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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DÍARIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

EM 8, II, 12 E 13 DE ABRIL DE 1921

Presidência do Ex.mo Sr. Abílio Correia da Silva Marcai

Bali as ar de Almeida Teixeira

Secretários os Ex,ffl01 Srs.

António Marques das Neves Mantas

PRIMEIRA PARTE

Aberta a sessão com a presença de 33 Srs. Deputados, lé-se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Afonso de Macedo propõe que seja nomeada uma comissão da Câmara que vá saiidar o marechal Joffre e convidá-lo a comparecer na sessão.

O Sr. Presidente alvitra que as saudações se estendam aot enviados de tutras nações. Aprovada a proposta e aceito o alvitre.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) envia para a Mesa um projecto de lei, no sentido de terem carácter nacional os funerais do Dr. Alexandre Braga. Aprovada a urgência e dispensa do regimento.

Prossegue a discussão da proposta de lei sobre a criação do fundo

. Usam da palavra sobre o artigo 2." os Srs. Jorge Nunes, Afonso de Afeio, Ministro do Comércio (António Fonseca) e Plínio Silva.

Aprovam-se várias proposta» e emendas e rejei-tam^-se outras.

Ê aprovada a tabela do imposto a que se refere o n." 1." do artigo 2.°, salvo as emendas.

Foi aprovada a acta.

Ér admitido um projecto.

È nomeada a deputação parlamentar que hà-de saudar os enviados especiais de França, Inglaterra e Itália.

O Sr. Presidente faz o elogio fúnebre do Dr. Alexandre Braga e propõe um voto de sentimento, ao qual se associam os Srs. João Camoesas, Gar-los Olavo, Vasco Borges, Orlando Marcai, António Granjo, Manuel José da Silva (Porto), Eduardo de Sousa e Presidente do Ministério (Bernar-dino Machado).

É nomeada a deputação que hà-de representar a Câmara nos funerais do Dr. Alexandre, Braga,.

A sessão é suspensa pelas 16 horas e 55 minutos, reabrindo às 17 horas e 20 minutos.

O Sr. João Camoesat apresenta e justifica um

projecto de lê!., concedendo uma pensão à família do Dr. Alexandre Braga. Aprovado, depois de usar da palavra o Sr. Augusto Dias da Silva.

Lêem-se na Mesa oficies do Senado, comunicando a remessa da proposta de lei sobre a amnistia e das alterações inttaduzidas por aquela Câmara.

Ô Sr. António Granjo requere a imediata discussão.

Sobre o modo de votar usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Augusto Dias da Silva, Presidente do Ministério, Estêvão Pimentel, Maldonado Freitas e de r.ovo os Srs. Presidente do Ministério e Cunha Leal. Aprovado o requerimento do Sr. António Granjo.

O Sr. Presidente d» Ministério envia para a Mesa uma proposta de lei, autorizando o Governo a tomar determinadas medidas.

O Sr. António Granjo requere a prorrogação da sessão.

Sobre o modo de votar usa da palavra o Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis), que propõe um aditamento.

Aprovam-se o requerimento e o aditamento.

Lê-se a proposta da amnistia para entrar em discussão.

O Sr. Cunha Leal manda para a Mesa uma questão prévia, sobre a qual usam da palavra os Srs. Presidente do Ministério, por mais de uma vez, Esfèvão Pimentel. Cunha Leal, Manuel Fragoso, Lidislau Batalha, Manuel José da Silva f Oliveira de Azeméis), Augusto Dias da Silva e Orlando Marcai.

Ê rejeitada a questão prévia.

Entra em discussão, na generalidade, a proposta de lei sobre a amnistia.

Usam da palavra os Srs. Orlando Marcai e António Granjo.

É interrompida a sessão para prosseguir pelas 21 horas e meia.

SEGUNDA PARTE

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Diário da Câmara dos Deputada

Silva, João Camoesas, Vasco -Borges e Plínio Silva, que manda para a mesa um novo projecto de amnistia, Ladislau Batalha, Cunha Leal, Go' mês dos Santos, que manda para a mesa um projecto; Vosta Júnior (para interrogar a^ Mesa), Pinto da Fonseca e Sá Pereira (sobre a ordem).

Esgotada a inscrição, o Sr. João Camoesas re-quere a votação nominal.

Rejeitadas as moções dos Srs. Tavares de Carvalho e Sá Pereira, e rejeitada a prioridade para o, votação do projecto do Sr. Plínio Silva, requerida pelo Sr. Dias da Silva, depois do Sr. Sá Pereira ter usado da palavra f obre o modo de votar, a Câmara aprova o requerimento do Sr. João Camoesas.

Efectuada a chamada, verifica-se a aprovação da generalidade do projecto por 58 votos contra 22.

Entrando em discussão o artigo í.°, mandam para a Mesa propostas de emenda os Srs. Gomes dos Santos, Evaristo de Carvalho, João Gonçalves, Dias da Silva, Gódinho do Amaral e António Granja.

O Sr. Malheiro Reimâo faz uma declaração de voto.

Fala ainda o Sr. Plínio Silva.

Procede-se à votação das propostas, trocando-se explicações de vários Srs. Deputados com o Sr. Presidente.

É aprovado o artigo í."

S&o aprovadas as propostas dos Srs. Evaristo de Carvalho, João Gonçalves e Gódinho do Amaral, e consideradas prejudicadas as propostas dos Srs. Gomes dos Santos e Plínio Silva.

É aprovada a proposta do Sr. António Granjo. Entrando em discussão o artigo 2.°, o Sr. Gomes doa Santos manda para a Mesa um artigo novo, qbe é admitido.

Usam da palavra os Srs. Afonso de Melo, Nuno Simões e Cunha Leal, e em seguida é rejeitada a proposta do Sr. Gomes dos Santos.

O Sr. Plínio Silva manda para a Mesa um artigo nove, que é admitido e em seguida aprovado.

É aprovado o artigo 2."

Entrando em discussão o artigo 3.°, o Sr. Dias da Silva apresenta uma proposta de aditamento, que é admitida.

É aprovado o artigo 3." com o aditamento do Sr. Dias da Silva.

São aprovados os artigos 4." e 5." sem discussão.

Entrando em discussão o artigo 6.°, usa da palavra o Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).

O Sr. António Francisco Pereira apresenta uma proposta de aditamento. É admitida.

Usa da palavra o Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).

É aprovado o artigo 6." e rejeitada a proposta ds aditamento.

E aprovado o artigo 7." e dispensada a última redacção do projecto de amnistia.

Entra em discussão o projecto relativo aos milicianos, usando da palavra o Sr. Costa Júnior, Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) e Helder Ribeiro, sendo em seguida aprovado o projecto na generalidade e na especialidade, e dispensada a sua última redacção.

O Sr. Presidente interrompe a sessão para con* íinuar na prtsiima seQundd->)Wm, li.

TERCEIRA PARTE

Reaberta a sessão e lida na Mesa a proposta de autorização apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Agricultura (Bernar-dino Machado), usam da palavra os Srs. Costa Júnior, que manda para a mesa uma moção, a qval é admitida, Cunha Leal, Áboim Inglês, Jorge Nunes, que apresenta uma proposta de substituição, que é admitida, e João Gonçalves.

Volta a usar da palavra o Sr. Cunha Leal.

Seguem-se no uso aã palavra os S

Uia da palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente do Ministério faz ainda uma declaração à Câmara, e o Sr. Presidente interrompe novamente a sessão para continuar no dia seguinte.

QUARTA PARTE

Reaberta a sessão, continua a discutir-se a proposta de autorização apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério para tomar providências relativas à questão económica. Usam da palavra os Srs. Aboim Inglês, António Granjo, qm apresenta uma moção, João Gonçalves, Dias da Silva e Presidente do Ministério e Ministro, interino, da Agricultura (Bernardino Machado). A sessão é. interrompida, marcando o Sr. Presidente a sua continuação para o dia imediato.

QUINTA PARTE

Prossegue a discussão^ da proposta de lei que autoriza o Governo a tomar medidas de fomento no sentido de estabelecer e reprimir qualquer restrição à Uberdade de comércio.

Usam da palavra os Srs. Estêvão Pimentel e João Luís Ricardo, o último dos quais manda para a Mesa uma proposta. Verificando-se que não há número regimental para votações, é encerrada a sessão.

O Sr. Presidente marca a imediata com a respectiva ordem do dia.

Abertura às 14 horas e 40 minutos. Presentes à chamada 37 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Correia da Silva Marcai.

Acácio António Camacho Lopes Cardoso.

Afonso de Macedo.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Álvaro Dias Pereira.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Albino Pinto da Fonseca.

Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Pereira Guedes.

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Albino de Carvalho Mourão.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Carlos Eibeiro da Silva.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Dias.

António Francisco Pereira.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Joaquim Granjo.

António José Pereira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Marques das Neves Mantas.

António Pires de Carvalho.

Augusto Dias da Silva.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Cruz.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Estêvão da Cunha Pimentel.

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco dn, Cruz.

Francisco da Cunha Kêgo Chaves.

Francisco José Fernandes Costa.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Francisco José Pereira.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Francisco de Sousa Dias.

Helder Armando dos Santos Ribeiro,

Hermano José de Medeiros.

Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues.

Jacinto de Freitas.

Jaime de Andrade Vilares.

Jaime da Cunha Coelho.

Jaime Daniel Leote do Rego.

João Cardoso Monis Bacelar.

João Estêvão Aguas.

João Gonçalves.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João Xavier Camarate Campos.

Joaquim Brandão.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António da Costa Júnior.

José Domingues dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

José Rodrigues Braga. Júlio Augusto da Cruz.

Júlio Gomes dos Santos Júnior.

Ladislau Estêvão da Silva Batalha.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Car-, valho.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira dá Rocha.

Manuel José da Silva.

Manuel José da Silva.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Miguel Augusto Alves Ferreira.

Nuno Simões,

Orlando Alberto Marcai.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Rodrigo Pimenta Massapina.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Viriato Gomes da Fonseca.

Xavier da Silva.

Entraram durante a sessão:

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Álvaro Xavier de Castro.

António Abílio Marques de Azevedo.

António da Costa Ferreira.

António Maria Pereira Júnior.

António Maria da Silva.

António Pais Rovisco.-

António de Paiva Gomes.

Ar4ur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Francisco Alberto da Costa Cabral.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

João José Luís Damas.

João de Orneias da Silva.

João Pereira Bastos.

Joaquim José de Oliveira.

José Barbosa. .

José Gomes de Carvalho de Sousa Varela.

José Gregório de Almeida.

José Maria de Campos Melo.

José Monteiro.

José do Vale de Matos Cid.

Júlio do Patrocínio Martins.

Manuel Alegre.

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Diário da Câmara dos Deputados

Vasco Guedes de Vasconcelos. Vergílio da Conceição Costa. Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Faltaram à sessão:

Afonso Augusto da Costa.

Albino Vieira da Rocha.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Antão Fernandes de Carvalho.

António Bastos Pereira.

António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

António dos Santos Graça.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Rebolo Arruda.

Constâncio Arnaldo de Carvalho.

Diogo Pacheco de Amorim.

Domingos Leite Pereira.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cotrim da Silva Garcez.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José Martins Morgado.

Francisco Manuel Couceiro da Costa.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

Jaime Júlio de Sousa.

João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João Ribeiro Gomes.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Aires Lopes de Carvalho.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

José Garcia da Costa.

José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

Júlio César de Andrade Freire.

Leonardo José Coimbra.

Liberato Damião Ribeiro Pinto.

Lino Pinto Gonçalves Marinha.

Luís de Orneias Nóbrega Quintal.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel José Fernandes Costa.

Mem Tinoco Verdial.

Pedro Gois Pita.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Tomás de Sousa Rosa.

Vitorino Henriques Godinho,

PRIMEIRA PARTE

Às 14 horas e 30 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente : — Estão presentes 33 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 14 horas e 40 minutos.

Foi lida a acta e deu-se co7ita do seguinte

Expediente

Carta

Do Sr. João Maria de Santiago Presa-do, agradecendo o voto de sentimento pelo falecimento de seu tio, Conde de Ver ride.

Para a Secretaria.

Ofícios

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, comunicando haverem sido feitos convites ao Corpo Diplomático, para assistir à sessão solene do Congresso em homenagem aos soldados desconhecidos.

Para a Secretaria.

Do reitor da Universidade de Lisboa, convidando S. Ex.a o Presidente da Câmara a assistir à sessão solene promovida pela mesma Universidade, em comemoração dos soldado^ desconhecidos, e que se realizará em 9 do corrente, pelas vinte e duas horas, no pavilhão anexo à Faculdade de Sciências.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal da Pó^oa de Var-. zim, remetendo a acta e documentos respeitantes ao referendum efectuado em Amorim, em 20 do Março findo, sobre a criação da nova freguesia de A-ver-o-Mar.

Para a comissão de administração pública.

Representações

Das senhoras goleganenses,.impetrando a amnistia dos presos políticos. Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Castelo Branco, pedindo que seja mantida a lei n.° 999.

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

Dos habitantes do lugar de Lencadas, pedindo que este lugar não seja desanexado da freguesia de Amorim.

Pxra a comissão de administração pú-oaca.

Telegramas

Do Centro Democrático 15 de Novembro de 1890, do Porto, protestando contra a concessão de amnistia.

Para a Secretaria.

Dos Srs. Marques de Azevedo e Pacheco de Amorim, pedindo para serem representados nas homenagens aos soldados desconhecidos.

Para a Secretaria.

Dos presos da Cadeia Civil do Porto, cx-segundo sargento António Oliveira, do Porto; primeiro sargento José Martins, do Porto; reclusos militares de S. Julião da Barra; reclusos da casa de reclusão da l.a divisão do exército" pedindo para serem abrangidos no projecto de amnistia.

Para a Secretaria,

Da Câmara Municipal da Covilhã, Associação Comercial de Aveiro, Associação Comercial de Póvoa de Varzim, Academia de Viana do Castelo, Comissão Republicana de Murça, senhoras de Vouzela, Caldas da Rainha, 122 pessoas de Vila do Conde, pedindo para ser aprovado o projecto de amnistia por crimes políticos.

Para a Secretaria.

Seis senhoras de Vila Nova de Gaia pedindo a amnistia para os crimes políticos.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Afonso de Macedo: — Sr. Presidente: tendo conhecimento de que chega hoje, às dezasseis horas, a esta cidade o grande cabo de guerra francês, general Joffre, lembro-me de propor a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre se consente que uma' comissão parlamentar vá esperar S. Ex.a á estação do Rossio e convide esse nosso ilustre hóspede a comparecer nseta Câmara, a fim de que a nação manifeste a sua grande simpatia por S. Ex.a

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Fazia tenção de propor à Câmara a nomeação de uma comissão que cumprimentasse, em nome do Parlamento, não só o general Joffre, mas também o general Diaz e o general inglês representante do exército britânico.

Quanto à sessão especial, creio que esta não é a oportunidade para ela se realizar.

O requerimento de V. Ex.a não pode ser posto à votação, porque ainda não há número para se poder deliberar.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Morreu Alexandre Braga! Perdeu a República um dos seus mais nobres defensores, veste de crepes a Nação e, porque assim é, todos os lados da Câmara, sem discrepância de um voto, assinaram um projecto de lei que tenho a honra de enviar para a Mesa e que tem por fim que os funerais seiam feitos pela Nação e à custa dela.

O Sr. Presidente:—Continua em discussão o parecer n.° 697-A.

O Sr. Afonso de Melo: —Não tendo tido ocasião de discutir este parecer.na generalidade, aproveito a discussão dó n.°l.° do artigo 2.° para fazer a análise dos restantes números.

Sei bem qual a forma por que esta Câmara está funcionando e por isso não farei longo discurso.

A iniciativa do Sr. Ministro do Comércio ó de todo o ponto justa e louvável.

As considerações que vou fazer visam principalmente a tabela que está anexa a este número. A tabela considera várias espécies de veículos, sem se atender aos carros de rodas fixas ao eixo, que tanto danificam as estradas. A tal respeito, vou enviar para a Mesa uma proposta.

A mesma razão que tive para aumentar a taxa desses veículos ó a mesma que me leva a reduzir a taxa para os pequenos camiões de carga que tam pouco mal fazem às estradas.

O orador não reviu.

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Diário da Câmara aos Peputades

Foi lida na Mesa, admitida, ficando em discussão.

É do teor seguinte:

Emenda à tabela do n.° 1.° do artigo 1.° :

Onde se diz: «Veículos de duas rodas para carga», acrescentar :

«Sendo de rodas fixas ao eixo, mais 20 por cento».

Onde se diz: «Veículos de 4 rodas para carga» a acrescentar:

«Sendo de rodas fixas ao eixo, mais 50 por cento».

Onde se diz: «Camiões automóveis», modificar para:

«Até 1:500 quilogramas de carga, 100$».—Afonso de Melo.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Kão desejo cansar a atenção da Câmara, mas não posso deixar de dar a minha opinião acerca das propostas quo foram enviadas para a Mesa.

O Sr. Plínio Silva elaborou uma emenda relativamente à classificação de automóveis. Acho que esta classificação de S. Ex.a pode substituir com vantagem a que eu faço na minha proposta, e por isso a aceito. Pela mesma razão aceito de bom grado a modificação que S. Ex.a faz na tabela respectiva, e concordo com a necessidade de estabelecer uma nova categoria de side-cars, embora se me afigure que não há nenhuma espécie de vantagem em estarmos, neste momento, a estabelecer disposições de carácter meramente regulamentar.

Além das emendas a que acabo de me referir, -o Sr. Plínio Silva enviou para a Mesa duas outras propostas. Uma delas refere-se a carros de bois de eixo fixo e de eixo móvel. Sobre o mesmo assunto o Sr. Afonso de Melo mandou também para a Mesa uma proposta de emenda. Como Ministro do Comércio, devo dizer que dou a preferência à proposta do Sr. Afonso de Melo, visto que -ela tem, sobre a do Sr. Plínio Silva., a vantagem de não agravar as taxas que eu propus. Tratei-se dum imposto de comércio e é sempre de boa política financeira o estabelecimento de novos impostos por meio de taxas que -sejam facilmente suportáveis e recebidas de forma a evitar, não digo já um movi-

mento de hostilidade geral, mas pelo menos embaraços sérios na sua cobrança.

De resto, parece-me que o Sr. Plínio Silva, redigindo a sua proposta como a redigiu, partiu dum princípio errado, qual seja o de que esses impostos sobre veículos não eram comportáveis com os impostos sobre animais que concuzem esses veículos. Ora os impostos que se estabelecem não são isolados, quere dizer, os animais pagam e os veículos pagam igualmente; nem podia deixar de s,er assim ...

Mais tarde seriam agravadas por adicionais estas taxas, e assim entendo que seria melhor estabelecer o mposto como eu propus, sem as alterações que foram propostas pelos Srs. Afonso de Melo e Plínio Silva.

O Sr. Afonso de Melo propôs, além desta emenda, uma modificação à tabela com relação aos camiões para carga até 1:500 quilogramas.

S. Ex.a quis fundamentar esta proposta sua, com a necessidade de desenvolver os nossos sistemas de transportes por meios de camiões.

Desejo também proteger, tanto quanto possível, essa exploração de transportes por meio de camiões, e é só por isso que S. Ex.a encontra na primeira tabela taxas que são absolutamente baixas, como a de 150$ para os camiões, sendo por isso certamente S. Ex.* o primeiro a concordar que o imposto não ó excessivo.

S. Ex.a referiu-se ao desgaste que produz nas estradas o trânsito de camiões com carga. Mas o imposto não é calculado em relação ao desgaste unicamente. Não se deve calcular o desgaste das estradas só pelo peso da carga, mas também pela velocidade dos carros.

Se uma camionette faz, talvez, um desgaste menor pelo seu peso, pode fazê-lo maior pela sua velocidade, não podendo todavia eu, neste momento, dizer se ele será maior ou menor.

Mas, no campo de apreciação em que estou, acho que é necessário tÊ,mbem atender à riqueza de um ou outro carro.

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Sessão de 8, li, 12 e 13 de Abril do W2Í

Não podemos, pois, ir sobrecarregar a agricultura com um imposto pesado, como será o de 150$, que para o pequeno lavrador já representa um pesado encargo. Se isso se fizer, dará em resultado o não emprego dessas máquinas nas explorações agrícolas.

E necessário que haja uma boa orientação para que o pequeno lavrador possa explorar e desenvolver a sua indústria, dando-lhe força, e não o sobrecarregando com encargos.

O Orador: — Também é necessário atender à diferença que se dá na nossa moeda.

Um proprietário pagar 100$ ou 150$ é uma cousa relativamente pequena, mas para o Estado, que recebe 150$ de cada um, é uma cousa grande. De resto, como V. Ex.as sabem, esta verba é destinada totalmente para as estradas.

O Sr. Afonso de Melo (interrompendo}:— V. Ex.a está no ponto de vista fiscal e eu estou no ponto de vista agrícola.

O Orador: — Eu não quero abandonar o ponto de vista de V. Ex.a, mas não é um grande encargo o pagar-se os 150$.

Tenho dito.

Oorador não reviu.

O Sr. Plínio Silva;—Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações o ter concordado com a maioria das propostas que apresentei. Acerca daquelas com que S. Ex.a não concorda, peço desculpa para insistir no meu ponto de vista, pois que não ele-" vei as taxas a 100 por cento, mas apenas ao que, em meu entender, deverá dar a receita que S. Ex.a necessita.

A razão por que insisto é porque sou contrário ao empréstimo e ainda porque j algo que se conseguirá a verba que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações precisa.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca) (interrompendo] : —- Se a proposta tivesse o mérito de garantir a verba de 5:000 contos...

O Orador: — Eu garanto tanto como o Sr. Ministro das Finanças o garante.

Eu disse outro dia a V. Ex.a que esse» cálculos eram aproximados e não que eram matematicamente certos.

No emtanto estou convencido 4© que o Sr. Ministro das Finanças poderá garantir a V. Ex.a essa verba.

Tenho dito.

O orador não reviu.

São submetidas à votação da Câmara as seguintes

Propostas

Proponho a eliminação da. palavra «etc.» do n.° 1.° do artigo 1.°, substituindo-se por «e quaisquer outros previstos nas disposições vigentes».—--JorgeNunes.

Foi aprovada.

§ único do n.° 1.° do artigo 2.°: Exceptuam-se deste imposto os animais da raça asinina, bem como os veículos por eles transportados, aos quais será imposta uma taxa reduzida de 75 por cento.—Jorge Nunes. Foi admitida.

Foi aprovado o n.° 1.° do artigo 2.° Foi rejeitada em contraprova, requerida pelo Sr. Plínio Silva, a proposta de emenda apresentada por aquele mesmo Sr. Deputado, do teor seguinte:

Proposta

Proponho que na tabela do imposto de trânsito a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.°, que os veículos de tracção animal sofram o seguinte ijnpoeto anual:

Veículos de duas rodas para passageiros :

Tracção de um animal.....12$00

Tracção de dois animais .... 15$00 Tracção de mais de dois animais 1£$00

Veículos de duas rodas para carga:

Tracção de um animal,,..., 15$00 Tracção de dois animais . , . , 18$Q.O Tracção de mais de dois animais 2Í$00

Veículos de quatro rodas, para passageiros :

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Diário da Câmara dos Deputados

Veículos de quatro rodas, para carga:

Tracção de um animal.....18#00

Tracção de dois animais .... 24600 Tracção de mais de dois animais 30?$00

Sala das Sessões, 6 de Abril de 1921.— Plínio Silva.

Foi rejeitada outra proposta apresentada pelo Sr. Plínio Silva. É do teor seguinte :

Proposta

Proponho que na tabela do imposto de trânsito em estradas, a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.°, seja incluída mais a seguinte categoria de veículos:

Carros de bois, de eixo fixo. . . 12$00 Carros de bois, de eixo móvel. . 18^00

Sala das Sessões, 6 de Abril de 1921.— Plínio Silva.

É lida e submetida à votação a seguinte

Proposta

Proponho que na tabela a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.° do imposto de trânsito seja mencionada mais a seguinte categoria de veículos automóveis:

Side-cars..........90£00

Assim adquiridos : pequeno automóvel de três ou quatro rodas, cujo motor tenha uma cilindrada total não superior a l:100cm3 e cujo peso, compreendida a car-rosserie e acessórios, não exceda 300 quilogramas. A carrosserie deve ser feita para transportar duas pessoas, o niá-ximo.

Sala das Sessões, 6 de Abril de 1921 .— Plínio Silva.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca) (sobre o modo de votar) : —Sequeiro a V. Ex.n para que essa proposta seja dividida em duas partes. Votar primeiro a rubrica para a tabela e depois a definição que S. Ex.a estabeleceu no artigo.

Foi aprovada a primeira parte e rejeitada a segunda.

Foram aprovadas ainda as seguintes

Propostas

Proponho que na tabela a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.° os automóveis

para passageiros sejam grupados pela seguinte forma o com as taxas a seguir mencionadas.

Automóveis para passageiros:

De 12 H. P. ou menos . De 13 H. P. a 24 H. P. . De 25 H. P. a 36 H. P. . De 37 H. P. a 60 II. P. . De 61 H. P. ou mais . .

120,500 180,5100 240#00 300^00 360£00

Sala das Sessões, 6 de Abril de 1921.— Plínio Silva.

Proponho que na tabela do imposto de trânsito de estradas, a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.°, seja de 6$ a taxa para os animais de carga, de tiro e de sela.

Sala das Sessões, 6 de Abril do 1921 .— Plínio Silva.

E aprovada a tabela do imposto a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.° da proposta de lei em discussão, salvas as emendas.

Admissão

Projecto de lei

Do Sr. João Luís Ricardo, tornando obrigatório o seguro contra o risco de incêndio casual, dos prédios urbanos e rústicos de valor superior a 500$, e dos objccros sujeitos ao mesmo risco, de valor superior a 250$.

Para a comissão de Previdência Social.

O Sr. Presidente:—Vou interromper a discussão, em vista de ser a hora de se passar à ordem do dia.

Foi aprovada a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente: — Sem dávida que a Câmara quererá prestar as suas homenagens ao general Joftre, que daqui a alguns minutos deve chegar a Lisboa, para representar o seu país nas homenagens aos soldados desconhecidos, e certamente as quererá apresentar também ao general Diaz qu<_ p='p' lisboa.='lisboa.' a='a' chegou='chegou' já='já'>

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

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A comissão é composta dos seguintes Srs. Deputados:

Sá Cardoso, Helder Ribeiro, Malheiro Reimão, Vitorino Guimarães, Manuel José d,a Silva (Oliveira de Azeméis), João Aguas, Pinto da Fonseca e João Bacelar.

O Sr. Presidente: — Podia dispensar-me de comunicar à Câmara o falecimento do Sr. Alexandre Braga que ó um facto bem conhecido do País.

Cumpro um dever oficial, mas cumpro esse dever com a maior mágoa. A Câ-.mara prestar-lhe há as homenagens que entender.

O Sr. Alexandre Braga -foi um orador de sentimento, um orador de raça, que por vezes atingiu as culminâncias, e que muito se distinguiu no foro e na academia; mas onde mais se evidenciou foi na tribuna parlamentar, como Deputado, vibrando certeiros golpes no regime passado e preparando o advento da República.

Proponho que na acta se lance um voto de sentimento pelo seu falecimento e estou certo de que a ele se associará toda a Câmara.

Vai ler-se o requerimento do Sr. Manuel José da Silva para o qual se pede urgência e dispensa do Regimento.

Leu-se o projecto do teor seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Os funerais do grande orador Alexandre Braga serão feitos pela Nação.

Art. 2.° Fica o Governo autorizado a abrir os créditos necessários para'a execução desta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.— Manuel José da Silva (C)li-' veira de Azeméis) —Pires de Carvalho — Domingos Cruz—Orlando Marcai — A. Pires do Vale - - Helder Ribeiro — fran-cisco da Cunha do Rego Chaves — João Aguas — ferreira Dinis — Jacinto de Freitas — Cunha Leal — João Bacelar — Luís de Mesquita Carvalho — Angelo Sampaio Maia — Viriato"Gomes da Fonseca — José Rodrigues Braga — Eduardo de Sousa — Afonso^de Macedo — Pedro Januário do Vale Sá Pereira — Ferreira da Rocha — L Camacho Rodrigues — A. S. Aboim

Inglês — F. Sousa Dias — João Camoe-sas — Alexandre Barbedo Pinto de Almeida— Albino Pinto da Fonseca — João Luís Ricardo — Francisco Pereira — Costa Júnior — Plínio Silva — J. Mendes Loureiro.

O Sr. Presidente: — Considero-o admitida^ à urgência e à dispensa do Regimento.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente : tantas vezes as circunstâncias se congregam com extraordinária precisão e o sentimento é tal que a palavra se torna excessiva. Tantas vezes os acontecimentos se desenrolam por forma que se torna dispensável o próprio gesto.

E esta agora uma ocasião dessas em que a dor é tam grande que a palavra e o gesto se tornam dispensáveis.

O Dr. Alexandre Braga, Sr. Presidente, tinha um lugar de destaque na República, qual era o de ser um dos seus maiores tribunos; e ser um tribuno, Sr. Presidente, não é somente possuir essa palavra fácil" de dição que serve para exprimir os sentimentos e as ideas, é alguma cousa mais, é o que realmente era Alexandre Braga que interpretava a aspiração de um^ país inteiro.

Alexandre Braga, Sr. Presidente, foi um verdadeiro tribuno em toda a acepção da palavra, pois que a verdade é que a sua palavra representava o sentimento de um povo inteiro, que encontrou sempre nele o intérprete do seu modo de ver e do sentir.

Alexandre Braga, Sr. Presidente, foi de facto um parlamentar brilhante que se evidenciou nesta Casa do Parlamento pelos seus ataques cerrados ao regime extinto e assim, Sr. Presidente, a sua morte neste momento é verdadeiramente lamentável e entristecedora.

A sua morte ó verdadeiramente para lastimar e sentir, e tanto mais quanto é certo que ele representava aqui, nesta Casa do Parlamento, a vontade da Nação inteira, podendo-se mesmo dizer que Alexandre Braga era nesta Câmara o porta-bandeira da Nação.

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uma incapacidade de visão; mas houve também, e sobretudo da parte humilde da sociedade, uma coincidência com o sentir da dignidade social, uma adivinhação das próprias necessidades da raça, e por isso a intervenção de Portugal na guerra foi precisa.

Pois, ainda neste momento, a palavra de Alexandre Braga foi a palavra superior, foi a mais bela, a mais extraordinária palavra interpretativa desse sentimento nacional que era vivo e de acordo com os rebates imperiosos da consciência da Nação.

E se essa" palavra foi assim, foi porque era a palavra de um tribuno, e não é tribuno apenas o repetidor ds palavras, mas aquele homem que sabe assumir a atit-ide característica de realizador dos sentimentos e das aspirações de uma raça inteira. (Apoiados].

Alexandre Braga, porém, avultou para a nossa consideração, não apenas por ter sido o tribuno e o intérprete de uma revivescência nacional, mas também porque a sua vida inteira a deu ao seu ideal, porque toda a sua actividade a entregou sem reservas a esse ideal, e toda a gente sabe como esse homem conseguiu morrer, moço ainda, tendo pela vida fora, num desbaratamento dos seus nervos, dado mostras de uma perpétua adolescência, que a mediocridade desta terra quis amesquinhar class.ificando-a de viciosa, sem querer ver que ela é a diferença que existe entre o talento e a mediocrida.de. (Apoiados).

íjsse homem, desde os bancos da escola, deu numa sociedade apática, como que impotente, o exemplo da actividade e, sobretudo, esta nota, que é característica de todo o movimento republicano em Portugal: a gentileza corajosa das suas ideas e das suas convicções.

Deu a indefectível e inabalável resistência da sua crença; deu-nos, como dá toda a massa republicana, a nobreza, a altjvez, a quási necessidade de sacrifício, com que essa crença se grita contra todas as injustiças e perseguições, e imposições, mesmo, daquela parte da sociedade que já morreu velha e, por consequência, incapacitada de compreender a actuação daquela parte viva da mesma sociedade, que prebende marchar, e marchar de facto, à realização de um grande destino para a nacionalidade inteira.

Sim, nem podia ser de outra maneira! {Alexandre Braga foi um homem ,de acção, no amplo, no perfeito sentido da palavra!

Esta palavra acção esteve 3m tempos muito desacreditada em Portugal.

Imaginava-se que o homem de acção era o homem directo, simples, sem ideas e sem sentimento; uma espécie de força materializada, que seguia imperturbável uma trajectória'de antemão definida.

Imaginava-se que a acção tumana era alguma cousa de cego e fútil, como a marcha de um projéctil; e, por consequência, foi moda em Portugal dizer-se que a geração de 90 foi uma geração inferior, geração inferior à dos precursores, porque foi uma geração que não soube altear-se aos níveis superiores de cultura, tendo sido simplesmente uma sociedade de acção, embora tendente a uma finalidade marcada pela geração anterior.

Mas, Sr. Presidente, a acção humana não é essa marcha cega; a acoão humana é, pelo contrário, o desdobramento de todas as possibilidades de uma individualidade, desde aqueles factores psicológicos primários, até aquela multidão de pequenas ascensões de carácter que dentro da personalidade de cada um de nós acompanha o definir de uma atitude.

Não há parcela nenhuma de organismo humano, não há parte nenhuma da arvoro humana, que não seja interessada na acção do dinamismo,.sobretudo quando essa acção é a acção social, sobretudo quando essa acção, como acção social, é uma acção de renovação, de eliminação dos con-formismos, empecilhadores do progresso e do aumento da comodidade de cada um.

Sim, o homem de acção e c» homem de acção dessa geração de 90 não é uma força cega ou materializada; polo contrário, é mais alguma cousa de que o simples homem que tenha feito ia repetição o fim de todo o seu conhecimento, é o homem que tem o conhecimento, sim, que o assimila, mas não para o guardar e transmitir, porém para o realizar; é o homem que sente dentro da alma a necessidade enorme de levar a todos os corações a mesma luz de verdade e de beleza que o ilumina.

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grande tribuno, não podia deixar de ter sido um grande homem de acção!

E antes mesmo dele morrer, pelo que diz respeito à maneira parlamentar da sua actividade, nós tínhamos tido já ocasião de avaliar o que ele era.

A sua voz não nos acompanhou, infelizmente, desde o princípio desta sessão legislativa, e, com uma sincera humildade, se nós nos interrogarmos neste momento, todos temos de confessar, a nós próprios, que a sua palavra fez falta aqui, sobretudo para aquelas horas de solenidade em que ela era melhor do que a nossa, capaz de definir os nossos sentimentos.

Nenhuma voz como a sua saberia dizer-nos o sacrifício dessa parte da mocidade portuguesa que nos campos de batalha soube cumprir o seu dever.

E não foi um sacrifício perdido. Os nossos heróis, ao caírem na terra ensanguentada da França, ou nos areais escaldantes de África, rasgaram horizontes novos para Portugal.

Foram os profetas de uma renascença social possível, porque uma sociedade que tem filhos capazes de morrerem por ela, não é uma sociedade esgotada, ó sim uma sociedade que espera a intervenção de uma classe dirigente capaz para salvar as aspirações superiores da civilização.

Portanto, em nome do meu partido, associo-me com todo o sentimento à manifestação proposta por V. Ex.a

Associo-me também ao projecto apresentado pele Sr. Manuel José da Sàva.

Não há nada de exagero nesta manifestação; honra-se o Parlamento na manifestação que presta àquele homem, cuja palavra foi, a certa altura da vida social portuguesa, a síntese de toda a aspiração popular.

Vozes:—Muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Carlos Olavo: — Sr. Presidente: cabe-me a honra de, em nome dos Deputados do Partido Eeconstituinte, associar-me às homenagens que acabam de ser propostas pela morte do grande tribuno, que foi honra e lustre do Parlamento Português, Sr. Alexandre Braga.

Não me importa saber, neste momento, em que partido ou facção ele militava, porque não há preocupações partidárias

nem dissentimentos transitórios que possam obscurecer a homenagem que é devida ao patriota ardente e ao republicano indefectível que ele sempre foi.

Sr. Presidente: eu só sei que os homens da minha geração têm o dever de se curvar diante do cadáver daquele em cuja palavra inegualável foram colher as mais puras inspirações da sua fé e os mais inflexíveis ensinamentos da sua conduta.

Só sei que todos os republicanos têm a obrigação de se juntar no mesmo preito emocionado diante da memória do homem a quem a República deve os mais assinalados serviços, desde os tempos agitados da sua propaganda ato as horas, que. têm sido difíceis, da execução dos seus princípios.

Só sei que todos os portugueses, sem distinção de partidos e sem quaisquer ressentimentos que possam resultar de retaliações passadas, têm o dever de cooperar na homenagem a prestar à memória dum homem que foi uma das mais lídimas glórias do nosso foro e uma das mais altas figuras do Parlamento nacional.

O Sr. Dr. Alexandre Braga — pode dizer-se afoitamente — ó uma glória na-cinal, porque foi o maior orador dos nossos tempos.

Outros grandes oradores houve e há ainda, sem dúvida, nesta terra de oradores, mas nenhum o igualou ainda na ma-gestosa exuberância das suas imagens, nas helénicas perfeições da sua forma, na estranha sedução da sua voz e, sobretudo, na suprema inspiração que só podia vir dum grande ideal que vivesse e palpitasse num grande coração de poeta.

Nunca as aspirações da Pátria, aquelas que representam o vivo anseio da realização dos princípios que constituem a ideal democracia, encontraram palavra que melhore traduzisse as suas belezas.

Nunca o sentimento português, aquele que é feito do amor das suas glórias e do desejo de as conservar e perpetuar, encontrou palavra que melhor exprimisse a sua grandeza e a sua generosidade.

Nunca a alma do povo, daquele que 'tem sabido bater-se e sacrificar-se pela República, encontrou palavra que melhor representasse as suas ansiedades e as suas esperanças.

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Braga morreu no momento em que a Nação portuguesa prestava aos Soldados Desconhecidos, mortos pela Pátria, a sua homenagem de admiração e reconhecimento.

Ninguém mais do que o Sr. Dr. Alexandre Braga, com todo o poder da sua eloquência, pugnou pela necessidade imperiosa da comparticipação de Portugal na guerra.

Ninguém melhor do que ele podia representar junto ao túmulo daqueles heróis obscuros a grande emoção da Pátria nas justas proporções da sua gratidão e da sua ternura.

A Nação portuguesa não o esquece e o Parlamento, que a representa, aprovando, não só o voto de sentimento, mas ainda as homenagens que constam do projecto de lei do Sr. Manuel José da Silva, exprimirá desta maneira, duma forma eloquente, a mágoa profunda, sincera e inesquecível que lhe causou a morte daquele grande cidadão.

O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente : em nome do Grupo Eepublicano Dissidente associo-me à proposta de V. Ex.a

A morte do Sr. Alexandre Braga veste de luto a Pátria e a República: a Pátria pelo falecimento de um dos seus filhos que mais ilustrou a mentalidade da raça, a República, porque vê desaparecer um dos seus apóstolos máximos, paladino de sempre dos ideais da liberdade, que por ela sofreu, extremamente a amou e dedicadamente serviu, parecendo até que arrastou a sua agonia para só fechar os olhos quando erguiam a República numa apoteose o velho e novo mundo.

Não cabe fazer em algumas palavras, forçosamente reduzidas e falhas de expressão, a crítica e o comentário do que foi, como cerebração, e do que como ce-bração produziu o Sr. Alexandre Braga, não se me tornando sequer possível traçar o perfil mental e político do que ele foi como parlamentar igual aos maiores, como causídico, a quem a liberdade de tantos deveu auxílio, alento e redenção, como tribuno, emfim, que tantas vezes inflamou de cólera ou de fé aqueles que o ouviam.

Para tanto inclusivamente me faltariam competência e qualidades.

De resto, o vivo sentimento

e de dor que primeiro a notícia da sua doença, e agora a da sua morte produziram, comunga-o intensamente a alma rude, mas sincera do povo. -

Todos os que constituem a mentalidade portuguesa, e até o pesar dos seus próprios adversários políticos, melhor diz do que eu poderia fazê-lo o desgosto que tani triste acontecimento caisa a todos nós.

E que, com a morte de Alexandre Braga, não foi apenas a sua palavra que emudeceu, palavra que tanto enobreceu a tribuna parlamentar, e que tam grande e magestoso fulgor deu ao pretório dos tribunais ; deixou também de pulsar o coração que foi forte e inamovível de bondade, tesouro inesgotável de vi içados afectos e amplas generosidades.

Sr. Presidente: a morte da Alexandre Braga veste de luto a Pátria e a República.

Mas maior é a falta que ele faz à República do que à própria Pátria.

O maravilhoso e admirável florão que ele foi da mentalidade portuguesa, registá-lo há a história dessa mesma mentalidade, de modo qrie subsistindo para a história, conjuntamente subsistirá para a glória da Pátria.

A República, essa é que não mais poderá servi-la, o esforço, a palavra admirável, a dedicação de Alexandre Braga, razão maior para que o seu luto seja mais pesado e rigoroso.

Para todo o sempre a memória de Alexandre Braga perdurará, corao exemplo, estímulo e alento para a fé e para o sacrifício de todos os republicanos, refulgindo na história da Pátria e da República como uma mentalidade de ouro, aureolando um coração diamantino.

Tenho dito.

O Sr. Orlando Marcai: — Sr. Presidente : não pode o Partido Republicano Popular, que delegou em mim o encargo de tain alta responsabilidade, deixar de se curvar dolorido e respeitoso, cheio de mágoa e de saudade, ante o cadáver do gigante da oratória lusitana da actualidade que a morte acaba de arrebatar para as trevas do sepulcro.

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dos os campos da actividade onde o seu talento radiou génio, foi o reflexo nítido, palpitante e luzente do temperamento de meridional .que ao fogo ardente da sua mágica inspiração criou os mais expressivos e admiráveis modelos da beleza artística. (Apoiados).

Ele foi, entre nós, melhor do que nenhum outro, o paladino adorável dos ideais de perfeição o de pureza (Apoiados), símbolo heróico e vitorioso daquela fé estóica que salva os povos à beira dos abismos, semeador dos fulgentes princípios políticos que libertaram a Pátria agonizante da tirania, e do erro dum século de mentiras e de convencionalismo (Apoiados), e, num momento em que ela pendia irre-messívclmente para a ruína e para a perdição, foi também o que mais galharda, mais fidalga e mais ousadamente soube propagar e impor o credo republicano que se elevava, vivo e scintilaute, através da sua maravilhosa alma de peninsular, irmã gémea da dos poetas máximos que ofuscam as laudas douradas das crónicas portuguesas no canto augusto das suas glórias imortais. (Muitos apoiados).

Alexandre Braga começou do consagrar-se definitivamente como orador de raça, na sua peregrinação académica universitária, firmando uma individualidade de eleição, já no embate forniidando contra o espírito retrógrado do catedratismo da sua época em que uma disciplina fé-rula se impunha, já nos torneios sugestivos e abroquelantes com os elementos mais grados da sua valorosa geração, onde as suas imanentes faculdades intelecti-vas indiscutivelmente triunfaram, vincando na sua passagem pelo meio coimbrão uma esteira luminosa, e assim, pelas múltiplas manifestações do seu temperamento e da sua mentalidade, foi o que mais soube erguer-se à contemplação admirativa das aspirações revolucionárias da minha mocidade agitada. (Apoiados).

Conheci-o -nas perigosas jornadas de evangelização das doutrinas que se espelhavam em nossos corações e que nossos cérebros haviam recolhido como as mais próprias para o engrandecimento do país, nos comícios, onde a suav~prganização de rebelde e os seus anseios patrióticos fulgiam e vibravam até à conquista máxima dos aplausos das multidões entusiasmadas com os lampejos rútilos do seu ine-

gualável poder evocativo (Apoiados); ouvi-o com encantamento na tribuna parlamentar, antes e após a implantaçãt) do regime actual, arauto ardoroso das reclamações de liberdade e de justiça, luminar emprestando o brilhantismo dos seus ensinamentos ao ambiente onde predominou (Apoiados); e também—emotivamente o relembro — tive a suprema honra e a orgulhanto ventura de com ele acama-radar profissionalmente, bastas vezes, em alguns tribunais do norte, onde produziu peças oratórias das mais belas que porventura se pudessem reclamar à linguagem portuguesa e que de tal modo feriram a sensibilidade de todos os que a escutaram, que ainda hoje e para todo o sempre, como em mim, hão-de flambar na memória recolhida dos amantes da arte e da beleza. (Muitos apoiados).

As frases saíam-lhe recortadas com rigor c com maestria, naturalmente, na impulsão dos improvisos claros, frescos, sadios e pu-ros, como sã um vento eólio as afagasse para a vitória das ideas e a suavidade, a harmonia e o ritmo que a sua voz de ouro lhes emprestava, o fogo da sua trasbordante inspiração rematavam um conjunto delicioso e original que jamais se observou em oradores da sua estirpe, dos quais ele íói o príncipe in-discutido, de molde a firmar-lhe na sua carreira triunfal os créditos de tribuno inemitável com que vai passar à posteridade e que a história há-de registar e perpetuamente pôr em relevo. (Apoiados).

Quer nos tablados das praças públicas, quer nas- bancadas escolares, nas tribunas forense ou parlamentar ou ainda na asfixiante atmosfera dos gabinetes ministeriais, o Dr. Alexandre Braga, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a par dos relâmpagos do seu génio perturbador, as-pargia e impunha as magnificentes qualidades do seu bondosíssimo coração, as magnas virtudes da sua alma toda luminosidade, a rigidez e a inflexibilidade do seu carácter, que nunca soube o que era doblez ou embaciamento. (Muitos apoiados).

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ta, e na da colectividade como legislador ou humanitarista, soube pôr todo o vigor da sua organização e da sua mentalidade que é bom nesta hora triste, em que dele sentidamente nos despedimos, não só reconhecer, mas sobretudo pública e sinceramente compreender e imitar.

Senhores: está de luto a oratória nacional; desapareceu nos mistérios da morte e para sempre a voz feiticeira e maravilhosa que neste e noutros ambientes tantas vezes vibrou em rajadas de idealismo e de amor patriótico.

Que vossos corações saibam sentir a enorme dor de ver que a República acaba de perder uma das suas figuras mais representativas, um dos seus mais esforçados combatentes, tendo fó em que todos os portugueses saberão, como nós ora o faremos, através esta homenagem de saudade, curvar-se respeitosos ante o cadáver que passa e que é o dum homem que foi um dos ornamentos mais gloriosos da sua terra estremecida.

Vozes: — Muito bem- Muito bem!

O Sr. António Granjo : — Falo em nome do Partido Republicano Liberal, associando-me ao voto que V. Ex.a propôs.

Alexandre Braga é a mais alta e complexa figura dos oradores do ineu tempo; e, porventura, a mais alta e complexa que produziu a raça. (Apoiados^.

Quer como tribuno parlamentar, quer como tribuno popular, atingiu as mais altas culminâncias a que pode ascender o espírito.

Ele foi, efectivamente, quem pela sua voz deu impulso à revolução desde os primeiros dias de Coimbra até àquele comício do Porto, em que no seu discurso disse:

«j Chegou a hora de falarem as bocas das espingardas!»

As suas palavras proféticas tiveram confirmação em poucos dias. A República implantou-se em Portugal.

A esta alta figura devia o Parlamento consagrar uma «essão especial de homenagem-.

Limito-me a dedicar a Alexandre Braga breves palavras, porque as suas grandes qualidades não podem ter o exame rápido que o momento impõe. Talvez

Guerra Junqueiro, com aquele poder de síntese que ele tem, pudesse encontrar uma palavra que definisse essa gigantesca figura.

Limito-me a deixar cair sobre esse cadáver as minhas singelas palavras que são como um pouco de terra na sua sepultura.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (Porto): — Em nome do Partido Socialista, associo-me ao voto de sentimento proposto, pelo falecimento do Sr. Alexandre Braga, e às propostas que estão na Mesa.

O Sr. Eduardo Sousa: — Sr. Presidente: é não só em nome dos Parlamentares Independentes, que têm assento nesta Câmara, mas ainda, e muito especialmente, em meu nome pessoal, que me associo ao voto de pesar, por V. Ex.a proposto, pelo falecimento do grande tribuno e grande orador parlamentar, Sr. Dr. Alexandre Braga. Não tivemos nós a honra e a satisfação de o vermos sentado a nosso lado nesta legislatura que vai decorrendo, mas isso não impede que, com maior saudade ainda, deploremos v a perda prematura e dolorosa de quem foi uma das mais altas personalidades oratórias que fizeram ecoar a sua eloquente voz nos âmbitos desta sala. Na sua formosa palavra, tam impregnada de aticismo, palpitou, porém, sempre a alma apaixonada e vibrante de quem foi um dos mais ardentes paladinos e propagandistas dessa revolução que trouxe a Portugal o advento da Repúolica.

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agora, Sr. Presidente, traduzir o entusiasmo, a fremência quási louca com que nele admirámos o Eleito que, com toda a sua alma e o seu talento, até nós vinha, aureolado já do prestígio dos grandes nomes que herdava, o de seu pai, o grande orador e grande advogado que ao filho transmitira não só o próprio talento como ainda o próprio nome, e o de seu tio, o grande poeta Guilherme Braga, o poeta das Heras e Violetas, o autor do Bispo, dos falsos Apóstolos e dos Ecos de Al-jubarrota, cujas estrofes aqueciam ao rubro as nossas almas, quando nós éramos moços, e que ardentemente recitávamos como gritos de guerra, em prol da Liberdade que tanto então víamos ameaçada...

Conheceste-lo todos vós, Srs. Deputados, que me ouvis, em toda a pujança e em iodo o esplendor da sua grande e bela oratória tribunícia e parlamentar. Mas eu que o vi surgir na sua aurora para as grandes lutas de mais tardo, eu, seu conterrâneo, que fui seu companheiro de mocidade e seu amigo fui, não posso deixar de prestar a mais comovida homenagem neste momento a essa bela e querida memória daquele a quem1 nós tanto admirámos e cuja perda, se dolorosa para nós, para mim muito especialmente o foi, pelas razões que estive a expender.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) — Sr. Presidente : tenho a honra de apresentar aos representantes da Nação os pêsames do Sr. Presidente da Eepública e do Governo pela morte de Alexandre Braga.

Todos conheceram, todos admiraram a grande eloquência de Alexandre Braga, mas, talvez, nem todos se recordem daquela época em que, frente a frente, tivemos de arcar com os nossos inimigos.

A recordação desses tempos é para todos os que foram seus companheiros verdadeiramente imorredoura.

Na imprensa, no foro, nos comícios, no Parlamento, Alexandre Braga foi sempre grande, tendo sido mesmo um incomparável criador da Repábiica. (Apoiados).

Nós não tínhamos ainda nesse tempo um parlamento republicano, e contudo tal era o prestígio, prestígio histórico, da li-

berdade entre nós> que bem se podia afirmar que a Nação se encontrava representada exclusivamente pelos Deputados republicanos. (Apoiados).

Entre eles conta-se Alexandre Braga.

Um dia eu entrava nesta Câmara; o silêncio que reinava em todos os corredores era impressionante.

Quando me aproximei desta sala, a porta estava entreaberta, e um homem de grande categoria entro os monárquicos, director geral da Secretaria da Câmara dos Deputados, avistando-me,- correu para mim exclamando — venha ouvir Alexandre Braga!

Entrei; nesta sala estavam todos presos, arrebatados pela eloquência daquele grande tribuno.

l Foi assim que se fez a República!

i Foi assim que ele a fez!

Foi com -ele que sonhámos todas as vitórias.

Sonhámos as do nosso país e aquelas que, como esta .agora, estamos soleni-zando.

Sr. Presidente: a apoteose que se faz aos nossos mortos, que todo o . mundo hoje faz aos mortos desconhecidos de Portugal, é a apoteose da nossa democracia.

É preciso não esquecer jamais que um dos agentes mais activos do exército da nossa democracia foi Alexandre Braga. (Apoiados],

Tenho a honra de, em nome do Governo, me associar à proposta que foi aqui apresentada por um Br. Deputado para ser considerado oficial o funeral de Alexandre Braga.

Espero que o Parlamento tome a iniciativa, com ò que se honrará, de velar pela família de Alexandre Braga. (Apoiados).

Associo-me, pois,~ às propostas que têm sido apresentadas. Tenho dito*

O discurso será publicado na integra^ revisto pelo orador, quando forem devolvidas as notas taquigrâfieas.

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A comissão parlamentar que terá de representar no funeral esta Câmara será composta dos seguintes Srs. Deputados:

João Camoesas.

Vasco Borges.

Orlando Marcai.-

Carlos Olavo.

António Granjo.

Manuel José da Silva (Porto).

Eduardo de Sousa.

Nunes Loureiro.

Vitorino Guimarães.

Jacinto de Freitas.

Joaquim Brandão.

Pinto da Fonseca.

O Sr. Presidente: — Eui vista da resolução da Câmara, suspendo a sessão durante dez minutos. . Eram 16 horas e 55 minutos.

As 7 horas e 25 minutos foi reaberta a sessão.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra para um negócio urgente o Sr. João Camoesas.

O Sr. João Camoesas: — Pedi a palavra para enviar para a Mesa, em negócio urgente, um projecto de lei, que me dispenso de justificar, dada a maneira por que a Câmara se manifestou relativamente à proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.

Para este projecto peço a urgência e a dispensa do Regimento.

Leu-se na Mesa o projecto. É do teor seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° E concedida à viúva e aos filhos do cidadão Alexandre Braga a pensão anual e vitalícia de 3.600$, isenta de imposições legais, a partir do dia do fa-lecimentO; do mesmo cidadão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das SessOes, 8 de Abril de 1921.— O Deputado, João Camoesas.

O Sr. Presidente: — Antes de pôr à votação da Câmara o pedido de urgência e dispensa do 'Regimento pedidas pelo Sr. João Camoesas, tenho de ouvir a opinião do Sr. Ministro das Finanças sobre o projecto.

O Sr. Ministro das finanças (António Maria da Silva):—E para declarar que concordo com o projecto.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e dispensa do Regimento para a discussão do projecto apresentado pelo Sr. João Camoesas, tenham a bondade de levantar-se.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Está aprovado. Está em discussão o projecto.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — Sr. Presidente : pedi a palavra para declarar que a minoria socialista não concorda com o projecto que está em discussão, porque entende que o Estado não deve desempenhar a função que pertence ao organismo que se criou sob a designação de Seguros Sociais Obrigatórios.

Seguidamente procede-se, a votação do projecto, que ficou aprovado na generalidade e na especialidade.

O Sr. João Camoesas: — Roqueiro a dispensa da leitura da última redacção. Foi aprovado.

O Sr. Presidente : —Vai ler-se a proposta de lei vinda do Senado sobre a amnistia.

Leu-se. E do teor seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° É concedida amniistia: a) Aos crimes do natureza política, ro-ligiosa ou social, que não tenham causado dano nem às pessoas nem à propriedade ;

ò) Aos crimes do abuso do liberdade de imprensa em que não haja acusação particular;

c) Aos crimes de deserção militar, co-metidca por motivos de natureza, política;

d] As infracções disciplinares militares ou civis, cometidas também po:r motivos de natureza política.

§ único. São abrangidos por esta lei todos os crimes referidos que hajam sido praticados até a data da sua publicação, quer tenha ou não havido sobre eles início de procedimento judicial.

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tos da sua resolução, a residência no território do continente da República, pelo prazo quo fixar e que nunca excederá dez anos, aos cidadãos que, abrangidos por esta lei, considere que são actualmente prejudiciais à segurança do Estado.

§ 1.° O Governo decretará imediatamente, e por uma só vez, quais são esses cidadãos.

§ 2.° Os que, estando nessas condições, regressarem ao continente sem pré-viã, licença do Governo e antes de fixado o prazo da interdição, cumprirão o resto da pena no ultramar.

Art. 3.° Aos indivíduos sujeitos ao serviço militar o que-, pelo facto de terem emigrado por motivo político, são havidos como refractários, ser-lhes há levantada a respectiva nota, considerando-se como adiados para o efeito da obrigação do mesmo serviço militar.

Art. 4.° A amnistia não abrange os criminosos quo, por qualquer forma ou para qualquer fim, fizeram uso da dinamite ou doutro explosivo congénere, salvo se tiver sido empregado em operações militares, ou praticaram actos de sabo-tage.

Art. 5.° Os acusados ou julgados cumulativamente pelos crimes a que se refere o artigo 1.° e por crimes comuns, que tenham requerido a revisão do processo ou que ainda não foram julgados, poderão ser afiançados nos termos da lei geral.

Art. 6.° Os amnistiados, civis ou militares, não poderão ser reconduzidos em quaisquer funções públicas que exercessem anteriormente, nem eximir-se aos efeitos da lei n.° 968, que continuará inteiramente em vigor.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário a esta lei e entra em vigor na data da sua publicação.

Palácio do Congresso da República, 8 de Abril de 1921. — António Xavier Correia Barreto—José Duarte Dias de Andrade — Francisco Manuel Dias Pereira.

O Sr. António Granjo:—Requeiro a urgência e dispensa do Regimento para a discussão e votação dos dois projectos de amnistia, vindos do Senado, com prejuízo dos assuntos que estão sobre a Mesa para a Câmara deliberar.

O Sr. Presidente : —Vai votar-se.

O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar):— Sinto-me embaraçado para dar o meu voto ao requerimento do Sr. António Granjo, visto que o Governo ainda não se pronunciou sobre o assunto da amnistia. Só poderei dar o meu voto depois de ouvir as declarações do Governo. Conforme o que ele disser, assim darei ou não a minha aprovação ao requerimento em questão.

Se o Governo reconhecer oportunidade para a amnistia, o meu voto será evidentemente favorável ao requerimento. Se, porém, a não reconhecer, eu nem sequer a urgência votarei.

Aguardo as explicações do Governo.

O orador não reviu.

O Sr. Augusto Dias da Silva (sobre o modo de votar): — Creio que interpreto o sentir dos parlamentares socialistas, declarando que votamos a amnistia, sem precisarmos que o Governo só pronuncie, visto que o assunto devo ser resolvido pelo Parlamento, cumprindo ao Poder Executivo executar a deliberação que a Câmara tomar.

De resto, nós já sabemos que os Governos nunca sabem, politicamente, o que querem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e Ministro, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — Já tive a honra de, por duas vezes, me pronunciar no Senado, em nome do Governo, sobre o projecto de amnistia.

Declarei, então, qual é o critério do Governo neste assunto.

O Governo entendo que a amnistia é uma prerrogativa constitucional do Parlamento.

O Parlamento é quem, soberanamente, decide se se deve dar ou não a amnistia. (Apoiados).

O Sr. Augusto Dias da Silva : — Tenho eu razão.

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í)iário da Câmara dos Deputados

do seu voto pode trazer dificuldades, ou •pode, porventura, ser perturbante.

Ora, de ambas as vezes que falei no Senado, eu disse: vote o Parlamento como quiser porque o Governo acatará, como sempre, a sua resolução, e seja qual ela for o Governo manterá a ordem. (Apoiados).

Também disse, então, e repito agora, .que para mim, como para o Governo, não há- perigos para a República senão aqueles que- possam provir da divisão dos republicanos.

Estejam os republicanos unidos e podem proceder como quiserem, podem ter efectivamente toda a generosidade para com os seus adversários, se entenderem na sua consciência de representantes da Nação que efectivamente esse dever se lhes impõe.

Não há outro perigo possível em Portugal ; a história da República o demonstra, e demonstra-o ato dolorosamente para todos, desde que não existe senão o perigo que possa provir das divergências e dos conflitos entre republicanos.

Sr. Presidente: acentuei no Senado, o faço-o também aqui, a diferença dos tempos; não há muito ainda a questão da amnistia era uma questão conflituosa, porém, nos últimos tempos vimos que os republicanos, dum lado, a direita,, continuavam sempre unidos em volta da proposta de amnistia, e que do outro lado, a esquerda, tinha transformado a questão da amnistia numa questão aberta; quere dizer, não ó, portanto, a amnistia um fermento de discórdia entre os republicanos. Esta mudança não podia deixar de a acentuar como homem do Governo, vendo, portanto, que há um número grande de Deputados, como houve um grande número de Senadores, que se inclinam para a amnistia. .

Sr. Presidente: é isto o que me parece ; posso estar enganado; o que julgo, porém, indispensável neste momento é que na mesma hora em que dentro deste palácio estão sendo homenageados pelo Povo os nossos mortos desconhecidos, nesta hora, nós discutamos com a serenidade e com a elevação digna deste País a questão da amnistia. A questão da amnistia é uma questão aberta, discutamo-la, votemo-la, mas votemo-la engrandecendo-nos a todos.

Era esta a resposta que eu tinha de dar ao ilustre Deputado que acabou de usar da palavra.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Estêvão Pimentel (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: ouvi o Sr. Presidente do Ministério e com S. Ex.a comungo nas mesmas idéas. E preciso que, quando lá em baixo os Hea-óis Desconhecidos são homenageados pelo Povo, aqui com elevação se discuta o assunto da amnistia, e porque é preciso que esse assunto se discuta com toda a elevação é que eu digo que se torna necessário que o Governo, sem nenhuma habilidade, nos diga em duas palavras se acha ou não acha oportuna a amnistia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Maldonado Freitas (sobre o modo de votar) : —Sr. Presidente: peii a palavra sobre o modo de votar porque se está apreciando se deve ou não deve ser votado o requerimento pedindo urgência e dispensa do Regimento para a proposta vinda do Senado e que trata da amnistia.

Sr. Presidente: já ontem, não pensando vir à sessão de hoje, mandei um telegrama dizendo a V. Ex.a e à Câmara que, se estivesse presente, votaria o projecto da amnistia, estando disposto, ao meismo tempo, a combater até de armas na mão, amanhã, aqueles a quem ela vai aproveitar e não queiram integrar-se ao lado dos bons patriotas republicanos, fazendo o laço que é preciso formar em volta da bandeira da Pátria, para salvar este pobre p.aís, digno de bem melhor sorte.

A República mais uma vez se prestigiará com este acto de benevolência, que aliás em todas as horas de triunfo para eles tenho procurado obter do povo que condena os seus constantes ataques ao regime.

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mais elevada, o momento mais precioso para se votar a amnistia; não venha ela a dar-se um dia sob uma pressão ou conveniência política partidária, o que diminuirá a grandeza deste grande gesto. Assim, deve ser votada nesta sessão. Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e interino da Agricultura (Bernardino Machado): — Sr. Presidente: nada tenho a acrescentar às minhas palavras, mas posso ainda vincar mais a minha resposta.

Eu disse que a amnistia pertence absolutamente, pela Constituição, ao Parlamento ; o critério do Governo é esse. A oportunidade da amnistia é também prerrogativa do Parlamento; o Parlamento é que julga dessa oportunidade ; o Governo apenas, quando o Parlamento julgue que efectivamente a amnistia é oportuna, tem o dever de lhe ponderar que, embora oportuna, as condições do Governo não lhe permitiam a execução, porque pode bem dar-se isso; o Parlamento inspira-se no sentimento de clemência nacional; acha que, efectivamente, há um movimento geral, mas o Governo tem o dever de ponderar que, embora efectivamente o sentimento nacional esteja indicando esse acto de clemência, será necessário que as condições de execução desse acto mudem. O Governo teria então de apresentar propostas porventura de ordem policial, de segurança pública, para efectivamente se tornar exequível esse acto que o Parlamento julgasse oportuno.

Pois bem ; eu idigo ao Parlamento : não preciso neste momento de autorização alguma para manter a ordem pública, qualquer que seja a sua resolução.

Sr. Presidente: eu sei bem o que são os nossos adversários; sei bem como eles são irredutíveis, impenitentes; eu tenho sido por vezes quem neste país, dentro da Kepública, tomou maiores responsabi-lidades na concessão da amnistia; não estou arrependido dessa iniciativa. Assumo sempre a responsabilidade dos meus actos, mas não tenho ilusões.

O que é importante em Portugal não ó, como muitas vezes se pretende, pacificar os nossos inimigos: é pacificar a alma republicana.

Devo declarar ao Parlamento que o

Governo neste momento não tem de dizer que é partidário ou não da-amnistia, porque entende que invadiria as atribuições do Parlamento. (Apoiados).

Mas acho que há por toda a parte uma atmosfera de generosidade e clemência e é minha obrigação dizê-lo. (Apoiados).

Sr. Presidente: repito a V. Ex.a e à Câmara: não tenho ilusões sobre as con-seqiiências da amnistia, mas não me amedrontam absolutamente nada as consequências que alguém possa imaginar sejam perturbantes para o regime e para as instituições.

A união dos republicanos, a sua serenidade neste momento é que são necessárias.

De resto, ninguém faz mais justiça "aos adversários.

Eu, que tenho sido combatido por eles como .o maior inimigo da sociedade portuguesa, compreendo e muito bem o estado de alma daqueles que sofreram todas as perseguições dos seus inimigos.

Portanto, acho nossa obrigação neste momento discutir efectivamente com o pensamento alto para o engrandecimento da Pátria. (Apoiados).

Sr. Presidente: sejam uns pró, outros contra, mas votem todos com este alto espírito patriótico, porque não é neste momento que uma questão como esta o sobretudo por causa dos adversários nos deve dividir e afastar.

Precisamos estar unidos para resolver os grandes problemas e ainda para resolver uma questão que interessa aos adversários.

0 Parlamento acha que é um acto de justiça, de clemência soltarem-se, eu não vejo absolutamente nenhum perigo novo para a Pátria portuguesa. (Apoiados).

São estas as declarações que tenho a fazer e que são inteiramente em harmonia com o pensamento desta assemblea, por isso que vejo que dentro desta assemblea a questão foi posta como questão aberta.

Assim, espero que seja resolvida com toda a serenidade e dignidade.

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E preciso discutir, chegar a uma solução mais patriótica.

Entrar-se no conflito ó que seria perigoso não só para a República, mas para Portugal.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para dizer duas palavras.

Nós, Sr. Presidente, não precisamos que nos lembrom os nossos deveres, ou que nos recomendem serenidade.

A discussão, pois, por nossa parte será serena; porém, o nosso desejo é que o Governo declare se sim ou não considera oportuna a amnistia.

Nestes termos, Sr. Presidente, declaro (|ue votamos á urgência e a dispensa do Regimento, reservando-me, no emtanto, o direito de em seguida apresentar uma questão prévia no sentido do o Governo declarar se vem ou não julgar oportuna a concessão da amnistia neste momento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e a dispensa do "Regimento queiram levantar-se.

foi aprovada.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): —Pedi a.palavra para mandar para a Mesa um pedido de autorização, referente ao regime dos abastecimentos e para o qual peço urgência e dispensa do regimento, isto é, para que entre em discussão Jogo após a aprovação do projecto da amnistia. É do teor seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° E autorizado o Governo a tomar, até 30 de Junho próximo, medidas de fomento e as que as circunstâncias exigirem no sentido de estabelecer ou suprimir qualquer restrição à liberdade de comércio e de trânsito de géneros de primeira necessidade, ou de modificar as disposições legais relativas à importação e exportação de quaisquer artigos, quando daí resulte manifesta vantagem para a economia nacional, sem prejuízo das necessidades do país. Outrossim fica o Governo autorizado a vender as

existências dos produtos adquiridos pelo Estado aos preços que as circunstâncias o permitirem, mediante despacho fundamentado.

§ único. O Governo dará ao Parlamento conta do uso que fizer das autorizações que este artigo lhe confere.

Art. 2.° Fica revogada a legislr.ção em contrário.

Em 7 de Abril de 1921. — Bernardino Machado.

Admitida.

Aprovada a urgência e di$2)ensa do Regimento.

O Sr. António Granjo : — Requeiro que a sessão seja prorrogada até se votarem 03 dois projectos que estão sobre a Mesa.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira do Azeméis):—Sr. Presidente: não é ir.eu desejo levantar quaisquer diíiculda-dos no sentido de protelar a discussão dos projectos que estão sobre a Mesa; entendo, porém, que, nesta hora de fra-ternização geral, não nos devemos e;sque-cer da situação daqueles que em África. e cm França se bateram honradamente pelo bem da Pátria.

Refiro-me, Sr. Presidente, à situação dos oficiais milicianos, e assim alvitro que a prorrogação da sessão abranja também o projecto que se refere aos milicianos.

O orador não reviu.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: — Está em discus-

Sc^o, na generalidade, a proposta de

amnistia e tem a palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: de harmonia com as palavras que há pouco proferi, passo a ler a minha questão prévia, que é concebida nos seguintes termos:

Questão prévia

Proponho que a discussão se não inicie antes de o Governo declarar se acha ou não oportuna a concessão da amnistia.

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Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção o Sr. Presidente do Ministério; entendo, porém, que ó preciso falar claro ao país.

Eu, Sr. Presidente, devo declarar que não sou3rnais cruel do quo os outros; sou um homem como os outros, igualmente com coração, no emtanto não posso deixar de lembrar à Câmara o que aqui se passou quando se tratou do armistício, na sessão de 4 de Dezembro, e do que então aqui foi dito pelo Sr. Aires de Orneias, chefe quo era da minoria monárquica/sobre a quantidade de presos que se encontravam então nas prisões.

A maneira como se comemorou no Parlamento a data do armistício — tam gloriosa como esta — foi vir aqui propor-se a continuação do estado de sítio e dizer-se ao Píirlamento que o Governo, no seu alto Poder, deixava que ele continuasse a reunir.

f\ E como é que a minoria monárquica recebeu esta declaração do então Ministro da Guerra?

Recebeu-a, pela boca do Sr. Aires de Orneias, nos termos que constam do seu discurso inserto no Diário das Sessões, termos que eu faço meus.

Veio o Sr. Presidente do Ministério afirmar ao Parlíimento a existência duma conjura monárquica havia quinze dias. ,; Existia essa conjura monárquica ou não?

Mas o Sr. Presidente do Ministério afirmou a existência duma conjura.

Uma vez votada à amnistia nestas condições, por honra da República, no dia seguinte ao da votação, se vir"que S. Ex.a não empregou os seus melhores esforços para quo essa amnistia não seja concedida, eu mandarei para a Mesa uma nota do interpelação, para chamar o Sr. Presidente do Ministério à responsabilidade das palavras que proferiu.

O problema deve ser posto assim:

<_0 que='que' vão='vão' os='os' governo='governo' uma='uma' é='é' entende='entende' republicanos='republicanos' _-='-' armado='armado' o='o' esse='esse' p='p' abdicação='abdicação' acto='acto' essa='essa' avilta='avilta' inimigo='inimigo' um='um' diante='diante' não='não' porque='porque' _='_' cometer='cometer'>

conspiração foi forjada na polícia de se gurança do Estado?

<_ que='que' os='os' governo='governo' entende='entende' inimigos='inimigos' aumentar='aumentar' o='o' p='p' prisões='prisões' das='das' não='não' república='república' da='da' vem='vem' abrir='abrir'>

Se assim é, então assuma o Governo a responsabilidade das suas afirmações, deixe-se de palavras vagas, fale com clareza, precisamente para que cada um assuma as suas, sem procurar um voto de simpatia, falando apenas com o coração nas mãos.

Mas pregunto: £ desarmaram os inimigos da República?

£ Está o Sr. Presidente do Ministério convencido de que foi uma fantasia revolucionária a tal tentativa de que a polícia de segurança nos deu notícia?

,;Então é oportuna a amnistia?

Mas o Sr. Presidente do Ministério tem de dizer essas palavras claras, e eu tenho a certeza de que o Sr. António Granjo pediu a palavra para reforçar a minha opinião, visto quo S. Ex.a afirmou mais de uma vez, na oposição, que era ao Governo a quem competia declarar se era ou não oportuna a amnistia, porque era necessário que o Governo tomasse a responsabilidade dessa afirmação.

£ Como é que o Parlamento pode legislar? Nós não temos as informações da polícia. ..

Não diga S. Ex.a que assim consegue a ordem; diga antes que com isso aumenta a desordem, e tenha a certeza de que o ilustre Deputado, Sr. António Granjo, vem reforçar a minha opinião. O Sr. António Granjo também na oposição declarou que a amnistia era oportuna, e, no momento de chegar ao Poder,

É preciso que o Sr. Presidente do Ministério nos diga se agora, com a amnistia, se vai ou não dividir a família republicana.

Eu desejaria que o Sr. Presidente do Ministério fosse tam claro como íoi o Sr. António Granjo.

São estas as preguntas que deixo feitas ao Sr. Presidente do Ministério, a que S. Ex.a me podo responder só com uma palavra: é, ou não, oportuna.

O discurso será publicado na integra quando forem devolvidas, revistas, pelo orador, as notas taquigráficas.

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O Sr. Presidente : — Esta questão prévia tem de ser discutida antes do projecto.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — É só por deferência para com o Sr. Deputado que falo, pois creio que falei claro, e costumo falar sempre claro. Agora, com o que nada tenho é com o critério dos mais. Mas i36 eu entendo que este critério não é rigorosamente constitucional, se eu entendo que o Governo podia tomar a iniciativa da amnistia (eu podia toma-la: já o fiz), em todo o caso, não deixo de dizer que essa iniciativa é um acto soberano do Parlamento, que a questão da oportunidade é uma questão magna que o próprio Parlamento, no uso dessa prerrogativa, que é a mais alta que lhe dá a Constituição, devia efectivamente ponderar. E o Parlamento que tem de ponderar a oportunidade; de contrário, Y. Ex.a vê, o Parlamento ficaria na dependência do Poder Executivo. O Parlamento a querer dar a amnistia e o Poder Executivo a dizer: não é oportuno, não podia ser, seria anular a mais alta prerrogativa que a Constituição confere ao Parlamento.

Ao Poder Executivo compete unicamente fazer a declaração ao Parlamento de que julga ou não julga necessárias precauções para que se torne executório o voto de amnistia, e eu digo ao Parlamento que não julgo necessárias quaisquer precauções: faça ' o Parlamento o que entender.

Sr. Presidente: o ilustre Deputado que acabou de falar apontou para a conjura monárquica jque efectivamente se deu ultimamente. E verdade que os monárquicos tentaram organizar as suas forças; simplesmente mostraram, mais uma vez, que não podiam fazer nada contra as instituições.

Mas não foram os que estão presos; não é sobre a conjura dos actuais presos que o Parlamento tem de só pronunciar.

Eu sei muito bem qual ó, infelizmente, o estado de alma dos inimigos das instituições.

Em Portugal, Sr. Presidente, os monárquicos de convicção, os monárquicos de princípios, aqueles que fazem lembrar figuras do tempo da monarquia liberal, esses é preciso respeitá-los pela fidelidade

às suas convicções, mas esses não se agitam, esses, Sr. Presidente, não atentam contra o regime; pelo contrário, sem colaborar connosco, esses homens em geral não nos saem ao caminho com as suas tentativas de conspiração.

São os agitadores profissionais. Não tenhamos a este respeito ilusão alguma: com amnistia ou sem amnistia, esta agitação há-de durar, sobretudo emquanto os republicanos não fizerem a obra que todos esperamos; no dia cm que essa obra se fizer, estou convencido de que esses agitadores não terão coragem para fazer novas tentativas.

Preguntam-me se a amnistia é oportuna. O Senado assim a considerou e algumas manifestações que se têm dado nesta Câmara, e que sem dúvida devemos ter em conta, provam que também muitos Srs. Deputados a julgam oportuna.

^Sabe V. Ex.% Sr. Presidente, o que realmente neste momento seria mau? Seria que, quando já existe um movimento tam poderoso de opinião, nós fôssemos aqui levantar uma questão violenta que deixasse em suspenso este problema da amnistia, porque, como já disse, a oposição dos nossos inimigos pouco vale, mas se eles puderem ter amanhã o argumento de que são os próprios republicanos que se encarregam de lhes dar razão, é evidente que as suas tentativas ganhariam uma força que essencialmente por si próprias não têm.

Pelo que se refere ao Governa, ele será o primeiro a acatar o voto parlamentar, qualquer que seja, por isso que está aqui como representante da Nação, pela confiança do Parlamento, do qual deseja ser sempre absolutamente digno. Pois bem, eu espero que neste assunto o Parlamento nos dará toda a força: se quiser a amnistia, para nós a executarmos; se a não quiser, para contermos quaisquer desmandos que, como retaliação,-os nossos adversários porventura tentarem praticar. Tenho dito.

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O Sr. Estêvão Pimentel: — Sr. Presidente : peLa terceira vez o Sr. Presidente do Ministério falou sobre o assunto em discussão, e pela terceira vez S. Ex.a nada disse sobre o que se lhe preguntou. E eu peço licença para dizer ao Sr. Ber-nardino Machado, que desde ha muitos anos conheço, e a quem sempre me habituei a respeitar, que é realmente necessário que todos saibamos ter respeito pelos Heróis Desconhecidos que lá em baixo se encontram, não apenas nós, Deputados, mas V.- Ex.a também.

Fizemos aqui uma pregimta clara e o Sr. Presidente do Ministério tem de responder também, claramente e sem subterfúgios, se acha ou não oportuna a concessão da amnistia.

Desde já declaro a V. Ex.a que, se o Sr. Presidente do Ministério acha existir essa oportunidade, eu votarei a amnistia.

O que não posso é, depois de ouvir S. Ex.a dizer que os indivíduos que vão ser amnistiados são os agitadores que pretendem derrubar as actuais instituições, dar-lhe o meu voto sem que previamente declare se de tal concessão nenhum perigo resultará, y

Sr. Presidente : nunca persegui os meus adversários políticos e algumas ocasiões tenho tido na minha vida em que o poderia ter feito.

Esta questão, como disse o meu querido amigo, Sr. Cunha Leal, não é uma questão de coração, mas uma questão política, sobre a qual o Governo, pelos meios de informações de que dispõe, deve ter uma opinião.

O Sr. Presidente do Ministério não tem, por isso, o direito de se furtar a dizer se acha ou não oportuno que se dê a amnistia aos nossos adversários.

Queremos saber como votamos e o que vamos votar, e só o Sr. Presidente do Ministério, que é ao mesmo tempo o Ministro do Interior, pelo conhecimento que tem de tudo o que se passa, nos pode dizer se é ou não oportuna a amnistia.

Assim, espero que S. Ex.a responda, imediatamente à minha pregunta.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente : não quero, com risco de fatigar o. Parla-

mento, deixar de responder ao Sr. Estêvão Pimentel, pessoa por quem eu tenho a máxima consideração e a quem me ligam laços de velha amizade.

E bem certo que o Governo podia ter tomado a iniciativa da amnistia; mas entendeu que nesta hora devia entregar o assunto exclusivamente aos representantes da nação.

Eu quis que o Parlamento tivesse todas as honras e todas as responsabilidades. Estou perante o Parlamento e creio que posso formular-lhe também algumas pre-gnntas.

<_ p='p' a='a' julga-a='julga-a' parlamento='parlamento' julga='julga' justa='justa' j='j' oportuna='oportuna' amnistia='amnistia' _='_' o='o'>

Se o Parlamento a julga justa e oportuna, o Governo rende-se inteiramente à sua decisão e de modo algum lhe vem dizer que necessita de qualquer prevenção para manter a ordem.

i O Governo tem apenas de assegurar a ordem pública!

De facto, há uma corrente de opinião pública que julga que a prisão sofrida é já bastante para expiar a pena.

Eu digo, desde já, que não há perigo algum, e, nestes termos, 4 pode-se exigir que eu seja mais explícito?

Assumo, neste momento, grandes responsabilidades, mas quero que a Gamara as assuma também. O que eu não posso é assumir responsabilidades que à Câmara pertencem.

Vote o Parlamento como quiser, que eu estarei sempre com ele, seja qual for a sua resolução, e o Governo responsabiliza-se "por reprimir qualquer perturbação, porque não há nada que possa prejudicar a vida da República senão as divergências profundas dos republicanos.

Falou-se em conspirações monárquicas, mas é preciso notar que essas conspirações surgem sempre que se fala em amnistia. Isío parece que há para certos agitadores a conveniência de que a amnistia não seja dada.

Nós estamos numa ocasião única que deve ser aproveitada, não suceda que amanhã tenham de. dar a amnistia por qualquer outro motivo ou que já estejam cumpridas as penas.

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O Orador : — Eu já disse a V. Ex.a que não vejo inconveniente nenhum nisso.

O Sr. Estêvão Pimentel (interrompendo) : — A questão da oportunidade não é essa; não é se há perigo ou não, a questão da oportunidade é se o sentimento nacional reclama ou não a amnistia.

Sussurro.

O Sr. Presidente:—Peço ordem. É impossível discutir-so com. o barulho que está na sala. Peço aos Srs. Deputados que ocupem os sous lugares.

Tenho tambóm de prevenir as galenas de que não lhe são permitidas manifestações, nem, sequer,'troca de impressões em voz alta. Têm de se manter em silêncio.

Peço, pois, silêncio e ordem a todos, porque nisso' está o interesse de toda a gente.

Esperando ser atendido, dou a palavra ao Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: u não quero alongar a discussão, porque não quero estar condenado a passar uma noite em claro — basta que, um dia próximo, os monárquicos acordem a gente a tiro, para então passarmos uma noite mal dormida— mas as habilidades do Sr. Presidente do Ministério não me convenceram de maneira nenhuma.

S. Ex.a disse que respeita muito a Constituição e que por isso não quere tomar para si as prerrogativas do Parlamento. A minha proposta, todavia, é bem diferente daquilo que S. Ex.a entende: a minha proposta indica que, efectivamente, o Poder Legislativo Abdica dos seus direitos para os dar ao Governo. Por consequência, respondendo S. Ex.a terminantemente à pregunta que lhe faço numa questão prévia, não usurpa as atribuições do Parlamento, porque é este que lhe concede essas atribuições, mesmo para que nós, antes de darmos um voto, tomemos a responsabilidade dos nossos actos.

E o Sr. Presidente do Ministério sabe tam bem a responsabilidade que com uma simples afirmação pode assumir, que, podendo responder em duas palavras à questão prévia, se furta a essa resposta clara, para não assumir uma responsabilidade. (Apoiados),

Pois bem, que fique a questão no seu verdadeiro pé. Se o Parlamenlo aprovar a questão prévia que mandei para a Mesa, o Sr. Presidente do Ministério fica obrigado a dizer claramente se sim ou n ao é oportuna a amnistia. ' Efectivamente, até agora S. Ex.a ainda não ó obrigado a responder — S. Ex.a mesmo tem estado, apenas, a fazer obstrucionismo à proposta— mas se o Parlamento votar a minha proposta, entenda-o o Sr. Presidente do Ministério, S. Ex.a então é obrigado a pronunciar a palavra fatal...

O Sr. Carlos Olavo: —

É para dizer a V. Ex.a que também farão obstrucionismo à questão prévia todos aqueles que falarem sobre ela, visto que ela não tem nada de discutir.

Não temos de discutir a proposta, temos simplesmente de a votar ou rejeitar. (Apoiados).

O Orador: —Ouvi com muita atenção, como me competia, as palavras do Sr. Carlos Olavo, mas lembro a S. Ex.a que, em questões muito menos importantes do que esta, tem estado a Câmara a discutir sobre o modo de votar, quatro e mais horas ; cito o caso da circulação fiduciária quando foi aumentada ilegalmente. (Apoiados).

E necessário, Srs. Deputados, que os votos sejam conscientes e que o Parlamento e o Governo saibam até onde vão. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente : das declarações do Sr. Presidente do Ministério eu deduzo claramente que a concessão da amnistia não é por em-quanto oportuna.

O Sr. Cunha Leal:—Pois s, habilidade do Sr. Presidente do Ministério é exactamente essa.

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O Sr. Bernardino Machado mais uma vez se vale do seu raro condão de saber ladear com extrema habilidade todas as dificuldades que lhe apareçam, repetindo-se agora o que há poucos dias se deu quando o Sr. António Francisco Pereira interrogou S. Ex.a sobre se o Governo estava ou não disposto a manter polícias e soldados nas oficinas das empresas jornalísticas, cujo pessoal está em greve.

Levanto, porém, o meu protesto contra tal maneira dfl proceder.

Trocam-se vários àjiartes. Sussurro.

O Orador: — Vou desistir da palavra para não apoquentar mais, por agora, os Sr s. Deputados que querem aprovar a amnistia; todavia, desde já me inscrevo sobre a ordem para falar contra o projecto.

O Sr. Ladislau Batalha: — Sr. Presidente: nós, socialistas, estamos na intenção de votar Gste projecto de amnistia, com algumas restrições e ampliações. Mas desde já declaro também que o não votarei satisfeito e de consciência livre, em-quanto o Sr. Presidente do Ministério não venha facilitar o voto do Parlamento com a sua declaração terminante sobre o caso.

S. Ex.a, que é uma alta figura na sociedade portuguesa, visto que já exerceu as elevadas funções de Presidente da República, é quem pode dispor dos elementos práticos e positivos para dizer à Câmara se deve ou não aprovar a concessão da amnistia.

E nisto não há qualquer invasão de atribuições do Parlamento, como já aqui foi aventado, tanto mais que é o próprio Parlamento que pede a opinião de S. Ex.a

& certo que o Sr. Presidente do Ministério nos tem vindo dizer muitas cousas, mas todas elas nada mais representam do que um verdadeiro tour de f orce para evitar a verdadeira resposta que nós queremos.

; Até nos veio agora invocar a oportunidade sentimental!

Tantos anos tenho estudado filosofia e jamais poderei compreender o que seja tal cousa.

De resto, nós temos de fazer leis, e estas não se fazem com sentimentos, mas sim com actos positivos, sem os quais

todo o nosso trabalho de legisladores será improfícuo e inútil.

Manifestou a Câmara o desejo de que S. Ex.a nos informe sobro a conveniência e oportunidade de votar a amnistia, visto que, como chefe do Governo, dispõe do todos os meios de apreciação quo a nós nos faltam.

Vem, então, S. Ex.a tentar um rico-chete, dirigindo ao Parlamento as mesmas preguntas que lhe tinham sido feitas por alguns dos seus membros. Este curioso procedimento do Sr. Presidente do Ministério faz-me lembrar o caso daquele indivíduo que, obrigado por um salteador a escolher entre a bolsa e a vida, sorridentemente lhe respondeu: tem graça, porque eu estava disposto a fazer-lhe a mesma imposição! Risos.

Creio, pois, que toda a discussão travada em volta deste assunto rapidamente terminaria, se S. Ex.a claramente se pronunciasse sobre a oportunidade ou ino-portunidade da concessão da amnistia.

Se S. Ex.a reconhecesse essa oportunidade, nós votá-la-íamos todos com a sua responsabilidade; caso contrário rejeitá-la-íamos.

A continuarmos, porém, assim, não sei quando acabará a discussão do projecto de amnistia.

Por minha parte prometo desde já, embora tencione votá-la, demorar-me na sua apreciação dois ou três'dias.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: toda a questão, afinal está girando apena* em torno da palavra, oportunidade. <_ de='de' afirmou='afirmou' governo='governo' negarem='negarem' perigos='perigos' baseavam='baseavam' me='me' ela='ela' cunha='cunha' certamente='certamente' família='família' numa='numa' definida='definida' ao='ao' precisamente='precisamente' sr.='sr.' sobre='sobre' esses='esses' já='já' governos='governos' existiam.='existiam.' sua='sua' que='que' foi='foi' tinha='tinha' entende='entende' pronunciado='pronunciado' por='por' se='se' essa='essa' então='então' republicana.='republicana.' leal='leal' não='não' precederam='precederam' mas='mas' a='a' ser='ser' pelos='pelos' apoiados.='apoiados.' falando='falando' é='é' divisão='divisão' oportunidade='oportunidade' quando='quando' pretende='pretende' o='o' p='p' atitude='atitude' pode='pode' possível='possível' da='da' porque='porque'>

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J~fiá)io da Câmara dos deputados

nhecida a oportunidodo. Não r>cis eu que o digo, foram V. Ex.:is que o alirmaraiu.

Risos,

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Antes de fazer as rapinas considerações que entendo dever fazer a propósito da questão prévia, permita-uie a Câmara que eu fací\ duas afirma cries bem categóricas para que a minha atitude neste debate fique bem marcada.

l.ft Não estou disposto a servir-me dos processos que o Bcgimento m;1 concede para impedir a votação da amnistiei.

2.a Nas minhas palavras não há propósitos diferentes daqueles que elas claramente traduzem.

E-. i não me servirei, neste momento, de quaisquer expedientes para lançar a casca de laranja a um Governo a quem eu tenho tratado com toda a lealdade, com toda a dedicação e com todo o carinho. Mcr-me--ia fácil fazê-lo. Xão o faço, porém. Pelo contrário, eu dou ao Sr. Prosidonto do Ministério o conselho do desconfiar sempre dos inimigos que lhe dão palitas.

Sr. Presidente: chegou o ninn:onto de cada um definir a sua ponição o. polo que diz respeito à minha pessoa, íVço-a com toda a lealdade. No meu passado, e eu não sou um velho, há afinnaeoer clarr.s, há afirmações iniludíveis do generosidade, de que tenho por vozes dado bas'Ms provas, sobretudo no momento em que muitos daqueles que hoje se dizem o svper snmr,m da tolerância acompanhavam as mais desenfreadas demagogias quo no País campeavam.

Três hipóteses foram postas ao Governo e, qualquer que seja a resposta do Sr. Presidente do Ministério, per si ou em nome do Governo, eu devo já dizer que antes de S. Ex.a marcar claramente a sua posição me antecipo em marcar a minha. O Governo diz que não concorda com a amnistia o eu com toda a lealdade afirmo quo não voto a amnistia; coloca-se o Governo na posição de dizer quo julga oportuno e útil para a Sopúbliea ccncc-dê-la e eu devo dizer a Y. Ex.a que, se até hoje tenho tido muita coníLiuça r.o Governo, ela não deixará de existir por osso facto. Se, porém, o Governo HIO disser apenas o que tem dito o Sr- Presidente dn Ministério, en não votarw r. amnintí-a,

Estio cm choque duas doutrinas: uma, a apresentada polo meu ilustre amigo, Sr. Cunh-i-Leal; outra, a defendida pelo •Sr= Presidente do Ministério. ^ O que diz a primeiiT.? Simplesmente isto: posta uma questão interessando a vida da Nação, o 1'arlameii :o é o juiz, mas o Governo constitui <_ com='com' de='de' governo='governo' decida='decida' elenco='elenco' do='do' clareza.='clareza.' próprio='próprio' reconhece='reconhece' ministério='ministério' devida='devida' doutrina='doutrina' tem='tem' presidente='presidente' qr='qr' jurados='jurados' importância='importância' sr.='sr.' nesta='nesta' júri='júri' direito='direito' que='que' quostão='quostão' máxima='máxima' seus='seus' responde='responde' dos='dos' nós='nós' se='se' para='para' pariamoiro='pariamoiro' não='não' cri='cri' quesitos='quesitos' pronunciar='pronunciar' ser='ser' a='a' i3orno='i3orno' julgando='julgando' os='os' e='e' seguida.='seguida.' realmente='realmente' ôle='ôle' o='o' p='p' ó='ó' formula='formula' da='da'>

O Parlamento tom, também, a atribuição de votar as propostas e os projectos apresentados h sua consideração ; todavia, e às vozes a propósito das questões mais insignificantes, é o Governo clamado .a prorunciar-se, sendo frequentemente pedida a presença do Ministro A, do Ministro B ou do Presidente do Ministério, para, pelas suas pastas ou en". nome do Governo, elucidarem o Parhirnento para ôsto bom poder marcar a sua alitude.

a\, legítimo, portanto, que uii agrupamento parlamentar, que honestamente tem daiic quá--i sempre n poio ao Governo, num dado momento, o para só poder orientar, formule um quesito o que o Governo, procedendo com a lealdade, quo dele se dove esporar, responda também sem subterfúgios. Se o íár. Presidente do Ministério cíisHo.r claramente quo é oportuna a amnistia, certamente não scr^ necessário mais de inn quarto de hora para se discutir o assunto, como, também, natural o ((iio se não torno preciso estarmos aqui niaie-- tempo, só S. Ex.n opinião con-trárii mar.ifcstar.

Creio bom quo, tendo uni pouco de consideração por aqueles que cntc;idem não ser suficientemente clara, embora pareça a melhor, a atitude de S. Ex.a, o Sr. Presidente do Ministério vai dizer-nos, sem mais rodeios, se é ou não oporttna a concessão da amnistia.

O orador não reviu.

Q Sr= A; ^rsto Rias da Silve.: — Sr. Presidente: ccincço por afirmar que estou de acO.alo co.i;i a L* declarações que acabam de ser feitas pelo Sr. Ladislau Batalha,

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Sessão de S, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

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tão nEo é para subterfúgios e Mo sei realmente por que motivo o Sr. Presidente do Ministério não há-de ter a coragem de dizer ao Parlamento se é ou não oportuna a amnistia.

Parece que S. Ex.a não faz essa declaração por medo do que possa fazer o Parlamento, mas não devia ter esse medo, porque o próprio Partido Popular já declarou que não queria lançar a sabida casca de laranja, na qual S. Ex.a poderia escorregar.

Se S. Ex.'"1 não tem outras razões, não deve por essa ter medo.

O Sr. Presidente do Ministério sabe o que tem feito esta Câmara, o que ela não tem feito e o que tem prejudicado o país.

Mas tudo se -esquece no nosso país e até já mesmo agora se esqueceram de que há uma lei de seguro obrigatório, visto que ela se não cumpre. Apartes.

Mas, Sr. Presidente, ó necessário que haja coragem de parte a parte.

O Sr. Presidente do Ministério sabe que tem força e, portanto, diga se é oportuna ou não a amnistia.

Se não tem a coragem de o dizer, então o Parlamento que tenha essa coragem e discuta o projecto, ou diga que não é oportuna a amnistia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: apenas umas palavras quero dizer.

Quero acentuar somente que o Governo procede, como disse, pelas razões que já apresentei e até mesmo pela tradição parlamentar.

Em 1914 tomei, como chefe do Governo, a iniciativa de uma amnistia ampla aos adversários das instituições.

Mas, Sr. Presidente,

£ Como foi que procedi para tomar essa iniciativa?

Consultei os partidos. Todos se mostraram de acordo.

Convenci-me de que a amnistia era não só justa como oportuna. Tomei então, como chefe do Governo, a iniciativa de a apresentar.

Sr. Presidente: agora não pude seguir o mesmo processo.

Falando com os representantes dos diversos partidos, verifiquei que efectivamente não estavam todos, em absoluto, solidários na votação da amnistia.

Não fiz, por conseguinte, o que pude fazer então, que foi tomar uma iniciativa que eu sabia ser evidentemente a iniciativa que o Parlamento queria que o Governo tomasse. Tomando essa iniciativa naquela ocasião, obedecia a uma indicação parlamentar.

Aqui está, pois, como hoje não faço ainda senão manter a tradição parlamentar, a tradição governativa, a minha própria tradição.

Disto infero-se, Sr. Presidente, que não há souão duas questões a pôr:

Primeiro: £ é justa a amnistia?

Segundo: <_:_ p='p' a='a' é='é' amnistia='amnistia' oportuna='oportuna'>

A representação nacional sempre entendeu que é da sua competência essa primacial questão do reconhecimento ou não da justiça.

Quanto ao segundo ponto, vemos que esta questão da amnistia não divide os republicanos, e então é oportuna.

O que não pude verificar, pelo acordo entre os partidos, verificámo-lo agora.

Aqui está, pois, posta a questão com toda a clareza.

O Sr. António Granjo (interrompendo]:— E pela primeira vez, talvez, sem habilidades políticas.

O Orador; — Os homens da minha idade não usam de habilidades pára iiudirem as questões.

Procedem sempre com toda a ponderação, com o fim de bem servirem a causa que defendem.

Se isso são habilidades, então orgulho--rne de procurar tê-las neste momento.

O orador não reviu.

O Sr. Orlando Marcai: — Apenas duas palavras, visto que o debate já vai longo.

Parece-me quo da parte do Sr. Presidente do Ministério há dúvidas sobre a • interpretação quo damos à palavra «oportunidade».

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Diário da Câmara dos Deputados

nientes pai a a Kepública em dar-se a amnistia aos presos políticos.

Mais nada.

O orador não reviu.

É rejeitada a questão prévia.

Eutra em discussão na generalidade, a proposta de lei sobre a amnistia.

O Sr. Orlando Marcai:—Sr. Presidente: porque S. Ex.a o Sr. Presidente do Ministério iniciou as suas considerações acêr-cíi desta momentosa questão por propugnar o princípio de, que nela se deve mantor a maior serenidade e elevação, quero afiançar ao seu conturbado espírito que vou proceder, como sempre, nessa conformidade.

Também o mesmo orador salientou a necessidade de haver o devido respeito para com as opiniões antagónicas, como se estivesse acostumado a ver menosprezar a liberdade de opinião neste ambiente, o que me dá jus a reclamar para o meu discurso a inteira atenção que merecem as expressões dos que somente sabem apregoar a verdade. (Apoiados).

Sr. Presidente: com o desassombro o a altivez que têm sido as mais orgulhan-tes qualidades da minha vida de lutador de ideas, declaro terminantemente que por brio e pundonor políticos não votarei a concessão da amnistia aos criminosos inimigos do regime republicano, porque entendo que é a maior afronta que podemos dirigir, neste momento, aos princípios que dizemos representar neste lugar. (Apoia-dos). (Não apoiados).

Sussurro.

Embora preveja e pressinta que a atmosfera que me envolve não é a mais lisonjeira e carinhosa para as minhas afirmações, nem assim deixarei de, ao sopro da minha inflamada sinceridade, lavrar o meu mais veemente protesto contra essa prova de abdicação, a mais injustificada, daqueles que se dizem republicanos, ante os monárquicos que hão-de tripudiar sobre esta dementada generosidade que pode ser fatal ao próprio regime. (Apoiados). (Não apoiados).

Os espíritos doentios e dessorados desta pobre terra da qual hão-de ser os coveiros, rião sei se por inconsciência, se por maldade (Apoiados), (Não apoiados) todos se aprestam nos vários meios onde deambulam grotescamente a conclamar que é esta

a única oportunidade de conceder a amnistia aos presos políticos, visto tra1ar-se da homenagem a prestar aos heróis desconhecidos, e daí a minha maior oposição e discordância, pois que entendo irmos com os se gesto escarrar na memória de todos os heróis que pela sua Pátria caíram nos campos da batalha. (Apoiadcs). (Não apoiados).

Sussurro.

Sim, senhores, deixem a obsessão em que andam mergulhados, reflitam como homens de verdade, beijem com o pensamento a sua consciência adormecida, despertem-na, o concluirão, como eu., e como os colegas que nesta hora represento e que arregimentados em diversos agrupamentos políticos me deram o honroso encargo de orientar este debate, que as ossadas sagradas daqueles obscuros soldados que agora vão a caminho das pomposas consagrações se agitarão revoltadas nos ataúdes, amaldiçoando os que num gesto de cobardia ou do agrado possam libertar precisamente os que fugiram sempre a cumprir os seus devores do portugueses, no esforço e na honra a dar ao nosso génio e às nossas tradições de glorie. (Apoiados).

<_ p='p' pressente='pressente' a='a' quem='quem' amnistia='amnistia' aproveitar='aproveitar' _='_' vai='vai'>

A resposta está no íntimo de todos. Vai incidir unicamente nos que fizeran e apregoaram o defcctismo da guerra, quando o orgulho de todos nós, a nossa honra c o nosso futuro, a própria integridade nacional estavam à prova dos sacrifícios dos seus filhos c que vendo quais as suas rés-ponsabilidades fomentaram e organizaram a mais sórdida traição, deixando ao abandono a Pátria e os seus soldados, vítimas da sua ignara pusilanimidade, (Apoiados).

Quem sabe mesmo se esses dois heróis desconhecidos, arrancados aos rasos e tranquilos covais da Flandres e da África, não tombaram, nas vascas da morte, e no campo da luta, mercê exclusiva da obra criminosa dos que se pretendem amnistiar. (Apoiados).

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mais um fermento para as irredutibilida-des que andam latentes e que servirão para • acarretar e avolumar aqueles ódios que tam perniciosos têm sido ao regime actual.

Isto é, concitam-se pelejas entre irmãos de armas, lança-se a discórdia nas hostes republicanas para agradar aos monárquicos, os nossos inimigos de toda a hora, aqueles que- jamais poderão olhar com. respeito as instituições vigentes, os que as não têm nunca respeitado e sempre combatido, os que cometeram as mais cruentas provas de tirania e de abjecção humanas aos presos seus adversários que pejavam os cárceres onde nem os irracionais se podiam conservar.

E vejam os prenúncios do agradecimento futuro : este projecto foi inicialmente discutido no Senado e s.eis Srs. Senadores houve que o rejeitaram, usando dum legítimo direito que ninguém devia contestar -lhes; pois a imprensa monárquica e sidonista, irmãs gémeas na obra de defectismo e de traição, de miséria moral, mental e patriótica, afrontou da maneira mais insólita ò atrabiliária esses seis legisladores, apontando-os à execração dos seus sequazes e ameaçando-os de mais tarde, na esperançada hora da sua vitória, justarem contas!

Esta atitude da parte duma imprensa que eu, diga-se de passagem, desprezo em absoluto porque me apoucaria sob o ponto de vista intelectual, dando-lhe atenção, e da parte de homens que reclamam a amnistia como meio de apagar incom-patibilidades, dá a medida do carácter dos janízaros transformados em escrevinhadores, que .amanhã hão-de pretender substituir a caneta que envergonham pelo azorrague que lhes ó peculiar, para nos retalhar as carnes como não há muito fizeram aos sacrificados combatentes dos momentos do perigo. (Apoiados}.

l Ouço por outros lados dizer aos ca-quéticos elementos que entre nós vivem das tradições duma vida política e duma coerência de princípios que inteiramente desconheço, nem me interessa, fórmula que tenho visto reproduzida na imprensa utilitária que infelizmente nos absorve e depaupera energias, que a amnistia é reclamada pelo coração das mulheres portuguesas !

Senhores: a hipocrisia, a audácia, a mentira são revoltantes e nojentas. Podia ser motivo de piedade, se não conhecêssemos o passado, mas, tendo na memória os factos quási recentes, essa afirmação cansa náuseas e asco, porque traz as emanações dum pântano de miséria moral. (Apoiados). (Não apoiados).

Mulheres de Portugal, dignas de tal nome, foram aquelas, símbolos da fé e do amor patrióticos que, à imagem dessa figura de eleição que a história nos regista, valorosa e bemdita, armando os próprios filhos cavaleiros e mandando-os para as lutas do desconhecido e da aventura em defesa do solo de seus avós, incitaram irmãos e namorados a alistarem-se à primeira hora, ao toque do clarim, para a jornada gloriosa da Grande Guerra. (Apoiados).

Mulheres de Portugal, merecedoras do nosso respeito, foram aquelas que, tragando heroicamente lágrimas de saudade na partida dos filhos do coração para os mistérios dos campos franceses ou para as ardentes plagas africanas, os animavam com miragens de triunfo enganadoras para elas próprias, mas que representaram bem as características da raça, do desinteresse, da lealdade e do sacrifício. (Apoiados).

Mulheres de Portugal, para quem vai a minha maior veneração, foram aquelas que gemeram o infortúnio de verem seus maridos nos cárceres do infamante de-zembrismo ou da horrorosa traulitânia, abafaram gritos no coração para não agravarem a situação dos vencidos, pasto da carnificina abjecta, e, como os ascetas, silenciosamente aguardaram a hora da redenção, sem um queixume, sem implorar a piedade dos algozes, apesar de verem seus lares envoltos na pobreza e nas trovas. (Apoiados).

<_ masmorras='masmorras' de='de' desdita='desdita' do='do' pelo='pelo' ovacionar='ovacionar' circunstâncias='circunstâncias' reclamar='reclamar' onde='onde' das='das' monárquicos='monárquicos' república='república' são='são' como='como' nas='nas' jaziam='jaziam' homens='homens' cadeias='cadeias' pior='pior' em='em' próprios='próprios' hoje='hoje' esquecendo='esquecendo' eles='eles' sua='sua' cães='cães' que='que' miseráveis='miseráveis' hora='hora' muito='muito' tirano='tirano' igualdade='igualdade' compaixão='compaixão' sentimentalismo='sentimentalismo' republicanos='republicanos' se='se' então='então' para='para' nessa='nessa' só='só' a='a' aparecem='aparecem' respeitados='respeitados' estava='estava' os='os' e='e' entretinham='entretinham' quando='quando' o='o' p='p' mulheres='mulheres' tratavam='tratavam' apoiados='apoiados' amavam='amavam'>

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t)iârio da Câmara dos fteputaãos

nossa simpatia, se o tivessem feito; ouvi--las-ia eu neste momento também; mas assim estão deslocadas e serão elas as primeiras a reconhecer que atraiçoaram a sua missão de bondade. (Apoiados). (Aao apoiados}.

Sussurro.

Se nesta Câmara, da parte dos pregoeiros da concessão da amnistia, houvesse o prurido de bem cumprir obrigações e deveres e ainda honrar sobremaneira a memória daqueles heróis que foram arrancar à quietude dos túmulos, nada havia melhor do que regularizar, neste momento, a situação dos oficiais milicianos, que só arrasta sob a indiferença inclassificável dos que propagam como necessária a libertação dos monárquicos.

Esse seria um gesto que, além de atestar o reconhecimento de um direito, honraria os cadáveres dos soldados ora envoltos em flores e trofeus, quem sabe se das milícias também, talvez arrancados aos prazeres da vida, na peleja cruenta, sob o comando de valorosos oficiais milicianos que foram dos que melhor fizeram a guerra, emquanto grande, número dos de carreira, muitos deles a abranger com a presente amnistia, sujaram pare, sem-pre as fardas, fugindo para evitarem os compromissos tomados. (Apoiado*;},

Todavia, esses bravos hão-de continuar, profetizo-o, aguardando evangèlicamente que um vento de feição desperte o espírito embotado daqueles que, aqui dentro, esquecem facilmente os serviços prestados à nacionalidade para, de animo leve, só devotarem às causas dos adversários do regime.

Sussurro.

Não é o ódio que me anima a fazer estas considerações de oposição veemente ao projecto. Sou um sentimental igualmente e, por consequência, no riieu coração não se aninha, nem dele estravasa a maldade, mas patriota e republicano, conhecendo em demasia as proezas dos nossos inimigos, que não respeitaram vidas nem fazendas e atentaram contra a integridade das actuais instituições, sou dos que do alto da minha intransigência de princípios exclamam: os regimes não só defendem com falsos e piegas sentimentalíamos, mas com inteligência e decisão.

Mas há mais: ainda não vai longe e por Isso deve estar na .lembrança de to-

dos, que uma parte da imprensa de larga informação noticiava na forja uma revolução para depor e derrubar o estado de cousas actual.

,jA que vem, pois, o podido de amnistia V,

<É que='que' fraqueza='fraqueza' de='de' anunciado='anunciado' debelar='debelar' evitar='evitar' aos='aos' governo='governo' parte='parte' do='do' meio='meio' republicanos='republicanos' por='por' para='para' ameaça='ameaça' outro='outro' não='não' movimento='movimento' demonstração='demonstração' a='a' ou='ou' imposição='imposição' p='p' pode='pode' revolucionário='revolucionário'>

Como parlamentar exijo que se me dêem claras c cabais explicações acerca deste enunciado para ficar tranquilo ou para orientar a minha acção corno legislador cônscio tios seus direitos e qiu januiis sentiu o desânimo a conturbar-lha a energia aguerrida.

Igualmente desejo ser esclarecido acerca dos intuitos da convocação do Parlamento feit;.. na folha oficial, porque não ;iclmito, seja a quem for, embora credor da minha admiração do muitos a.ios, que tonto fugir as responsabilidades contraídas.

O Diário do Governo convocou os Srs. Deputado^ para o fim exclusivo de, nesta sessão, se discutirem as medidas que o Sr. ]\iimsíro da Agricultura dizi.i querer apresentar o que reputava urgentes e inadiáveis, do confessa e máxima irjportân-•2Ía, mas por um dos processos empregados nas mágicas e nue são de uso em qualquer entro meio que não r.este, vi coin assombro a audácia de se tomar co-iihecijnonto dum assunto inteiramente diferente, o que contraria e ofende as praxes estabelecidas pela lei expressa no Ee-gimento desta casa.

Por mim, Sr. Presidente, declaro não mo satisfazer com explicações dúbias e somente admitir e justificar esto "procedimento, se s;1 tratasse de resolver a situação dos oficiais milicianos, pois que. por sua natureza o estava, visto que em vésperas do interregno parlamentar e ainda sobretudo para só respeitar a consagração aos anónimos o obscuros heróis, nenhum assunto seria tam bem escolhido como aquele a que aludo com entusiasmo.

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Sessão de S, 11,. 12 e 13 de Abril de

Já se esqueceram das afrontas dirigidas a individualidades que todos devíamos respeitar, corno ao Sr. Afonso Costa, no momento em que vi tília de honrar o sou país lá fora, a quem vandalesca-uiente destruíram a casa, arrebanharam os haveres e privaram da liberdade, enclausurando-o numa fortaleza; dos assassinatos cometidos à má cara e a sangue frio, à luz clara do dia; das torturas infligidas aos desgraçados que pejavam os antros lúgubres do Éden, do Aljube, do S. Juliao. das casas-matas dos fortes e das enxovias perniciosas do governo civil; dos roubos e das perseguições que enfer-rctaram a honra portuguesa e de tal ordem que é impossível lavá-la do sangue e pus que nela verteram as mãos criminosas que em dia aziago invadiram o solo pátrio. (Apoiados}.

Nem sequer se recordam dessa campanha miserável feita contra este Parlamento por aqueles que o desejam tomar de .assalto ou se sentem insignificantes, sob os pontos de vista moral e mental, para poderem ombrear com os seus elementos, que tem malsinado e confundido e criado uma opinião errónea nas camadas populares.

Vejam, por exemplo, um impresso profusamente distribuído em nome duma celebrada agremiação incolor, A Cruzada Nurí Alvares, cujos fins não conheço, mas cujos meios compreendo, que tem a audácia de, no momento em quo reclama a amnistia que só esta Câmara lhe pode facultar.^ afirmar que não confia no Parlamento.

É uma afronta lançada a todos nós e que por mim, e em nome dura bloco do Deputados pertencentes a várias facções políticas, repilo altivamente, porque nela vejo somente a arremetida do jesuíta de casaca que naqueles meandros se encobre para o golpe de estrangulamento à Bc-pública.

Apresentados factos palpitantes que deviam conservar-se nítidos na memória dos presentes, feitos os reparos necessários e dado o grito de alarme àqueles que quiserem demonstrar a energia e iiioue-brantabilidade def ó republicana, em nome da multidão anónima que vai sempre na vanguarda para a defesa do regime, representando os perseguidos e sacrificados quo lá fora vertem a esta hora lágrimas de revolta e de vergonha perante1 os cê

crime, termino, protestando de novo contra a discussão do projecto patente ria ordem dos trabalhos, ao qual nego o meu voto para mo dignificar como político e para me honrar como lutador. Tenho dito.

O Sr. António Granjo : — A questão da amnistia é essencialmente uma questão política. Como tal a tem tratado sempre o Partido Liberal.

Repetidas vezes, pela minha boca e pela boca de outros parlamentares liberais, lembrando especialmente o Sr. Brito Camacho, foi dito que o voto de amnistia, por parte do Partido Eepublicano Liberal, estava condicionado à oportunidade, entendendo que era ao Governo quem competia fazer á declaração expressa dela.

Se a minoria liberal rejeitou a questão prévia, apresentada pelo Sr. Cunha Leal, não foi porque estivesse essencialmente em discordância com a matéria dessa questão provia.

Em todas os regimes se pode dar a amnistia e num regime democrático mais do que em nenhum. <_ conservar='conservar' à='à' a='a' os='os' monárquicos.='monárquicos.' haver='haver' p='p' indefinidamente='indefinidamente' se='se' cárceres='cárceres' nos='nos' ficará='ficará' para='para' pode='pode' perigo='perigo' mal='mal' q.ue='q.ue' república='república'>

Su já tive ocasião de declarar, por parte do Governo, que nenhum perigo podia advir para a República o dar-se a amnistia; a oportunidade é quo então não ora/ boa.

E certo quo não considerei oportuna a amnistia quando estivo no poder, pois vi quo então ela iria dividir a família republicana, mas ato este momento nenhum acontecimento se produziu na sociedade portuguesa que pudesse influir no espírito do actual Governo para que a amnistia não seja um facto.

O Governo entende, e muito bem, que se devo comemorar este dia em que sã presta homenagem aos Soldados Desconhecidos da Grande Guerra. Agora sim, mais do que por ocasião do armistício, se pode conceder a amnistia.

; Que mo importa a miin, Sr. Presidenta, que o chefe da minoria monárquica do Parlamento dczembrista se tivesse oposto, em qualquer ocasião, à concessão de uma amnistia?

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Diário da Câmara dos Deputados

o procedimento dos monárquicos e o procedimento dos homens da República.

O sentimento nacional ó a favor da amnistia e o Parlamento, votando-a, não faz mais do que consubstanciar a vontade da Nação.

Sr. Presidente: contra a amnistia aduziu-se o argumento de que ainda há pouco o Governo anunciou uma conjura monárquica.

Como tenho dito várias vezes, não tenho a esperança de que a República consiga render todos os seus inimigos à obediência constante dos seus preceitos e das suas ordens.

Não tenho mesmo a esperança de que os monárquicos se conformem com o que está estabelecido pela Constituição; mas sei que em todas as épocas se conspirou, que em todos os casos se conspirará e não é porque um reduzido número conspire que a sociedade está ameaçada.

Dizia alguém que, numa cidade onde houvesse 100:000 habitantes, sempre haveria cem que conspirassem.

O que importa é saber se essa conspiração ameaça a segurança nacional e se ela constitui um perigo para as instituições vigentes.

O Governo encarregou-se de dizer, por uma forma peremptória, que essa conjura não constitui ameaça para a República.

Sr. Presidente: se fosse de aceitar o argumento produzido pelo Sr. Cunha Leal, de que votávamos a amnistia sob uma fase revolucionária e abdicávamos por isso dos nossos princípios e da nossa própria defesa, jamais a República votaria a amnistia, porque, como muito bem disse o Sr. Presidente do Ministério, há monárquicos que não querem, a amnistia, não tendo, como não podem ter, coragem de o dizer em voz alta.

Entre esses monárquicos há emigrados políticos que levam uma vida regalada à custa de pesadas contribuições que saem do país, do bolso dos seus correligionários.

Entre eles há agitadores profissionais, conspiradores de ofício e a respeito desses não podemos ter nós nem o país a esperança de que desarmem.

O que. prejudica a República não é isso, o que prejudica a República c que a Nação se solidariza com a causa da amnistia por uma questão de sentimento ou por

uma questão de instinto e nós, com receio de meia dúzia de conspiradores, não obedecemos às indicações do país; nisso é que está o perigo fundamental, porque então o país voltar-se há contra nós porque não obedecemos a essa indicação.

Sr. Presidente: a ordem pública não ó a ordem sob o aspecto meramente policial; a ordem pública é a conjugação dos esforços de toda uma nação num certo sentido.

Justamente terminada a guerra, precisamos fazer a reconstrução ca Pátria, e isto não é uma frase banal, ostamos arrumados financeiramente, a desorientação em todas as classes é geral, precisamos dar um caminho à nossa civilização, precisamos fazer um esforço colossal para o aproveitamento do nosso domínio colonial, para o restabelecimento das nossas finanças, £ e como ó que podemos ter autoridade para nos dirigirmos ao país, quando o país nos pede ordem, paz e_ conciliação, se não realizamos um acto que o país nos pede com medo de meia dúzia de conspiradores?

Sr. Presidente: se ó necessário que nós não dêmos importância a esses conspiradores de ofício, a esses; agitadores profissionais monárquicos, também é necessário que a República não dê importância aos agitadores profissionais que há dentro da República e a amnistia, Sr. Presidente, tem servido a alguns para à custa daqueles que sofreram nas prisões se fazer uma política que, quanto a mim, não tem servido à República senão para trazer o desânimo a uns e a revolta a outros.

Sr. Presidente: nestas poucas palavras está fundamentalmente a defesa da amnistia.

Eu tenho a certeza de que, se a Câmara votar a amnistia e se amanhã se abrirem os cárceres aos presos políticos, sobre a República cairão as bênçãos do país.

Eu tenho mais receio da indignação duma mulher do que duma espada.

As manifestações que as mulheres têm feito em volta da amnistia são por demais eloquentes e devem ecoar-nos no coração.

Não é sentimentalismo piegas.

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

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Os antigos representavam a força na figura duma mulher com os braços cruzados.

Aconselho o Parlamento a que cruze os braços, porque é uma afirmação de força.

Por estas considerações dou o meu voto à amnistia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vou interromper a sessão para continuar logo, às 21 horas e 30 minutos.

Está interrompida a sessão.

Eram 20 horas.

SEGUNDA PARTE

Eram 21 Jioras e 15 minutos.

O Sr. Presidente:—Está reaberta a sessão.

O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: lamento, o lamento profundamente que as circunstâncias me obriguem a proferir hoje aqui algumas palavras, que eu sou o primeiro a reconhecer que de certa forma destoam o caem mal na atmosfera de solene glorificação que nos envolve. Mas propositadamente se trouxe agora esta questão, que é de indiscutível importância e que forçosamente tem de levantar muitas e desencontradas paixões, e por isso me vejo na dura obrigação de falar nos termos em que o vou fazer.

<_ que='que' decerto='decerto' de='de' sim.='sim.' monos='monos' intenção='intenção' apoiados.='apoiados.' ou='ou' censurável='censurável' assim='assim' mais='mais' abafar='abafar' p='p' quero='quero' crer='crer' se='se' as='as' daqueles='daqueles' na='na' manifestariam='manifestariam' procedeu-se='procedeu-se' não='não' vozes='vozes' contra='contra'>

Eu tenho quási a absoluta certeza daquilo que afirmo, e não me incomodam, portanto, os não apoiados de V. Ex.as, que em nada modificarão a minha linha de conduta. A responsabilidade, porém, do facto que afirmei, há-de cair intacta sobre todos aqueles que assim pretendem arrancar, na hora de piedoso recolhimento que decorro, uma votação que, em minha opinião, de forma nenhuma prestigia ou fortalece a Eepública. (Não apoiados).

Sr. Presidente: eu falo de consciência tranquila, e, por isso, como só procuro agradar a mini próprio, pouco ou nada me incomodam os não apoiados daquela parte da Câmara quê vai votar a amnistia, quando é certo que eu, de forma nenhuma, lhe censuro ou lhe verbero a sua maneira de pensar, porque cada um tem o direito de pensar o de proceder aqui como entender e quiser, e o que é necessário é que todos tenhamos a coragem de expor as nossas ideas com completo desassombro e inteira grandeza moral. (Muitos apoiados}.

Sr. Presidente: sei muito bem que com estas palavras vou chamar sobre a minha pessoa antipatias, malquerenças, e, porventura, ódios; julgo, contudo, cumprir, assim falando, o meu indeclinável dever do republicano, e isso tanto mo basta. (Apoiados}.

Seria cómodo, extremamente cómodo,— porque eu não me procuro iludir a mini próprio, e tenho portanto a certeza de que a amnistia vai ser votada,— seria cómodo, repito, que eu me calasse, que votasse sem dar nas vistas, ou saísse por aquela porta.

Repugna-me, no emtanto, tamanha cobardia moral, porque posso bem, e sempre, com as responsabilidades da minha maneira de pensar. (Apoiados}.

Eu não pretendo especular politicamente com falsas noções de sentimentalidade doentia, e não receio os futuros dissabores que me pode causar a minha atitude de hoje. (Apoiados}.

Todavia, chamo a atenção dos meus colegas nesta Câmara e dos Srs. cronistas parlamentares, para uma afirmação que vou fazer e que para mim tem muito de importante o de sinceridade: eu não conheço um só dos actuais presos políticos, e, assim, não tenho, não posso ter, de qualquer deles, o mais leve ressentimento pessoal.

Bati-me, quanto pude, contra a ditadura dezembrista e contra as suas consequências do carácter monárquico, mas nunca encontrei, que eu saiba, um- só desses presos pela frente.

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Diário da Câmara dos Deputados

noção que da Justiça tenho, assim mo ordenam neste momento. Não quere dizer que me repugne inteiramente a idea dum tal acto de magnânima generosidade. Não; e tanto assim que, se ela não for votada agora pelo Parlamento, tico fazendo sinceros votos porque os presos políticos e os seus correligionários em liberdade procedam por forma a poderem merecê-la rapidamente na conveniente oportunidade que hoje. a meu ver ainda não existe.

Sr. Presidente: a todos os movimentos insurreccionais monárquicos contra a República, e muitos têm sido eles, correspondeu sempre o regime com a concessão de várias amnistias, que até aqui, que se saiba, apenas têm servido para reforçai-as fileiras dos nossos irredutíveis adversários, dando-lhes a certeza duma quási completa impunidade. As razões da sua concessão são sempre as mesmas. Se, atentamente, no« dermos ao trabalho de analisar as colunas dos jornais e os extractos parlamentares de então, facilmente encontraremos nos artigos publicados e nos discursos proferidos, quási que sem notável diferença de argumentos e mesmo de virgulaçao, as substanciosas razões que ainda agora, uma vez mais, se adu-zem a seu favor. No estafado e já ridículo realejo da nossa sentimentalidade, a ária da reconciliação da família portuguesa é sempre a, mesma. Assim, bem se podia ter dispensado o Sr. Dr. António Granjo de levantar a sua voz em defesa dos presos -políticos, tam bem conhecemos já os substanciosos motivos e os sediços argumentos dessa defesa.

Hoje como ontem, ontem como sempre, lamentavelmente se esqueceram, j quem cuida agora disso j as dores e o sangue derramado daqueles que denodadamente só bateram contra a vileza sem nome da última traição monárquica.

Mal avisados andam os republicanos que só se lembram dos amigos quando troveja e o perigo é iminente.

Sr. Presidente: fui preso por monárquicos, disfarçados em sidonistas, o mais tarde, a monte andava, quando a traição arrancou de vez, nas ruas da heróica cidade do Porto, a máscara de hipocrisia que afivelara no rosto.

Imediatamente corri à minha terra e, entretanto, os monárquicos eram glorio-

samente vencidos pelo povo republicano de Lisboa, na jornada ópica e para todo o sempre memorável da subida heróica das históricas terras do Monsanto. Pois, Sr. Presidente, logo que cheguei a il/vo-ra, durante os dois dias e as duas noites que se seguiram, todos os meios ao meu alcance empreguei, felizmente com sucesso, para evitar, como evitei, que sobre os monárquicos se exercessem qua.squer violências que deslustrassem e desprestigiassem o b o AI nome e a honra da Hepública. Perdoe V. Ex.'\ Sr. Presidente, e perdoo a Câmara, que me está escutando com amável e imerecida atenção, que eu, contra o que 6 meu costume, esteja desta vez falando demasiadamente de mira. Faço-o, porém, para poder afirmar que também eu sou homem do coração e que a minha consciência, sossegada e tranquila, me diz que nunca o meu coração t:emeu por qualquer acto mau que eu tivesse praticado.

Sim, Sr. Presidente, eu também tenho coração e é precisamente ele que me afirma que a concessão da amnistia neste momento, a quinze dias da reve.ação dum movimento monárquico fracassado, é uma inconsiderada e revoltante obra de cumplicidade com o novo movimento que, assim, forçosamente se há-de seguir; tenha ele, Sr. Presidente, a cor política ou social que tiver, porque republicana se dizia a dezembrada, e no Parque de Eduardo VII estiveram os mais intransigentes dos realistas.

Há aí corações, doentiamente sentimentalistas, que choram emocionados as amarguras dos presos políticos e as tristes desditas das suas pobres famílias, que eu sou o primeiro a lamentar; no emtanto, Sr. Presidente, esses mesmos corações encaram, pelo que se vê, com sorri ilente despreocupação, a responsabilidade grave das novas desgraças, dus uo\as dores, vítimas o lutos que vão causar.

A impunidade, mais ou meros garantida, excita à repetição dos mesmos crimes, é a história de todas as nossas amnistias que o afirma e são os dez anos de prática da nossa República que o atestam. Tam cegos somos que até a própria verdade histórica pretendemos iludir e negar.

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tiessãò dê 8, li, 12 e 13 'dê Mril de 1921

chamam ao* republicanos que a concessão da amnistia defenderam o vão votar.

A tanto 118,0 me arrasta felizmente a paixão política.

Não lhes chamo traidores, nias coili inteira verdade lhes chamo confiados, inocentes e ingénuos, duma inocência, duma ingenuidade, que se não compadecem facilmente com as suas pesadas e gravíssimas responsabilidades.

Ainda há bem poucos meses, Sr. Presidente, daquelas mesmas bancadas ouvi afirmar que a amnistia não era oportuna e que ela trazia consigo o indiscutível inconveniente de dividir a família republicana.

Sr. Presidente:

Não que eu treina pela segurança das instituições republicanas; não. Demais sei eu que os monárquicos nada podem contra a sua existência.

Todos os comandos e todas as situações de destaque e vantagem política estiveram nas suas mãos e todos sabemos o desastrado fim da sua última séria tentativa.

Há que atender, porém, à sua obra de constante e teimosa perturbação da ordem pública.

Essa obra de maldade, e, durante a guerra, acentuadamente anti-patriótica, ó cedo para que se esqueça e absolutamente necessário ó que se não repita.

^ Tal objectivo conseguiremos votando mais uma amnistia?

Estou firmemente convencido de que não.

Oxalá, contudo, que seja eu quem se engane, e que sejam os senhores da direita que acertem.

Estranha oportunidade esta de agora. Estranha por todos os motivos.

(j Onde a foram encontrar?

£ Que circunstâncias a trouxeram, im-pondo-a aos nossos votos?

Possível é, Sr. Presidente, quem sabe? Possível é que ela aí tenha surgido, em milagrosa aparição, talvez debaixo do sagrado e dourado pál;o de alguma dessas muitas procissões católicas que se estão agora realizando, com desusada frequência, em quási todas as terras do País.

Os republicanos andam a garantir-se o céu o muitos, pelo qite li, sei, e ainda on-

tem com certa tristeza presenciei, já estão, contritos e penitenciados, nu graça divina de Deus!

Quem' os viil e quem os vê! • Como são tristes e desalentados os sorrisos do piedade que nos provocam, quando em reverências se curvam ante os príncipes da igreja, solenes nas suas aristocráticas casacas, já esmaltadas à farta de crachás e condecorações.

Quem os ouviu, o qUem os vê agora, alegres comendadores de barrete frígio, salpicados de veneras!

Causam-me riso, repito, e nem podem dispor do direito de se melindrarem comigo, porque foram eles próprios que me ensinaram a troçar e à rir dos preconceitos religiosos, das fachas, dos colares e das comendas.

Más deixemos em paz os nossos tristes ridículos e reatemos as nossas considerações sobre a amnistia.

Nego a sua oportunidade, e nego-à principalmente era resposta àqueles que SB referiram, procurando justificá-la, ad sagrado depósito dos gloriosos restos dos soldados desconhecidos quo actualmente guardamos'no átrio do Congresso.

Não o não, insisto. Não porque o sacrifício generoso o belo dos portugueses que se bateram pela honra de todos nós e que esses abençoados despojos simbolizam, foi combatido sem tréguas, com tenacidade e rancor, por todos ou quási todos aqueles que nojo se vão amnistiar.

Mas não só combatida foi a acção patriótica desses homens, o que ainda se podia explicar à face do que eles erradamente afirmavam sei' o interesse nacional.

Mais do que isso fizeram criminosamente, esquecendo toda a idea da Pátria e das suas gloriosas tradições, porque igualmente a pretenderam diminuir, ames-quinhar e aviltar, fazendo todo o possível para a desonrarem cá dentro e lá fora.

Querem os defensores da amnistia, votando-a, dar aos nossos ilustres visitantes, Um frisante exemplo da magnanimidade «'^norosa dos nossos sentimentos?

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í)iário da Câmara dos Deputados

Argumenta-se com o facto de alguns dos presos políticos não terem sido ainda enviados para o lugar de degredo a cumprir as penas a que foram condenados. E essa uma gravíssima culpa do Poder Executivo. Porque o não fizeram'? Que recearam ?

Faz-me pesar que a Eepública só demonstre e faça uso da força de que dispõe quando se sente atacada, dela se esquecendo lamentavelmente, e em seu desprestígio, quando tem de fazer cumprir as próprias leis que vota para sua defesa.

0 Sr. João Chagas, nosso ministro em Paris, poderia, se quisesse, informar o Poder Executivo, dizendo-lhe como o levaram- a África os governantes da monarquia.

Não foram, é o facto; e assim temos desacreditado as nossas leis e o prestígio das nossas autoridades.

1 Em compensação andam agora pressurosos na tarefa da votação da amnistia, e tam rapidamente o vão fazer que nem. tempo dão para serem ouvidas as vítimas, das violências infames do Aljube e do Éden; que ninguém se lembrou sequer de consultar os combatentes e os crepes negros de Monsanto!

Sr. Presidente: com infinita mágoa constato que a pouco e pouco nos vamos, deixando atacar duma incurável anemia de virilidade. Assim, caminhamos para uma morte inglória, à falta de másculas, energias, de decisão e de força de vontade. Já a vara da justiça em nossas, mãos treme e verga, como frágil vime., quando se trata de aplicar a um grande crime uma severa e rigorosa punição.

Digam o que disserem os líricos da sentimentalidade lusitana, os povos governam-se não com o coração, mas com a cabeça. Ainda não houve período nisto-rioso que a acção de um homem superior não ilustrasse, que não fosse vincado, todo ele, a golpes audazes de inflexível e perfeita justiça. Corramos os olhos sobro o passado e demoremo-nos, por instantes,

na respeitosa admiração das gigantescas figuras de Ooniwcl, Richelieu e Pombal. Todos eles castigaram com implacável dureza as vontndes criminosas que se procuravam antepor à realização gloriosa das suas obras imortais e belas. E no emtanto, Sr. Presidente, a Inglaterra, a França e Portugal erigiram-lhe monumentos que nos escondem agora a visão trágica e sangrenta dos patífculos que eles fizeram levantar.

Não quero recordar agora aqui a infinita série de crimes, alguns? bem repugnantes e impróprios do carácter da nossa raça, que os monárquicos cometeram durante o dezembrismo e durante o período chamado da Traulitânia. Muitos foram eles, mas eu só me permito referir neste momento, porque, de facto ele é a melhor resposta que se pode encontrar ao descabido argumento da oportunidade da amnistia em honra da sacrossanta memória dos nossos mortos da guerra: à porta dum edifício público do Porto — do edifício dos correios, se bem ir.e lembro — estenderam os monárquicos a bandeira nacional, obrigando assim os que entravam e saíam a manchar, com a brutalidade dos seus tacões, o escudo das nossas glórias, os castelos das nossas conquistas, as quinas da nossa tradição. E, no emtanto, à actual bandeira da Pátria nem já a consagração dos campos da batalha faltava, porque essa consagração lhe fora conquistada pelos nossos bravos soldados, que em imarcessíveis rasgos de epopeia mostraram ao mundo inteiro que as coros das suas dobras flutuantes, que os ventos da França agitarão e bateram, reproduz fielmente o verde -vivo das nossas lindas campinas e o sangue vermelho e quente dos filhos de Portugal, que, como aqueles que lá em baixo sacratissi-mamente repousam, por ela souberam morrer.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente : de harmonia com as prescrições regimentais, peço licença para ler a minha moção de ordem, que vou enviar para a Mesa:

Moção de ordem

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«Traulitânia», porquanto os pretendem reeditar, passa à ordem do dia.— Luís Tavares de Carvalho, Deputado.

Sr. Presidente: sangra-me o coração ao iniciar as minhas considerações sobre uma proposta de amnistia vinda do Senado, e sangra-me, principalmente, porque talvez um dos soldados desconhecidos, tivesse sido meu companheiro nos campos da Flaudres.

Nunca, nesta Câmara nem em parte alguma, saíram dos meus lábios palavras de ódio, e sempre, por toda a parte eu tenho anunciado a paz, sempre em todos os lugares eu tenho pedido perdão.

Hoje, ó com tristeza e com dor, e não sei ainda se com lágrimas sinceras e não fingidas, que eu terei de lembrar factos passados, esquecidos já dos meus correligionários.

E tenho pressa de o fazer tam próximo dos dois soldados desconhecidos, tendo a escutar-me, estrangeiros.

Mas as circunstâncias assim me obrigam ; e, em minha consciência, eu faltaria ao mais sagrado dever, se não levantasse a minha humilde voz, a mais humilde de todos vós, amigos e colegas, sempre calada neste cantinho obscuro.

Mas, como talvez nem todos os que me escutam se lembram dos sacrifícios por que passei, eu tenho de os lembrar, e apesar de não gostar de falar nunca de rnirn, eu tenho, no emtanto, de contar o que se passou comigo.

Com Leote do Rego e com outros pa-ladiços que se bateram pela nossa comparticipação na guerra, eu andei de terra em terra, levando a todos o incitamento, para podermos entrar na guerra, que assolava o mundo.

Procurei cumprir o meu dever, e, se não trago o peito' cheio de cruzes de guerra, não foi porque nunca me faltasse o ânimo, para combater como português ao lado dos nossos aliados.

São os azares da guerra, e com tanta sorte para mim, que nunca fui ferido.

Defensor da nossa comparticipação na guerra, ofereci-me voluntariamente, e, depois de catorze meses de trabalho insano, regressei à nossa querida pátria.

Antes tinha havido um movimento revolucionário, alcunhado de dezembrismo, e,

depois de ter sacrificado o melhor da minha existência?

NQ dia em que entrava em Portugal, no dia em que me apresentava na minha repartição, davam-me uma guia para o desterro, para Almeida, como se eu fosse um facínora, como se não acabasse de cumprir o meu dever.

E lá vou para Almeida, como os liberais de 1820, defrontar-me com aqueles rochedos inhóspitos, deixando uma família numerosa.

O beijo de Slegria que tinha dado a meus filhinhos ao entrar em casa, tive de dá-lo à noite como despedida, e uma filhi-nha minha dizia: «O pai não vai para Almeida, o pai volta novamente para a guerra».

Lá estive três meses e meio, estando o processo ainda em aberto, não me constando que tivesse havido então amnistia alguma.

Depois, Sr. Presidente, foram precisos mais oficiais da minha especialidade em França e, se bem que eu tivesse sido des-mobilizado, fui novamente chamado para ir para a França. Porém, ao ser chamado, disse que estava pronto a cumprir o meu dever, mas quo antes de eu ir teria de partir para lá o capitão Sr. Carneira, que era mais moderno e que ainda lá não tinha ido.

Não foi, Sr Presidente, preciso mais 'nada, pois que em face disto nunca mais só falou na minha pessoa; porém, mandaram-me novamente para Almeida, ten-"do eu dito então quo iria para lá, sim, numa situação militar e não na qualidade de preso.

Como, porém, eu não podia ir numa situação militar para uma terra onde não havia uma única unidade, mandaram-me então para Braga, ondo fui encontrar muitos amigos o correligionários.

Fui no dia 12 do Outubro para Braga; porém, ao sétimo dia de lá estar adoeci com uma terrível doença, a gripe pneu-mónica.

Logo no primeiro dia de convalescença recebi ordem para ir para infantaria 6, obrigando-mo a fazer o trajecto a pé, isto depois do ter estado 27 dias doente.

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Como tivesse reclamado, mandaram-mo então para infantaria 6.

Estive aí mós e moio a convalescer. Bom sítio para convalescer, não tendo ninguém que mo suavizasse os mous sofrimentos.

A nova transferência foi foi ta no meio de simples praças. Foi assim que fomos tratados pela Traulitâuia.

Se V. Ex.as estão esquecidos, eu não estou.

Na prisão que nos deram, nada tínhamos, nem uma bacia de'lavatório para nos lavarmos, e assim estivemos ato 19 de Janeiro. Depois fomos transferidos para o Aljube, onde também nada tínhamos, nem cadeiras, nem mesas e separados por um tctbique ouvíamos os nossos inimigos como mastins atirarem-nos às faces com os maiores vitupérios, como bandidos, malandros, otc.

O que se passou nesses vinte e cinco dias de Traulitânia ainda não é de todos conhecido. Para satisfazer a mais pequena necessidade éramos acompanhados por trauliteiros, que nos escarravam na cara os maiores vitupérios.

Assim estivemos numa prisão onde apenas havia uma porta que estava fechada e uma janela igualmente fechada e com os vidros foscados para nada se poder ver cá para fora; uma prisão sem ar nem luz e onde não havia nem ao menos uma mesa e papel para nós podermos escrever à mulher e aos filhos.

Era esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a situação em que se encontravam então os presos, muitos dos quais eram maltratados por aqueles algozes, que chegavam a colocar as mãos dos presos sobre uma mesa, batendo-lhes em seguida com um maço a ponto de lhes fazer saltar as unhas fora.

Isto é uma verdade, Sr. Presidente, não me consta que então se tivesse ouvido uma única voz a suplicar ou pedir perdão, para aqueles que se encontravam então na situação que acabei de expor L Câmara. Sr. Presidente: eu ouvi da boca do Sr. Presidente da República o do Sr. Presidente do Congresso palavras de piedade para os que hoje se encontram presos, e tenho-as ouvido igualmente não só da boca do Sr. Cardeal Patriarca como também da boca de várias pessoas categorizadas, assim eomo tive ocasião de lor as

valias representações que se tem escrito sobre o assunto, bem como as súplicas que têm sido feitas por parte das mulheres portuguesas. Não me consta, porém, Sr. Presidente, que então, isto é, quando se deram os factos que já tive ocasião de relatar à Camará, algumas destas entidades (e triste ó dizê-lo!) tivessem tido pá lavras do carinho e de dor para aqueles que então se encontravam m, situação a que me referi.

Nunca dos meus lábios saiu uma palavra de ódio. Não as tenho agora.

Não conheço nenhum dos presos políticos.

Sei que está lá o tenente Guimarães. Não o conheço: nunca o A*Í, não sei quem é. Apenas o encontrei lá fora.

Sei que mo posso defrontar com Solari Alegro. Não o conheço também. E passo todos os dias e instantes, ombro com ombro, com caudilhos da monarquia, e nem sequer escarro à sua passagen.

Contudo, alguns deles merecem bem o meu escarro, porque têm faltado h, sua palavra de honra.

Não me movem ódios: não os tenho nem os tive . . .

O Sr. Presidente (interrompendo): — Peço suspenda as suas considerações até que se faça silêncio na Câmara.

Pausa.

O Orador: — São desataviadas as minhas palavras. Até podem sair da sala. . .

Mas não tonho maçado muito os meus colegas . . .

Tenho encontrado em tocos amigos bem queridos, c muito lamento se hoje ficar com um inimigo.

Não será por mini que a separação dos republicanos se há-de dar.

Vejo do meu lado correligionários do meu Partido; do outro correligionários da República e nunca adverfsários. Não tenho ódio a ninguém. Mas também é preciso que o diga, posso transformar-me numa leoa . . .

Uma voz: —

O Orador: — Numa leoa, porque um leão ó muito forte, para defender os meus correligionários quando os vi: atacados.

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voto a amnistia, e milhares dos que se têm batido pela Eepública, e o seu espírito pudesse vir aqui, repetiriam as palavras que estou pronunciando.

É que ó unui traição à República votar-se a amnistia neste momento. (Apoiados). (Não apoiados].

Tenho sempre assumido a rt sponsabi-lidade dos actos que pratico, e não temo, digo-o bem alto, os meus adversários.

E como não receio de passar ao seu lado, não me recusarei a votar a amnistia quando o mereçam. Não o merecem agora.

Como republicano, neste momento em que repousam lá em baixo as urnas de dois heróis desconhecidos, querem trazer para junto de nós o pomo do discórdia, querem fazer a nossa separação, porque isto não representa mais do que o desejo de nos sonarar, mais do que estamos separados. Eles bem sabem que quando tocam na Eepública estamos todos unidos, somos como que um só homem, assim como também sabemos que, se os deixarmos à vontade, poderemos ser vítimas e para nós não há perdão nem amnistias, porque nós também a não pedimos nem consentimos às nossas mulheres que vão rastejar junto dos nossos adversários a pedir perdão, como algumas têm vindo até junto de mim e de muitos outros republicanos.

Não tenho feito mal a pessoa alguma. Pelo contrário, em 5 de Outubro, cobri com os meus ombros muitos monárquicos ; no episódio das espadas disse a muitos dos meus camaradas: «vejam o que vão fazer»; em 14 de Maio disse apenas palavras de paz e perdão; em 13 de Fevereiro, no Porto, abri as portas do Aljube dizendo: «rapazes, não se faz mal a ninguém!» Deste facto pode ser testemunha o Sr. Conde de Mangualde, que evitei que fosse morto pelas suas vítimas, porque, sem dúvida, ele era o maior responsável de todos os crimes que se praticaram naquela cidade.

Assim, Sr. Presidente, eu não voto a amnistia e assumo inteira responsabilidade desse meu acto sem receio de ser apontado ás feras. Do mais tenho sido a elas apontado. Só o quo lamento ó que agora tantos corações, tantas boas almas existam e quando estive preso nem os meus companheiros tivessem para mim uma pa°

lavra de consolo, nem o sorriso duma senhora, nem uma palavra de amor; e, contudo, parece-me que não sou menos patriota do que os patriotas que estão presos, sendo como eles filho de Portugal. Que apontem os meus crimes, que me digam quais as minhas perseguições, que venham até mim aqueles qiie eu tenha perseguido. Nunca, em minha consciência o digo, nunca fiz -mal a ninguém.

Na vida quo enccíci tenho tido occasião de fazer mal e não o tenho feito. Limito--me a' chamai- aqueles que tenham prevaricado e depois deos ouvir admoesto-os. Nunca castiguei pessoa alguma, nem disso preciso para me fazer obedecer.

Seria eu o primeiro a abrir as portas das prisões aos monárquicos se eles merecessem que eu fizesse por eles esse sacrifício.

Mas não o merecem.

Amanhã, como ontem, como hoje, eles não agradeciam o meu gesto, porque tantas pessoas eu tenho salvo, tantos favores tenho feito, e não tenho encontrado senão ingratidões.

Fui desterrado; e doente, entre a vida e a morte, fui proso. E porque? ^Que crime é que eu cometi?

i O de ser republicano e democrático! Como se não fôssemos nós aqueles que mais força temos dado para defesa do nosso ideal, como se não fôssemos nós os que vamos na vanguarda sempre que é prociso defender a República!

E crime ser democrático?!

O que se pretende é abater essa grande força que está no coração do povo, mós enganam-se. Se alguém tiver essa intenção encontrar-nos há bem unidos para combatermos os nossos inimigos.

Vozes: —Muito bem.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigrâficas.

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<_ que='que' não.='não.' de='de' uma='uma' porventura='porventura' prisão='prisão' pensamento='pensamento' evidentemente='evidentemente' p='p' justificar='justificar' haverá='haverá' dois='dois' crime='crime' anos='anos' possa='possa' algum='algum'>

Só os reaccionários ou os jacobinos, que, sendo dois extremos, por isso se tocam, podem dizer o contrário.

Os socialistas não contam que para o seu grémio passem os monárquicos, e jamais podem pretender que as senhoras do país rastejem a seus pés, como alguém, inconvenientemente, já aqui disse.

Sr. Presidente: todos sabem a injustiça das penas que se impuseram aos monárquicos. Todos sabem que os dirigentes do movimento monárquico se encontram em liberdade e que a justiça republicana não foi cumprida como deveria ter sido. Se outras razões não existissem a favor da amnistia, parece-me que esta era suficiente. Parece, porém, que a muitos dos homens públicos do meu país este argumento não os move.

Eu sei que alguns desgraçados, dois, pelo menos, segundo me informam, estão há mais de dois anos presos no Limoeiro acusados de propagandistas do bolche-vismo.

Há criaturas que se dizem republicanos e não têm vergonha de mandarem para a cadeia homens que outro crime não cometeram se não o de fazerem a propaganda da emancipação do trabalho.

Para a República foram os piores dos monárquicos, muitos daqueles que a monarquia não queria para lhe engraxar as botas, almas daninhas que foram para o meio republicano para o empestarem.

São estas criaturas que são hoje republicanas e que amanhã serão monárquicas; são esses os homens que mais protestam contra o sentimento nacional que reclama a amnistia.

A minoria socialista aprovando a amnistia não o faz para captar simpatias, nem por medo, inas porque em sua consciência entende que a amnistia é reclamada pela maioria da Nação.

A República não caminha porque ela tem sido perseguidora. Basta ver o que durante anos ela fez aos homens da igreja.

É necessário que os homens da República sejam tolerantes e façam a República.

Os senhores têm sido os caça-frades.

É a isto que é necessário pôr termo para que a República caminhe.

V. Ex.a sabe bem que os h améns que trabalham em Portugal não são inimigos da República, mas o que é certo é que o povo ainda não sente a República.

A inconsciência ó tam grande que eu admiro o regosijo de alguns Deputados que estão aqui apenas com uma centena de votos.

Trocam-se apartes.

O Orador: — Sr. Presidente: eu vou terminar, mas, antes disso, não querendo que os republicanos se aflijam mais, não posso, todavia, deixar de lhes; dizer que o Partido Socialista não apresentou o seu projecto de amnistia para concuistar simpatias de quem quer que seja ou para captar os sorrisos das senhoras, mas sim por uma questão de princípios. Realmente, os socialistas não podem admitir que por um delito de pensamento alguém esteja nas cadeias, porque para mim, mesmo, é mais digno de consideração um monárquico que tenha sido sempre monárquico e que pelo seu ideal conspire, do que aqueles que têm a República nos lábios e a monarquia no coração. (Apoiados}.

Sr. Presidente: eu termino, para sossego dos nossos republicanos, já amargurados com as verdades que eu. aqui tenho exposto, e oxalá eles sejam tam breves como eu o fui, para não estarmos na Câmara até de madrugada a perder o nosso precioso tempo. (Apoiados}.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: não combatemos a amnistia, porque a sua concessão possa consistir um perigo para a segurança da República. Se o destino desta estivesse dependente da prisão de pouco menos de duas dúzias de pessoas, seria um regime tam odioso que à minha alma de democrático e de republicano repugnaria defendê-lo.

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Seêião de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 192í

Tâffl {fouc'o â combatemôã porque muitos republicanos' estiveram presos, porque muitas famílias foíam perturbadas no seu sossego e muitos dos seus marti-rizadosj numa revivescência de processos inquisitoriaís, que, por momentos, deram ao mundo a impressão que Portugal se havia barbarizado. Seria pôr o problema em termos de represália antagónicos da justiça e, por consequência, da própria1 idea republicana. (Apoiados).

Também a não combatemos, porque muitas mulheres do meu pais têm neste momento timá fácil atitude de gúpliea, que, no emtanto, não tiveram noutras eras e noutros momentos, quando pOrtti-gueses ds Portugal, com mulheres, com mães, com noivas e com irmãs, como oá seus protegidos de agora, eram peísegui--dos, vexados e trucidados, sem nenhuma espécie de processo, tendo-se convertido õ arbítrio no único poder de direcção social; (Apoiados) i

Ainda não à combatemos porque as altas dignidades da Igreja são prontas hoje num gesto imperativo de clemência, que também então não tiveram. Seria pôr 0 problema em termos de estímulo caprichoso que não se coadunariam com a natureza da alta função que aqui exercemos. (Apoiados).

Não, Sr. Presidente e meus ilustres colegas, por nenhumas dessas razões a combatemos, nem mesmo porque a nossa alma seja dotada duma crueldade semi feroz que nos desumanize e nos anestesie a sensibilidade afectiva, impedindo-nos até de ter simpatia pela gentileza do perdão. Uma parte dessa gente, se está ainda hoje viva, foi porque a cobri com a minha própria vida, humana e desinteressadamente. Um homem que assim procede não tem, evidentemente, a dureza das feras nem a impenetrabilidade de sentimento das pessoas insensibilizadas.

Não. Os fundamentos da minha oposição são outros, muito outros!

Vou buscá-los à necessidade de estabelecer a tranquilidade em Portugal; à in-•dispensabilidade que tem a República, para poder viver, de organizar a justiça e criar no país uma ordem social nova, garantindo o exercício de todos os direitos, o funcionamento de todas as liberdades, o equilibrado desenvolvimento da vitalidade nacional.

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Um regime com 10 anos de existência, que concedeu já 9 amristias aos seus adversários, é um regime que organiza o incitamento ao delito político e social (Apoiados))', ó um regime que garante a impunidade desses crimes que, por terem uma raiz de pensamento, não deixam de pôr em grave risco o progresso duma nação inteira, do espalhar muita dor, muita miséria, muita desgraça. E exactamente porque essa excessiva generosidade constitui um incitamento à desordem e unia garantia de impunidade, é que foi possível, na hora suprema da guerra, uma aventura que ia comprometendo a existência da própria nacionalidade (Apoiados), que diminuiu a eficiência da nossa participação, que, porventura, angustiou no instante derradeiro os que morreram pela Pátria, simbolizados nos cadáveres, hoje expostos no Palácio do Congresso, cuja sombra gloriosa se evoca, numa tentativa de suborno sentimental, favorável aos maiores responsáveis do derrotismo.

Os meus fundamentos de oposição vou buscá-los, pois, ao desejo, melhor, ao decidido empenho de reduzir a República à sua pureza máxima, por amor da qual será um regime de ordem e de paz, que não podem efectivar-se sem uma organização conveniente da justiça, acentuo claramente da justiça, para que se não possa confundir com vingança ou represália.

Ora, se a República não foi ainda capaz de fazer essa indispensável organização da justiça, deve-o principalmente à inconsciência da sua fácil generosidade, que nos reduz à contingência perturbadora de andarmos a votar amnistias quási aos semestres.

Sou ainda contra a amnistia, em defesa das mães, das esposas, das filhas que vivem neste país, porque votá-la é incitar a preparação de novas revoluções, com todas as suas nefastas consequências.^

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rda momentânea ou definitiva de entes que.rido.s.

Fica por consequência bem assente, Sr. Presidente, que ó em nome. da ordem social, e por amor da segurança e da tranquilidade de toda a família portuguesa que, como Deputado da Nação, me vejo obrigado a negar o meu voto ao projecto da amnistia que se encontra em discussão nesta casa do Parlamento.

O resto, o comentário dos espectadores oij doa interessados, quer se girandolize em aplausos, quer só enviese em vesgas ameaças de represália, cruza sobro a minha cabe,ça, deixando-me tam indiferente como. não se tivesse produzido. É, pqrque aqui, noste momento, como de rçs.to. através da minha vida inteira, uma única; aspiração me domina, polarizando toda a minha, actividade, o bem de Portugal, que tenho a certeza de mais uma VQZ bem ter servido agora!

Tenho dito.

Vo?es:— Muito bem.

Q Sr, Vasco Borges: — Sr. Presidente: una ilustre Deputado, disse, no decorrer das suas considerações, que a todos os republicanos era lícito exporem a sua opinião sobre a amnistia, contanto que desassombrada» Q sinceramente o fizessem.

Do mesmo modo. penso, Sr. Presidente, e desse modo procederei.

.É pois, Sr. Presidente, com inteiro desassombro e íntegra isenção da minha canseiência que, em face da Câmara e do País, declaro que defendo e votarei a amnistia, procedendo assim convencido de que presto um serviço à Republica es o que é mais, de que presto um serviço aijs altos interesses da minha Pátria.

Sr. Presidente: Já no decurso deste debata ouvi ser por sentimento que alguns republicanos defendem a amnistia. Devo dizer a V. Ex,a que por sentimento eu-votaria contra ela.

Penso e entendo, porém, que os políticas, as homens públicos, e os homens de Gayêr-no têm o dever de se orientarem sempre pela inteligência e assim eu, que por sentimento votaria contra a amnistia, por inteligência voto a seu favor.

É obrigação dos homens públicos integrarem-se nas correntes de opinião publica, dentro dos países em que vivem se

formam, procurando por vezes orientá-las pelo caminho mais adrede à realização das suas reclamações, é certo, mas nunca contrariando-as absurda e improficuamente.

Se voto favoravelmente a amnistia, é precisamente por no País existir uma poderosa corrente de opinião em que a maioria dos republicanos se integrou, reclamando-a e impondo-a como uma necessidade.

Não é aliás por mero acaso ou simples sentimentalidade que tal facto se constata.

Esse estado de espírito resulta de motivos reais positivos e de determinantes concretas. Se os homens que atraiçoaram a República em 1919 tivessem sido condenados e houvessem sido enviados a cumprir as penalidades a que foram condenados, logo após o crime, toda a opinião deste País teria aceitado bem tal facto, admitindo para o crime as inevitáveis consequências; mas, Sr. Presidente, a três anos do delito e aproximadamente a dois da condenação, ^em que siraação de facto e de direito nos encontramos perante os condenados? Vá de estarem sofrendo penas a que não foram condenados, não cumprindo aliás, nem se sabendo quando começarão a cumprir, aquelas a que os condenaram.

Pregunto à Câmara se é possível, após tanto tempo decorrido, o cometi mento de tantos erros e desvarios que no» têm enfraquecido a autoridade, declaro-o com inteira e completa independência, pregunto se depois de várias vezes os condenados terem estado no limiar da liberdade, de-pois de se saber que são republicanos dos mais altamente colocados na República que pugnam e se interessam pela amnistia, pregunto, £ se nestas condições será cousa possível enviá-los finalmente neste momento a cumprirem as penas em que os condenaram?

Pregunto se seria digno que, depois dalgumas vezes se lhes ter acenado com a liberdade, se corressem agora novas grades e novos ferrolhos sobre as suas prisões.

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Pregunto, finalmente, se tal cousa será possível sem que um coro de lamentações acompanhasse esses homens, lamentações que seriam outras tantas imprecações erguidas contra a iniquidade e a desumana crueza do regime.

Sr. Presidente: & Pretender-se há acaso fazer da deliberação que irremediavelmente envie esses homens para a África um número do programa das homenagens prestadas aos Soldados Desconhecidos ?

Uma tal situação de facto e de direito só com um acto de clemência poderemos dignamente remediá-la.

Mas, Sr. Presidente, não só razões de piedade e de coração fizeram com que a opinião pública se pronuncie favoravelmente à amnistia.

Não menos alto grita também a injustiça • com que foram tratados alguns dos condenados.

E quantos com maiores e bem mais graves responsabilidades do que as dos que estão presos se encontram em liberdade, sem que nunca houvessem sofrido qualquer punição, tendo negado e usado de todos os meios para se ilibarem.

£ Quantos continuam nos seus postos, • procurando fingir de republicanos para possivelmente melhor traírem a República?

(i Quantos dos que estão presos pagam essencialmente o erro de se terem apresentado perante os tribunais declarando lealmente e com hombridade as suas responsabilidades ?

j Pois se até simples sargentos houve que os tribunais condenaram a penas maiores, emquanto a alguns comandantes os absolyjam!

É isto justiça?

Sr. Presidente: muito se tem falado durante este debate na oportunidade ou ino-portunidade pari} a concessão da amnistia.

Para mim a oportunidade estabelece-a inspjismàyelmpnte o aplauso da nação.

<_ de='de' a='a' comp='comp' em='em' proclamar-se='proclamar-se' teria='teria' outubro='outubro' p='p' este='este' sido='sido' _5='_5' possível='possível' sem='sem' república='república' _='_'>

^ Haverá, -no emtanto, razões que anteponham à amnistia a própria segurança da República?

£ Mas, Sr. Presidente, eu preguntp se é com a liberdade de vinte e um preses políticos, que tantos s$o, segundo informações que tenho, os que se encontram nessa situação, que se vai criar qualquer perigo para o regime, facultando-se demais a mais ao Governo o proibir a permanência no país àqueles que efectivamente devam considerar-se perigosos para a segurança do Estado ?

^ Então tam fraca está a. República que se torno necessário de tal modo exagerar a sua defesa?

Se 'é uma meia plúzia .ou uma (luzia de hqmens que vem fazer perigar a República, nesse caso mal estamos, porque com esses homens presos pu soltps não deixará o regime de correr perigo.

Sr. Presidente: como já afirmei, é por inteligência que preconizo e defendo a amnistia, por considerá-la um acto de vantajosa política para a República, cojir correndo, como não poderá deixar de ser, para a pacificação tam necessária da família portuguesa.

De modo algum tenho em vista, pensando assim, beneficiar as pessoas _de quaisquer monárquicos. O que neste mor monto tenhp em vista é prestigiar e dignificar a Pátria e a República.-E este mesmo o alvo e desígnio de todos nós, através das homenagens que prestamos aos heróis desçouhecidps, sem que ninguém se lembre de preguntar se algum desses homens por acaso teria sido monárquico. Evidentemente é só à grandeza e maipr glória da Pátria que prestamos essas homenagens.

Sr. Presidente: se aos regimes robustecem os actos de emergia e de severidade, como garantia .da sua defesa, não me? nos fortalecem os regimes os actos de clemência para com os seus adversários.

Também esses implicam fôrça, força de : que afinal a República dispõe, tendo -podido vencer sempre os seus inimigos.

A essa fôrça, Sr. Presidente, não é indiferente aquela autoridade moral que &' sua generosidade lhe tem dado.

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quaisquer lições que da concessão de amnistias anteriores possam resultar, eu voto o projecto de amnistia trazido a esta Câmara.

A verdadeira apoteose de que neste neste momento a República ó objecto por parte do velho e novo mundo, por parte das nações que mais contribuíram para a defesa da liberdade e da civilização, c ainda na verdade uma formal e bem singular garantia de que efectivamente a República tem a força e o prestígio de que precisa para defrontar-se com os seus inimigos, para desmentir, esmagar as suas ilusões e fazer fracassar todas as suas tentativas.

Efectivamente, tudo os republicanos poderão vencer, fácil lhes será caminhar de alma serena para todas as lutas, só souberem manter-se unidos, e aos seus inimigos poderem opor a coesão das suas fileiras.

Patriotismo e amor pela República, são estes os sentimentos que deverão fazer a reunião dos republicanos e constituir a sua mais alta virtude.

Só assim a Pátria poderá encontrar nr, República à prosperidade que esta lho deve.

O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar do assunto que está em discussão, qual é o que se refere ao projecto da amnistia; mas antes de mais nada, Sr. Presidente, devo declarar que necessário é pôr as cousas no sen. verdadeiro pó e por forma a não poder haver dúvidas.

Eu devo declarar francamente à Câmara que não estou de acordo em que se venha invocar uma data que na verdade não devia ser invocada para a concessão da amnistia.

Sr. Presidente: começarei por declarar à Câmara que voto a amnistia, mas não pela forma e nas condições da proposta de lei vinda do Senado.

Não posso, Sr. Presidente, de íorma alguma aceitar a data de 9 de Abril para ser concedida a amnistia àqueles indivíduos que mais contribuíram para diminuir todo o esforço feito em Flandres.

Não podem, Sr. Presidente, apelar para os nossos sentimentos e para os nossos corações para se dar a amnistia, exacía-jmente àquelas pessoas que talvez sejam

as mais responsáveis pelo rcvós sofrido em 9 de Abril nos campos da batalha de Flandres.

Não pode ser.

Tenho a certeza, Sr. Presidente, de que, se fosse possível fazer ressuscitar aqueles dois soldados desconhecidos, cujas ossadas se encontram a dentro desta casa do Parlamento e que tão honradamente souberam morrer em África e em Flandres, as suas palavras seriam de harmonia com o que acabo de expor à Câmara.

Sr. Presidente: votando nós igualmente a amnistia nas condições em que nos é apresentada pela proposta vinda do Senado, continuariam presos nas cadeias da República muitos desses valentes que se bateram em Flandres e em África, sem que ao menos tenham tido para com eles palavras de perdão.

Não se compreende que se invoque a data de 9 de Abril para amnistiar os presos políticos, e se esqueçam daqueles que estão presos por delitos de carácter militar.

Sr. Presidente: quando o Governo do Sr. António Granjo apresentou a esta Câmara a sua proposta de amnistia abrangia nela não só os presos políticos, como também os militares do C. E. P.

Foi esse projecto aprovado nesta Câmara, e foi com desgosto que esta Câmara reconheceu que o Senado tinha pôs-to maiores dificuldades para que o projecto não fosse aprovado, tendo eu feito vários apelos para que aqueles militares do Corpo Expedicionário Português não continuassem nas prisões da República.

Não foi possível alcançar do Senado a aprovação dessa proposta e só agora o Senado se manifestou.

Mas o aspecto da questão modificou-se neste momento.

Tudo parece indicar que se quere perdoar ao maior número de portugueses que estão presos, com o fim de pacificar a família portuguesa.

O Parlamento da República deve procurar dar a amnistia tam ampla quanto possível.

Eu voto-a unicamente nessas condições.

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Como a proposta vem do Senado continuariam as mesmas injustiças contra os soldados presos.

Apartes.

Sr. Presidente: sabe a Câmara e V. Ex.R, e em especial muitos dos oficiais que combateram em África e em Flandres, que os partidários da guerra sofreram- por vezes as maiores perseguições e vinganças por parte daqueles que eram contrários à intervenção nossa na guerra.

Criou-se por vezes uma atmosfera tam viciada que chegou a haver uma luta entre intervencionistas e não intervencionistas, sendo os intervencionistas muitas vezes tratados com aspereza por aqueles que possuíam uma situação de hierarquia superior.

_ [partes.

Praticaram-se algumas faltas que sofreram uma justa repressão.

Mas acho justo, Sr. Presidente, que neste momento, nós todos possamos atenuar as faltas então cometidas, o lembrando as circunstâncias muito especiais que as motivaram, devemos esquecer, eser grandes na amnistia que vamos conceder.

É por isso, Sr. Presidente, que o projecto de lei que vou mandar para a Mesa, dá à amnistia o carácter de maior generosidade, e estou absolutamente convencido de que, se ela for votada nestas condições, nós temos aquela autoridade necessária para proclamar bem alto que a Kepública só quere que entre todos os portugueses se faça de vez a pacificação necessária para o sou progresso o desenvolvimento.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taguigráficas.

Foi lido na Mesa o projecto de lei apresentado pelo Sr. Plínio da Silva, ficando em discussão juntamente com o projecto da amnistia.

É o seguinte.

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida a amnistia a todos os crimes ou delitos do carácter político, social, militar, religioso e de imprensa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário a esta lei, que entra em vigor na data de 9 de Abril de 1921.—Plínio Silva.

O Sr. Ladislau Batalha: — Sr. Presidente: nesta altura do debate, tenho de ser rápido e breve.

Porém, não me dispenso neste momento em que vai ser votada a amnistia —tal como está ou tal como o Sr. Plínio Silva a apresentou — de chamar a atenção de V. Ex.a e da Câmara, para as solenes declarações que vou fazer.

Esta amnistia não satisfaz aos socialistas. Como os socialistas a desejariam também já aqui foi declarado, quando da apresentação de um nosso projecto de lei nesse sentido. Como o Sr. Plínio Silva a apresentou, no seu laconismo, ela pode ser convictamente aceita pelos socialistas.

Sr. Presidente: nós pertencemos a uma escola muito mais avançada do que a da República burguesa, e temos bem presente neste momento a amnistia de Fernandes Tomás, em 1820, que era ampla e larga, e não uma cousa tacanha como esta.

A amnistia, ou se dá ampla, ou se se dá cheia de Jicelles, é mais uma cobardia para a República.

Tenho mais uma razão para apresentar, qual é a de que, as amnistias tenderão a desaparecer no futuro, porque elas não representam um acto de clemência, mas apenas confissão de um erro. Isto é que eu desejo acentuar.

O livre arbítrio não existe. Não existindo, não há que castigar, mas simplesmente o direito de reparar da sociedade os incriminados delinquentes que com ela não podem conviver, criando-se-lhes um novo meio ambiente para que tais crimes se não possam repetir, nem constituir novas ameaças à sociedade.

Para o justo equilíbrio desta, o que convém é fundá-la numa nova morigeração, assinar-lhe novas bases que, em vez de sugerirem os supostos crimes punidos pelos códigos, invalidem a sua prática como desnecessária à felicidade que as instituições de futuro terão de garantir.

E serão desnecessárias então as amnistias, visto que não haverá motivo nem pretexto para trazer os cárceres pejados de inocentes.

E agora o momento de fazer as minhas declarações mais peremptórias ao Parlamento.

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da Câmara doa Deputado»

0 Orador: — Ou 'o Parlamento me faz a honra de me escutar em silêncio durante cinco minutos, ou eu desiste de palavra.

O Sr. Presidente chama a atenção 'da tâmara.

O Orador*. — A amnistia que vai ser dada não atinge, neste momento, apenas delinquentes de ordem monárquica ou de ordem social; atinge também certos delinquentes políticos que em recente data foram confiados aos cárceres. Ponho de parte a análise dos seus delitos, porque não quero levantar agora essa questão. Sr. Presidente: os Bairros Sociais são instituições ,que traduzem uma aspiração socialista. É apenas sob este ponto de vista que o Partido Socialista protege a sua execução. Mas os moldes em que se procura levá-los à prática são os moldes capitalistas. O Partido Socialista quere também os Bairros Sociais como Bairros Sociais, tal qual foram inicialmente concebidos, e não como bairros à parte para operários, ficando estes separados como repelidos da sociedade, a lembrar as velhas mourarias e judiarias. . Nem tam pouco o Partido Socialista quere os Bairros Sociais mal administrados, como tem sucedido com as obras do Manicómio, com o caso do arroz, e outras subsistências, em que os Ministros delinquentes ainda não estão na cadeia, embora o dinheiro tivesse saído de Portugal e o arroz até agora ainda não tenha entrado !

Há ainda uni ponto para que chamo a atenção da Câmara. Supostos delinquentes foram pelo Poder Executivo metidos na cadeia, acusados de um complot rocambolesco do género Sherlock Holmes. Sem dúvida a amnistia também passará uma esponja sobre estes supostos crimes. Se a amnistia vier, se a amnistia for votada com ou sem emendas, e que apivo-veite a todos aqueles que estão encarcerados, também os do fantasiado com-jplot a aproveitarão.

Mas nem assim desistem do quo o artigo 51.° da Constituição seja aplicado ao Ministro acusador, se se provar que ele delinquíu, pois a amnistia não tem a faculdade de derrogar a Constituição, que impõe a responsabilidade ministerial aos membros do Executivo nela mcuraos.

O artigo 51.° manda julgur os Ministros responsáveis. Se ò Sr. Ministro do .Trabalho não conseguir provar o complot, será justo que vá pa:?a a cadeia ocupar o lugar daqueles que inocentemente lá meteu.

Eram estas as declarações que eu queria fazer, para que fique bem determinado que o que se torna necessário é fazer justiça. Seria assim que a República se dignificaria. Como até agora se tem procedido, são os prejuízos republicanos que têm fabricado monárquicos.

Estou de acordo que a amnistia deve ser dada mas por uma forma que a todos aproveite.

O Sr, Cunha Leal: — Sr. Presidente : não consegui arrancar do Sr. Presidente do Ministério a declaração do que pensava sobre a amnistia.

Já é meia noite e meia hora, e declaro--me vencido, ficando embora sem saber qual é a opinião do Governo sobre a oportunidade da amnistia. Fico sem saber se convém ou não aos altos interesses da República e da Pátria a amnistia, ou se é exactamente o contrário.

Eu compreendo o embaraço do Sr. Presidente do Ministério perante as indiscretas palavras duma alta figura da República que fez com que S. Èx.11 não declarasse o seu pensamento.

Vejo-me forçado, assim como a minoria popular, a guiar os nossos votos exclusivamente por aquilo que se sabe e que não é tudo quanto se devia saber; porque ha altos mistérios que a polida de segurança do Estado terá dito aos ouvidos discretos do Sr. Presidente do Ministério.

A questão da amnistia é uma questão aberta para o Partido Popular, mas as circunstâncias determinam que a final de contas o mesmo seja que uma questão fechada, visto que o Sr. Presidente dó Ministério não nos quis declarar se julga ou não oportuna a amnistia. .

O Sr. Presidente do Ministério com a sua muita e amável teimosia 13 com a sua muita e conhecida amabilidade conseguiu transformar esta questão nuna questão fechada.

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O ódio dos monárquicos para .còín os republicanos é inextinguível; e afinal de contas os republicanos têm "sido sempre generosos, com raras excepções, nas épocas em que era tam fácil tirar a revin1-dita.

Os republicanos têm procedido honradamente nos dias gloriosos para â Repú-blíca.

Após a escalada de Monsanto, tendo visto lá exemplos como o da morte, dada à traição, do alferes Martins, nunca os republicanos macularam o seu nome com vinganças torpes e mesquinhas.

À generosidade dos republicanos têm respondido os monárquicos com o ódio e com a ingratidão.

A propósito da nossa intervenção n,a guerra foram proferidos nesta casa do Parlamento vários discursos, de entre os quais destacarei o do Sub-Secretário de Estado da Guerra de então, em resposta ao chefe da minoria monárquica.

O ódio deles nunca desarma, estando sempre pronto a cuspir lama sobre os homens da República.

Ainda ontem chegando eu a Lisboa uma das primeiras cousas que vi num jornal dos que pedem a amnistia, foi a afirmação de que havia um Ministro das Finanças que era cúmplice de banqueiros na extorsão de dinheiros ao país.

Eu pregunto : pestes homens que nos atacam com a rudeza destas palavras, porventura pensarão que nos desarmam por esta forma?

A quem assim se nos dirige nós devemos responder altivamente : queremos s. República prestigiada. <íHá de='de' dê='dê' bem='bem' do='do' mais='mais' justiça='justiça' das='das' há-os='há-os' dela='dela' república='república' suas='suas' homens='homens' peço='peço' todas='todas' exército='exército' eu='eu' criminosos='criminosos' as='as' na='na' morte='morte' esses='esses' vezes='vezes' eles='eles' que='que' paixões='paixões' cadeia='cadeia' salvem='salvem' uma='uma' dos='dos' alto='alto' situações='situações' mil='mil' regimes.='regimes.' para='para' mesquinhas='mesquinhas' pena='pena' acima='acima' mas='mas' infelizmente='infelizmente' a='a' expulsem-nos='expulsem-nos' dentro='dentro' metam-nos='metam-nos' os='os' e='e' homens.='homens.' monárquicos.='monárquicos.' p='p' ergam-na='ergam-na' severa='severa' favor='favor' decretem='decretem' todos='todos'>

Invoca-se nesta hora os soldados desconhecidos.

[Representam uma cousa mais alta do que a República; representam uma Pátria !

Representam aqueles que, chamados a

cumprir o seu devei*, foram pára a guerra; representam todos os grandes anónimos da nossa história; representam os sacrificados, j Não representam aqueles que estão nas cadeias por terem atacado a República!

Não representam Sòlari Alegro, não representam Paiva Couceiro, porque se os 'representassem não seria eu que me atrevia sequer ã entrar hb átrio do Congresso da República; não seria eu quê parando junto dos ataúdes rezava ás orações quasi esquecidas dá minha infância.

' jNão os misturem, por amor de Deus, porque estão tâm altos que são sagrados !

í Não os misturem com as nossas paixões !

jPorque escolheram os senhores esta hora para nos arrancar o perdão para aqueles que apenas esperam o momento oportuno para nos atacarem !

£ i Forque nos vêm perturbar nesta hora de paz!?

Eu respeito no campo monárquico os adversários dignos como Moreira de Almeida, que confessaram as suas culpas e que diante dos juizes que os julgaram foram francos e altivos.

Dizem que houve iniqilidades nos julgamentos, más essas iniqiiidades puseram em relevo o procedimento dessas criaturas, perante as quais a minha alma de republicano sê ajoelha.

Mas houve iniqúidades?

Houve-as, porque uns são dignos e outros não souberam ser dignos. Ora a República não tem culpa das miqílidades que resultaram- exactamente desses factos.

Sr. Presidente: tenho sincero dó, porque tenho filhos e porque tive pai, e porque tenho esposa, tenho sincero dó da dor amargurada daqueles que anseiam pelo momento libertador em que os seus irmãos, filhos e esposos, saiam das cadeias.

Sei o que são lágrimas 'de filho, de esposo e de pai, mas nunea sacrificarei um momento sequer da tranquilidade da República à tranquilidade dessas criaturas.

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todos os momentos que há conspirações organizadas, sabendo-se até o plano delas, pregunto se nós havemos de acrescentar o número dos nossos inimigos, muito embora os possamos vencer?

Seria argumento para alguém o dizer--se que, tendo nós polícia suficiente para reprimir todos os crimes, podíamos abrir as portas das cadeias a todos os ladrões e criminosos. Não; isso não é argumento para ninguém.

Nós não devemos transigir diante de revoltas. Não queremos amnistia, porque amnistia quere dizer esquecimento e nós não podemos esquecer quando os nossos inimigos estão, com armas nfn mão, prontos para nos atacar. (Apoiados).

Mas uma grande parte da piedade dos republicanos compra-se com votos; quem a paga são os caciques, j Aqui é que está o ponto principal! Efectivamente, para mim, esta questão é uma questão de princípio tam clara, que vou dizer uma cousa que, porventura, horrorizará os republicanos.

Se o Sr. Presidente do Ministério aqui chegasse e declarasse que a Eepública não tem homens capazes de a administrar, que a República se tornou incompatível com os altos interesses do país, que nestas condições nós prestávamos um mau serviço ao país, querendo impor-lho a Eepública.

Sr. Presidente: mais depressa faria a entrega do país aos monárquicos do que • votaria a amnistia, e a razão é simples: ou nós estamos convencidos de que, realmente, a República pode conduzir este país a uma condição melhor, e então devemos defendê-la com todas as armas. com a nossa inteligência e a nossa impiedade, ou, pelo contrário, vemos que não somos bons administradores e cometemos um crime continuando a querer mante-la. (Apoiados).

Abdicações ficam tam mal ao regime como aos indivíduos. Efectivamente não há ninguém, a menos qne não seja interessado ou louco, que possa compreender a concessão de dez amnistias em dez anos de República. Tam extraordinário facto apenas patenteia o medo de castigar os delinquentes, obrigando-os ao cumprimento integral das penas respectivas.

^.Continuando a proceder assim, como podemos evitar futuros movimentos de

hostilidade por parte de quem nada tem a temer da justiça pela certeza da sua impunidade?

O ofício de conspirar tornar-se há dentro em pouco, se o não é já, ama cousa normal e regular.

Depressa esquecem as lições do passado e a memória daqueles que valentemente souberam dar a sua vida'pela República os que neste momento fcam afano-nosamente reclamam a amnistia.

Se os mortos se erguessem dos seus covais e conseguissem fazer-se ouvir, decerto eles, tal qualmente César ao pre-guntar a Varro o que fizera das suas legiões, nos preguntariam, frementes de indignação e de desespero, o que fizemos nós da República. (Muitos apoiados).

Eu não quero alongar o debato; além disso não desejo justificar os receios angustiosos do Sr. Bernardino Machado, que tanto nos pediu para não fazermos sair a discussão para fora do caminho da serenidade.

Vou, por isso terminar, ficando inteiramente convencido de que se os votos que vão ser dados à concessão da amnistia pelos ilustres membros desta assemblea fossem dotorminados apenas pela inteligência o não pelo sentimento, essa amnistia jamais seria concedida. Mas vêm'as solicitações partidárias, mas vêm as eleições, mas vêm os votos, tudo se esquece e a amnistia será concedida.

Tenho a certeza de que sobro a cabeça desses há-de cair o ódio de muitos.

Também não quero terminar as minhas considerações sem lembrar que esta concessão fará alargar as listas negras que são programa das 'revoluções, nem quero terminar som apelar para a consciência cio todos, para que ponderem bem o voto que vão dar.

Sr. Presidente: aprove-se ou não se aprove a amnistia, é-me indiferente.

O que eu quero é afirmar qr,e o Parlamento, votando a amnistia, não trata dos interesses da República e dos interesses da Pátria.

Apartes.

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tratar, e ó esse o caminho que eu desejava ver seguir.

Apartes.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

' O Sr. Gomes dos Santos : — Sr. Presidente: vai longo o debate e eu não proferirei muitas palavras para não o alongar mais.

Não pretendo com as minhas palavras convencer a Câmara, e só quero cumprir um dever imposto à minha consciência de republicano, pelos interesses da Nação.

Eu creio que o sentimento da Nação não é contrário à amnistia.

Nós temos sentido bem todas as ameaças dos monárquicos contra o regime.

Na sua imprensa vimos toda a casta de calúnias e toda aquela casta de calúnias e insultos que tem vindo atirando contra o regime, numa obra criminosa.

Todos nós ainda sentimos que há conspirações latentes para pertubarem a vida do país. Para derrubarem a República não, porque ela é indestrutível. Para se defender não precisa do governos. O povo sabe bem defendê-la como se viu em Monsanto e no Porto.

Temos o direito de impedir novas perturbações. Ora eu estou convencido de que a amnistia será um incentivo para que os nossos adversários tentem agitar novamente a sociedade portuguesa.

Sr. Presidente: invoca-se a extraordinária data de 9 de Abril, como sendo a ocasião mais própria para os republicanos concederem a amnistia.

Eu penso por maneira oposta.

Estou do lado dos que entendem que não é este o momento em que a República deve conceder a liberdade aos seus inimigos.

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Conceder a amnistia, agora, àqueles que, porventura, contribuíram para a morte dos heróis que glorificámos, pare-co-me que é empanar dalguma maneira o brilho das nossas homenagens.

Por todas estas razões eu mando para a Mesa um projecto de lei que tem por fim evitar que novas perturbações venham a produzir-se. Peço para elo a urgência e dispensa do Regimento.

O discurso será publicado na íntegra, quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

Foi lido na Mesa o projecto.

É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Os indivíduos que pelas armas tentarem destruir o regime republicano ou atentarem contra a Constituição da República, e aqueles que pecuniària-mente contribuírem para a prática de qualquer destes actos ou de qualquer rnodo colaborarem na sua preparação ou efectivação, além da aplicação das penas cominadas nas leis ao tempo em vigor, incorrem nas seguintes penalidades:

a) Multa equivalente a 50 por cento do valor dos seus bens móveis e imóveis;

6) Demissão dos lugares o empregos públicos, militares e civis, do Estado e dos corpos administrativos;

c) Interdição de nomeação para os luga-gares e empregos a que se refere a alínea anterior, bem como para comissões remuneradas ou gratuitas;

d) Perda dos direitos civis e políticos por dez anos, além da perda dos mesmos direitos durante o cumprimento da pena cm que forem condenados.

§ 1.° São competentes para a execução do disposto na alínea a) os tribunais das execuções fiscais.

§ 2.° Para assegurar o cumprimento do disposto na referida alínea, deverá o Mi nistério Público, junto do tribunal por onde correr o processo criminal, promover o imediato arresto dos bens móveis e imóveis pertencentes aos arguidos e que só manterá até sentença com trânsito em julgado.

Art. 2.° O Governo regulamentará a execução da presente lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

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Diário da Câmara dos Deputados

João Camoesas — João José Luís Damas— João Luís Ricardo — Balfasar Teixeira— Jaime de Andrade Vilares — José Monteiro — Pedro Janário do Vale Sá Pereira— Alexandre Barbedo Pinto de Almeida — Artur Pinto da Fonseca — Custódio de Paiva — Luís Tavares de Carvalho — Alberto Vidal — Abílio Marcai.

O Sr. Presidente:—Esto projecto está admitido, visto ter mais de cinco assinaturas.

O Sr. Pinto da Fonseca: — Sr. Presidente : começarei por afirmar a V. Ex.a o à Câmara que rejeito o projecte em discussão, não por alimentar qualcuer sentimento de ódio on represália contra quem quer quo seja, apesar de ter sido uma vítima da situação dezembrista, primeira e única responsável pela acção de Monsanto e pelos acontecimentos do Porto. Rejeito, porque a amnistia da forma que tem sido solicitada, só desprestigia o Parlamento. Ela não tem sido solicitada por forma a fazer vibrar o sentimentalismo que caracteriza a nessa raça, mas com ameaças.

A concessão da amnistia nestas condições é" uma manifestação de fraqueza da República, porque pode ser. ato interpretada por cobardia, com medo das ameaças que lhe são dirigidas.

Sr. Presidente: sabe V. Ex.a muito • bem e a Câmara, que os monárquicos não têm perdido um único momento para hostilizar o regime; sabe muito bem o Governo que ainda há dias na cidade de Lisboa, a polícia percorria as ruas fazendo a apreensão de j"ornais monárquicos, que defendendo a amnistia, insultavam o Governo, o regime e até o Parlamento.

Argumenta-se que a concesssâo da amnistia traz a pacificação da família portuguesa. Acho extraordinário que se faça uma afirmação desta natureza quando se vai conceder a décima amnistia. •

E oportuno lembrar os acontecimentos ocorridos no Porto, quando do Governo da Presidência do Sr. António Granjo, em que os republicaoos numa manifestação ordeira, quando só dirigiam para o governo civil, foram interrompidos pelos inimigos do regime, e não ignora V. Ex.a o que seguidamente se passou em Lisboa, onde o Governo foi maltratado na pessoa

do seu Presidente, na ocasião em que se realizava uma conferencia na câmara mur nicipal desta cidade.

Sr. Presidente: por alguns daqueles que têm defendido a amnistia, têm sido postos por vezes em duvidados horrores que sofreram os republicanos do Porto, chegando alguns a não acreditar na existência da inquisição, que teve lugar no Eden-Tea-tro.

Eu vou ter ocasião de ler à Câmara documentos que foram encontrados na secretaria de Solari Alegro, assinados por pessoas que não devem merecer desconfiança, porque entre elas, até figura um antigo par do reino, cuja fé ou crença política não sei qual seja, mas não errarei se disser que não é republicanD.

O relatório da Cruz Vermelha do dia 28 de Janeiro de 1919, diz :

Socorros pedidos às 6 horas:

1.° Camilo Martins de Oliveira, morador na Travessa do Monte Beb, 71, Pôr-to:

Ferida contusa nas regiões parietais, sutura dois pontos. Entorse do dedo mínimo da mão esquerda com contusões na face dorsal. Feridas contusas em todos os dedos da mão direita. Contusões com derramamento interno nas regiões lombares, julgando haver contusões internas.

2.° Armando Augusto da Silva, morador na Rua de Álvaro Castelões, Porto:

Ferida contusa no lábio superior, sutura um ponto. Abalamento completo da arcada dentária superior, deformamento do lábio e contusões na região dorsal.

3.° Manuel Freitas Ribeiro, 57 anos, morador na Rua do êBomjard:!m, Porto:

Contusões no antebraço direito, com prolongamento na perna direita, escoriações e contusões na região lombar.

4.° António Joaquim Dias, viúvo, de 54 anos, da Rua do Moreira, 213, Porto:

Contusões na região dorsal.

Relatório do dia 29, do mesmo mês e ano:

Socorros pedidos às 3 horas:

Amilton Carramão, 41 anos, viúvo, litografo, Travessa da. Lapa, 12, Porto:

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tíessâô de 8, li, 12 è 13 de Abril de 1921

õ Í

Alberto Midões, 35 anos, solteiro, negociante, da Praça da Batalha, Porto:

Ferida contusa no parietal, sutura dois pontos. Luxação do dedo anelar da mão esquerda, escoriações no braço esquerdo, escoriações na coxa esquerda, escoriações em toda a região lombar e dorsal, lesões internas.

António dós Santos Ferreira, 43 anos, casado, negociante da Ponte da Pedra:

Ferida perfuranto no braço esquerdo, profundidade de 2 centímetros (dois curativos)!

Kelatório do dia 29 de Janeiro:

Socorros pedidos às 23 horas:

Curativos aos doentes Amilton Carra-mão, Emídio Midões-e Manuel Gomes.

Eelatório do dia 31 de Janeiro'de 1919:

Socorros pedidos às 22 horas:

Curativo dos feridos Amilton Carramão, pensos compressivos. Não acentuou melhoras. Hemoptises.

Emídio Midões, pensos compressivos. Não aceentuou melhoras. Apresenta supuração.

Manuel Gomes, apresenta melhoras.

António dos Santos Ferreira, apresentou melhoras.

Relatório do dia l de Fevereiro de 1919:

Requisitados socorros para o Eden-Téa-tro. Presente o Ex.ino Sr. Dr. Sousa Fei-tèira, foram feitos tratamento aos presos. Devido ao mau estado em que se encontravam foi o chefe de serviço do mesmo teatro aconselhado pelo mesmo Sr. Dr. Feiteira a que fossem hospitalizados imediatamente os seguintes doentes:

Amilton Carramão.

Einídio Midões.

Relatório do dia 2 de Fevereiro de 1919:

Eden-Teatro:

Curativos:

Einídiò MidõeSj pensos compressivos. Melhor.

Amilton Carramão, melhor.

Condução dos feridos, presos, para a enfermaria do Aljube, onde não deram entrada por motivo de não haver camas de vago para eles na mesma enfermaria. Recolheram novamente ao Eden-Teatro.

Relatório do dia 3 de Fevereiro de 1919:

Socorros requisitados para ò Eden-Teatro, às 14 h iras:

Curativo dos feridos:

Emídio Midões, muito melhor.

Amilton Carramão, muito melhor.

Em virtude das ordens recebidas ficaram estes doentes entregues ao cuidado dos médicos da enfermaria do Aljube.

Estes documentos estão assinados por pessoa que como já disse não nos pode ser suspeita.

Aproveito a ocasião paru também mostrar à Câmara uma relação encontrada juntamente com aqueles documentos no Porto em que figuram 593 republicanos presos. Pena é que o movimento de piedade que se tem desenvolvido em favor da amnistia, não tivesse sido já iniciado quando nas prisões do Aljube do Porto se encontravam 593 republicanos.

E mais é ainda para lamentar que as senhoras portuguesas — a quem presto a minha homenagem — não tivessem nessa ocasião mostrado os seus sentimentos de piedade, j Mas não!

As senhoras do Porto que tanto agora se têm manifestado a favor da amnistiaj em vez de mostrarem o seu sentimento generoso e de piedade nessa ocasião faziam manifestações a Solari Alegro.

Pretende-se aproveitar a ocasião em que todo o País presta homenagem aos heróis desconhecidos para se dar a amnistia; eu tenho a opinião de que não é este o momento mais oportuno, porque esses heróis que nós agora homenageamos talvez encontrassem a morte por causa daqueles que agora vão sor beneficiados com a concessão da amnistia, porque foram elos quo deixaram ao abandono os nossos soldados que então só batiam na guerra pelo direito e pola justiça.

Ainda mo falta ler à Câmara alguns documentos quo mostram bem como os inimigos do regimo fariam a defesa da monarquia se a sua restauração fosse um facto.

Trata-so do um telegrama-circular cm cifra.

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Diário da Câmara dos Deputados

Uma das razões invocadas para a concessão da amnistia é a iniquidade de algumas penas. É um facto e do alguns eu tenho conhecimento, mas não me parece que isso baste. Não é necessária a amnistia; para remediar esse mal seria o bastante e até indispensáArel uma revisão de processos.

Maiores inlquidadcs foram aquelas que se praticaram em seguida a 13 de Fevereiro. Oficiais há que teudo-so recusado a combater contra as forças da República, foram metidos no Aljube do Porto, sem que até hoje lhes fosse feita a menor citação ou dada qualquer recompensa.

O mesmo procedimento não houve para outros que deram parte de doente, para nessa cómoda situação aguardarem os acontecimentos. Isto é, seriam monárquicos se a monarquia triunfasse. — Eepu-'blicanos só o triunfo fosse como foi da República.

E fantástico que se considerem como serviços, amor e a dedicação à Eepública, o facto de se dar parte de doente, precisamente no momento em que a Eepública mais precisa que a defendam. Mas há mais. Há oficiais que foram louvados em ordem da Divisão, achando se presos por ter tomado parte no movimento monárquico do Norte, louvor que foi dado com o fundamento, de serviços prestados à Eepública, após 13 de Fevereiro. Isto é simplesmente fantástico.

Pouco me importa qije a amnistia seja concedida, quanto ao perigo que desse facto resulte para a Eepública, em virtude de serem postos em liberdade grande número dos seus inimigos. Preocupa-me mais a idta de ponderação, critério e habilidade com que os homens da Eepública dirigem os destinos supremos do, País.

Tenho dito.

O Sr. Sá Pereira: -4- Sr. Presidente : em harmonia com as exigências regimentais, mando para. a Mesa a minha moção de ordem, que é a seguinte:

Moção de ordem

A Câmara, reconhecendo que o projecto de amnistia em discussão é atentório do

prestígio da Eopública passa à ordem do dia. — Sá Pereira.

Sr. Presidente: cumpre, ante» de mais nada, como meu dever, dar a V. Ex.a e à Câmara uma explicação. Essa explicação resume-se, e muito simplesmente, no seguinte:

Quando o meu ilustre amigo e então Presidente do Ministério, Sr. António Granjo, apresentou nesta casa um projecto concedendo a amnistia, eu. logo mo insurgi contra elo,, não por espírito de vingança, mas por entender que assim não devia ser.

Eu bem sei que não são esses monárquicos que se vão soltar que faixem perigar a Eepública, nem me move ódio algum contra os monárquicos. Meu pai era monárquico e eu assim fui criado até os 15 ou 16 anos; mas depois comecei a veios crimes que a monarquia .praticava, o que nunca chegaram a ser tão grandes como no reinado de D. Carlos I.

Apesar da nossa raça ser uma raça que esquece com muita facilidade, não me esqueço eu dessas façanhas que tenho bem presentes na minha memória e que jamais esquecerei através a minha vida. A administração foi um sudário de vergonhas, foi uma série de crimes. Na monarquia roubava-se, e para mais facilmente se poder roubar mandava-se assassinar.

Para abafar a voz dos Deputados republicanos que, em pleno Parlamento, apontavam os grandes escândalos da monarquia, mandava-se expulsar os únicos e legítimos representantes do povo que aqiii se .encontravam.

É porque só com um silêncio absoluto podia desaparecer através o porteiro do Ministério da Fazenda essa importância fabulosa de 97:000 contos, quantia esta que foi apurada por uma comissão de que fizeram parto o Sr. Tomé do Barros Queiroz e João de Meneses. Apurada essa fabulosa cifra de 97:000 contos, a comissão pôs de parte todos os papéis, porque já não se entendia com eles, tal era a confusão que existia em todas aquelas contas.

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grande sério de atropelos praticados pelos monárquicos.

Sr. Presidente: sabe V. Ex.a muito bem como é que a República procedeu na hora do triunfo, na hora da aclamação. Digam os monárquicos que os republicanos são vingativos, mas como é vingativa uma República que nas primeiras horas do seu triunfo, mal tinha sido proclamada, constando que ia ser imediatamente assaltada a casa do Sr. José Lucíano, logo o Sr. Feio Terenas, que foi nosso companheiro resta casa-do Congresso, e, se não estou em erro, essa alta, figura que hoje preside aos destinos da nossa Pátria, correram a casa desse vulto da monarquia, e bastDu a sua voz para que o povo desistisse dos seus propósitos e deixasse em paz esse homem.

i Que satisfação sentimos todos ao sabor que, depois de proclamada a República, nem um acto de vingança tinha sido praticado; as vidas tinham sido poupadas, os Bancos onde os monárquicos tinham guardado o seu dinheiro haviam sido defendidos pelos mesmos homens que tinham estado na Rotunda com as armas na mão !

/.E como é que os monárquicos têm correspondido à nossa generosidade ?

Com as constantes incursões no país e com actos revolucionários.

Seis meses depois da incursão de Chaves, em 1917, o Sr. Bernardino Machado, como Presidente do Ministério, trouxe aqui uma proposta do amnistia aos conspiradores. Não quis votar essa proposta e disse num grupo-parlamentar do meu Partido que não só não votava, mas havia de a combater com todo o ardor.

Foi preciso que o Sr. Afonso Costa me dissesse: «Ou votas a amnistia, em nome da nossa amizade pessoal, ou essa amizade não é verdadeira». Perante uma intimativa desta natureza, eu, que estimo o Sr. Afonso Costa como se 6le fosse meu pai, vim a esta casa do Parlamento votar essa proposta, prestando assim uma homenagem ao maior tribuno do meu país.

E S. Ex.a sabe bem quanto é profunda a amizade que lhe dedico.

Mas, Sr. Presidente, a verdade é que o Sr. Dr. Bernardino Machado, velho republicano, por motivo do seu temperamento, ou porque o seu coração seja ainda

maior do que a sua própria cabeça, tem atitudes que não se harmonizam com as minhas.

Quando S. Ex.a em 1913 tomou a iniciativa de uma amnistia eu estava irredutível para não a votar. Foi o Sr. Dr. Afonso Costa, que ainda é a pessoa que pode dominar-me, quem me levou a aprovar essa amnistia.

De então para cá deram-se novos acontecimentos e todos nós vemos o resultado da amnistia.

Eu quereria que o Sr. Dr. Bernardino Machado nos dissesse que a amnistia era para o Governo uma questão fechada. Que nos dissesse: os Srs. votam a amnistia e eu vou-me embora.

Certamente que assim o Parlamento não votaria a amnistia.

Teve S. Ex.a, já depois de ser chefe do Governo, uma atitude a respeito do dezembrismo, com a qual não me conformo.

S. Ex.a na cadeira de Senador havia dito muitas vezes que era necessário tirar dos Jerónimos o cadáver que lá se encontra. Na situação de Presidente do Ministério vem dizer cousa contrária: que esse cadáver está numa simples igreja e lá pode ficar.

Os homens públicos do regime que servem com dedicação o país, como S. Ex.a o serve, têm obrigação de se prestigiarem cada vez mais no conceito da nação, e a melhor forma que têm para conseguir esse prestígio é mostrarem-se sempre coerentes.

Sr. Presidente do Ministério : aproveito o ensejo para dizer a V. Ex.a que os Governos da República têm de mudar de rumo e de orientação. Realmente, é necessário resolver uma questão que, para mim, é magna, que é a grande desordem que existe na administração republicana, e que não é da responsabilidade de V. Ex.a, porque é da responsabilidade do todos os Governos que têm passado pelas cadeiras do Poder.

V. Ex.a sabe o que é o nosso funcionalismo. V. Ex.a sabe a desordem que vai por essas Secretarias, onde os empregados vão às horas que querem e saem também quando querem. Não foram essas as afirmações que nós fizemos no tempo da propaganda.

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não é para adoptar por parte deste nem por parte de nenhum Governo, e é o sistema dos Ministros, dos directores e chefes de repartição não incomodarem os seus subordinados para não serem por sua v£z incomodados. E, infelizmente, os funcionários republicanos "dão grande contingente para o número daqueles que não cumprem os seus deveres. (Apoia-dos).

Continuemos, todavia, a exposição do que tem sido a nossa vida na República, a nossa luta de dia a dia entre republicanos e monárquicos.

Já disse o que é que sucedeu até 1913; mas nós entrámos depois da amnistia de 1913, aquela amnistia pela qual. Y. Ex.a quebrou lanças, na amnistia de 1914. Lembro-me então que já depois de declarada a guerra surge o movimento de Ma-fra, que tem à sua frente o tenente Cons-tíincio e que saiu para a rua aos gritos de «abaixo a guerra». Esse revoltado, cujo movimento foi brilhantemente sufocado pelo nosso querido amigo e velho camarada de lutas em prol da República, hoje o tenente-coronel Sr. Álvaro Pope, êuse revoltado saiu para a rua e declarou aos seus adversários que eram inúteis todas as resistências. Veja V. Ex.a como ê] e contava com um movimento em todo o país.

"Sufocado esse movimento, surge então o movimento das espadas, que se não foi da iniciativa dos monárquicos, foi por eles aproveitado para darem mais um golpe nas instituições.

Aparece o Governo Pimenta de Castro, que se proclama ditador, e nós, que não admitimos ditadores, tivemos de responder aos gritos dos monárquicos que queriam que ele vestisse a farda, com vivas à Constituição, empunhando as armas.

Só assim salvámos a República; e se,, então, o não tivéssemos feito, a aventura' do Monsanto não teria sido em 1918 mas sim nessa ocasião.

l Vem o ano de 1916, e o que sucede? O 13 de Dezembro capitaneado por Machado Santos era que os monárquicos se encontravam já misturados, tentando empolgar o movimento.

Chegamos a 1917, sendo Presidente da República o actual Presidente do Ministério, o Sr. Bernardino Machado, dá-se o 5 de Dezembro em que um aventureiro desembainha a espada contra a República

e contra a Pátria, comete as maiores vilezas, permite-se o espectáculo da «leva da morte», pratica-se-o vil assassinato de Ribeira Brava, enchem-se as prisões de republicanos, espancam-se criaturas indefesas, fazem-se toda a sorte de 'perseguições e atropelos, e, então, ninguém protestou ; nem uma palavra de perdão, nem um gesto de piedade para com as vítimas de tanta represália.

Por toda a parte se ouve apenas o grito de vingança e de ódio contra os inimigos da religião e da monarquia.

Efectua-se a restauração da monarquia no norte do país. As perseguições, os vexames, os crimes são ainda mais repugnantes e mais bárbaros.

Uma vez, que eu transitava de Vila Nova de Portimão para a cidade de Lagos, tive ocasião de verificar, de perto, as scenas horrorosas que aí se praticavam.

Viajava numa diligência em companhia de uma pobre mulher a quem eu pregun-tei se conhecia o Sr. Carvalho, que era dessa cidade, ao que ela me respondeu que sim, informando-me de que os monárquicos lhe tinham assaltado a casa, trazendo para a rua tudo quanto nela se encontrava e que, além disso, o procuravam por toda a parte para o matar.

O padre Avelino foi arrastado para a rua, e aos gritos do desgraçado que pedia para o não matarem, visto ser pai de ama criança cega, responderam os canibais com seis tiros, matando-o.

E para os autores de tantos e tam nefandos crimes que neste momento vêm pedir perdão e misericórdia? Não; da minha parte não.

Os monárquicos são todos responsáveis por estes actos de facínoras, porque mandaram, porque executaram e porque aplaudiram.

Generosidade, generosidade para com os inimigos desta têmpera, generosidade em nome da República santa e .augusta, para com assassinos e ladrões, não, mil vezes não!

Não será com o meu voto.

Sr. Presidente: fomos de étape em étape até Monsanto.

A Câmara sabe o que sofreram os republicanos nessa hora dolorosa que a República atravessou.

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blica, mas o povo pegando om armas atacou os monárquicos e Monsanto salvou a República mais uma vez. . Mas chegou agora o momento de eu dizer que é necessário que ninguém diga que nós republicanos não somos capazes de fazer justiça a ninguém.

Quero referir-me aos dezembristas.

Para mim há duas categorias de dezembristas.

Há,homens qne fizeram o dezembrismo por ódio à República, por ódio à intervenção na guerra e por ódio à própria pátria.

Há também os dezembristas por ódio ao Partido Democrático.

Aos primeiros não posso perdoar.

Aqueles que foram para o dezembrismo por ódio ao Partido Democrático não têm o meu ódio nem o meu ressentimento.

Os dezembristas que o foram por ódio contra o partido democrático quando saíram para a rua ao lado dos republicanos na defesa da República não têm o meu ódio.

Os dezembristas dessas condições estavam convencidos de que os monárquicos eram incapazes de os trair.

Quando fui interrogado no governo civil; eu disse ao alferes que me interrogou: ^ os senhores estão cavando a ruína da República.

*Êle respondeu-me: os senhores julgarn-nos ocapazes de trair a República, mas nós somosvrftpublicanos; e eu respondi-lhe que não tardavria muito que, sendo assim, eles não tivesseyu. de vir para a rua, comnos-co, de armas na mão, defender a República contra dg? monárquicos.

Passaram-se"»dois meses e os republicanos de todos o!(s partidos confundiram-se em Monsanto af defender a mesma eausa e a mesma bandeira.

O referido /alferes tinha-me dito que estavam convencidos absolutamente da lealdade dosfmonárquicos. e que nós é que éramos inifnigos do dezembrismo e lhes

/

dávamos/muito que fazer, porque éramos muitos^ tinhamos muita forca.

Â^s profissões de fé dos monárquicos viu-se depois como foram.

Sr. Presidente: não será já muito longo o meu discurso porque não tenho o propósito de tomar muito tempo à Câmara. Tenho, apenas, o propósito de dizer tudo quanto sinto.

Os monárquicos vêm com notas oficiosas dizer que nesta ocasião não promoveriam alterações de ordem pública, e nós temos de antemão a certeza de que o movimento monárquico está prestes a explodir. Tal é a lealdade como procedem! .

jíi velha a mania das amnistias. Já em 1911, nesta casa do Parlamento, se lançou a primeira amnistia para os monárquicos, e uma das pessoas que mais falou à compaixão foi o Sr. António Granjo, que assim viu engrossar as fileiras do seu partido. Era a tática de fazer ingressar os monárquicos nos partidos conservadores, mas tal não aconteceu, porque os monárquicos têm o ódio entranhado à República, apenas porque não querem que a República salve o País. Q seu intuito é criminoso, porque querem impor um sistema que o País repudiou.

Arranjaram até esta fórmula: antes Afonso XI fl do que Afonso Costa.

Sr. Presidente: j Estou em presença duma nova amnistia! Essa proposta que veio do Senado é uma monstruosidadej porque por essa proposta vão para a rua todos os conspiradores. Não há distinção. Passam a gozar de liberdade o simples sargento e soldado e em. iguais circunstâncias se encontraram o Visconde do Banho e Álvaro de Mendonça,

jVisconde do Banho foi o homem que promulgou o diploma pelo qual seriam fuzilados todos os indivíduos que tivessem pegado em armas! E nós, republicanos, Viimos com toda a nossa generosidade dizer a essas criaturas: j estão livres, vão-se embora! E se eles nos respondessem:

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Diário dá Câmara ãàs Dèpúiáâoi

restabelecer a Constituição, e pudemos derrubar o dezembrismo e a restauração da monarquia.

Eu estou absolutamente convencido de que, votado o projecto na generalidade, para que ele não seja essa obra monstruosa que veio do Senado, lhe serão introduzidas emendas de maneira a abranger aqueles que nunca atentaram contra a República, que é a segurança da Pátria e da honra da Nação.

Sr. Presidente: quando eu tinha a hon-rã de fazer parte da Mesa como 1.° vice--secretário, alguns telegramas passaram pelas minhas mãos, cm que republicanos de afastados pontos do país diziam:

«Se os senhores derem a amnistias não tornaremos a pegar em armas».

A esses republicanos desalentados eu respondia que esperava que eles não cunu prissom essa promessa, e que nas horas em que fosse preciso combater contra os monárquicos não haveria um único republicano que se esquecesse de cumprir o seu dever. Eles então saberão castigar aqueles que à Peítria e à República não querem dar uma hora de sossego.

Os monárquicos apregoam que se pegarem em armas e forem vencedores, serão mortos não só os republicanos mas ainda as próprias famílias.

Sr. Presidente: poucas afirmações mais tenho de fazer. Mas uma há para que peço a atenção de V. Ex.a e da Câmara e bem assim a dos Srs. Senadores que vejo presentes. Na hora em que vai ser concedida a amnistia aos conspiradores, h;', crianças que não têm pai, porque elo morreu em Monsanto, na defesa da República.

Ali morreu José Pedro Cascata, que deixou filhos órfãos.

Pois está nesta casa do Parlamento um projecto de lei para conceder uma pensão a essas crianças e comete-se o crime de não o discutir, deixando morrer de fome essas criancinhas, filhas daquele que morreu pela República!

A generosidade é só para os nossos inimigos. Aqueles que se sacrificaram estão à mercê do desleixo e abandono.

Tem-se dito que uma das razões principais porque se tem de dar a amnistia é a dos processos estarem mal instruídos.

E mais uma prova do desleixo dos Governos da República, que deveriam investigar dos motivos por que os processo^ estavam parados.

Foram os processos mal organizados do propósito para que eles pudessem ser postos na rua.

Ouvi dizer que os processos eram demorados porque havia gente a ganhar di-nheiroe não queria que acabassem os ser--viços em que se encontram. |E ha Governos que consentiram tam alta pouca vergonha!

Antes de terminar eu quero dizer à V. Ex.a que se fosse possível aquilo que1 outrora se fez na convenção francesa, quando havia algum caso grave a discutir, eu desejava que neste momento solene pudesse aqui ver os filhos de todos aqueles que os monárquicos assassinaram, para lhes preguntaf sé eles queriam que se votasse a amnistia. Eu tenho a certeza de que eles, com os olhos fitos na República, diriam : amaldiçoados sejam os conspiradores monárquicos e todos aqueles que os protegem e acarinham.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

Foi lida e admitida na Mesa a moção, s

O Sr. Augusto Dias da Silva: — ?&Q-queiro prioridade para o projecto d/3 Sr. Plínio Silva.

Leu-se na Mesa a primeira nioção (Tavares de Carvalho). /'

Foi rejeitada. ' . '-

O Sr. Cunha Leal: — Bequeiro a contraprova, e invoco o § 2.? do artigo 116.° Procedeu-se à contraprova e à contagem. De pé 57 Srs. Deputados, sentados 24. Foi rejeitada. \

Leu-se a moção do Sr. Sa^2Jereira. Foi rejeitada. ^

O Sr. Presidente:—Há sobre a Mesa dois projectos: um do Senado e outro do Sr. Plínio Silva, que torna a amnistia mais ampla, o qual, pela ordem que está, tem de ser votado em segundo lugar.

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O Sr. Sá Pereira: —Peço a V. Ex.a a fineza de me dizer se o projecto do Sr. Plínio Silva não prejudica o projecto do Senado na parte em que diz que os indivíduos julgados perigosos para a ordem pública são postos na fronteira.

O Sr. Presidente: —É esse um dos artigos que não é prejudicado.

Foi rejeitado o requerimento do Sr. Dias da Silva.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se p projecto do Senado.

O Sr. João Camoesas: — Reoueíuo votação nominal.

Foi aprovado.

Procedeu-se à votação nominal. Disseram taprovo» 58 Sr8. Deputados e «rejeito* 22.

Disseram aprovo os Srs.:

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Álvaro Dias Pereira.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Pereira Guedes.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Albino de Carvalho Mourão,

António Carlos Ribeiro da Silva.

António Francisco Pereira.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Joaquim Granjo.

António José Pereira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Maria Pereira Júnior.

António Marques das Neves Mantas.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Augusto Dias da Silva.

Baltasar do Almeida Teixeira.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco da Cruz.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco José Fernandes Costa.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Francisco de Sousa Dias.

Helder Armando dos Santos Ribeiro.

Hermano José de Medeiros.

Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues. Jacinto do Freitas. João Cardoso Moniz Bacelar. João Estêvão Aguas. João Luís Ricardo. João de Orneias da Silva. João Pereira Bastos. João Xavier Camarate Campos. Joaquim Brandão. Jorge de Vasconcelos Nunes. José António da Costa Júnior. José Barbosa.

José de Oliveira Ferreira Dinis. José Rodrigues Braga. José do Vale do Matos Cid, Júlio Augusto da Cruz. Ladislau Estêvão da Silva Batalha. Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos. Manuel José da Silva. Mariano Martins. Miguel Augusto Alves Ferreira. Nuno Simões.

Plínio Octávio do SanfAna e Silva. Raul Leio Portela. Rodrigo Pimenta Massapina. Vasco Borges. Víriato Gomes da Fonseca. Vitorino Máximo^ de Carvalho Guimarães. Xavier da Silva.

Disseram «rejeito* o» Srs. í

Afonso de Macedo. Albino Pinto da Fonseca. Alexandre Barbedo Pinto de Almeida. António August° Tavares Ferreira. António da Costa Godinho do Amaral. António Pais Rovisco. António Pires de Carvalho. Estêvão da Cunha Pimentel. Francisco Pinto da Cunha Leal. Jaime de Andrade'Vilares. João José da Conceição Camoesas. João Salema.

José Domingues dos Santos. José Mendes Nunes Loureiro. Júlio Gomes dos Santos Júnior. Júlio do Patrocínio Martins. Luís António da Siiva Tavares de Carvalho.

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Diário da Câmara dos Deputado»

O Sr. Presidente : — Vai entrar-se na discussão da especialidade. Leu-se o artigo 1.°

O Sr. Gomes dos Santos: — Desde que o projecto foi aprovado na generalidade, cumpre-me acatar a deliberação da Câmara, mas .desde que o Congresso da República se mostra tam generoso, podia também esta amnistia abranger aqueles que estão envolvidos em, processos por virtude de terem mandado prender alguns monárquicos.

Para regular essa anomalia mando para a Mesa uma substituição ao artigo 1.°

Leu-se e foi admitida.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que o artigo seja substituído pelo seguinte:.

Artigo 1.° Ê concedida amnistia geral e completa: .

1.° Aos crimes de origem, natureza ou carácter político e religioso e a todos os delitos de abuso de liberdade de imprensa ;

2.° Aos crimes previstos e pudidos pelos artigos 177.° a 182.°, 185.°, 186.°, 187.°, 188.°, 291.° a 300.°, 379.° a 380.°, 407.° a 420.°, 472.°, n.os 1.°, 2.° e 3.°, 480.°, 481.° e 483.° do Código Penal;

3.° Aos crimes de deserção militar;

4.° Às infracções disciplinares militares cometidas por motivos de origem, natureza ou carácter político;

5.° Os crimes de natureza comum cometidos por motivos de origem, natureza ou carácter político.

Sala das Sessões, ôm 8 de Abril de 1921.— Júlio Gomes dos Santos Júnior.

O Sr. João Gonçalves:—Pedi a palavra para lembrar à Câmara que seria um cúmulo que neste momento em que se procura amnistiar faltas gravíssimas praticadas por monárquicos se deixasse nas cadeias republicanos presos por faltas insignificantes. Neste sentido mando para a Mesa o seguinte:

Aditamento

Alínea c) Aos crimes de abuso de autoridade ou de excesso de poder, desde que da prática desses crimes não tenham resultado oatràs ofensas on violências que

não fossem a prisão ou detenção.—João Gonçalves. Foi admitido.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que de todas as propostas de emenda apresentadas, a única que, a meu ver, satisfaz todos os lados da Câmara, é a proposta de substituição do Sr. PJínio Silva; todas as outras propostas apresentadas tratam de casos isolados, e parece-me que neste momento não se deve tratar da casos isolados.

Não se compreende que ria amnistia que vamos dar aos monárquicos não sejam também incluídos republicanos que praticaram actos absolutamente equivalentes.

A única proposta, portanto, que pode satisfazer todos os lados da Câmara, por tratar destes casos duma maneira geral, é a proposta de substituição do Sr. Plínio Silva.

O Sr. Godinho do Amaral: —Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 1.° e relativa a crimes eleitorais. A proposta é a se-seguinte:

Proposta de emenda

Acrescentar ao artigo 1.°:

a) Crimes eleitorais nos termos do artigo 71.° da Constituição Política da República Portuguesa.— Godinho do Amaral.

foi admitida.

O Sr. António Granjo: — Sr. Presidente: pelo artigo 1.° são amnistiados os delitos de imprensa, mas exceptuam-se aqueles em que houver acusação particular ; não encontro razão nes:?a distinção desde que fique ressalvado à acusação particular o direito de haver qualquer indemnização.

Foi o critério que se seguiu na amnistia que se deu em seguida à revolução de 5 de Outubro de 1910.

Espero por isso que a minha proposta de emenda, que mando para a Mesa, obtenha os votos de toda a Câmara.

Lida na Mesa foi admitida.

Ê a seguinte:

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Sessão de 8, 11, P2 e 13 de Abril de 1921

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§ único. A parte acusadora, havendo-a, ou indivíduo,particularmente ofendido terá direito à compensação civil de perdas e danos, om que se incluirão custas e selos do processo que tiver pago, se porventura o facto de que requeira já estiver verificado à data desta lei.— O Deputado, António Gr anjo,

foi adimtida.

Foi aprovada.

O Sr. Malheíro Reimão (para declarações}'.— Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que, se há pouco estivesse presente, teria aprovado a proposta de amnistia.

O Sr. Plínio Silva: — Quem preste atenção às diferentes propostas de emenda que têm sido enviadas para a Mesa há de reconhecer que o meu artigo 1.° é preferível a todas as propostas apresentadas.

As razões que me leA~aram a redigir'o referido artigo foram as de querer fazer justiça a muitos indivíduos que não estavam abrangidos na proposta, mas que deviam ser amnistiados.

Chamo a atenção da Câmara para este facto, e estou absolutamente convencido de que não perdi o meu tempo.

Foi aprovado o artigo J.° da proposta vinda do Senado. .

O Sr. Presidente:—Nem todas as propostas ficam prejudicadas, apenas o ficam algumas.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — V. Ex.a pode explicar-me se a aprovação deste artigo prejudica de algum modo a solução do Sr. Plínio Silva?

O Sr. Presidente:—Há três propostas sobre a Mesa: a proposta que veio do Senado, a do Sr. Plínio da Silva, que é mais ampla do que aquela, e a do Sr. Gomes dos Santos, porventura ainda mais ampla.

Pus à votação o artigo 1.° da proposta do Senado, e pareceu-me que a Câmara o aprovou, mas V. Ex.a requereu ã contraprova, e é isso que se vai fazer.

E claro que a votação deste artigo prejudica as outras propostas.

Procedeu-se à contraprova, sendo aprovado o artigo jf.°

Seguidamente foi posta à votação, sendo aprovada, uma proposta do Sr. Evaristo de Carvalho.

E a seguinte

Proposta

Proponho q;: e ao artigo 1.° se acres-, cente mais uma alínea, assim redigida:

Aos crimes dos que, estando presos na ocasião da revolução de 14 do Maio de 1915, foram libertados por ordem da respectiva Junta Revolucionária.— O De-putado, Evaristo de Carvalho.

O Sr. Fernandes Costa: — Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova; deu o mesmo resultado a votação.

Aprovou-se depois a proposta do Sr. João Gonçalves..

Aprovou-sè também aproposta do Sr. Go-dinho do Amaral. .

O Sr. Ferreira da Rocha:—Requeiro a contraprova.

Procedendo-se à contraprova; deu o mesmo resultado a votação.

Sr. Presidente: ainda há na Mesa uma proposta, que julgo prejudicada: ó a do Sr. António Granjo.

A alínea 6) do artigo 1.°, que á Câmara já aprovou, concede a amnistia aos crimes de imprensa em que não haja acusação particular. Ora desde que estão excluídos estes crimes, parece-me que não podem ser regulados os processos respectivos. É assim que entende a Mesa.

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Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: — A proposta de V. Ex.a creio que está prejudicada.

O Sr. António Granjo: — V. Ex.a tem de pôr à votação a proposta porque ela é de emenda.

O Sr. Presidente: — Desde que a Câmara aprove a proposta do Senado fica prejudicada a proposta de V. Ex.a e outras. O que me ofereceu dúvidas foi o § único do artigo.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — O erro em que labora o Sr. António Granjo merece ser posto em íoco para que S. Ex.a não tenha dúvidas.

Estão em chequa, duas doutrinas: a que veio do Senado e a do Sr. António Granjo. Se V. Ex.a considera uma substituição a doutrina do Sr. António Granjo, então vota-se, mas se apenas se considera como emenda, V. Ex.a terá de fazer votar o projecto inicial e, a emenda fica prejudicada.

O Sr. Gosta Júnior:—Esta proposta não pode ser considerada pela Câmara porque o n.° B da proposta vinda do Se-nanado é muito categórico o, segundo a Constituição, sendo uma proposta rejeitada numa Câmara só em outra legislatura pode ser. considerada. Nestes termos não pode a Mesa pô-la à votação.

O Sr. Carlos Olavo: — A proposta não pode ser considerada pela Câmara porque o projecto diz que serão amnistiados os crimes de liberdade de imprensa. A emenda viria confundir todo o projecto.

O Sr. António Granjo: —Pela proposta que veio do Senado são amnistiados os delitos da imprensa, excepto aqueles em que houver acusação particular.

A proposta de emenda já estava sobre a Mesa quando foi aprovado o projecto vindo do Senado, e, por isso, a sua aprovação não implica a votação da referida proposta de emenda, visto que ela apenas amplia a matéria contida nessa disposição do projecto.

O Sr. António José Pereira: — Parece--me^que a discussão que se está travando Deriva dum equívoco. ..

O Sr. Estêvão Pimentel: — Apoiado! Sussurro.

O Orador: — Eu julgo ter o direito de exigir que haja para comigo o respeito que eu tenho para com os outros. Se assim não é, então calo-me...

O Sr. Pais Rovisco:—Fale, fale; nós temos muito prazer em o ouvir.

O Orador: palavra.

-Sr. Presidente: desisto da

O Sr. Presidente: — Os Sr s. Deputados que entendem que a proposta de emenda do Sr. António Granjo não está prejudicada pela votação do artigo 1.°, queiram levantar-se ...

Pausa.

O Sr. Presidente: — Em vista da votação da Câmara considero a proposta do Sr. António Granjo como não prejudicada...

O Sr. Estêvão Pimentel:—Eequeiro a contraprova e invoco o §2.° do artigo 116.° Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Consideraram a proposta como não prejudicada 40 Srs. Deputados; consideraram-na prejudicada 32. Vai, pois, entrar em discusssão a proposta do Sr. António Granjo.

Lê-se.

O Sr. Costa Júnior: — Eu entendo que esta proposta deve ser dividida em duas partes, pois que uma parte dela não pode ser aprovada.

O Sr. Presidente: — A Câmara resolveu que a proposta não estava prejudicada e, por consequência, vou pô-la à votação.

Apartes.

O Sr. Costa Júnior: — Protesto contra esta proposta, que é anti-constitucional, e desejo que esta minha declaração fique exarada na acta desta sessão, e isto porque a Câmara não pode tomar duas reso< luções contrárias.

Apartes.

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Sessão de 8, 11, 12 é* 13 de Abril de 19B1

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O Sr. Presidente: — Está aprovada a proposta.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Sequeiro a contraprova.

O Sr. Costa Júnior: — Invoco o § 2.° artigo 116.° Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Aprovaram 48 Srs. Deputados e rejeitaram 29. Está em discussão o artigo 2.° Leu-se.

O Sr. Gomes dos Santos:—Para tornar mais ampla a doutrina do artigo 1.° mando para a Mesa um artigo novo.

É o seguinte:

Artigo A. São também amnistiados os crimes que, embora classificados de crimes comuns, tenham sido cometidos por motivo de origem, natureza ou carácter político.

Em 8 de Abril de 1921.—Júlio Gomes dos Santos Júnior.

Procede-se à admissão da proposta de artigo novo.

O Sr. Presidente: — Está admitida a proposta de um artigo novo.

O Sr. Pais Rovisco: — Sequeiro a contraprova.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Está aprovada a admissão por 72 Srs. Deputados e rejeitada por 6.

Está em discussão o artigo novo.

Foi lido.

O Sr. Afonso de Melo: — Sr. Presidente: apenas desejo fazer uma declaração.

Houve divergências na admissão desta proposta e eu fui dos que aprovaram a admissão, por consideração para com o seu autor, mas apesar disso sou contrário a ela, achando-a funesta, embora faça justiça aos intuitos do seu autor.

Apartes.

Esta proposta iria abranger os criminosos que cobardemente atentaram contra os juizes dos tribunais de defesa social.

Assim entendo que não deve ser aprovada. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Nuno Simões : — Sr. Presidente: declaro que não concordo com a doutrina deste novo artigo e contra ela protesto.

O pensamento que presidiu à concessão da amnistia foi a exclusão dos crimes comuns.

Foi com essa intenção que aprovei a concessão da amnistia, e voto contra a inclusão na amnistia dos crimes comuns, o que não dignificaria a Câmara se tal se fizesse.

Assim, não posso aprovar a proposta em discussão.

Tenho dito.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: não posso votar a emenda mandada para a Mesa, porque ela se pode referir a crimes comuns.

Os monárquicos no norte cometeram crimes de roubo que andam por perto de 2:000 contos.

Assaltaram os cofres dos bancos e levaram para Espanha certas quantias, com as quais foram sustentar os ataques contra a República.

Não sei se os poderes públicos já fizeram averiguações acerca desses roubos, e se ainda não se fizeram espero que se proceda a essas averiguações para se saber quem foram os autores desses roubos. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Não estando mais ninguém inscrito, vai proceder-se à votação do artigo novo.

Faz-se a votação.

O Sr. Presidente:—Está rejeitado.

O Sr. Tavares de Carvalho: —Sequeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

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ítiário da Câmara dos Deputados

O Sr. Plínio Silva: — Mando para a Mesa um artigo novo.

Foi admitido e entrou em discussão, e não havendo quem pedisse a palavra foi posto à votação.

Ê o seguinte:

Artigo novo. A amnistia abrange também os crimes ou delitos essencialmente militares, excluídos os de traição ou cobardia, cometidos por militares que, tendo feito parte do Corpo Expedicionário Português, das tropas que tomaram parte nas operações em África, ou de guarnição de navios considerados em operações de guerra, provem com documentos terem prestado serviços em defesa da República.

Sala das Sessões, 8 de Abril de 1921.— Plínio Silva —-Sá Cardoso.

O Sr. Presidente: — Está rejeitado.

O Sr. Estêvão Pimentel:—Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente : — Aprovaram 76 Srs. Deputados.

Em seguida foi aprovado o artigo 2.°, sem discussão.

Entrou em discussão o artigo 3.°

O Sr. Dias da Silva:—Mando para a Mesa uma proposta.

Foi admitida e entrou em discussão. É a seguinte:

§ único do artigo 3.°:

A amnistia concedida nos casos da alínea d) do artigo 1.° e alínea c) do mesmo artigo abrange .também os crimes de deserção militar cometidos por motivos de nature/a social, bem como as infracções disciplinares, militares ou civis, cometidas por motivos de natureza social.—Augusto Dias da tiilva.

O Sr. Presidente: — Vai ler-s e o artigo 3.°, do Senado, para ser votado. Foi lido na Mesa e aprovado.

O Sr. Presidente: —Vai ler-se o § único do artigo 3.Q, para se votar. Foi lido na Mesa e aprovado.

O Sr. Pereira Bastos: — Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova, que confirmou a votação anterior.

O Sr. Presidente: —Vai votar-se o artigo 4.° Vai ler-se.

Leu-se na Mesa e foi aprovado.

O Sr. Tavares de Carvalho:—Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova, que confirmou a votação anterior.

O Sr. Presidente:—Vai ler-se o artigo 5.°, para ser votado.

Leu-se na Mesa e foi apruvaúo.

O Sr. Presidente:—Vai ler-se o artigo 6.°, para se votar. Leu-se, na Mesa.

O Sr. António Francisco Pereira: — Mando para a Mesa a seguinte

Proposta

Proponho um § único ao artiigo 6.° assim redigido:

São isentos das disposições deste artigo os amnistiados por delitos sociais.— O Deputado, António Francisco Pereira.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Sr. Presidente: sinto-me à vontade para me pronunciar sobre este artigo, porque não fui daqueles quo se aproveitaram do momento após Monsanto para, invocando as suas qualidades de republicano, ocuparem lugares para os quais não tinham méritos nem virtudes.

Precisamente, pelas razões que me levaram a fazer a afirmação de que não votava o artigo 6.°, eu não voto o artigo novo, porque não compreendo que votemos uma doutrina para os artigos políticos, e outra diforento para os crimes sociais.

Tenho dito.

Foi aprovado o artigo 6.° do Senado.

Foi rejeitada a proposta do Sr. António Francisco Pereira.

Foi aprovado o artigo 7.°

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de Í9ÊÍ

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para se discutirem dois projectos, um apresentado pelo Sr. Presidente do Ministério, outro apresentado por mim.

Eu peço a V. Ex.a só digne consultar, a Câmara, para que se invertam as situações, isto é, que a proposta dos milicianos entre imediatamente em discussão.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Parece-me que não ó ainda altura de pôr o requerimento de V. Ex.a à votação, porque não está'acabado de votar- o projecto da amnistia. Logo que o esteja, porei à votação o requerimento de V. Ex.a

Foram lidas na Mesa as alterações introduzidas pelo Senado ao projecto n.°607.

São as seguintes:

Alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 607 da Câmara dos Deputados, que concede amnistia a todos os crimes essencialmente militares cometidos por oficiais e praças de pré em África ou em França durante a Grande Guerra.

Artigo 1.° E concedida a amnistia a todos os crimes essencialmente militares cometidos por oficiais e praças, de pré do exército ou da armada, em África e em França, durante a Grande Guerra, constantes das secções iv (com excepção dos previstos nos artigos 69.° e 80.°, inclusive, e no § 1.° do artigo 82.°), v, vn, x e xn do título 2.°, capítulo 1.° e livro 1.° do Código de Justiça Militar e equivalentes no Código de Justiça da Armada.

Art. 2.° Aprovado.

Foram aprovadas as emendas do Senado.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Manuel José da Silva (Azeméis}. •

O Sr. Orlando Marcai:—Requeiro a V. Ex.a se digne consultar a Câmara sobre se dispensa a leitura do projecto..

Foi aprovado.

O Sr. Costa Júnior: — Sr. Presidente: quando este projecto veio para a Câmara, sendo então Ministro da Guerra o Sr. Helder Ribeiro, eu tive ocasião de trocar com S. Ex.a e com o Sr. Pereira Bastos impressões sobre o assunto.

Esta troca de impressões levou-me à conclusão da necessidade de um novo artigo, que vou mandar para a Mesa.

O -Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) : — Sr. Presidente: estranho que

a Câmara silenciosa tenha votado a questão da amnistia e que agora se faça grande borborinho.

A Câmara dos Deputados iniciou já a discussão do projecto dos milicianos, na generalidade, e pena foi que não prosseguisse, de forma a que, em 9 de Abril, data em que se comemora um dos feitos mais brilhantes do nosso exército em França, a situação dos milicianos não estivesse ainda resolvida. De lamentar ó que tantas almas doloridas por esse país apelassem para a sentimentalidade de uma Câmara republicana, no sentido de que se fizesse uma obra de reconciliação nacional, e ninguém tivesse feito um apelo à mesma Câmara para que a situação dos milicianos fosse.definida. •

Eu não me alongarei nas considerações que tenho a fazer a propósito desta, questão. , , ;

Se realmente nós queremos dar a esses oficiais a prova de que desejamos definitivamente definir a sua situação, aceite a Câmara o projecto da comissão de guerra.

Tenho realmente pena de. que o Senado não tivesse prorrogado a sua sessão para aprovar esta proposta.

Vencida esta étape até certo ponto vamos dar a esses homens a certeza, da que o Congresso da'República- não se esqueceu do seu grande esforço no dia em que comemora as festas dos seus heróis. .

Teníio dito..

O Sr. Helder Ribeiro : — O projecto dos milicianos, pelos serviços extraordinários que em campanha prestaram, merece toda a nossa simpatia. Pena é que na hora adiantada em que es.ta sessão já vai aão se possa fazer uma larga discussão.

A Câmara procede bem prestando a esses, oficiais o seu.reconhecimento pelos feitos praticados em França e África.

O Sr. Costa Júnior: —Peço a V. Ex.a que me autorize a retirar a minha pra-posta.

Concedido.

Foi aprovado o projecto na generafádq-de e na especialidade.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis):—Roqueiro a dispensa áa leitura da última redacção*

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Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente:—Interrompo a sessão para continuar na próxima segunda--feira, às catorze horas.

Está levantada a sessão.

Eram õ horas e 10 minutos do dia 9.

TERCEIRA PARTE

O Sr. Presidente : — Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente:—Vai ler-se a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério;

Leu-se na Mesa. E a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° E autorizado o Governo a tomar, até 30 de Junho próximo., medidas de fomento e as que as circunstâncias exigirem, no sentido de estabelecer ou suprimir qualquer restrição à liberdade do comércio e de trânsito de géneros de primeira necessidade, ou de modificar as disposições legais relativas à importação e exportação de quaisquer artigos, quando daí resulte manifesta vantagem para a economia nacional, sem prejuízo das necessidades do pais. Outrossim, fica o Governo autorizado a vender as existências dos produtos adquiridos pelo Estado aos preços que as circunstâncias o permitirem, mediante despacho fundamentado,

§ único. O Governo dará ao Parlamento conta do uso que fizer das autorizações qne esto artigo lhe confere.

Art. 2.° Fica revogada a legislação cm contrário.

Sala das Sessões, 7 de Abril do 1921.— Bernardino Machado.

O Sr. Costa Júnior: — Sr. Presidente : começo por pedir desculpa à Câmara pelo tempo que lho vou tomar.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, e Ministro interino da Agricultura, quando apresentou esta proposta à Câmara, não justificou nem nos indicou os fins que tinha em vista com estas autorizações. Do maneira que, para as discutir, tem de fazer fé pelo que dizem os jornais.

E, pelo que eles dizem, vê-se que estas autorizações diferem e muito das que fo-

ram concedidas ao Sr. António Granjo cm 7 do Agosto de 1920.

São três os objectos dessas autorizações, a saber: a questão do pão, a do açúcar, a do comércio livre.

Eu sei, Sr. Presidente, que qnási todos os portugueses são contrários a ditadura, mas o que vejo é que todos fazem ditadura.

Poderia compreender-se, Sr. Presidente, o pedido destas autorizações se o Parlamento não trabalhasse com a urgência que é indispensável em casos desta natureza, mas, não se dando tal, não se compreende tamanha urgência. E assim, eu devo declarar, em abono da verdade, que a Câmara não pode nem deve conceder tais autorizações.

Chamo para o assunto a atenção do Sr. Presidenta do Ministério, a fim de S. Ex.a poder depois responderás considerações que vou fazer.

São três, como já disse, Sr. Presidente, as questões a que essas autorizações se referem: a do pão, a do açúcar e a do comércio livre.

Sr. Presidente: polo decreto actualmente em vigor, relativamente ao pão — feito pelo Governo do Sr. António Granjo — o Governo fica com uma quantidade grande do farinha do primeira, isto é, uns quatro milhões de quilogramas, que não sabe em que os há-de aplicar.

E facto que foi nomeada uma comissão para estudar o assunto, porém sendo essa comissão composta de indivíduos altamente interessados no assunto, acontece quo o Governo fica altamente prejudicado, por isso que existe nestas autorizações um ponto que não existe oní nenhuma outra, qual é o § 2.°

O Estado comprou essa farinha de l.a a l£20, o tem de a vender, pelo quo se vê, mais barata, o quo necessariamente o vai prejudicar e muito.

Além disso, vai-se criar um novo tipo do pão, isto é, pão fabricado com farinha de milho e trigo, o que é um grande erro, por isso que toda a gente sabe que é impossível entro nós fabricar este tipo de pão sem prejuízo da saúde.

Este tipo de pão, Sr. Presidente, tem de sor fabricado da seguinte forma:

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Sessão de 8, 11, 12 e 13 de Abril de 1921

Actualmente os padeiros amassam só com água fria, o que dá um pão indigesto, produzindo doenças, e uni pão que é vendido à razão de $60 o quilograma.

Toda a gente sabe que l quilograma de farinha dá depois de fabricada lk,300. de maneira que o ganho não é só de $10, mas é de mais de $38.

Há ainda um caso mais curioso, para o qual peço ao Sr. Presidente o favor de chamar a atenção da Câmara, não por mim, mas pelo assunto, quo é importantíssimo e que merece a atenção do Parlamento.

O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.

O Orador : — Os produtores de açúcar obrigaram-se a mandar para o continente, desde Outubro, 1:840 toneladas por mês de açúcar em rama para ser cá vendido ao preço de $60 o quilograma.

Agora os produtores querem vender esse mesmo açúcar, que já cá está, ao preço de 1$20 o quilograma, isto é, redobra.

Uma voz: — Ganhando esse pouco.

O Orador: — As alterações que o Sr. Presidente do Ministério apresenta para o tipo de pão são prejudiciais, visto que está demonstrado que o tipo de pão assim fabricado é prejudicial à saúde.

Aumentou-se o preço em $20 o quilograma, e no açúcar também se pensa em lazer um aumento do 100 por cento.

Sr. Presidente: uma outra autorização pede ainda S. Ex."

O Sr. Ministro da Agricultura actual quero todas as autorizações possíveis e imagináveis para poder fazer tudo o que quiser dentro da sua pasta, incluindo até a reorganização do Ministério. S. Ex.a assim veio colocar a Câmara numa situação difícil. (Apoiados).

Eu sei que o Sr. João Gonçalves, quando S. Ex.a foi Ministro da Agricultura, tentou resolver o assunto, e tinha até já um plano para fazer com que o Estado não perdesse os 4.000:000 de quilogramas de farinha que tem em depósito. Mas S. Ex.a, querendo apresentar uma proposta, nesse sentido, não veio pedir autorizações, limitando-se a forne-

cer uma base de estudo às comissões para estas poderem encarar o problema.

E assim que se resolvem as questões num regime democrático, e o Sr. Presidente do Ministério, que disse no seu programa ministerial que queria viver com o Parlamento, é o primeiro a fugir da sua colaboração. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu julgo que o melhor que o Sr. Presidente do Ministério deve fazer, o que aliás ficava bem ao seu passado, era apresentar os seus trabalhos sobre o assunto e pedir à Câmara para os discutir com a máxima urgência...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): —

O Orador :—Mas quais hipóteses temerosas? Com franqueza não compreendo bem a estranheza do Sr. Presidente do Ministério. O que eu disse foi que, pelo decreto do Sr. António Granjo, os importadores de açúcar eram obrigados a trazer para o continente, todos os meses, 1:840 toneladas de açúcar em rama; em virtude dessa disposição de lei, muitas dessas ramas foram distribuídas e outras encontram-se depositadas nas refinarias. Eu disse, então, qne era exactamente dessas ramas existentes em depósito que ia ser feito agora o açúcar amarelo...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura (Bernardino Machado):—V. Ex.a não está bem informado. Demais, o Parlamento é quem estabelece o regime que deseja. Emquanto o regime actual se mantiver, eu tenho de mo valer das autorizações concedidas.

O Orador: — Depois, V. Ex.a já declarou que até quinta-feira teria resolvido a questão do pão...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e interino da Agricultura

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Diário da Câmara dos Deputados

de estudar o assunto, e essas pessoas, depois de o apreciarem devidamente, comunicaram-me que podia haver solução dentro da qual coubesse o aumento do salário reclamado. Foi então que eu afirmei que estava disposto a aceder a esse aumento, mas que o não podia fazer sem autorização do Parlamento ...

Essas medidas são necessárias dentro do regime em que nos encontramos com relação ao assunto.

Hei-de fazer todos os esforços para regressarmos ao regime em que estávamos antes da guerra.

Os grevistas fizeram a greve quando eu unha prometido satisfazer as suas reclamações. Hei-de tomar as medidas que julgar necessárias para satisfazer essas reclamações no que forem justas, mas sem coacção, porque sobre mim não consentirei ^pressões.

Apartes.

O Orador: — Sr. Presidente: estando o Sr. Presidente do Ministério num ponto de vista igual ao meu, entendo que S. Ex.a pode resolver essa questão.

S. Ex.a apresenta à Câmara este pedido de autorizações e põe-as em execução sob sua responsabilidade e da Câ-inara que lhe vota essas autorizações.

Mas temos ainda o seguinte: o Sr. Presidente do Ministério pede autorização para poder vender as existências dos produtos adquiridos pelo Estado aos preços que .as circunstâncias o permitam.

Naturalmente esta autorização refere-se à, grande quantidade de trigo que o Estado tem, e se o vender pelo preço que as circunstâncias permitam dará decerto lugar a que o Estado perca muito dinheiro. Assim, para isso, não terá o meu voto.

Certamente irá o GovGrno vender com prejuízo essa farinha que comprou.

Apartes.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bérnardino Machado) (interrompendo): — Y. Ex.a.que conhece o que eu tenho feito não pode dizer isso, e deve conhecer que estou trabalhando para a resolução do assunto.

Não posso apresentar já esses trabalhos, mas posso dizer que hoi-de conse-

guir grandes economias, como a Câmara verá.

O Orador: — Se V. Ex.a tem já estudado o assunto, podia apresentar os seus trabalhos, e a Câmara, com conhecimento completo, pronunciava-se sobre o assunto e votava com mais confiança e base.

Apartes.

Se V. Ex.a não tem assunto estudado, não precisa da discussão da Câmara.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bérnardino Machado): — Eu tenho; V. Ex.a é que ainda não teve.

O Orador: — Deve trazê-lo à Câmara, e nào pedir autorizações sem a Câmara se pronunciar sobre ele. Só então é que deve pô-lo em- execução.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — Nessa situação não posso colocar-me diante do V. Ex.a

O Orador: — Seria Me uma ofensa; eu é que me honraria sendo o seu mais humilde discípulo. A autorização é necessária; e isso me ãhirna a manda.r para a Mesa uma moção dizendo que t, Câmara não pode pronunciar-se sobre a autorização, porque seria um grande desgosto para S. Ex.a aceitar uma autorização con tra o seu modo de ver.

Não quero fatigar a Câmara mais.

O Governo deve tomar o compromisso de trazer uma medida, que será logo discutida.

Keservar-me hei para responder às considerações que V. Ex.a fizer.

Mando para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara, reconhecendo quo não devem ser concedidas as autorizações pedidas pelo Ex.mo. Sr. Ministro, interino, da Agricultura, passa à ordem do dia. — O Deputado, Costa Júnior.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

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Cessão de 8, li, Í2 e 13 de Abril de 19Ê1

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: ainda me recordo da energia que o Sr. Presidente do Ministério empregou na discussão para defender as prerrogativas parlamentares. (Apoiados}.

Kecordo-me desta circunstância especial: tendo eu preguntado a S. Ex.a a sua opinião sobre a '.'questão da amnistia, S. Ex.a recusou-se, com energia, a dar-ma.

Verifiquei que S. Ex.a era tam respeitador das prerrogativas parlamentares que não queria de forma alguma proceder de modo a que pudesse influir na sua decisão.

Poderia nesta hora demonstrar ao Parlamento que, no mesmo dia em que formei tal crença, S. Ex.a apresentou uma proposta de lei que é a negação do que disse nessa hora. (Apoiados).

Mas, neste momento, não posso deixar de fazer sentir a S. Ex.a que o Parlamento não pode compreender uma autorização tam larga como esta. (Apoiados).

Não é esta, como a questão da amnistia, uma questão fechada para o Partido Popular, apesar deste Partido ter representante no Governo.

Não pode o Partido Popular deixar de fazer sentir ao Governo que, isto de pedir autorizações tam largas, recusadas pelo Partido Popular a Governos anteriores, não se pode justificar.

O que S. Ex.a nos vem pedir é uma cousa absolutamente monstruosa. As leis não se fazem com a limitada interpretação que os seus autores lhes querem dar.

O Sr. Presidente do Ministério diz-me que toma o compromisso de não usar desta autorização parlamentar para efeitos ditatoriais. Simplesmente se esquece S. Ex.a de que o dia 30 de Junho ainda vem muito distante e que, nesta faina de derrubar Ministérios em que andamos empenhados, S. Ex.? não pode dar-nos a sua, palavra de honra de que nessa data ainda estará Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado) (interrompendo) : — Toda a gente compreende a difícil situação em que nos debatemos e a inconveniência de estabelecer soluções de continuidade na obra governativa. Por esse

motivo confio absolutamente em que o Parlamento há-de fazer a estabilidade ministerial.

O Orador: — Se eu pudesse dar a V. Ex.a todos os poderes, dar-lhos-ia, não para que V. Ex.a estivesse à frente do Governo até 30 de Junho, mas até a eternidade. (Não apoiados).

O que é facto é que os exemplos do passado não me autorizam a votar esta lei apenas com a palavra de honra de V. Ex.a, por isso que os seus sucessores podem usar desta autorização nos latos termos em que ela está redigida.

V. Ex.a, que se mostrou tam respeita- • dor das prerrogativas parlamentares no dia de ontem, hoje quere arrancar-nos mais do qne nós lhe devemos dar.

Eu. emquanto estive nas cadeiras do Poder, nunca pedi nenhuma autorização dessa natureza. Vim sempre ao Parlamento, o que me dá o direito de achar excessiva a autorização de que se trata.

Uma autorização para legislar sobre medidos de fomento é extraordinária. Se se estabelecesse outra ^autorização para legislar sobre medidas do finanças, ficaria o Governo absolutamente à vontade para resolver tudo sem a intervenção do Parlamento.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas ta-quigráficas.

O Sr. Aboim Inglês: — Sr. Presidente: eu julgava que tinha emfim chegado a hora de cessarem os regimes das autorizações, que tiveram a sua época durante a guerra; mas enganei-me, infelizmente.

Com o Parlamento funcionando não se compreende que só peça uma autorização tam ampla como nenhuma outra ainda foi pedida.

O Sr. Presidente do Ministério vem pedir nos autorização para tomar medidas de fomento!

Eu desejaria que. S. Ex.a me explicasse o que é que se entende por medidas de fomento.

Com franqueza, não compreendo bem o que se pretende.

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Diário da Câmara dos Deputada

As últimas autorizações parlamentares foram pedidas polo Sr. António Granjo e caducaram em 31 de Janeiro.

Elas foram tam amplas que me pareço não ser conveniente continuar a concedêlas.

Eu quereria que o Sr. Presidente do Ministério e ilustre Ministro da Agricultura trouxesse ao Parlamento as medidas de (jue necessita, pois eu teria muito gosto de, com o meu nulo valor, auxiliar S. Ex.a em tudo quanto pudesse.

Não posso, todavia, dar o meu voto a este pedido, porque, como muito bem disse o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal, sucedendo-se os Ministérios tam vertiginosamente, eu não sei a quem vão aproveitar as autorizações que se votam agora.

Eu desejava que S. Ex.a me dissesse se pretende; com esta autorização, conservar algumas cousas que existem e que a prática nos tem dado como bastante prejudiciais para a vida nacional.

Há um Comissariado dos Abastecimentos o é preciso que o Parlamento comece a conhecer a sua acção.

E necessário que dentro do Estado não haja poderes distintos. E preciso que não haja entidades dependentes de Ministérios que não acatam as ordens dos Ministros a que estão sujeitos. (Apoiados).

Eu desejaria que o Sr. Presidente do Ministério me explicasse como é quo pelo Comissariado dos Abastecimentos só fazem requisições de artigos já requisitados para determinadas localidades.

Eu tive a honra de entregar ao Sr. Presidente do Ministério uma reclamação do administrador do concelho de Cuba em que pedia quo se lhe fizesse justiça, pois pretendia-se-lho requisitar o azeite que a Câmara Municipal linha em tempos requisitado para consumo público. .

Esses cascos de azeite tinham sido requisitados para consumo do povo de Cuba.

Foram guardados em depósito particular e vem uma ordem do Comissariado dos Abastecimentos requisitando esse azeite, que foi despachado para a estação da Malveira, onde tem sido vendido a Gfl e a lê cada litro.

Para quem é a diferençar*

(Jnterrvpçâo do Sr. Presidente do Ministério).

O Orador: — As declarações do Sr. Presidente do Ministério são extremamente

amáveis e animam-me a falar ainda mais deste caso.

A história é muito interessante e tenho pena. que não esteja presente um parlamentar a quem este azeite foi oferecido para cobrir a falta duma requisição que em Abrantes tinha sido feita, deixando também aquele concelho sem azeite.

O povo de Cuba tinha feito um depósito de azeite para seu consumo para todo o ano, e o quo faz o comissário com a protecção da guarda republicana. Faz embarcar esse azeite para a Malveira onde ó vendido à razão do 6$ e mais.

Ora isto não honra a República!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior Q, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): -— Não honra mas é quem o fez !

O Orador: — Como foi praticado por autoridade . . .

Isto não pode .continuar.

Em Beja tenho conhecimento de um-caso análogo.

Os lavradores de Beja tinham sido autorizados a guardar uma parte de trigo para o seu consumo; pois arrombaram-se os celeiros, sob a protecção da guarda republicana, e foi despachado para o Cartaxo, onde o pão está a 1$20 o quilograma !

^Ora, eu preguuto se isto pode continuar assim sob um regime de Comissariado de Abastecimentos?

Isto é uma vergonha para nós.

O Governo \ern pedir-nos autorizações e como a amplitude dessas autorizações é tam grande talvez lá coubesse a modificação deste estado de cousas.

O Sr. Presidente do Ministério e Mi-nistrodo Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — Deve sair hoje ou amanhã no Diário do Governo uma portaria para se estudar este estado de cousas.

O Sr. Cunha Leal (em aparte): — E obra do Sr. António Granjo!

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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino ° Machado): — O regime que nesse momento se estabeleceu julgou-se que seria bom, mas a prática diz-nos que ele tem inconvenientes.

Espero que pouco a pouco tudo entre na normalidade e que o comércio possa exercer-so sem a concorrência do Estado.

Neste momento apenas tem três géneros tabelados: açúcar, azeite e a manteiga.

O Orador: — Eu desejaria saber se no Banco de Portugal tem entrado o dinheiro das transacções dos armazéns reguladores?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — Eu devo dizer que tenho essa convicção, porque a escrita desses armazéns está entregue afpessoa de toda a minha confiança.

O Orador:—Pelas palavras que há pouco ouvi ao Sr. Presidente do Ministério pareceu-me que S. Ex.a é partidário do comércio livre!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino da Agricultura (Bernardino Machado): — Eu não sou propriamente partidário do comércio livre ; eu combato a luta pela concorrência-

Quando em 1850 se entendeu que era necessário abrir as portas a todas as iniciativas era então essa doutrina muito boa; mas depois começaram as reclamações das classes trabalhadoras e verificou-se que a doutrina não era a luta, era a solidariedade!

O Orador: —V. Ex.a quere a liberdade de comércio fiscalizada.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) (interrompendo): — Quero a liberdade que hoje se entende que deve haver, isto é, a liberdade de comércio, sob a direcção do Estado, de tal modo, que de facto não haja os desmandos e as violências que esmagam os fracos.

Não quero que os ricos exauram a economia nacional.

O Orador: — Ouvindo o Sr. Presidente do Ministério, cada vez me convenço mais da necessidade que há, para o Parlamento, de não votar as autorizações pedidas pelo Governo.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Quero toda a liberdade, mas não a liberdade dos ricos exaurirem a economia nacional, fazendo com que seja cada vez maior o número dos pobres.

O Orador:—É uma liberdade condicional.

O Sr. Estêvão Pimentel: —V. Ex.a dá-

-me licença?

Segundo li nos-jornais, a respeito da greve dos manipuladores de pão, V. Ex.;i teria respondido que só depois desta proposta de lei ter sido aprovada pelo Parlamento, podia pôr em vigor as medidas necessárias para as suas reclamações serem atendidas.

Quero preguntar a V. Ex.a: £que medidas eram essas que dependem deste projecto de lei, pelas quais os manipuladores de pão podem ver satisfeitas as suas reclamações ?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Peço licença para observar ao Sr. Estêvão Pimentel que não podemos ambos interromper o orador. Portanto, abster-me hei de responder.

O Orador:—Faço minhas as palavras do Sr. Estêvão Pimentel, repetindo a pre-gunta que S. ilx.a formulou e que já tinha tenção de fazer a V. Ex.a

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) (interrompendo): — Responderei depois'.

O Orador:—Vou concluir depressa. O Sr. Presidente do Ministério foi tam amável em me interromper que não posso deixar de esperar pela sua resposta.

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ver, se mantenho a minha declaração, de que não voto este pedido, porque continuo a não ver motivo para o votar, e principalmente depois das explicações cue acabo de ouvir ao Sr. Presidente do Ministério, em que S. Ex.a se manifesta partidário do regime do comércio livre fiscalizado.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Jorge Nunes:—Sr. Presidente: esta discussão tem decorrido tam traquila-mente que vou amoldar-me nas minhas considerações a essa serenidade.

Pela autorização que o Governo pede à Câmara, vemos que é independentemente daquelas circunstâncias que exigem que o Governo adopte medidas no sentido de suprimir qualquer liberdade de comércio, ainda se pede, de-uma forma lata e vaga, autorização para publicar medidas de fomento. Entendamo-nos. Se porventura está dependente do Parlamento esta autorização, para pôr em execução essas medidas, a proposta tal como foi presente não pode ser votada e não sou eu quem a vote; mas se porventura o Sr. Ministro da Agricultura vem pedir autorização para medidas de fomento, que não sejam estas que mais ou menos indiquei, então redondamente digo que não é susceptível de qualquer modificação a proposta de lei.

Trata-se de pôr er? execução medidas, para que o Governo pode autorização e e que são de natureza legislativa e que V. Ex.a esclareceu que são indispensáveis.

O Sr. Presidente do Ministério quer pôr om execução algumas medidas, sem as quais não pode viver, na parte que diz respeito ao abastecimento do país e apenas carece dessa autorização para permitir que se tornem exequíveis.

Então como se tem feito para todas as medidas, lembrarei à Câmara e ao Governo a necessidade de modificar o artigo 1.° da proposta.

O artigo 1.° ficaria assim:

É o Governo autorizado a tomar até 30 de Junho as medidas que as circunstâncias exigem no sentido de tornar possível, etc.

Nós, Parlamento, não autorizamos mais nada.

Medidas de fomento?

Não se sabe quais são, dada a forma vaga como está redigida a autorização pe-didapelo Governo. Por isso n£,o a voto.

Agora vem a talho de foice falar no Comissário dos Abastecimentos.

A este respeito devo pedir providências ao Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Comissário dos Abastecimentos, homem que já ocupou com honra para o Parlamento um lugar nesta Cariara, é um carácter que merece o nosso respeito e consideração.

A este respeito suponho que não há dúvidas.

Mas, Sr. Presidente, o que é lamentável,. é que nós, quando procuramos alguém, para dirigir serviços de certa responsabilidade, caminhamos em sentido contrário.

Já que se tratava do abastecimento do país, era indispensável confiar esse serviço a quem dêlo tivesse conhecimento.

Não digo que não ocupe esse lugar um homem distintíssimo na sua especialidade, mas que é engenheiro naval e que nos trabalhos publicados e conferências distinguiu-se principalmente poios seus estudos coloniais.

Direi ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Agricultura que o serviço do Comissariado dos Abastecimentos no regime do comércio livre, ou sob restrições, não deixa de ser um caos.

Só quem não tem a infelicidade de passar por essa dependência do Ministério da Agricultura é que desconhece o que tudo aquilo é.

E o desconhecimento absoluto e completo do que seja o país, do que sejam as suas necessidades.

Ao entrar naquela Repartição encontramos por toda a parto ordenanças de marinha, de maneira que chegamos a supor que estamos no quartel de Alcântara, ou no Ministério da Marinha e nunca num Ministério pacífico, puramente civil, que trata única e simplesmente do abastecimento do país.

Bem sei que este país, por mal educados que somos todos nós, não podo ver em execução estas medidas de. simples abastecimento que lá fora são moeda cor-rento e que todos os comerciantes e consumidores acham indispensáveis.,

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Não há ali lei nenhuma que se .respeite, nem contrato assinado que se honre, e porquê?

Porque não há a mais leve noção do que seja o comércio.

Quem precisa tratar de qualquer cousa no Comissariado dos Abastecimentos tem a certeza absoluta do que terá um trabalho insano; terá a certeza absoluta de que mal tem tempo para dormir e comer.

Mas. o seu trabalho é improfícuo e contraproducente a maior parte das vezes.

Aproveito a ocasião para mais uma vez dizer que, se julgo contraproducente a acção do Comissariado dos Abastecimentos, não sou, porém, daqueles que atribuem as suas faltas a acção de criminosos.

Entendo que a organização de tais serviços é que se encontra feita de tal forma que só causa perturbações à economia pública.

Poete S. Ex.a o Sr. Ministro da Agricultura contar com o apoio deste lado da Câmara para todas as medidas que se tenham como benéficas para o país, mas muito especialmente para as que digam respeito ao abfrstecimento público, sobre cujo assunto o Sr. Ministro deverá fazer incidir todo o seu cuidado.e atenção, não confiando simplesmente na acção de terceiros.

Leu-se na Mesa a proposta^ que foi admitida, e ficou em discussão. E a seguinte:

Artigo 1.° (substituição):

É o Governo autorizado a tomar, até 30 de Junho próximo, as medidas que as circunstâncias exigirem no sentido de tornar possível, sem outra extensão, a execução de quaisquer disposições legais pendentes, e bem assim estabelecer ou suprimir qualquer destituição à liberdade de comércio e de trânsito, etc.

O resto como está no artigo 1.° da proposta.— Jorge Nunes.

O Sr. Presidente : — Tem a palavra o Sr. João G-onçalves.

O Sr. João Gonçalves: — Sr. Presidente: a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Agricultura força-me a usar da palavra. O assunto a que ela respeita é de tal forma importante que merece toda a atenção da parte da Câmara. E tem-na tido.

Sobre matéria de abastecimentos pro-duzem-se sempre afirmações contraditórias. Não admira, porque entre nós, como de resto em toda a parte, tem-se andado às cabeçadas na política de abastecimentos.

Não pretendo fazer história, mas, de passagem, citarei o que sucedeu na Alemanha. .

Foi a Alemanha que melhor se soube preparar para a guerra; com uma política de abastecimentos feita a tempo. Todavia ela via^a breve trecho fracassar essa política. E que os resultados não foram aqueles que era legítimo esperar.

Também entre nós os resultados da nossa, política de abastecimentos não têm sido os que se esperavam.

Quando pela primeira vez fui Ministro da Agricultura, encontrei um campo propício para fazer uma política de abastecimentos aceitável para este país.

O meu ilustre antecessor, Sr. João Luís BicardO; com uma rara abnegação que lhe criou ódios, orientou a sua acção no intuito de fazer a compressão dos preços, que tanto necessária era para que a grande parte da população assistisse o direito de comer. Foi assim que 'S. Èx.a me deixou caminho aberto a uma política de abastecimentos amoldada às circunstâncias do momento que passava.

Eu pensava, Sr. Presidente, fazer essa política a que me acabo de referir; porém, não tive tempo para isso, se bem que tivesse trabalhado o mais possível para q fazer.

Daqui resultou o disparate a que tive ocasião de me referir, o qual foi o preço do trigo ser inferior ao dos outros géne-TOS, como as leguminosas.

O que é um facto. Sr. Presidente, é que essa política foi posta de parte, e assim apareceu o comércio livre, tendo-se então dado a alta vertiginosa que se deu e em que os géneros tiveram uma subida de 100 a 200 por cento, tendo então o trigo ficado num plano secundário.

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Sei que se deram alguns abusos por parte de intermediários; mas, tendo eu pedido a alguém documentos para tratar do assunto aqui, nunca os recebi.

Eu posso garantir a V. Ex.a e à Câmara que por parte do comércio e da lavoura havia o maior empenho em que se realizasse a política que eu queria seguir; e tanto assim, que chegaram a pedir e a instar comigo para realizar conferências ou escrever artigos sobre a política que eu então procurava realizar.

Com prazer vi que essa política que tencionava realizar se estava fazendo; porém, veio depois o comércio livre, medida essa adoptada pelo Governo do Sr. António Granjo; mas que infelizmente não correspondeu ao fim que S. Ex.a tinha em vista. E tanto assim que se deu logo uma alta no preço do azeite, que de 8$ passou logo para 10$.

S. Ex.a contava com um resultado completameate diverso, mas desde que os géneros escasseiem, a lei da oferta e da procura é fatalmente falseada.

Sr. Presidente: apesar do agravamento cambial, devo dizer que os únicos géneros que têm baixado são os géneros importados.

Quando estive no Ministério fiz o aumento do preço do trigo, conforme o agravamento do custo da vida. V. Ex.a sabe que não se pôde semear em virtude da estúpida orientação de se manter indefinidamente uma greve.

Quando entrei para o Governo procurei resolver a questão conforme o alto comércio me indicava. O comissário dos abastecimentos tinha plenos poderes para fazer todas as compras, mas eu nomeei uma comissão, e devo dizer que fazendo eu parte dessa comissão, dela me retirei. Hoje teria graves responsabilidades.

Eu sobre este assunto tenho muito que falar, e bem claramente, com o Sr. Presidente do Ministério. Havemos de aclarar muita cousa, vá a responsabilidade a quem for.

Os armazéns reguladores, defendidos pelos Partidos, não podem ser sujeitos à baixa dos preços. Desde que haja tendência para baixa de preços e melhoria dos câmbios, o Estado compra e mal. Como não é comerciante, precisa manter a alta seja como for; mas se pretende acudir ao mercado espera.

Mas falou-se na questão do azeite. Ora eu não compreendo racionamento de azeite desde que não exista o produto a racionar. (Apoiados}.

(j Mas então porque se manteve o decreto do azeite? Porque estav.a, subordinado ao decreto dos óleos. E como o preço é superior ao do azeite o mercado tinha abastecimento de azeite. Mas começou a fazer-se política sem ouvir os interessados.

Tam morosas foram sempre, quanto aos interesses da lavoura, que, quando queria pedir a palavra sobre o assunto, tinha caducado a autorização parlamentar.

V. Ex.a está a ver as dificuldades em que me vi, cm que me senti inteiramente perdido.

Estava eu na orientação de vir pedir ao Parlamento uma autorização ísôbre esse azeite, quando depois surgiu a crise. ..

No Ministério estão documentos em que eu insistentemente pedia que não me requisitassem mais do que 00 por cento das existências de cada produtor. E, fazia isso porque mo queria acautelar.

Ora assim os interesses do Estado estavam devidamente acautelado** e o decreto mantinha-se.

Eu sei bem que a lei não se tem cumprido, que constantemente têm saltado fora dela, até aqueles que mais dever tinham de a cumprir. Mas a culpa não é minha. Estalou a crise e nada se pôde fazer.

Têm chegado ao meu conhecimento casos em que se obrigam os interessados a ter as guias respectivas, passadas com três dias de antecedência; outros em que é tornado impossível aos produtores mandarem vir das suas propriedades uma bilha de azeite.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Isso é impossível !...

O Orador: — Eu bem sei que não se podem fazer leis rígidas, mas não sei quem possa impedir que um produtor receba azeite das .suas propriedades para seu consumo, porque isso é permitido por lei.

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O Orador : — Quando estive no Puder impedi sempre que alguém se sobrepusesse à lei. Todavia, as reclamações chegam sempre a toda a gente, menos a quem de direito. No caso da União Fabril só me chegaram à mão as suas reclamações no fim de tudo, quando eu estava, prestes a abandonar o Poder.

Agora, Sr. Presidente, há também outra questão que é grave, -é a questão dos padeiros. Foi nomeada uma comissão de inquérito à moagem, para estabelecer as condições de exercício dessa indústria. Quem nomeou essa comissão fui eu, e vendo que ela não funcionava, alegando a falta de número, ordenei que retinisse sempre com qualquer número. Por fim, com surpresa minha, os trabalhos foram ultimados, é certo, mas não assinaram o relatório todos os vogais da comissão, e, o que é mais extraordinário, as contas fizeram-se por outras apresentadas pela própria moagem.

A resposta que dei foi que a comissão ora substituída imediatamente porque não tinha cumprido o seu mandato.

Eu soube também nessa ocasião uma cousa muito interessante e é que as iilti-mas remessas de trigo não traziam o peso específico na carta de compra.

Essa circunstância provocou para o Estado um prejuízo de milhares de contos.

Apartes.

Não se fizeram então as requisições de trigo que se deviam fazer para serem pagas ao preço do mercado.

Nunca houve possibilidade de fazer essas requisições para as entregar às padarias.

Apartes.

Diz o Sr. Costa Júnior que eu apresentei uma proposta tal qual como esta que se discute pedindo igual autorização.

Efectivamente tinha feito uma proposta assim, mas vendo a má vontade e desgosto com que era recebida essa proposta, entreguei essa proposta à apreciação das comissões.

Por mais de uma vez, apesar de eu estar demissionário, pensei em vir ao Parlamento expor a situação do país com relação à questão de abastecimentos; mas todos me diziam sempre que não era da praxe os Ministros demissionários virem íalar como Ministros no Parlamento e eu dizia que o país não se importaria com essas praxes.

Essa praxe fazia com que a situação se fosse agravando cada vez mais.

Aos que me faziam essa observação eu dizia que era possível que o Parlamento não desse consideração à proposta que eu desejava apresentar, mas que eu cumpria o meu dever.

Eu preferiria que o Parlamento votasse a autorização que eu queria pedir, porque o assunto era urgente, e no nosso pais os assuntos que vem para o Parlamento para serem estudados, levam muito tempo a ser apreciados; mas se o Parlamento quisesse resolver a questão com urgência eu não teria dúvida em apresentar, a questão à discussão do Parlamento.

O Sr. Aboim Inglês: —Foi exactamente o que sucedeu com as" oleaginosas.

O Orador: — Emfim, pena é que esta proposta não tenha aparecido há mais tempo. Ao abandonar o Ministério da Agricultura sempre julguei que ela seria uma das primeiras a apresentar pelo Governo. Enganei-me, porque só hoje ela nos é apresentada.

Em todo o caso urge aproveitar esse importante stock de farinhas que existe no país, tomando imediatas providências nesse sentido. Eu sei, é certo, que já se nomeou uma comissão para estudar convenientemente o assunto, mas a verdade é que a sua urgência não se compadece com os estudos morosos de uma tal comissão. Ele tem de ser resolvido imediatamente, se alguma cousa de útil se quiser conseguir...

O Sr. Joaquim Brandão : — Consta-me até que alguma dessa farinha já está incapaz para o consumo.

O Orador: — Creio não ser verdade. Quando abandonei o meu Ministério, essas farinhas encontravam-se ainda, segundo as informações que obtive, em bom estado.

O Sr. Joaquim Brandão:—Era interessante saber porque é que o Estado não consegue colocar essa farinha.

Eu sei de concelhos onde o pão se está vendendo a 1«§>60.

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rara levantamentos populares ao obrigar a sua população a consumir a farinha de primeira. •

O que, segundo o meu critério, há a fazer neste momento é reduzir quanto possível a farinha de primeira e aumentar o preço da farinha de segunda, de forma a evitar que o Estado perca cada vez mais.

Eu não quero, Sr. Presidente, alongar--me em considerações para não roubar tempo à Câmara . . .

Vozes:—Fale, fale.

O Sr. Aboim Inglês: — Fale, fale. Eu tinha bastante empenho em ouvir V. Ex.íl acerca dos armazéns reguladores.

, O Orador: — Os armazéns reguladores ficaram a cargo de duas entidades: a Manutenção Militar e o Comissariado, agindo cada um para seu lado, sem a unidade de acção indispensável. Foi por isso que eu resolvi subordiná-los a uma direcção única.

Sr. Presidente: não sei que artigos foram comprados, nem se as compras se fizeram a tempo.

Não sei também se as receitas tom sido arrecadadas no Banco de Portugal. O que sei é que um dia o chefe da contabilidade requisitou fundos para compras, e eu respondi que não os facultaria sem saber como se haviam efectivado essas compras.

Depois saí do Ministério e não sei se essa explicação foi dada mas certamente foi.

Considero o Sr. Comissário dos Abastecimentos um funcionário trabalhador e honesto. (Apoiados). E possível que algumas vezes não tenha tido aquela absoluta serenidade que seria para desejar, mas não admirará que isso tenha sucedido, visto que. os mais ponderados e calmos também nem sempre, no desempenho daquele cargo, a tiveram.

O Comissariado dos Abastecimentos, tal qual está, não pode hoje manter-se, visto que as circunstâncias económicas têm sido modificadas.

Entendo que em política de abastecimentos se deve seguir o princípio que é preconizado poios navegantes no alto mar: molhar a vela conformo o vento sopre*

Há uma disposição que permite que o Comissariado requisite até 50 por cento da importação.

. [p artes.

Preguutou V. Ex.a porque aão se tabelou a carne . . .

Apartes.

A razão é simples: é porque se torna muito difícil tabelar um pró 3 u to desde que não saibamos . . .

O Sr. Presidente: —Peço a V. Ex.a que se dirija para a Presidência.

O Orador:—Peço a V. Ex.a que não veja neste meu acto o mais pequeno propósito de desconsiderar a Ex.ma Mesa, mas é que para responder a.os apartes que me são dirigidos pelos Srs. Deputados que só encontram atrás de ruim é muito difícil manter-me vohndo para V- Ex.a

Sr. Presidente: como já tive ocasião de dizer nunca fui partidário do regime de tabelamento.

Aparte que não se ouviu.

O Orador: — A razão do tabelamento do azeito foi a seguinte: o nieu ilustre antecessor nomeou uma comissão para fazer o tabelamento do azeito, exactamente por causa da alta pavoíosa quo estava tendo esse produto.

Aparte que não se ouviu.

O Orador: - - Só tenho conseguido lançar o decreto das oleaginosas ao mesmo tempo que o do azeite, tinha o mercado abastecido de azeite.

Trocam-se apartes.

O Orador: — Procurava defender tanto quanto possível as classes médiaSj que são as mais sacrificadas.

O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo]— V. Ex.a compreende que-, se esses homens tivessem essas qualidades, não iam ser empregados do Estado, mas sim, iam comerciar por sua conta.

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o tabelamento de certos géneros, q.ue o Governo comprasse, distribuindo-os depois por sua conta. Eu devo dizer, Sr. Presidente, que, quando criei os serviços do Comissariado, eu quis fugir às peias que me tinham surgido quando pela primeira vez fui Ministro da Agricultura. Assim, fui buscar os chefes das regiões agronómicas para comissários distritais, dizendo-lhes que dentro do concelho fizessem a política dos abastecimentos mais consentânea com as suas necessidades; e fui buscar estas entidades para fugir aos entraves constantes que eram postos pelas autoridades administrativas. Quere dizer: descentralizei, o mais possível, os serviços, sujeitando apenas certos produtos ao tabelamento.

Sucedeu, porém, que os agrónomos não corresponderam ao que deles se esperava, e então a lei permitiu que eles fossem substituídos por militares, que seriam requisitados para o exercício dessas fim-çõos. Surgiu, porém, a dificuldade dos militares requisitados perderem os seus vencimentos, pelo que, a certa altura, não tínhamos nem agrónomos nem militares, dando como resultado que j desde o início, o Comissariado dos Abastecimentos não fazia desenvolver a sua acção, porque ihe fiiltavam aqueles elementos.

Sobre o manifesto, eu tenho a dizer que apenas duas ou três pessoas o fizeram, e se se fosse proceder contra quem não tinha cumprido a lei, não havia cadeias que chegassem para lá meter essas pessoas, devendo, no emtanto, acrescentar que este facto é devido à não continuidade das leis e ao facto de não serem postas em execução, na primeira oportunidade.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Mas o Comissariado pode mandar manifestar quando quiser!...

O Orador: — Eu devo dizer a V. Ex.a que...

O Sr. Presidente : —Eu peco a V. Ex.a o favor de se dirigir à Presidência.

O Orador:—Eu vou dar por terminadas as rainhas considerações, na certeza de que era meu propósito. ..

~v

O Sr. Presidente: — Eu não desejo, bem como a Câmara, que V. Ex,a con-

clua as suas considerações; o que desejo é que as faça de forma a que toda a Câmara as ouça.

O Orador: — Agradeço a Y. Ex.a as suas informações, mas vou terminar as minhas considerações. Por falta de voz, certamente, não posso torná-las do conhecimento da Câmara; mas, no emtanto, se algum Sr. Deputado necessitar de mais explicações por motivo do cargo que desempenhei, eu não tenho dÚA-ida em dar--Ihas.

O Sr. Ferreira da Rocha : — ^ E com

respeito a manteiga ?...

O Orador: — Sobre esse assunto, eu de\o dizer que o Sr. Comissário dos Abastecimentos depois de ouvir as entidades competentes resolveu fixar o preço da manteiga, mesmo porque esperava a realização de outros fornecimentos que determinariam a baixa desse género:

Contudo, quero afirmar que sobre os fornecimentos nada. sei, porque nenhumas informações me foram dadas.

Do que V. Ex.as podem ter a certeza é de quo tanto como Ministro como Deputado me hei-de interessar sempre por estes assuntos que dizem respeito à economia e ao -comércio do país.

O que eu lhes posso dizer ó que m^o tenho culpa de que tais reclamações não tivessem sido feitas então, mas sim só agora.

Creio, Sr. Presidente, ter'dado todas as explicações sobre o assunto, estando pronto a assumir todas as responsábili-dades que resultem de toda a minha vida ministerial.

Tenho dito.

Vozes:—Muito bem.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: esta questão ó das mais interessantes e todo o debate que se íaça em volta dela será útil para o Parlamento e para o país.

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Para bem se poder discutir, necessário era saber a opinião do Sr. Presidente do Ministério. Porém, pelas palavras vagas que S. Ex.* pronunciou, nada se pode concluir.

Teríamos, Sr. Presidente, de analisar o assunto sob vários aspectos, isto é, teríamos de o analisar pelo que diz respeito ao célebre Comissariado dos Abastecimentos, instituição esta criada pelo Governo do Sr. António Granjo, e bem assim a forma como as contas têm sido liquidadas.

Vejo, porém, que tal se não pode fazer, por isso que a Câmara pouca atenção está prestando ao assunto, o mesmo acontecendo com o Governo.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado) : — A prova de que estou preso à discussão e às palavras de V. Ex.a, ó que não pedi dispensa à Câmara para ir à Escola Militar prestar as minhas homenagens ao general Joffre.

O Orador:—Eu creio bem que o Sr. Presidente do Ministério esteja aqui preso, pois de contrário estaria na Escola de Guerra. Mas o que é facto ó que me parece que o assunto era mais digno da. atenção da Câmara.

Eu, Sr. Presidente, devo declarar à Câmara que não desejo continuar a ser comparsa nesta questão e, assim, desejava saber se-a Moagem já pagou todos os carregamentos de trigo que recebeu.

Foi esta, Sr. Presidente, a questão que me preocupou quando fui Ministro daís Finanças, isto é, a maneira como estão organizadas as contas do Estado. E tanto assim, que tratando do assunto com o Sr. Ministro da Agricultura, ele concordou com o meu ponto de vista, isto é, que depois de feita a transacção, o dinheiro entrasse imediatamente na Caixa Geral de Depósitos.

Sr. Presidente: não merece a pena continuar, visto o enorme e geral alheamento da Câmara para este assunto. (Não apoiados).

Visto não ser como digo, continuarei.

A primeira cousa que nós deveríamos discutir era se o Estado deve ou não continuar a ser comerciante: se se continua

com a liberdade de comércio absoluta ou com restrições.

O Sr. António Granjo, estabelecendo a liberdade do comércio, causou uma enorme perturbação na vida econónvica do País. O Sr. António Granjo para a maior parte dos produtos abriu as fronteiras, donde resultou um agravamento na alta dos preços, e as muitas greves, como a dos caminhos de ferroj a dos funcionários públicos e todas as perturbações resultantes da liberdade do comércio.

Nós pregámos princípios que nos podiam conduzir à ruína.

Neste momento por todo o mundo há embaraços de ordem financeira.

A França estava sendo vítima do preço do carvão e, então, fez um depósito de carvão para seis meses, e a partir desse momento a França marcou o preço ao mercado exportador e o preço foi baixando de dia para dia. A França precisava menos comprar carvão do que a América vendê-lo. Viu-se o país exportador ficar sujeito ao preço do país importador.

Por toda a parte os embaraços financeiros são grandes.

De modo que o resultado foi o seguinte : de repente o comerciante viu-se embaraçado para fazer a sua venda. Os Bancos não lhe ofereciam os capitais necessários para poderem vender os produtos.

E dá-se então o seguinte: os preços lá fora têm ficado inferiores aos que eram antes da guerra, carvão, trigo, etc.

Em Portugal sucede que, ao passo que os preços lá fora baixaram, as nossas divisas cambiais iam para baixo, e a baixa era superior à dos preços lá fora.

Sucede que nós sentimos uma alta de preços. Mas tira-se uma conclusão perigosa: a alta não acompanhava o aumento do preço da libra. Era menor.

Os stocks existentes no mando hão de acabar, e a conclusão é que se está vendendo a preços superiores aos de antes da guerra.

Estamos em vésperas da tal catástrofe política, se não estivermos condenados a morrer de fome. (Apoiados).

Portanto será conveniente fixar ideas a este respeito. _,.,." ^

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Um dos mais reaccionários espíritos da França poderia eu.citar.

Eealmente a importação abaixa o preço por virtude das circunstâncias mundiais. óMas se vamos provocar uma abundância do produto, para onde vão as divisas cambiais? O excesso traz o aumento do preço da libra.

c. Qual o factor que determina o preço ? A concorrência nem sempre traz a baixa do preço.

Por isso tive a coragem de pregar a liberdade de comércio.

Quando foi do armistício estava Portugal repleto. Então os comerciantes foram pedir ao Estado que lhes comprasse os stocks. Porquê? Porque o armistício tinha trazido uma baixa no preço.

Ora se estabelece o comércio livrel ora se estabelece o regime de restrições. Pregunto:

(j Perfil ha o Governo a orientação do Partido Liberal, a orientação do Sr. António Granjo? <_ que='que' com='com' de='de' a='a' restrições='restrições' pensamento='pensamento' sabemos.='sabemos.' orienta='orienta' o='o' comércio='comércio' p='p' absoluta='absoluta' para='para' apenas='apenas' perfilha='perfilha' qual='qual' não='não' liberdade='liberdade' pão='pão' _='_'>

óQual é também a orientação do Governo relativamente ao Comissariado dos Abastecimentos? Também não sabemos. Quem mais tem atacado o Comissariado dos Abastecimentos, quem mais tem atacado as suas medidas tem sido o Partido Liberal, e no enitanto as glórias e proveitos da criação desse Comissariado pertencem ao Partido Liberal.

As honras da criação {lesse Comissariado, assim como da nomeação do respectivo comissário, o Sr. Álvaro de Lacerda, pertencem inteiramente ao Partido Liberal.

O Sr. António Granjo chamou o Sr- Álvaro de Lacerda. E quis, então, dar-lhe poderes tam latos que até quis conceder--Ihe o direito de comprar sem concurso. O Sr. Álvaro de Lacerda era o homem que comprava como queria, era o homem livre das suspeitas, era o homem cheio de alta sabedoria. Depois da sua saída foram restringidos os poderes dados aos comissários. ;E veja V. Ex.a como foram prudentes em restringir esses poderes! Pregunto ao Sr. Presidente do Ministé-

.rio: £ mantém o Comissariado com a mesma estrutura, ou, pelo contrário, restringe ainda mais os poderes que lhe estavam conferidos?

Quando eu estava no Ministério das Finanças, verifiquei que o Ministério da Agricultura, por intermédio dum dos seus directores gerais, requisitava a abertura dum crédito para a compra dum determinado trigo. O Ministro deferia e mandava à Direcção Geral da Fazenda Pública. Primeira irregularidade. Isto tudo era tam irregular que, pedindo eu a três entidades diversas a nota dos carregamentos, cada uma deu-me a sua conta diferente, divergindo umas das outras em dezenas de milhares de contos.

Foi assim que, tendo o Sr. António Gr anjo declarado que com o trigo havia um déficit de 50:000 contos, eu, depois de proceder às contas necessárias, constatei que o que existia era um saldo positivo de 8:000 contos.

Foi pôr este motivo que eu determinei que para cada navio se fizesse um processo.

0 que posso, porém, afirmar é que não conseguírealizar esse meu desejo, porque tive de abandonar o meu lugar e actualmente nem no Ministério das Finanças, nem no da Agricultura, existem as contas dos carregamentos.

A moagem devia pagar o trigo à chegada dos carregamentos, mas só o paga três meses depois.

Nunca se faz o controle do pagamento de um carregamento com outro.

£ O resultado qual é ? Ninguém ter a certeza de se terem feito ou não todos esses pagamentos.

1 O que é que eu tinha combinado com o Sr. João Gonçalves?

As verbas iam entrando e o Estado não seria prejudicado, e assim a Manutenção não conservava dinheiro nenhum em seu ptíder.

Mas a Manutenção pouco se importa com isso.

Não vai censura para o actual Ministro, mas o que é certo é que tudo continua assim, e V. Jilx.a terá do chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para estes serviços autónomos.

Todos os serviços autónomos são assim.

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Um senhor qualquer vendeu carvão ao Estado por um preço x posto no Tejo.

Com o Estado não pagasse logo, o homem exigiu o preço do frete, e o Estado pagou.

Mais tarde vem o dono do carvão, e pede a conta do carvão- e do frete qae o Estado pagou. Quore dizer: pagou-se o frete duas vezes.

E assim que está organizada a escrita nos serviços autónomos.

E perigoso dar autorizações aos Governos sem que primeiramente eles ponham a ordem neste caos.

Eu votarei esta medida, ma? confesso que o faço com muita mágoa.

Eu quero chamar a atenção do Governo para o facto de a moagem não pagar ao Estado o que lhe deve, o que vai engrossar os lucros ilegítimos que a moagem tem.

Eu elaborei uma proposta relativa ao pão, e pretendi demonstrar que podia meter no bolso do Estado algumas dezenas de contos.

Eu não quero levantar dificuldades a V. Ex.a

Se V. Ex.a faz das autorizações que pede questão ministerial, eu votarei; mas se não fizer, eu não a voto sem que V. Ex.a me diga que elas são indispensáveis.

O discurso será publicado na integra quando S. Ex.a devolver as notas taqui-gráficas.

O Sr. Estêvão Pimentel:—Peçe a palavra para fazer uma pregunta ao Sr. Presidente do Ministério.

Li num jornal que o Sr. Presidente do Ministério dissera aos manipuladores de pão que a satisfação das suas reclamações estava pendente do Parlamento votar ou não esta proposta de lei.

Ora é necessário que o Sr. Presidente do Ministério nos diga o que tenciona fazer das autorizações que vem pedir ao Parlamento.

Parece que as reclamações fundamentam-se em aumento de salário o portanto tem de se criar uma nova receita, que sem dúvida será o aumento do preço do pão.

Não é legítimo que nós votemos aqui aumentos de preços sem sabermos quais eles vão ser, sem sabermos como o

Sr. Ministro da Agricultura os vai realizar.

Era isto apenas que queria pregimtar ao Sr. Ministro da Agricultura, e espero quo S. Ex.a não deixará, de satisfazer ao meu desejo respondendo cabalmente à minha pregunta.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

. O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernarclino Machado): — Sr.. Presidente: eu vou primeiro declarar muito categoricamente, e já o fiz quando aqui se apresentou o actual Governo, que eu sou, como sempre fui, contrário a este regime de autorizações parlamentares. Tenho-as combatido sempre.

Mas há pouco um ilustre Deputado, o Sr. Cunha Leal, lembrando, efectivamente, essas minhas declarações, parecia querer reivindicar mais as prerrogativas parlamentares do que eu as tenho rejn-vindicado sempre.

Perdão; eu combati o actual regime dos abastecimentos e ainda J'ie sou contrário, mas eu encontrei uma situação de facto, creada pelo próprio Parlamento, de nianoira que eu estou nesta situação para respeitar o mesmo, para lhe dizer, ato, que emquanto durar este regime tenho de fazer o que o Parlamento disser.

A verdade ó esta: estabelcccu-so uni regime, e V. Ex.as todos conhecem a legislação que o estabeleceu; esse regime combati-o, porque o reputava, efectivamente, um regime de arbítrio quo podia ser perigoso, por mais que sejam cautelosas e autorizadas as pessoas a que se entregam os serviços, e eu não posso senão fazer justiça àqueles que têm estado à frente deles; mas eu encontrei esse regime criado pelo Parlamento.

<í p='p' ser='ser' portanto='portanto' qual='qual' procedimento='procedimento' meu='meu' devia='devia' _='_' o='o'>

Era estudá-lo e, mais, vir arv no Parlamento, como tenciono vir, realmente, trazer o resultado dos meus estudos; sim senhor, hei-de vir aqui trazer um relatório completo dos meus estudos.

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tentes, homens que deram já as suas provas o alguns deles mesmo duraute a guerra, para estudar a actual situação dos abastecimentos e procurar preparar o regresso deste regime, .que eu sempre combati, com. que me encontrei, mas que não quero que se mantenha, porque o julgo um regime de guerra, ao regime normal, mas sem precipitações.

Já vêem, pois, V. Ex.as que mão têm razão para estar inquietos, uma vez que toiuoi a iniciativa de proceder à transformação do actual regime, criando um outro em que se visam principalmente dois fias: nino determinar com a coacção; outro o de pôr termo à dissipação.

Efectivamente, não podemos ter um si s toma do abastecimento em que o Estado esteja constantemente a exercer sobro o País uma coacção intolerável.

Todos os dias a animosidade contra o Estado cresce por esse facto, criando em volta dele uma pesada atmosfera de antipatia que não aproveita ao País, nem à oHom social.

E exactamente com esse regime extremamente nocivo que eu pretendo acabar, quer em relação à nossa própria economia, quer em relação a países estranhos.

É já tempo de terminar com a política económica de guerra que se vem íazendo em Portugal: -guerra contra todos, nacionais e estrangeiros.

É preciso duma vez para sempre substituir a coacção do Estado pela normalidade das suas relações com as forças vivas da Nação.

(jQuere isto significar que eu vá à liberdade ampla de comércio ?-.

Nap; eu quero a liberdade do comércio, mas a liberdado regulada pela lei para que se não cometam desmandos, para que as lutas' se moderem. Hoje, é esse o intuito de toda a política econó mica verdadeiramente democrática.

Espero alcançar o meu objectivo, com o concurso de todos, é claro, intervindo, quando for necessário, em nome da lei e não arbitrariamente pela força, a não ser quando ela se torne absolutamente indispensável para manter o direito.

O outro regime que tenciono pôr de parte, ó, como já disse, o da dissipação. Nós não podemos continuar a viver num regime que salda sempre as suas contas

com um déficit para o Estado, cada dia mais assustador.

Outras nações atravessam, como nós, unia crise idêntica; mas elas dão-nos já hoje um exemplo que seria conveniente seguir. E necessário fazer com que o Estado deixe de perder em todas as suas transacções em matéria de abastecimento, e que sobretudo não esteja a perder em proveito de todos: ricos e pobres.

O que está, naturalmente, indicado é fazer-se o que, recentemente, fez a França: perder em proveito dos pobres, organizando a assistência. Isso compreendo eu.

& Quando o preço não é acessível aos pobres, o que ó que o Estado deve fazer?

Organizar a assistência para que as classes proletárias possam viver.

Sr. Presidente: estou habituado de muito novo, às acumulações.

Sempre estimei acumular a colaboração de todos quantos se dedicam aos assuntos a que eu tenho de ocupar-me. £ Porque? Porque eu nunca, em geral, quis resolver qualquer cousa só por mini. Os homens públicos nunca devem ter a vaidade de resolverem os assuntos de que tratam apenas pela sua acção.

O dom dos homens públicos é a sua capacidade de conquistarem colaboração. Eu tenho, efectivamente, procurado sem-pje. cercar-mo dos homens competentes. E assim que tenho acumulado. Creio que não poderão censurar esta acumulação, nem referirem-se a ela em sentido depreciativo para mim — e estou certo que o não é — porque eu tenho procurado servir o pais, trazendo à vida pública a acção de homens que efectivamente alguma cousa de útil podem fazer a favor da República e da Nação.

Sr. Presidente: no estudo que estou fazendo da questão dos abastecimentos tenho dois intuitos:

Acabar com o regime das coacções, e. acabar com os dejicits dissipadores.

Ao mesmo tempo não deixo de pedir contas. Desde a primeira hora, e ao procurar inteirar-mo dos negócios do Ministério da'Agricultura, as pedi. Portanto, eu quero também que só laça uma rigorosa contabilidade.

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tura, eu disse e agora repito: o que há de pior no actual regime dos abastecimentos é não se saber o que se faz. O homem público tem de dar contas ao país. Tem essa obrigação o Ministro. Para aom ele a tom as administrações que estejam sob a sua alçada.

É por isso que eu, desde a primeira hora, reclamo dos meus colaboradores oficiais a organização de todas as contas que possam dar ao país a segurança de que a administração do Ministério da Agricultura se faz coin toda a regularidade, ou que mostrem a necessidade de qualquer intervenção para que essa regularidade se estabeleça.

Nestas condições verificamos que os intuitos que aqui foram expressos tom sido os nieus, e folgo em vir encontrar, aqui, para a obra que iniciei e esto"i fazendo, o apoio das pessoas que falaram. No que disseram não foram senão agradáveis para mini.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Ex.a diz que tem dois intuitos: acabar com as coacções e diminuir os deficits.

Como o déficit da crise dos abastecimentos é quási exclusivamente, consequência do regime do pão, eu quereria quo V. Ex.a dissesse quais são as suas intenções para atenuar esse déficit.

O Orador: — Eu estou a fazer estudos sobre a questão dos abastecimentos. Hei-de trazer à Câmara um relatório, e já tenho nomeada uma comissão para se ocupar do assunto.

O problema da acção do Ministério da Agricultura está sendo estudado pormim.

Tenha a Câmara a certeza de que todos esses problemas hão-de ser estudados por mim. e o resultado desse estudo há-de ser trazido ao Parlamento. Disso tomo compromisso.

Quanto à proposta que está em discussão ela joga com o regime de abastecimentos em que vivemos.

O Sr. Cunha Leal referiu-so às funções dos comissários de abastecimentos e a esse respeito eu devo dizer que se torna neste momento necessário estudar o modo como esse funccionário desempenha LS funcções. •

Tudo que não sejam funções legais não as consentirei.

Essas funcções são ampla? e mesmo excessivas e muitas vezes quási não se compreendem.

O Sr. comissário dos abastecimentos tem dado provas de muito trabalhador, e ato de muita dedicação cívica, mas todo esse trabalho não pode ser para um homem só, e por muita boa vontade que tenha não poderia resolver o problema dos abastecimentos.

Eu venho aqui pedir uma autorização, porque o regime de abastecimentos assim o exige. Mude o Parlamento t-sso regime, que ou aceito essa mudança.

Eu não quero de modo nenhum que o Governo mantenha ôste regime deplorável das autorizações parlamentares, que são evidentemente exautoraçCos da soberania do Parlamento.

Sr. Presidente: agora, ditj isto, cum pre-me fazer uma declaração, declaração que me parece virá dissipar qualquer apreensão que aqui se esboçou, mesmo porque eu devo aos oradores que falaram a honra de terem, mostrado uma confiança em mim, a que me confesso extremamente grato; mas vou dizer que não aceito essa confiança tam larga, porque em todos os casos em que não houver um motivo extraordinário, que dentro do actual regime me obrigue a usar de autorizações, eu não o farei, a não ser, como disse, em casos extraordinários, mas ainda assim interinamente, isto é, apenas pelo tempo que o Parlamento levar a estudar a transformação deste regime.

Sobre este assunto não podemos legislar às cegas, e ó preciso que se saiba que não é pelo arbítrio de ninguém, nem do Governo nem dos seus funcionários, que se tem de resolver o problema dos abastecimentos.

Esse arbítrio, um tanto militar, explicou-se durante a guerra, mas agora não se explica.

Aqui tem V. Ex.a, Sr. Presidente, como eu me estou esforçando para que se acabe com um regime que embora se julgasse necessário e embora tenha prestado serviços, eu entendo que já fez o seu tempo.

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regresse ao tempo normal era necessário fazer-se gradualmente e sem repressão. Creio, Sr. Presidente, sem ter entrado em questões que aliás me seria muito agradável discutir, ter dado as explicações suficientes, ficando eu, desde já, moralmente emprazado pelos oradores que acabaram de falar para tratar essas grandes questões que efectivamente se prendem com a solução do problema dos abastecimentos.

O Sr. Estêvão Pimentel (Interrompendo) : —

Eu preguntei em que é que a aprovação desta autorização podia ter influência na modificação do regime do pão, para serem satisfeitas as reclamações dos padeiros.

O Orador: — Eu não posso, efectivamente, assumir as respousabilidades de actos que se imagina que vou praticar.

Uma comissão constituída no Ministério da Agricultura estudou o assunto chamado das taxas da moagem e da panificação, e sobre esse assunto a que se refere o Sr. Deputado apresentou o seu relatório.

Eu examinei-o, e como efectivamente, para que as soluções propostas pudessem executar-se, era necessária • autorização parlamentar, logo se disse que a satisfação das reclamações dos operários mani-puladores e panificadores de farinhas da moagem estava dependente da autorização.

Simplesmente a comissão realizou os seus trabalhos e, como estes não se fizeram clandestinamente e para as soluções da comissão era necessária a autorização parlamentar, viu se que dessa autorização estavam dependentes as reclamações dos operários.

Mas, francamente, eu não posso com a responsabilidade do que os jornais dizem ou de quem quer que seja, tanto mais que não só não disse que aceitava as soluções da comissão, como até a esta observei que esperava que ela ainda, embora rapidamente porque a questão urgia, estudasse de novo o assunto, visto que me parecia poder haver uma outra solução mais consentânea com os interesses do país.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Agradeço a V. Ex.a as suas explicações que, infelizmente, em nada me elucidaram, e peço licença não para fazer o meu protesto, porque de nada serviria, mas para exprimir a minha mágua por o Governo, estando o Parlamento aberto, tentar, sem Q ouvir e à sombra desta autorização, fazer qualquer modificação no regime do pão.

O Orador:—A conclusão, embora mo seja desagradável, é óptima. Simplesmente a permissa é que V. Ex.a não demonstra.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Estêvão Pimentel.

O Orador: — Se houver de se fazer alguma alteração que, efectivamente, tenha gravidade que deva ser considerada pelo Parlamento, eu a trarei ao exame parlamentar.

O Governo não há-de ser menos escrupuloso em nenhum dos seus actos do que o é qualquer dos membros do Parlamento.

Podemos, na verdade, errar, e eu procurarei sempre as luzes do Poder Legislativo, mas o que, realmente, não é justo é que se esteja de antemão a dizer ou a imaginar que o Governo vai ter qualquer procedimento que destoe dos seus compromissos e até da autoridade moral que todos nós temos pelo nosso passado, cumprindo sempre os nossos deveres para com a Constituição da República.

Uma última declaração desejo ainda fazer : é a de que em referência às medidas de fomento fui fielmente interpretado pelo Sr. Jorge Nunes, .aceitando, portanto, a redacção proposta por S. Ex.a

O discurso será publicado na integra quando o orador haja restituído as notas taqiiigráficas.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — Sr. Presidente: como há alguns dias que estou para tratar nesta Câmara da questão dos Bairros Sociais, peço licença a V. Ex.a para preguntar se o poderei lazer amanhã, esperando que neste caso V. Ex.a terá a bondade de convidar o Sr. Ministro do Comércio a comparecer à sessão.

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Quanto ao desejo de V. Ex.a de que o Sr. jSffinistro 4o Trabalho compareça nesta Câmara para se poder ocupar da questão ffos Bairros Sociais, eu o transmitirei.

A sessão continua amanhã às 14 Jioras.

Está interrompida a sessão.

Eram ÍQ horas.

QUARTA PARTE

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Eram 1õ horas e 50 minutos.

O Sr- Aboim Inglês: — Sr. Presidente: serei breve; mas, antes de mais nada, direi que lamento que S. Ex.;l", o Sr. Ministro da Agricultura não nos tivesse dado a honra de responder às considerações e às preguntas que lhe fizemos.

Ouvi, Sr. Presidente, S. Ex.a com a atenção devida, e se antes de ouvir S. Ex.a eu era de opinião que as autorizaçpes pedidas iam a}éin de tudo quanto até aqui se tem pedido em matéria de autorizações, depois de ouvir S. Ex.a, ou pão.fiquei elucidado sobre a orientação que S. Ex.a quere seguir depois de ter essas autpriza-

Não me assustam tais autorizações, por isso que sei que, da mesma forma como elas se dão, podemos no Parlamento pedir contas da maneira como elas foram executadas; mas, Sr. Presidente, nós não falamos aqui uns para os outros; as nossas palavras têui de ser ouvidas pela Nação e interessante para a Nação seria que as declarações de S. Ex.1"1 fossem concretas neste momento, para bem das futu-colheitas.

As declarações do Sr. Ministro da Agricultura tinham uma alta importância, principalmente neste momento, em que nós estamos assistindo ao retra/irnento enorme que a agricultura pstá fazendo nas suas lavouras, aumentando muitíssimo os dcficits cerealíferos, deficits esses que poderiam ainda ser diminuídos se a agricultura tivesse a certeza de serem punidas, as violências que se têm feito por esse Alentejo fora.

Lamento, pois, e .dp fundo da alma, que o Sr. Ministro da Agricultura não tivesse querido assuniir a responsabilidade de dizer se estava ou não ao lado do comissá,-

Diârio da, Câmara do» Bepufa$a»

rio dos abastecimentos, para se saber se se repetiriam ou Dão as violências que se têm feito por esse país fora.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — }£u já disse à Câmara que nã'o concordo com o regime que se está seguindo e que es:;qu no propósito do acabar com os abusos que se têm praticado.

O Qrador ; — V. Ex.a p contrário a este regime, porque se vê que as violências que se têm praticado foram feitas sem sua ordem; porém, o que ó um facto ó que se tem feito, devido a este regime de violências, sementeiras de cevada e de fava em terrenos que podiam dar trigo, pois que, ter trigp hoje eni cjisa é quási o mesmo que ter dinamite, motivo do procedimento tomado pelo Comissário 'dos Abastecimentos.

O meu desejo é que V. Ex.a fosse concreto nas suas declarações, isto para bem da Câmara e çla Nação.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — O que V. Ex.:x compreende é que esses inconvenientes se não podem evitar completamente de um momento para o outro; mas espero evitá-los com a mudança do regime.

O Pradqr: — Eu, Sr. Presidente, ouvi o Sr. Ministro da Agricultura falar num inquérito que mandou fazer e duma comissão que nomeara para estudar um novo regime; porém, o que nós não podemos é esperar pelos resultados desse inquérito, o bem assim pelos estudos da. cpmjssão que S. Ex.a nomeou.

Com essas delongas é que foi possível assistir às violências que se têm dado até hoje, sem que do Ministério da Agricultura saja nenhum remédio.

Teria muijo prazer em que S. Ex.a concretizasse mais as suas declarações, não por mini, mas para que, a Nação tenha conhecimento das suas intenções, e se possam remediar os erros em que se tem paído.

Disse S. Ex.a que não são por culpa do Coniissárip dos Abastecimentos.

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funcionários que produzem a barafun4a cm que andamos vivendo.

Longe do mim a idea de querer impedir que o Sr. Mipistro da Agricultora ponha em. execução qs reformas que, tem em mente; longo de mini .querer impedir que S. Ex.a ponha eni execuçãp o seu plano.

Desdo quo S. Ex.a concordou com a emonda do me.u amigo Sr. Jorge Nunes, desde que as me4id§s de fomento por

P £>r. Presidente (Jfi J$inist§rip e 3$i-nistrp do Interior e, interinq,

,0 Qradpr:—f;Mas, se p Sr. Ministro c]a Agricultura dec}arpu, pntem qugre.r viver com o Parlamento, e o Parlamento está aberto, não negau4o a S. Ex.a tpdo p apojo para o estuda e realização íjêstp problema, porque não trás ao Congresso essas propostas de lei? Ppssa maneira nós apresentaríamos os nossos alvitres, se, porventura, não estivéssemos d.e acordo com essas propostas.

Aparte do Sr. Ministro da Agricultura.

Não é minha intenção de qualquer forma impedir que o Sr. Ministro da Agricultura ponha era execuçãp p plano que tem sobre o assunto. S. Ex.a naturalinente irá. concretizar as suas declarações, e assim a naçãp saberá quo S. Ex.a impedirá que se façam requisições violentas, como se tem feito até hoje.

Seria já um grande passo para se restabelecer a confiança p não se deixarem de fazer os alqueives suficientes, aumentando-se as sementeiras .e dimjnuindp-se assim o déficit cerealífero.

Desejava também referir-me ao que disse ontem o Sr. Cunha Leal acerca das primitivas autorizações pedidas pelp Sr. António Granjo. Havendo, porém, S. Ex.a pedido a palavra, melhor do que eu fará as considerações quo ou tencippaya apresentar.

Q Sr. António Granjp :—Em obecjien-cja ৠprescrições regiine.ntais manclp para a Mesa a seguipte

Wfoção

A Câmara, reconhecendo a necessidade de regressarmos, .em matéria económica, ao estado anterior à guerra e a necessi-sida4e de eieyar ao máximo a produção nacional, manifesta ao Governo os seus desejos de que seja restabelecida gradualmente a liberdade pie comércio, de que seja dada plena execuçãp aos decretos M-timamentepromulgados a. favor da lavoura nacional, regulamentando-os, e, se tanto for necessário, mqdjficandp-os, de que seja estabelecido para p trigo nacional o preço munáial e de que sejam tomadas as medidas convenientes para a extinção dos prejuízos que o Estado sofre com p far-necimentp dp trigp exótico, acabando-se com o preço político do pão. — ó Deputado, António Granjo.

O Orador:—Sr- Presidente: recordarei a V. Ex.a que a autorização por mim ppdida ao Parlamento para chacretar em matéria de subsistências não foi mais 4o que a cópia fiel 4^ autorização anterior-mepte da4a a todos os Gpvprnos, em seguida i declaração d.e guerra.

Ou as circunstâncias permitem já voltar inteiramente à normalidade, ou as cpn-sequêa.cias que derivaram 4e guerrq, exigem as medidas especiais que. adoptam os Governos, P n^P ppssp negar na gpnerali-4ade o nj.fiu. ypto à autorização pedida.

Deyo dizer que falo em meu nome pes-spal, não falp em nome do meu partido. Todas as questões de carácter económjpQ e finan,ce.irp sfio dentro 4o nigu partido, segundo re.solu.cpes já tpmadas, questões abertas.

Oqtfim, segundo fui informado, fizeram--se referências a algumas mpdidas por mim adoptadas quando fui Ministro da Agricultura.

Fez se referência à criação do Comissariado 4ps Abastecimentos, atribuin.dp-se -4 essa medida, de certp modo, p esta.do GÍIÓ-ticp o tuinultuárip em que se encontram hoje os assuntos de abast.ecinientos em P.orjtugal.

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Era preciso arrancar à política inteiramente tudo que diz respeito a subsistên-cias. Era necessário criar-se um organismo inteiramente fora da política, quer de acção parlamentar, quer de acção gover-nativa, quer de acção partidária, havendo toda a liberdade de acção no que diz respeito a subsistências.

O comerciante miliciano fora em grande parte o mal da nação. JDm cada dez propostas que apareciam no Ministério da Agricultura, para fornecimentos, uma parte delas era trazida por políticos ou patrocinada por políticos. Era absolutamente indispensável subtrair à acção política tudo que dizia respeito a subsistências. Por isso criei o comissariado das subsistências.

Singular é que, tendo o Sr. Cunha Leal feito parte de um governo anterior e desde que atribuiu a esse organismo tam graves consequências, não procurasse acabar com o Comissariado dos Abastecimentos.

O Sr. Orlando Marcai:—^E, porventura, V. Ex.a sabe se o Sr. Cunha Leal não se esforçou nesse sentido?

O Orador: — Até este momento ignoro-o.

Se a questão do comissário dos abastecimentos fosse em relação a essa matéria uma questão vital, se eu fosse Ministro, não daria solidariedade a um Govêr-no que mantivesse o Comissariado dos Abastecimentos. Não a daria então e não a daria agora.

Mas, Sr. Presidente, quando eu criei o Comissariado dos Abastecimentos, anunciei à Câmara que ia empregar todos os esforços para estabelecer a liberdade do comércio.

Fi-lo pouco a pouco, procurando resol ver, por meio de contratos, o problema de fornecimento do trigo.

No acto da posse do comissário dos abastecimentos, disse que era preciso encher a casa.

Não havendo no país as subsistências indispensáveis ao consumo público, era efectivamente necessário encher a casa e dar ao comércio português as garantias indispensáveis para ele realizar as mais largas aquisições de géneros.

Os preços nunca atingiram uma alta demasiada, mas quando se regressou ao sistema das restrições, o mercado ressentiu-

se, e agora, por exemplo, há uma grande falta de azeite, e os óleos que o podem substituir não são do agrado do público, ou então vendem-se por um preço tam exagerado que o consumidor prefere pagar o azeite por preço superior ao da tabela a ter de recorrer a. esses sucedâneos.

Só em relação ao açúcar, em que se manteve a liberdade de comércio, é que o povo português não tem sentido falta no mercado.

Com relação às subsistências, em que continuou o regime de restrições, a falta tem continuado e só se podem, adquirir os géneros clandestinamente e por preços superiores aos da tabela.

A venda clandestina com lucros fabulosos continua.

E certo, Sr. Presidente, que os jornais de grande circulação não têm feito, em relação ao estado actual, a mesma campanha que fizeram antes da constituição do meu Governo, mas nem por isso a situação deixa de ser a mesma.

Atribuo um pouco a razão deste silêncio da imprensa ao facto de, com o Comissário dos Abastecimentos trabalharem alguns elementos avançados, como o escritor operário Carlos Eates.

E é bom que assim seja para que o operariado veja que o regime do tabelamento e da restrição, é impossível para normalizar o mercado português.

Os problemas são sempre extremamente simples. Só são complicados pelos interesses dos homens e pelas conveniências dos Partidos.

Este problema, em Portugal como em toda aparte, é um problema de produção.

O que é indispensável é ordenar todas as forças produtoras de forma a alcançarmos a maior produção.

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É preciso, para o aproveitamento dos baldios e dos incultos, que se dê ao capital maiores regalias do que aquelas que constam do decreto.

No que diz respeito à plena execução desses decretos e dos respectivos regulamentos, o Governo não encontrará da minha parte senão o mais ixexcedível apoio e o mais sincero desejo de colaboração.

Sr. Presidente: quando constituí o Governo a que tive a honra de presidir as informações do meu Ministério a respeito das perdas que o Estado sofreria em relação ao fornecimento dos trigos exóticos foram de que subiam a uns 50:000.000$ anuais, estando o câmbio a 12. Calculo que hoje, ao, câmbio do dia, não podem ser essas perdas inferiores a 100:000.000$.

Com um orçamento cujo déficit .é superior às receitas há o direito de preguntar por parte do país se se pode prolongar este estado de cousas, porque nem sequer os prejuízos sofridos pelo Estado revertem em benefício exclusivo das classes necessitadas.

Ao contrário, o preço do pão aproveita a todos igualmente, ao operário, como ao industrial, ao proprietário e ao capitalista.

Lembro novamente à Câmara a frase pronunciada pelo Sr. Ah ares Cabral no Senado, que se via envergonhado quando se sentava à Mesa e verificava que o pão que comia era pago em parte pelo Estado.

E preciso acabar com este regime de favoritismo às classes privilegiadas. (Apoiados).

Disse-o quando fui Ministro, repito-o novamente.

A política que=se tem seguido em Portugal, em matéria de subsistências, não nos conduz a uma protecção feita às classes necessitadas e reverte a cada passo num regime de favoritismo, injustiça e especulação.

Tivemos um momento único para desenvolver a lavoura nacional.

O preço mundial do trigo era incentivo mais que suficiente para aproveitar à lavoura, cultivando os mais ignorados recantos da terra portuguesa.

Mas os Governos preferem sempre 'pagar em ouro por preços elevados o trigo exótico, do que pagar em papel pelo mesmo preço o trigo nacional.

Começou a discutir-se o lucro do lavrador, chamou-se-lhe ladrão e especulador ; ao acaso reduziu-se o preço do pão, conforme o arbítrio dos Governos, conforme o arbítrio de comissões, e daí resultou que não só a nossa área de produção não foi aumentada, como, pelo menos este ano, foi diminuída.

O Sr. Estêvão Pimentel: —«; V. Ex.a dá-me licença?

Eu estou a ouvir V. Ex.a com toda a atenção e para não ter de pedir a palavra mais uma vez, desejo antes de mais nada lazer-lhe uma pregunta:

O Orador: — Sem dúvida. Mas continuando: anteriormente à guerra, tínhamos um regime proteccionista da lavoura nacional; a moagem era obrigada a comprar ao lavrador o trigo nacional por um preço superior ao preço mundial, e como a produção nacional não chegava para o consumo, a moagem ia ressarcir-se dos prejuízos sofridos com essa compra ao trigo exótico, que comprava mais barato. Veio a guerra e quando nós precisávamos de ouro, inverteram-se completamen-te os termos: passámos a proteger a lavoura estrangeira, comprando a ouro e pelo preço do mercado o trigo exótico e obrigámos a lavoura nacional a vender o trigo por um preço inferior ao mundial e pagando-lhe em papel.

Esta ó a diferença entre os dois regimes.

Estou certo de que — e não é preciso normalizar-se o câmbio — bastará que ele melhore sensivelmente, para que nós caiamos imediatamente na inversa, protegendo novamente o trigo nacional, obrigando a moagem a comprá-lo ao preço mundial e permitindo-lhe que compre por sua conta o trigo exótico, para se ressarcir dos prejuízos da outra compra. E andaremos assim eternamente num regime - de ocasião, sem aproveitarmos nem antes nem depois da guerra as circunstâncias para o aumento da área cultivável em Portugal.

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tanto,, que êsso preço foi determinado de acordo com esses representantes. Sei também que o preço estabelecido por essas comissões, sendo inferior ao preço mundial, preço por que se vendia em Espanha, pouco importava que um representante da lavoura o aprovasse ou não, porque o trigo português sempre que fosse possível emigraria para Espanha, pela lei imutável das cousas, pela Jei da oferta e da procura, a que ninguém se pode negar. E não tenho que procurar os actos praticados pela lavoura, não tenho que procurar os erros em que a lavoura con-sõntlu, tenho apenas de apreciar o problema sob o ponto de vista dos interesses nacionais; o que sei é que a esta hora em que nós temos, porventura, de regressar à chamada lei da fome, nós não aproveitamos as circunstâncias fornecidas pela guerra pára aumentarmos a área da cultura cerealífera, que está na rnesma, se, porventura, este ano não ficou reduzida.

É certo que concorreu para a redução dessa sementeira a greve ferroviária, que impediu a sementeira do inverno pela falta de condução dos adubos indispensáveis, mas também é certo que a sementeira da primavera se não fez por forma a compensar a falta da primeira.

Se o Governo não adoptar medidas que directa e indirectamente protejam a lavoura nacional, dentro em pouco nós estaremos submetidos ao mesmo regime de fome do período da guerra. £ São as medidas já promulgadas nesse sentido suficientes? Quere dizer:

O Sr. Estêvão Pimentel: — Pelo regime actual, a moagem é obrigada a comprar ao lavrador todo o trigo que ele manifestar a preço determinado. £ Desde que se estabeleça o preço mundial do trigo, que varia de um dia para o outro, como pode a moagem adquirir esse trigo a um preço fixado por lei?

O Orador:—Deixe-me V. Ex.a concluir o meu -raciocínio e eu responder-lhe hei.

Eu creio que esses subsídios são necessários, mesmo que se estabeleça o jireço mundial do trigo.

O Sr. Dias da Silva: — Ato hoje a lavoura não recebeu um centavo de subsídio.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(BerLíirdino Machado): — Isso não é exacto. Vários Ministros" da Agricultura, depois do Sr. Antópio Gran jo, tGm concedido subsídios à lavoura.

O Orador: — Efectivamente esses subsídios passaram a ser dados regularmente depois de eu ter sido Ministro da Agricultura.

A concessão do subsídio aos compradores de' máquinas agrícolas que o fizeram anteriormente à promulgação da lei que o confere, é justo; injusto seria colocá-los numa situação de desigualdade relativamente àqueles que as adquiriram depois da lei, tanto mais que se tratava apenas de uma ou duas aquisições: uma de um sindicato agrícola e outra de um lavrador alentejano.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Eu discordo da concessão do subsídio para a aquisição das máquinas agrícolas, por isso que estou absolutamente convencido de que se elas não têm tido um grande emprego no nosso país não é por falta de subsídios, mas simplesmente porque o lavrador, em face do resultado obtido nas experiências já realizadas, se não convenceu da sua conveniência.-

Apesar de bastante novo, eu recordo--me ainda da relutância com que foram recebidas as primeiras debulhadoras introduzidas em Portugal-e lembro-me de que ao fim de algum tempo, apóf? se verificarem os excelentes resultados obtidos, todos os lavradores principiaram a adquiri-las, a tal ponto que hoje, pode dizer--se, não há lavrador importante que as não possua. E a adopção definitiva da debulhadora fez-se sem necessidade de estabelecer subsídios.

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vrador se convencer da sua eficácia sem necessidade de tais subsídios.

-O Orador: — S. Ex.a com o caso que apontou só veio confirmar a necessidade de estabelecer esse subsídio.

O lavrador tem sempre receio de se meter em innováções pela possibilidade de perder o seu dinheiro ; nesta altura é que se torna necessária a concessão do subsídio. É 'claro que depois dele se compenetrar das vantagens das máquinas agríco-colas e de as adoptar regularmente, esse subsídio se torna absolutamente dispensável.

O Sr. Estêvão Pimentel : — Em teoria V. Ex.a tem razão. Efectivamente assim devia ser, mas não é, porque se o Estado vai comprar máquinas agrícolas o fornece Ias aos postos agrários, para estes praticamente patentearem as vantagens da sua utilização, o lavrador nunca mais as adquire, tam farto está ele de verificar a improdutividade desses postos o a inconveniência dos seus processos.

O que é preciso é que os principais lavradores de determinada região as adquiram e as utilizem, e ossos não precisam do subsídios. V. Ex.as sabem que em todas as regiões existem sempre dois ou três lavradores que pela sua fortuna ou pelos seus conhecimentos são verdadeiros oráculos. Basta que esses indivíduos comecem a empregar essas máquinas, com resultado, para que todos comecem a utilizá-las. Eniquanto isso se não fizer, com subsídio ou som ele, a introdução regular dessas máquinas não passa duma aspiração da nossa

O Orador: — Não chagam a ser objec-ções as palavras do Sr. Estêvão Pimen= tel; ao contrário, elas constituem excelen= tes argumentos em meu favor.

Se a administração dos postos agrários fosse feita competentemente e da sua acção resultasse um exemplo que servisse de estímulo e de lição aos agricultores, decerto esse subsídio não seria necessário, porque eles se apressariam a imitar os seus processos, adquirindo as mesmas máquinas e os mesmos utensílios.

O posto agrário tem ainda o velho de-• feito do- se deixar dominar por um espírito meramente teórico i

Não é exacto que os lavradores em Portugal, mesmo sem subsídio, tenham feito experiências de lavoura mecânica, como aqui foi dito.

Somente no Ribatejo alguns as fizeram, mas, conforme se verifica, alguns desses lavradores realmente perderam dinheiro, e é então justo que o subsídio se dó a esses lavradores para que façam experiências com mais confiança, para que a lavoura com maquinismos entre, no seu sistema, e isto principalmente no Ribatejo.

No norte, onde os terrenos são muito acidentados, a lavoura mecânica não daria resultados, pois seria necessário empregar tractores de grande força.

Onde a lavoura, com maquinismos^ tem lugar apropriado é no Ribatejo.

Desde que esse sistema de cultura entre nos nossos costumes, no sou período de experiências o Estado não se deve retrair a dar subsídios, porque com o au* mento da produção, pelo respectivo imposto, o Estado receberá em duplicado ou em triplicado as quantias que despendeu. (Apoiados).

Por isso sou pelo subsídio à lavoura, para esse fim, e sou ainda pelos prémios de cultura, mas não sou. pelos bónus de adubos.

Não sou pelos bónus de adubos porque eles não seriam aplicados à devida cultura, à cultura dos trigos, mas nas culturas da aveia e em outras, para as q.uais não ó conveniente o subsídio.

Apartes.

Foi por estas razões que eu resisti a solicitações para a concessão dôsses bónus, porque não teriam a devida aplicação.

Apartes.

Desde que o preço do trigo desse menos lucros que a aveia, o lavrador aplicaria o adubo para a aveia, porque procura sempre o maior lucro, como o comerciante e o industrial.

Apartes.

O Sr. Estêvão Pimentel, lembrando-me as dificuldades que há em se aplicar o critério da compra de trigo nacional pelo preço mundial, visto que esse preço varia dia a dia, dissera anteriormente que a moagem era obrigada a comprar o trigo nacional ao preço estabelecido pela respectiva comissão:

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a moagem é obrigada a adquirir o trigo nacional.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Se não sucede assim, é porque, então, não se cumpre a lei.

0 Orador: — Necessariamente. A realidade não corresponde às leis.

1 Que importa que a moagem tenha de pagar o trigo por um determinado preço, se isso não traz benefícios para a lavoura? O lavrador podendo vender o seu trigo mais caro do que o preço da tabela oficial, vai evidentemente vender o seu produto a quem melhor lho pague.

Trocam-se apartes.

O Orador: — Não há inconveniente nenhum em que o Governo resolva, por um decreto, estabelecer para a lavoura nacional o preço mundial do trigo.

Não há nenhum inconveniente, sob o ponto de vista da realização dessa idea. Não é segredo para ninguém que na Inglaterra se estabeleceu o preço mundial para o trigo.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Não é bem um preço mundial, ó um preço fixo.

O Orador: — Sr. Presidente: ninguém ignora que em Inglaterra o preço do pão chegou a variar de semana para semana.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Mas na Inglaterra e na França há um regime proteccionista que não existe em Portugal.

O Orador: — Dentro do preço mundial é preciso o regime proteccionista. Mas o caso é simples.

Nós não possuímos máquinas agrícolas, e temos de as importar pagando em ouro; nós não temos adubos, e temos de os pagar em ouro; nós não temos organismos próprios para uma conveniente selecção das sementes, como lá fora existem.

Todos sabem que o centro comercial dos trigos ó Londres, e que a sua cotação é ali fixada. Os trigos vêm da América do Norte e da Argentina, e estes últimos, apesar de passarem nas costas de Portugal, preferem aqui não descarregar.

Mas a protecção pode fazer-se por prémios à cultura, por subsídio» às máquinas agrícolas, subsídios que aliás já estão estabelecidos.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Mas nós não somos uni país cerealífero, e a nossa produção de trigo ó tam pequana em relação à dos outros países que nós não podemos competir com eles, embora o câmbio esteja normal.

O Orador: — Sr. Presidente: segundo a opinião dalguns técnicos, as nossas condições climatéricas, não são favoráveis à cultura do trigo, mesmo ainda porque os nossos rios são muito caudalosos, não se sabendo mesmo se se poderá fazer uma irrigação no Alentejo.

A guerra mostrou que é indispensável que os países se- bastem a si próprios, c sem pão não há meio de uma nacionalidade se defender.

Eu poderia levar a hipótese a este ponto que não é exagerado: precisamos cuidar do pão com o mesmo sentimento ardente com que tratamos do exército.

E por isso que o subsídio à lavoura é essencial e tanto inais largo quanto possível. (JE o que se tem feito?

E que em vez de se proteger a lavoura tem-se protegido a moagem.

Por virtude duma lei atribularia, caótica, feita ocasionalmente, sem nenhuma espécie de pensamento do Governo, não correspondendo por forma alguma à realidade, por virtude dessa lei, repito, multiplicaram-se as fábricas de moagem, dando--se a essas fábricas, para laboração, conforme a sua capacidade, umas tantas toneladas de trigo, e assim as; respectivas empresas multiplicavam as suas fábricas para terem mais trigo, acontecendo êsle caso formidável: é que, faltanco, como nos faltam, os maquinismos para as cousas mais essenciais à vida, temos uma indústria de moagem dez vezes superior às necessidades do país.

Quando estive no Governo pensei, e nestas considerações vai um pouco do resposta aos apartes do Sr. Estêvão Pimentel, pensei que esse estado de cousas não podia continuar e que era preciso reduzir a indústria da moagem ao seu valor.

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ram concordes com o meu ponto de vista.

Não pode prolongar-se uma situação destas: há em Portugal fábricas de jnoa-gem que só laboram três meses no mesmo ajio.

O Sr. Estêvão Pimentel:—Há algumas que não laboram nenhum tempo e recebem trigo como se laborassem.

O Orador:—A situação é de tal forma espantosa que as fábricas mantêm o seu pessoal como se laborassem todo o ano, e o povo português está assim a sustentar uma indústria quo não é, de facto, parasitária, mas tam prejudicial como se o fosse, realmente. (Apoiados).

Vozes:—Muito bom.

O Orador:—É preciso que se modifique este regime cerealífero, quer em relação ao trigo, quer em relação ao pão, que tem de ser vendido pelo preço por que o Estado o paga. (Apoiados).

Lembrei há pouco que se tratava apenas de fornecer as classes menos necessitadas, e estabelecer, embora provisoriamente, o regime das senhas para fornecimento de pão.

Parece-me que o Governo prestará ao país um altíssimo serviço terminando com o preço político do pão, e que a Câmara se honraria tomando esse compromisso, e mostrando ao Governo qual o caminho que de\e seguir nesta matéria.

Lembrarei, e chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério, que a Câmara italiana é constituída na sua maioria por dois partidos, o socialista e o popular católico, que são ambos dois partidos de feição avançada em matéria económica.

Um deles tem sido acusado mesmo de certo carácter bolchevista.

Ao estabelecer-se o preço político do pão, que se manteve durante muito tempo, o seu câmbio teve sempre uma divisa desfavorável, o que é natural.

Pois foi essa Câmara que emitiu o voto de que o Grovêrno terminasse com o preço político do pão.

Isto, Sr. Presidente, aconteceu há pouco mais de um mês, por se ter visto que igual procedimento por parte da França tinha

trazido as melhores consequências para o seu câmbio e para a sua produção.

Creio, .Sr. Presidente, que o pedido de autorização feito a esta Câmara pelo Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Agricultura terá por parte de alguns Deputados uma certa oposição, por isso que é justo saber o que o Governo pretende fazer à sombra dessas autorizações.

Estamos, Sr. Presidente, precisamente num período em que precisamos saber qual o ivgirne que se vai seguir, isto é, se se continua no regime das restrições, ou se se entra no caminho do comércio livre.

Lembro a V. Ex.a, Sr. Presidente, que na América não há restrições de espécie alguma, há liberdade de comércio.

Lembro que em Inglaterra se fizeram algumas restrições no que diz respeito a subsistências só durante a guerra, pois pouco tempo se. mantiveram depois da assinatura da paz.

Lembro que em França os próprios armazéns reguladores de preços não deram resultado algum e que o único sistema que nos pode dar algumas vantagens num prazo mais ou menos curto, segundo a competência dos Governos, é a liberdade de comércio, e à liberdade de comércio, Sr. Presidente, tem de corresponder fatalmente a liberdade de trabalho.

E preciso, Sr. Presidente,, que não tenhamos medo das palavras.

Mantenha-se muito embora o regime das oito horas de trabalho, mas permita-se o trabalho extraordinário a quem o quiser exercer.

O Sr. Estêvão Pimentel:—Eu devo dizer a V. Ex.a que no campo não há as oito horas de trabalho; trabalha-se de sol a sol.

O Orador : — Perfeitamente de acordo; porém, o quo eu digo é que desejo que haja liberdade de trabalho, isto é, que todo aquele que assim o queira, por ter maior número de pessoas de família a sustentar, possa trabalhar além das oito horas.

Interrupção do Sr. Augusto Dias da Silva, que se não ouviu.

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as oito horas, ainda vá, mas que se negue ao operário o direito de ganliar mais dinheiro pelo seu esforço e pelo seu trabalho, essa é que se não compreende, e devo dizer mesmo que é uma violência.

Estabelecido o preço mundial do trigo, eu creio que se desenvolveria notavelmente a área da cultura em Portugal; assim como creio que desaparecendo os fa-voritismos da nossa legislação à moagem, esta reduziria a sua acção às proporções necessárias.

Devo ainda lembrar que as nossas condições climatéricas não são favoráveis à cultura dos trigos, principalmente porque o regime das cheias é muito irregular; por isso devemos lançar os olhos para os planaltos de Angola, onde já uma parte de capital há empregado por homens que a essa tarefa se têm devotado.

Tal medida seria de todo o ponto conveniente para suprir o actual déficit, mas é preciso que o Governo dê todas as facilidades e meios necessários para fomentar a cultura cerealífera em Angola, produzindo . lá o trigo para a colónia e o necessário para cobrir o déficit do cpnti-nente.

Dentro de dois anos, nós teríamos resolvido a questão cambial.

O Sr. Dias da Silva:—Resolvida em parte.

O Orador: — E depois de resolvida a questão cambial teríamos a questão financeira a entrar em solução; do contrário, dificilmente resolveremos o problema económico e financeiro.

Nem tabelamentos iiem restrições de qualquer ordem poderão resolver o problema, tudo isso servirá apenas para continuar a alimentar os especuladores, a política continuará a ser sempre Eum veículo de tratantes e espv^culadores de toda a espécie, não ] orqu.) os políticos se mancomunem com f-sses tratantes e especuladores, mas porque a organização actual lhes serve admiràye':nente para a sua especulação.

Sr. Presidente: espero assim que a minha moção receba o voto favorável desta Câmara; parece-me que nenhum escrúpulo haverá em ela ser aprovada, porque se é certo que o Governo não nos disse o caminho que b á a sejpiir, se ó

certo que não nos informou devidamente do sentido dos decretos que se propõe publicar, com esta moção por mini apresentada damos ao Governo uma autorização, é certo, mas também lhe impomos um mandato dentro do qual a sua acção ter?í de se desenvolver.

O Governo fica sabendo qua\ a vontade da Câmara, e a Câmara fica certa de que o Governo cumprirá a sua vontade.

Tenho dito.

Lida a moção, foi admitida.

O orador não reviu.

O Sr. João Gonçalves : — Sr. Presidente : poucas palavras tenho a acrescentar às que ontem proferi nesta casa do Parlamento.

Apesar do Sr. António Grã ajo, ilustre paladino da liberdade de comércio, ter vindo à liça em defesa da mesma liberdade, ó justo acentuar que S. Ex.a nfio se declarou abertamente a seu favor. Falou em liberdade de comércio com restrições, por emquanto, de fornia a preparar o caminho para a plena liberdade de comércio. Creio que é essa a aspiração de todos nós.

As medidas que se têm adoptado sobre subsistências têm sido postas em prática de tal maneira que não temo» noste momento indicadores seguros sobre a facilidade da execução dessas mesmas medidas. De tal maneira só tom conduzido a política portuguesa que, quando se estabelece um determinado critério, logo os interessados estão na certeza de que passados dias essas medidas hão-de ser mo-difica

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Esse sol nascente, era o sol da liberdade do comércio. Não me quero esquecer do que sucedeu com o azeite, em que certas criaturas me declararam que estavam prontas a entregar todo o azeite que possuíam, para depois não terem pejo de provocar uma alta de mais de 400 por cento. [Apoiados).

O Sr. António Granjo teve a rara coragem de lançar-se no caminho da liberdade de comércio, mas os interessados não souberam corresponder ao seu gesto, e tanto assim foi que S. Ex.a teve de arrepiar caminho para fixar o preço do azeite, porque era um género de primeira necessidade e ele estava escandalizado com as. manigâncias que se faziam com esse produto. Teve até (|e nome;ir uma comissão para estudar a forma por que se devia vender o azeite. Quero dizor, S. Èx.1'1, grande paladino da liberdade de comércio, receou as consequências dessa liberdade.

r.Mas qual é o motivo porque não temos hoje azeite jio mercado, apesar de existir a tabela? E que em matéria de subsistên-cias, os que estejam na pasta respectiva precisam de estar sempre munidos das autorizações necessárias para actualizarem as medidas o agirem constantementc, sob o perigo de se perderem. Tudo se torna improdutivo quando a certa altura a alguém, tendo um plano de trabalho, lho faltam aqueles meios para poder actuar. Foi o que me sucedeu! O comércio do azeito estava completamente ligado ao comércio das oleaginosas, e desde que me faltaram os meios necessários para providenciar, para que o óleo fosse vendido a preço inferior ao do azeite, o meu plano sobre azeites teve de fatalmente srr' alterado. Assim não se pode produzir, e tanto mais quando as comissões são sempre organizadas pela forma como costumam ser, com a agravante do empecilho da máquina burocrática, que tudo emperra. Foi dêsso modo que quando quis fazer alguma cousa me faltaram as autorizações parlamentares. E os interessados conheciam tam bem os nossos costumes que trataram de guardar o azeite para provocarem a sua alta.

Quanto ao caso de se querer fornecer ao público os óleos comestíveis, eu devo dizer a V. Ex.a que p nosso povo não está acostumado a êlps e por isso tem'uma

certa repugnância cm os aceitar. Desse modo, é 'necessário fazer os lotes, mas só o Estado os poderá fazer. (Apoiados).

E tal a febre do lucro que eu, pagando as sementes oleaginosas ao preço mundial, em escudos, encontrei fortes relutâncias para obter e conseguir a fixação desse preço.

Em matéria de abastecimentos não pode haver leis rígidas, mas só jeis de carácter transitório, tendo do adoptar-se as várias-medidas conforme as circunstâncias económicas, não só do país, mas de todo o mundo.

Nós, quo tanto defendempspcritérip dos armazéns reguladores, precisamos, tpda-Aia, de nos acautelarmos com a acção desses armazéns, que podem constituir um grande prejuízo para o Estado, comprando na alta e venijendp na" baixa.

Quando fui Ministro da Agricu]tura chamei por várias vezes a atenção, de quem superintende nesses serviços para a tendência do baixa de per tos artigos, como o arroz, no sentido de que houvesse toda a cautela na compra desses artigos., a fim. de o Estado não sofrer grandes prejuízos.

Falou-se aqui muito acerca da política do pão e do preço do trigo.

Eu também sou partidário do que é preciso, à semelhança do que só fez no estrangeiro, caminharmos para a política de perdermos o menos possível no pão.

A verdade, porém, é que não podemos dar uni salto brusco no preço dos trio-os, dado o nosso agravamento cambial.

A própria França, que está em raelho: rés condições do que nós, sob o ponto de vista do câmbio, não teve a coragem de abruptamente fizer isso. Á pouco e pouco tem perdido r. i anos, mas, segundo estou informado, ainda perde no preço do pão.

Para .que p Estado fosse a pouco e pouco perdendo menos, eu tencionava publicar um decreto, permitindo que fosse aumentado o preço do f:rigo a entregar à moagem.

Vários Srs. Deputados interrompem o orador.

O Qrador:—Não se esqueça que ç uma comissão composta de lavradores .que fí-~ xá o preço do trigo.

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O Orador: — Foi um erro tabelar o preço do trigo, deixando livres de tabelamento os outros produtos panificáveis.

Apresentou-se o alvitre de o trigo ser pago pelo preço mundial.

Esse preço mundial é uma história muito interessante que eu ouvi na Associação de Agricultura, preço que muitos não aceitaram por vários motivos, uns por ser baixo, outros pela dúvida de se saber qual o preço que se devia estabelecer, se o da Roménia ou da Argentina.

Apartes.

Sucedeu poucos dias antes que, tendo melhorado o câmbio, o trigo ficava a um preço mais barato que o trigo de-Portugal.

Em França o trigo chegou a um preço tam baixo que os lavradores ficaram apavorados, tendo reclamado medidas de protecção.

Apartes.

Para se estabelecer uma média de pre-ÇO do trigo é necessário que se saiba qual a desvalorização da libra em relação ao dólar.

Apartes.

Se eu fosse estabelecer aos géneros da lavoura o preço do câmbio — para o arroz, por exemplo- sucederia um tremendo desastre, pois que este género tende a descer cada vez mais, e a lavoura não quere entregá-lo por menos de 1$20.

Veja V. Ex.a a que tristes consequências e irreparáveis prejuízos podia levar essa pretensão louca, própria de dementados ou de especuladores de ocasião, que não vêem senão o lucro de momento. Isto seria meter mais interessados na nossa divisa cambial.

Estamos todos com os olhos fitos em Angola, mas eu entendo que nós devemos olhar mais para a metrópole, aumentar a nossa produção no continente.

É indispensável que se adoptem as medidas necessárias para que o trabalhador rural possa possuir a terra que cultiva, e não estarmos à espera das cebolas do Egipto, sem cousa alguma fazermos.

Em Angola têm-se feito pequenas experiências, mas, técnicos dizem não se saber ainda ao certo se podemos contar com uma grande produção. No em tanto, não devemos pôr de parte as esperanças que nos vêm de Angola, mas também não

devemos esquecer o que devemos à nossa terra, para defesa do nosso património.

Sr. Presidente : ainda aqui senão falou sobre a questão da capacidade da moagem e do rateio.

Realmente há muitas moagens que não trabalham e que recebem trigo indevidamente, porque eles reúnem-se e adquirem muitas fábricas, quando, afinal, são apenas duas que trabalham.

Oxalá nós entremos numa boa política de abastecimentos, criando-se as condições indispensáveis ao êxito das medidas que as circunstâncias aconselhem.

O orador não reviu.

O Sr.' Augusto Dias da Silva: —Vem o Governo pedir mais uma autorização, tam larga, que eu não a compreendo, porque é a maior das ironias lançadas a este Parlamento.

Não há dúvida que o Governo, cons-tantemente, sem se importar com a Câmara, atropela-a lei.

Isto causa tristeza.

Isto é uma troça lançada a esta Câmara.

Desejava saber se o G o verão não precisa de autorização para atropelar a lei que permite a liberdade de reunião.

Todos sabemos que o Sr. Presidente do Ministério mandou encerrai- o sindicato dos manipuladores.

Para isto, S. Ex.a não precisou de autorização especial.

£ Como explica o Sr. Presidente do Ministério este atropelo da lei?

S. Ex.a só precisa de autorização para este caso especial.

Mas não é só a propósito da liberdade de reunião.

Foi votada nesta Câmara uma amnistia para os presos por questões sociais, e os ferroviários ainda estão presos, e não me parece que o estejam à sombra dal-guma autorização.

O Sr. Presidente: — Pedia a V. Ex.a se cingisse à matéria.. .

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explicasse a razão por que não precisou de autorização especial para manter nas empresas jornalísticas os militares que lá estão.

Não compreendo; 'e como não compreendo, declaro que não voto as autorizações que S. Ex.a pretende arrancar a esta Câmara.

Foi-me dado ouvir hoje nesta casa do Parlamento algumas apreciações às nossas condições económicas e financeiras. Mas é extraordinário como certos parlamentares procuram andar à roda desta questão.

A forma como o assunto tem sido tratado ó realmente interessante; não tenham V. Ex.as dúvidas disso.

Tom-se falado muito nesta casa do Parlamento no regime cerealífero e pretende-se, ao que parece, mudar esse regime com o intuito de proteger a lavoura do nosso país, permitindo-lhe que ela venda o.s seus trigos ao preço da cotação mundial, e no que todos estão de acordo.

Isto, Sr. Presidente, é verdadeiramente extraordinário, e o que eu digo é que este estado de cousas não pode continuar assim.

Concordo que a vida está verdadeiramente insuportável e que a classe média não pode suportar novos agravamentos, mas daí a dizer-se que a classe média é a única que se encontra numa situação verdadeiramente angustiosa, não estou de acordo, pois que ela está angustiosa para-todos, e neste ponto permita-me a Câmara que lhe diga que o operário lá fora ganha> muitíssimo mais do que ganha entre nós.

Dizer-se que é muito o que um operário ganha por dia, isto é, uma libra, ou seja 4$50, é um erro, pois que isto é nada, comparado com o que os operários ganham lá fora.

Os operários lá fora, Sr. Presidente, ganham vinte vezes mais do que entre nós, e assim eu preguuto se é possível viver com os ordenados que eles aqui têm ?

Neste ponto, Sr. Presidente, estou perfeitamente de acordo com o que aqui disse o ilustre Deputado o Sr. Norton de Matos, que num belo discurso que aqui fez demonstrou e muito bem o que eu acabo de dizer.

E preciso que V. Ex.as se convençam de que hoje, da maneira que está a vida, se não pode viver com menos de 10$ a 20$,

por dia, e para isso necessário é que não haja muitas pessoas de família, basta ter apenas uma, pois, de contrário não poderão alimentar-se convenientemente.

Isto, Sr. Presidente, é que é uma verdade.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — \r. Ex.a está fazendo o confronto dos ordenados que os operários têm lá fora, com o que ganham entre nós; porém, do que se esqueceu foi de fazer também o confronto entre as despesas que eles lá têm, com as despesas que os nossos fazem, o que é realmente muito importante e para considerar.

Pode V. Ex.a ter a certeza absoluta de que os operários entre nós vivem muito mais barato do que em qualquer outro país.

O Orador: — Em Portugal temos pessoas como o Sr. Alfredo da Silva um industrial muito inteligente, e contra quem não me move nenhuma iná vontade, mas que o Estado não devia consentir que retirasse da sua indústria lucros de 30, 40 e 50 por cento.

O Sr. Presidente : — Era melhor V. Ex.a não~ estar a individualizar, não nonear pessoas.

O Orador: — Neste país existe a Companhia União Fabril que é um colosso, e a moagem que é outro colosso, e parece impossível que áe consinta semelhante cousa, que os Deputados da extrema direita o permitam.

O Sr. Afonso de Melo: — O Estado que tem o monopólio do trigo não tem o das farinhas.

O Orador: — Não compreendo tamanha protecção "à moagem. O qne me admira é que homens como o Sr. Afonso de Melo não venham para o Partido Socialista.

Não só compreende que a Moagem não esteja nacionalizada, e que V. Ex.as defendam aqui a sua própria miséria.

O Sr. Inocêncio Camacho quando foi Ministro concordou comigo em que se devia nacionalizar a Moagem.

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O nosso maior mal consiste exactamente em que a indústria em Portugal não tem condições de vida, sendo absolutamente parasitária e apenas servindo para sustentar meia dúzia de indivíduos que se dizem industriais e que vivem regaladamente, quando têm apenas oito ou dez operários trabalhando nas suas fabrique-tas, a que dão o pomposo nome de fcibricas.

Há já dois anos que aqui apresentei um projecto de concentração industrial, som que até hoje ele tivesse tido as atenções dos Governos ou qualquer parecer das comissões.

Era já tempo dolo ser aprecú.do, porque, na verdade, se os industriais portugueses não têm a inteligência bastante para tratarem de se Unir, mal s<_ p='p' que='que' a='a' essa='essa' poderes='poderes' os='os' públicos='públicos' compreende='compreende' união.='união.' não='não' forcem='forcem'>

Parece que a nossa situação económica gira somente à volta do problema dos trigos e do problema financeiro, como se um ou outro, ou mesmo os dois juntos, pudessem, resolver essa situação.

E preciso dar aos trabalhadores uma educação especial, que impossível é proporcionar-se-lhes sem se criar o meio necessário. • .

Nos países civilizados onde se mantêm as grandes fábricas, estabelecem-se, simultaneamente, os grandes bairros operários, em que não faltam escolas e toda a espécie de assistência.

Quando tive a triste idea de aceitar um liigar de Ministro, fui à^Covilhã, onde me foi dado presencear a maior das vergonhas.

Irocam-se vários apartes.

O Orador: — Não se percebe realmente, Sr. Presidente, por que se anda à volta da verdade e não há a coragem de a encarar bem de frente.

Depois grita-se:

Í Nós, juizes, não ganhamos o bastante! ; nós, tropa, ganhamos pouco !

Tudo isso será certo, mas o ojie não *é admissível é que alguém pretenda fazer crer quo os operários vivem bem.

A este respeito, então, o Sr. António Granjo teve frases muito interessantes, especialmente no que se refere às oito horas, de trabalho.

É imprescindível que o Governo enfrente o problema da produção, e para

isto chamo a especial atenção do Sr. Presidente do Ministério.

É necessário quo as fábricas passem para a direcção do Estado, isto é, que sejam nacionalizadas, levando-se toda a indústria de produção à concentração que preconizo.

Lá fora. onde as indústrias e os capitalistas são inteligentes e têm uma vida bem diferente dos nossos, que qúâsi se limitam a descontos de letras, formam-se os trusts que têm por flui modificar as condições oconómicas das próprias indústrias.

Entro nós, ao passo que í orem surgindo alguns indivíduos do iniciativa e inteligência, os outros, que não souberam ou não q,iiseram unir-se, hão-de sor vencidos e arrastados à completa ruína.

Uma voz : — ! Porque a:nda há bom

i

O Orador: — Tem sido esse bom senso que tem íeito com q\u> quási te.ihamos de morrer do fome.

Estabelece-se di* ? .;são'entre o orador e vários Deputados.

O Orador : — Isto vai mal.

Sr. Presidente: parece-me que isto vai mal e muito mal. Toda a gente vê que seguimos um caminho errado : é a lei das oito horas para a direita, é a lei das oito horas para a esquerda, como se se pudesse admitir que um operário mal alimentado possa trabalhar rna:is de oito horas.

Apartes.

Lá fora os operários trabalham tanto como o nosso operário.

Aparte do Sr. Afonso de Mtio que não se ouviu.

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ilustrada, pode ser um belo artista, mas não ganha mais do que uma libra em papel.

Disse o Sr. João Gonçalves que tentou comprar aos nossos africanistas as oleaginosas pela cotação mundial e que esses patriotas tiveram a audácia de responder ao representante do Estado que não lhas vendiam porque esperavam coloca Ias por um preço mais elevado.

Isto é extraordinário.

Sr. Presidente: eu. vejo que toda esta gente, quando sobe ao poleiro, tem uma opiniãe perf. itaniente contrária àquela que defende quando está nestas cadeiras.

Eu, quando estive no poleiro, fiz tudo quando pude. E para me tirarem de lá chanuvam-inc incendiário e assassino.

Isto é uma fita de 40:000 metros, com o hom m macaco de cócoras, às 7 horas da tarde, atrás do biombo...

Risos.

O ouro que viesse da exportação do amendoim produzido pela nossa pequeníssima província da Guiné correspondia a 50 por cento das necessidades que o país tem para a compra do trigo que consome.

E isto o que não se explica, e é exactamente o que eu não posso compreender, que todos os homens públicos da minha terra, sabendo onde está o mal, sabendo onde o devem atacar, sempre que vão ao Poder não tom a coragem precisa para o enfrentar, perdem quási a noção das cousas.

Kós vemos até, agora, o Sr. Presidente do Ministério que, sendo contrário a tais medidas, nos vem pedir uma autorização parlamentar, mas não nos diz para que a quer e.

j Realmente eu não sei o que S. Ex.a pretende! E era interessante que o país soubesse o que o Governo pensa fazer em matéria económica. Mas mesmo S. Ex.a não sabe para que quere a autorização parlamentar, pois que nos diz que virá aqui depois trazer o resultado dos seus estudos, j Talvez S. Ex.a venha aprender connosco praticamente, visto que na sua idade já não se aprende com livros!. . .

Risos.

E extraordinário também que aqui não se venha dizer que é necessário permitir--so o aumento de salários, quando se declara quo as condições para o comércio

pioraram em consequência da baixa do câmbio.

£ Porque não se. permite esse aumento? Eu então estaria de acordo com V. Êx.as

O Sr. António Granjo: —

Há uma frase, já consagrada pelos eco* nomistas, que diz assim : acabou a guerra, acabaram-se os salários da guerra.

Quere isto dizer que se não há lucros de guerra, se se não dão esses lucros ao capitalista, ao industr/ial e ao comerciante os salários de guerra têm de desaparecer.

O Orador:—Estamos de acordo!

Mas se se permitem lucros de guerra a uns, têm ~de se permitir a outros. Porém, ^porque é que quando os trabalhadores do Alentejo quiseram, no uso do seu direito, emigrar para Espanha, ganhar menos que em Portugal, ao par, porque vão ganhar 2 duros, o que, aliás, para eles representava 20$, as autoridades portuguesas impediram a sua saída?

Isto é um a"buso de Poder, como agora o foi o acto do actual Sr. Presidente do Ministério mandando encerrar a Associação^ dos Manipuladores de Pão.

Este acto de S. Ex.a vem impedir que rapidamente, como é mester, se resolva essa magna questão do pão.

O Sr. Eduardo de- Sousa: —O que eu não compreendo é que falte o pão num país onde há tantos pãezinhos. (Risos).

O Orador: — Diz V. Ex.a muito bem. Efectivamente existe uma elite republicana, como no tempo da monarquia existia uma elite monárquica; principalmente depois de todas estas festas religiosas dos últimos tempos surgiu uma elite de adelai-dinlias e. .. pêras! (Risosj.

O Sr. António Granjo pôs as mãos na cabeça quando supôs que o regime das oito horas de trabalho se generalizava aos trabalhadores do campo.

Hoje 6 caso para os burgueses porem as mãos na cabeça, mas, no dia em que os trabalhadores trabalharem para si e não para meia dúzia de mandriões que vivem à sua custa, o regime das oito horas de trabalho há-de ser um facto.

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honrado e, no emtanto, vivi sempre à custa dos trabalhadores.

Depois, eu julguei, quando me meti nesta agitada vida política do nosso país, que os políticos da minha terra estavam realmente com vontade de fazer uma verdadeira transformação nacional, não a golpes de machado, mas evoluindo inteligentemente de harmonia com as circunstâncias.

Iludi-me, porém; nfio há possibilidade de se proceder eficazmente a uma política de reconstrução.

Os ministérios sucedem-se velozmente e a sua acção 'não tem sequência nem continuidade.

Muitos dos ministros que o são apenas por vaidade e por ambição, nada fazem nem sequer asneiras. (Risosj.

Esteve no Poder o Sr. António Granjo; governou com cabeça, com principies e com vontade, porém pouco tempo se demorou nas cadeiras do Poder e os outros que se lhe seguiram, apenas se limitaram a desfazer o que elo tinha feito.

E é assim toda a política nacional.. .

O Sr. Presidente: — Eu tenho de interromper a sessão, e se V. Ex.a deseja ficar com a palavra reservada.

O Orador: —Vou terminar já as minhas considerações.

Sr. Presidente: eu lamento esta dualidade de critério do Sr. Presidente do Ministério.

Não se compreende que se vote a amnistia e se mantenham na cadeia indivíduos que foram amnistiados.

Não se compreende que S. Ex.a, sendo republicano, pense de vários modos conforme as conveniências do Poder.

S. Ex.a interpreta as leis conforme lhe apetece e por isso não -posso aprovar a autorização que vem agora pedir à Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: devo declarar que o Governo deseja que a Câmara discuta vários assuntos, tais como o Orçamento, ato o fim do Junho, e outros também de carácter urgente.

Os Srs. Deputados estão no sou direito de discutir os assuntos com a largueza que entendam, mas faço votos para que o assunto em discussão se resolva o mais depressa possível para se tragar doutras questões.

Eu venho a esta Câmara pelir esta autorização obrigado por deliberações que foram tomadas por este Parlamento e que por ele foram julgadas necessárias.

O Sr. João Gonçalves veio dizer a esta Câmara que a questão dos trigos não se rosolvia com esta autorização porque a autorização quo existia tinha caducado.

. [partes.

Eu não venho pedir uma autorização, venho impelido pelo Parlamento dizer que, em quanto esto regime de abastecimentos durar, esta autorização é necessária.

Não venho portanto por minha espontânea iniciativa pedir quaisquer autorizações, como de resto já o provei:

Eu não quero demorá-los, mesmo porque estamos em tam pequeno número, que será preferível que a discussão fique para amanhã, mas no emtanto devo dizer que quero a mudança do actual sistema regulador do abastecimento público, para o que estou trabalhando, esperando quo, efectivamente, ele se possa transformar em liberdade de comércio.

Eu já ontem fiz uma exposição do plano governaíivo que tenciono pôr em prática, e esse plano tem três pontos capitais:

Primeiro, precisamos intensificar a produção nacional. Neste sentido a República tem feito uma obra digna Je todo o aplauso, cabendo uma parte muito honrosa ao Sr. António Granjo, pela série de medidas que S. Ex.a tomDu. Porém, eu entendo que essa intensificação deve ser feita pelos próprios lavradores, e nós devemos dar todo o impulso aos sindicatos agrícolas, para que eles resolvam esse problema.

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O terceiro ponto é fazer com que os próprios comerciantes fiscalizem as operações comerciais para honra deles, para manter o seu crédito. Para a realização deste ponto, conto com as associações comerciais do país.

Assim estou certo de que intensificando a produção, pelo apelo que se vai fazer aos Sindicatos, dando protecção às cooperativas e ao mesmo tempo organizando as forças vivas do comércio, cujo concurso ó indispensável, visto que felizmente nem todo é constituído de traficantes, alguma cousa, de útil se poderá fazer.

O Governo, pois, está no propósito de chamar a si as forças vivas do comércio da nação, para se regular a vida económica dos nossos mercados, fazendo com que, efectivamente, elo cumpra o seu dever, levantando assim o seu nome e o seu crédito.

Este é, Sr. Presidente, o plano que o Governo pensa cumprir num prazo ruais ou menos curto, plano este que se não pode realizar com o actual regime, isto ó, com o regime que se tem seguido até hoje, mas sim com o regime do comércio livre, e neste ponto devo esclarecer francamente que estou de acordo com a moção enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado o Sr. António Granjo.

O que é uma verdade é que o Comissariado foi cria.do pela força das circunstâncias, e foi então bem recebido, por isso que a desordem era geral e o estado económico da. Nação era verdadeiramente insuportável.

Não há dúvida nenhuma, Sr. Presidente, de que foram as próprias forças vivas que deram ao Sr. António Granjo todo o apoio de que S. Ex.a carecia, porque a verdade é que o comissariado não era evidentemente criado para estabelecer um regime cheio de ódios, mas sim unicamente para ir normalizando as cousas até chegarmos à situação que tínhamos antes da guerra.

Por todas estas razões, Sr. Presidente, ó que eu mandei lavrar a portaria que ontem comuniquei à Câmara, mandando estudar o estado actual dos abastecimentos e nomeei uma comissão para, depois de ter estudado convenientemente o assunto, estabelecer uma proposta para a transformação do regime intervencionista, a fim de que, sucessivamente, gradualmente e

sem perturbações, possamos regressar à normalidade que existia antes da guerra.

O Sr. António Granjo: — Eu devo dizer a V. Ex.a que foram esses exactamente os três pontos a que V. Ex.a se referiu, isto é, os Sindicatos Agrícolas, a Associação da Agricultura e as Cooperativas de Consumo, que eu tive em vista, quando fui presidente do Governo e Ministro da Agricultura.

A primeira parte consegui realizá-la; a segunda e a terceira não, pela resistência dos próprios comerciantes ao esforço do Governo.

Não quere isto dizer que eu não procurasse cartelizar o comércio de importação.

O que desejarei bastante é que V. Ex.* consiga ser mais feliz do que eu fui.

O Orador: — Tenho aqui a nota dos diplomas assinados por V. Ex.a e constato que, realmente, é a completa expressão da verdade o que afirma.

V. Ex.a, de resto, não precisa da minha confirmação, por isso que os seus diplomas falam por si, mas isso também quere dizer que o seu espírito não pode deixar de aprovar o plano que tenciono seguir.

O Governo não vem aqui dizer que improvisou um plano, mas sim que o tem já esboçado e que o formulará nitidamente perante o País.

Desde a primeira hora tenho procurado fazer com que se reduza cada vez mais o número dos artigos que estão fora da chamada liberdade de comércio, reduzindo as coacções, que muitas vezes produzem violências, a algumas das quais se referiu o Sr. Aboim Inglês.

V. Ex.a, arguindo essas violências, queixava-se dos funcionários; todavia,eu acho que nos devemos antes queixar do regime estabelecido, que aliás foi imposto por circunstâncias de força maior, como uma transição.

O regime é que é preciso mudar, castigando-se, evidentemente, quaisquer funcionários que prevariquem ou exorbitem, em prejuízo até dos fins para que a instituição foi criada.

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cessário, olhando não só à questão eco-dóniicii, mas, também, à questão política, porque eu não desejo que ninguém tenha motivos para se revoltar contra as instituições .'

. Se houver violências e elas forem frequentes, não se discutirá se são motivadas apenas pelo regiine dos abastecimentos, e atribuir-se hão as culpas, eni geral, às próprias instituições.

O Sr. Presidente: — Será, talvez, preferível V. Ex.a ficar com a palavra reservada para amanhã.

O Orador:—Peço a V. Ex." licença para fazer agora apenas mais umas breves considerações, como homenagem aos oradores que me antecederam.

Entendo, também, que não podemos continuar a todos os dias tornar cada vez mais aflitiva a situação financeira do País para resolver o problema dos abastecimentos.

Eu já ontem disse aqui que nós, em vez de nos abastecermos todos à custa do Tesouro, devemos fazer com que cada um pague o verdadeiro preço do pão que consome, não deixando de olhar para a assistência que é indispensável dar-se a todos os necessitados.

Estou trabalhando com esse intuito.

Aproveitando o trabalho dos meus antecessores espero conseguir uma redução no déficit a que o Sr. António Granjo se referiu, que tom sido de 50:000 contos e que, como S. Ex.'" dit>so, poderá elevar-se a 100:000 contos, atendendo-se à actual situação do câmbio.

You reduzi-lo já de 7:000 contos.

O Sr. António Granjo:—Isso não é nada. Pode até provir da diminuição de preço do trigo.

O Orador: — Muito ou pouco o que eu desejo acentuar é que os meus propósitos são também no sentido de conseguir que o Tesouro deixe de ter o pesado déficit que tem pelo actual regime de abastecimento de pão.

Já que se trata dum pedido de autorização, pedido que faço constrangidamen-te, permitam-me que responda ao orador que disse que eu solicitava autorização para abastecimentos, más que não pedia

autorização para desrespeitar a lei, como no caso, por exemplo, da liberdade de reiluião.

Acabamos de votar uma amnistia larga. ..

O Sr. Sá Pereira:—Escandalosamente larga.

0 Orador:— Sivja escandalosamentclar-ga, para mostrar quanto foi extensiva a todos os presos por questões políticas e sociais.

Foi larga, portanto, para que ninguém pudesse duvidar, neste momento histórico, dos sentimentos humanos da Kepúbli-ca Portuguesa.

Honrou-se o Parlamento. Essa obra seria bastante para todos lá for.a respeitarem o Parlamento da Eepública como sendo digníssimo representante da Nação.

Mas se a República acaba do fazer essa amnistia, a Eepública, o qae não podia do maneira nenhuma era consentir reuniões sediciosas. (Âpoiadcs).

E ó preciso notar: nós estamos neste momento homenageados pelas visitas dos nossos hóspedes que vieram como que iniciar a propaganda deste Portugal lá fora, e temos de contar com a grandeza destes homens que nos visitam.

1 E neste momento que se lançam bombas ! j Que há agitadores dentro duma classe!

Era minha obrigação mandar encerrar a ca?a onde se faziam essas reuniões; não era só um direito, era um dever, como chefe do Governo. (Apoiados).

Aqui tem o Sr. Augusto Dias da Silva a minha resposta.

A desordem, o ataque, neste momento, podiam afectar não só a ordem pública, mas até a honra da Nação.

Isso não podia sor.

Vozes : —Muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Presidente:—As ccmissões do orçamento e finanças reúnem amanhã durante a sessão, se a Câmara o permitir.

A primeira às 15 horas; n segunda às 17.

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tiessão de 8, 71, .12 e 13 de Abril de 1921

O Sr. Presidente:—Está interrompida a sessão para prosseguir amanhã, às 14 horas.

Eram 19 horas e 10 minutos.

QUINTA PARTE

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Eram lô horas e 40 minutos.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Sr. Presidente: pedi ontem a palavra jpara dizer a V. Èx.fl c à Camará que não posso dar o meu voto à moção do Sr. António Granjo, semio na parto que se refere a princípios gorais que todos nós defendemos.

Há dois princípios em que estamos todos de acordo, mas não o estamos quanto à forma por que o Sr. Granjo imagina resolver estes dois casos: protecção à lavoura e liberdade £Íe comércio.

Fala-se sempre em protecção à lavoura' para resolver todos os casos, e essa protecção já vem desde 1889, e de então para cá o país não tem feito outra cousa senão proteger a lavoura, dando-lhe milhares e milhares de coutos por ano, que são tirados à economia nacional.

Não vejo nenhuma razão para que a lavo,ira receba pelo preço do trigo o que ò Sr. Granjo quêre.

A lei de 1889 prestou à agricultura grandes serviços, mas a lavoura não os soube aproveitar e quasi trinta anos depois, em 1914, não nos bastamos a nós próprios; só em dois anos o país se bastou.

Nós pouco mais terras temos para meter ao trigo.

Fala-sè muito nos terrenos incultos, mas a maior parte da gente não sabe que esses incultos são os pousios, pousios quê são necessários pára o descanso da terra, além de que servem ainda para pastagens para alimentação do gado.

Sr. Presidente: o Sr. Granjo ocupa dentro desta Câmara o lugar de campeão da lavoura, a lavoura que sé encontra hoje rica e mais próspera do que nunca e que conserva o dinheiro que tem ganho é que ainda hoje não perdeu nada do que ganhou.

Eu hão estou aqui a fazer unia campanha contra a lavoura, à lavoura, ligám-mê bastantes laços, mas não posso consentir

qúé com o meu voto se dê uma protecção à industria quê maiores lucros tirou dentro da guerra. Realmente, a maior parte dos Srs. Deputados não faz ideá dê qúanfd ganhou a lavoura durante a guerra. Eu conto á V. l£x.as um caso dê que. tive conhecimento íià pinico quando estive na minha terra: cOntarám-hie lá que tendo acabado em 31 de Dezembro o arrendamento dúinas terras, que estavam arrendadas por 9.000$, íbráhi à praça pôr 93.000$. Ora ninguém acredita quê os lavradores queiram pagar rendas destas, para no flrii perderem, mesmo porquê ã lavoura hábituóu-sé a ganhar' tanto iia guerra, quê agora nem se limita a ganhar ó dobro, qiiere muito mais.

j Não é, pois^ jUsto o desejo do Sr. António Granjo! Mas pode ser ele a simples caça ao voto da lavoiira. Todavia, não felicito S. Ex.1" por isso, porquê a lavoura não serve para essas cousas, pois o que quere é apanhar-se servida.

Sr. Presidente: dito isto, eu quero chamai1 a atenção do Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Agricultura para algumas considerações quê qíiero fazer â propósito dalgiimas palavras de S. Ex.a ontem empregadas no final dá sessão.

Disse S. Ex.;i, se hão estou em erro, que tinha encontrado a forma de fazer tinia economia pára o Tesouro Publico de 7:000.000$, por conseguir vender qual-que.1 farinha que d Estado possui, que serii misturada não sei com quê para se fazer O pão. Pregímtei eu oritoin a S. Ex.:i, a meia voz, mas S. Ex.a não me respondeu, e por isso repito agora a pregunta, se essa economia provinha do facto de não ter necessidade o Estado dê importar farinha, porque a possui, ê sehdb assim se esta tinha sido oferecida. ^

Eu só compreendo, realmente, esse lucro, se essa farinha e mistura de que S. Ex.a falou, foram oferecidas ao Governo. Não sendo assim, se ò Governo não mistura as farinhas com qualquer cousa que comprou, que eu não sei o que é, porque, tendo-me S. Ex.a ò Sr. Ministro da Agricultura prometido fornecer os esclarecimentos necessários, não mós deu; irá, por acaso, S. Ex.a vender à moagem por metade do seu custo, ò milho que comprou caro?

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farinha que possui pelo -preço da farinha de segunda? Será por acaso que o Sr. Ministro da Agricultura, a cuja honestidade eu presto aqui o preito sincero da minha homenagem, será por acaso, repito, que S. Ex.a que com certeza ainda não teve tempo de se dedicar aos negócios da sua pasta, tanto mais que pensa em fazer-se substituir...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-nardino Machado): — Se eu entendesse que não tinha tempo de me inteirar dos assuntos que correm pela minha pasta, teria procurado alguém que o fizesse.

O Orador:—. . .^ías será por acaso que S. Ex.a, embrulhado nos números da moagem, julga possível um lucro de 7:000.000$ quando é certo que o Estado com tal operação deverá perder cerca de 14:000.000$?

São estas dúvidas que me levaram, desde o início da discussão deste assunto, a dizer ao Sr. Ministro da Agricultura, que não achava justo nem legítimo que, sendo o actual regime estabelecido pelo Parlamento, S. Ex.a tenha a pretensão de se munir duma autorização tal que lhe permita modificá-lo, tanto mais que S. Ex.a já declarou aos manipuladores de pão que as suas reclamações só seriam atendidas desde que o Parlamento lhe votasse as autorizações pedidas. ..

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-nardino Machado):—Isso leu V. Ex.a nos jornais. Se formos ver o que eles di-xem, verificamos que me são dirigidos os mais severos ataques e que alguns deles até chegaflfc a afirmar que eu sou a criatura mais indecisa que existe.

O. Orador: — Folgo em constatar que V. Ex.a não fez tal declaração.

Diz-se, não sei com que fundamento, que o Sr. Ministro da Agricultura, para poder desembaraçar-se do milho e farinhas adquiridos a preços elevados, necessitava de que o Parlamento lhe aprovasse o seu pedido de autorização. E digo, diz-se porque eu não posso partir senão de suposições, visto que V. Ex.a me não forneceu os elementos indispensáveis a um perfeito estudo da questão...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-nardino Machado):—V. Ex.a teria certamente colhido esses elementos de estudo se tivesse querido dar-se ao incómodo de os procurar no meu Ministério, ou mesmo em minha casa, onde eu o receberia ainda com maior prazer.

O Orador: — Como V. Ex.a me prometeu trazô-los, não quis insistir para não dar a impressão de quo supunia V. Ex.a capaz de faltar à promessa que me fizera.

O Sr. Presidente do Ministériio, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-

nardino Machado): — Não tenho ainda a minha pasta. E possível que o;; tenha trazido, mas não tenho a certeza disso.

O Orador:—Desde «que o Sr. Ministro da Agricultura vem, por intermédio duma autorização, mostrar o desejo de que o Governo fique autorizado a vender pelo preço que lhe convenha os géneros de que dispõe, eu julgo ter o direito de, como Deputado, a discutir convenientemente...

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-nardino Machado): — Desde que V. Ex.a vê dentro dessa autorização a possibilidade de se praticarem actos criminosos, faz muito bem em não a votar. O que eu estranho é que se admita que uni Governo da República possa praticar tais actos, mormente quando tem a seu lado um Deputado zeloso como V. Ex.a

O Orador:—V. Ex.a não tem de se admirar das minhas palavras., As contas da moagem são demais confusas para que todo o cuidado não seja pouco... •

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O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Ber-nardino Machado):—Eu não contestei o direito de Y. Ex.as discutirem o assunto. Eu limitei-me a anunciar o propósito em que estava de fazer algumas reduções pela modificação do actual regime, para ver se conseguíamos acabar com- esta situação deficitária em que temos vivido. Tenho realmente empenho em efectuar essa redução de 7:000.000$; todavia, se ela não for votada, nem por isso deixarei de empregar os meus esforços no sentido de realizar outras reduções não menos importantes.

V. Ex.

O Orador: — O Sr. Ministro da Agricultura, que vem pedir as mais largas autorizações como ainda nenhum Ministro pediu ao Parlamento, enxofra-se todo quando pretendemos desvendar o que é que S. Ex.a quere fazer com as autorizações que nos vem pedir.

Creio, Sr. Presidente, que estou no meu direito de discutir aqui como Deputado da Nação os actos do Governo.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Os actos sim, mas não as hipóteses.

O Orador: — É esta, Sr. Presidente, uma forma de discutir que não posso aceitar.

Já aqui prestei as minhas homenagens à honestidade do Sr. Bernardino Machado, e assim S. Ex.a não tem o direito de ver nas minhas palavras quaisquer insinuações.

S. Ex.a disse no final da sessão de ontem que tinha arranjado uma forma de o Estado ganhar nns 7:000 e tantos contos.

Eu, Sr. Presidente, devo dizer francamente que há dias me mostraram um parecer duma comissão nomeada por um Ministro qualquer; porém não vi que pudesse haver lucros na importância de 7:000 e tantos coutos para o Estado, mas sim um prejuízo de 14:000 contos.

Devo dizer a V. Ex.a e à Câmara que

não acho justo que com o Parlamento aberto se possa sequer modificar o actual regime do pão.

Ainda não há muito, Sr. Presidente, que o Sr. João Luís Éicardo chamou a minha atenção para as autorizações que nos são pedidas pelo Sr. Ministro da Agricultura e que ainda não tinham sido dadas a nenhum Ministro, pois que S. Ex.a vem pedir autorização para vender pelo preço que entender os géneros que tem em seu poder.

Faço justiça ao Sr. Ministro da Agricultura. Sendo, porém, S. Ex.a ao mesmo tempo Presidente do Ministério e Ministro do Interior, natural é que não tenha tido tempo para fazer as contas devidamente.

O • Sr. Ministro da Agricultura deve lembrar-se muito bem das preguntas que lhe fiz sobre o regime do pão. S. Ex.a respondeu-me com a comissão e com o parecer dessa comissão e teve até a gentileza de me dizer que me havia de trazer uma cópia do referido parecer.

Devo dizer a V. Ex.a que, se tivesse recebido a cópia desse parecer, com facilidade mostrava a V. Ex.:i a verdade do que estou dizendo.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): —V. Ex.a está falando por forma que parece que tem em seu poder esse documento e que já o leu.

O Orador: — Eu digo a V. Ex.a que não tenho em meu poder esse documento, e que fiz dele uma simples leitura que me 'deu esta conclusão: tenho de dizer ao Sr. Ministro da Agricultura que não posso dar o meu voto ao pedido de autorização que S. Ex.a faz, e não posso, porque à sombra dessa autorização se podem praticar tais actos — não S. Ex.a— pode o Estado sofrer tais prejuízos, que, tendo nós conhecimento deles já depois de praticados, podemos arrepender-nos de os não ter evitado.

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da Câmara áo,j Deputados

Creio que estas afirmações são suficientes para lazer' ver à Câmara o escrúpulo que deve haver em votar autorizações desta ordem, e a exigência que se deve fazer ao Governo para que, antes de resolver o assunto, o traga à apreciação do Parlamento.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra quando forem devolvidas, revistas pelo orador, as notas taquigráficas.

O Sr. João Luis Ricardo: — Sr. Presidente: não tencionava entrar neste debate e apenas me limitaria a mandar para a Mesa, quando se tratasse da especialidade, uma substituição ao artigo Í.°; mas embora eu tivesse o propósito deliberado, (Jesde há oito meses, do não entrar em debates mais ou menos políticos sobre a questão das subsistências, vi-me forçado a entrar nele, não só porque antes de mim falaram dois ex-ministros, que me sucederam na pasta da Agricultura, mas, sobretudo, pelas considerações de um deles, que eu lamento não ver presente.

S. Ex.;l, efectivamente—trata-se do Sr. António Granjo— mais nma vez veio ao Parlamento querer desmentir aquela afirmação feita nesta Câmara, quando ÍS. Ex.a tomou posso da pasta da Agricultura, e feita pelo Sr. Cunha Leal, de que S. Ex.n era absolutamente incompetente para esse lugar. S. Ex.a quis mostrar mais uma \QZ que não era verdadeira essa afirmativa, armando em paladino, embora infeliz, como muito bem disse o Sr. Estêvão Pimentel, da lavoura nacional.

Citou S. Ex.a, por várias vezes, sem propositadamente declinar o meu nome, a minha acção ministerial, e ó por essa razão que tenho de intervir no debate. Antes, porém, cie prosseguir, quoro declarar ao Sr. Ministro da Agricultura que tomo parte na discussão simples e unicamente em meu nome pessoal. Não vou, contudo, atacar q Govôrno, nem o Sr. Ministro da Agricultura, mas suponho que esta é uma questão aborta para o Parlamento e para o Governo, visto que o seu chefe não fez declarações em contrário. Já, pois, muito legitimamente digo a S. Ex.a que não concordo com a sua proposta, embora tenha pelo Sr. Dr, 'Bernnrdino Ma-

a maior consideração, até, nem é preciso dizô-lo, mesmo pela competência para a pasta que ocupa.

Façamos um pouco de história.

Vejamos o que foi a orientação dos Governos que têm procurado resolver o problema das subsistências por meio do tabelamento.

O Sr. António Granjo procurou acabar com o que chamou «lei da fome», para estabelecer a lei que aqui ouvi classificar muita vez de lei de roubo legalizado. Tal é a liberdade de comércio que S. Ex.

Na hora em que fiz parte do Govôrno do falecido António fiaria Baptista, encontrava-se o país numa situação especial sobre matéria de subsistências, tendo de se fazer o tabelarnppto.

Era a hora das colheitas da arroz e do azeite.

O resultado foi imediatamente a especulação.

O país assistiu a uma verdadeira revolução. Deu-se a greve dos ferroviários, resolvida pela maneira que só sabe, para evitar outras greves, o que não deu resultado, por que se seguiram a p groves do funcionalismo público e de várias classes, provocadas pela carestia da vida.

O Governo não tinha nem crédito nom dinheiro, e de toda a parte se lhe pedia que salvasse da fome o país.

Fez-se o tabelamento, declarando eu peremptoriamente que era uma medida transitória.

Só pode haver tabelamento quando haja importação de géneros; e os preços só se podem fixar qu-ndo o Governo tenha cré-d;to e dinheiro.

iii, pois, o problema das sul sistências mais um problema financeiro do que uma autorização dada a um Governo.

Assim foi, e, em moio do ano pasmado, o Governo de cjue fiz parte chamou a uma coníerência os leaders dos Partidos, para decidir sobre a necessidade de serom modificadas ou não propostas financeiras, quer externas, quer internas, realizando empréstimos internos ou externos.

Não quis o Parlamento ouvir-me c, se o tivesse feito, os câmbios não teriam descido assim, mas teríamos acabado com p regime do tabelamento.

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os géneros necessários por preços inferiores, para regular o mercado.

O Sr. António Granjo, com a autorização do seu Governo, cunseguiu a lei n.° 1:009, com que procurou resolver o problema. <_ que='que' aquela='aquela' com='com' comissão.='comissão.' queira='queira' procurou='procurou' esto='esto' ex.a='ex.a' litígio='litígio' ainda='ainda' do='do' aumento='aumento' autorização='autorização' ponto='ponto' sem='sem' s.='s.' não='não' responsabilizo='responsabilizo' a='a' resolver='resolver' dentro='dentro' e='e' em='em' o='o' p='p' farei='farei' discuti-lo='discuti-lo' está='está' perigo='perigo' produção='produção' oportunamente='oportunamente' da='da' agora='agora'>

A lei n.° 1:009 é anti-constitucional, não tem base legal.

Não dá autorização para contratar medidas, como o Sr. António Granjo fez, para proteger a lavoura.

Não me quero envaidecer, mas também não quero deixar que ninguém me tire aquilo que me pertence.

Toda a legislação a favor da lavoura feita pelo Sr. António Granjo estava já entregue por mim, no Parlamento, em Maio de 1920.

Vem o Sr. António Granjo com a protecção a lavoura mecânica; é a mesma proposta que eu tinha apresentado aoPar-Lamento.

S. Ex.a quis aumentar a cultura do trigo e afinal aumentou a cultura dos outros cereais que não estavam sujeitos ao tabelamento, nem a restrições. Este ano não se semeou mais, devido também ao preço dos adubos.

Entendo que o Estado deverá fornecer adubos para as terras pobres.

Eu, Sr. Presidente, devo declarar que não venho para aqui fazer política ou oposição^ ao Sr. António Granjo, ou pretender tirar lhe aquele merecimento que S. Ex.a tem o que está reconhecido por toda a lavqura cm nossa torra; porém não posso deixar do confessar que, apesar de me ter cjedicado desde muito novo à lavoura, mas reconhecendo-lhe essa sua muita competôncia, vou desaprendendo, e mais convencido fiquei disto depois das declarações que ontem S. Ex.a aqui fez.

Julguei, a princípio, que as considerações de S. Ex.a eram devidas a um completo desconhecimento da situação agrícola do país; porém não direi tal; mas, no emtanto, reconhecendo em S. Ex.a essa cqmpetôTicía, não posso deixar de lhe dizer que está completamente enganado no que aqui nos disse relativamente ao norte do país, pois eu posso garantir a S. Ex.a

que no norte do país há uma enorme extensão de muitas léguas de terrenos baldios.

Falou ontem aqui o Sr. António Granjo da política dos trigos e da política do pão, porém, o que eu posso garantir a S. Kx.a ó que o que tem existido desde 1889 até hoje é a política da moagem, e assim eu direi que o grande mal que o Govôrno fez em 1914, chamando a si o monopólio da compra dos trigos e fazendo a requisição dos trigos nacionais, foi não ter acompanhado essas medidas de outra que era absolutamente indispensável, qual era a dn acabar com o monopólio da moagem. (Apoiados).

Desde que se deixou a moagem no regime livre, natural era que tivéssemos de assistir àquilo à que temos assistido até aqui.

A lei de 1889 foi realmente de protecção à lavoura, justo é dizô-lb; porém, à sombra dessa lei muito a lavoura fez em Portugal, e se mais nãp fez a culpa foi da moagem, que importava o trigo exótico em quantidade superior à que era necessária, isto com o intuito de ter mais lucros.

O Sr. Estêvão Pimentel (interrompendo}:— Deyp dizer a V. Ex.a que a moagem chegqu a mandar os seus comissários ao Alentejo para comprar o trigo a preço superior ao da tabela, não o mani-lestaudp d'pois.

O Orador: — O que é um facto, Sr. Presidente, é q tio se inverteram os papéis, chegando o trigo exótico a custar o mesmo que o trigo nacional.

O Sr. Estêvão Pimentel: — ; O Estado tem importado tanto trigo a mais, que se encontra agora com 5 milhões do quilogramas do farinha!

' O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Isso resulta de se ter estabelecido uni diagrama que ní|,o está em harmonia com as necessidades do consumo.

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António Granjo, receosos de que ela os atingisse, apressaram-se a estabelecer o preço remunerador de $36 por cada quilograma de trigo nacional.

Dizia que o preço do trigo nacional seria fixado na época da colheita, levando cm conta as despesas de laboração, de adubos e do transportes, etc.

Porém, o íSr. António Granjo não procedeu assim e estabclocou o preço de $36 por quilograma.

Desde que se não tabelou a carne e esta pôde atingir livremente preços excepcionais e criar um trust à semelhança da moagem, tornou-se possível esta situação, visto que os lavradores trataram de engordar os porcos com trigo em vez de bolota, havendo alguns que nessa engorda gastaram para cima de 40 moios desse cereal.

Mas há mais. A produção do trigo nacional, o ano passado, foi relativamente boa.

£ Faltou-se ao manifesto, porquê? Pela falta de orientação política daqueles que tanto apregoam a sua inteligência e a sua competência política. Se se obrigasse o lavrador a manifestar na eira, como eu preconizava, já não teria sucedido isso.

O Sr. António Granjo, providenciando, não deu na cabeça, deu por baixo do chapéu. S. Ex.a fixou o preço do trigo na ocasião da colheita. Vem-se agora apelar para o Governo que fixe o preço do trigo, segundo o preço mundial do trigo exótico.

Os câmbios estão baixos porque assim convém à moagem, e por isso se faz uma contínua especulação.

[Fixar o preço mundial do trigo! Se o Parlamento e o Governo conseguirem resolver a questão financeira, a lavoura ainda não ficará satisfeita.

O espirito simplista do trabalhador pensa logo que se há protecção para a lavoura, ele também tem jus a ser aumentado e as jornas sobem logo.

Falou também o Sr. Dr. António Granjo no azeite.

Quando eu estive no Ministério vi que o Ministro anterior tinha fixado o preço do azeite. Fiz todo o possível para baratear a vida, pois, se o não fizesse, teria a revolução na rua.

O Sr. António Granjo estranhou que a imprensa não fizesse uni ataque à lei da fome. É possível que a imprensa depois de ouvir as palavras do Sr. António frranjo, o paladino da lavoura, se refira a isso.

É possível que venha a fazer-se agora a campanha coutra a lei da fome.

Ontem o Sr. António Granjo disse que o mal da situação que, sob Os te aspecto, atravessamos, é a moagem, porque há um número de fábricas muito superior à capacidade do consumo, mas essa razão apresentei-a eu já nesta Câmara, di/eudo que a moagem não podia trabalhar honestamente só pela razão de exist.Tom fábricas de moagem a mais.

Se fosse reduzido o mmiero' das fábricas, deixando de trabalhar duas ou três, poderíamos tirar uma prova que nos orientasse.

Contrariei as ideas e pretensões da moagem e o Sr. António Gra.ijo foi dar •à moagem um aumento de taxas, quási aquilo que ela pediu, mas para a panificação superior ao que pedia, isto quando S. Ex.a dizia que elas eram parasitas do povo.

Apartes.

Não houve a coragem de atacai' a moagem, apesar de eu esperar que o Sr. Cunha Leal, que me atacara quando eu fui Ministro, tivesse influência junto do seu colega da Agricultura, quando por sua vez foi Ministro, para submeter a moagem àquele regime que S. Ex.a aconselhava.

Eu ouvira as afirmações feitas por S. Ex.a nesta Câmara e esperei que as suas opiniões fossem postas em prática pelo Governo de que S. Ex.a fez parte.

Também esperava ver o nónio de S. Ex.a na comissão que o Sr. Presidente do Ministério acaba do nomear para estudar a mudança do regime de abastecimentos em que vivemos.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

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nomes" e o Sr. Cunha Leal já foi um dos indicados. Apartes.

O Orador: — O Sr. Cunha Leal deve fazer parte dessa comissão.

É necessário quo dessa comissão façam parte membros do Parlamento.

Eu não levanto suspeitas contra ninguém, mas posso dizer que sei qno no funcionalismo do Ministério da Agricultura há verdeiras incompetências, e muitos deles, se eu ainda estivesse no Ministério, estariam já reformados.

Esse Ministério necessita ser coinpleta-mente reorganizado.

Apartes.

Essa comissão, para poder chegar a bons resultados, tem de ser constituída com pessoas conhecedoras do assunto.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado) (interrompendo):— Essa comissão é constituída por pessoas de reconhecida competência e o nome do Sr. Cunha Leal já foi indicado.

Apesar da comissão não ser parlamentar, alguns Srs. Deputados estão indicados para dela fazer parte, pela sua competência no assunto, e V-. Ex.a é um deles.

O Orador: — Declaro já que me recuso a entrar nessa comissão, sem isto significar menos consideração para com o Sr. Presidente do Ministério por não aceitar ^ o sou convite.

Apartes,

O Orador : — O problema dos trigos em Portugal é muito complexo.

Quoro ter neste Parlamento a liberdade de poder apreciar os trabalhos dessa comissão, ou de outra qualquer comissão que trabalhe sobre o assunto.

A comissão nomeada não deve seguir a orientação que têm seguido outras comissões que têm sido nomeadas e compostas de técnicos.

Sr. Presidente: vejamos outros aspectos da questão das subsistências.

O Sr. João Gonçalves falou da questão dos azeites. Quando S. Ex.a decretou a liberdade do comércio do azeite, o azeite passou a vender-se por alto preço.

S. Ex.a começeu a reconhecer o mau caminho da liberdade de comércio do azeites, e nomeou uma comissão para tratar do assunto.

Eu desafio a oleicultura portuguesa a que me demonstre honradamente que ò seu azeite este ano lhe ficou a mais de

m.

Mas, admitindo mesmo que lhe ficou a 1$, vendendo-o a l $50, já teriam um lucro bastante elevado, 50 por cento.

O Governo, porém, fixou-lhe o. preço de 2(590, e o azeite está sendo vendido a 6$ e U.

O Sr. António Granjo, tam vidente e previdente nas questões de agricultura e subsistências, estava nesse tempo no Ministério da Agricultura, e não teve uni director geral de estatística ou qualquer outro que o informasse, nessa hora, de que a colheita do azeite era extraordinariamente escassa, pois era a décima parte da colheita anterior..

Então teríamos o azeiíe muito mais barato, porque haveria a concorrência dos óleos com o azeite. E este não teria atingido o preço exorbitante a que chegou.

Isto era em Agosto, antes da feira de Beja, onde vai o gado para os montados.

Foi por estas razões que chegámos à clégringolade actual.

Falta o azeite, porque foi fixado a um preço muito alto, e foi fixado a um preço muito alto por culpa da liberdade de comércio em regimes anteriores.

A culpa aqui é de nós todos, porque desde a primeira hora que se devia ter estabelecido um programa de subsistências, feito de acordo entre todos os partidos, sem estarmos sujeitos às campanhas de imprensa, quási sempre ditadas por interesses não satisfeitos.

O regime do tabelamento trouxe depois o ruinoso regime do comércio livre.

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Não. Eu passarei simplesmente a contá-lo como um mestre nas questões de agricultura, muito embora desde já lhe declare que serei muito mau discípulo de S. Ex.a, não seguindo nem as suas teorias nem a sua s ciência.

Sr. Presidente: não quero deixar ainda de referir-me ao que ontem nesta casa do Parlamento ouvi, num aparto dirigido a um Deputado socialista, dizer ao Sr. Afonso de Melo. Disse este nosso ilustre colega que o mal provinha de o Estado fazer; o monopólio do trigo e não fazer o mo-pólio da moagem.

Prometi trazer à Câmara uni projecto de lei para resolver esse inconveniente o trago-o comigo.

Mas como não ouvi o Sr. António Granjo, nem nenhum Sr. Deputado, referir-se a um outro mal que influi muito na questão das subsistências, eu entendo dever enunciá-lo aqui: reporto-me à questão dos intermediários, a que uma vez chamei os milicianos da guerra.

Efectivamente, um dos grandes males do nosso país, como ninguém o pode negar, tem sido a ganância dos intermediários. Também trago à consideração da Câmara um projecto de lei para obviar este inconveniente.

Sr. Presidente: vou agora apreciar as considerações do Sr. Bernardino Machado e a sua proposta de lei.

S. Ex.a declarou ontem no Parlamento que era absolutamente necessário sair do regime seguido pelo Sr. António Granjo, e que para isso tinha nomeado uma comissão especial; disse também S. Ex.a que o plano do Governo tinha três pontos básicos e fundamentais que justificavam a proposta de lei pedindo as autorizações. O primeiro era a protecção aos sindicatos para intensificar a produção.

Eu julgo conhecer toda a organização dos sindicatos e creio que não há mais a dar-lhes. Mas pode ser que S. Ex.a realmente, por si e pelos seus colaboradores, tenha mais alguma medida de protecção aos sindicatos.

Vejamos se elas podem ser dadas por meio de autorizações.

Suponho que existe no Parlamento, trazida por um antigo Ministro do Trabalho, creio que o Sr. Bartolomeu Severino, uma modificação à actual legislação das cooperativas.

Sendo assim, bom é que o Parlamento discuta essas medidas. E digo' isso, porque apesar da confiança que, tenho no Sr. Bernardino Machado, o que é facto é que cada um interpreta as leis de forma diversa.

E desta maneira que eu reputo inconstitucionais os decretos do Sr. António Granjo, que dizem no princípio: «usando da faculdade que me confere a lei n.° 1:009», quando a autorização que o Parlamento lhe deu não lhe concedia nada disso.

Ora se com as autorizações do Sr. António Granjo se dou este facto, muito mais facilmente ele se pode dar com as medidas de fomento do Sr. Bernardino Machado.

Como S. Ex.a não declaro a à Câmara que trazia qualquer medida nesse sentido, mais uma forte razão me levou a trazer hoje à Câmara um projecco de lei que estava já elaborado ao tempo do Ministério de que fiz parte, e tendente a combater esses maus comerciantes. -

Este é o programa a cumprir gradualmente para entrarmos na liberdade do comércio. Foi o que ouvimos ao Sr. Ber-nardino Machado.

Sr. Presidente: suponho que isto é uma verdadeira utopia porque emquanto S. Ex.a com o seu Governo e com o Parlamento, não aprovarem os orçamentos e votarem medidas de finanças, pode S. Ex.:i, e quantos Ministros se sentarem na cadeira da Agricultura, vir arranca:: ao Parlamento as medidas mais lactas que, não resolvem o problema das subsistências.

Este problema, na melhor das hipóteses, nem dentro de três anos pode ser resolvido, porque, afirmo-o há muitos anos e repito-o aqui bem alto, é nm erro julgar-se que o país é um país cerealífero; o país tem, essencialmente, terrenos florestais e o regime florestal é que é preciso estabelecer. Mas isso mesmo não resolve o problema cerealífero.

Ê necessário mudar o regime de cultura, mas é necessário saber que Portugal não está na zona dos trigos e só poderemos intensificar a cultura de trigo se dermos à lavoura muitas e largas autorizações.

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Faz-me lembrar esta opinião aquela orientação que às vezes têm determinadas criaturas de, ao vestirem-se, começarem por pôr o chapéu alto.

Fala-se em canais de irrigação, des-prezando-so toda a obra de hidráulica." Nesta altura chamo a atenção de y. Ex.a para o que se passa no Ministério da Agricultura.

Quando entrei para o Ministério, no primeiro dia que ali fui fechei-me no gabinete com um empregado de contabilidade e verifiquei que tudo quanto eram verbas de material e expediente estava completamente gasto, isto em Março, ao passo que nem sequer se tinha tocado nas verbas destinadas a fomento agrícola. Tinha adquirido simplesmente, no tempo do Sr. Jorge Nunes, uma sonda artesiana, que só servia para os grandes poços e que tinha custado muitos milhares de escudos. A fim de trabalhar com essa sonda estava em Portugal um americano, que recebia 250$ em ouro e estava instalado no Avenida Palace. Essa sonda tinha já perfurado 10 metros e para continuar esse serviço era ainda necessário mandar vir variadíssimos encaixes e parafusos, cy

Mandei suspender esses trabalhos, porque de mais a mais essa sonda para experiência tinha sido posta a trabalhar num terreno que está fora da zona artesiana. Mandei oferecer então essa sonda ao Ministério do Trabalho, Secção de Minas.

Tencionava nessa ocasião mandar vir de Espanha uma equipe de técnicos, de indivíduos competentes pa.ra começar a fazer em Portugal os poços artesianos, mas desisti desse propósito, visto os estudos nem sequer estarem começados.

Sr. Presidente: vou passar a expor as razões por que não aprovo nem a moção do Sr. António Granjo, nem a proposta de substituição do Sr. Jorge Nunes, nem a proposta do Governo. A proposta do Governo traz .à Câmara um pedido de autorizações tam latas que eu não posso votá-la.

largamente discutidas e apreciadas com o propósito firme, estou certo, de todos os lados da Câmara quererem colaborar com S. Ex.a neste assunto que é puramente nacional.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Eu já disse que essas medidas de fomento não são senão a manutenção dos diplomas que foram publicados pelo meu antecessor.

O Orador: — Para isso não precisa V. Ex.a de autorização.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Bernardino Machado): — Pois V. Ex.a acaba de dizer que não considera legais esses diplomas.

O Orador: — <_ que='que' com='com' de='de' voto='voto' àquilo='àquilo' autorizações='autorizações' ex.a='ex.a' dou='dou' fim='fim' dar='dar' então='então' das='das' não='não' meu='meu' vem='vem' a='a' constitucionalidade='constitucionalidade' pretexto='pretexto' autorizações.='autorizações.' o='o' p='p' eu='eu' essas='essas' v.='v.' inconstitucional='inconstitucional' reputo='reputo'>

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Trata-se de compromissos tomados pelo Estado. Não estão legalizados e eu peço, pois, a sua legalização.

O Sr. Jorge Nunes já apresentou uma proposta que representa essa limitação que eu aceito. Não esteja, portanto, V. Ex.a a levantar fantasmas.

O Orador : — E dar constitucionalidade a uma cousa que não é constitucional.

Não concordo, porque não é justo que se mantenha uma situação anti-constitucional.

Se é para vender o que se comprou, não precisa o Governo de autorização; só é para vender o que se adquire também o Governo não necessita dela. Mas creio que é para o Estado vender com prejuízo determinado produto que adquiriu, embora indirectamente resulte economia.

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-se hoje o E&tado na posse de 4 milhões de quilogramas de farinha de l.a que não tem consumo. Não é mais porque a moagem fez desaparecer alguma dessa farinha, não contando com a extracção que' ela tem feito a mais, porque com a extracção de 75 — garanto que vai a 80 e 82 — não teríamos o pão intragável de 2.a qualidade, que temos tido, visto que o diagrama estabelecendo o pão de 2.a pouco diferente seria do de l.a Ora a diferença é enorme o ela só pode ser assim por motivo da moagem fazer uma extracção superior a 70.-

jii necessário agora dar saída a esses 4 milhões de quilogramas de farinha de l.a Dizem-me então que o Governo pensa lotar essa farinha com 20 por cento de farinha de milho, que também está na posse do Estado, para depois vender esse lote por um preço muito inferior àquele que realmente lhe custou o trigo e a farinha.

Diz-nos o Sr. Bernardino Machado que o Estado consegue uma economia de 7:000 contos e que S. Ex.a vai fazer aquele lote e deixa de importar trigo, levando o abastecimento até meados de Junho.

Isso mesmo vim eu em determinada ocasião dizer ao Parlamento.

Declarei então que só teria meio de dar de comer aos habitantes de Lisboa, desde que aos ?, milhões de quilogramas de farinha de l.a, que o Estado tinha, adicionasse certa quantidade de sêmeas, porque outra cousa não tinha.

Ora eu preferia que S. Ex.a juntasse sêmeas à farinha do l.a, em vez de 20 por cento de milho.

Veremos a revolta que vai causar em Lisboa o entregar-se ao consumo o pão feito da mistura de trigo e milho.

A panificação não está nas condições de fazer bem essa mistura. Encontraremos no meio do pão mal cozido um rolo de milho.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e interino da Agricultura (Bernardino Machado): — Conscien-temente, isso não se pode fazer.

O Orador: — Essa frase é de toda a gente, e sobretudo dos homens honrados que se sentam naquelas cadeiras. Mas V. Ex.a vem cercar-se de habilidades. . .

O Sr. Presidente do Ministério'e Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — TenL.o-me desenvencilhado de dificuldades muito maiores.

O Orador:—Isso-são frases! . . .

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado):—V. Ex.a pode ter a certeza de que tenho tido a energia bastante para outros actos de muito maior valor do que esse.

O Orador: — Eu afirmo aqui bem alto que a moagem pesa sobre todos os Governos.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e interino da Agricultura (Bernardino Machado):—Mas ua monarquia pesava muito mais! . . .

O Orador:-—Por formas diversas ela se tem feito sentir, fazendo por vezes campanhas contra os Ministros, outras vezes preparando as cousas, julgando que os leva facilmente.

Fio-me tanto nas medidas publicadas por ôste processo, que se o Sr. Bernardino Machado quer com elas intensificar a produção, eu pergunto:

& Porque é que essa enorme Companhia das Lezírias, que tem tantos terrenos, não tem feito produzir mais trigos em Portugal, tendo à sua frente, além de um dos maiores homens da agricultura, a dentro do Ministério da Agricultura, um inspector dos serviços agrícolas, um moageiro que é director dessa grande empresa ?

V. Ex.a acabou de ouvir o Sr. António Granjo dizer que a moagem é parasita, e em meu entender ela devia ser nacionalizada, apesar de ser contrário à nacionalização .

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que seja o Sr. Ministro da Agricultura um dos seus maiores defensores.

Sr. Presidente: para se obviar ao in: conveniente de medidas anteriores e para se não deixar estragar 4 milhões de quilogramas de farinha, deve ela vender-se por um preço inferior ao seu custo e estabelecer um tipo de pão, embora mais caro do que o actual, mas tragável.

Demais, Sr. Dr. Bernardino Machado, eu não costumo argumentar com o «diz--se», mas agora, por falta de outros elementos, tenho de o fazer.

Consta, pelos jornais, que estas medidas vão servir ao Sr. Ministro da Agricultura . para resolver a questão dos açúcares, outro problema básico.

O Sr. António Granjo estabeleceu o preço de $60 para o açúcar amarelo, e apesar de lá fora haver baixa no preço do açúcar, em Portugal ele tem-se mantido, porque era preciso salvar da falência uma grande casa de Lisboa.

Então escasseou no mercado o açúcar amarelo, fez-se a baixa do câmbio para evitar a sua entrada, e os jornais dizem agora que se vai fixar o preço do açúcar amarelo a l$50, vendendo as ramas a $60, quando afinal esse açúcar de l$50 não ó mais do que a resultante da refinação do tal de ramas e melaço que estamos a pagar por $60.

Conclusão: não aparecerá mais açúcar amarelo a $60, mas passa a aparecer a 1$50, e o pior é ,que não tem vindo açúcar nenhum de África e o que se vai refinar é aquele que está depositado nas refinarias.

Neste ponto é que desejo uma declaração peremptória do Sr. Dr. Bernardino Machado. V. Ex.a se vai fazer isto, é porque tem razões fortes para o fazer, mas diga-o S. Ex.a aqui, que eu, se me convencer, dar-lhe hei o meu voto.

±\ sombra de autorizações é que não estou disposto a dar-lho. Acho mais republicano e mais próprio de um Governo como aquele a que V. Ex.a preside, dizer abertamente ao Parlamento que tenciona fazer isto e isto sobre o regime do pão, que tenciona fazer isto e isto relativamente ao açúcar, por estas e estas razões. Eu estou certo de que, com esta lealdade e cora a argumentação de S. Ex.a, o Parlamento procurará resolver uma situação

que é precária para este Governo como para aqueles que se lhe seguirem.

Sobre p Comissariado dos Abastecimentos, devo dizer que fui eu quem o criou, sendo o lugar de comissário gratuito, e o Sr. António Granjo aproveitou essa disposição para lhe dar uma retribuição, mas encontrou-se diante de certas dificuldades.

O Sr. João Gonçalves (interrompendo):— Eu quis dar uma retribuição ao Sr. comissário dos abastecimentos, mas S. Ex.a é que me declarou que não queria vencimento algum.

O Orador: — Só o ' Parlamento pode criar esses lugares e as respectivas remunerações. Aquele está criado gratuitamente. Não tem remuneração e só se pode remunerar se trouxerem ao Parlamento alguma medida nesse sentido.

Vou passar a dizer porque não aprovo a moção do Sr. António Granjo senão na primeira parte, em que se diz uma cousa vaga.

Na primeira parte da moção do Sr. António Granjo faz-se a afirmação de que o Parlamento deseja que se tomem as medidas necessárias para se/ regressar à situação anterior à guerra. E um voto irrealizável por agora. Depois afirma-se mais um bluff, dizendo-se que se deve fixar o preço do trigo nacional em harmonia com o preço mundial. ^Mas que preço?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Serão tomadas as medidas convenientes para evitar esses abusos.

O Orador: — O preço político . . . Não há tal preço político do trigo. O que é preciso é acabar com a política da moagem.

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Diário da Câmara dos Deputados

Não voto a moção do Sr. Jorge Nunes, porque, como bem explicou o Sr. Bernar-dino Machado, é Mma,'fícelle.

Se o Sr. Bernardino Machado precisa honrar compromissos tomados por Governos anteriores, embora em virtude de diplomas anti-constitucionais, traga à Câmara a proposta de lei referente única e exclusivamente a esta questão, e estou certo de que a Câmara dará o seu voto.

Mas para imprimir constitucionalidade a decretos anti-constitucionais que precisam, na opinião do próprio autor, de ser modificados — e modificados grandemente— declaro desde já ao Sr. Bernardino Machado que não dou o meu voto.

Pela moção do Sr. António Gr anjo vamos dar a faculdade de legislar ao Poder Executivo. Seria aprovar diplomas anti--constitucionais que precisam de ser largamente discutidos nesta Câmara.

Seria, como disse o ilustre Deputado Sr. Mesquita Carvalho, declinar funções parlamentares, o que não é próprio do Parlamento.

Traga à Câmara as propostas concretas e a proposta sobre aquele assunto que precisa resolver, envolvida nesta autorização, e S. Ex.a terá rapidamente a decisão da Câmara. (Apoiados).

E agora para terminar, vou ter a honra de mandar para a Mesa os dois projectos de lei, a que me referi, um para resolver a questão, política da moagem, ou a questão política no regime cerealífero, e o projecto de lei contendo as bases para a nacionalização da moagem e panificação.

Já agora quero lançar mais uma acha no fogo do ódio da moagem que contra mim 'arde constantemente.

O outro projecto é aquele que pretende obviar a um grave inconveniente, conhecido por todos — a intromissão dos intermediários e especuladores, que não só têm causado temíveis males pela carestia da vida, como têm defraudado o Estado, visto que não pagam contribuições nenhumas.

Este projecto de lei não foi forjado agora. Está feito desde que fui Ministro. Suponho que tem todas as condições de viabilidade, porque nele colaborou o então Ministro da Justiça e dos Cultos, jurisconsulto distinto.

Também devo dizer a V. Ex.a que t) projecto de lei para a nacionalização da

moagem já estava feito, quando nm dia a moagem entrou no meu gabinete o muito delicadamente me preveniu, creio que em Maio ou princípio de Junho, de que dentro de oito dia fecharia as suas fábricas, porque não podia trabalhar dentro do regime por mim estabelecido.

Respondi: se os senhores fecharem, de hoje para amanhã, meto-os na cadeia e a seguir tomo conta da moagem, mas, se os senhores me prevenirem com oito dias de antecedência, não os meto na cadeia porque é o tempo suficiente para eu trazer ao Parlamento o projecto que traia da nacionalização da moagem, já vêem V. Ex.as que esse projecto não foi feito hoje, envio-o hoje para a Mesa, esperando, con-6ado no patriotismo e na acção do Parlamento do meu País, que, aprovado ele, terá desaparecido da terra portuguesa um dos seus maiores males em questão de subsistência e em questão de especulação. Tal é o regime livro da moagem,: tal qual se acha estabelecido.

Sr. Presidente, vou mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao arti-gol."

Esta proposta é idêntica à lei votada pelo Parlamento ao Sr. António Granjo e que deu margem a S. Ex.a não publicar tudo quanto entendeu.

Também substituí o § único desse mesmo artigo por outras palavras.

Tenho dito.

O discurso na integra será publicado quando forem devolvidas, revistas pelo orador, as notas taquigráficas.

Foi admitida a proposta.

O Sr. Ladislau Batalha:—Eequeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Fez-se a contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão_ presentes 54 Srs. Deputados; não há número para votar.

Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

Responderam os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marcai.

Afonso de Maced».

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Sessão de 8, n, 12 e 13 de Abril de, 1921

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Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Albino de Carvalho Mourão.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António da Costa Ferreira.

António Francisco Pereira.

António Pais Rovisco.

António Pires de Carvalho.

Augusto Pires do Vale.

Baltazar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Domingos Cruz.

Eduardo Alfrédtí de' Sousa.

Estêvão da Cunha Pimentel.

Francisco José Pereira.

Francisco Manuel Homem Cristo. . Francisco Pinto da Cunha Leal.

Francisco de Sousa Dias.

Jaime de Andrade-Vilares.

Jaime da Cunha Coelho.

João Gonçalves.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Kicardo.

João de Orneias da Silva.

João Salema.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António da Costa Júnior.

José Gregório de Almeida.

José Maria de Campos Melo.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis. ,

José Rodrigues Braga.

José do Vale de Matos Cid.

Ladislau Estêvão da Silva Batalha.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Orlando Alberto Marcai.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Rodrigo Pimenta Massapina.

Vasco Borges.

Vasco Guedes de Vasconcelos.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílío da Conceição Costa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Xavier da Silva.

O Sr. Presidente: —Responderam à chamada 56 Srs. Deputados e o quorum é de 61.

Não há número.

A próxima sessão é amanhã, 14, à hora regimental, sendo a ordem dos trabalhos a seguinte:

Antes da ordem do dia: A de hoje.

Ordem do dia:

Primeira parte:

Proposta de lei que autoriza o Governo a tomar medidas de fomento, no sentido de estabelecer ou reprimir qualquer restrição à liberdade de comércio.

Segunda parte: A de hoje.

Está encerrada a sessão. Eram 18 horas.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Declarações de voto

Declaro que se estivesse na sala quando da votação da generalidade do projecto de amnistia, o teria aprovado.

Sala das Sessões, 8 de Abril de 1921.— Malheiro Reimão.

Para a Secretaria.

Para a acta.

Declaro que aprovei na generalidade o projecto de amnistia porque as declarações do Sr. Presidente do Ministério não podem ser interpretadas senão no sentido de que é oportuna a amnistia e sempre se tem feito depender dessa declaração dos Governos a orientação do Parlamento neste assunto e ainda porque, nesta hora de homenagem aos sacrificados pela Pátria, a República só pode fortalecer-se dando mais uma vez a prova da sua generosidade e na esperança de que, se novamente maus portugueses pretenderem perturbar a marcha da República no ressurgimento da Pátria, os Governos saibam ter a energia suficiente para evitar novo sacrifício ao povo grandioso e heróico que quere paz e tranquilidade.

Sala das Sessões, 8 de Abril de 1921.— João Luís Ricardo.

Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados

Declaro que voto o projecto de amnistia porque tendo ouvido as explicações do Sr. Presidente do Ministério em nome do Governo, acerca da sua oportunidade, nelas se contém a clara afirmação de que o Governo manterá e assegurará a ordem pública, seja qual for a deliberação da Câmara sobre tani importante assunto o de que reconhece ha ver-se criado em toda a Nação uma bem visível atmosfera de clemência, o que eu não podia deixar de reconhecer como iniludível afirmação de oportunidade para a aprovação da amnistia.

Como cidadão eu não carecia do explicações do Governo para ser favorável à aprovação do projecto de amnistia; como parlamentar republicano, eu considerava absolutamente indispensáveis as declarações do Sr. Presidente do Ministério em nome do Governo.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 9 de Abril de 1921.— Álvaro Guedes.

Para a Secretaria,

Para a acta.

Declaro que aprovei o projecto de amnistia na generalidade por concordar com o projecto Plínio Silva, que tende a ampliar a doutrina daquele, no sentido de ser aplicada também a alguns republicanos que se encontram sob a ameaça de rer renovadas as acusações delituosas que lhes foram há anos assacadas.— João Estêvão Aguas.

Para a Secretaria.

Para a acta.

Declaro que tendo manifestado a minha opinião favorável à concessão de amnistia só por equívoco vejo o meu nome incluído na listas dos que rejeitaram. — O Deputado, Godinlw do Amaral.

Para a acta.

Declaro que se estivesse presente na última sessão desta Câmara teria rejeitado o projecto de amnistia nela votado.

Lisboa, 11 de Abril de 1921.— Alberto Cruz, Deputado pelo círculo n.° 10.

Parecer

Da comissão do comércio e indústria sobre o n.° 106-E, que restrinjo o exercício de operações de capitalização proveniente da pequena economia.

Para a comissão de finanças.

Requerimento

Kequeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja foinecida nota das dotações concedidas pelas verbas de despesa ordinária e extraordinária, para conservação, reparação o construção de estradas no distrito de Santarém, relativa abS anos económicos de 1918-19Í9, 1919--1920 e 1920-1921, com designação das estradas em que fossem aplicadas, importância dos trabalhos em cada uma despendida e saldos porventura existentes dessas dotações.— Em 12 de Abril de 1921. — Francisco J. Pereira.

Expeça-se.

Declarações de voto

O Sr. Sousa Varela, em carta dirigida a S. Ex.a o Sr. Presidente, declara que se tivesse podido assistir à votação da amnistia a teria votado.

Para a acta.

Dos Srs. Deputados Alves dos Santos, Homem Cristo e Maldonado de Freitas, que aprovariam o projecto de amnistia, se comparecessem à sessão de hoje.

Para a Secretaria.

Os REDACTOBES :

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