuço; dar-lhe hei, porém, a minha cooperação parlamentar, republicana e patriótica. (Apoiados.')

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apenas um homem desconsolado por ver passar tantas caravanas ministeriais desordenadas pela falta dum condutor idóneo e seguro...

O meu desejo é só louvar e aplaudir. Não será minha a culpa se o Governo não corresponder a esse desejo.,

Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Manuel Fragoso (para um requerimento):— Eequeiro que a sessão seja prorrogada até que se conclua o debate político sobre a apresentação do Ministério.

Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — Sr. Presidente : se não fosse o projecto de amnistia que em nome da minoria socialista vou ter a honra de mandar para a Mesa, decerto que desistiria de usar da palavra, porquanto o debate político vai já muito prolongado.

NEo vou, por consequência, desdobrar 'considerações a propósito do que a minoria socialista entendeu exigir do Governo para o apoiar, visto que o Governo por certo entendeu ]á bem qual será a forma de se conduzir para obter de nós uma es-pectativa benévola; e essa forma será a de não abusar da sua autoridade, mantendo a força pública ao serviço de empresas industriais, como está sucedendo agora com as empresas jornalísticas. Além disso, a minoria socialista quere que acabe por uma vez o que está sucedendo no Barreiro contra os operários~ferroviários do Sal e Sueste. (Apoiados).

Por isso, estou convencido de que o Sr. Presidente do Ministério sabo bem que o caminho qne a minoria socialista vai traçar será consequência do caminho que o Governo seguir em relação ao pessoal do Caminho de Ferro do Sul P Sueste, e em relação ao pessoal das empresas jornalísticas.

Todavia, antes de apresentar o projecto de amnistia, tenho do fazer algumas considerações a propósito da organização do actual Governo. Dessa organização, quatro conclusões.há a tirar.

A primeira conclusão diz respeito à força partidária quo este Governo sintetiza. De far.to, foi só hoje quo o Partido Republicano Português conseguiu uma

completa unidade de vistas, o, portanto, a justa posse do Poder. E é muito interessante e curiosa, e talvez que deva servir de ensinamento aos outros partidos, a forma moderna como esse partido se conseguiu agregar e colocar no Poder. Pela primeira vez, talvez, o Partido Republicano Português entendeu acabar com esta mania que têm quási todos os partidos, de se acharem aptos a governar em todas as pastas, e assim esse partido entendeu por bem dividir-se em secções: a secção A. M. S., destinada a questões de ordem financeira, colonial e de sanidade pública; a secção Á. C-, destinada a questões militares e de justiça; e a secção D. P. destinada a questões internacionais e por ve-zesr a questões de instrução.

É este realmente, Sr. Presidente, um dos pontos melhores deste Governo.

O segundo ponto, Sr. Presidente, é também bom, pois, que revela a crganização de um Governo constituído pela elite da maioria desta Camará e assim eu direi que é um Governo que dá a todos os republicanos a certeza de um b3m critério governativo, pois que dele fazem parte as maiores capacidades do Partido Republicano Português.

Q terceiro ponto, Sr. Presidente, é lastimável, qual é o que diz respeito à ligação no Governo do Sr» António Maria da Silva com os Srs. Álvaro de Castro e Domingos Pereira.

Eu vou, Sr. Presidente, explicar à Câmara o que lá fora se diz, o que aliás não dignifica nada a República.

Diz-se, Sr. Presidente, em todos os cafés, nos carros, isto é, em todo:? os pontos de cavaco, que a organização deste Ministério representa uma verdadeira comédia, pois quo não é crível que os Srs. Álvaro de Castro e Domingos Pereira possam estar de mãos dadas com ò Sr. António Maria da Silva.

São estos, Sr. Presidente, os reparos que lá fora se fazem e a que dão o nome de comédia.

Isto, Sr. Prosidonte, é um tremendo mal para a República, pois é o juízo que o povo faz dôsto (íovêrno.

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silo aqueles que se sentam naquelas cadeiras, digam semelhante cousa.

E preciso transformar a indústria, e nesta Câmara existe há perto de dois anos um projecto, que por mim foi apresentado, tendente à sua nacionalização, mas até hoje ainda este Parlamento não se quis ocupar dele, nem com ele se tem importado.

O Sr. António Granjo (interrompendo):— Tal como V. Ex.a

O Orador: — Eu tenho todos os dias instado com o seu relator, mas não há forma, e ó necessário agir com energia, para que se não v.á atribuir ao bolche-vismo e à desordem a queda da nacionalidade.

Sr. Presidente: o projecto que apresentei é uma base para a nacionalização e nele. se diz que é urgente a criação do monopólio da indústria do fabrico, para evitar que ela esteja nas mãos de meia dúzia de pessoas que não a fazem ou não saibam fazer progredir. Sem isto não há possibilidade de se fazer cousa alguma, o parece-me ser já tempo da Eepública encarar de frente Q problema da produção.

O que preocupa quási todos os estadistas são as oito horas de trabalho, no nosso país, mas o que devia preocupar os nossos estadistas era a maneira de trabalhar dos nossos operários nas nossas indústrias, porque, trabalhando-se manualmente, as nossas indústrias não podem acompanhar os progressos das indústrias dos outros países.

No programa governamental também se fazem referências à nossa instrução. Diz:se na declaração governamental que o Governo pensa em mandar estudantes ao estrangeiro para que, quando voltarem ao país, com o que lá fora aprenderem, estabelecerem uma nora ordem do cousas.

Com o Bestado em que se encontram as nossas indústrias é um tempo que se vai perder, não se aproveitando também as desposas que se vão fazer.

Esses estudantes irão lá fora aprender muito é certo, mas para quê?

Será u TH esforço inútil se não procurarmos por qualquer modo desenvolver as nossas fábricas e indústrias.

Mas os Srs. Ministros não pensam

nisso, porque em geral não têm a prática industrial, e faltam-lhe as noções especiais destes assuntos.

Os Srs. Ministros são quási todos advogados o só se dedicam a tratar de questões de tricas de direito e nenhum pensa em indústrias, desconhecendo as suas ne- -cessidades.

Apartes.

A América forneceu aos aliados uns determinados milhões de dólares que vários países receberam para as suas necessidades.

Portugal, que necessitava bastante, porque as suas indústrias nada têm, não foi possível receber cousa alguma porquê nas cadeiras do Poder não estão nunca homens quo se preocupem com os assuntos que se prendem com as nossas indústrias.

Apartes.

Na verdade, eu já estive no Governo e quando lá estivo trabalhei de acordo com as indústrias. Alguma cousa consegui fazer a seu favor, mas, em geral, os Ministros que passam pelo Governo nada fazem porque não têm prestígio para poder fazer alguma cousa, quando não seja ao lado do Sr. Liberato Pinto.

Apartes. \

O Sr. Liberato Pinto (interrompendo}'.— Ainda espero ver V. Ex.a a meu lado. Apartes.

O Orador: — Quando for da Guarda Vermelha, estarei ao lado de S. Ex,a

Jipqrtes.

A minoria socialista entende que todos os Partidos não têm servido bem a República.

Apartes.

Necessitamos duma política económica, e, infelizmente para Portugal, até hoje não só tem feito essa política,

Agora que está no poder um Governo da extrema esquerda, vou chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a monstruosidade que representa o Tribunal de Defesa Social. Quero mesmo recordar, aqui, que no tempo do Governo presidido pelo Sr. António Granjo, chefe dum partido conservador, esse Tribunal deixou de funcionar.

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Tribunal não deixou de funcionar. O que houve foi uma interrupção na sua função por virtude de estar vago o respectivo lugar de juiz.

De resto, nem o Ministro da Justiça, nem o Presidente do Ministério, podem impedir o seu funcionamento, visto que os tribunais são independentes.

O Orador: — Mas deixou de julgar!

*E registo que isso se deu no tempo do Governo do Sr. António Granja.

Sr. Presidente: precisamos saber se o Governo está disposto a manter sob os ferros da Eepública os vários ferroviários que estão presos por ordem arbitrária do Sr. Raul Esteves.

Não posso compreender os escrúpulos de muitos republicanos em aceitarem o projecto de amnistia aos monárquicos, quando é certo que não hesitam em os acalentar quando exercem a sua acção para esmagarem as classes trabalhadoras.

Sr. Presidente: pelos motivos que acabo de expor eu continuo com a minha opinião.

Pode contar o Governo com uma oposição tenaz por nossa parte, se justiça não for feita aos grevistas dos caminhos de ferro do tful e Sueste e se não retirar das tipografias os militares, pois a fun-'ção do exército não é esmagar os seus camaradas.

Disse o Sr. Liberato Pinto que só um jornal...

O Sr. Liberato Pinto (interrompendo}: — Os quatro jornais que se estão publicando actualmente são trabalhados pelos mesmos operários que estavam a trabalhar com um só, e a opinião do Governo era a de que, quanto maior fosse o número de jornais, mais vantagem haveria.

O Orador: — O Parlamento tomará na devida consideração as palavras de V. Ex.a, e pena é que V. Ex.a não seja actualmente Presidente do Ministério, pois tendo V. Ex.a afirmado que apenas fornecia tipógrafos para compor um só jornal, não pode ser admissível a sua nova maneira de colocar a questão.

Estou convencido de que o Sr. Bernar-dino Machado há-de levar este conflito ao seu devido termo, obedecendo a um critério justo e razoável.

E é exactamente porque a minoria so-

cialista reconhece neste Governo, presidido por uma das mais altas figuras da Eepública, um Governo de força, que eu tenho a honra de enviar para a Mesa, em nome do Partido Socialista Português, um projecto de amnistia aos presos quer de carácter político, quer social.

A República para se prestigiar só tem um caminho a seguir, qual seja o de fazer despertar as energias nacionais, entregando-se activamente a u 31 trabalho de fomento e reconstrução em íntima colaboração com elas.

A minoria socialista acha, por isso, oportuno o momento para a concessão dessa amnistia e, nestes ternas, envia para a Mesa o respectivo projecto para o qual requere a urgência.

O orador não reviu.

Consultada a Câmara, é concedida a urgência.

O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: atrevo-me a quebrar as praxes parlamentares, intervindo num debate político, por se tratar dum assunto ia máxima importância que deve merecer a inteira e solícita atenção do Governo e que, no presente momento, está preocupando seriamente uma grande região do país e ato mesmo o próprio país.

Antes, porém, de entrar propriamente no assunto, cumpro o grato do ver de saudar o Governo, ao qual apresento, as homenagens da minha muita consideração pessoal.

Este Governo, que foi organizado em condições de eu lhe não poder dar o meu completo apoio, é, todavia, um Governo; e nós chegámos, infelizmente, a um momento político em que o que mais se torna preciso é um Governo, seja ele qual for. Momento político grave, mas economicamente ainda mais grave, tam grave que seria um erro ou um crime ficar qualquer Deputado silencioso perante uma tal situação.

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E quando digo novos não quero, evidentemente, reíerir-me ao facto de os muitos homens públicos que têm passado pelas cadeiras do poder adoptarem ou não esses princípios, mas simplesmente ao facto de a eles aludir num'programa de Governo.

Assim, o Governo da presidência do Sr. Bernardino Machado trata, no ^seu programa, de duas questões da mais alta importância, a cuja resolução se torna neces-ário chamar todos os valores da raça portuguesa: uma respeita ao régio-, nalismo, outra aos núcleos de portugueses no estrangeiro.

Não era de esperar outia cousa. O Sr. Bernardino Machado não é só nma alta figura da Eepública, é também uma alta figura da Nação. Exactamente por isso, e também pelo facto de, durante a sua vida pública, se ter dedicado largamente aos problemas vitais da nacionali-.dade, e porque foi Embaixador no Brasil, não admira que se lembre de que Portugal não está confinado absolutamente nos limites das fronteiras, que pense que lá fora há portugueses que lutam, que têm- direito a colaborar na vida nacional. E pena, porém, que o Governo, que com tanta ternura fala dos núcleos de portugueses no estrangeiro, não faça referência, no programa ministerial, à necessidade duma repartição, sem aumento de despesa, para tratar dos interesses dos emigrantes portugueses no estrangeiro.

Há absoluta necessidade de que se crie no Ministério dos Estrangeiros essa repartição, e estou' certo de que S. Ex.a não sairá do Governo sem ter, pelo menos, elaborado as bases para criar essa repartição.

Um ponto há que lastimo que tam vagamente seja tratado na declaração ministerial e é o que se refere aos acordos comerciais a realizar.

Tam vagas são as referências a este assunto que chegará a supor, quem não conheça os trabalhos do Sr. Benardino Machado, que mais uma vez vai ficar só em palavras.

S. Ex.a, em harmonia com anteriores compromissos que tomou durante todo o tempo da República, e- que tanto quere aos verdadeiros interesses nacionais; não deixará passar esta oportunidade sem verdadeiramente procurar estudar e re-

solver o problema capital, importantíssimo, que é o das exportações. (Apoiados).

Falamos muitas vezes a cada passo, no problema económico financeiro, mas esse problema neste momento restringe-Lse somente a um: o aumento da exportação. Mais nada.

Tudo o mais está na nossa mão poder fazê-lo. O aumento de exportação contribuirá para o aumento de receitas.

Principalmente é necessário a nossa exportação de vinhos licorosos, do Porto e da Madeira. Tratarei, na devida oportunidade, do problema dos vinhos da Madeira. Cumprè-me agora tratar do problema dos vinhos do Porto.

Não me move nerhuma espécie de interesses particulares» "lesta campanha; unicamente me prend^ aos meus compromissos tomados o pr j'.iípio patriótico de obrigar o País a ir Cessar-se pelos seus problemas; vitai? e nenhum tam importante como o da r aã /xportação. •

Quando, aá r /ais de um ano, se iniciaram no Minist:rio bs Negócios Estrangeiros as negociações para o Tratado de Comércio com a França, não era ainda o momento agudo da crise vinícola e, portanto, se o Governo procurou empregar alguns esforços para resolver esse assunto, e honra seja feita ao Sr. 'Melo Barreto que tam cuidadosamente dele tratou, o que é certo é que as classes interessadas ainda não tinham a percepção nítida e perfeita da gravidade do problema.

A exportação paralisou £ e sabe V. Ex.a e sabe a Câmara a importância da paralisação da exportação? Bastará dizer que no Douro existem para cima de duzentas mil pipas de vinho licoroso, o que em ouro representa perto de seis milhões de libras.

Se os meus -argumentos não podem convencer a Câmara, bastara a eloquência destes números para que o Parlamento e o Governo cuidem, como é mester, de tam importante problema.

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economia nacional esta questão da crise vinícola.

Sr. Presidente: os mercados externos de vinho do Porto estão absolutamente fechados, pode dizer-se assim, com excepção do mercado inglês, e, se eu disser à Câmara em números, porque eles têm mais eloquência do que as minhas palavras, se disser que para França, em quatro anos diferentes, a exportação tem oscilações muito graves, estou certo de que a Câmara juntará os seus votos aos meus para que o Governo trate imediatamente de resolver este problema.

Dois dos países para os quais se fazia em larga escala a exportação de vinhos licorosos, depois da Inglaterra o Brasil, eram França e Noruega.

Estamos preocupados com muitos problemas importantes u:as reputo, e digo ao' país que o problema ;nais importante é aquele de que estou trata/do.

Sr. Presidente: concretizando, porque é necessário concretizar, em rei posta às tam vagas referências da declararão ministerial, devo dizer à Câmara que, particularmente, interessa ao comércio de exportação de vinhos que sejam resolvidos imediatamente dois pontos da nossa questão económica internacional, e esses dois pontos são o tratado de comércio com a França e o tratado de comércio com a Noruega.

A França vive no regime de proibição absoluta de importação dos nossos vinhos licorosos. Tentaram-se vários acordos com a França para restringir essa proibição e o único que vingou melhor foi que se não tivesse aceite.

O único acordo aceito representou um desastre para a nossa economia; foi aquele negociado pelo Sr. Xavier da Silva. S. Ex.a foi iludido e, iludido como foi, iludiu toda a economia nacional. Esgotado o prazo dessa convenção, o problema dos nossos vinhos com a França reassume o estado anterior, o statu quo de 1919.

A proibição de importação em França pode dizer-se que neste momento é absoluta.

Pois, emquanto isto sucede em França, em Portugal apenas as classes interessadas, a Associação Comercial do Porto e as associações agrícolas do País, se estão agregando ao movimento que é, na verdade, consolador, porque não importa

apenas à economia regional, mas à economia de todo o país.

Emquanto isto sucede, o silêncio do Governo, tanto dêáte como c.o anterior, agora que a crise atingiu o ponto mais agudo, esse silêncio ó absoluto, desespo-rante; entretanto, através dos jornais e deis revistas da especialidade, em França reconhece-se que as opiniões dos economistas franceses são inteiramente favoráveis às negociações de Portugal com a França.

,; Porque é então que ô Governo não age imediatamente?-

(j Porque não são chamadas essas classes interessadas a fazerem os sous depoimentos, a organizarem os seus elementos, para quo as bases só façam e se chegue a um acordo, para quo a importação só faça em França sem restriçOos? E porquo os problemas em Portugal, de ordinário, encaram-se sempre pelo seu aspecto presente que ó o mais mesquinho: ora não é este aspecto que me obriga a /alar, o as-° pecto quo me obriga a falar é o aspecto do futuro, é a ruína da viticultura, é a mina da economia nacional.

Desde que o Tratado do Paz consignou, nos seus artigos 275.° e 276.c, creio eu, os princípios que defendem a genuinidade das marcas regionais, progun:o ,;.o que valem esses artigos do Tratado do Paz se não entrarem lá os nosscs vinhos? Hão-de necessariamente falsificar-se, porque, desde que o consumidor os peça, o negociante há-de procurar arranjá-los.

Daqui resulta que o produtor não mais pode pensar no seu principal ramo de produção.

Creio que o silêncio do Govòrno quere dizer quo o Governo está net;ta hora já tratando de resolver o problema. E possível que assim seja. Tenho esperança de que o Sr. Ministro dos Estrargeiros, de que o Sr. Ministro das Colónias e de que o Sr. Presidente do Ministério não sairão do Governo sem que este problema seja definitivamente estudado.

E necessário não deixar desanimar as classes interessadas, ainda que isso represente um esforço do Governo, porque são os interesses do país inte ro e colónias que é necessário salvar.

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que respeita à Noruega aquilo que disse om relação à França.

.Estamos, Sr. Presidente, num momento em que não mandamos um litro de vinho do Porto para a Noruega.

Qaere dizer que, na convenção Xavier da Silva com a França, demos tudo e não recebemos nada. Agora ó ocasião do denunciar tudo que represente concessões à Noroega.

Poder-me hão dizer que o problema do bacalhau é um problema muito importante, mas não ó só a Noruega que exporta" bacalhau para Portugal, a Inglaterra continua tambóm a enviar-nos esse produto.

O melhor mercado de bacalhau ô o mercado português, porque ó o que mais consome e o que consome pior bacalhau.

Assim, penso que,ao Governo compete imediatamente chamar a colaborar com os seus esforços, os esforços das classes interessadas e pense que já teria sido bastante para isso a campanha que a imprensa portuguesa tem movido.

Creio que os números que apresentei são o bastante para que o Governo, chamando a si o estudo da questão, a resolverá de modo que resulte utilidade imediata para a vida do país..

Não é só a viticultura que está ein perigo, é tambóm o nosso comércio externo; e é preciso que o Governo não se esqueça disso, pois mal vai a todos nós se o Go-vêruo não atender a este perigo e continuar a fazer ouvidos de mercador.

Peço licença à Camará j}ara só de passagem aludir a um ponto que não vem na declaração ministerial, mas que tem sido aqui tratado por vários Srs. Deputados, especialmente os Srs. Deputados socialistas que nesse assunto estiveram todos de acordo; refiro-me à questão da imprensa.

Até aqui', este assunto foi tratado como não podia deixar de ser, pelo Sr. Libe-rato Pinto, que procedeu, como procede um Chefe de Governo no verdadeiro sentido da palavra, e que tem neste momento a responsabilidade da política social.

A questão da imprensa só pode ser tratada pelos interessados; o Parlamento nada tem com ela. (Apoiados}. O conflito só deve ser tratado nos jornais. (Apoiados).

Agora, desde que ele veio ao Parlamento, era minha obrigação dizer alguma

cousa; visto que a Câmara se tinha eon-íbrinado com as explicações do Sr. Libe-rato Pinto, não tem o direito agora de mudar de opinião; e os tipógrafos militares ''cedidos as empresas são muito bem cedidos. (Não apoiados) (Apoiados).

O Sr. Ladislau Batalha:—V. Ex.a dá--me licença? E só para dizer a V. Ex.a que nas sociedades modernas os Governos que intervêm entre capital e trabalho praticam um crime social. (Não- apoiados) Apoiados).

O Sr. Augusto Dias da Silva: —

Muito satisfeito fiquei por ouvir o Sr. Nuno Simões dizer que o Parlamento estava comigo. (Interrupções).

O Orador: — Acho tão subtil a conclusão do Sr. Dias da Silva, que nada tenho a responder.

Este assunto só deve ser resolvido entre os interessados. (Apoiados).

Vários apartes.

Sussurro.

O Orador: — O que eu peço é que haja para comigo a mesma correcção de que usei para com os outros Srs. Deputados que falaram sobro o assunto, pois que as não interrompi. Eu disse que o proi)lema tem um aspecto económico e este ó- o único que tem de ser resolvido entre os interessados. (Apoiados). Mantenho este meu ponto de vista o espero que alguém o conteste com argumentos e não com gritas. (Apoiados}.

Há, porém,, outro aspecto —o aspecto político social— 0 é deste que o Governo tem de se aperceber, "tendo sido dele que o Sr. Liberato Pinto se apercebeu quando foi Presidente do Ministério, podendo e devendo mesmo apreciá-lo a Câmara.

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que o Governo tem de intervir no conflito para afastar das tipografias dos jornais os tipógrafos militares.

Disse o Sr. Liberato Pinto, e muito bem, que nem mais um tipógrafo militar foi fornecido além dos que no Jornal estavam trabalhando desde o primeiro dia. De facto, nem mais um mandou o Governo trabalhar desde que saíram quatro diários. E, se o Governo, ponderando e muito bem a função importantíssima que representa a imprensa, interveio oportunamente para que se pudesse manifestar uma opinião que se achava coacta, a opinião conservadora do País, não me referindo, evidentemente, à opinião monárquica, porque conservadora é toda a opinião que representa a sociedade organizada, se isso sucedeu e as empresas que resolveram publicar o Jornal em determinado momento supuseram que era oportuno publicar quatro diários em vez de um, eu pregunto onde está o crime do Sr. Liberato Pinto. Tenho a certeza absoluta de que a Câmara reconhece que não houve nenhum crime, nem sequer nenhum erro da parte de S. Ex.a

Um outro aspecto que importa tratar aqui é o que se refere à chamada defesa, do regime.

Eu já disse que nenhuma antipatia me move contra o pessoal dos jornais err. greve.

Tenho tido deles as maiores provas de cortesia no que se refere à minha pessoa, . mas é necessário não confundir as questões^ questões desta importância convém que^ sejam .esclarecidas. Apartes.

Que os Srs. Deputados, socialistas defendam as classes trabalhadoras, compreende-se por princípio, mas da má situação e organização das classes trabalhadoras não são os Deputados socialistas os maiores ^culpados. Apartes.

Eu devo dizer que o assunto da defesa do regime foi muito infelizmente trazido a esta Câmara e pregunto se há direito de acusar jornais das empresas quando os jornaes grevistas estão fazendo o mesmo que os jornaes das empresas. Apartes.

,;0s jornais entregues à direcção do Sr. Campos Lima, meu antigo camarada na imprensa, e Alexandre Vieira, umas

das primeiras figuras da imprensa avançada, não estariam bem entregues nesta hora ?

Apartes.

Eu afirmo bem alto que hão há direito de confundir as questões. A questão económica pode ser solucionada entre os interessados. A questão política e social tem de ser resolvida pelo Governo, man-tendo-se o ponto de vista do Sr. Liberato Pinto.

Apartes. -

Prezo muito os melindres da consciência republicana e prezo por nunca ter sido outra cousa senão republicano.

Os jornais grevistas ou sãc da extrema esquerda.ou da extrema direita; não há meios termos.

Toados sabemos quem dirige o jornal dos grevistas. E um elemento avançado na sociedade portuguesa, fazendo parte da C. G. T.

,; Serão esses jornais que se-publicam defensores do regime?

Apartes.

Assim, pregunto ao Sr. Augusto Dias da Silva se o jornal O Tempo, o Diário da Tarde e a Restauração são jornais que defendam o regime.

Não são, Sr. Presidente.

Não, Sr. Presidente, o argumento dos melindres da defesa republicana não tem de entrar nesta Câmara, porque acima da defesa da República está a defesa da sociedade orgânica.

O Sr. António Granjo: — A própria defesa da sociedade organizada é a defesa da República.

\

O Orador:—E,, acima de todos os melindres, está evidentemente o problema da liberdade de pensamento, que é necessário que todos acatem tal como ele é. (Apoiados). E essa liberdade manda que todas as opiniões se manifestem, sendo, contudo, os excessos castigados e para isso lá está o Sr. Ministro do Interior.

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tos, e nós reconhecemos isso, o que é certo também é que as empresas vivem com dificuldades. (Apoiados), Aliás, há também uns trabalhadores de imprensa, quep são os empregados das administrações dos jornais, que carecem e muito de auxílio. (Apoiados).

Sr. Presidente: são estas as considerações que queria fazer e releve-me V. Ex.a a veemência de que usei, mas alguns De-putaxios que levantaram a questão, por um princípio de intolerância que não compreendo, não me queria deixar tratar dela, tendo-a aliás, trazido ao Parlamento. (Apoiados).

O discurso será publicado na íntegra,- revisto pelo orador, quando restituir as notas taquigráficas que lhe f oram enviadas.

O Sr. Costa Júnior: — Sr. Presidente: começo por saudar o Governo e o seu ilustre Presidente o Sr. Bernardino Machado. Em seguida, vou ocupar-me do assunto para que pedi a palavra.

Diz S. Ex.a, na sua declaração ministerial, que há dois assuntos importantes que o Governo tem em especial de resolver; um deles é a questão financeira, cujo programa já aqui foi criticado pelo Sr. Cunha Leal, com todo o brilho, toda a energia e toda a competência de que S. Ex.a é possuidor; e o outro é a questão dos abastecimentos, que eu vou tratar não com o mesmo brilho, a mesma ener-. gia e a mesma competência desse Sr. Deputado, mas com certeza com a mesma boa vontade deque S. Ex.a deu pro-. vás.

Br. Presidente: eu procurei na declaração ministerial qualquer frase que se referisse a1 essa momentosa questão, e não encontrei senão palavras dispersas, não traduzindo, sequer, uma idea. J Eu sei a dificuldade que levou, talvez, -o Sr. Presidente do Ministério a não se referir desenvolvidainente ao assunto: foi porque sendo S. Ex.a interino da pasta da Agricultura, não se quis antecipadamente comprometer.com declarações que não sabia se seriam aceitas pelo seu sucessor.

Mas remedeio a parte da declaração que nada diz, com as afirmações que S. Ex.a fez numa entrevista que concedeu ao Século, quando tomou posse do seu Ministério, afirmações que nos indicam

qual é' a orientação que por sua vez S. Ex.a tenciona imprimir ao assunto.

Deste modo, vou chamar a atenção do Sr. Ministro interino da pasta da Agricultura para um assunto bastante grave.

S. Ex.a sabe que ultimamente se tem feito o tabelamento de vários géneros. Ora em primeiro lugar entendo que ele tem sido mal feito, e em segundo lugar julgo que ele nunca se deve fazer sem que o Governo conte com os elementos precisos para satisfação das requisições. O não se ter atendido a esta circunstância, é uma das causas do povo português estar cada vez mais descrente da acção dos homens republicanos, pois que está cons-tantemente a ser enganado. Vemos o que sucedeu com o azeite: anunciou-se que havia, fez-se a restrição e o tabelamento, pois há muitíssimas pessoas que não receberam a quantidade que era marcada por lei, em vista da má orientação que ibi dada a esse serviço. (Apoiados}.

Vou também, Sr. Presidente, referir-me a outra questão que é muito grave a meu ver, qual seja a que diz respeito ao pão.

A moagem, Sr. Presidente, tem estado calada há muito tempo, não fazendo nenhuma reclamação, o que me tem feito uma certa espécie e assim tratei de ver qual o motivo por que ela assim tem procedido, tendo chegado à seguinte conclusão :

Sr. Presidente: a moagem, pelo decreto n.° 6:899, de 6 de Dezembro de 1920, tem comprado o trigo ao preço de $48 cif Tejo, sendo este o preço por que o tem pago ao Estado. ,

Interrupção do Sr. António Granjo que não se ouviu.

O Orador: — Seja como for, o que é um facto é que a moagem, pelo decreto n.° 6:899, de 6 de Dezembro de 1920, adquire o trigo ao PTQÇO de $48, mercadoria cif Tejo, perdendo com isto o Estado aproximadamente 50 milhões de escudos."

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percentagem da extracção da farinha, que passou de 12,5 para 15, na do primeira, de 62,5 para 62 na farinha do segunda, e de 25 para 23 na sômea, se se fizer a conta dos lucros brutos desdo que começou a vigorar ôste decreto até ontem —que foi quando fiz este cálculo— dá a importância de 914.160$. Quero dizer, a quantia que a moagem ganhou desde 6 do Setembro até agora foi de 2:690.440$.

Imagine V. Ex.a, Sr. Presidente, e a Câmara, como a moagem deve estar satisfeita com este lucro. Mas, cousa curiosa: o Estado está perdendo centenas de contos na farinha, não só na que se emprega para o pão, mas também naquela que só emprega no fabrico de bolos, bolacha^ e pastéis, porque pelo decreto n.° 6:858, de 23 de Setembro, a farinha do primeira que não se consome fica o Estado com ela, dando lugar o que agora sucede, ele ter cerca de 4 milhões de quilogramas sem saber o que lhe há-de fazer.

Todos os que conhecem um pouco dêsto assunto sabem muito bem que é fácil aumentar a extracção, passando de 75 para 80; basta para tal accionar determinadas peças do maquinismo. Ora é exactamente isto que se tem feito, o que tem levado a moagem a ganhar rios de dinheiro. E para este caso que eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, lembrando a S. Ex.a que se medidas urgentes e enérgica» não forem tomadas, dentro em breve nos veremos a braços com uma crise tremenda, cujas consequências não podemos prever.

Por outro lado, é preciso haver todo o cuidado em não vir para público com promessas que se não podem cumprir, visto que daí só pode resultar o descrédito da administração pública. Não basla apregoar a sinceridade das nossas ideas; é, também, necessário que os nossos actos comprovem a existência dessa sinceridade, o não é, evidentemente, prometendo uma cousa e faltando a ela, que nós a comprovamos. (Apoiados).

O Sr. Cunha Leal, no seu discurso de ontem, afirmou que estava na intenção de insistir pertinazmente na efectivação da chamada compressão das despesas públicas. Pela minha parte, prometo insistir não menos pertinazmente na resolução do problema das subsistências.

Eu sei, é certo, que o problema se não pode resolver dum dia para o outro.

O Sr. António Granjo : — Pode, sim, senhor; veja V. Ex.a o que só passou há pouco tempo na Itália, a propósito do pão.

O Orador:—De acordo; mas o problema das subsistência s é mais vasto, não trata apenas do pão.

Eu peço ao Sr. President3 do Ministério que desculpe a minha oufc adia em chamar a atenção de S. Ex.a para Oste ponto; se o faço é simplesmente pelo muito interesse que tenho em o ver resolvido eficazmente, a lembrando S. Ex.a um problema cuja solução constituiria mais um relevante serviço prestado ao país.

O Sr. António Granjo: — O que seria •urioso saber ora a lazão porque se não encontra a funcionar a moagem da Ma nutenç.ão Militar.

O discurso do S'r. Costa Júnior será publicado na integra quando forem devolvidas, revistas pelo orador,, as notas ta-quiyráfícas.

O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: definida pelo ilustre leader do Partido Eopublicano Português, a que tenho a honra de pertencer, a atitudo dos Depu-íados dôsse Partido, poderá parecer descabida a minha intervenção neste- debatu. Direi mesmo que talvez não faltará quem classifique do indisciplinada esta minha atitude; mas, habituado desce a primeira vez em que entrei nesta COmara, a defender os meus pontos de vista, sem por forma algnma ir contra a maneira de ver do agrupamento político a qie pertenço, entendo que tenho legítimo cireito de manifestar franca e abertamente os meus princípios, e, assim, eu reajo e não dou razão àquela pessoa que já uma vez se permitiu fazer uma apreciação a nosso respeito, em quo teria razílo até certo ponto, se õe facto nós não manifestássemos sempre as nossas opiniões.

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bate tivessem produzido as suas'considerações por forma análoga à usada por aquele Sr. Deputado, eu não encontraria cabimento para as considerações que vou apresentar.

Sr. Presidente: no decurso deste debate alguns Srs. Deputados, em nomo dos seus Partidos, produziram afirmações que eu entendo não dever deixar passar sem me referir a elas. Faço-o em meu nome pessoal, visto não ter categoria para falar em nome dos meus correligionários. (Afào apoiados).

Todavia, terei todo o prazer se vir que tenho o seu aplauso.

Tendo, como político, responsabilidade» grandes nos destinos do meu país. devo declarar que só'quero para mim as que de facto me pertencem; não quero aquelas que de forma nenhuma me podem pertencer.

A longa crise ministerial de três semanas teve uma solução que, como disse o Sr. \7"itorino Guimarães, não é aquela que o Partido Republicano Português preconizava desde a primeira hera. Em todo o caso, querendo o meu Partido mostrar mais uma vez ao país a sua abnegação, e quo acima de tudo põe os interesses da Pátria e da República, sujeitou-se à solução ministerial que se apresenta e que eu apoio por reconhecer que neste momento é necessário, como bem disse o Sr. Nuno Simões,, ter um Governo, e não porque concorde com a forma como o Ministério foi constituído.

• Não vou, Sr. Presidente, fazer referências ao passado brilhante do Sr. Presidente do Ministério, ao 'qual já vários oradores aludiram, mas quero salientar a minha opinião pessoal e assim direi que é com a maior alegria que vejo o Sr. Ber-nardino Machado à frente do actual Governo. Já vou dizer a razão porque assim é.

Se, porventura, em alguma ocasião eu não concordei em que S. Ex.a fosse incumbido dessa alta missão, neste momento entendo que o Sr. Bernardino Machado, pelo seu passado e polo seu prestígio, é, de facto, a figura melhor indicada para presidir ao Governo do país. £ Porquê?

Eu digo porquê.-

Neste momento, os aliados estão a reconhecer que a quebra daquela coesão, que tiveram durante a guerra e que os

levou à vitória, coesão infelizmente quási rota desde os preliminares cio armistício, permitiu à Alemanha seguir uma orientação tal que em toda a parte do mundo se está reconhecendo como a vitória dos aliados se encontra abalada.

Todos sabemos que foi devido a essas divergências que a Alemanha soube explorar, que ainda há pouco Simons se permitiu ter uma atitude arrogante para com os aliados o que obrigou Lloyd George a pronunciar-se da forma que todo^ conhecemos.

E por isso que, neste momento, os aliados estão a reconhecer que aquela coesão que se manteve'durante a guerra é indispensável que se mantenha durante a paz, para que a paz seja duradoura e para que a Alemanha dê às diferentes nações que entraram na guerra aquelas reparações a que têm direito pelos sacrifícios feitos.

A figura do Sr. Bernardino Machado à frente do Governo da Nação Portuguesa garante aos aliados que estamos unidos com eles na paz como estivemos durante a guerra.

1 Não vou agora discutir qual a política internacional futura, que pela minha pouca prática nesse assunto poderia arriscar qualquer palavra menos conveniente à orientação a seguir sobre a participação de Portugal no concerto internacional; isso pertence a outras pessoas que, pela ,sua prática, pela sua cultura, poderão e devem neste momento marcar qual o caminho que Portugal deve seguir, e ainda sob este ponto de vista é S. Ex.a o Sr. Bernardino Machado quem, a meu ver, mais será capaz de indicar o caminho mais conveniente para os destinos de-Portugal.

Quero neste momento recordar, olhando para o Sr. Bernardino Machado, aquela tarde em que S. Ex.a, ao lado de Poin-caré, passou revista a infantaria n.° 34. Recordo-me bem dessa bela tarde em que eu. como português, lá longe, senti com comoção rolarem-me duas lágrimas pelas faces vendo o Chefe da Nação Portuguesa ao lado do Chefe da Nação Francesa.

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lembro-mo bem como sonhei nesse momento como seria feliz se um dia o Chefe da minha Nação mo colocasse também ao peito uma dessas condecorações que, de v o acrescentar, nesse momento ainda eram moeda forte.

Creio bem que a Câmara me perdoará o estar a roubar-lhe tanto tempo, mas procuro apenas manifestar os meus sentimentos sinceros e deíinir perante o país as razões por que, pela minha parte, dou ao Sr. Bornardino Machado e ao seu Governo aquele apoio de que tanto carecem. Permita-me, no emtanto, S. Ex.a que eu aprecie a fornia como o Governo está constituído.

É necessário que o Sr. Presidente do Ministério se aguente firme ao leme dessa barcaça e que a saiba desde ôste momento cuidadosamente inspeccionar, A barcaça governativa que se nos apresenta agora guiada pela mão forte do Sr. Ber-nardlio Machado, não obstante ter estado ires semanas nos estaleiros, pareceu-me ter os mesmos rombos, as mesmas falhas, por onde neste momento, porventura, já estará metendo água. Mas, Sr. Presidente do Ministério, não abandone V. Ex.3 o leme e, se acaso reconhecer que algumas pranchas precisam ser substituídas, substitua-as a tempo, mas não deixe que a barcaça se encha de água e tenha de ir para o fundo com V. Ex.a

Durante este debate tem-se feito ao Partido Republicano Português, a que cada vez mais mo honro de pertencer, apreciações que me desgostam e são injustas.

E talvez duro o que vou dizer, mas mal me não fica expor o que entendo ser a verdade. Colocar-me hei dentro da alma dêsto bom. povo português, tam simplista, mas tam vidente dos acontecimentos da nossa vida nacional, para assim definir o meu pensamento sobre a forma coino foi constituído o novo Governo. Disse-se já nesta Câmara, e direi que o ilustre leader do Partido Liberal em especial se referiu ao assunto, que estava reconstituído o velho Partido Republicano Português.

Trocam-se vários apartes.

O Orador : — Tenbo pena e pena sincera. d3 quo não seja possível r?constitnir-se essa giaudj força que foi sam dúvida a

maior força da República, e que, com o. velho Partido Evolucionista e o velha Partido Unionista, tanto contribuiu para que durante estos dez anos de vida. atribulada, as instituições republicanas tivessem resistido aos ataques dos sens inimigos.

Mas, Sr. Presidente, doa a quem doer aqui declaro que, tendo assistido a lutas internas do meu Partido, b€'.m se pode afirmar quo estas nunca se deram por divergência de princípios mas por questões de homens.

'Peço aos meus correligionários que me digam se não foram as divergências de carácter pessoal, entre as figuras mais brilhantes do meu Partido, que deram origem às divisões, se não foi isto que levou à divisllo dessa grande força partidária. (Apoiados).

O Sr. Sá Cardoso: — Declaro que não foi por divergência pessoal que saí do Partido Republicano Português. Militei aí muitos anos e aí encontrei as melhores amizades que desejo conservar.

Saí apenas por divergência de princípios. Nada mais.

Uma voz: — i Por divergência de princípios?

O Sr. Sá Cardoso: —Talv» z me não rx-plicasso bem. Por divergência de processos. Talvez seja esta a frase que deva ser empregada; divergência de processos de que eu, como Presidente do Ministério, sofri as consequências. (Apoiados).

Acho ser esta a resposta formal e cabal ao que V. Ex.a preguntou.

O Orador; — Sr. Presidente: laãtimo profundnmente que a forma como tonho procurado colocar esta questlo,, e em que apenas procurei dur a todos os correligionários o prestigio absolutamente necessário perante a Nação, tenha sido razão para ser feito um aparte pelo Sr. S& Cardoso que colocou a questão por fornia que eu n8o posso compreender, visto que, tendo havido divergência de princípiosi e processos, pôde haver, uma entente da forma como estamos vendo. (Apoiados).

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que os Ministros estavam todos em desacordo, mas que o Sr, Bernardino Machado estava de acordo com todos ales, corresponde a uma realidade, mas que eu de ibrina alguma posso compreender como se pode dar.

Sr, Presidente: o Sr. António Granjo defendeu nesta Câmara o seu já conhecido ponto de vista, que depois no Congresso do seu Partido passou a ser uma aepiracão do Parado Republicano Liberal: a necessidade da dissolução.

Disse S. Ex.a, e é a minha opinião, sor necessário saber-se quanto possível for, se na roalidade o Parlamento tem funcionado por haver cousas graves a tratar, não convindo interromper o funcionamento da Câmara. Por isao não teria vindo a dissolução parlamentar.

Disse S. Ex.a que o Parlamento actual, pela sua constituição, pelos grupos formados depois da legislatura começada, ó de tal forma diverso, e tinha tido uma origem tam «original» que necessário se tornava saber se, de facto, esta corrente que existe na Câmara não estava unicamente restrita a este ambiente, e se há no país uma corrente, na realidade, que dê razão a tal afirmação.

S. Ex.a não incluíra o seu Partido,s porque, de facto, o Partido Liberal também foi constituído nas mesmas condições em que se constituíram os outros partidos.

O Sr. António Gr'anjo(interrompendo)'.— l A constituição do Partido Liberal foi resolvida pelos partidos que hoje o constituem !

O Orador: — Mas o que é forte é que o Partido Liberal só encontra nas mesmas condições em que se encontra o grupo Popular e ô grupo Dissidente. Demais S. Ex.a sabe muito bem que o país ainda olha com desconfiança para esse Partido, e que ele forme um Governo, não porque não tenha confiança no republicanismo de S. Ex.a5 mas porque está ainda muito recente a adesão de certas individualidades do dezembrismo,

Isso deve sentir o Sr. António Granjo, porque o país tem o direito de desconfiar dessa adesão.

Se a dissolução fosse possível, parece--me que só uni partido teria direito a ela.

Se o Partido Republicano Português ace-

deu a que na Constituição se consignasse o principio da dissolução, foi para que se não dissesse que este partido queria s.fm-pre estar agarrado ao poder.

Foi com sacrifício que alguns correligionários meus votaram esse principio.

Se algum partido tem no. espírito republicano maior número, de simpatias, é sem dúvida o Partido. Republicano Português. (Apoiados da esquerdo).

O Sr. António Granjo (interrompendo):— !É preciso provar isso, não com gritem, mas com votos l

O Orador: — Sr. Presidente, ainda bem. que o Sr. Cunha Leal no seu discurso nos pôs abertamente à vontade, por forma a não haver que recear de conluios nos corredores a certas horas da noite, para apresentarem moções de desconfiança.

Assim, o Sr. Cunha Leal entende, o muito bem, que todos nós devemos defender os nossos pontos de vista, e temos igualmente o direito de discutir os seus actos e contrariá-los mesmo.

Sr. Presidente: o ideal seria que o Sr. Bernardino Machado conseguisse formar um Gabinete com todos os chefes; então teria o acordo de todos os lados da Câmara e cada um ficaria com a liberdade, sem preocupações partidárias, de discutir as medidas apresentadas pelo Governo.

Desta forma ficaria resolvido o problema político.

Eu sou daqueles quo pensam que o actual conflito entre as empresas jornalísticas e os trabalhadores de imprensa se pode resolver com honra para esses dois grupos.

A questão devia só sor posta no seu aspecto económico e creio que esse é o único aspecto que deve ser encarado (Apoiados).

Foi assim que o ilustre Presidente do Ministério que antecedeu o actual, o Sr. Liberato Pinto., pôs inicialmente a questão, e acho que S, Ex.a foi íeliz na forma como o fez.

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Nestas condições dentro em pouco aparecia a A Imprensa de Lisboa, órgão dos trabalhadores da imprensa, e O Jornal, órgão das empresas.

Começaram a dar a esta questão aspectos vários e eu vi aparecer em O Jornal, como uma das razões mais importantes contra os trabalhadores da imprensa, a acusação da censura vermelha.

Antes de prosseguir nas minhas considerações que creio não ter inimigos nem dum lado nem do outro e durante o período em que tenho desempenhado a minha missão de Deputado, igualmente de todos eles tenho recebido injustamente palavras amáveis que muito me têm sensibilizado. Não sei se de facto existe a tal censura vermelha, mas estou convencido de que não.

Conhecendo alguns desses rapazes novos, cheios de fé e de entusiasmo como eu, que se dedicam à missão de trabalhar para os jornais, julgo-os incapazes de quererem por alguma forma exercer uma coacção que seria uma absoluta negação daqueles princípios de liberdade que cons-tantemente estamos preconizando.

Não me dispenso, porém, de fazer a observação de que, com frequência, nós, Deputados, afirmamos aos trabalhadores de jornais, que são obrigados a vir a esta Câmara fazer o relato do que aqui se passa, o nosso desgosto pelas omissões feitas nos nossos discursos, com alterações flagrantes no sentido das nossas palavras, chegando às vezes a inverterem compler tamente a idea das frases proferidas.

Assim, apesar desta solidariedade que deve existir entre os Deputados e jornalistas, solidariedade que foi firmada pelo célebre almoço na sala dos Passos Perdidos por iniciativa dum jornalista, nós temos ocasião de conhecer, com desgosto, que vindo esses trabalhadores dos jornais para aqui dispostos a fazer um trabalho honesto, muitas vezes as empresas cortavam períodos inteiros das palavras pronunciadas.

O Sr. Nuno Simões: — Não apoiado!

O Orador: — Sr. Presidente: eu não conheço o grupo dos trabalhadores da imprensa, mas sei que há lá rapazes cheios de fé e de entusiasmo e tam bem intencionados como eu.

Quem leu os jornais nestes últimos quatro meses viu a maneira como foram tratadas todas as questões que interessavam à alta finança.

Eu leio os sumários dos jornais relatando as discussões aqui havidas e vejo que muitas vezes não vem tudo o que aqui se diz.

Tenho sido tratado com carinho pelos jornais e por alguns tenho sido honrado com a sua amizade, mas devo preguntar se não é verdade que é conveniente que o país conheça tudo que aqui dizemos.

Em tudo que acabo de dizer não vai censura para ninguém. Mas, Sr. Presidente, para mim, como militar e engenheiro que sou, esta questão tomou um aspecto que não posso aceitar.

Eu visto uma farda e tenho obrigação de cumprir o meu dever, mas quando, amanha, seja quem for me dê uma ordem que represente uma deslealdade, seja para um militar ou um civil, não a posso cumprir.

Assim não posso compreender que nesta questão se vão obrigar os militares a ir trabalhar nas imprensas das várias em-.prêsas. (Apoiados).

O exército não tem de intervir neste assunto. (Apoiados).

Compreende-se quo o Estado nos seus serviços oficiais possa empregar o exército.

Eu sou militar e engenheiro e tenho de respeitar as ordens que o Estado me dê para lhe prestar os meus serviços, em caminhos de ferro por exemplo, mas o Estado não poderá amanhã obrigar-me a deixar os seus serviços e ir prestá-los a uma empresa particular, onde os meus colegas engenheiros abandonaram o serviço.

Se amanhã o Estado para lá me mandasse nessas condições para desempenhar a minha profissão, declaro.que não iria.

Estou falando neste aspectD da questão, porque estou vendo o abuso que se está fazendo do emprego do exército nestes confliioa, e isto com prejuíz;o da disciplina.

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Eu pregunto se não tenho o direito de apelar para os homens públicos, pedindo que nestas questões não pensem como crianças dominadas por uma birra.

A estas horas, Sr. Presidente, devem estar na Torre de S. Julião da Barra algumas praças que prestaram relevantes serviços em França e em África, homens cumpridores dos seus deveres, que, tendo sido chamados a desempenhar uns serviços ferroviários, mas apresentando-se mais tarde, foram dados como desertores.

Eu pregunto, Sr. Presidente, se este estado de cousas pode continuar assim, demais a mais tratando-se de homens que têm sido fiéis cumpridores dos seus deveres.

Melhor seria, Sr. Presidente, que o Estado os tivesse mandado chamar para prestar serviços na construção do pequeno traçado que vai de Vila Viçosa a Eivas" e cujo projecto já se acha aprovado de há muito, desconhecendo eu as razões por que ele ainda não se realizou.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca):—Devo dizer a V. Ex.a que o projecto'a que V. Ex.a se está referindo não se encontra parado, tendo já dois pareceres, um do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro e outro do Conselho de Obras Públicas e Minas, encontrando-se ele, no emtanto, na posse do Ministério da Guerra, por este Ministério achar inconveniente a sua construção.

O Orador: —Devo dizer a V. Ex.a que conheço o assunto muito bem; o meu desejo, porém, seria que V. Ex.a, pela sua pasta, o chamasse a si e tratasse como é mester.

Pergunto a V. Ex.a se realmente está convencido de que dessa constituição poderão advir alguns perigos para Portugal.

Devo declarar francamente que não tenho medo algum.

O Sr. Ministro do Comercio e Comunicações (António Fonseca):—V. Ex.a com preende muito bem que não posso dar uma informação a tal respeito, visto que não sou um técnico; porém, a minha opinião é de que não vejo que possa haver receios.

O Orador: —

O Sr. Ministro do Comercio (António Fonseca): — Há-de ser resolvido em Conselho, mas o Sr. Ministro da Guerra pode ter a mesma opinião que as autoridades militares, e eu teuho a opinião dos engenheiros civis.

O Orador: — Já que o Sr. Ministro do Comércio me honrou com a sua interrupção, quero refèrir-me ao programa Ministerial, lamentando queS.Ex.anão tivesse dado sobre o magno assunto dareorgáni-ganização do Ministério do Comércio, a sua opinião. Aproveito a ocasião para dizer a V. Ex.a e à Câmara que, a comissão de obras públicas e minas a que me honro de pertencer, encarregou-me de relatar os projectos sobre o imposto de trânsito, destinado a criar as receitas necessárias, para se pensar a sério no magno problema das comunicações, encontrando-me embaraçado para o fazer, porque ao meu critério não é indiferente a reorganização do Ministério do Comércio. Entendo, sob o ponto de vista técnico, que nós não podemos de forma alguma ser indiferentes à maneira como se reorganizam os diferentes serviços.

Sr. Presidente, eu disse que lamentava não ver na declaração Ministerial qualquer referência ao assunto, porque V. Ex.a não ignora que está dependente da resolução desta Câmara a reorganização do Ministério do Comércio, publicada no decreto n.° 7:036, de 17 de Outubro, reorganização esta que foi feita à sombra da lei n.° 971.

Estou à espera de que o Governo faça a sua apresentação para requerer à Câmara, em negócio urgente, que o Governo se pronuncie sobre o assunto.

Eecordo que está sobre a Mesa um projecto de lei da autoria do ilustre titular da pasta das Finanças, Sr. António Maria da Silva, que propunha a revogação dos decretos n.os 7:036, 7:037", 7:038 e 7:039.

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O Orador:—Fico com a palavra reservada.

O discurso na integra, revisto pelo orador, será publicado quando forem devolvidas as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente : — Está interrompida a Sessão, para recomeçar às 21 horas e 30 minutos. •

Eram 19 horas e 50 minutos.

SEGUNDA PARTE

Ò Sr. Presidente: — Está. reaberta a sés são.

Eram 22 horas e 10 minutos.

O Sr. Plínio Silva: — Tenho pena de ver a Câmara tam pouco concorrida. (Apoiados}. Não me atrevo a pedir a V. Ex.a que me conceda esperar mais alguns momentos para eu ter a honra de ser escutado por mais alguns colegas, mas porque receio que o meu pensamento seja deturpado. Não julguem que eu cuero arranjar auditório.. .

O Sr. Presidente : — Certamente que .faço essa concessão a V. Ex.a, tanto mais que o Sr. Presidente do Ministério não está presente.

Pausa.

O Sr. Plínio Silva: — Permita-me a Cá m ara que antes de reatar as minhas con" siderações, eu insista num pouto que desejo fique esclarecido por forma tal que as minhas palavras não sejam deturpadas.

Volto a referir-me a um assunto que tinha tratado, quando a sessão foi interrompida. Trata-se do conflito entre trabalhadores da imprensa e as empresas de jornais.

Eu disse que a atitude do então Presidente do Ministério, o Sr. Liberato Pinto, foi uma atitude de neutralidade.

Os trabalhadores da imprensa publicaram um órgão a que deram o nome de Imprensa da Manhã, e as empresas publicaram também o seu órgão, a que deram o nome de O Jornal.

Na minha opinião não deviam ser chamados os militares que não podem manter a solidariedade que deviam ter com

os seus colegas, pois ôsses militares são também trabalhadores.

Eu, só fosse obrigado pelo Governo a fazer serviço de engenharia nua a empresa particular, com que o Estado não tem nad-i, seLtir-me-ia no direito ;le não ir trabalhar.

Assim, eu outondo que o GorGrno não me pode obrigar, pelo facto de ner militar e engenheiro, a prestar serviço em qualquer empresa particular, levando-me por essa forma a não manter pari com os meus camaradas civis aquela solidariedade que eu, como profissional devo ter para com eles. E digo isto sem que me custe porque sou dr.queles ;j_uc pertenceram àquele período da nossa política em que se chamava «formiga biv.n 'a» a todo .o indivíduo filiado no Pari: ri o Democrático. A frase: «aquela que ;ili vai é uni fon ligãos j lançada desden.houan.ente sobre todos os democráticos, tinha então," simplesmente, por fim criar um mau ambiente aos infelizes qiu; oram apohNdos. E como pertenci a essa fase da política nacional, não me importa que agora ino chamem bolchevis'a. (2íisoa). Apenas ft.ço votos, dado que vingue unia tal pro^r.ijanda contra inim, ^ue o Sr. Liberato Pinto se conserve no Estado Maior da Gua:da Kepu-blic.ina, para que ao monos eu possa ter a e^penmç:: d<í p='p' no='no' ser='ser' tratr.dc='tratr.dc' risos.='risos.' futuro='futuro' l-ativeiro.='l-ativeiro.' bem='bem' meu='meu'>

Eu tive ainda ocasião de mo referir ao ca:-o da censura vermelha e de dizer a tal respeito que não acreditava que esses homens, que combatiam pela liberdade, pensassem em instituir uma censura, sempre condenável e odiosa. A tal propósito eu pregunto"' então o qi.e significava o facto frequentemente procu/ido nosjor-uais de só mutilarem o, por v3zes, alterarem completamonto os relatos parlamentares feitos poios trabalhadores da imprensa, afirmando ainda que nenhum, jornal, fosso elo conservador o'i radical, tinha o direito de fazer a mais insignificante1 alteração nesses relatos. Porque a verdade1 é que cada jornal, conformo a sua cor política ou os princípios que preconiza, vá; apreciava, comentava e até modificava os discursos que aqr.i ;;o produziam. Tal procedimento ó absolutamente indigno duma imprensa hom sta,

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estou fazendo, chamo a sua atenção para o quo vein publicado no jornal A Época, •do dia 4 do corrente, relativamente às considerações aqui produzidas pelo nosso ilustre coiega Sr. António Francisco Pereira.

_ Verá, depois disso, a Oâmarà se eu tenho 'ou não motivo para exigir que a imprensa do nosso paí$ procure trabalhar por 'aquela forma honrada e séria que ó justo esperarmos dela.

Sr. Presidente: o meu primeiro cuidado, amanhã será ler com toda a atenção ô extracto que se publicará nos jornais a propósito do que tenho dito hoje nesta •casa do Parlamento.

Vevomos se de facto esse extracto traduz nas suas palavras a verdadeira atitude que eu 'assumi e as boas intenções que me animaram e que, por certo, têm sido claramente compreendidas por todos aqueles qiie me têm prestado a sua atenção.

Uma wz: — Isso ó -que sej chama fazer bom reclamo.

O Grâd'or: — Sr. Presidente: estando presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a S. Ex.a me vou dirigir, tratando do assunto que é constituído pelo artigo publicado no jornal A Capital do dia 3 dó corrente.

Todos que leram esse artigo com aten-Ção deverão reconhecer que eu também tenho o direito de sentir que sejam "obrigados os militares a colaborarem na confecção dê notícias que julgo contrárias aos interesses da Pátria e da Republica.

"E tanta razão me assisto quanto ó certo 'que já hoje depois de aqui entrar, tive conhecimento de que o Governo se vira forçado a ordenar a apreensão daquele jornal.

É preciso que se modifiquem todos estes processos que ultimamente têm sido adoptados pela imprensa para servirem as suas campanhas. É desta orientação que nasce em grande parte a confusão em que vivemos.

Ainda há pouco, quando era Ministro das Finanças o Br. tíanha Leal, eu sen-ti mágua ao ler os artigos que se escreviam em alguns jornais. A meu ver, a imprensa não tinha o direito de publicar ar-

tigos como aquele que ficou conhecido pela designação: O Armário da Louca. Sr. Presidente: precisamos todos, sem intuitos políticos, de olhar a sério todos os graves problemas que envolvem a questão social.

Existe de facto, não só em Portugal mas em todo o mundo, um conflito gravíssimo entre operários e patrões ou seja entre o capital e o trabalho; em toda a parte esse conflito está revestindo um aspecto que nos deve preocupar.

Ainda não tive ocasião de apurar os elementos necessários que me permitam ter uma clara visão sobre o assassínio de D. Eduardo Dato, ocorrido em Madrid, para poder sobre ele formular a minha opinião; mas o que sei é que em Espanha a forma como esses conflitos se estão' desenvolvendo, tem um carácter extremamente grave, que nós por forma alguma devemos desprezar.

O que se passa em Barcelona, quer por parte dos operários, quer por parte dos patrões, é uma cousa extremamente aterradora e que devemos evitar que em Portugal se procure copiar.

Assim, Sr. Presidente, eu sei que infelizmente para nós, portugueses, já em Portugal se tentoU formar e não sei seja se formou uma organização do patronato, que mó consta ter sido-inspirada em parte na constituição duma instituição análoga de Barcelona, que não tem senão originado conflitos. Não compreendo que pelo facto dum operário, seja de. que" ideal político for, ter assassinado um pa-trão, como represália a esse facto se assassinem dois ou três operários. Ora os acontecimentos de Barcelona têm esse aspecto de represália.

Não devemos copiar tani maus exemplos e eu julgo que são os partidos políticos, honestamente organizados e animados das melhores intenções, que devem servir de medianeiros nesses conflitos entre toperários e patrões.

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Desejo bem que fique completam.en.te esclarecida a miuha maneira de pensar. Tenho o direito de esperar que o que digo neste lugar corra o país inteiro. Como representante da Nação, assiste-me o direito de ter essa aspiração.

Sr. Presidente: vou agora continuar as considerações que estava fazendo sobre o Ministério do Comércio.

Eu disse que, como relator de alguns projectos entregues à comissão de obras públicas e minas, tinha grande dificuldade em encarar certos problemas nos seus aspectos técnicos, pois que a fornia de encarar esses problemas estava ligada com a organização do respectivo Ministério; e disse que na declaração ministerial devia vir o modo de ver do Governo sobre a reorganização desse Ministério, tendo apresentado a dúvida sobre se o respectivo titular, que procedeu a essa reorganização, tinha poder para, à sombra ' da lei que invocou, fazer a reorganização que fez.

Disse que o assunto já fora discutido por vários lados da Câmara, tendo havido até manifestações contrárias a essa reorganização, e existindo mesmo um projecto de lei do Sr. Ministro das Finanças para que sejam suspensos decretos, que com essa reorganização se ligam.

Assim, espero que o Governo se manifeste sobre o assunto e desde já declaro que, logo qne esteja cumprida a praxe da apresentação do Ministério nesta Câmara e no Senado, mandarei para a Mesa uma proposta para que a Câmara se manifeste sobre a questão como julgar mais conveniente.

Na comissão de obras públicas e minas existe um projecto que se liga com o imposto de trânsito, sobre o que o Sr. António Fonseca já tem expresso o seu modo de ver, pois que apresentou a sua proposta.

Interrupção do Sr. Ministro do Comércio (António Fonseca).

O Orador:—Na verdade, a proposta apresentada pelo Sr. António Fonseca refere-se ao imposto de trânsito, dizendo-S. Ex.a que ela é destinada a constituir um fundo de viação.

O Sr. Velhinho Correia já não tinha o mesmo fim.

O Sr. Ministro do Comércio há-de con-

cordar quo nada existe mais prejudicial, para quem desejo trabalhar com ordem, do que esta falta de coordenação entre os vários diplomas.

Eu penso que, em geral, o mau andamento dos negócios públicos em Portugal provém exactamente dos Ministros encararem os problemas sempre isoladamente, ignorando a relação que porveitura existe entre eles e a anterior legislação. Daqui resulta, por vezes surgirem-nos propostas sobre assuntos já resolvidos anteriormente. Paroce-me, pois. que é legítimo que a comissão do obras públicas e minas queira considerar o problema da criação do imposto do trânsito como uma derivação da reorganização do Ministério do Comércio.

O Sr. Ministro do Comercio ti Comunicações (António Fonseca): — ^V. Ex.a dá-me licença? V. Ex.ajá declarou que trataria do assunto em negócio urgente, e, por consequência, poderemos então discuti-lo mais largamente. Em todo o caso, parece-me que não há necessidade de se tornar pendente da organização do Ministério do Comércio a proposta de lei sobro o imposto de trânsito, cuja aprovação me merecerá o maior interesse, por isso que estou convencido de que, se existe uma grave propaganda contra o regime, o seu pior aspecto é, justamente, o que deriva do mau estado das estradas. A maior parte das pessoas não conhece as dificuldades financeiras, não conhece a situação económica, não conhece a situação internacional, não conhecerá coinsa alguma mais; mas o mau estado das estradas conhece-o bem, porque ó nelas qie os eixos dos carros se quebram, porque desse mau estado é que graves prejuízos resultam.

A^ê-se, portanto, como seria preferível que V. frx.a, como excelente relator que será dessa proposta, a isolasse de qualquer organização e desse sobro ela o respectivo parecer com a maior urgência.

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posso, nem devo fazê-lo, porém, pelas razões que tive ocasião de expor.

Além disso, e não quero agora alongar mais as minhas considerações sobre este ponto, disse que é preciso fazer urna revisão completa das nossas estradas, e alterar cortas características atendendo aos novos processos de viação acelerada, e todos esses factores são de ordem tal que, desde quê abordemos o problema das estradas, isso deve ser feito na máxima latitude.

Há um ponto a discutir e tratar: se essas estradas devem constituir um ramo dependente de administração geral de estradas, e se devem ficar, segundo a classificação antiga, dependentes dos concelhos ou distritos.

Na lei francesa de 25 de Julho de 1920, há um aumento de 20 por cento destinado a dar aos departamentos as receitas para as estradeis departamentais.

Mas desculpe me a Câmara de me ter alongado neste ponto, mas entendi que devia dizer ao Sr. Ministro do Comércio este modo de pensar, para S. Ex.a ficar habilitado para quando o assunto for tratado.

Como modestíssimo cooperador das tropas portuguesas que em França e em África combateram ao lado dos aliados, entendo também do meu dever levantar uma afirmação feita pelo Sr. António Granjo e que não corresponde à verdade.

Referindo-se S. Ex.a ao defectismo que em Portugal se manifestou durante a guerra, disse S. Ex.a que o movimento si-donista de 5 de Dezembro em Portugal, e que pôs na fronteira o actual Presidente do Ministério e outros vultos, como Leote do Eêgo e Norton de Matos, tinha sido olhado com simpatia no C. E. P.

Estranho que S. Ex.a, que pertenceu à unidade mais honrada que houve no C. E. P., infantaria n.° 22, unidade essa a que S. Ex.a de.u uma grande parcela do seu brilho pela forma honrosíssima como se houve, como simples alferes de infantaria, diga isso.

S. Ex.a, pela sua situação especial não pôde dizer que o movimento sidonista tinha sido recebido com simpatia no C. E. P.!

Sr. Presidente: queria neste momento prestar a minha homenagem ao regimento de infantaria n.° 22, que foi. repito, uma das unidades mais honradas em França, uma

das unidades que em França cumpriram integralmente o seu dever, e a primeira que sofreu o choque mais violento da parte dos alemães.

Infantaria n.° 22, Sr. Presidente, foi uma unidade que sempre esteve disciplinada, mesmo muito disciplinada, conforme eu já tive ocasião de dizer em aparte ao Sr. António Granjo.

Sei, Sr. Presidente, e é triste dizê-lo, que infantaria n.° 22 não apareceu rodeada dessa merecida glória, porém, a culpa foi de não haver lá um oficial que tomasse a peito o assunto.

Não posso no emtanto deixar neste momento de prestar a minha homenagem aos relevantíssimos serviços prestados pelo Sr. Eosado.

Não quero neste momento deixar de fazer justiça ao C. E. P., e, fazendo um pouco de história, devo' dizer que, quando se deram em Lisboa os acontecimentos que de toda a Câmara são bem conhecidos, pensou-se logo em França, caso a monarquia fosse restaurada, em mandar para Lisboa forças de infantaria e de. artilharia a repor as cousas no seu verdadeiro pé. O Sr. António Granjo deve saber muito bem qual foi a atitude das tropas.

E já que falei, Sr. Presidente, dos militares do C. E. P., aproveito a ocasião de chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para um assunto que sinto não ter vindo referido na declaração ministe-terial, qual seja o que diz respeito à amnistia e que deve merecer a especial atenção de S. Ex.a, esperando eu que S. Ex.a se ocupe do assunto, resolvendo-o o melhor que puder.

Trate, pois, S. Ex.a de apresentar uma proposta de amnistia, mas que abranja somente os presos políticos e militares do C. E. P., que a Câmara, estou certo, há de concordar com ela, votando-a por unanimidade.

Repito: apresente V. Ex.a à Câmara essa proposta, pedindo para ella a urgência e a dispensa do Regimento, que ela, estou certo, será aprovada:

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U

fiiàríô dá Câmara dos

O Sr. Antóiiio trranjo:— (interrompendo) : —O Ministério era outro e o Sr. Ministro da Guerra não concordara.

O Orador: — Falando do Senado, eu faço justiça â integridade moral dos seus 'componentes, pois seria incapaz de mo reíerir de outra forma a essa Câmara: mas o que é certo é que essa proposta, nessa Câmara, tem -sido várias vezes retirada da discussão e ainda continua fora

^Nao -é ju-sto, não é legítimo, que eu estranhe que o Partido Liberal pense aqui de uma forma e no Senado do outra?

O Sr. António Granja: —O Partido Liberal é função da oportunidade e votou como -devia votar, quer numa Câmara quer na outra.

O Orador: — Fazendo parto do Governo o Sr. Helder Kibeiro, e em o Ministro da Guerra quem devia ter indicado ao Sr. Presidente do Ministério quais eram •os crimes essencialmente militares que deviam ser amnistiados, S. Ex.a concordou, mas no S'enado o Sr. Ministro da Guerra Álvaro de Castro considerou esse projecto como atentatório da disciplina militar.

Ora, como V. Ex.a sabe o verifica agora, eu sou completo nas minhas considerações.

Interrupção do Sr. António Granjo não' ouvida,

O Orador: — Sr. Presidente: já insisti e tive felizmente da parte dos meus correligionários do Senado a maior boa vontade, para que o projecto de amnistia aos militares do Corpo Expedicionário Português fosse aprovado de forma que tenha execução no dia 31 de Janeiro. Não o consegui porém.

Aproxima-se uma outra data, data que todos nós sentimos, e que é o 9 de Abril.

Sabe-se que essa data foi encolhida, e muito bem, pelo então ilustre Presidente do Ministério Sr. António Granjo, para que se fizesse a comemoração aos soldados desconhecidos mortos na Grande Guerra, data que, a meu ver, V. Ex.a devia aproveitar, procurando desde já, co'm â sua muita diplomacia, com o seu muito afecto aos valorosos soldados do

Corpo Expedicionário Português, que a amnistia seja aprovada na outra Câmara de forma que, nossa data, esses militares sejam amnistiados.

Quero dizer a V. ExA neste momento, que colha as suas informações, se as minhas não forem suficientes, porque uma certa quadrilha da mão fatal, de que tanto se falou, não pode ser amnistiada, por esse decreto, e estou convencido do que alguns indivíduos que a essa troupe pertenceram já há muito tempo andam e:n liberdade.

Além disto, V. Ex.a Sr. Presidente do Ministério, foi uma vítima directamente atingida por esse período do sidonismo, e eu posso afirmur que as causas que levaram alguns desses soldados, que anteriormente tinham demonstrado sempre o seu amor à Pátria e à EepúbJca, a praticar muitos actos condenáveis, foi serem vítimas directas do movimento que aqui se fez, contra a nossa intervenção na guerra.

E, já que falei no 9 de Abril e na comemoração que se tenciona fazer, desejo referir-me às palavras quo nosta Câmara foram pronunciadas há dia;s pelo Sr. Leote do Rego, pedindo a V. Ex.a que empregue os seus esforços para que nos poupe à necessidade de termos de tomar qualquer atitude, que tenha por fim impedir que os militares desconhecidos mortos na Grande Guerra, vão repousar nos Jerónimos, ao lado do cadáver de Sidónio Pais. Com toda a lealdade devo dizer a V. Ex.a que este assunto é delicado, e que, conseqiientemente, V. Ex.a deve evitar que se dêem quaisquer incidentes desagradáveis, pois, camaradas meus estão dispostos a secundar qualquer gesto que seja necessário efectivar para que os cadáveres dos soldados desconhecidos não vão repousar nos Jerónimos.

Sr. Presidente: diz-se por aí que eu quero mais bolchevismo e para que as minhas palavras não tenham um significado errado, eu vou explicar à Câmara o meu pensamento.

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Sessão de 30 t 11 ds Março da 1921

S. Ex.a não precisa de que eu defenda os seus planos, S. Ex.a terá oportunidade de os pôr ein execução.

Registo com prazer a "parte da declaração ministerial que diz respeito à pasta da Guerra.

Xlefere-se a um certo número de assuntos icom os quais eu concordo absolutamente. Pena ó que S. Ex.a o Sr. Ministro da'Guerra pense diferentemente com respeito à escola de retirutíis.

As minhas ideas nesstí sentido sào também, as de distintíssimos oficiais, que Be tom. ocupado do assunto.

Seria esta a única maneira de termos um exército capaz e em relação às forças do Tesouro.

Sr. Presidente: não quero abusar mais da paciência da Câmara, mas tenho fé em que o Governo do Sr. Bernárdino Machado saberá manter para com os alia-. dos na paz a mesma a'titude que teve na guerra.

E assim, Sr. Presidente, termino, como principiei, isto é, que as dificuldades que S. Ex.a encontrou na constituição do Ministério são uma prova de que estava evidentemente indicado para chefiar um Governo neste momento grave da nossa nacionalidade, não só pelo seu passado republicano, como pelas notáveis qualidades de homem público que ninguém pode contestar. (Apoiados}.

Se bem que não concorde absolutamente com a constituição do Ministério que vem de se apresentar-, desejo que S. Ex.a se mantenha no seu lugar e firme no seu posto de forma a poder resolver os graves problemas que se acham pendentes.

Estou, Sr. Presidente, -absolutamente convencido e tenho esperanças de que do seu esforço e da sua boa vontade e inteligência muito aproveitará o meu país; pois, se assim não fosse, não teria dúvida em pôr em prática o pensamento que ainda não há muito -tempo tive de abandonar a política, para me ocupar unicamente da minha profissão.

Tenho dito.

Vozes: —Muito bem.'

O discurso na íntegra ptiblicar-se há guando forem devolvidas, revistas pelo orador, as notas íaquigràficas.

O Sr. Nuao Simões: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fespoader a umas afirmações feitas pelo Sr. Plínio Silva.

S. Ex.a refere-se a um assunto que eu aqui ventilei; porém, as consi4eraçík>s que apresentou não conseguiram destruir as afirmações que fiz a tal respeito.

Sr. Presidente : eu devo repetir o que já tive ocasião de dizer à Câmara, isto ê, que foram, as empresas dos jornais republicanos O Mundo, A Vitória e A Manhã que requisitaram os tipógrafos militares para imprimir o órgão das empresas O Jornal.

Até aqui, portanto, a argumentação do Sr. Plínio Silva não destrói nem altera õ que eu, aqui, afirmei.

De facto, se a solução até certo ponto era íeliz, continua a ser feliz para os princípios que defendemos de igu-aldade e de justiça. (Apoiados],

Quanto às considerações que B. Ex.a produziu relativamente aos jornais -monárquicos, que publicam «ousas contrárias ao regime, só tenho a repetir o que já disse há pouco.

Se esses jornais faltam ao respeito quê deveni às instituições, nada mais há a fazer do que aplicarem-se-lhes as leis com potentes. As leis fazem-se para serem cumpridas.

Evidentemente que no momento em que tais jornais faltem ao respeito que é devido pelas instituições vigentes, eu úe-nhuma solidariedade posso ter com eles, nem eu nem nenhum cidadão que se prese das suas qualidades de.bom portugu-ês. (A2)oiaãos}. Nesse momento, repito, lá está o Governo para lhes aplicar ás leis.

Sei que foi apreeadido o jornal A Época. Não sei o motivo, mas sei -qtíe sou contra as apreensões de jornais, porquanto há nas leis os meios suficientes de obrigar os que prevaricam, -& cumprir o seu dever.

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Diário da Câmara dos Deputados

^Se a missão da imprensa periódica fosse idêntica à do Diário das Câmaraé-, a que vinha toda a despesa feita com a confecção deste?

-d. consciência de muitos dos nossos colegas eu pregunto se não têm solicitado muitas vezes as notas taquigráficas dos seus discursos, para que as suas palavras sejam publicadas textualmente, tanto quanto é possíveL

O Sr. Plínio Silva não tinha o direito de dirigir-se à imprensa pela forma que usou no seu discurso. Se, porventura, alguns jornais, por vezes, não fazem a publicação exacta do que aqui se passa, deve reconhecer-se que não corresponde isso a um propósito de faltarem à verdade, mas sim, a deficiência de informação, porquanto muitas vezes aqueles que tentam reproduzir o que nós dizemos, não o podem fazer cabalmente, ou porque não ouvem tudo, ou porque não sabem reproduzir.

Até mesmo contra o Diário das Câmaras eu já tenho ouvido protestos, e, todavia, V. Ex.a e a Câmara sabem que os Srs. taquígrafos procuram cumprir o melhor possível o seu dever. Ninguém mesmo duvida de que os Srs. taquígrafos estão aqui na boa intenção de cumprirem o seu dever.

Sr. Presidente: é preciso que o Sr. Plínio Silva não se esqueça de que o relato imparcial dos acontecimentos é uma cousa e outra ó o direito de crítica dois jornais.

O direito de crítica é livre.

Falou também S. Ex.a da crítica feita nos jornais ao Sr. Cunha Leal.

Sou jornalista republicano. Tratei sempre S. Ex.a como devia tratá-lo. Tive sempre o máximo respeito pelas suas elevadas qualidades de inteligência e de cidadão. Nunca escrevi nem deixei escrever qualquer cousa que pudesse significa:: menos consideração por S. Ex.a mas a verdade ó que não aceito que se possam fazer restrições a ninguém que queira usar livremente do seu direito de criticar os homens públicos, ferindo mesmo o nota humorística, crítica que muitas vezes os leva a corrigirem os seus erros.

Não tenho, como já disse, nenhum* agravos dos trabalhadores dos jornais, nunca deles os recebi.

Sinto os casos deploráveis que se têm

passado e declaro que não quero, de maneira alguma, que o meu nome apareça confundido nestas lutas que se estão fazendo de palavras a mais e por vezes de argumentos a menos.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: Permita-me V. Ex.a que eu vá, contra vontade minha, infringir as praxes regulamentares interrompendo o debate. Por várias vezes tenho tido ;i tentação de pedir a V. Ex.a a palavra, todavia, em obediência a essas praxes tenho-me conservado silencioso. Como, porém, já se começa a fazer especulação com o meu silêncio, eu não posso por mais tempo continuar calado, para que se não comprometam os interesses nacionais que devem ser respeitados.

Permita-me ainda chama]' a atenção dos representantes da imprensa que me estão ouvindo para o assunto de que me ocupo, que é de tal maneira grave, que os mais sagrados interesses do país estão sendo mal tratados.

O jornal de Lisboa A Pátria e o jornal do Porto O Primeiro de Janeiro inseriram notícias, em que é redondamente falso o que se afirma tanto num como noutro periódico.

Nunca o Governo português deixou de enviar os documentos que lhe têm sido pedidos de Paris; nunca eu deixei de ter o mais escrupuloso cuidado aos serviços que estão a meu cargo.

Era necessário que eu fosse um cretino bastante audacioso para, tendo praticado os actos a que estas notícias se referem e vendo que elas se tornaram públicas, me conservasse um momento só que fosse na minha cadeira de Ministro.

Eu desejaria que assuntos desta natureza não fossem tratados na imprensa do meu país, sem que primeiro se buscasse lealmente saber da sua veracidade.

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jE um telegrama que pode encher de orgulho não só a minha qualidade de cidadão, mas também como Ministro da República!

j Aqui tem V. Ex.a e a Câmara como são tratados assuntos desta natureza na imprensa do meu país! (Apoiados).

j Estou farto de ser Ministro; não me encontro aqui por vaidade, nem por necessidade !

i Se alguém tem o irresistível desejo de ocupar a minha cadeira, não tenha dúvidas de que eu lha cedo imediatamente !

A cadeira de Ministro dos Estrangeiros da República Portuguesa está à espera que um patriota maior do que eu a venha ocupar.

A cadeira de Ministro dos Negócios Estrangeiros está à espera ainda do homem de raro talento e de alta envergadura capaz de sobraçar com incontestável competência a pasta que neste momento se encontra a meu cargo; mas o que eu posso afiançar é que ele não procederá nem com mais cuidado, nem com mais zelo, nem com mais patriotismo do que eu tenho procedido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigràficas.

O Sr. Plínio Silva: — Foi com bastante alegria que eu constatei que o Sr. Nuno Simões não conseguiu destruir as afirmações que há pouco fiz e que mantenho, apesar de muitos dos Srs. Deputados, com uma franqueza muito digna de aplauso, as terem classificado de ingénuas.

Depois do que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o vigor extraordinário da sua palavra e com a energia de quem se sente profundamente maguado, acaba de dizer a esta Câmara, mais razão S. Ex.a veio dar ainda às minhas afirmações.

O Sr. Nuno Simões, com cuja amizade muito me honro, foi, além disso, duma grande injustiça para comigo, porquanto eu sou um dos grandes admiradores do jornal que S. Ex.a tam brilhantemente dirige, porque reconheço que ele é um dos mais bem feitos da nossa, imprensa.

Eu não fiz a mais pequena referência nem ao Sr. Nuno Simões, nem ao jornal A Pátria, e, se a fizesse, outra não poderia ser que não fosse a de inteiro aplauso à obra de um novo que eu muito admiro e considero pelas suas qualidades excepcionais.

O que eu disse foi que era grande o meu desgosto em verificar que a grande imprensa do meu país, sem o mais pequeno respeito pelas pessoas qae na nossa sociedade desempenham os mais elevados cargos, se permitia fazer blagues dos seus actos e das suas intenções.

Eu disse, então, que os jornais tinham, evidentemente, o direito de criticar, consoante as suas opiniões políticas, os discursos que aqui se pronunciavam, mas, o que não tinham era o direito de os alterar, dando-lhes um sentido absolutamente diferente.

Tudo quanto afirmei ficou, não obstante a intervenção do Sr. Nuno Simões, inteiramente de pé.

O orador não reviu.

O Sr. António Mantas — Sr. Presidente: falo na minha qualidade de independente; e nessa qualidade é-me indiferente que no Governo estejam as figuras que estão ou quaisquer outras. Que estejam republicanos é o que eu quero, porque confio na obra patriótica do Governo.

Sr. Presidente: se outro motivo eu não tivesse para entrar neste debate, bastavam-me as declarações terminantes feitas neste momento pelo Sr. Ministro dos Estrangeiros.

Da declaração ministerial vários pontos tenho que discutir, mas um há que, sobretudo, me interessa e que já abordei nesta casa do Parlamento.

Felicito S. Ex.a o Sr. Ministro por ter feito declarações terminantes a propósito das reparações que nos são devidas pela Alemanha, e desejaria também ouvir da parte do Sr. Ministro dos Estrangeiros terminantes declarações sobre o que se tem passado no Brasil com os portugueses aí residentes.

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O que me interessa neste caso é o Brasil.

Não. desconhecem V. Ex.as o quo sse está fazendo aos portugueses residentes no Brasil, há um certo tempo a esta parto, no Brasil, já sobre a aplicação da lei da nacionalização da pesca, já sobre o des-erédito de Portugal.

Na imprensa brasileira fazem-se desagradáveis referências a Portugal, ofendendo-se os portugueses ali residentes.

Peço, pois, a .atenção do Governo e do Ministro dos Estrangeiros para o as,-sttnto.

Da forma como foi executada a legislação sobre a pesca dos portugueses h ú muito a estranhar. Os jornais brasileiros referem-s e à forma violenta como f c i aplicada aos portugueses pelo oficial d3 marinha "Vilar.

Sr. Presidente: se quisesse abusar da atenção da Câmara leria o jornal A Pátria, do Rio de Janeiro, onde é 'descrita a forma desprimorosa corno foram tratados os poveiros.

Tem-se feito aí unia campanha de descrédito contra Portugal. O Governo nada tem dito sobre este assunto, como doutros que representam desprestrígio para o bom nome de Portugal.

Sensibilizaram profundamente a Nação as notícias que através da imprensa chegaram ao seu conhecimento.

Impõe-se que o Governo alguma COUSÍL diga.

Devo salientar, contudo, as declarações feitas pelo então Ministro dos Estrangeiros Sr. Melo Barreto, que historiou a questão, até a sua saída do Gevôrno.

Não quero dizer, porém, que o actual Sr. Ministro dos Estrangeiros se queira. eximir a essas declarações. •

S. Ex.a, - certamente, se tivesse tido oportunidade de o fazer, já o teria feito.

Porisao chamo a atenção do S. Ex.a para esse facto.

Outras desconsiderações feitas a Portugal há que V. Ex.a conhece por certo, como a respeitante ao comandante do cru-zador S. Paulo, quando da vinda a Portugal do Rei dos Belgas. Creio ter havido falta de respeito o consideração para as auctoridades de marinha pelo referido comandante e segundo me consta o Ministro dos Estrangeiros trocou notas com o nosso embaixador no Brazil. £ O que há

pois? <_0 como='como' de='de' a='a' país='país' e='e' governo='governo' responder='responder' o='o' livre='livre' p='p' está='está' exigimos='exigimos' um='um' independente='independente' habilitado='habilitado' todos.='todos.' respeito='respeito' somos='somos' tal='tal'>

Além do caso dos poveiros e do" comandante do cruzador S. Paulo. V. Ex.a sabe bem que no Brasil se :?az unia campanha de descrédito contra Portugal, tendo-se até feito referências desagradáreis contra nós mini comício que se realizou na Biblioteca Pública no Rio de Janeiro, ao qual assistiram autoridades brasileiras.

A campanha contra Portugal é do maior descrédito.

Nós, Sr. Presidente, não podemos continuar a viver assim, e o meu desejo seria que o Governo nos dissesse alguma cou-?a sobre o assunto, já que o neo fez na declaração ministerial.

O que é uma falta, Sr. Presidente, ô que os portugueses que aí residem se QÍ<_ que='que' no='no' de='de' tão='tão' necessidade='necessidade' haveres='haveres' os='os' vendo='vendo' e='e' seus='seus' portugal='portugal' retirar='retirar' vender='vender' dizem='dizem' p='p' por='por' yivor='yivor' podem='podem' na='na' para='para' isso='isso' não='não' brasil.='brasil.'>

Desejaria, pois, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pudesse dizer à Câmara qualquer cousa no sentido de esclarecer o assunto, pois o meu receio é de que em Portugal se possa igualmente fazer uma campanha contra o Brasil, cam-ponha essa que já teve o í'eu início no Instituto do Comércio por parte dos alunos, assim como em Coimbra e Porto, o que é perigoso, razão por qt.e a meu desejo será que ela não vá p^r diante, se foi^injusta.

E preciso que se esclareça, o assunto, nfio havendo situações dúbias, e assim eu, permito-me fazer as seguintes perguntas :

<íHá p='p' reclamação='reclamação' portugal='portugal' em='em' brasil='brasil' qualquer='qualquer' contra='contra' o='o'>

£ Se o há, obtivemos já ahruma resposta, e foi ela satisfatória?

Este estado de cousas, Sr. Presidente, é perigoso para Portugal, porém, o que se não pode admitir é que no Eio de Janeiro se façam comícios, como eu já referi à Câmara, fazendo-se uma campanha de descrédito contra Portugal, e nós estejamos de braços cruzados.

Isso ó que não pôde ser o contra isso é que eu me revolto.

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terminantemente o que se passa para tranquilidade de todos nós.

Espero, portanto, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que deve ter conhecimento da questão, nos diga o que se está passando no Brasil.

Só tenho de felicitar-mo se ouvir da parte do Governo explicações no sentido de tudo acalmar e se evitarem a tempo quaisquer manifestações na rua que possam de qualquer forma prejudicar as relações amigáveis entre as -duas repúblicas.

No quero roubar mais tempo à Câmara, tanto mais que anunciei unia interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre o assunto; poderei ficar satisfeito com as explicações de S. Ex.a, mas, se porventura elas não me satisfizerem, manterei essa interpelação e então roubarei mais tempo à Câmara lendo todo o dossier que aqui tenho e que é precioso.

Faço votos para que o Governo tudo aclare e possa declarar à Nação que as nossas relações com o Brasil são boas e cada vez mais estreitas e amistosas.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Eatá esgotada a inscrição.

Como não é possível acabar hoje o debate sobre a declaração ministerial, em virtude do adiantado da hora vou interromper a sessão para reabrir amanhã, 11, às 15 horas.

Está interrompida a sessão.

Eram 24 horas.

TERCEIRA PARTE

Eram 15 horas e 03 minutos do dia 11 de Marco quando se reabriu a sessão.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Continua o debate político. Tem a palavra o Sr. Vitorino Guimarães.

O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: como eu desejava referir-me especialmente ao assunto de reparações, que ontem incidentalmente aqui foi tratado, a propósito do debate político, por isso achava conveniente que V. Ex.a fizesse prevenir o Sr. Ministro dos Estrangeiros, que me consta que já está no edifício, a

fim de vir aqui ouvir as considerações que me proponho fazer.

O Sr. Presidente:—Nesse caso suspenda Y. Ex.a por uns momentos as suas considerações, que eu vou mandar prevenir o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Pausa.

O Sr. Presidente: —S. Ex.a o Sr, Ministro dos Negócios Estrangeiros saiu da edifício, e, se V. Ex.a quere esperar pela sua presença, tenho de suspender a sessão até à sua chegada.

O Sr. Presidente do Ministeriq, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: parecia-me, salvo melhor opinião, que, entretanto, podia continuar a discussão política.

O Sr. Presidente : — Eu só poderei eon-tiauar com a sessão se o Sr. António Granjo quiser, entretanto, usar da palavra.

O Sr. António Granjo: — Para as explicações que tenho a dar à Camará desejaria primeiro ouvir o Sr. Vitorino Guimarães.

O Sr. Presidente: — Nesse caso tenho de suspender a sessão.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) : — Sr. Presidente: <íV. p='p' dá-me='dá-me' licença='licença' ex.a='ex.a'>

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O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente : ouvi as considerações do Sr. Presidente do Ministério, mas entendo que para o caso presente não têm razão de ser.

A questão das reparações é uma das mais graves e importantes para o País, e desde que ela foi levantada a propósito da apresentação do Governo, e visto que eu tenho a minha responsabilidade ligada à maior parte dos trabalhos feitos sobre reparações, pois que tive a honra de ser Delegado do Governo da República junto da comissão que tratou desse assunto., durante alguns meses, entendo que é este o momento para se fazerem declarações e esclarecer o caso; tanto mais que desse esclarecimento a Câmara pode colher alguns elementos para melhor ficar orientada sobre qual é a política que o Governo vai seguir sobre o assunto, mesmo que, como disse, é para mim e deve ser para toda a Câmara o mais grave e importante que temos neste momento. (Apoiados).

Entretanto, se Y. Ex.a quere, embora me custe falar não estando presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e se o Sr. Presidente do Ministério se dá por habilitado, eu, para não se interromperem os trabalhos, farei as minhas declarações.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente : eu estou inteiramente ao dispor do Sr. Vitorino Guimarães.

O Sr. Presidente: —Pode entãoV.Ex.'1 usar da palavra.

O orador não reviu, nem o Sr. Presidente do Ministério fez revisão das sua,? 'declarações.

O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: desde já há muito que me trazia preocupado a maneira como têm sido dirigidos e orientados os nossos trabalheis junto da Comissão de ReparaçOes; e, para que não se julgue que de qualquer forma as minhas palavras vão envolver qualque:" ofensa ou agravo para o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, eu devo declara:? que mesmo durante a minha estada como delegado da Comissão de Reparações, eram

constantes os protestos que tinha de formular pela falta de elementos para cabalmente desempenhar aqueli importante e honrosa missão que o Governo me confiara.

Essa questão, em vez de melhorar, ia piorando cada vez mais. Desde a minha estada em Portugal, tive conhecimento de variadíssimos factos a que é necessário acudir com providências imediatas, pois de contrário ticará enorrnemonte prejudicado o País. E foi para chamar a atenção do Parlamento para este ass cinto que eu, há aproximadamente um mês, enviei para a Mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros acerca dos serviços da delegação da República Portuguesa junto à Comissão de Reparações.

Naturalmente, por motivo da crise ministerial, que se prolongou darante muito tempo, o Sr. Ministro ainda não se deu por habilitado, nem tam pouco enviou alguns documentos que eu ha da pedido e que julgo indispensáveis.

Aguardei ainda mais algurs dias e não podia aguardar mais, porque a questão era verdadeiramente inadiável. Assim, logo que o Governo se apresentou, perguntei ao Sr. Ministro se se dava por habilitado a responder à minha interpelação, pois, no caso negativo, apesar da muita consideração que tenho por S. Ex.a, passaria por cima dessa declaração, e trataria do assunto em negócio urgente.

Ontem não me foi possível vir à sessão nocturna, e hoje, ao sair de casa, fui surpreendido pelo relato do que se passou nessa sessão nocturna, sabendo que o assunto tinha sido levantado nesta Câmara.

E foi pena que tam tarde o soubesse, e que as minhas ocupações oficiais me não deixassem voltar a casa, antes de vir à Câmara, porquanto faria a minha exposição em face dos documentos que eram absolutamente indispensáveis para esse fim.

Porém, como todos os assuntos passaram pela minha mão, creio que à memória me será bastante fácil, para dar à Câmara aquelas informações que julgo indispensáveis e convenientes.

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com isso nenhuma inconfidência, porque nenhum carácter reservado têm essas declarações, pois pelaprópria comissão foram publicadas em toda a imprensa mundial.

Quando se tratou da conferência de .Bruxelas, que precedeu a conferência de Spa, devido aos esforços do Sr. Afonso Costa, a quem o País tam relevantes e inúmeros serviços deve, como ao Sr. Teixeira Gomes, ia habilitado com a súmula das nossas reclamações.

Nessa ocasião ainda não havia cousa alguma precisamente estabelecida, nem elementos próprios, a não ser uma memória sobre os prejuízos económicos e financeiros de Portugal durante & guerra.

Foi com esses trabalhos que se formulou a primeira conta em que Portugal apresentou as suas reclamações.

Tivemos de pedir apenas a 5.a rubrica geral, e assim apresentou-se aquela quantia, que tem servido sempre de base às reclamações portuguesas, e que, se bem me recordo, é de perto de dois biliões de escudos.

Vem a propósito dizer, para salvar responsabilidades e para que não se faça sempre o juízo de que os homens públicos que andam na política nada sabem geralmente das cousas que praticam, que não é verdade que Portugal apresentasse em escudos as suas reclamações, quando os outros poises as tinham apresentado om libras e em francos. Era realmente fazer muito pouco do cuidado daqueles que estavam encarregados desse serviço imaginar-se que .se ia apresentar uma conta em escudos.

A conta foi apresentada em libras, e alcançou a importância de 452 ou 456 milhões de libras. Efectivamente para justificar-se essa quantia pôs-se ao lado o valor desse dinheiro em escudos, em francos e em marcos, e a nossa conta foi apresentada assim,em quatro moedas.

Essa conta causou uma certa admiração, talvez uma certa estranheza à Comissão de Reparações, porque não contavam certamente que Portugal, tendo ido combater r:o conflito europeu, tivesse no emtanto um principal papel de beligerante nas colónias, donde lhe advinham justamente os seus prejuízos mais importantes.

A parte jurídica defensável deve-se ao Sr. Afonso Costa.

Devo chamar a isto a primeira memória subsidiária.

Dadas as observações apresentadas pela Comissão de Reparações, depois duma conferência que se realizou entre mini e o Sr. Afonso Costa, por parte do Governo Português, e os delegados ingleses nessa comissão, ficou assente que nós apresentássemos uma conta mais detalhada.

Fala-se muito iia prodigalidade dos nossosf delegados à Comissão de Reparações. É preciso não conhecer o Sr. Afonso Costa, não saber a ferocidade que ele mantém na economia dos dinheiros públicos, para se supor que S. Ex.a foi em alguma cousa pródigo nas despesas públicas.

Pois deu-se um facto, por absoluta necessidade do momento, que serviu para alvejar o Sr. Afonso Costa e dizer que ele me queria proteger.

• S. Ex.a tinha, num prazo muito curto, de apresentar a conta de Portugal. Não tinha elementos, a Comissão Executiva da Conferência da Paz de Lisboa respon-deu-íhe que á maior parte lios processos estava por ver e que seria muito difícil dar-lhe com brevidade aqueles elementos de que elo necessitava.

Foi então que o Sr, Afonso Costa mandou um telegrama para aqui pedindo que o Sr. Vieira de .Matos, o Sr. Portugal Durão e outros marchassem imediata-tamente para Paris, a fim de ele não passar pelo vexame .de chegar à Conferência de Spa e dizer que não tinha feito .a respectiva distribuição de verbas.

Foram esses senhores para lá, com os elementos que puderam alcançar, e assim se organizou uma segunda conta, em que, para se mostrar a seriedade do Governo da República, não se aumentaram as somas totais nem num centavo, tomando-se o compromisso de que daí para diante, fossem1 quais fossem as reclamações, nunca se aumentaria a soma total, o que faríamos era distribuir as quantias globais pelos vários números correspondentes ao anexo 2.° da parte oitava do Tratado.

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pois embora já tivesse chegado a Lisboa o delegado que o Governo tinha mandado a Angola, para ver os prejuízos, a maior parte dos elementos ainda não tinham sido fornecidos às estações oficiais.

Essa .conta foi acompanhada por uma memória verdadeiramente magistral, com os elementos elaborados na parte geral e com a argumentação jurídica indispensável feita pelo nosso camarada nesta .Câmara, o ilustre professor Sr. Barbosa do Magalhães, trabalhos que o Sr. Afonso Costa aperfeiçoou, dando-lhe aquele brilho e aquele tom de convicção que ele sabe dar aos seus trabalhos, principalmente quando disso algum bem pode resultar para o País e para a República. (Apoiados).

Mas essa memória ainda a podemos considerar subsidiária.

Foi essa conta, com os argumentos de convicção que o Sr. Afonso Costa apresentou e defendeu que, depois de muitas; dificuldades e desgostos, levou o Conselho de Aliados, mais tarde na conferencie, de Spa, a conceder a Portugal "a importância de 0,75 por cento da compensação que tivesse apresentado o Governo Alemão e mais 37 e meio por cento das quantias que, como indemnização, pagasse qualquer, dos outros países inimigos, que eram a Áustria-Hungria, Bulgária e Turquia. /

Parecia a muitos, e á nós também que, resolvido este ponto, a questão estava completamente assente, e que nem seria preciso, talvez, continuar -com os trabalhos da Comissão de Separações, porque era uma quantia à forfait o que foi distribuído a Portugal e, portanto, Portugal, em todos os casos, receberia a quantia correspondente a 0,75 por cento do quo viesse a pagar a Allemanha. Mas assim não aconteceu, porque a Comissão de Reparações fez sabor que não seria paga qualquer quantia a nenhum país, desde que ela não estivesse devidamente justificada, e até aí da parte de Portugal sabia-se de números dados por documentos oficiais, mas não só possuíam as peças justificativas. Foi depois disto quo como-çou por assim'dizer a organização da memória a apresentar à Comissão de Reparações. Isto não quere dizer que por parte dos nossos delegados não se estivesse á trabalhar desde que o Parlamento Português aprovou o Tratado de Paz;

mas, como disse a V. Ex.a, as duas primeiras memórias apresentadas foram dirigidas ao Conselho Supremo e não à Comissão de Reparações.

Conhecida, porém, essa circunstância a que me referi, tratou de sor o meu primeiro cuidado colher todos os elementos necessários para justificar os números apresentados por Portugal, a fim de que na ocasião oportuna eu pudesse apresentar as contas devidamente justificadas, pois achava que seria a suprema das vergonhas, muito maior que não recebermos^ nada, poder-se dizer que Portugal apresentou uma conta por chantage> pois que a não justificou. (Apodados).

Começaram, então, aqui "odas as dificuldades. Portugal, a não ser quando íoi Ministro o Sr. Melo Barreto, a quem devo prestar toda a justiça, porque sei que teve de andar a mendigar pessoalmente pelos Ministérios para me poder fornecer 'os dados solicitados, Portugal com a sua mal organizada burocracia não nos envio'u nada; por mais que eu reclamasse, nada nos mandavam! Há cousas absolutamente extraordinárias, a que terei ocasião de me referir, principalmente pelo que se refere á tonelagem fluvial, sobre a qual parece-me, pelo que li nos jornais, Portugal i lá nada tem a reclamar, por se ter já acabado o praso para essas reclamações! Mais: só conseguiremos receber alguma cousa da tonelagem perdida em Moçambique, porque o nosso colega, Dias Costa, que assistiu à campanha, lá travada, nos pôde dar alguns esclarecimentos sobre as nossas perdas.

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para agora tratar, como já disse; só quero ^referir-me à questão das reparações.

E essa que é urgente resolver, sob pena de sofrermos os maiores prejuízos e vergonhas. (Apoiados).

Sr. Presidente: coineçou-se então a tratar de pedir todos os documentos, até que, em princípios de Outubro, quando me retirei da Conferência de Bruxelas, recebi um pedido da Comissão de Reparações, marcando o dia 1.° de Dezembro para eu entregar a memória dos prejuízos porta-gueses.

Começou novamente o meu martírio, e inútil, porque por mais que pedisse nada consegui. Apenas chegaram a Paris, a 4 de Novembro, os documentos relativos a Moçambique e ao prejuízo de vidas marítimas.

Ainda não existe em Paris a conta das pensões militares.

O Sr. António Granjo (em aparte): — j Se ainda há dezenas e dezenas de viúvas a que ainda não foi atribuída pensão!

O Orador: — Como mais nenhum documento me chegasse, e para que Portugal não deixasse de apresentar a memória, distribuí as contas pelas rubricas que eram indicadas na nota, e na data marcada apresentei uma nova memória com a totalidade.

Jii com profunda mágoa que numa entrevista do Sr. Ministro dos Estrangeiros eu vi que S. Ex.a afirmara que a memória tinha sido entregue pelo delegado, dando a entender que fora o actual, quando foi entregue por mim.

Não gosto de me envaidecer, mas não quero que deixem de me íazer aquela justiça a que tenho direito.

Quero reivindicar para mim esse facto, porque nessa memória, como no mais, nenhuns elementos me foram fornecidos além dos documentos de Moçambique. Eu tive de fazer figurar como bons todos os números que tinha dado ecverifiquei pelo número do Moçambique °que as .perdas eram muito maiores do que nos tinham dito.

Assim se mostrou como a Comissão de Reparações tinha procedido, pondo acima de tudofa sua honestidade, embora a perda de vidas fosse muito maior do que pri-

meiramente se tinha afirmado na Conferência de Spa.

Na memória eu tive ocasião de dizer que o Governo Português protestava contra , a cota diminuta que lhe tinha sido dada.

Fundamentado nesse parecer, estabelecia as respectivas reservas e mantinha todos os seus direitos .para, em ocasião oportuna, proceder à necessária rectificação das contas. Ora foi isto precisamente o que se não fez.

O telegrama do Sr. Jaime de Sousa não vem mais do que provar que essa rectificação se não efectuou e que Portugal nada fez.

Mas há mais. Segundo me informam, S. Ex.a o Sr. Ministro dos Estrangeiros afirmou que possuía todos os elementos indispensáveis para poder responder; todavia, quero crer que S. Ex.a não está bem senhor da afirmação que fez. Se são certas as informações oficiais que me foram fornecidas, S. Ex.a não leu à Câmara qualquer outro documento a não ser o referido telegrama, e, nesse caso, eu posso assegurar, sem.receio de desmentido, que S. Ex.a não possui, conio afirma, todos os documentos, por isso que lhe faltam, entre outros, o que se refere às pensões militares.

Foi assim que, dada a responsabilidade que eu tinha ligado ao assunto, em face da falta de apoio que os republicanos obstinadamente recusavam aos trabalhos da comissão e desgostoso pelo não envio dos documentos tam. insistentemente reclamados por mim, me vi obrigado a abandonar o meu lugar junto da referida comissão, no momento em que eu sabia que a minha falta se faria de certo modo sentir.

Não posso, porém, culpar a comissão executiva da Conferência da Paz, nem tam pouco o Sr. Melo Barreto, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tam diligente, se mostrou no desempenho do seu cargo; eu devo apenas culpar o nosso complicado organismo burocrático. (Apoiados}.

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inimizades, se tanto fosse preciso, para não deixar passar este, ocasião sem a ela me referir.

E certo é que, como declarou o Sr. Ministro dos Estrangeiros, nem tudo está perdido.

No emtanto, para fazermos aquela figura honrada, honesta e digna que se nos impõe, precisámos de executar um trabalho verdadeiramente .colossal, com entusiasmo, • com patriotismo e, sobretudo, com muita competência e muito saber.

A não ser assim nada se conseguia, e eu não sei em que situação ficaria colocado o País.

Como disse, pedi a palavra para isto, pois quero tomar sobre mini a d.evida responsabilidade.

Não admira que o Governo da Alemanha tenha feito reflexões, pois, tendo-so marcado um prazo, l de Novembro, e não tendo recebido nesse prazo, certamente' que a Alemanha não ia esperar.

Sr. Presidente, a parte mais grave do assunto ó outra. O artigo 233.° do Tratado de Paz diz que a Comissão de Eepa-rações tem de entregar à Alemanha, até 30 de Abril, uma conta exacta da relação de todos os países aliados e associados.

Não ó preciso ser formado em direito, nem ter muito conhecimento das questões políticas, para esperar que a Alemanha faria concessões, j Ela não concede nada! Tem de se cumprir o Tratado de Paz na data fixada, no dia 30 de Abril, custe o que custar.

Não é Portugal que tem de apresentar a conta à Comissão de Reparações, e esta comissão tem de enviar para Berlim no dia l de Maio uma nota. Há um prazo de 10 a 15 dias, que não chega, e nesse ponto não posso estar com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

£ Podemos nós justificar essa conta? Julgo que sim, mas ó preciso trabalhar muito, com muita energia e actividade e com grande conhecimento de causa.

Quando pedi a minha demissão havia na comissão milhares do processos. Só para Moçambique havia 2:800.

j Como V. Ex.as vêem, isto é espantoso! A Comissão Executiva da Conferência da Paz pediu a sua demissão.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — V. Ex.a está

equivocado. A Comissão Executiva não po-' dia pedir a sua demissão, ela votou a sua extinção, com o fundamento d<_3 com='com' de='de' comissão.='comissão.' extinção.='extinção.' membros='membros' parlamento.='parlamento.' do='do' meio='meio' lei='lei' mesmo='mesmo' despesas.='despesas.' justificaria='justificaria' das='das' podiam='podiam' nuaca='nuaca' executiva='executiva' ocasião='ocasião' nas='nas' pedir='pedir' em='em' duas='duas' eu='eu' comissiio='comissiio' câmara='câmara' comissão='comissão' na='na' ministro='ministro' compressão='compressão' discordância.='discordância.' feita='feita' sua='sua' que='que' foi='foi' podia='podia' seus='seus' tinha='tinha' fazer='fazer' uma='uma' duma='duma' votada='votada' indispensável='indispensável' se='se' por='por' essa='essa' sido='sido' era='era' extinguir='extinguir' não='não' discutisse='discutisse' pois='pois' mas='mas' só='só' demissão='demissão' ser='ser' a='a' criação='criação' os='os' e='e' motivos='motivos' proposta='proposta' casas='casas' confirmada='confirmada' é='é' assim='assim' atribuição='atribuição' o='o' exista='exista' p='p' necessária='necessária' concordaria='concordaria' minha='minha' qual='qual' portaria='portaria' apoiados='apoiados' extinção='extinção' da='da' porque='porque' votar='votar'>

O Orador: — Para o efeito '3-me indiferente; o que eu sei é que a comissão, depois de 14 ou 15 de Dezembro, declarou que não mais trabalhava.

O Sr. Ministro dos Negócio» Estrangeiros (Domingos Pereira) (interrompendo) :

— A comissão ainda há pouco tempo reuniu, e eu tomei parte nessa reunião, que tratou do parecer acerca dos cabos submarinos, porque ela aceitou a minha proposta de continuar a trabalhai'.

O Orador:—Eu não queio levantar

conflitos, mas acho extraordinária esta

afirmação, porque os homens que fazem

parte dela continuam a afirmar que não

1 têm trabalhado!

O Sr. Ministro dos.Negócios Estrangeiros Domingos Pereira (interrompendo):.— Porque não querem.

O Sr. Barbosa de Magalhães (interrompendo) : — Depois dessa reunião, a comissão deliberou aprovar, nessa mesma ocasião, a acta, porque não queria continuar a trabalhar.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira) (interrompendo):

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O Orador: — Acho inacreditável que a Comissão de Reparações mande dizer que não tinha que fazer, quando eu tinha feito mais de uma dúzia de pedidos.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira) (interrompendo): — O que eu encontrei quando fui para a pasta dos Estrangeiros foi o pedido de demissão de V. Ex.% e como o meu antecessor não lha quis dar. embora V. Ex.a a tivesse pedido insistentemente, a primeira cousa que fiz foi enviar-lhe um telegrama fazendo justiça.ao patriotismo de V. Ex.a e solicitando-lhe que continuasse na comissão. Outros pedidos não recebi de V. Ex.a em-quanto fui ministro.

O Orador: — Eu não tenho senão que manifestar mais uma vez a V. Ex.a os meus agradecimentos pelas provas de estima e consideração que V. Ex.a me deu quando eu pratiquei esse acto.

Mas, reatando as considerações, eu devo dizer que os processos de Moçambique são 2:800, e, segundo boatos que correm, eles ainda estão metidos no armário em que eu os deixei.

E preciso ver os documentos que estão nas condições dadas à Comissão de Reparações, e em seguida classificá-los pelos números dos anexos a que, porventura, devam pertencer.

.Já V. Ex.a vê o grande trabalho que há ainda a fazer. Como já disse, a não ser os de Moçambique, não estão lá mais nenhuns.

É preciso que as contas sejam completadas e justificadas.

Sr. Presidente: vou terminar, para não roubar mais tempo a atenção da Câmara.

A Comissão de Reparações, em Paris, terá de -entregar a sua conta o mais tardar ato 20 de Abril próximo futuro. É indispensável, pois, organizar e classificar devidamente todos os documentos, muitos dos quais ainda não estão revistos.

Assim eu apelo pafa V. Ex.a, apelo para a Câmara e para o Governo, a fim de que, sem perda de um minuto, sequer, se empreguem todos os esforços no sentido de que as contas possam ser completadas, distribuídas pelas rubricas dos respectivos anexos e todas justificadas. Só assim nos dignificaremos e nos colo-

caremos, perante os países aliados e associados, na situação moral que devemos ocupar para termos direito a pugnar pelos nossos interesses e para que haja o reconhecimento dos grandes sacrifícios que fizemos. Tenho dito. .

Vozes: — Muito bem!

O discurso será publicado na Integra, revisto pelo orador-, quando restituir, revistas, ás notas taquigráficas que lhe f oram enviadas.

Nem o Sr. Ministro dos Estrangeiros, nem os Srs. Granjo e Barbosa de Magalhães fizeram revisão dos seus «apartes».

\

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: sabe V. Ex.a e sabe a Câmara que nem sempre aos Ministros é possível estar nesta sala quando desejam.

Hoje vim para a Câmara quando julguei que a sessão estava começando, mas infelizmente' ela começou mais cedo, e assunto importante demorou-me no meu Ministério.

Isto vem a propósito, para dizer que lamento não ter ouvido todas as considerações do Sr. Vitorino Guimarães, visto não estar presente quando S. Ex.a começou a usar da palavra, não tendo eu ainda sido informado devidamente do que S. Ex.a disse antes da minha chegada.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo) : — O Sr. Presidente do Ministério declarou-se habilitado a responder ao assunto.

Apartes.

O Orador: — Eu esperava que V. Ex.a tivesse, com a sua habitual gentileza, esperado a minha chegada à Câmara, ou solicitado a minha comparência.

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O Orador: — Sr. Presidente: dito isto, não surpreenda V. Ex.a a afirmação que vou fazer.

Não quero dizer quê o Sr. Vitorino Guimarães, cuja correcção de há muito conheço, esteja envolvido no que eu não tenho dúvida nenhuma de classificar de -uma cabala dirigida contra o óovêrno na própria ocasião em que ele se apresenta a esta Câmara; cabala de que tive conhecimento logo no primeiro dia em que só fez a sua apresentação, porque mo foi dito, e também a outros membros do Governo, que o ataque para o derrubar devia ser muito diferente dos que se têm seguido para derrubar os Governos anteriores.

Apartes.

O Sr. Evaristo de Carvalho (interrompendo):— Isso não é modo de responder às considerações que acabam de ser feitas deste lado da Câmara.

Apartes.

O Orador: — Eu já declarei que não admitia a possibilidade de o Sr. Vitorino Guimarães estar metido nossa cabala, e esteja o Sr. Evaristo de Carvalho seguro de que não deixo de responder n tudo que foi dito, sendo também certo que o Sr. Vitorino Guimarães não necessita da defesa de S. Ex.a, tanto mais que lhe não fui desagradável.

Não me surpreendeu o que me foi dito, e que deve ter sido dito «, mais pessoas, de que a tática a seguir para derrubar este Governo devia ser diferente da tática usual.

• Ia-se tratar de questões administrativas por cada um dos Ministérios, começando pelo Ministério dos Estrangeiros, e, em-quanto o primeiro Ministro atacado não abandonasse o Ministério, não seria visado outro, dentro da mesma tática e da mesma cabala.

Sr. Presidente, o Governo está fazendo a sua apresentação a esta Câmara, e trata-se do debate político.

Estão fora do debate político as assuntos tratados, que são assuntos graves e melindrosos, e, se é certo que as praxes parlamentares andam há muito tempo esquecidas e postas de lado, entretanto há uma praxe salutar que bom é que fosse estabelscida: que quando se tratasse de

assuntos que correm pela pasta dos Negócios Estrangeiros, principalmente, houvesse uma prudência especial e se procurasse prevenir o Ministro, não fosse ele arrastado, pela necessidade da sua defesa de ficar bem perante os seus contemporâneos, como português, a esquecer as conveniências que a sua situação lhe impõe. (Apoiados).

Podia acontecer que a necessidade da sua defesa o obrigasse ao use de elementos, ou de documentos que, uma vez usados, pudessem dar lugar a que ao Ministro íôsse atribuída uma imprudência ou inconveniência.

Não fujo às minhas responsabilidades. Nunca fugi, e não estou disposto a fugir. Tenho a consciência de que hei procurado defender, quanto em mim coube, os interesses nacionais.

Tenho a consciência de que tenho procedido com todo o zelo, de que tenho empregado todo o cuidado na defesa dos interesses da Nação.

Ocupo esta cadeira sem a ter solicitado.

Ocupo esta cadeira, porque b Sr. Presidente do Ministério disse que era indispensável que eu fizesse parte do Governo.

Disse a S. Ex.a que o grupo de que faço parte não precisava, para dar apoio ao Governo, de ter representação dentro dele.

Não levantei a menor dificuldade para a constituição deste Ministério, como não tenho levantado dificuldades para a constituição dos Governos anteriores, e até é dispensável relembrar à Çimara que, quando era Presidente do Ministério o Sr. António Granjo, demonstrei que não me moviam ódios ou malquerenças contra ele e por isso lhe prestei todo o apoio que podia prestar a esse Governo. Tenho procedido assim porque há muito tempo entendo que, como português e republicano, é indispensável acabar esta série de governos instáveis, que não fazem senão grande mal ao País e à República, e até mesmo ao prestígio dos homens públicos.

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me pareceu entrever nas palavras de S. Ex.a

O Sr. Vitorino Guimarães pediu a demissão de membro da Comissão de Reparações antes de eu ser Ministro dos Estrangeiros. (Apoiados}.

Tomei conhecimento do seu pedido de demissão, e a primeira cousa que fiz foi instar com S. Ex.a para continuar.

Eu sabia, e S. Ex/1, porque o disse em documentos do Ministério dos Estrangeiros, que os interesses da Nação podiam ser gravemente prejudicados, se se não fizesse uma substituição rápida e imediata de S. Ex.a na Comissão de Reparações, visto que era necessário que outro delegado partisse com grande antecedência, a fim de -o Sr. Vitorino Guimarães ter tempo para o habilitar com o conhecimento dos elementos que tinha em estudo, e até para se pôr em contacto com organismos com os quais os delegados portugueses tinham de tratar.

Peço a V. Ex.a o favor de rectificar as minhas palavras se, por lapso de memó-sia, visto que estou falando de improviso, for levado a fazer, porventura, qualquer afirmação menos certa. E se não fora estar na situação dum Ministro que teve a honra de ter estado num Governo presidido pelo Sr. Álvaro de Castro, cujo fim próximo, para mim, não tinha dúvida, eu teria^ logo que entrei no Ministério dos Estrangeiros, depois de convencido pelo Sr. Vitorino Guimarães de que era inútil qualquer intervenção minha para a continuação de S. Ex.a na Comissão de Reparações, teria imediatamente chamado um delegado para o substituir.

Não o fiz, e já disse à Câmara as razões por quo não o fiz. Disse-o na altura em que este assunto foi aqui tratado. Disse-o quando pertenci ao Governo Li-berato Pinto.

O que eu não queria que se dissesse é que pretendia mandar para lá, para essa sinecura, aproveitando-me da minha rápida passagem no Poder, alguém, porque é considerado sinecura por muitos esse lugar.

S. Ex.a mesmo mostrou a sua mágoa por virtude de funções dentro desta Câmara, em relação ao trabalho.

Mostrou 'mesmo que a maneira por que estava sendo apreciado era uma das causas pelas quais abandonava o seu lugar;

e que, apesar do trabalho intenso indispensável da comissão, é considerado esse lugar uma sinecura, pretexto para repouso em Paris, cidade de divertimentos e de luxo. x

1 Não quis mandar então para a «sinecura» amigos meus, porque, ainda que o não fossem,' passariam imediatamente por sê--lo, visto que os tinha enviado a Paris para «siuecura», para se divertirem. ,. Foi o Sr. Melo Barreto que tinha sido Ministro antes de mim, e que tinha conhecimento especial dos assuntos a tratar na Comissão de Reparações, convidado.

S. Ex.a respondeu que recusava essa missão.

Eu não quis aceitar esta recusa que me foi dada, e -pedi a S. Ex.a que reflectisse bem até o dia seguinte, em que iria pela sua resposta definitiva, e desejaria que fosse aceita essa missão.

Procurei de novo S. Ex.a Renovou as suas razões, declarando que não aceitava. ,Estava já declarada a crise ministerial, e deixei- para o meu sucessor o encargo de preencher os lugares na Comissão de Reparações.

•Demissionário, já-assim ninguém^ diria que, estando à borda da morte ministerial, aproveitava insofridamente, como um avarento, uma situação boa em Paris para amigos meus.

Mas, infelizmente, o meu sucessor fui eu próprio, e então não tive medo de preencher as vagas dadas nessa Comissão.

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vez um pouco íora da linguagem que usualmente emprego, dizendo que seria preso por ter cão, como por não ter cão.

Sr. Presidente: mas eu não receio nada a censura dos meus actos, e até a desejo, porque a censura aberta, franca, feita a peito descoberto como era uso antigo entre os leais portugueses, só pode dar lugar a desfazer aquilo que nos bas fonds, nos conciliábulos estreitos e reduzidos, se possa gerar contra mim e contra a minha acção, e, quem sabe, talvez, até- contra o meu patriotismo e republicanismo por parte de muitos, coitados, que têm necessidade de andar em «ombóios rápidos para chegarem ao termo a que chegam os que vão em comboios ordinários trilhando os rails que hão-de levar-nos à efectivação das nossas aspirações pela Eepública e à realização do nosso ideal para o fim da Eepública ser o regime que nós sonhámos.

Gosto da censura aberta e leal porque ela dá lugar a defender-me.

Nomeei pessoas em quem reconheci e reconheço qualidades de trabalho, qualidades de inteligência e qualidades de competência.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo] : — Durante o meu discurso tive o cuidado de não dizer a mais leve palavra sobre as pessoas que estão em Paris. Quem ouvir o discurso de V. Ex.a há-de julgar que eu ataquei essas pessoas.

O Orador: — Eu não estou respondendo apenas a V. Ex.a V. Ex.a foi apenas para mim o Cirineu admirável que quis lançar piedosamente ao furado madeiro que me pusersm sobre os ombros as suas mãos auxiliadoras e protectoras para o poder levar a bom termo.

O Sr. António Granjo (interrompendo):— O bom termo é ser crucificado.

O Orador: — Esse é um mau termo. Aproveitei apenas a ocasião para dizer isto, e ainda mais que, até agora, pelos documentos recebidos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, não tenho razão para crer que haja qualquer insuficiência da 'parte dos nossos delegados que nos possa levar a maus resultados, em que, aliás, continuo a dizer "não acredito.

Mas o mal, dizia eu há pouco, vem da instabilidade dos Governos, porque, no primeiro momento em que o Sr. Vitorino Guimarães apresentou o pedido da sua demissão, se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tivesse possibilidade de'se conservar na sua cadeira sem as longas negociações de uma crise, êl3 teria procurado saber de S. Ex.a se demitia ou se se convenceria de que devia continuar. E, de duas, uma: ou o Sr. Vitorino Guimarães se convencia de que devia continuar, e então estava tudo bem, ou, se não aceitasse, nesse momento seria substituído.

Passou-se um largo prazo e não era eu, Ministro dos Negócios Estrangeiros, quem, dentro desse prazo, desde a apresentação do pedido de demissão do Sr. Vitorino Guimarães até que ocupei a pasta, devia nomear o seu substituto.

O mal veio daí, e também do Sr. Vitorino Guimarães não se ter, infelizmente, convencido das razões que havia para não abandonar a Gomis s ao de Reparações.

Eu queria que S. Ex.a me dissesse e à Câmara quantos são 03 processos que estão na Comissão de Reparações.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo) : — j Isso não sei!

O Orador: — Certamente V. Ex.a concordará comigo se eu disser que são algumas centenas.

O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo):— Só de Angola devem existir alguns milhares.

O Orador:—Dentro de milhares contam-se muitas centenas.

V. Ex.a vê que, tendo sidc substituído em meados de Dezembro pelos novos delegados, que soma de trabalho é indispensável para examinar, um a um, todos esses documentos que estão na Comissão de Reparações.

Esse trabalho tem sido feito e conduzido de maneira a ter toda a esperança, que me lisonjeia como português e como Ministro, de que os resultados não hão-de ser^maus, como parecem ser.

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Sr. Presidente: hei-de ainda ter ocasião de voltar ao assunto e, por isso, não tenho dúvida, visto que a Câmara agora já está cansada de me ouvir, em terjiiiiar aqui as minhas considerações.

Quando ao assunto voltar acrescentarei novos detalhes, que muito úteis serão para o conhecimento da Câmara.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigrâficas que lhe foram enviadas.

O Sr. António Granjo : — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para explicações e no campo de explicações me vou manter.

A propósito da insinuação feita pelo Sr. Cunha Leal, quero explicar que o Partido Republicano Liberal não solicitou do Sr. Presidente da República a dissolução exclusivamente para si.

O Partido Republicano Liberal, acentuou a S. Ex.a o Sr. Presidente da República que, se porventura para ser dada a dissolução fosse mais conveniente uma fórmula política em que estivessem representadas várias forças políticas, o Partido Republicano Liberal consideraria essa questão e a discutiria a fim de ter uma corrente de aceitação.

Precisava, ainda, Sr. Presidente, de explicar à Câmara que, jamais me tenho preocupado com o que se poderá chamar a historia secreta dos partidos, não.me julgava obrigado a responder a algumas considerações feitas pelo mesmo Sr. Deputado, a respeito do Partido Republicano Liberal, mas tam somente a fazer a afirmativa de que o Partido Republicano Libera], organizado, embora por três antigos Partidos, constitui uma unidade política e como unidade política age: para fazer a afirmativa de que no Partido Republicano Liberal não há eleitos nem réprobos, tendo todos os mesmos direitos e as mesmas obrigações.

Quero também dirigir-me ao Sr. Plínio Silva, que, fazendo-me referências agradáveis, aludiu a uma espécie de preocupação da opinião republicana pelos sentimentos de dedicação republicana de alguns dos membros desse Partido.

Com a autoridade que me dá o facto de eu merecer a S. Ex.a toda a confiança

sob um tal ponto de vista, devo dizer a S. Ex.a que, se porventura no meu Partido houvesse um único dos seus membros que não estivesse disposto a dar à República todo o seu esforço e toda a sua dedicação, esse membro_ seria imediatamente irradiado do Partido."

Se todos se encontram bem dentro do Partido, e eu me encontro bem com eles, é porque na vida íntima do Partido eles se mostram tam dedicados e republicanos como eu sou. (Apoiados).

O Sr. Plínio Silva fez-se, apenas, eco duma propaganda contra o Partido Republicano Liberal.

'Os Partidos combatem-se peles seus planos e pela acção dos seus homens, e não fazendo intrigas, sempre vis, em relação quer aos seus homens, quer aos seus planos.

• Quero ainda explicar como tinham toda a razão de'ser as considerações que eu produzi no meu discurso, afirmando que era indispensável regressarmos a um período febril de propaganda republicana, .para que novos prestígios se criassem dentro da atmosfera formada por essa propaganda. E o Sr. Cunha Leal que vem dar-me razão. Foi S. Ex.a quem disse que a defesa da República estava quási confiada às massas populares de Lisboa e Porto.

É lamentável que a primeira voz que se levanta, protestando contra essa expressão inexacta de que o País não é republicano, seja da oposição. É lamentável que o Governo e os outros Partidos não repelissem desde logo essa afirmativa.

Mas, Sr. Presidente, sendo estas as explicações que eu queria dar à Câmara, a verdade ó que se suscitou um incidente que me provoca declarações que reputo necessárias, dentro ainda do campo restrito do Regimento, visto que, tendo eu afirmado que não concordava com todos os actos praticados pelo actual Sr. Ministro dos Estrangeiros, essa expressão con^ sente um certo desenvolvimento «em explicações».

Sr. Presidente: não é apenas em relação aos actos praticados pelo actual Ministro dos Estrangeiros, no que diz respeito a reparações, que eu estou em de-1 sacôrdo. Outro há com que eu não concordo.

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dizer, desde já, porque é que eu estou em desacordo.

Eu havia ontem preguntado a mim mesmo porque é que o Sr. Ministro dos Estrangeiros tinha levantado uma questão tam grave e importante, como a das reparações, a pretexto duma simples notícia vinda nos jornais.

Eu tenho preguntado a mim mesmo porque é que S. Ex.% podendo resolver o problema com uma simples notícia oficiosa enviada aos jornais, vinha fazer a este Parlamento uma grande estirada patriótica, envolvendo esse caso no debate político que se estava travando.

Disse S. Ex.a que estava informado de que se preparava contra ele ema cabala política de que, porventura, o Sr. Vito-rino Guimarães era o instrumento inconsciente.

O Sr. Afonso de Macedo:—V.Ex.aestá equivocado. O Sr. Ministro dos Estrangeiros não envolveu a pessoa do Sr. Vi-torino Guimarães nas suas" referências.

O Orador: — Ora essa!

O Sr. Carios Olavo: — O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros declarou peremptoriamente à Câmara que o Sr. Vi-torino Guimarães não estava envolvido nessa cabala política.

O Orador:—Em nada alteram as minhas palavras as considerações feitas pelos ilustres Deputados que me interromperam.

Foi dirigindo-se ao Sr. Vitorino Guimarães que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros falou da tremenda cabala política que se estava urdindo contra o Governo. Foi esta a atitude do Sr. Ministro dos Estrangeiros na sessão nocturna de ontem.

Dizia eu que é lamentável que os Ministros, quando discutem assuntos de ordem administrativa, produzam considerações de carácter político; e é ainda mais detestável que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, discutindo um assunto de tanta monta como é o das reparações, faça discursos de carácter quási que estritamente político. Não está- em causa nem o patriotismo, nem a inteligência, nem o republicanismo do Sr. Ministro dos

Estrangeiros ou de quaisquer funcionários públicos.

O que é certo é que o Sr. Ministro dos Estrangeiros, nas suas respostas ao- ilustre Deputado Sr. Vitorino Guimarães, se limitou a discutir o pedido cê demissão do Sr. Vitorino Guimarães e por forma nenhuma sossegou o País.

O Sr. Vitorino Guimarães disse bem alto que, segundo as suas informações, tendo Portugal de justificar todos os seus pedidos até uma data, que elo fixou como a mais recuada, de 20 do próximo mês, só existiam em Paris os documentos relativos aos prejuízos sofridos em Moçambique, não estando sequer averiguados os prejuízos sofridos na metrópole.

Mais afirmou S. Ex.a que uma parte do nosso pedido, quantia aproximada a 100:000 contos, nem sequer tinha ainda rubrica nem um começo de justificação.

A isto respondeu o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que as cousas não correriam tam más como se afigurava ao Sr. Vitorino Guimarães e aos outros pessimistas.

Isto não é resposta.

O que o Sr. Ministro dos Negócios,Es-trangeiroS' tem de dizer é se os nossos pedidos de reparação estão ou não totalmente justificados; se esses pedidos podem ou não ser justificados, até à data em qne temos de apresentar os respectivos documentos.

O Sr. João Bacelar: — ,;V. Ex.a dá-me licença ?

Eu ouvi mesmo uma afirmação mais Agrave.

O Sr. Vitorino Guimarães disse que, segundo as suas informações, já tínhamos perdido o direito a uma parte da indemnização, por não termos a tempo, no prazo estipulado, apresentado a justificação devida.

O Orador: — Eu vou já tratar ponto.

Se, porventura, Portugal, tendo sofrido prejuízos em importância superior aos que apresentou aos aliados, n,lo pôde documentar em tempo e devidamente os seus pedidos de reparação,

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£ Não há sanções disciplinares para esses funcionários que faltaram aos seus deveres? ^Elas não foram aplicadas?

Sendo assim, há sempre sobre estes actos uma sanção política, e quando ela.não se reflecte sobre os principais culpados, é sempre o regime que sofre essa sanção. (Apoiados^).

j Que não se apliquem essas sanções embora, mas que haja, ao menos, uma voz que diga que é indispensável que elas se apliquem!

Eu lembro apenas a V. Ex.a que pense um pouco sobre o que dirá da República e dos responsáveis da República o país, perante um facto desta monta se, porventura, havendo culpados, nós não os castigamos; se, porventura, nós perdemos aquilo a que temos direito por desleixo, por incúria, por cobardia! Eu pregunto a V. Ex.a se não" é a República que fica prejudicada perante a consciência pública.

Ainda, Sr. Presidente, e chamo a atenção do Sr. Presidente. do Ministério, o Sr. Vitorino Guimarães declarou que pensa que até já alguns direitos temos perdido por virtude de não termos a tempo apresentado os nossos pedidos devidamente justificados.

Fazendo esta pregunta, vou dar ao Governo o pretexto de desmentir o que hoje é do domínio público, ou de o confirmar, se por desgraça nossa tiver a necessidade, de o confirmar.

Terminou há pouco tempo um prazo, para a distribuição, creio eu, dos navios costeiros; Portugal tinha direito a uma -parte desses navios, e é público que, por não termos' apresentado a tempo as nossas reclamações, nós podemos considerar perdido esse direito...

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Não é verdade! ' '

O Orador: — Para mim, isso é já o bastante; mas eu precisava de saber se nós não tínhamos esse direito, ou se, tendo-o realmente, tínhamos já a indemnização garantida, ou. se ainda nos seria atribuída.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—Sabe'V. Ex.a

muito bem que não estou na Comissão do Reparações, e assim só posso responder a V. Ex.a baseado nas informações oficiais que possuo.

O Orador: — Eu conheço muito bem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros; S. Ex.a foi Presidente do Ministério de que fiz parte; conhecemo-nos de crianças, e por isso toda a gente me faz a justiça de acreditar que eu não ponho em dúvida a sua inteligência, o seu patriotismo, o seu republicanismo. Mas não posso deixar de dizer que isso não.é uma resposta.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—V. Ex.a não me deixou concluir. Comecei por dizer que só podia responder a V. Ex.a sobre informações oficiais que possuo.

Habilitado com essas informações, respondo a V. Ex.a: ainda não foi feita a distribuição da flotilha alemã, e Portugal continua a ^esperar, com bons e sólidos fundamentos, como sempre esperou, que uma parte dessa flotilha lhe seja distribuída.

O Orador: — Sr. Presidente: felicito-me porque desta vez foi feito nm desmentido claro e peremptório ao que corre em todas as bocas, e em que se filiam, porventura, , as notícias que provocaram o discurso político que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ontem proferiu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—4V. Ex.a dá--me licença?

E que em todos os países aliados há agentes dos alemães para impedirem que a Alemanha entregue a esses paítes as reparações que têm exigido.

O Orador: — Essa é ainda uma parte do discurso de Y. Ex.a

Mas, vejamos a questão atendendo somente aos altos interesses do País sem exaltações dispensáveis. É claro que os alemães hão-de empregar todos os seus esforços para fugir ao cumprimento das suas obrigações.

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flotilha alemã ainda não foi distribuída e Portugal continua a ter o seu direito a uma cota parte dessa flotilha, conforme o Tratado da Paz. O Governo julga que esses direitos estão devidamente assegurados; o Governo julga que uma cota parte da flotilha alemã está assegurada. Não tenho senão que felicitar-me com essas declarações.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Que eu teria já produzido, se não fosse a instabilidade ministerial.

O Orador:—Apesar das palavras do Sr. Ministro dos Estrangeiros, rebatendo a minha afirmativa a quando do meu discurso no debate político, devo repetir que não estou inteiramente de acordo com os actos praticados por S. Ex.a

Eu sabia que, ou fosse por estar demissionário o Governo, ou fosse por julgar que o Senado tinha terminado, ou por outra qualquer razão, porventura inconfessável, «u sabia que a Comissão Executiva do Tratado de Paz não se reunia regularmente; eu sabia que fora por consideração pessoal para com o Sr. Ministro dos Estrangeiros que essa comissão se tinha prestado a reunir uma certa vez a fim de dar parecer sobre certos assuntos. Não havia certamente homem público, não àavia um parlamentar da oposição, ao menos, que não soubesse esse facto; em todo o caso o Sr. Ministro dos Estrangeiros não pode queixar-se de que fosse a oposição que lhe levantasse esta questão, e eu esperava pacientemente ou que S. Ex.a o Sr. Ministro doa Estrangeiros trouxesse essa questão ao Parlamento, ou que me acudisse uma ocasião para eu a levantar. Por esse facto não devo senão rasgados elogios à atitude do Sr. Vitorino Guimarães pôr ter posto abertamente a questão.

Não há nestes particulares nem oposição nem maioria; nesta questão há apenas portugueses e Portugal tem direito a saber a verdade.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—V. Ex.a sabe que a crise ministerial durou 18 ou 19 dias e que nesse espaço de tempo não pude vir à Câmara.

O Orador: — Em assuntos desta ordem não pode a oposição ser acusada de pouco patriotismo; mas, Sr. Presidente, tenho razões para acusar o Sr. Ministro dos Estrangeiros de se ter preocupado demasiadamente com a sua situação de demissionário, e não dar conhecimento à Câmara dum assunto desta natureza.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):— <_ que='que' de='de' entendi='entendi' conta='conta' facto='facto' dos='dos' ex.a='ex.a' do='do' indispensável='indispensável' passava='passava' estrangeiros='estrangeiros' se='se' para='para' dar='dar' então='então' ministério='ministério' sempre='sempre' queria='queria' não='não' torna='torna' estando='estando' _='_' à='à' viesse='viesse' os='os' interesses='interesses' é='é' país.='país.' o='o' p='p' eu='eu' câmara='câmara' ministro='ministro' demissionário='demissionário' considere='considere' v.='v.' defender='defender'>

O Orador: — Sr. Presidente: ou eu me engano muito, ou a situação confessada pelo Sr. Ministro dos Estrangeiros é esta: havendo uma Comissão ExecutÍA'a do Tratado da Paz nomeada pelo Parlamento; era, portanto, ao Parlamento que competia o conhecimento dessa situação.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—

Mas então é absolutamente inútil tudo quanto possa vir dizer ao Parlamento.

V. Ex.a ouviu há pouco dizer alguma cousa que devia ser suficiente para impedir que V. Ex.a continuasse a referir-se à Comissão Executiva do Tratado da Paz pela forma como o está fazendo. Já disse e repito que essa comissão me deu a garantia de que continuava trabalhando até que eu trouxesse à Câmara a proposta.

O Orador:—Desculpe V. Ex.1 a minha insistência, mas é que eu estou convencido do sentimento de que tenho razão. Sendo essa uma situação cuja solução dependia do Parlamento, era ao Parlamento que o Sr. Ministro dos Estrangeiros, embora demissionário, a devia trazer imediatamente, porque o interesse público, e é S. Ex.a mesmo quem o confessa, não se podia compadecer com demoras no estudo relativo a reparações.

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O Orador:—

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Eu não fazia parte da comissão.

O Orador:—Este assunto, Sr. Presidente, não se pode complicar nem com apartes nem com habilidades.

Não se trata dum ataque político ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas apenas se trata explicar ao País uma situação delicada; e não há, portanto, repito, apartes ou habilidades que me impeçam de pôr a questão nos seus devidos termos.

O Sr. Ministro dos Negócios. Estrangeiros (Domingos Pereira) (interrompendo):— Se V. Ex.a se refere a mim, eu desde já declaro que desisto de interromper V. Ex.a com apartes.

O Orador : —'Sr. Presidente, eu insisto em dizer que não há nas minhas palavras outra intenção que não seja a de elucidar o país devidamente. Ainda o argumento produzido pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não me parece de colher, porquanto não fiz acusação alguma a S. Ex.a, mas apenas desejo esclarecer °a questão, visto que, se há algum assunto em que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tenha de colher, dia a dia, hora a hora, os necessários elementos, é este um deles, por estar próxima a entrega daqueles documentos que justificam tudo quanto diz respeito à Comissão de Reparações.

Eu não faço a S. Ex.a a ofensa de supor que não se tem interessado pelos trabalhos dessa comissão; porém, se eles corriam pôr forma independente da vontade de S. Ex.a, tinha S. Ex.ao dever de trazer ao Parlamento a questão, e de melhorá-la imediatamente. Se não é isto, não sei o que seja administração pública.

De resto, não é caso único os ministros demissionários mandarem para o Parlamento propostas —quando elas são necessárias para o bom andamento dos'negócios públicos— e já nesta mesma sessão legislativa foram trazidas a esta Câmara

propostas, para se votarem duodécimos, com ministros demissionários.

O Sr. Carlos Olavo (interrompendo]: —-Mas não veio cá o Ministro!,

O Orador: — Ainda isso não é desculpa, visto que, por mensagem ou comunicação, pode, dessa situação, dar conta à Câmara.

Por isso queria perguntar ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, visto que as suas respostas não foram satisfatórias, se nós estamos a tempo de justificar devidamente os nossos pedidos de reparações, ou, por outra, se os direitos de Portugal estão inteiramente assegurados.

jívs perguntas claras e categóricas que eu fiz ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, dá S. Ex.a, apenas, a seguinte resposta: considero os direitos^ de Portugal absolutamente assegurados. E já alguma cousa, mas, em meu entender, não é tudo; e digo que não é tudo, porque fiquei sem saber se o Governo ten^ ou não em seu poder os meios e documentos necessários para justificar as suas reclamações.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Esses documentos estão na Comissão de Reparações; pelo menos é onde devem estar.

O Orador:—Eu não preciso de mais nenhuma resposta. Fico sabendo, o País fica sabendo, porque o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não diz o contrário, que os direitos de Portugal estão inteiramente assegurados, e que as nossas reclamações serão devidamente documentadas na precisa altura.

Nestes termos, não tenho mais do que felicitar-me por esse facto, felicitar S. Ex.a por ter definitivamente liquidado a cabala política que em sua volta se tinha urdido e, finalmente, felicitar, o País, que, certamente, saberá agradecer a S. Ex.a o serviço que acaba de prestar-lhe.

Quero, porém, reservar o meu direito de voltar novamente ao assunto, quer quando se realizar a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães, quer em qualquer outra oportunidade.

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marães implicaria a generalização debate.

do

O Orador:—Não é necessário possuir uma inteligência muita arguta para o prever.

Dizia eu, Sr. Presidente, que me reservo o direito de voltar ao assunto, não só para pedir responsabilidades, mas ainda para fazer os comentários que o facto comporta. Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando este restituir, revistas, as notas taquigráfaas que lhe .foram enviadas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não f et revisão dos seus «apartes».

O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: pedi a palavra para explicar a minha ati-tudo na sessão nocturna de ontem.

O Sr. Domingos Pereira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, fez referências a uma notícia publicada no jornal que eu dirijo. Ora eu devo dizer que nessa notícia se não acusava S. Ex.a pela prática de qualquer facto consumado que dalgu-ma forma desprestigiasse S. Ex.a

Apenas se disse que seria necessário ter muita cautela e cuidado para que factos consumados não tivéssemos de lamentar, de prejuízo para o País.

Foi isso que se disse no jornal que dirijo, porque esse jornal não entra em cabalam políticas nem em campanhas contra quem quer. que seja; e, no caso presente, limitou-se a trazer a público aquilo que nos meios políticos se dizia e que era necessário que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros explicasse.

Em face do que disse ao Sr. Vitorino Guimarães e ao Sr. António Granjo, apenas tenho que me felicitar pelo facto do meu jornal ter abordado um assunto tam importante, e tenho também o maior prazer em registar as declarações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com prazer, repito, porque sou português e porque sou republicano.

Oxalá que as afirmações que S. Ex.a produziu sejam tudo quanto tem de ficar deste incidente. As declarações do Sr. Vitorino Guimarães justificam as palavras que a esse propósito 'no jornal que dirijo hoje se referiram. Tenho dito. .

O-orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: pouco tempo tomarei à Câmara. Quero apenas referir-me a duis ou três pontos do discurso do Sr. M:.nistro dos Negócios Estrangeiros.

Em primeiro lugar, eu devo dizer que fiz muitos esforços para não fe^er uso da palavra sem que S. Ex.a estivesse presente, porquanto se S. Ex.a tivesse ouvido todas as minhas considerações, S. Ex.a não se teria referido a certos assuntos como se referiu.

S. Ex.;l sabia que eu há muito desejava falar sobre a questão das reparações, porque lhe tinha mandado uma nota de interpelação.

Se houve alguma cabala política, eu devo dizer que apenas no interesse do País e no direito de Deputado eu fundamentei as minhas considerações. Sou absolutamente alheio a qualquer cabala política.

Também o que me levou a falar foi a entrevista que S. Ex.a concedeu ao- jornal O Século.

Foi por isso que eu quis dizer ao Parlamento qual tinha sido o esforço por mim empregado, e, se alguma falta houve, ela não me pode ser atribuída, porque envidei todos os esforços, quer da trabalho quer de inteligência, para que a missão que desempenhava fosse tam completa quanto as minhas forças permitiam. Também devo dizer que me admirei cue S. Ex.a se referisse à maneira como foi feita, a minha substituição, -pois eu tive ocasião de dizer nesse meu discurso qi;.ais os motivos que determinaram a pedir a minha demissão.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros

(Domingos Pereira) (interrompendo): —

O,Orador:—Não senhor. V. Ex.a conhece-me muito bem, e sabe que se fosse por quaisquer actos de V. Eu.* eu não tinha mandado o telegrama de estima que enviei nesse momento.

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burocráticas é que não me foram entregues os documentos. Com S. Ex.a apenas prestei serviços três ou quatro dias.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira) (interrompendo}: — Essa declaração de V. Ex.a é que é importante !

O Orador: —Uma outra declaração eu tenho a fazer.

As duas primeiras memórias foram feitas por presunção.

Portugal n&o fez mais do que cumprir o que a- Comissão Geral de Reparações tinha indicado, para que nos servíssemos de dados estatísticos que mais tarde se apresentariam. Foi isto o que fez Portugal, sem praticar nenhuma excepção.

Depois, em face dos documentos, eu tive a-impressão que os nossos prejuízos são superiores à conta apresentada.

Desde que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos diz, com a responsabilidade do seu cargo e com a garantia do seu passado-republicano, que os interesses de Portugal estão assegurados, cessaram os receios que eu tinha.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O /Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não fez a revisão dos seus apartes.

Õ Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura (Ber-nardino Machado): — Sr. Presidente: entrando neste debate, antes de mais nada... cumpro o dever de saiidar a y. Ex.a, que tam. distintamente preside ao corpo legislativo.

Associo-me, Sr. Presidente, aos cumprimentos dirigidos aos dois Ministros do gabinete cessante, Srs. Liberato Pinto e Augusto Nobre, assim como aos que forem dirigidos aos distintos colegas que eu tive a felicidade de retinir para a constituição deste Ministério.

Ao mesmo tempo agradeço à Câmara as palavras tocantes e que se referem à minha vida de homem público.

Sr. Presidente.: estou certo de que nesta atmosfera de atenções e numa convivência de muita estima entre todos, nós

certamente encontramos ainda no nosso caminho muitos abrolhos, como disse o Sr. Cunha Leal, mas encontramos também algumas flores: as flores, que são gratas, da colaboração dedicada e patriótica.

E, Sr. Presidente, se não podemos fazer o milagre de as converter em ouro, o que procuramos é ainda um milagre maior : o de governar; porque só se pode governar, efectivamente, quando entre os homens públicos se tributa o respeito que a eles cabe, sobretudo quando esses homens públicos representam as instituições nacionais. (Apoiados).

Sr. Presidente: não se pode dizer, que o programa que temos a honra de apresentar à Câmara dos Deputados fosse impugnado.

Os Deputados socialistas certamente não impugnaram as reformas sociais que anunciamos.

O Sr. Nuno Simões, que tanto se interessa pelas questões dos tratados, decerto não impugna o empenho que o Governo manifesta, no próprio programa, de dili-. gentemente os estudar e resolver.

O Sr. Mantas, que se referiu aos incidentes, que, efectivamente, são lamentáveis, ocorridos no Brasil, quere, mesmo lamentando-os, tanto como nós queremos, melhorar e estreitar as relações com a nação irmã.

O Sr. Vitorino Guimarães, que foi quem falou das reparações, a que damos a maior importância, fala delas precisamente no mesmo intuito em que nós dizemos no nosso programa que contamos com 'elas. (Apoiados}.

A este propósito, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com aquela nobreza que ele põe sempre em todos os seus actos, desde bem novo, fez aqui -declarações terminantes, afirmando que no Congresso de Spa foi definida a percentagem que nos cabe.

Antes do Congresso de Spa, a Comissão de Reparações tinha uma alta função. Era a ela que competia liquidar a dívida alemã.

Mas reuniram-se os chefes das principais potências; fez-se o acordo de Paris, e estabeleceu-se o forfait provisório.

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Portanto, a Câmara está vendo que não podemos perder absolutamente nada do que nos foi destinado, indiscutivelmente, absolutamente nada. Não reste dúvida no espírito de ninguém que há-de'entrar para o Tesouro Português o que lhe é devido.

A Comissão de Separações continua os seus trabalhos, e estou certo de que a liquidação há-de ser certa e honrosa para Portugal.

Sr. Presidente: ninguém impugnou o programa/ nem mesmo o Sr. António Granjo, que fez declaração de oposição : S. Ex.a até considerou tímido o programa, termo que não fica muito bem na minha vida política.

A oposição de S. Ex.a limita-se, pois, a uma fiscalização, podendo, portanto, dizer-se que S. Ex.a é governamental.

A questão principal neste debate é se pode ser conveniente um Governo de concentração.

Vários Deputados já se manifestaram e disseram a sua opinião, entre eles os Srs. Eduardo de Sousa e António Granjo, declarando este que não era possível um Governo de concentração.

l j Como não ó possível um Governo de concentração, se em toda a parte há Governos de concentração?! (Apoiados).

Se na Espanha, na França, na Inglaterra e na Itália pode-se governar com Ministérios de .concentração,

Em Portugal tem havido Governos de concentração.

Em 1914, quando eu fui Presidente do Ministério, foi um Governo de concentração, pois assim convinha.

E porquê? Pelo ciúme, pela desconfiança, aliás, está claro, tam natural. Imaginava-se logo que o Governo partidário, se fizesse a declaração, queria o prestigio do Poder.

Declarámos, efectivamente, a nossa intervenção na guerra. £ E qual era o Governo que estava à frente do País ? Um Governo de concentração, que se chamou de União Sagrada.

Sr. Presidente: os Governos partidários entre nós, por mais serviços que te-

Diârio da Câmara dos Deputados

nham prestado, acabaram sempre pela luta entre os Partidos. Aí está,, por exemplo, que o Governo de 1913, se fez a grande obra da nossa restauração financeira, — e se o fez é preciso lembrá-lo, não foi absolutamente com um Governo partidário, porque era apoiado pelos Unio-nistas,— esse Governo devia então ter contado com a força pública suficiente para durar muitíssimo; pois dentro em pouco tempo nós tínhamos tumultos na rua e no Parlamento, e o Governo caiu.

Aos outros Governos partidários sucederam sempre desastres, até a catástrofre de 1917. Por culpa deles, porém? Não, porque em Portugal é difícil, senão impossível, governar com um só Partido; e sendo assim, temos de governar com uma concentração. (Apoiados).

Mas ó interessante que venha aqui o leader da oposição ...

O Sr. António Granjo: — Ltader, não!

O Orador:—Leader ou chefe, V. Ex.a merece todos os títulos! (Risos). Mas é interessante que S. Ex.a venha aqui combater a concentração governativa. Ela é má, mas a concentração oposicionista é óptima e eficaz, está claro, —porque evidentemente a oposição não é senão uma concentração dos Partidos Evolueionista, Unionista e Centrista. E eu pregunto se ela tem mais coesão do que a coesão dos que estão aqui sentados, que ó uma concentração saída toda da União Sagrada, saída toda da nossa intervenção na guerra. (Apoiados). Esta é à base moral da nossa união e não faltaremos aos nossos deveres. (Apoiados).

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foi realizada. A França nos dá o grande exemplo de até hoje não ter precisado de recorrer à dissolução, desde 1905.

Isto, Sr. Presidente, ó nma verdade de direito constitucional; e assim pregunto eu: £ porque é que em Portugal se não há-de fazer essa concentração de todas as forças, tendente a melhorar a nossa acção política ?

O Parlamento é muito capaz de governar, e este Governo-espera, e há-de demonstrá-lo, que, • pela concentração dós Partidos que o compõem, há-de resolver as questões que se encontram pendentes para bem da Pátria e da República.

Eu disse há pouco que o Sr. António Granjo não me fará oposição, antes pelo contrário, pois estou certo que S. Ex.a está pronto a colaborar com o Governo.

S. Ex.a recordou ainda à Câmara, que quando, da sua estada no front, fora convidado por mim, quando lá fui, a ir visitar-me para lhe apertar a mão; a mão, Sr. Presidente, 'com que ao seu lado eu fiz aquela campanha republicana que de V. Ex.a é bem conhecida, pelo que se vê que eu não me esqueci do companheiro de outros tempos.

Assim, pregunto eu, £ porque não há-de ser agora também meu colaborador?

Permita-me V. Ex.a que lhe chame a sua atenção e lhe recorde essa camaradagem, que então existia entre nós, isto é, no tempo em que V. Ex.a era um rapaz e eu o velho que sou hoje, se bem que um pouco mais novo, e assim lhe diga que S. Ex.a na sua alta posição na vida política não é nem Centrista, nem evolu-cionistâ: o Sr. António Granjo representa o Partido Unionista, representa portanto a União Sagrada. (Apoiados).

O Sr. António Granjo fez conosco a política da intervenção militar; fez tudo qnanto pôde para esta glorificação de Portugal, e fez connosco, a política de união que levou à intervenção de Portugal na guerra, que foi absolutamente indiepensá-vel para o prestígio da Nação.

O Sr. António Granjo, Sr. Presidente, ao terminar o seu discurso, recordo-me bem, disse que fazia votos e esperava que este Governo, por mim presidido, não tivesse p mesmo final que eu desgraçadamente tive em 1917.

Esses votos não os aceitei.

é E sabem V. Ex.as porquê? Porque em 1917 quem caiu não fui eu, foi a Repu-blica.

Tenho dito.

O orador foi muito'Cumprimentado.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente:—Está encerrado o debate político.

O Sr. Ministro da Guerra (Álvaro de Gastro):—Pedi a palavra para mandar para a Mesa várias propostas, para as quais requeiro a V. Ex.a a urgência.

Tenho dito.

O Sr. Presidente:—A próxima sessão é na segunda-feira à hora regimental. Está encerrada a sessão. Eram 18 horas e 35 minutos.

Documentos enviados para a Ilesa durante a sessio

Projectos de lei

Do Sr. Augusto Dias da Silva, António Francisco Pereira, José de Almeida, Manuel José da Silva (Porto) e Ladislau Batalha, concedendo amnistia completa por delitos políticos, sociais e militares praticados em campanha.

Para o «Diário do Governo».

Volta para ser submetido à admissão.

Do Sr. Alves dos Santos, sobre a reorganização do ensino público. Para,o «Diário do Governo». Volta para ser submetido à admissão.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro da Justiça, regulando a forma de aplicação da parte dos salários dos presos correcionais.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Requerimentos

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1.° Das actas da comissão importadora de trigos, relativas à aquisição de trigos' desde l dê Fevereiro último ou relativas a qualquer acto do ex-ministro João Gonçalves durante o tempo que esteve no último Ministério;

2.° Cópia dos ofícios enviados da Direcção Geral do Comércio Agrícola para a Direcção Geral da Fazenda Pública e para o Ministério da Agricultura;

3.° Cópias dos ofícios enviados pela comissão importadora de trigos para o Ministério da Agricultura;

4.° Cópia das propostas sobre fornecimentos de trigos desde l de Fevereiro até esta data.

Em 10 de Março de 1921.— João Gonçalves,

Expeça-se.

Eequeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja enviada com urgência nota das vagas existentes nos diversos quadros do funcionalismo aduaneiro, especificando-se quantas dessas vagas dizem respeito a cada Alfândega, e bem assim nota dos funcionários dos mesmos

quadros que há mais de um ano se encontram desviados do serviço activo por motivo de doença, incluindo os desligados por terem sido julgados incapazes pela junta módica.

Em 10 de Março de 1921.— Raul Ta-^nagnini.

Expeça-se.

Eequeiro que pelo Ministério do Trabalho me seja fornecida urgentemente cópia do documento sobre que recaiu o despacho Ministerial e cópia do mesmo despacho que deu lugar à portaria de 26 de Fevereiro de 1921, publicada no Diário do Governo n.° 41, e -que manda entregar à Junta da Freguezia de Luso a importância distibuída à Câmara Municipal de Mealhada por portaria de 11 de Agosto de 1920.

Mais requeiro cópia de todos os documentos enviados pela Junta dê Freguesia de Luso ao Ministério do Trabalho sobre este assunto.

Em 10 de Março de1 1921.— Angelo Sampaio Maia.

Expeça-se.

Os REDACTORES:

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