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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
S E S S A. O IsT.°
EM 2 DE MARÇO DE 1922
Presidôncia do Ex,mo
Secretários os Ei."01 Srs,
Sumário. — Abertura da sessão.
Leitura da acta.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar), usando da palavra sobre a acta faz algumas considerações sobre a eleição de Timor.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Moura Pinto. Responde-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Pedro Pita invoca o artigo 27." do Regimento.
O Sr. Abílio Mourão dá explicações, em nome da comissão de Verificação de Poderes. Segue-se no ?tso da palavra cobre o incidente o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Velhinho Correia invoca o artigo 53." do Regimento.
Os Srs. Almeida Ribeiro e Júlio de Abreu fazem ainda algumas considerações, e em seguida é aprovada a .acta.
Dá-se conta do expediente.
È aprovada a urgência para um projecto de lei.
O Sr. Ministro das Finanças (Portugal Durão) manda para a Mesa uma proposta de lei para a qual pede a- urgência. É concedida.
Ordem do dia. — (Comemoração dos antigos Deputados e Senadores falecidos no interregno parlamentar). Usa da palavra o Sr. Presidente da Câmara, propondo um voto de sentimento.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Alberto Vidal, Vicente Ferreira e Álvaro de Castro.
Ê prorrogada a sessão, a requerimento do Sr. Paiva Gomes, até se esgotar a primeira parte da ordem do dia.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Morais de Carvalho, Lino Neto, Cunha Leal, Leonardo Coimbra, Pina de Morais, Vergilio Costa, Novais de Medeiros, Dinis da Fonseca, Sampaio Maia, Abílio Mourão, Sousa Dias, Almeida Ribeiro, Sá Pereira, António Correia, Jorge Nunes e Presidente do Ministério (António Maria da Silva) que apresenta uma proposta de lei, para que pede urgência e dispensa do Regimento, concedendo pensões às famílias das vitimas da noite de 19 de Outubro.
Sr. Domingos Leite Pereira
Baltasar de Almeida Teixeira João de Orneias da Silva
É lida na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo.
Concedida a urgência e dispensa do Regimento à proposta do Sr. Presidente do Ministério, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Pedro Pita, Paulo Menano, Vitorino Guimarães, Lino Neto, sendo em seguida aprovada, com um artigo novo do Sr. Paulo Menano.
O Sr. Paulo Menano requere dispensa da última redacção.
É aprovada a proposta do Sr. Álvaro de Castro.,
E encerrada a sessão.
Abertura às 14 horas e 00 minutos. Presentes 89 Srs. Deputados.
• Sao os seguintes:
Abílio Marques Mourão. Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho. Adriano António Crispiniano da Fonseca.
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Diário da Câmara dos Deputados
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Torres Garcia.
António Correia.
António Gfcjnestai Machado.
António LÍQO Neto* .António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Morais de Carvalho*
Artur Kodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonaáo de Freitas.
Delfim Costa*
Domingos Leite Pereira.
Reinando! Aiigusto Freiria.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rego Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Estevão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Orneias da Silva.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henriques do Abreu.
Juvenal Heerique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Loiiíenço Correia Gomes.
,Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tava.:es de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Duarte.
Manoel de Sousa Coutiníio.
Manuel de Sousa Dias Júnior. .
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Gois Pita.
Pedro Januário cio Vale Sá Pereira".
Plínio Octávio de SanfAna e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados gue^entrarãm durante a sessão :
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso; António Joaquim Ferreira da Fonseca. Artur Brandão. Augusto Pereira Nobre. Constâncio de Oliveira. Custódio Martins de Paiva. João Pina de Morais Júnior. José Joaquim Gomes de Vilhetiá.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marcai. Afonso Augusto da Costa. Aires de Orneias e Vasconcelos. Alberto Jordão Marques da Costa.1 Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa. Amaro Garcia Loureiro. Américo da Silva Castro. António Abranches Ferrão. António Abílio Marques de Azevedo. António Augusto Tavares Ferreira. António Dias. . António Pais da Silva Marqiies.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
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Sesêão de 2 de Março de 1922
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugênio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Monis Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vass Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos. .
José Domíngues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Josó de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira de Matos Rosa.
Manuel de Sonsa da Câmara. ,
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamploha Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacãrda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vaientim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Gpdinho.
Pelas 14 Jioras e 45 minutos^ com a presença de ôô Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Léu-se a acta.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar) (sobre a, acta):—Sr. Presidente: antes de entrar no assunto, cumpre-me
saíidar V. Ex.a, que novamente assumiu a presidência desta Câmara, e salivai* todos os meus colegas nesta casa, fazendo votos para que todos consigamos pelos nossos actos manter a dignidade parlamentar, que tanto se torna necessário manter.
Sr. Presidente: eu pedi a palavra sobre a acta para me referir a um assunto sobre o qual sou forçado, por circunstâncias especiais, a fazer algumas considerações; mas antes de as fazer devo acentuar, parti desfazer qualquer falsa interpretação, que tenho a máxima consideração pelo Sr. Rego Chaves, meu velho amigo* e companheiro numa situação ministerial, onde nos demos perfeitamente e onde vivemos na melhor harmonia.
Fsço esta declaração para que nas considerações que vou fazer não haja exploração, imaginando-se qualquer questão pessoal.
igualmente devo declarar à Cámaía que tenho a máxima consideração pelos ilustres membros da comissão de verificação de poderes que julgou a eleição de Timor. São meus amigos e meus correligionários.
Posto isto, vou ocupar-me do assunto, prefeitamente à vontade, não se tratando de questão alguma pessoal, mas sim do que eu entendo que deve ser o respeito pela lei. •
Sr. Presidente: fala-se muito na autonomia das colónias e todos defendem o princípio de que o Ministério das Colónias, ou como vulgarmente se diz, õ Terreiro do Paço, não intervenha nos assuntos exclusivamente coloniais.
Todos dizem que vivemos em perfeita desordem e assim não podemos progredir.
Soa igualmente dessa opinião; mas impor a ordem, não é mandar forças para a rua. A ordem tem de vir de cima para baixo e só assim podemos exigir o cumprimento do dever.
O parecer da Comissão de Verificação de Poderes sobre a eleição de Timor ó contrário à lei eleitoral, ó contrário ao livre exercício dos direitos eleitorais.
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Diário da Câmara dos Deputados
verificação dos poderes dos seus membros.
Poucas vezes terá sucedido que o acto eleitoral haja decorrido tam legalmente, como o último acto eleitoral decorrido em Timor.
Foi apresentada ao eleitorado em Timor uma candidatura adoptada por vinte e cinco eleitores.
Igualmente no Ministério das Colónias foi também apresentada uma candidatura, precisamente a mesma que vinte e cinco eleitores apresentaram em Timor, até três dias antes do dia marcado para se efectuar a eleição.
Não houve em Timor qualquer alteração à proposta apresentada pelos vinte e cinco eleitores.
Em conformidade com o artigo 18.° da lei n.° 314, como até o terceiro dia antes do dia marcado para a eleição não houvesse em Timor alteração alguma à proposta de vinte e cinco eleitores, o juiz, no cumprimento da lei, considerou, como eleito, o candidato apresentado.
Deste modo foi considerado eleito esse Deputado e em telegrama vindo de Timor foi adoptado para o Ministério das Colónias.
^0 que havia a fazer perante esse telegrama vindo do ultramar?
Simplesmente o que diz a lei e a lei diz que essa eleição era válida, salvo as decisões das respectivas comissões parlamentares, decisões relativas à legalidade da declaração e à legitimidade que marca taxativamente a lei.
As comissões parlamentares liinitam-se a verificar se a apresentação da candidatura foi legal e se o candidato era elegível. Nada mais. Mas a comissão de verificação de poderes ultrapassou as suas funções e vem anular um acto perfeitamente legal. Dizia eu que a comissão anulou um acto legalmente praticado. O juiz de Timor cumpriu a lei, "desde que até o terceiro dia, antes do marcado para a eleição, declarou candidato eleito o candidato que" se tinha apresentado. Anular este acto legal, quer dizer que o juiz não cumpriu o seu dever. Por con-seqiiencia seria 'pôr esse juiz em cheque, porque a lei também determina as penalidades, a que estão expostos, os que não cumprem, o que está estipulado nos prazos legais. O juiz não pode, pois, deixar de cumprir o que estava marcado na lei. Vozes:—Está fora da ordem. O Orador: — Há por consequência um abuso da Comissão de Verificação de Poderes. Sussurro. Contrariamente ao que está estipulado na lei, quis proclamar-se como Deputado quem nem era candidato. O Sr. Pedro Pita:—Peço a palavra. Sr. Presidente: o orador está fora da ordem! O Orador: —Não se cumpriu a lei eleitoral, declarando como Deputado eleito um candidato, porque declarou que queria ser no Ministério das Colónias. Não se cumpriu a lei, porque a faculdade dada a um candidato de poder apresentar a sua declaração no Ministério das Colónias não implica a anulação dos prazos legais que estão estabelecidos na lei. Não se pode interpretar uma lei no sentido de conduzir ao absurdo, e a forma como procedeu a comissão de verificação de poderes conduz a um absurdo. O Sr. Presidente : — Eu tenho a informar V. Ex.a de que não há recurso das comissões de verificação de poderes, e as considerações de V. Ex.a não têm o objectivo que V. Ex.a pretende. Trocam-se apartes. O Sr. Carvalho da Silva: —JÊ preciso que se discutam os acórdãos. É à Câmara que compete resolver estes assuntos. Eu não conheço o caso em questão, mas é necessário que ele seja esclarecido. Uma voz : — <_ p='p' g-ovêrno='g-ovêrno' que='que' está='está' onde='onde' é='é' mas='mas' _='_' o='o'> O Orador: —
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Setsão de 2 de MarçcTde 1922
elas se discutam: nestas condições, eu estava mostrando à Câmara o que pensava, ao meu legítimo direito de Deputado.
O Sr. Pedro Pita: — A ocasião é que não é muito própria.
O Orador:—Dizia eu que estava no meu direito, como Deputado, e ainda por se tratar duma questão que complica com autoridades do ultramar, como Ministro das Colónias. Eu tenho o direito de ser ouvido, como ouço todos aqueles que tratam de questõ"es que interessam ao bom nome da República.
" O Sr. Jorge Nunes: — £ V. Ex..a dá-me licença ?
Eu pertenço ao número dos que têm interrompido V. Ex.& .
De facto, eu não posso deixar de reconhecer a V. Ex.a o direito de, como Deputado e como Ministro, tratar de qualquer questão. Eu sou o primeiro a prestar as minhas homenagens ao talento e ao carácter de V. Ex.a, mas refiro-me ao facto de V. Ex.a estar fazendo uso da palavra numa altura em que não podia fa-zê-lo. V. Ex.a pediu a palavra sobre a acta, e, nesse caso, apenas podia fazer rectificações ou declarações de voto, e nada mais.
O Sr. Almeida Ribeiro : — Não se tem feito isso !...
O Orador: — Eu quero chamar a atenção da Câmara para, este facto, e julgo que a ocasião era precisamente quando foi lida a acta, em que foi exarada a apresentação dum parecer da respectiva .comissão de verificação de poderes. Eu pedi a palavra, e o Sr. Presidente não ma negou.
O Sr. Jorge Nunes: — Por deferência para com V. Ex.a!...
O Orador: —- Eu não estou a fazer política. Estou a referir-me a um acto pra--ticado por correligionários meus.
O Sr/ Jorge Nunes : — E não favoreceram nenhum meu!...
O Orador: — É apenas uma questão de princípios que eu quero acentuar. Não quero responsabilidades deste absurdo, que eu considero como ir coarctar o direito do eleitorado. Isto não - se há-de fazer com o meu apoio. (Apoiados).
Sr. Presidente : eu creio ter mostrado à Câmara, ou pelo menos àqueles que me prestaram atenção, o que muito agradeço, que a Comissão de Verificação de Poderes não podia alterar aquilo que o juiz fez, em obediência à lei.
Se se quisesse admitir como existindo o candidato proclamado, tinha de admitir-se que nessa ocasião havia dois candidatos : um que apresentou a candidatura aqui, e o outro apresentado por vinte e cinco eleitores em Timor. Nesta hipótese tinha de haver eleição.
Houve, a meu ver, uma grande precipitação, não esperando pelo processo, a fim de se tomar conhecimento das irre-. gularidades cometidas.
Repito, pedi a palavra para chamar a atenção da Câmara para um facto que não deve passar sem o meu protesto. É necessário que não se estabeleça a doutrina de que os Deputados do ultramar são nomeados aqui, não no Terreiro do Paço, mas em S. Bento. (Apoiados).
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto'pelo orador, guando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Moura Pinto:—Pedi a palavra, para preguntar a V. Ex.a Sr. Presidente, se está disposto a permitir que nesta Câmara se continuem versando assuntos respeitantes às comissões de verificação de poderes.
Já na legislatura passada se levantou aqui um- incidente, e sobre ele a Câmara" tomou deliberações, além de outro, que na legislatura anterior já tinha dado motivo a estabelecer-se doutrina que é a única quê está dentro da lógica.
Sr. Presidente: a Câmara delegou em. comissões, que, para todos os efeitos, ficam desde logo investidas em poderes, como se fossem judiciais,* e dessas comissões não há recurso. Se assim -não fosse, não haveria ninguém que delas quisesse fazer parte.
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í)iárlo âa Câmara aos.Deputados
de lazer a verificação era sessão plenária, experimente, e ver-se há então que tempo levará o Parlamento português a verificar uma eleição.
Sr. Presidente: se, porventura, a lei é deficiente, se % Câmara não tem, dentro de si, todos aqueles direitos necessários à defeza dos legítimos interesses, revo-gud-se a Jei, tenha-se a coragem de pôr aqui essa questão claramente,» e dizer que não se querem comissões de verificação de poderes em que haja maioria de A ou P. Arranje-se uni tribunal dotado de todos qs mpios para assegurar, junto da opinilo publica e dos interessados, que não podem reclamar, porque está inflexivelmente julgado.
Sr. Presidente: todos os dias, a propósito de tantas e tantas ambições que não podem entrar aquela porta para aqui exercerem o mandato tam altamente como desejariam para vir salvar o país, o a propósito de grandes talentos que ficam fora da Câmara,» todos os dias «.assistimos $ este espectáculo de ver deprimir homens.
A 4isGi}ssãQ ou juízo que cada um apresente a. respeito duma reclamação de direito pode ser tudo que quiserem, mas não é a garantia da estabilidade da ordem e da justiça.
Apartes.
O Sr% Manuel Duarte (interrompendo):—AB comissões são falíveis. Apartes.
Q Orador : — São tam falíveis como é o Tribunal de Justiça, ou outro.
Apartes.
Sr. Presidente: se a lei é má, revogue-se a lei, mas não se dê este espectáculo de, se levantarem estas discussões sem galhardia nem nobreza.
Assim, Sr. Presidente, eu desejaria pedir a V. Ex.a que com a autoridade que tem como Presidente desta Camará evitasse tais espectáculos.
Devo ainda dizer que ouvi as considerações que fez o Sr* Ministro das Colónias, e quvi-as com aquela consideração que é devida a S. Ex.*,, não sendo portanto daqueles que o interromperam; e só por muita consideração não interrompi S. Ex?a, porque S. Ex.a estava adulterando a lei e perturbando a lei.
Se se entende que a lei ã deficiente, provoque-se um debate para a modificar
Tenho dito.
O discurso será publicada na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente : — Tente» a dizer ao Sr. Moura Pinto que tendo o Sr. Ministro das Colónias pedido a pa"..avra quando pus em discussão a acta, eu não poderia julgar das intenções de S. Ex.anem também pegar-lhe a palavra, visto que queria falar sOfcre a acta. .
O Sr. Ministro das Colónias (Eodrigues Gaspar) : — Sr. Presidente : não posso concordar em que eu não tivesse o direito de usar da palavra sobro o assunto que discuti.
É minha opinião que eu estava nq uso .do meu direito usando da palavra pelo modo como o fiz.
Apartes.
O Sr. Presidente: — Não posso deixar de dizer .deste lugar que os pareceres das comissões de verificação de poderes não têm de ser. trazidos às sessões da Câmara.
Apartes.
O Sr. Pedro Pita :— Sr. Presidente : tinha pedido a palavra para invocar o Regimento, mas a ocasião já passou e assiin tenho de justificar o meu pedido.
O artigo 27.° do. Regimento diz o seguinte :
«Art. 27.° Aberta a sessão, o segundo secretário lerá a acta da sessão antecedente, e se não houver reclamação contra a sua redacção, considerar-so há aprova-. da, o o- Presidente assim c declarará à Assemblea».
V. Ex.a, Sr. Presidente, acaba de responder que o Sr. Ministro das Colónias, tendo pedido a palavra sobre a acta, tinha falado sObre a acta. °
Q que o Regimento permite é que qualquer Sr. Deputado levante dúvidas unicamente sobre a redacção da asta.
Era justamente para isso que eu dese" java invocar o artigo 27.° do Regimento.
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de 2 de Março de 1922
lónias se tivesse limitado a fazer quaisquer objecções acerca da forma por que estava redigida a acta, não teria sido eu um dos Deputados que mais vivamente interromperam S. Ex."
Todavia S. Ex.a não se limitou a fazê-"lo e entendeu que essa era a ocasião própria para fazer largas considerações que o Regimento não permite.
Foi simplesmente esta circunstância que me obrigou a invocar o Eegínionto e a interromper por várias vezes o Sr. Ministro das Colónias.
Além disso afigura-se-me que nós não estabelecemos um bom precedente trazendo à discussão desta Câmara um processo julgado já pela comissão de verificação de poderes, por todas as razões e ainda porque a discutir um desses pareceres, teremos lógjmente de discutir todos os outros. • •
Lamento pois que o Governo, por intermédio do Sr. Ministro das Colónias, tivesse levantado esta questão manifestamente irritante e que certamente há-de privá-lo um pouco da boa vontade com que foi recebido, por parte daqueles que foram directamente atingidos pelas palavras de S. Ex.?, ou nelas viram quaisquer referências menos agradáveis aos seus grupos.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar):—&V. Ex.a dá-me licença para uma explicação?
Eu tenho constatado coni pezar, que da minha atitude sobre este assunto que eu conheço pelos documentos oficiais, se pretende tirar um significado de menos consideração pelo meu velho amigo Sr. Rego Chaves.
Foi em face da forma por que se pretendia interpretar o meu procedimento, que eu pedi a palavra e dela usei sobre a acta.
O Orador: — Ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelo Sr. Ministro das Colónias.
Eu não podia ter a intenção que S. Ex.a julgou.
Eu tenho pelo ilustre Deputado a maior consideração, e o ilustre Ministro disse que também a tinha.
Sob o ponto de vista pessoal, a questão está posta nos devidos termos.
Eu disse apenas que o Sr. Ministro das Colónias não tinha feito observação alguma a • respeito doutros processos, 'fazendo-a agora quando se trata de um correligionário meu.
Não teria citado o Regimento se porventura o Sr. Ministro tivesse declarado que a sua atitude tinha por fim desfazer a má interpretação que tinha sido dada à maneira como tinha procedido na última sessão.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe fo-,ram enviadas.
O Sr. Abílio Mourão (em nome da comissão de verificação de pwLeres) :— Eu sou daqueles que entendem que os acórdãos não devem ser discutidos nesta Câmara.
Fazendo parte da comissão que julgou o processo eleitoral de Timor, julgo de-vor meu prestar à Câmara todas as explicações para que os membros da comissão pela minha voz fiquem ilibados.
Do processo presente consta apenas a apresentação da candidatura do Sr. Queimado de Sousa, desistiu dela e foi proclamado o Sr. Rego Chaves.
A Comissão de Verificação de Poderes, não podia deixar de dar o parecer que apresentou, porque do processo analisado não constava que houvesse outro candidato.
Tinham, realmente, apresentado candidaturas, dois cidadãos, mas o Sr. Queimado de Sousa, que era um deles, desistiu da sua, e nessas condições nunca podia ser proclamado.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar):— O candidato Queimado do Sousa desistiu efectivamente da apresentação da candidatura que fez no Ministério das Colónias, mas não podia desistir, nos termos da lei, da sua candidatura, apresentada em Timor, por '25 eleitores!
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diário da Câmara d*t Depvtado*
Eu devo declarar a V. Ex.a que não houve, por parte da comissão, qualquer propósito de favorecer o candidato A ou B, e até por uma feliz sorte, sendo a comissão composta de Deputados filiados em dois partidos da República, o candidato proclamado, não faz parte de nenhum deles.
Eu dou estas explicações à Câmara, já disse e repito gostosamente, porque me é sempre grato dizer bem alto aquilo que faço, porque o faço sempre leal e cons-cientemente.
Mas nfto quero desde já deixar de levantar o meu protesto contra o facto que já na legislatura passada se verificou, tendo eu'também feito parte duma comissão de verificação de poderes, de aqui se estar a julgar ilegitimamente o procedimento das comissões. (Apoiados). Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, quando o orador devolver, .revistas, as notas taquigráftcas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações):— Sr. Presidente: visto que, com alguns apartes, já interrompi o discurso do Sr. Ministro das Colónias e os dos outros oradores que me antecederam no uso da palavra, apenas farei ligeiras considerações acerca do assunto levantado das bancadas do Governo, e que, como disse o Sr. Ministro das Colónias, tem uma importância capital porque, no seu aspecto moral, ele não pode deixar de ser encarado por esta Câmara, por isso que diz respeito ao prestigio que advém para si de.poder provar ao País a legitimidade com que aqui estão sentados os seus Deputados.
Sr. Presidente: folguei muito de ouvir a opinião do ilustre magistrado Sr. Almeida Ribeiro, que ó bem insuspeita para o caso e é aquela- que se me afigura não poder ser refutada: é que ó expressa a Constituição quando diz que é a cada uma das Câmaras que compete a verificação dos poderes dos seus membros, e, por conseguinte, não pode a nenhuma delas coarctar-se o direito de • apreciação dos acórdãos das suas comissões. E folguei tanto mais quanto é certo que o ilustre Deputado Sr. Moura Pinto foi contra um dos princípios fundamentais da lei, dizendo que uma comissão que é mandatária não tem de dar contas ao mandante.
Disse o Sr. Moura Pinto que o facto de se discutirem na Câmara os acórdãos das comissões de verificação de poderes só poderia produzir o exarcebamento de paixões políticas, oe que, por ílsso mesmo, se revoltava contra essa discussão.
Mas então eu pregunto: Vozes de diversos lados da Câmara: — Não apoiado. Não apoiado. Vozes da extrema direita da Câmara: — Apoiado. Apoiado. O Orador: — Com estas minhas palavras não pretendo ferir quaisquer susceptibilidades pessoais; quero Iam somente constatar a razão que assiste à minoria monárquica para lavrar o &eu mais indignado protesto contra a doutrina sustentada pelo Sr. Moura Pinto.
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Sessão de 2 de Marco de 1922
K preciso evitar que sejam proclamados Deputados criaturas que nem um voto tiveram, como bem disse o Sr. Lopes Cardoso, ficando de fora pessoas que obtiveram milhares de votos.
£ Pode chamar-se democracia ao regime que assim procede em desrespeito pela vontade do eleitorado português?
Sr. Presidente: devo por último declarar que as palavras do Sr. Ministro das Colónias vôm claramente dar uma grande força aos nossos protestos, e que da parte do Grupo Reconstituinte há-de, decerto, vir o apoio ao projecto que, como já disse, a minoria monárquica terá a houra de enviar para a Mesa na devida oportunidade. Ainda quero acrescentar que nesta questão, referente ao Sr Rego Chaves, o meu desejo é de que S. Ex.a,* meu velho condiscípulo e meu amigo querido,-ficasse nesta Câmara. Sou, portanto, insuspeito ao tratar deste assunto, que, aliás, ainda não conheço em todo o seu detalhe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia : — Sr. Presidente: o artigo 53.° do Regimento diz o seguinte no seu § único:
«Além destas inscrições de ordem gemi, aos Deputados e Ministros de Estado .podorá ser concedida a palavra para negócios urgentes, para explicações, para invocação do Regimento e para antes de se encerrar a sessão. Neste último caso os oradores limitar-se hão, quer-a enviar para a Mesa papéis cujo destino não consinta delongas, quer a pedir sucintas informações, etc.».
A seguir diz o mesmo Regimento:
a Para negócios urgentes, para explicações e para invocaçcão do Regimento, é permitido em qualquer altura da sessão podir a palavra, mas dela usando, a seu tempo, sóbria e brevemente».
Ora, nestas condições, não estamos na altura da sessão em que poderiam ser foitos os largos discursos que acabamos do ouvir.
Chamo, pois, a atenção de V. Ex.a para as disposições do Regimento que acabo de ler.
O Sr. Presidente:—Estou de acordo com V. Ex.a
Tem a palavra o Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Almeida Ribeiro:—Tendo já manifestado aqui, por mais de uma vez, a opinião de que, pela Constituição, à Câmara compete verificar os poderes dos seus componentes, eu não quero deixar de afirmar as minhas doutrinas para que a ninguém seja lícito supor que eu tenho mudado de parecer/
Eu não quero, Sr. Presidente, de maneira nenhuma considerar os interesses políticos de quem quer que seja.
Coloco-me, Sr. Presidente, com as .breves considerações que voíi fazer, unicamente no ponto de vista legal e constitucional.
Considero e respeito muito todas as pessoas interessadas no assunto, se assim se lhe pode chamar, inas desinteresso-me por completo dos interesses deles ou dos agrupamentos políticos» a que pretencem.
O artigo 13.°, n.° 6.° da Constituição é muito claro neste sentido, dizendo que a Câmara verificará os poderes dos seus membros.
A pretensão, Sr. Presidente, que a Câmara ainda antes de existir delegou na Comissão de Verificação de Poderes esta atribuição constitucional, parece-me, pelo, menos arrojada.
. A classificação também já dada nesta Câmara às atribuições da Comissão de Verificação de Poderes, parece-me, Sr. Presidente, egualmente ousada'.
A Comissão de Verificação de Poderes, Sr. Presidente, como todos nós sabemos é constituída por candidatos proclamados; porém, as suas resoluções* ou deliberações podem e devem ser sujeitas ao ve-redictum da Câmara, se ela for dessa resolução ou parecer.
Sr. Presidente: não se .tem feito assim, é facto; mas é sempre tempo de emendar a nossa atitude e de se fazer respeitar a Constituição que nos rege, e assim ou devo dizer que depois da Câmara se achar constituida, como está, pode e deve a resolução da Comissão de Verificação de Poderes ser sujeita à apreciação da mesma Câmara. (Apoiados).
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Diário da Câmara dos Deputados
segundo o direito da Constituição lhes garante. (Apoiados}. «
Emquanto a Câmara se não achava constituída, eu entendia que o assunto se não devia aqui ventilar, porém, agora que a Camará já se acha constituída, sou da opinião contrária, isto é, que a Câmara se pode pronunciar sobre o assunto.
Não é obrigada a fazê-lo, mas pode apreciar cada um dos pareceres que entender.
Termino por afirmar que não vim a defender os interesses particulares de ninguém, que entendo são muito respeitáveis e que muito considero, mas que todos tem do reconhecer a superioridade, o império indiscutível da Constituição.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio de Abreu:—Poucas palavras direi.
O § único -do artigo 13.° -da Constituição diz:
«A cada uma das Câmaras compete verificar e reconhecer os poderes dos seus membros, eleger a sua Mesa, etc...»
Muito bem. O que não diz é a forma de o fazer; mas em observância às disposições da lei eleitoral, desde que um acordo das Comissões de Verificação de Poderes veio publicado no Diário do Governo, não podemos estar aqui a discutir a deliberação das comissões.
Diversos apartes.
Vozes: — Ordem do dia, ordem do dia.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia. (Apoiados).
O Orador: — Fazendo eu parte da 3.a comissão de Verificação de Poderes, e desde que se tom discutido, o assunto, eu tinha de explicar que não se coartou o direito do ninguém. Foi o próprio Sr. Queimado de Sousa quem desistiu.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — A Comissão de Verificação não foi submetido nenhum processo eleitoral:
O Orador: — Eu tenho aqui o processo. Se está completo ou não, é que não sei.
O orador não reviu.
Posto, n acta à votação^ foi aprov&dãt
Leu-se o seguinte
Expediente
Carta
Ao Ex."'° Sr. Presidente cia Câmara dos Deputados, enviada pelo Sr. Francisco da Cunha Rogo Chaves, participando que não deseja acumular 0:5 trabalhos parlamentares com os escolares no Instituto Industrial de Lisboa, e com o serviço na Escola Militar, pedindo que sejam feitas as devidas comunicações.
Para a Secretaria.
Expeçum-se ofícios.
Ofícios
Do Senado, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, as propostas de lei seguintes:
Promovendo ao posto imediato os tenentes, capitães, majores e tenantes-coro-ronéis, em determinadas condições;
Revogando o § 1.° do artigo 8.° do decreto n.° 3:632, de 29 de Novembro de 1917. (Pensões de sangue).
Para a Secretaria.
Do Senado, comunicando te:: enviado à Presidência da República, para promulgação, a proposta do lei que aumenta para dezanove o número de societários do Teatro Nacional.
Para a Secretaria.
Do Conselho de Administração dos Bairros Sociais, enviando circulares da sua comissão administrativa sobre a fundação duma biblioteca do Bairro Social do Arco do Cego.
Para a Secretaria.
Da União da Agricultura, Comércio e Indústria, chamando a atençãd da Câmara para as resoluções-conclusões do 3.° Congresso Económico Nacional, recente^ mente retinido em "Coimbra, que envia.
Para a Secretaria.
Do 2.° Juízo de Investigação Criminal, pedindp a comparência do Sr. Aires de Orneias de Vasconcelos para prestar declarações num processo.
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Pedidos de licença
Do Sr. Aires de Orneias, 30 dias. Do Sr. Joaquim Brandão,' 10 dias. Concedido. Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Justificação de faltas
Do Sr. António Pais da Silva Marques.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Renovações de iniciativa
Declaro que renovo a iniciativa do projecto de ]ei que no devido tempo apresentei a esta Câmara e nela tomou o n.° 779—E e que foi publicado uo Diário do Oovêvno de 13 de Maio do 1921 (constituição duma junta autónoma no porto de Vila Real de Santo António).
Ein 2 de Março de 1922.—Aníbal Lúcio de Azevedo.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de obras públicas e minas.
Renovamos a iniciativa do projecto de lei n.° 693-E, de Março de 1921.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 2 de Março de 1922.- João de Orneias da Silva — Paulo Menano.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de finanças.
Declaro que renovo a iniciativa do projecto de lei que em devido tempo apresentei a esta Câmara canela tomou o n.° 10-L c quo foi publicado no Diário do Governo de 10 de Agosto de 1921 (reconhecimento da qualidade de cidadão português ao professor da Faculdade de Letras, Alfredo Appel) —Aníbal Lúcio dd Azevedo.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de negócios estrangeiros.
Declaro que renovo a iniciativa do projecto de loi que em devido tempo apresentei a esta Câmara e nela tomou o n.° 706-H e que foi publicado no Diário do Governo de 18 de Março de 1921 (sobre a concessão de amas ruínas d© um forte,
com destino à Câmara Municipal de Torres Vedras).— Aníbal Lúcio de Azevedo. Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.
Declaro que renovo a iniciativa do projecto de lei que em devido tempo apresentei a esta Câmara e nela tomou o n.° 779-D, e que foi publicado no Diário do Governo de 13 do Maio de 1921 (constituição duma junta autónoma no porto de Lagos).-—Jiníbal Lúcio de Azevedo.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de obras públicas.
Admissão Foi admitido à discussão o seguinte
Projecto de lei dos Sr s. Carvalho da Silva, Manuel Duarte, Artur de Morais Carvalho e Paulo Cancela de Abreu, autorizando o Governo a entregar templos, objectos de culto, bens móveis e imóveis pertencentes à Igreja e em poder do Estado e dos corpos administrativos, aos prelados e aos párocos em exercício sob a autoridade dos mesmos.
Para á comissão de negócios eclesiásticos.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam-a urgência para o projecto de lei dos Srs. António de Sousa e Alberto Leio Portela concedendo à mãe e filho de António Cândido de Gouveia Castilho e Nobre a pensão anual e vitalícia de 3,600$, queiram levantar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Ministro das Finanças (Portugal Durão):—Peço urgência para a proposta de lei que tenho a honra de mandar para a Mesa, autorizando o Governo a celebrar com o Banco de Portugal um contrato conforme as bases que vão juntas.
Lida na Mesa, é aprovada a urgência.
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em especial, daqueles quò os assassínios nefandos de 19 de Outubro de 1921 arrebataram de nós para todo o sempre. Compro o dever de transmitir à Câmara os sentimentos do eminente Chefe do Estado.
A comemoração de hoje é a expressão da nossa mágoa pela morte e do nosso respeito pela memória de todos aqueles que há pouco desapareceram • no túmulo e que, ou antes ou depois da proclamação da República, foram representantes da Nação dentro do seu Parlamento. Infelizmente, a lista dos seus nomes é bem extensa num .período de tempo bem curto.
Morreu António Granjo, o propagandista entusiástico da Eepública desde a juventude; tam distinto como escritor que, se a política o não absorvesse, viria a ser com certeza um dos melhores nomes literários da nossa terra; parlamentar vigoroso, intrépido soldado da Flan-dres, combatente aguerrido de Chaves, o .patriota apaixonado em cujo peito a Pátria vibrava com as pulsações do seu grande coração. Morreu Machado Santos, o herói supremo de 1910, destemido legionário da República que ao seu braço forte se apoiou na madrugada luminosa e incerta da Rotunda. Morreu Carlos da Maia, romântico herói de 5 de Outubro, cujo heroísmo galhardo chegada à temeridade, marinheiro valente tanta vez desdenhoso da morte e que, pertenceu a essa plêiade magnifica de leões do mar sem os quais a República não seria lia 11 anos uma realidade. Morreu Anselmo Braacamp Freire, antigo par do reino, que um dia, por impulso patriótico, sacudiu dos ombros os seus arminhos; presidente da Assembleia Nacional Constituinte, presidente do primeiro Senado da República, investigador e erudito cuja obra, por si só, o imporia ao nosso respeito, mas que foi ainda, a par de um espírito culto e superior, um cidadão modelar. Morreu o general Dantas Baracho, português de lei; paladino antigo das liberdades públicas, de voz vibrante, tantos anos em defesa dos generosos princípios de Liberdade que professava,^ e de alma aberta, sem o menor tédio, para todos os que a ele recorriam, por mris humilde que fosse a sua condição, quando se julgavam vítimas de qualquer iniquidade ou injustiça. Morreu Pedro Boto Machado, Senador da
República, que por ela se bateu em 31 de Janeiro; de largo coração tam sensível a todas as desgraças, e que a vida passou fazendo o bem como o demonstra a perdurável obra de assistência que na sua terra, Gouveia, à sua magnanimidade deve a existência. \
Morreram António de Almeida Dias, Alfredo Carlos Leooq, Henrique Mateus dos Santos, José Cabral Correia do Amaral, Francisco da Silveira Via::ia, Manuel Francisco de Vargas, João Ribeiro Cardoso, António de Vasconcelos e Sousa (Conde de Figueiró), José Cu.pertino Ribeiro Júnior, António Augusto Pereira de Miranda, António Higino de Magalhães Mendonça e José de Assunção Guimarães, antigos membros do Parlamento português para cujo ennobrecimento contribuíram.
A todos prestemos as nossas homenagens, demos aos seus nomes Ê, consagração do nosso preito e da nossa saudade.
Eles trabalharam para a Pátria que é nossa, de nós todos, sem distinção de ideas políticas, servindo-a e amando-a.
Mas as circunstâncias excepcionais em que deeapareceram para sempre os três grandes republicanos António Granjo, Carlos da Maia e Machado Santos, ainda hoje vibram, e jamais deixarão de vibrar fundos estremecimentos de dor nos nossos corações.
A tragédia espantosa —realidade tam tremenda que dela se duvida; pesadelo tam esmagador que dêlo se nlo desperta; página de Shakespeare tam formidável que se materializou— impõe-nos urna angustiada concentração de espírito sobre a grandeza da desgraça, imensa, e irnen-semente injusta, das suas desgraçadas vítimas.
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atingidos de morte pela fúria obstinada e louca de ruins instintos em desordem, a bárbara injustiça que os feriu não ó apenas a obra tenebrosa dos que com crueldade estupenda lhes arrancaram a vida. Essa injiidtiça sanguinária, insaciável, implacável, é também a resultante de longa e estonteadora luta em que portugueses se vêm debatendo; luta que tanta vez atinge o aspecto e as proporções duma infindável guerra de extermínio; luta estranha e tam obsecante que, dir-se ia, entre nós as ideas são delitos, e-as opiniões são, crimes.
É tempo de a acabar.. Meditemos na. dura verdade de que todos temos culpas, e não esqueçamos que o embate de opiniões, necessário e inseparável das sociedades modernas, pode e deve fazer-se numa atmosfera superior de justiça, recíproca, de respeito mútuo; sejamos dignos do nosso tempo e, sobretudo, recordemos que somos irmãos da mesma raça, filhos da mesma terra gloriosa.
Assim honraremos as memórias dos mortos ! Assim corresponderemos ao apelo que de além-tumulo, da inuolável serenidade da morte, nos dirigiriam se os pudéssemos ouvir. E o sacrifício daqueles, a quem o crime afogou a vida em sangue, terá servido de lição formidável aos nossos desvarios e contendas.
Proponho, em homenagem a todos, um voto de sentimento.
O Sr. Alberto Vidal: — Sr. Presidente : V. Ex.a acaba de propor à Câmara um voto de sentimento pela morte de alguns cidadãos que foram parlamentares, e entre eles está infelizmente o nome de Anselmo Braamcamp Freire.
Anselmo Braamcamp Freire foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa e eu tenho a honra de ser vogal da mesma Câmara e ó portanto nessa qualidade que me associo ao voto proposto.
Nesta ocasião quero recordar o que foi a correcta administração desse honrado velho que abraçou a República numa época >em que ainda era difícil ser republicano, porque Anselmo^Braancamp Freire deu adesão à República profundamente magoado com os desperdícios e esbanja-meutos da monarquia nos seus últimos tempos.
Mas Anselmo Braamcamp Freire, ao
passo que foi distinto administrador da câmara municipal muma época em que a administração dessa Câmara, se resentia da tutela do poder contrai, foi também um dos primeiros investigadores da nossa literatura.
Ele foi porventura o herdeiro de Ale-xandíe Herculano na investigação histórica.
São extraordinários os seus trabalhos literários relativos à literatura de Portugal no século XVI.
Citando ao acaso, recordo que são notáveis os seus trabalhos sobre a rainha D. Leonor esposa de D. João II, sobre Cristóvão Falcão», sobre Bernardim Ribeiro e sobre Gil Vicente.
Em meu nome e no da Câmara Municipal de Lisboa, associo-me ao voto de sentimento proposto pela morte desse ilustre homem de letras. Tenho dito.
O Sr. Vicente Ferreira: — Sr. Presidente: o Partido Republicano Liberal, concedeu-me a honra que por nenhum título mereço, de ser o seu porta-voz nesta sessão por V. Ex.a designada para comemorar os parlamentares mortos no interregno das sessões.
Sr. Presidente: o Partido Republicano Liberal tem no luto deste dia uma parte maior que qualquer outro partido, porque a ele pertencia o ilustre republicano '- e grande cidadão, António Granjo, tam in-glòriosamente morto na noite, para sempre memorável de 19 de Outubro.
Sr. Presidente: é grande a minha comoção e grande também o meu embaraço, ao tomar a palavra neste solene momento! Grande é a minha comoçãp, porque tenho de relembrar os nomes^ilustres cidadãos^ e de grandes 3 republicanos mortos, e entre estes o meu desditoso amigo Granjo.
Sr. Presidente: eu fui dos mais recentes amigos do Sr. António Granjo, porque embora o conhecesse de longa data, só nas curtas semanas do seu último Governo me foi dado conviver com ele e pude então apreciar as altas qualidades de homem de coração generoso,- de espírito aberto e franco, de hábil homem de Estado, de grande republicano e patriota.
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pronunciar apenas palavras de sentimento e respeito pelos que passaram, ou sinto queimarem-me os lábios e apagarem-me a garganta palavras da mais veo-mente condenação pelo crime sem nome que foi praticado e cuja lembrança tarn dolorasamente nos confrange.
Sr. Presidente: a hora não ó de retaliações, nem de recriminações. Esta é uma sessão de comemoração e não uni comício de políticos; mas permitam-me V. Ex.a e a Câmara que eu, antes de evocar, os nomes dos mortos ilustres e do amigo querido, que tombaram na horrorosa e inesquecível chacina de 19 de Outubro, condeno cheio de indignação e repulsa, alguns dos vivos, aqueles vivos que noru sequer tiveram, depois de tantos e tam trágicos horrores aquele rebate-de consciência que levou Judas de Kérioth ao suicídio, depois de ter praticado' o maior crime da humanidade.
Sr. Presidente: tenho ouvido dizer a pessoas que de perto os conheceram que os homens do 19 de Outubro estavam animados do mais puro idealismo.
Nego-me a reconhecer tal idealismo.
As vagas e anódinas aspirações consignadas na proclamação revolucionária — aliás declarada apócrifa pelos chefes do movimento — nada representam como ideal superior, capaz de congregar e dar coesão aos elementos heterogéneos que fizeram o 19 de Outubro.
Sr. Presidente: eu conheço o bastante de história para saber «. que os grandes ideais que até hoje têm guiado a humanidade precisam de abrir caminho atravez de sacrifícios, regando-o de sangue generoso.
Nas páginas profundas de Herculano ou nas páginas scintilantes de Oliveira Martins eu tenho lido como a nossa história tem sido recortada de lutas sangrentas.
Em todas as revoluções se tem derramado sangue porque em todas tein havido luta.
E nem sequer me surpreenderia, Sr. Presidente, se no 19 de Outubro, a plebo desvairada e excitada por um combate prolongado tivesse "sacrificado cegamente as- primeiras * vítimas que se oferecessem à sua indignação ou ao seu ódio,
^ Mas, no dia 19 de Outubro o qne houve?
O Sr. António Maia:— Todos não! Eu mantive-me ao lado do Governo até o rim. O Orador: —Tem V. Ex.a razão! Eu queria dizer quási todos. Faço justiça a V. Ex.a As forças revolucionárias diiigidas pelo coronel Manuel Maria Coelhc encontravam-se absolutamente senhoras da situação desde as 10 horas do dia 19. £ Corno puderam, pois, desenrolar-se na cidade de Lisboa, sem o seu conhecimento ou perante a sua indiferença, os nefandos crimes dessa noite trágica? £ Corno foi possível organizar-se a caça às vítimas e conduzi-las, umas após outras ao matadouro sinistro do Arsenal? ^Como se pode justificar uma tal-imprevidência e como não deve ela ser tomada por todo o País como una tremenda responsabilidade contraída pelos dirigentes desse movimento? Muitos apoiados. Ninguém, absolutamente ninguém, que tivesse influência nos elementos revolucionários se apressou a dar uir. pouco do seu esforço para salvar a vida desses mártires. Só duas pessoas—e essas estranhas ao movimento —arriscaram, ÍLÍelizmento sem resultado, a sua vida para poupai-as de esses infelizes condenados: os Srs. Cunha Leal e Agatão Lança.
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Quaisquer que sejam as divergências políticas que nos separem, quaisquer que sejam os caminhos por onde o destino nos leve, o Sr. Cunha Leal e o Sr. A gatão Lança poderão contar sempre com o nosso reconhecimento e com a minha profunda estima e respeito! (Muitos apoiados).
Eu teaho preguntado a ruim mesmo, mais de uma vez, que erros espantosos, que desvarios imperdoáveis teria cometido António Granjo para ser vítima dum crime ta m repugnanie e selvagem. E com sinceridade o afirmo, nada encontro que possa constituir um motivo.
António Granjo foi acusado de pactuar com os inimigos do regime.
E falso.
Foi também acusado de ter entendimentos com os partidários duma República radical, e esta acusação era tam infundada como a primeira.
A única cousa que António Granjo fez foi, como político clarividente, preparar a sua sucessão, quando reconheceu que ao Partido Republicano Liberal viriam a faltar os meios indispensáveis para se manter no Governo.
j Mas que não fossem infundadas as acusações!
Isso não constituía, nem motivo, nem justificação para ser condenado à morte e executado vilmente.
Também ouvi dizer, Sr. Presidente, o isso constava duma carta encontrada nas algibeiras do falecido Presidente do Ministério, que António Granjo estava mancomunado com os exploradores do povo; e disse-se isto, porque ele, no exercício das suas funções de Ministro do Interior, e consciente das suas responsabilidades de homem de Governo, entendeu dever tomar algumas medidas para assegurar a ordem por ocasião duma greve do pessoal da Companhia Carris de Ferro.
Eu invoco o testemunho do Sr. Cunha Leal que depois disso foi Presidente do Ministério, bem como o do Sr. António Maria, da Silva, actual Chefe do Governo e o do ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, porque todos devem saber muito bem e por experiência própria, as circunstcincias especiais em que, então, se encontrou o Sr. António Granjo.
Sr. Presidente: eu não desejo alongar--nie em considerações que, embora pos-
sam traduzir toda a minha indignação, ferem demasiadamente a nota política.
Não posso, porém, terminar sem me referir a uma passagem da proclamação da Junta Revolucionária, passagem absolutamente injusta, em que se afirmava que o governo procurava defender apenas interesses pessoais e de partido.
óQ.ue interesses pessoais defenderam os doze homens que se sentaram naquelas cadeiras? Muitos apoiados.
Termino, Sr. Presidente, acusando os dirigentes- do movimento de 19 de Outubro de responsáveis pelos morticínios praticados na caverna do Pelourinho.
Sr. Presidente: o chefe da junta revolucionária, coronel Manuel Maria Coelho, afirmou mais de uma vez, que os crimes de 19 de Outubro se deram contra sua vontade, e que ele e os seus colaboradores da revolta os não poderam evitar, ou reprimir, porque lhes faltaram poderes constitucionais para governar.
Sr. Presidente: não compreendo, não posso compreender, como é que aqueles homens que não precisam de um decreto do Sr: Presidente da República para se apossarem de todos os poderes do Estado, para reunirem forças militares e praticarem os mais graves atentados contra a soberania do Poder Civil, foram assaltados por invencíveis escrúpulos constitucionais, -quando chegou o momento de impedir a morte a tantos ilustres cidadãos e republicanos.
Sr. Presidente: ninguém me convence que esses homens não sejam responsáveis pelos actos criminosos que se praticaram.
São, pelo menos, responsáveis por terem sido incompetentes e imprevidentes. Mas a mim, Sr. Presidente, antes se me afigura que aquelas mortes lhes desbravaram o caminho para as suas ambições. (Apoiados).
Sr. Presidente : ou desejo fazer mais uma afirmaçã) e desejo dirigir-me ao Sr. Presidente do Ministério e ao Sr. Ministro da Justiça.
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E por saber isto eu devo dizer que, emquanto puder falar nesta Câmara, hei--de reclair.ar incansavelmente que se faça' inteira justiça, e estou bem conveacido de que inteira justiça se há-de fazer.
Sr. Presidente: ditas estas palavras, só me resta associar-me, em meu nome e em nome do Partido Liberal, ao voto proposto por V. Ex.a
Sr. Presidente: não venho fazer aqui a biografia de António Granjoopor isso que1 todos o conheciam.
Era um bom, um simples de coração,-e uma alta inteligência, possuia todas as qualidades para vir a ser um grande homem de Estado. (Apoiados}.
Ele tinha, Sr. Presidente, a clara visão das necessidades políticas, tinha o espírito de previsão ; conhecia os homens e os negócios, pelo que se podia chamar, repito, um verdadeiro homem de Estado.
Um traço, altamente simpático da sua biografia, eu desejo porém, relembrar.
António Granjo, Sr. Presidente, foi um partidário decidido da participação de Portugal na guerra; e, coerente com as suas palavras e os seus princípios, ele, cuja idade o dispensava de marchar na primeira fila, ele, cuja posição política lhe podia dar direito a qualquer situação especial, ele alistou-se» imediatamente, como alferes miliciano e partiu para a «Grande Aventura».
Foi da campanha da Fr,ança que ele enviou as pequeninas e primorosas crónicas, cheias de encantador lizisino, a que deu o nome de Grande Aventura» e que também traduzem a delicada sensibilidade do seu temperamento meridional.
Sr. Presidente: quási que à mesma hora em que António Granjo tombava nas lajes do Arsenal era arrancado dos braços da sua família, levado para o Arsenal e ali morto Carlos da Maia.
Sr. Presidente : conheci Carlos da Maia desde longa data, quando ele era um simples tenente, alma cheia de ilusões e de fé N Em casa dele me encontrei muito antes de 5 de Outubro de 1910, com outros homens cuja fé nos destinos deste País e na sua regeneração pela República, eu entusiasticamente compartilhava,
Proclamada a Eepública vim encontrar Carlos da Maia nesta casa do Parlamento. B, se ele, pelo seu temperamento e feitio
rude de marinheiro, rnais acostumado a mandar e a obedecer que a esgrimir ar-gúcias se não compadecia muito com as lidas parlamentares, ele souoe sempre ocupar o seu lugar nesta casa, dando a todos exemplo da sua grande^ fé republicana.
Mas Carlos da Maia era sobretudo um grande e valoroso marinheiro.
Ainda na mesma noite trágica, também um outro oficial de marinha a quem pouco conhecia, a não ser pela tradição, de ser um oficial disciplinado! e fanático pelas cousas da sua arma, caiu assassinado no Arsenal do Marinha: Refiro-me ao capitão-tenente Freitas da Silva.
Sr. Presidente: a série sinistra contém mais um nome que foi grande e que devo merecer o respeito e a veneração do todos os réqublicanos.
Machado 'dos Santos, Sr. Presidente, foi o jovem guarda marinha, cuja fé na República nunca esmoreceu, por mais trágicas e angustiosas que as circunstâncias parecessem.
E foi assim que naquela manhã de õ de Outubro ele ficou no seu posto quando tantos corações justamente esmoreciam e a sua teimosa bravura soube criar ali na Rotunda, o núcleo de esperanças, ein torno do qual todas as boas vontades se congregaram.
Sr. Presidente: ó indiscutível o facto ; se a República foi implantada - deve-se em grande parte a Machado dos Santos. Não quere isto dizer que a República não fosse possível sem Míichado dos Santos, porque ela estava no espírito de uma grande parte dos portugueses.
Pois, Sr. Presidente, esse homem, a quem muitos chamaram o Pai da República, cuja vida foi cheia de abnegação e que devia ser o símbolo das instituições esse homem foi assassinado, numa noite sombria, numa rua escura de Lisboa.
E por quem? E porquê?
Porquê, não sei; ninguém o sabe. Por quem é sabido: pela tripulação sinistra da lendária camionette, que durante uma noite inteira andou na tarefa ignóbil de dar caça feroz aos homens e de conduzir vítimas para o antro do Pelourinho.
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minhas homenagens. Todos foram prestimosos cidadãos, na mais elevada significação da palavra, e que dedicaram ao seu País o seu esforço inteligente.
Permita-nie porém V. Ex.a, Sr. Presidente, que eu destaque, nas minhas referências, a nobre e alta figura de Anselmo Braamcamp Freire, cuja correcção patriótica e cuja conduta impecável de homem de educação e de republicano de princípios, devia servir de exemplo para todos nós.
O Sr. Alberto Vidal já * salientou nesta casa, a acção de Braamcamp Freire na primeira vereação republicana da Câmara Municipal de Lisboa.
Sr. Presidente: quando a Câmara, a que Braamcamp Freire presidiu foi eleita todas as atenções do País convegiram sobre ela. Era preciso demonstrar palpavel-mente, o que era uma administração republicana.
A sua acção foi de tal modo benéfica e tam brilhantemente secundada pelos seus colaboradores, que a administração municipal durante anos foi e tem continuado a ser, quero crer, uma administração modelar. (Apoiados).
Braamcamp Freire, Sr. Presidente, foi também um dos mais interessantes e profundos eruditos, da notsa terra. (Apoiados).
A sua obra recente sobre Gil Vicente, e a sua obra póstuma sobre os Brasões da Sala de Sintra, assinalam-o como um dos homens mais eminentes nas letras da nossa terra. (Apoiados}.
Sr. Presidente: ainda um outro nome eu citarei: o do General Dantas Baracho.
S. Ex.a foi dentro da monarquia um dos seus defensores, mas nunca hesitou,-mesmo apoiando o antigo regime, em condenar os erros quando julgava que erros havia. (Apoiados).
E se Dantas Baracho, deu numa dada ocasião, a sua adesão à Eepública, ó porque ele julgou que a República seria capaz de emendar os erros do passado.
Um dia, porém, desanimado, cansado com as lutas dos homens, retirou-se da vida política, mas as páginas brilhantes da história que ele escreveu, hão-de ficar sempre a atestar as suas qualidades de homem superiormente inteligente. (Apoiados).
Sr. Presidente: terminando, declaro
mais uma vez que o Partido Republicano Liberal dá o seu apoio ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a, só tendo eu de pedir à Câmara, perdão do tempo demasiado que lhe tomei' e da veemência que porventura pnz às vezes em algumas palavras de censura,» e que poderiam parecer talvez menos próprias desta comemoração fúnebre.
O Sr. Álvaro de Castro:—Sr. Presidente : o Partido Reconstituinte, associa-se magoadamente, ao voto de homenagem que V. Ex.a propôs.
Efectivamente, comemorar a memória dos homens ilustres falecidos, é sempre levantar uni monumento de piedade, mostrar uni modelo moral e assinalar uma vida que é sempre de exemplo para aqueles que ficam.
Neste momento e nesta sala, tudo se concentra nas homenagens que estamos • prestando,.porque elas não são só o preito da nossa saudade o do nosso respeito, mas também um protesto dos corações e dos sentimentos mais nobres da raça portuguesa : (Apoiados) contra o que há pouco assinalou duma maneira pungente e do-lorçsa a vida da República. (Apoiados).
E infelizmente muito longa a lista dos parlamentares falecidos durante o interregno parlamentar, mas há figuras que se deslocam» tanto acima do normal, são tain significativas e representativas de valores, que não se podem deixar de assinalar nesta casa e sobre elas dizer umas palavras, curtas palavras, que pela sua pequenez não deixam contudo de ser a representação dum sentimento profundo, duma homenagem bem patriótica e da consideração dum partido que sempre tem comungado dentro do que há. de maior e de mais simpático na nacionalidade portuguesa.
Ao relembrar as figuras, cujo passamento* neste momento comemoramos, não posso deixar de salientar a de Sebastião Dantas Baracho, figura múltipla de literário e de político, envergadura extraordinária de liberal que ainda durante a monarquia assinalou as suas altas qualidades de combatente, sempre pelos grandes princípios da democracia, alistando-se breve nas fileiras do Partido Republicano.
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rés, de que fez parto, quer na Constituinte, que abandonou por desacordo entre o que foi votado e ficou consignado na Constituição, o aquilo que ele reputava necessário votar para que a democracia portuguesa ficasse dentro da Europa., um exemplo ^ de democracia pura, a sua vida foi. um exemplo frisante de dedicação à Pátria e à idea da Democracia,
O general Dantas Baracho exerceu as. mais altas funções, no Estado portugaôs. desde o desempenho de cargos administrativos nas colónias, ende a sua influência e acção não deixaram, de se fazer sentir, até os mais altos cargos da metrópole.
Dentro do exército de que foi distinto ornamento, desempenhou o lugar de juiz do Supremo Tribunal de Justiça Mili tar.
Dentro do Parlamento, procedeu sempre por maneira a tornar respeitada a sua palavra.
Dantas Baracho não podo ser esquecido na casa do Parlamento, porque ele foi sempre uni grande valor parlamentar.
Evidenciou-se nas Constituintes, defendendo pontos de vista tam avançados, quo não lograram obter aprovação.
No jornal, em campanhas acesas, se bateu pelos humildes, chegando mesmo esta sua acção a ser causa de vária» seu> saborias que sofreu, pois os poderes públicos de então, não hesitaram em aportá-lo como homem perigoso e ôm.castigá-lo disciplinarmente de cujo castigo ele mais tarde recorreu, obtendo do Parlamento a devida reparação por íornia que. Gsse castigo não o atingiu nem poderia atingi-lo, dados os altos ideais quo defendia.
Também não quero deixar de me referir em ligeiras palavras ao homem de invulgar envergadura, que* foi Anselmo Braamcauip Freire.
Igualmente o não podemos esquecer.
Pela sua linhagem, pela nobreza que corria no seu sangue, teve direito a entrar na Câmara dos Pares.
Nessa Câmara se conservou durante largos anos, e quando em. 1908 se acen-tuou a fórmula ditatorial de João Franco, que teve muitos defensores e que actualmente ainda serve para muitos, como exemplo e figura para combater dent:o da República as instituições republicanas,
Anselmo Braamcamp Freii;e, acompanhado de Augusto José da C uniu, filiou-se no Partido Republicano Português.
Não era a filiação de um tomem novo, agitado pelas ambições políticas, mas sim a de quem numa idade já longe da mocidade, reconhecia que a monarquia tinha marcado o seu passo final e tinha feito a demonstração cabal,v positiva, da impossibilidade de realizar o bem estar da nação portuguesa.
Foi afirmação de princípios, feita por um homem do grande envergadura intelectual, e num período da vida em que j á não é dado supor-se que haja quaisquer pruridos de ambição.
Justo é pois que se lhe renda- também o preito da nossa homenagem. Braamcamp Freire foi assim um dos primeiros elementos que da monarquia vieram para a República, e quo à República deu o melhor do seu esforço, pois quo pouco tempo após a sua filiação nas fileiras republicanas, ele era eleito presidente vda Câmara Municipal de Lisboa,* no tempo da célebre edilidade republicana que demonstrou que a República podia e devia ser um regime de Governo con- capacidades administrativas provadas de uma maneira eficaz.
Depois, mais tarde, ascendeu ao cargo do presidente das Constituintes, e seguidamente ao de Presidente no Senado.
Efectivamente os regimes não podem viver unicamente pelo esforço, pela inteligência, dos que inicialmente se agremiem para levar a cabo a obra de redenção de um ppvo por meio de uma, nova fórmula política.
Anselmo Braamcamp Freire foi a vanguarda de muitos monárquicos que vieram mais tarde, com fé,-ingressar na República coin a certeza de qae só as instituições republicanas davam a possibilida-- de se resolverem os graves problemas quo importam ao progresso o regeneração da Pátria Portuguesa.
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do País e não pudessem reconhecer, num dado momento, que deveriam abandonar o caminho que estavam seguindo para colaborarem na obra que era útil ao País.
<_.0nde servidos='servidos' que='que' pelos='pelos' tenham='tenham' os='os' seus='seus' unicamente='unicamente' defensores='defensores' p='p' sido='sido' estão='estão' regimes='regimes' iniciais='iniciais' _='_'>
. £ Porventura as figuras do constitucionalismo não 'foram arrancadas das hostes miguelistas?
£ Porventura as primeiras espadas da causa constitucional não foram arrancadas das fileiras miguelistas?
£ Não foram esses vultos que deram o seu esforço sincero e cheio de f é à nova causa que serviam? Seria, pois, absurdo supor que em Portugal as instituições republicanas poderiam ser servidas unicamente polo esforço dos seus iniciais defensores, e que jamais elas poderiam grangear novos adeptos para a realização da sua obra, que depende de todos os portugueses e não pode depender unicamente dum grupo, ainda quo cheio das mais profundas convicções e agitado pela mais activa mente. Sr. Presidente: esta hora é de homenagem, aos quo morreram. Uns desapareceram em virtude de circunstâncias que não é dado ao homem evitar, pois estão fora do âmbito da vontade do homem, das suas energias, e nós vimos/ sem que pudéssemos èvitâ-lo, desaparecer do pé de nós figuras que seriam amparo, auxílio, exemplo, e que podiam, sem dúvida, dar o alento, que às vezes carecemos, nas horas amargas e dolorosas que, infelizmente, duma maneira bem ostensiva, tem marcado a vida da Eepública. Mas a nossa homenagem de hoje é também para aqueles que, não tendo o poder de furtar-se ao acaso da fortuna, viram diminuída a sua vida, e nós vhno--los desaparecer das nossas fileiras pela vontade doutras criaturas, a quem, infe- lizmente a esta hora, não está aplicada a condenação máxima. (Apoiados). Esta nossa homenagem não deixa de ser também unia reprovação; a condenação formal dos processos, dos métodos, das circunstâncias, das palavras, das diatribes e dos ódios que tornaram possível que essa baixa escória da sociedade portuguesa, durante uma noite, com as fauces escancaradas, derrubasse e roubasse à Eepública Portuguesa actividades, como se tivéssemos muitas para despender e pudéssemos dispensar uma só que fosse, quando, ua verdade, se tratava de figuras primaciais e basilares de que a Eepública precisava. £ A quem é que se lhe não confrange o coração, dolorosamente, ao sentir que nem toda a força de que estava armado o Governo desse tempo, nem toda a opinião que se pudesse formar nesse momento, nem todos os corações sensíveis, nem. todas as energias republicanas podiam evitar aquilo que se produziu, e que, na verdade, parece ter tido o carácter de apunhalar a própria Eepública? (Apoiados). Sr. Presidente: quando Machado Santos, na Eotunda, defendia vigorosamente a Eepública, e conseguiu, pela sua serenidade, vê-la proclamada, um outro marinheiro "ilustre, republicano dos mais valorosos, coração de pomba, defendia-a pelo mar, marcando uma das páginas mais interessantes dos combates com a monarquia.
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um soco a cara de quem se tinha atrevido a tocar nos seus galões; seguidamente, de longe, um tiro varou-o, e todos recordam, Sr. Presidente, que Carlos da Maia, ao recolher a casa depois da vitória de Outubro, exclamava, mima alegria só própria dum grande coração, para a mãe qne o esperava aflita:
—Minha mãe, não molhei as minhas mãos em sangue.
Ele, que assino falava- nessa hora, satisfeito por ver que da sua acção não tinha resultado uma pinga de sangue de portugueses, ele é cobardemente assassinado como se fosse não já o filho mais indigno da República Portuguesa, mas como se fosse um animal daninho que perturbasse o silêncio de quem quer que nessa hora pensasse nas horas de desgraça e de infortúnio de Portugal.
Guardei para o fim o Sr. António Granjo, ex-Presidente do Ministério, soldado da Flandros e combatente de Chaves. António Granjo foi em Portugal uma inteligência que em toda a parte, em todos os assuntos em que teve necessidade de intervir marcou a sua forte originalidade; era um poeta, era um escritor que deixou assinalada, infelizmente-em poucas páginas, a sua forma inconfundível. Era um briosíssimo militar, foi um soldado da Grande Guerra e soube, como ninguém, bater-se com valentia e desprendimento ao serviço da República. Nunca hesitou num sacrifício, porque até mesmo na hora em que assumiu a Presidência do Ministério, e já então a Presidência do Ministério se oferecia não como lugar de plácido conforto e gozo, mas, porventura, já como o caminho para uma desgraça, António, Granjo não hesitou e foi cumprir o seu dever, inteiramente cônscio de que a sua actividade dentro da República era para ser dada à República, sem olhar a quaisquer razões de ordem particular,» de ordem privada, de ordem familiar.
António Granjo foi talvez aquele que teve uma ruais tremenda morte, porque, para cúmulo de todas as fatalidades, António Graojo, durante meia hora ou três quartos de hora, assiste, pode dizer-se, à sua condenação. Impossibilitado de sair, porque foi encurralado num quarto, de onde não era fácil a evasão, ele assiste a todos os preparativos que haviam de con-
duzir ao seu assassinato, impassível e sereno, e quando a grita é tam* desordenada que já na j podem evitar que ele a ouça, ainda quere morrer como um valente, como morreria nas trincheiras da Flandres, e é ele que, afastando aqueles que queriam evitá-lo, se apresenta com o seu peito a descoberto; é ainda o herói de França que se revela nesse momento.
Não podia deixar de relembrar estes factos, porque é para nós satisfatório que um homem que foi aqui nosso "companheiro ainda naquele tremendo minuto que precedeu a sua morte não tivesse humilhações. Longe de baixar-se, soube morrer valentemente, evocando só a sua dignidade em nome da República.
Após estas minhas palavra», não podia deixar de dizer aqui qne estes factos abriram bem fundo na República uma chaga que urge fechar; e, não será demais dizê-lo, não podem imputar-se res-ponsabilidades a este ou àqueleyporque as responsabilidades, infelizmente, disseminaram-se por toda a sociedade portuguesa, porque não há ninguém, em associações, no Parlamento, na imprensa, que não tenha a responsabilidade da agitação que se fez na sociedade portuguesa, e do campanha de ódios e retaliações de toda a espécie, duma campanha feita^ do pior 'que há no pensamento humano, para agitar, para confundir e para criar a possibilidade de todos os ódios virem à supuração, e ainda mais, de haver braços que executassem a vontade desses ódios.
Eu sou daqueles que separam nitidamente o movimento de Outubro dos assassínios, e separo-os não para dizer aqui palavras de louvor ao movimento de Outubro, que ainda hoje não sei explicar, porque na manhã em que esse movimento se manifestou imediatamente, como já o tinha feito, condenei esse movimento como o mais anti-patriótico, corno, aliás, ó antipatriótico qualquer movirnenio *que presentemente se faça. Nessa hora manifestei imediatamente a minha opinião.
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se tinham quebrado para tornar possíveis todos os crimes.
E porque se tem feito na sociedade portuguesa uma obra profunda de agitações. '
A todos incumbe concorrer para. efectivar uma necessária pacificação, sem o que não é possível toda a obra de progresso.
Tem de ser uma obra conjunta, em que se roúnam tedos os sentimentos de patriotismo dos verdadeiros portugueses.
Se assim, não for, para outra situação pior caminharemos.
É assim que. estou sempre a defender a constituição de Governos da opinião pública, porque enteado que a única força em .que se pode apoiar um Governo é essa mesma opinião.
Mas, daí até ao que se tem feito em Portugal, vae uma grande distância, vae a mesma que separa a fé sincera da fé fingida.
Sr. Presidente: não preciso referir-me á necessidade de castigar aqueles que estão presos e que se mostre estarem implicados nos crimes praticados.
Eles estão entregues ao Poder Judicial, e a ele compete proceder.
E^necessário, porém, que essas culpas se apurem com brevidade e sem demora a bem da ordem e da moralidade pública, demora que nada explicaria.
E5 esse o desejo de todos os portugueses, de todos os partiotas o de todos os republicámos. ,
Que esses crimes se punam, não só como homenagem aos mortos, mas principalmente como homenagem aos vivos. (Apoiados).
Felizmente em Portugal manifestou-se, quando desses crimes, pela primeira vez, a opinião pública reveladora, física, mostrando que tinha força, de modo a evitar que se dessem factos ainda mais graves. E aí está a demonstração de que a imprensa, se quiser, sendo a maior força que hoje existe, pode concorrer para que se faça uma política de pacificação, mo d ficando a agitação permanente da' nossa política.
A essa imprensa não posso deixar de aqui prestar a minha homenagem, porque na verdade já de há muito, mas agora muito mais, a imprensa é a mais p«. de-rosa alavanca do progresso, é a mais po-
derosa força de que pode dispor uma sociedade bem organizada para conduzir a opinião e para preparar todas .as reformas necessárias na situação em'nos encontramos. Eu faria votos, se aqui fosse logar próprio, para que a imprensa procedesse sempre como agora. Não quero evidentemente dizer que a imprensa não tenha até hoje desempenhado papel útil/ mas o que quero acentuar é que ultimamente, duma forma positiva, a imprensa conseguiu uma unanimidade de vistas a respeito do, movimento de 19 de Outubro, conseguiu agitar a opinião pública de forma a deitar abaixo Ministérios, a criar Ministérios, a apontar-lhes tudo que nesse momento representava, não só a salvação da República mas a salvação da Pátria,. - .
& sempre Difícil, é sempre doloroso ter de falar em ocasiões como esta; porque para se dizer tudo aquilo que o nosso coração e a nossa mente pode sentir, falecem-nos as palavras, os termos e até os gestos; mas ao mesmo tempo estes momentos fazem com que nós concentremos em nós mesmos e façamos o exame de consciência para aquilatarmos do nosso passado.e prepararmos o nosso futuro. Eu acho que estas comemorações são de maior utilidade porque têm como lição -o mais alto valor e nos assinalam, a nós que uma vez comungámos* com aqueles que desapareceram, mas que deixaram impresso nos nossos sentimentos, nas suas obras, na vida dos seus amigos a sua passagem, assinalam, repito, o caminho^que devemos seguir.
Sr. Presidente: vou falar agora num nome que talvez nesta ocasião não devesse citar, mas como desejava fazer uma proposta à Câmara não quero deixar de falar nesse nome que é uma das mais lídimas glórias da República e de Portugal. E faço-o porque a minha admiração por essa figura é tanto maior que ela abafa em absoluto^qualquer pequeno agravo que em vida dele tivesse recebido. Já aqui foi prestada homenagem ao Dr. Alexandre Braga; mas não quero deixar de prestar neoste momento a minha homenagem a uma figura brilhante do foro e do Parlamento português.
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mandasse esculpir-lhes os bustos, a fim de serem aqui colocados.
Eu não posso deixar de r°niernorar que Alexandre Braga foi o primeiro orador da sua terra, e não conheço nenhum que o excedesse. Os cólebres discursos, os formidáveis discursos, que produzia nos tribunais, alguns dos quais foram verdadeiras maravilhas de arte, de literatura e oratória! Recordo-me ainda, e alguns colegas que aqui estão se hão-de- recordar também, que uma vez no tribunal onde estávamos assistindo a um julgamento e obrigados a um mutismo, não foi possível evitar que os nossos nervos vibrassem c nos levantássemos para aplaudi-lo. E assim toda a sala. Vindo duma família de artistas, terminou com ele essa plêiade.
Não posso deixar de fazer a proposta, que vou mandar para a Mesa, para que os bustos sejam colocados nesta sala..
Sr. Presidente: a República atravessa, na verdade, um período de dificuldades, e nós temos de realizar uma obra veistn e profunda, e, primeiro que tudo, temos de sarar a chaga aberta. Estamos numa situação difícil e embaraçosa; estamos como o cavaleiro de Gr dal, esperando que lhe venham arrancar a lança: esperamos esse acto de força para redimir a vida futura. Não sei donde virá essa força, ôsse vigor, mas estou convencido de que há-de vir.
Se nós, Sr. Presidente, com o nosso patriotismo, envolvidos num só sentimento, que todos nós temos, caminharmos para o futuro ligados por este sentimento de bem fazer, eu estou certo de que nós havemos de fazer com que seja sarada a ferida aberta no Parlamento.
Vozes: — Muito bem.
C discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas ta~ quigráficas.
O Sr. Paiva Gomes: — Peço a V: Ex.a o obséquio de consultar a Câmara sobre se permite que a sessão seja prorrogada ato se concluir a primeira parte da ordem, do dia.
Consultada a Câmara^ resolveu afirmativamente.
O Sr. Morais Carvalho: —Sr. Presidente: ao falar pela primeira vez
casa do Parlamento, as minhís primeiras palavras serão, em obediência a. uma velha praxe de cortesia, a que, por minha parte, gostosamente me submeto, de saudação a V. Ex.a, e, na pessoa de V. Ex.:t ainda, de saudação a toda a Câmara. Como membro desta casa do Parlamento, cumpre-me o dever de o prestigiar, procurando cercá-lo daquela au:'a do consideração o respeito som a qual as leis que daqui saírem irão desde logo inquinadas à nascença, provocando o não acatamento daqueles^a quem el«s são dirigidas, e cuja acção social pretendem reger.
Sou soldado disciplinado c.uma causa cujos alicerces são os princípios de ordem, disciplina e autoridad3, sem os quais— e os sucessos dos últimos tempos são disso a demonstração cabal — sem os quais não pode existir sociedade civilizada, sem os quais nos encontraremos perante a anarquia, em que se entrechocam e aniquilam as mais bolas energias. E se, como membro da minoria monárquica, a que tenho n, honra de pertencer, e, portanto,«como membro da oposição, o objectivo principal da minha acção parlamentar será o exercício aqui dentro duma fiscalização persistente, o ouso esperar proveitosa, dos actos gover-nativos, fiscalização exercida, aliás, com aquela correcção e respeito pelas opiniões contrárias, que devem ser timbro das discussões parlamentares, não menos certo é que essa fiscalização não prejudica, antes se concilia, com aquela cooperação que eu entendo dever prestar a te das as providências,- venham donde vierem, que possam contribuir para o bem d3 mou País.
Cumprido assim aquele dever de cortesia a que me referi logo de começo e delimitado o âmbito dentro do qual eu julgo que devo exercer a minha acção parlamentar, vou entrar no assunto para que pedi a palavra a V. Ex.a
Venho, em nome da minoria monárquica, associar-me ao voto de sentimento por V. E"x.a proposto à Câmara pelos antigos parlamentares falecidos no interregno das sessões parlamentares. ;E como ó doloroso verificar» Sr. Presidente, que dentro desse curto espaço de rempo ó tam . longa a lista dos que ioram atingidos pela morte!
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primeiros eu destaco, sem pretender aliás • traçar o perfil de cada um deles, pela situação proeminente que ocuparam na sociedade portuguesa, Anselmo Braamcamp Freire, Francisco Vargas, Mateus dos Santos, Pereira de Miranda e Dantas Bara-cho.
Anselmo Braamcamp Freire foi unrdos primeiros eruditos deste país, foi um homem que. pelos sons trabalhos de investigação paciento, merece a consideração de todos os seus concidadãos. E se mili-tava desde 1908 em campo contrário ao nosso, não é menos verdade que elo foi sempre, e principalmente no último quartel da sua vida, quando a desilusão dele se apoderou, um defensor dos princípios conservadores. (Apoiados}.
O conselheiro Manuel Francisco Vargas, engenheiro distintíssimo, foi Ministro das Obras Públicas durante a monarquia, e deixou a sua passagem pelo Poder assinalada em providências de largo alcance-.para o seu país. Eu quero acerca dele referir um dito que, se bem me lembro, foi por ele proferido nesta casa do Parlamento quando, ao tomar posse da sua cadeira ministerial, alguém o acusou de não ter passado político, ao que respondeu que «aos políticos, como às mulheres honestas, convinha muitas vezes não tei*em passado».
O conselheiro Mateus dos Santos foi um financeiro distintíssimo, autor de obras notáveis na matéria. Era ultimamente vice governador do Banco de Portugal, depois ,de ter sido durante muitos anos seu director, i
Foi uma figura de excepcional originalidade a do general Dantas Baracho. Irrequieto, insubmisso, orador vigoroso e vioíento, cavaqueador cheio de espírito, polvilhando a sua conversa nervosa e, viva de ditos picantes, a sua figura física ajustava-se perfeitamente à sua figura moral. Vê-lo era adivinhar o seu temperamento, e até a sua toilette ajudava a definir-lhe a personalidade, tanto as suas vestes amplas e o seu colarinho larguíssimo, sempre a respeitosa distância do pescoço/ logo denotava o seu feitio avesso a pressões de qualquer espécie.
A todos-estes e aos mais, a quem, por brevidade, não aludo especialmente, a homenagem da nossa profunda saudade.
Aos outros parlamentares desapareci-'
dos no interregno das sessões, e de quem os oradores que me precederam já fizeram o eloquente elogio, foram bárbara e cruelmente assassinados: António Granjo, Machado Santos e Carlos da Maia foram, com efeito, varados por balas assassinas. .E, ao lembrar os seus nomes, não posso deixar no esquecimento os daqueles que foram seus companheiros na terrível morte: Botelho de Vasconcelos. Freitas da Silva e Carlos Gentil.
A homenagem dês to dia dirige-se, é certo, a todos os parlamentares falecidos, àqueles a quem me referi em primeiro lugar o àqueles que acabo de mencionar, mas ninguém, com certeza, estranhará que neste momento eu mo incline mais demoradamente diante dos cadáveres dessas verdadeiras figuras de tragédia antiga que se chamaram em vida António Graujo, Machado Santos» e Carlos da Maia.
Eram nossos adversários políticos ? Por certo o eram. Mas que importa? Para a nossa reprovação, para a nossa repulsa absoluta, perante os crimes que os vitimaram, a filiação partidária é nada. (Apoiados).
O atentado pessoal é sempre vil e sem desculpa i eis a verdade que convém proclamar bem alto (Apoiados)? ou a sua vítima seja um rei. um príncipe, um Presidente da República.- um fundador dum regime, um Presidente do Ministério, ou seja quem for, porque é o mesmo atentado em si que é execrando. (Apoiados).
O direito u vida ó o mais sagrado de todos os direitos. No 19 de Outubro algumas vidas foram roubadas violentamente; e os crimes que se praticaram poderiam enodoar»para sempre as páginas gloriosíssimas da história pátria se não tivesse a condená-los a unanimidade de todos os portugueses.
Com excepção de Machado Santos, que foi abatido cobardemente no Largo do Intendente, todas as outras principais vítimas do tristemente célebre 19 de Outubro encontraram a morte no Arsenal da Marinha, dentro do seu próprio recinto ou à sua porta.
Esta é para mini a nota dominante dos cruentos sucessos-e a mais vexatória para os meus brios dê portnguês.
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quando retiraram de sua casa o cadáver do marido, exclamara: «Os que te podiam salvar das feras não quiseram, e os que o queriam fazer não puderam».
Ah! Sr. Presidente, que lição tremenda nestas curtas palavras, saídas d c um coração amantíssimo e que ainda sangrava!
jComo nelas se contém, em duas frases lapidares e incisivas, a condenação duríssima daqueles que não souberam cumprir o seu dever e ao mesmo tempo a recompensa — que nenhuma mais alta pode existir— para aqueles que com abnegação,' com o sacrifício da sua própria vida, o souberam cumprir até final!
Que numa refrega à mão armada, que numa luta por ideais em que cada um julga os melhores e mais conducentes à felicidade do seu pais, haja vítimas, com-prende-se.
E' muito para lamentar, mas compreende-se; mas que a frio se vá buscar a casa, arrancando-os do leito onde repouza-vara com suas esposas, cidadãos indeie-sos, muitos deles que não eram políticos, ou que da política activa estavam afastados, isso é crime que excede tudo quanto se tem visto, e para o qual há-^e parecer mesquinho todo o rigor da lei.
E, no emtanto, só dentro dos estritos preceitos desta se deve proceder.
Ai de nós se os assassinos da noite trágica, adquirissem^ amanhã o direito do dizer, com verdade, que a sociedade para os punir, tinha posto de parte as formalidades legais.
Nem ao menos 6sses criminosos tiveram. .. Como direi?
Não a desculpa, porque desculpa não é, não tiveram sequer o pretexto de que as suas vítimas não eram homens honrados.
Poderiam ter praticado erros políticos e não há dúvida que os praticaram, mas ninguém do boa fé, poderia dizer fosse o que fosse, contra a sua honestidade pessoal.
António Granjo, o desventurado Presi dente do Ministério, transmontano no arcabouço forte, no dizer rude e na vontade firme, tendo ocupado os mais altos cargos, morreu pobre.
,;E morreu, Santo Deus, de que maneira?
Varado de balas às dezenas, crivado de baionetadas, cuspido, espesinhado, injuriado de vária sorte e tudo isto devpois de umu montaria prolongada, como é de>
uso fazer aos lobos nos descampados das serras!
Vozes:—Muito bem. Muito bem.
O Orador:—Carlos da Mtia, em cujo peito forte se abrigava um coração sensível a toda a bondade, também foi arrancado, em sua casa, aos braços da esposa e do filhinho.
De nada lhe valoram as súplicas de sua mulher, quo, de joelhos, pedia aos assassinos que não lhe levassem o marido.
Obtém desses miseráveis, é certo, a promessa, sob palavra de honra, de que l\i& respeitariam a vida; mas, lá vai para o Arsenal da Marinha e ]á morre.
Pobre morreu também!
Machado Santos, o fundador da República, que ele sonhou, bela e generosa, ó também arrancado violentamente de casa, separado assim da esposa o do filho.
Pretendem também 'conduzMo ao Arse nal de Marinha,- mas os instintos das feras não consentem- a demora do trajecto ; é abatido no caminho e deixado depois como um miserável qualquer à porta da Morgue.
E pobre morreu como os outros.
Freitas da Silva, que nem político era e que, no cumprimento de um dever militar, exerceu por vezes as funções de chefe de gabinete dalgnnsMiristros, Freitas da Silva, que eu conheci no exercício das suas funções-no Ministério da Marinha, onde o meu dever profissional algumas vezes me levou e onde sempre me recebeu com cortesia e primores de educação que não sei esquecer, foi como os outros, violentamente arrastado até o. Arsenal de Marinha, t e ali abatido pelas balas dos assassinos.
O mesmo direi de Botelho de Vasconcelos, velho, indefeso, que diante dos portões do Arsenal baqueou.
Todos, repito, à excepção de Machado Santos, aí foram encontrar a sua morte.
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,lá que a hora ó de verdades e deve também ser de arrependimentos, necessário se torna ter a coragem de confessar bem alto, que os sucessos tremendos e cruentos dessa noite feroz, não teriam sido possíveis, se a sociedade portuguesa não tivesse descido ao estado de degenerescência moral a que chegou; sobretudo não teria sido possível que ôsses assassinatos se tivessem cometido onde^se cometeram e pela forma por que se cometeram.
Durante largo tempo,.Sr. Presidente, a única semente que se lançou a esta boa terra portuguesa, outrora tam cheia apenas de húmus generoso, foi a de ódio desse sentimento destruidor, por excelência, que só ódio gera.
A semente deu o seu fruto.
Vimos então homens erguidos uns contra os outros, numa fúria de extermínio, como se o homem fosse o lobo do homem : Homo homini lúpus. •
E, além da sementeira do ódio, fez-se às claras e livremente a propaganda das doutrinas dissolventes.
Então, o afrouxamento do sentimento religioso — o mais poderoso freio conhecido das paixões—, a indisciplina geral, a desobediência às ordens legítimas das autoridades, o desrespeito e a inveja dos superiores, a ânsia do gozo, tudo isto actuando no espírito desvairado de uma meia dúzia de indivíduos,? com instintos de feras, eis alguns dos elementos onde havemos de ir buscar as causas profundas dos sangrentos sucessos da noite trágica.
E, como se tudo isto não bastasse houve o _há ainda a impunidade para tantos e tantos atentados (Apoiados), impunidade que não pode nem deve continuar.
E^ tempo, Sr. Presidente, de todos aqueles que amam o seu País\ e respeitam, as suas tradições gloriosíssimas, às quais anda, ou melhor, andava ligada a bondade sem par do nome português, é tempo de todos olharmos com olhos de ver para a série de crimes que, a partir do regicídio em 1908, nos temos enchido do opróbio aos olhos do mundo.
A prosseguir-se nesta senda tortuosa de crimes imp-nes, preparar-se há a este malfadado país um futuro próximo cheio de horrores e quem sabe se bem mais tristes o dolorosas consequências.
Em nome da minoria monárquica, tenho
a honra de me associar ao voto de senti-timenso proposto por V. Ex.a, mas desse voto de homenagem aos mortos a minoria monárquica não pode separar o protesto indignado contra os vis atentados, e o voto ainda de que a impunidade an-teriorniente havida, e que deles foi incentivo, cesse enafim de vez e para todos os criminosos. Tenho dito.
O Sr. Lino Neto: — Associo-me à comovida homenagem pelas vítimas do 19 de Outubro. Essas vítimas foram sacrificadas pelo desempenho de funções públicas neste País, ao serviço da ordem e da só-ciedade. Outro motivo se não encontra.
São verdadeiros mártires da Pátria.
Bemdita seja, pois, a sua memória.
Seja-lhe, porém, permitido referir-se especialmente a Carlos da Maia. Foi durante algum tempo seu colega na vereação da Câmara Municipal de Lisboa; e, depois disso, um dos seus amigos mais íntimos, Sempre o conheceu como livre pensados declarado, como republicano convicto en. tre os que mais o eram,'e patriota sincero como poucos.
Mas livre pensador, não deixava nunca de confessar a beleza das verdades eternas da religião tradicional do seu País e contava como legítimo título de glória o ter pertencido à sua família a encantadora figura do santo que foi o venerável Bar-tolomeu de Quental.
Republicano lamentava a famosa lei de 20 do Abril do 1911 como uma das maiores desgraças da nação e sentia profundamente não ter alcançado quando Ministro a substituição por outra que pusesse a igroja era condições de liberdades análogas à que disfruta nas gloriosas e progressivas Repúblicas do Brasil e dos Estados Unidos do Norte.
Patriota, tinha viva admiração e reconhecimento pelo Padroado do Oriente, cujo prestígio tinha podido observar de visu como governador de Macau, que a maior parte da nossa geração ainda não sabe o que seja, e que, no emtanto, é um dos mais poderosos instrumentos de influência-1-infelizmente quási perdida — não só moral, como muita gente imagina, mas também económica e política. (Âpoia-dos).
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mento abnegado. Tinha o quer que seja .de um antigo espartano deslocado paru os nossos tempos. As suas raras virtudes naturais dariam à vontade para um dos mais perfeitos quadros de PLutarco.
E-, sendo assim naturalmente cristão, dia a dia vinha-se ajustando nos moldes da fé católica, a única que consegue elevar a personalidade humana às alturas de perfeição de um S. Francisco de Assis ou de um S. Vicente de Paula.
Deste modo é que na véspera de morrer, o na intimidade do seu lar, foi visto de joelhos, ré s and o.
Grave foi com efeito a responsabilidade dos assassinos de Carlos da Maia e seus companheiros no martírio, gravemente também deve ser liquidada.
Mas não menor a responsabilidade de todos os que tem vindo escalonando as almas com ataques a Deus e à religião. E que o homem, sumindo-se a fé religiosa, tende ao homo lúpus Jiomiui do Hobbes; é que ele é, na intuitiva expressão de Quatrefages, essencialmente religioso; e quando^ se force a não sô-lo. não há ordem social possível; nem o respeito da vida, nem da honra, nem da propriedade.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — A vnrdado é que os políticos da nossa terra começam já a sentir por experiência o valor prático destas afirmações; o mesmo faz notar, a propósito do assunto da presente sessão. Sua Eminência o Sr. Cardeal Patriarca em carta correctíssima a S. Ex.a o Presidente da República — carta notável que emocionou vivamente o País e causou justos reparos nos órgãos mais autorizados da imprensa mundial.
A única maneira, pois, da geração actual vingar a memória das desventuradas vítimas do 19 de Outubro é desembaraçar as orizes da tradição religiosa em Portugal de todos os liames que as prendem, deixando que cresçam para fazer forte, poderosa e grande a unidade da Pátria.
Dentro deste comentário é que a minoria católica acompanha a homenagem da Câmara.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquiyráficas que lhe fo-rum enviadas, '
O Sr. Cunha Leal:—>Sr. Presidente: destina-se esta sessão a invocar a memória de portugueses ilustres, a alguns dos quais a vid.i foi cobardemente arrancada por vis assassinos e, Sr. Presidente, uma grande emoção desce sobre a minha alma enlutada.
Ah! não, pobres mortos, :ião vos irei arrancar à paz do túmulo para sobre ele, co:no sobro um pedastal, erigir o monumento do meu orgulho.
Ah! não, pobres mortos! Eu venho aqui homenagear-vos com a única cousa , que aos mortos é devida—a verdade!
E essa verdade, alheia a personalidades, di-la hei com franqueza, e repetindo-nma frase de Verguaux, na sessão da convenção: di-la-hei sem receio do povo, porque o povo ama a verdade,-di-la hei sem receio dos assassínios porque os assassínios são cobardes, e eu í;ei.defender a minha vida.
Sr. Presidente: ^.queni inalou António Granjo?
^Quoro. matou Machado Santos?
fjQuem matou Carlos da Maia?
Fomos nós todos. Foi a impunidade, como muito bem disso o Sr, Morais de Carvalho para os crimes mah bárbaros. Foi a amnistia para todas as insurreições confundidas com a grande sedição do liberdade, foi o ir arrancar às trevas os piores salteadores, para na calada da noite se entregarem à sinistra tarefa.
Antes de serem assassinados os homens que hoje pranteamos, foi assassinado Homero de Lencastre, foi assassinado o tenente Soares}_ o professor Gupifão, o alferes António de Melo, Henrique Cardoso, Ribeira Brava •& Sidónio Pais. E pregunto, republicanos! ^Em que vagas cadeias estão os autores desses crimes?
Quem os protege?
E por isso, Sr. Presidente, que eu às vezes tenho vontade de gritar tam alto, como gritava Hamlet: <íQuem p='p' espanto='espanto' choramingna='choramingna' voz='voz' de='de' as='as' cuja='cuja' é='é' parar='parar' aquele='aquele' estrelas='estrelas' faz='faz'>
Sr. Presidente: neste examinar dó culpas» que são de nós todos, sem excepção, dos inimigos do regime, devemos falar claro.
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dcníe, neste examinar de culpas, a trati-Htania.
Lá, embora, os mortos, não fossem muito numerosos, também se vergastou carne de gente, também se foi às páginas da inquisição arrancar as mais sombrias torturas, também se meteu em linha de conta alguma cousa de mais alto, que a própria vida, que é a dignidade do homem. ^Empregou-se o azurrague, e todos os processos de tortura, e os monárquicos não podem atirar aos republicanos com as pedras, como à primeira vista parece.
Sr. Presidente: <_ p='p' que='que' havido='havido' na='na' sociedade='sociedade' há='há' é='é' tantos='tantos' anos='anos' tem='tem' portuguesa='portuguesa' o='o'>
Ódio, o ódio que gera o crime.
Não tenhamos ilusões: os culpados d lima situação que pôde gerar os crimes do 19 de Outubro,-fomos nós, todos nós, pelos nossos erros, pelas nossas desintc-ligôncias e pelas nossas irrcdutibilidades. Oxalá que eu memória desses queridos mortos e a in|gualáA*el recordação clOsses horrorosos • morticínios possa constituir para todos uma tremenda lição e um grande exemplo que nos faça arrepiar caminho, respeitando-nos reciprocamente c prestando a cada um a justiça' que lhe ó devida. Se assim suceder nós teremos realizado a melhor e a mais bela homenagem que à memória desses mártires podemos prestar. (Muitos apoiados).
É certo que nós portugueses somos um povo de heróis, de vibratilidade, incapazes, em certos momentoSj de nos dominarmos; mas isso não impede qne sejamos francos e sinceros e que falemos exclusivamente a linguagem da verdade. Lembro-me ainda —embora espero esquecer-me disso— que estivo no Arsenal na noite de 19 de Outubro e que devo a minha vida ao facto de ter falado então, essa linguagem, a linguagem da verdade, com firmeza e com sinceridade.
E preciso acabarmos de vez com as insinuações e com as intrigas que só sorvem para .exacerbar os ânimos a irritar paixões; guardemos as nossas energias para a pura discussão no campo dos princípios e assim conseguiremos criar em nossa volta igual atmosfera de respeito' a que temos direito. E assim conseguiremos dignificar a República. (Apoiados).
Mas, Sr. Presidente, abençoado sangue!
No agitado dá vida portuguesa fera necessário que caísse um balde de água que nos pusesse diante das tíòssa respOn-sabilidades, das coílseqtíêflbiás dos nòssoS actos do passadd*
Sr. Presidente: Be o sacrifício foi necessário, abençoado sangue è abençoado sacrifício.
Sr. Presidente: o que eu poderia dizei1 de António Granjo, Carlos da Máiá e Machado Santos está dito.
Há entro esses moítos uma figUra qiio me merece uma reminiscência especial.
E a alta figura de Machado Santos que me merece esta homenagem.
Vi o sempre com o coração aberto á todas as honestldades, sempre com á m-beça cheia de sonhos, atoando Uma República que não se opusesse às cretíçàe do ninguém, e abrindo a porta a todos o§ portugueses que quisessem1 entrai'.
Contudo, esse hoíriem, sé n8,0 niorrdtt mais cedo, foi devido somente às clfClms-tânciãs do ácaso^ pois quê BofrSU vários aíaques.
Recordo-me sempre da têlHíira ô dd, bondade de Matíhado Sahtdsj eu qilè não concordo cotó itigeiiuldactes tia Vida política. Direi q lio Machado Santos foi a criatura mais alta na política que até aqui tenho conhecido.
Carlos da Maia, qtie vivia Jmra os getrê, pôs um dia o seu esforço pára a pfoclá-maçcão da República, mas Carlos dá Maiá desiludido, aborrecido com aã agruras da vida política, voltou para o seio da família.
António Granjo, que eu aqui combati, por vezes, mais do quo devia combater, e tenho muito orgulho em confessar os meus erros par%a amanhã hão reincidi!4, pondo nos debates parlamentares ó fogo e a paixão do ffiru temperamento, António Granjo era um homem que à República prestou toda a sua inteligência e coração, c para todos tinha desculpa. Posso dizor aqui uma frase qtie já é pública.
Quando eu lhe dizia que eram dritniao-sos todos os de 19 de Outubro, embora fossem individualmente muito boas pessoas, António Grãnjo ã todos desculpava.
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Ê preciso que nos defendamos, e repito o que aqui disse já:— precisamos, restabelecer a pena de morte para certos, crimes, respondendo com a morte a quem mata. Precisamos defender a sociedade por uma forma implacável.
Ainda como homenagem aos mortos de 19 de Outubro, eu prometo trazer aquii um projecto restabelecendo a pena de morte.
Sr. Presidente: vou terminar porque me sinto já fatigado e não quero cansar mais a atenção da Câmara.
A República, fazendo justiça sem ódios, fazendo justiça sem espírito de retaliação,, não condenando emquauto os juizes não condenarem, não lançando labéus sobre criaturas, algumas das quais podem estar inocentes— e alguns dos homens presos; eu disse já que não podem ser criminosos— mas limpando-se da mácula do 19 de Outubro, trabalhando progrossivanien-te, abrindo os braços a todos os portugueses, não fazendo, como disse o Sr. Álvaro de Castro, a campanha contra o adesivo, poderá ainda fazer a felicidade do nosso País, e, quando a tiver feito, poderemos dizer descansados:— j Abençoado sangue o de António Granjo, o de Machado Santos, o de Carlos da Maia, que, tendo leito a República, para a ajudar a cimentar-se deram ainda para essa argamassa de consolidação o seu próprio sangue!
Tenho dito.
Vozes :—Muito bem. O orador não reviu.
O Sr. Leonardo Coimbra : — Sr. Presidente: em nome do Partido Republicano Português venho trazer também a minha homenagem às grandes memórias dos parlamentares mortos durante o interregno parlamentar.
Sr. Presidente: quando, após a primeira vitória da primeira invasão dos lá-cedemónios, Péricles teve de falar sobre o túmuln dos heróis mortos, ele, que pertencia a um povo que sabia olhar a vida do espírito, a vida da natureza, a vida da realidade, quis invocar a figura de Atenas, a figura da grande cidade de beleza e de harmonia para ver quanto valiam as vidas qua em seu sacrifício se tinham dado. Para que nós possamos ter olhos
dignos de olhar aqueles que pela Pátria morreram, que morreram honrando a sua Pátria, necessário é também que possamos invocar a figura sagrada da Pátria Portuguesa.'
Sr. Presidente: o homem é um estranho animal no meio da Natureza. Em torno de si tudo lhe é hostil. O homem precisa de lutar para subsistir. Tudo morre a seu lado, e ele, permanentemente, vai fenecendo. Ele cria a seu lado e junto de si, tirando-o à Natureza, o fogo, o calor armazenado, a energia condensada durante séculos e séculos. Ma:; esse fogo é roubado à Natureza:— é apenas uma triste ilusão que o homem se dá, pretendendo vencer a Natureza e, simultaneamente, acelerando o seu próprio desgosto. Mas, por cima desse fogo, meramente físico, que nos livra do frio, que nos aquece, vai criando o fogo espiritual, o fogo do amor da família a que nos referimos quando pensamos no lar doméstico, na casa em que nascemos, na aldeia onde essa casa existe. Lutando contra a morte, esse fogo é a vida eterna do espírito, a vida transcendente que se ergue acima da vida mesquinha, triste, que é a vida coti-diana de todos nós.
Sr. Presidente: diante das figuras augustas e sagradas daqueles que morreram, eu não tenho palavras para invocar os sacrifícios que eles fizeram pela Pátria. Porém, as palavras qre vou proferir são sinceras e proferidas do fundo do meu coração.
jii lícito, Sr. Presidente, que nós reconheçamos aqui os altos sacrifícios prestados por eles à Pátria e à República.
Eu quero, Sr. Presidente, lembrar as figuras sagradas daqueles cLue pela Pátria morreram, que por ela deram a sua alma e o seu esforço, verdadeiros portugueses dignos desse nome, alguns dos quais morreram por morte natural e outros infcimemente assassinados.
Refiro me, Sr. Presidente, em primeiro lugar, à figura daqueles que morreram de morte natural, como, por exemplo, às figuras de Braamcamp, Freire e general Dantas Bar acho, que em vida tanto trabalharam para o bem da st a terra e da sua Pátria.
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os homens foram gigantes. Cada um deles foi o que nós somos todos: gigantes e pigmeus. Ai do homem que julga que ó permanentemente gigante e herói, e que está rasando com a cabeça o céu espiritual de que falei há pouco. Não. a nossa vida cotidiana é feita de maldades, mas o homem consegue algumas vezes, na sua vida, marcar uma trajectória de amor à sua terra. E assim ele bem merece da sua terra e do seu ideal, j Foi desse modo que procederam os homens de quem estou falando!
Outros desapareceram num trágico dia de Outubro. Levanta-se aqui o nome do outubrismo, cujo problema eu ainda não compreendi. Necessários são documentos novos e vários, para que possamos compreender esse problema. O que eu compreendi dele, foi o que já se esboçou aqui: é que 'ele não foi culpa de um, dois, três ou quatro homens, mas foi culpa de todos nós. (Apoiados). Ele foi culpa daqueles que, longe da vida da verdade, têm vivido a vida da mentira, j Ele foi culpa dos que têm rido demais, e a vida é trágica! Lembra-me agora a frase dum célebre escritor francês, que dizia: «O riso ó a palavra da relação cortada».
Sim, Sr. Presidente, o mau riso separa os homens. A troça, a calúnia, muito mal têm feito a esta terra, e do tal forma que as figuras mais apagadas da vida portuguesa por vezes se encontram estampadas, no espelho da opinião pública, com máscaras que são elas as primeiras a repudiar, j Eis o que se tem feito permanentemente em Portugal! Todos nós temos concorrido, por este riso sarcástico, com este riso de ódio, para que a vida social portuguesa seja uma caricatura macabra daquilo que verdadeiramente deve ser toda a vida social. (Apoiados). Eis o que eu vejo no outubrismo e por que ele foi viável, como viáveis têm sido outros crimes, porque a intriga e a "desordem vêm desde há muito constituindo um trabalho permanente, mais ou menos, de todos nós. (Apoiados).
Diga cada um, não só para consigo mesmo, mas para com os outros, a verdade; procure dizer, quanto possível, a verdade, porque ela é muitas vezes uma incógnita, e nós somos para nós próprios também muitas vezes abismos insondáveis, mas faça cada um o esforço para
trazer ao lume da sua consciência a verdade, e a vida da Pátria será por isso mosmo um permanente esforço de beleza e seguirá uma trajectória diferente daquela que tem seguido nos últimos anos da sua vida. (Apoiados).
Mas isso é do outubrismo o que todos sabem, e que porventura foi possível fazer com boas intenções. Diziam eles: «se todos os políticos que têm ido ao Parlamento tem sido maus, o remédio é bom: é fazer uma revolução que aniquile esses políticos», e os não políticos começaram então a governar. Parecia o problema simples, mas tal não sucedeu. Porque todos nós, uns mais, outros menos, em lugar de procurarmos as virtudes dos outros, andamos a procurar, alegres por vezes, os seus maiores defeitos. (Apoiados). De resto, para além desta loucura de resolver o problema político por não políticos, por indivíduos não políticos, para além desta loucura, à justiça pertence saber se mais alguma cousa existe. Os sucessivos movimentos revolucio-• nários, as sucessivas sacudidelas de instabilidade ministerial condicionando-se mais ou menos com anúncios de possíveis empréstimos, com possíveis tentativas de melhoria da situação financeira. É possível que para além de tudo isto haja mais alguma cousa. Não é a mim que compete, mas à justiça, ver até onde os republicanos podem, procurar alguns responsáveis da desgraça que sobro a República caiu no dia 19 de Outubro. Quanto ao homenagear os mortos, pou-' cos dos quais conheci pessoalmente, tendo sido apenas-íntimo amigo de um, porque com ele estive no Ministério, quando ao homenagear os mortos, repito, a Câmara inteira tem sido duma perfeita justiça.
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mente desenhada na sua fisionomia: pa-rfieia talhado nas próprias serranias de Trás-os-Montes.
A sua alma era cheia de bondade; a sua amizade era sincera, desinteressada. Era singular a maneira como para resolver dificuldades se apoiava na bondade em que permanentemente a sua alma existia.
A sua bondade era o maior encanto da sua figura.
Carlos da Maia não o conheci pessoalmente. Sei o papel que desempenhou em 5 de Outubro. A sua figura física, como a figura de António Granjo, bem parecia também um bloco feito da própria terra portuguesa.
Carlos da Maia teve o papel que todos conhecemos em 5 de Outubro; mas há uma frase que tem sido citada por vezes e que para sempre ficou vincada no meu coração, É a frase que se aponta ter Caries da Maia dito a sua mãe: «pode abraçar-me, minha mãe, que não matei ninguém, não tenho as minhas mãos tintas de sangue».
O homem forte que vai para uma revolução disposto a jogar a vida, vai no momento da vitória procurar sua mãe, aquilo que de mais carinhoso existe para um homem, a fim de a abraçar, e contente e alegre como uma criança, gritar-lhe: «estou puro, não matei ninguém».
^Quem havia de dizer que esse homem havia de ser assassinado e em nome da própria República que ele ajudou a implantar?
Machado Santos também o não conhecia. Falei-lhe uma vez, o suficiente para ver que era. uma figura cheia de candura.
j Machado Santos não fez a República! Uma República não se faz; a República é uma idea e como idea tem muitas bocas e corações; nas bocas o verbo que inflama, nos corações os fachos que iluminam e acendem. }Eis o que ó uma revolução! Mas se ele não foi o fundador da República, ele foi a figura que apareceu na Rotunda e que confiando no futuro incutiu uma grande confiança.
Nós tudo devemos- à República e à Pátria, j A Pátria não ó um conjunto de números, ;mas uma unidade espiritual que não pode ser a unidade matemática! .
A Pátria é a unidade que resulta do
acordo; e este é o que se chama democracia.
Foi Portugal que criou a figura de Adamastor a quem a própria Tétis veio beijar em pleno inar.
Pois nós devemos pelo esforço heróico do pensamento, pelo estorço da verdade, criar uma República humana, de forma que para uns não haja só zénites o para outros só crepúsculos, mat. que todos possam viver em pleno meridiano.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas ta-quigráficas.
O Sr. Pina de Morais : — Sr. Presidente: depois dos oradores que usaram da palavra nesta Câmara eu quási que não tenho coragem para levantar a minha voz.
Mas eu tenho uma obrigação moral, qual é associar o meu nome às homenagens prestadas aos servidores da República.
Sendo porém a primeira vez que falo nesta Câmara eu tenho do apresentar os sentimentos de admiração por V. ExA Sr. Presidente, e pelos Srs. Deputados quo compõem esta Câmara.
Sr. Presidente: nos nomes que V. Ex.a apresentou para serom comemorados por esta Câmara, pelo seu falecimento, e que foram vítimas do chamado mcvimento de 19 de Outubro, há um que desejo destacar, apesar de eu ter estado longe dos acontecimentos.
Esse nome é o de António franjo.
Até agora nenhum orador dos que falaram o fez em. nome da sua província, província que é a minha também.
É necessário que alguém apresente as respectivas homenagens, em nome dessa província.
Em parte alguma se sentiu certamente tanto a morte de António G.:anjo como nessa província e eu em amor a essa verdade quero apresentar as homenagens dessa província.
Como se verifica pela analiso dos acontecimentos, eles não s?o mais que a prova exacta de um desregramento que nos tem levado tani longe e em cujo fim está a perda do respeito pelo semeJiante.
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E o fanatismo político altamente inconveniente e profundamente antipático que conduz sempre aos actos de mais perigosa loucura e aos crimes de mais repugnante cometimento. Só nesse cego e tresloucado fanatismo nós podemos encontrar uma explicação aos acontecimentos trágicos da noite de 19 de Outubro.
Nem tudo porém, e felizmente, foi triste e condenável nessa malfadada noite do crime. Salvaram a honra do convento os Srs. Cunha Leal e Agatão Lança, principalmente o primeiro que soube escrever na história política-do nosso país uma página não menos brilhante que a que nos legou o célebre Conde-de Avranches.
Sr. Presidento: não desejando tomar mais tempo à Câmara nesta altura adiantada da sessão, eu desejo terminar as minhas considerações, tanto mais que é esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra, por uma palavra que marque bem o meu pensamento: Justiça! Justiça implacável e fulgurante que possa constituir para todos nós uma consoladora esperança de melhores dias para a nossa Pá T ri a.
E indispensável que os acontecimentos de 19 de Outubro sejam perfeitamente esclarecidos e para isso é preciso que nos não esqueçamos de que eles se não circunscreveram apenas a Lisboa para que ta justiça possa ser ampla e completa como o exigem todos aqueles que desejam contribuir para o bom nome e prestígio do regime.
(O discurso será publicado na integra, quando o orador haja devolvido as notas taquigráfícas.
O Sr. Vergilio Costa: — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta sessão legislativa, não quero eximir-me ao grato dever de cumprimentar V. Ex.a, e. na pessoa de V. Ex.a, todos os meus colegas desta Câmara.
Foi com verdadeiro sacrifício que compareci à sessão de hoje. Eetido no leito por incómodo de saúde só o facto de se prestar homenagem às vítimas da chamada noite trágica de 19 de Outubro me poderia trazer aqui.
Sou presentemente nesta Câmara a única pessoa que tomou parte no movimento de 19 de Outubro . . .
Sr. Presidente: eu quero associar-me ao voto de sentimento por V. Ex.a proposto à Câmara, como homenagem à memória daqueles homens, a quem a República muito deve, em meu nome pessoal e bem assim em nome de todos os repu^ blicanos honestos, como eu, que nesse movimento entraram cheios de fé e de generosas intenções.
Eu condeno e lamento, como ninguém, a violência dos atentados cometidos, mas não se queira assacar responsabilidades ao movimento de 19 de Outubro que foi generoso e grande . . .
O Sr. Jorge Nunes: — Essa obra foi a sua condenação! . . .
O Orador: — Eu entrei conscienternente no movimento do 19 de Outubro, e estou plenamente convencido de que muitos dos membros desta Câmara, que agora atacam esse inovimonto, não o fariam, e, pelo contrário, lhe dariam o seu apoio, se os atentados não tivessem sido cometidos.
Vozes : — Não apoiado! . . .
O Orador:—Quando V. Ex.as me deixarem falar, eu continuarei.
O Sr. Presidente : —Peco a atenção da Câmara.
O Orador: — Sr. Pesidente: pareee-rne que ninguém tem o direito de duvidar das minhas honestidades, e da minha fé republicana. Eu condenei, mais do que ninguém, a vileza desses atentados, c fi-lo, com autoridade, porque dando o meu apoio a Osso movimento, eu repudiei toda e qualquei' solidariedade com aqueles que tiveram responsabilidades nos atentados,
Uma Voz : — j Mas não foi no dia imediato !
O Si'. Jorge Nimes: — Depois da repulsa do PP.ÍS inteiro.
O Sr. Francisco Cruz : —Os homens de 19 de Outubro foram muito patriotas. . ,
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O Sr. Francisco Cru?,: — Eu não posso admitir a V. Ex.a semelhante comparação.
O Orador:—Mas continuando, Sr.Presidente, eu devo dizer que desse movimento fizeram parte membros do Dire-tório do Partido Democrático...
O Sr. Almeida Ribeiro: — Não apoiado.
O Orador:—-...Como o Sr. Pires de Carvalho e outros.
Sr. Presidente: eu quero responder ao ilustre Deputado Sr. Vicente Ferreira, porque S. Ex.a foi injusto na sua acusação aos dirigentes do movimento de 19 de Outubro. Eu não fui dirigente: fui apenas um humilde soldado, mas não está mais ninguém na Câmara que tivesse feito parte do 19 de Outubro.
O Sr. Jorge Nunes: — Estão infelizmente escondidos, mas hão-de ser desmascarados. Quando julgaram o movimento triunfante, passeavam impávidos pelas ruas, depois esconderam-se no anonimato. .
O Orador: — Sr. Presidente: dizia eu que o Sr. Vicente Ferreira tinha sido injusto na sua acusação; pois eu vi, eu li ordens, policiais para o policiamento das áreas.
Eu estava no quartel do Carmo quando soube que o Dr. António Granjo tinha sido varado traiçoeiramente pelas balas. A minha repulsa nesse momento foi igual à que V. Ex.as neste momento sentem.
Devido à minha atitude, tenho acarreta-tado ódios e eu chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para uma local que veio no Século e hoje no Diário de Notícias, e peço aos representantes da imprensa nesta casa para rectificarem a notícia que diz ter havido entre mim e um chefe de polícia uma scena de pugilato, após uma altercação.
Isto não é verdade !
Não falei, nem conheço esse chefe Xa-xier. O que está certo é o seguinte: eu passava na Praça dos • Restauradores quando me quiseram agredir à cacetada e para matar.
Eu estava completamente desarmado e eu, que "nunca volto a cara aos meus inimigos, digo-o, sem vergonha, tive de fu-
gir; e, depois, quando já estava longe ainda armou e me apontou uma pistola.
Vi-ine cercado por bandidos sendo um deles o irmão do Sr. Orlando Marcai e um oficial do exército cujo nome não digo.
isto não é uma queixa de colegial, mas eu que tenho a Cruz da Grande Guerra, tive de fugir, pois esi;ava desarmado.
Compreende bem a Câmara que não posso andar à procura deste indivíduo para lhe bater. Ele é um agente de polícia que tem por missão manter a ordem e eu pregunto ao Sr. Presidente do Ministério se um homem que assim procede pode continuar no desempenho das suas funções.
Ainda há dias um atentado semqlhante se praticou para com um republicano dedicado que serviu na Polícia da Segurança do Estado durante o tempo em que foi Presidente do Ministério o Sr. Cunha Leal.
Não puderam ainda conseguir os seus desejos. Espero que continuem, mas agora prevenido, como espero também a acção do Sr. Presidente do Ministério na repressão desses casos que,' a continuarem a dar-se, bastante prejudicariam o regime.
Para terminar e arrogando-me, repito, a representação de todos os republicanos honestos que.entraram no movimento de 19 de Outubro, associo-me £io voto de sentimento proposto por V. Ex.a, especialmente com respeito aos mortos daquela data.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráfícas.
O Sr. Novais de Medeiros:—Sr. Presidente : falando pela primeira vez nesta sessão legislativa, e querendo cumprir um dever de cortesia sempre aqui usado, gostosamente apresento a V,. Ex.a os protestos do meu respeito e da minha muita consideração, o à Câniara e a V. Ex.a endereço ainda as minhas saudações.
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merecedores, pelas suas qualidades e virtudes, da nossa admiração e estima. A eles me referirei em especial, sem que isso possa ser motivo de reparo para alguém, nem represente menos respeito para com os outros, igualmente chacinados à traição e-com requintes de barbarismo, após uma revolução triunfante que desgraçadamente trouxe consigo— vejam o horror — a vitória da cobardia. (Apoiados). Assim, morreram o almirante Machado Santos, bem como os capitães de fragata José Carlos da Maia e Freitas da Silva, oficiais que não precisavam da palma do martírio para ter um altar no coração de todos os que os conheciam e muito amavam. Todos eles, sem desfalecimentos, procuraram sempre, pelo seu exemplo e muita dedicação, servir honrada e honestamente o seu País com carinho e devoção, e a armada a que tanto queriam. As suas acções e merecimentos, que deveriam ter constituído um penhor seguro para os impor ao respeito e à consideração de todos, de nada valeram para a horda canibalesca que havia premeditado o crime. Não hesitaram essas vis criaturas em executar o seu tenebroso plano, aniquilando para sempre o esforço desses briosos oficiais, e não recuaram ao lembrar que as suas vítimas eram homens de bem, verdadeiros caracteres. As foras esqueceram ainda que, assassinando o herói da Rotunda e a figura alevantada e cândida do bravo marinheiro que assaltara o cruzador D. Carlos, feriam também a República por eles sofregamente amada, e manchavam com uma nódoa de sangue e ignomínia a história da Pátria. (Apoiados).
E, como isto só não bastasse, porque ainda era pouco— para cúmulo de vergonha e até de tristeza— era aos gritos de «Viva a República» que levavam a cabo as suas façanhas, que pretendiam justificar com uma mentira, tantíssimas vezes eA*ocada, a deportação dos marinheiros, mentira que uns, por ignorância talvez, e outros muito propositadamente exploravam, quando dela precisavam para os seus fins políticos. Para os primeiros quero o esquecimento; para os segundos vai a minha maior repulsa. (Apoiados).
Sr. Presidente: ao sobraçar a pasta da Marinha, o desventurado comandante Carlos da Maia encontrou um pesado e in-
grato legado, que ele, orgulhoso da sua farda e em extremo cioso dos brios da corporação a que pertencia, procurou desde logo remediar. Foi então que ele pensou na organização do batalhão expedicionário a África, para que as praças já deportadas e a deportar ainda, não despissem o alcache de marinheiro e pudessem, com actos de bravura costumada, fazer cair no esquecimento faltas cometidas. Mais ainda: para desviar e afastar a idea dum castigo mandou abrir inscrição para voluntários; telegrafou para Moçambique ordenando a passagem aos navios de guerra das praças já então nessa colónia, e determinou ainda que os seus vencimentos • fossem os da marinha colonial e pagos em ouro como percebiam os seus camaradas ali em serviço.
Vozes : — Muito bem, muito bem.
O Orador: — E assim, Sr. Presidente, se desfaz uma vil intriga que o malogrado capitão de fragata Carlos da Maia nunca quis esclarecer, já porque esse procedimento repugnava ao seu carácter e magoava também o seu coração de amigo, mas que outros, infelizmente, não compreendendo a nobreza do seu gesto, maliciosamente aproveitavam -sem pensarem que a sua inconsciência atiçava a fogueira para a qual deviam ser lançados os meus bem infelizes camaradas. (Apoiados).
Sr. Presidente: hoje, em presença de factos consumados, só me resta pedir castigo severo e implacável para os criminosos e seus instigadores, se eles de facto existem, para que todo o País e até o estrangeiro, que indignadamente censuram tam hediondo e monstruoso crime, possam dizer que ainda há justiça em Portugal. (Apoiados).
E, sendo esta sessão de comemoração aos mortos, todos elos merecem que hoje e aqui piedosamente sejam lembrados, e se diga que a Pátria e a República podem, com orgulho e desvanecimento, chamar-lhes seus filhos. (Apoiados).
Em meu nome, pois, e ainda em nome dos camaradas que pensam como eu, aqui lhes prestamos também as nossas homenagens e deixamos uma s a'idade, a mais sentida.
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O Sr. Dinis da Fonseca:—Tenho escutado atento e comovido as manifestações de pesar e de protesto, vindas de todos os lados da Câmara contra os cobardes atentados de 19 de Outubro que vitima-ram alguns homens públicos republicanos, cobrindo de opróbrio os seus autores e de vergonha a própria Nação.
Eu felicito a Câmara pela unanimidade e pela grandeza que soube dar a esta manifestação. É que se tornava necessário que não ficassem dúvidas de que o pais inteiro repudiava esses crimes nefandos; era preciso que esse repúdio fosse proclamado aqui bem alto e por uma forma bem solene, para que as nossas palavras pudessem, como bein disse o ilustre Deputado que me precedeu, ecoar no estrangeiro, em todo o mundo civilizado, que principia a olhar-nos com'horror; para que as nossas palavras pudessem vencer o tempo e ficar na Historia, chegando até a geração que se nos seguir, certificando-a de que não fomos coniventes nos crimes que lamentamos; para que possam lê-las os nossos descendentes e assinj não sintam vergonham de nós.
Foi por isso que eu, apesar das palavras eloquentes já proferidas pelo ilustro leader da minoria católica, a que pertenço não quiz deixar de pessoalmente me associar ao voto de sentimento pelas vítimas de 19 de Outubro, e igualmente ao pedido de que ajusta punição dos autores e cúmplices desses atentados se não faça de-morar.
Eu creio, Sr. Presidente, que para pedir justiça nós os Católicos temos nesta Câmara mais autoridade do que ninguém.
É que nós protessamos e representamos aqui a doutrina da igreja e em nome dela temos condenado todos os atentados políticos, que se vêm sucedendo e amiudando desde 1908 até hoje.
Com a mesma coerência e com a mesma sinceridade nós condonamos sempre, porque obedecemos a princípios e não a paixões políticas.
Nós nunca destinguimos nem a categoria, nem as ideas das vítimas, pouco importando que fosse um rei ou um presidente, que fosse um humilde religioso ou um homem público, que tivesse ideas monárquicas ou republicanas, como aqueles cuja memória homenageamos aqui.
Nós nunca distinguimos entre os auto-
res dos atentados para chamar a uns libertadores e a outros assassinos; para pedir pura uus o castigo e para outros a impunidade o até a própria glorificação.
Nós fomos sempre coerentes.
Nós fomos sinceros quando estivemos ao lado dessa nobilíssima figura de português que foi o Conde de Arnoso, quando ele nesta mesma sala e qiu.si sozinho, vingava os direitos da justiça e os devores da lealdade o do reconhecimento, que tantos esqueciam.
E ó com igual sinceriedac.e que hoje nos associamos à homenagem que esta Câmara está prestando às vítimas de 19 de Outubro e com igual coerência pedimos justiça para os autores c.os crimos.
Ou melhor, Sr. Presidente, nós não pe-dimosr nós anunciamos a esta Câmara que justiça há-de ser feita quer os homens queiram quer não.
Nós acreditamos numa Providência eterna encarregada de suprir as deficiências da pobre justiça humana.
E se porventura alguns dDS que me escutam não acreditam nessa Providência, têm de acreditar ao menos na lição da História que nos diz que nunca os crimes sociais e de carácter colectivo deixaram do ter uma justa punição.
Se há leis eternas para o mundo físico, também existem para o mundo moral, também existem para o próprio governo das sociedades e jamais os homens as poderão violar impunemente.
E se não quereis, Srs. Deputados, recorrer à história doutros povos, olhae atentemente para a história dos factos nossos contemporâneos, para os sucessos deste período agitado desde 1908 até hoje e dizei-me se não descobris entre os diversos crimes e atentados uni i aço misterioso e terrível, que os liga a distâncias, como se um crime fosse o casrigo de outro crime, como se uma nova vítima fosso a expiação do sangue do outra que ficara impune.
Justiça há-de fazer-se.'..
O sangue das vítimas que a justiça não vinca recai sobre os povos o sobre as nações como uma maldição.
Justiça há-de fazer se e a Providência apenas vos dá a escolher um dos três papéis: ou juizes, ou carrascos, ou vítimas.
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miar, quantos do vós que me ouvis, se eu mesmo que vos falo, estamos destinados para a expiação.
Justiça há-de fazer-se. - .
Eu creio ainda, Sr. Presidente, que esta homenagem prestada às vítimas, ficaria incompleta, que perderia muito do seu significado, se ela se limitasse a desfolhar sobre a campa das vítimas algumas flores de retórica.
É preciso que desta homenagem resulte alguma cousa de mais positivo, alguma cousa que influa na marcha da vida pública portuguesa.
Eu ouvi com agrado, por parto dalguns representantes dos agrupamentos políticos desta Câmara, fazer confissões de arrependimento.
Eu creio que elas fossem sinceras, mas ó preciso que não fiquenr apenas em'palavras, mas que se exteriorizem em obras.
O melhor monumento a erguer sobre as campas das vítimas, seria unia obra do reconciliação c de pacificação, desarmando sectarismos e paixões e sacrificando facclos sinos, para ver se dessa forma era possível salvar esta Pátria que atravessa uma das crises mais terríveis da sua história.
Essa obra de reconciliação não a impediremos nós os católicos.
Estamos aqui lealmente dispostos a trabalhar e a co'operar com todos os Governos que sejam sinceros e bem intencionados.
Nós entendemos que nesta hora só dois partidos deviam existir em Portugal, nrn formado por todos os homens honestos e outro por aqueles que o ,não são, que não tt'in carácter nem vergonha.
Mas não esqueçamos Senhores que essa obra de pacificação não se pode levar a efeito unicamente pela reiinião de tropas e regimentos.
Isso é pouco.
A ordem não poderá existiu nas ruas e praças públicas, emquanto não reinar primeiramente nas consciências.
Não bastam ainda os bons esforços dêsíe Parlamento, porque é preciso para que essa paz se estabeleça, uma base moral que a imponha como um dever.
Essa base moral só pode ser a base religiosa, só vode ser o poder moral da Igreja.
Tende a certeza, Srs., que uSo poderá haver ordem nem paz, era quanto permanecerem de pé leis opressoras que afrontam dia a dia a nossa consciência, emquanto nós católicos continuarmos a ser tratados como párias na nossa própria terra.
Notai bem, Srs. Deputados, se nós estamos reivindicando liberdades para a Igreja, fazemo-lo mais por anior da Pátria do que pela mesma Igreja.
Seria bem fraca a nossa fé, se recesá-semos pela sorte da Igreja, só porque vós, Senhores, a tendes perseguido.
Não receia as perseguições, a Igreja que tem por fundamento um homem-Deus crucificado e morto pelos ódios e paixões dos homens.
Não as receia a Igreja q.ue viveu três séculos debaixo da terra, oprimida pela tirania dos césares romanos, mas triunfou sempre de todas as tiranias e nenhuma há que desconheça.
Não, .Srs. Deputados, se amanhã os desatinos políticos afogassem a independência da Pátria, não se afagaria por isso a Igreja, que continuaria a sua marcha ovante através da Humanidade.
Não ó a Igreja que precisa da Pátria, mas a Pátria que precisa da Igreja, e quando nós reivindicamos aqui as liberdades da Igreja, é principalmente por amor da Pátria que o fazemos, porque temos a convicção segura de que a acç-ão salutar da Igreja é o maior factor de pacificação e restauração da sociedade portuguesa.
Por isso,. Srs.. é injusta, é impolítica e anti-nacional a vossa teimosia, se continuar a negar à Igreja as liberdades que reclama.
Mas eu não quero abusar por mais tempo da paciência da Câmara.
Pode até parecer que não vinha a propósito nesta homenagem às vítimas falar das liberdades religiosas.
Mas não é assim.
A liberdade é também uma vida, é a vida das almas e'das consciências, mais preciosa ainda que a do corpo.
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Para todas as vitimas vai pois, Sr. Presidente, nesta hora a minha homenagem, contra todos os atentados lavro o meu altivo protesto.
O Sr. Sampaio e Maia:—Depois das palavras proferidas por todos os lados da Câmara, em memória dos parlamentares mortos durante o interregno parlamentar, fica talvez bem duas palavras proíeridas mais pelo coração do que pela inteligência por aquele que foi chefe de gabinete da presidência do último Ministério António Granjo.
Foi desde Coimbra que me habituei a conhecer António Granjo, que dentro daquele arcabouço de transmontano albergava a alma mais perfeita que tenho conhecido.
Foi no desempenho uo honroso cargo para que me convidou, onde eu melhor ainda conheci a grande confiança que em mim depositara, mas foi também nesse lugar que eu verifiquei que as lutas políticas não tinham apagado na sua alma aqueles dotes que eu tanto admirara.
Quajido chegaram ao Ministério do Interior notícias acerca do projectado movimento indicando até os nomes daqueles que o dirigiam, alvitrou-se que melhor seria prendê-los; mas António Granjo disse: Não; prender republicanos, nunca! ,?Pode explicar-se que a República prenda os homens que a ajudaram a implantar?
Granjo era assim. Era uma alma de criança, medindo o republicanismo dos outros pelo seu, medindo a lealdade dos outros pela sua; e foi isso, Sr. Presidente, que o matou.
Voluntário da Grande Guerra, António Granjo fez reviver páginas da história dos nossos mais brilhantes e épicos cavaleiros.
Quanto à vida política de António Granjo deixemos que a história serena e fria pronuncie o veredictum final; mas até lá quem pode negar as altas qualidades políticas de António Granjo?
Foi na política um grande; e tam grande ele foi, que foi ainda a sua morte qne derrubou um Ministério e levou à presidência do Ministério o seu loal amigo e companheiro da noite trágica!
Sr. Presidente: Granjo era alguma cousa nesta Pátria! Era alguma cousa nesta República! (Apoiados).
Por isso apresento também as minhas palavras de saudade pela morte do que foi meu Ministro do Interior.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. O orador nào revivi.
O Sr. Abílio Mourão: — Sr. Presidente: cumpro dolorosamente o grato dever de apresentar a V.'Ex.a e a toda a Câmara os meus melhores cumprimentos.
Apesar de o meu partido expressamente delegar no ilustre Deputado Sr. Vicente Ferreira o honroso encargo de, em nome dele, prestar nesta sessão as homenagens devidas aos ilustres republicanos, que a noite trágica de 19 do Outubro para sempre envolveu no seu manto de negrume e de sangue e ainda da especialmente dizer palavras de saudade e justiça ao que foi leader, nesta Câmara, do Partido Liberal, eu não podia deixar de manifestar nesta ocasião a minha saudade e gratidão ao que foi o maior entre os meus melhores amigos, o Dr. António Granjo, eleito, como eu, pelo círculo de Chaves.
Não conheço ninguém que melhor reúna em si tantas das grandes virtudes da velha raça portuguesa. Bondade, valentia, lealdade, era a trilogia sagrada em que ele fazia assentar toda a sua actividade de republicano e patriota.
Nunca nesta vida que vai passando o seu coração de verdadeiro português conheceu desalentos. Estava sempre onde era preciso estar para defender a Pátria e a República, escolhendo sempre os pontos mais difíceis e arriscados.
Nunca a República esteve, ombora ao de leve ameaçadit, que o Dr. Grranjo não fosse ocupar o seu posto de combate. éQuem há aí que ignore as horas de angústia e sofrimento que passaram os povos do norte de Trás-os-Montas quando das incursões de Couceiro, e não tenha conhecimento da acção do Dr. António Granjo, acorrendo de arma em punho à frente de um grupo de civis onde a luta era mais acesa e perigosa?
,;Qaem há aí que ignore a sua acção na revolução de Santarém e na gloriosa defesa de Chaves, a sua terra natal, por ocasião da aventura monárquica do Porto?
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dres juntar-se aos seus irmãos de armas que em terra estranha defendiam com valentia o bom nome de Portugal e regavam com seu sangue as terras de onde mais tarde haviam de brotar as flores da justiça e da liberdade dos povos?
E, apesar disso, mataram-no, como se matam feras. Morreu pobre e honrado o malogrado Dr. António Granjo. Nisto vai o seu melhor elogio.
Associo-me, do coração, ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela morte dos bons republicanos e cidadãos que traiçoeiramente caíram na noite de 19 de Outubro. Mas quero também, Sr. Presidente, aqui declarar bem alto a minha repulsa por todos aqueles que directamente ou indirectamente contribuíram para que se preparasse aquela nuite trágica, não protegendo vidas preciosas para a Eopública, apesar de antecipadamente se conhecer o nome das vítimas. Faço, conjuntamente, votos porque a justiça soja implacável e inexoravelmente caia sobre todos os responsáveis da hora mais dolorosa da República.
Permita-ine ainda, Sr. Presidente, que eu levante uma frase do Sr. Vergílio Costa, quando afirmou que o movimento de 19 de Outubro tinha um fim altruísta.
Apartes.
Como muito bem disse o Sr. Cunha Leal, na imprensa e nesta Câmara, esse movimei t) tinha sido um crime mesmo que não tivesse a ensanguentá-lo os acontecimentos do Arsenal.
Nenhum bom republicano, honestamente, poderia dizer que uma revolução tendente a derrubar um Governo presidido pela figura prestigiosa de António Granjo e composto de velhos e experimentados republicanos tinha um fim justo.
Apartes.
Eu insisto, Sr. Presidente, em dizer que o movimento de 19 de Outubro se fez para colocar nas cadeiras do poder indivíduos que satisfizessem em tudo os desejos dos seus organizadores.
António Granjo cairia no Parlamento, que reabriria dentro de poucos dias, mas os outubristas entenderam que alcançariam melhor os seus fins, desabando-o violentamente ainda que isso cansasse ao país prejuízos incalculáveis de toda a ordem.
Sr. Presidente: o prestígio da Repú-
blica não sofrerá porque uns desvairados procurem atingi-la, mas é preciso que o regime mostre que tem a força necessária para castigar implacàvelinente todos aqueles que pretendem desonrá-la.
O Sr. Sousa Dias: — Sr. Presidente: sendo a primeira vez que uso da palavra, eu quero dirigir a V. Ex.a os meus cumprimentos, envolvendo neles todos os meus ilustres colegas, fazendo votos para que a Pátria e a República recebam de todos nós o trabalho útil de que carecem.
Pedi a palavra para, em curtas considerações, justificar o motivo que me levou a usar dela.
Sr. Presidente: eu militei ato ao 19 de Outubro no Partido Liberal, ao qual dei todo o meu esforço, afastando-me dele desde essa data, mas continuando no em-tanto a dar à República o melhor da minha vontade e esforço. Se aqui me encontro, foi porque amigos íntimos de António Granjo me convidaram para aceitar uma candidatura independente, Porto, para o que me invocaram a sua memória.
O facto de pedir a palavra traduz a sincera amizade por um homem, que foi para mim um amigo íntimo, e pelo qual tenho um culto invulgar, após a sua morte. •
O movimento de 1Q de Outubro, embora nele tivessem colaborado alguns elementos de boa fé, tem de ser apreciado pela sua obra, que foi nefasta.
No Poder estava um Ministério constituído por bons republicanos, e no em-tanto, tendo-se feito esse movimento, om nome da moralidade e da competência, nós vimos que o Governo que só lhe sucedeu, a breve trecho tinha em volta de si o vácuo, e as crises e os inales que afligiam a República, consideròvclmente aumentados.
Mas, Sr. Presidente, desse movimento nasceu uma lição moral formidável.
De um lado, homens sem nome, que se transformaram numa horda de assassinos, do outro lado, homens que amando profundamente a República, elevaram bem alto a beleza dos seus princípios.
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No Poder estií hoje um Ministério constituído por homens que merecem a confiança, da Eepública, tendo o apoio do Parlamento, da imprensa e do país.
E necessário que esse Governo não recuo no cumprimento do seu dever, e como já aqui foi dito, a melhor homenagem que podemos prestar aos mortos queridos que hoje comemoramos ó unir-mp-nos todoSj em volta do mesmo pensamento, e trabalhar para a prosperidade da Eepública, p» da qual eles tanto trabalharam o derramaram o seu sangue.
Tenho dito.
O orador na o reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Quando há pouco o Sr. Vergílio Costa usava da palavra, eu interrompi-o para dizer que o directório do Partido Bepublicano Português não tinha colaborado no movimento do, 19 de Outubro.
Se, então, as minhas palavras não traduziram fielmente o meu pensamento de-.vo dizer que foi efectivamente essaaidca que presidiu à nrnha interrupção.
Devo acrescentar ainda e apenas como esclarecimento que o directório do Partido Eepublicano Português não só não colaborou no referido movimento, como foi uma das primeiras entidades políticas a reprovar o a contrariar a sua eclosão.
Feitas estas ligeiras observações, permita-me a Câmara que eu, prestando a minha sentida homenagem a todos os parlamentares falecidos durante o interregno parlamentar, faça uma referência especial ao verdadeiro republicano que foi Pedro Boto Machado.
Pedro Boto Machado era oficial inferior do exército a quando do movimento de Janeiro de 1891, no qual entrou com coragem e com brio.
Foi por esse facto julgado em Lisboa e enviado para ixfrica.
Depois de expiada a sua pena regressou à metrópole, e com o mesmo ardor de então começou novamente a trabalhar pela implantação da Eepública.
Proclamada esta Pedro Boto Machado nada quis aceitar como recompensa do seu esforço e dos seus serviços e depois de ter cooperado nos trabalhos da Constituinte e de "ter estado à frente do Governo dum das nossas províncias ultramarinas qúo 'ele muito engrandeceu, vol-
tou novamente à sua Pátria onde inteiramente se devotou aos interesses e progresso da sua terra natal;
Pedro Boto Machado foi daqueles que bem mereceram da sua pátria o por isso eu não podia deixar de fazer uma referência especial àquele que om Tida soube ser um bom republicano e um bom patriota.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: —Sr. Presidente: o momento não é de retaliações nem para ataques; o momento é só para justiça serena e para homenagem aos homens que à Eepública deram a sua mais infinita dedicação, o seu mais infinito amor.
Sr. Presidente: paru todos eles da minha parte só pode haver palavras de saudade; quási todos foram meus companheiros de combate contra a monarquia.
Anselmo Braamcamp enc-irnava em si os princípios da verdadeira democracia. Dantas Baracho, que nunca fez. a declaração pública da sua adesão à República,, combateu a monarquia intransigentemente nos seus desmandos. Todos Cies merecem a nossa mais sentida homenagem ; mas. pela sua posição especial, tenho de destacar três homens que a fatslidade levou a serem vítimas de criminosos.
Está em primeiro lugar António Gran-jo, que, militando na direita, e eu na esquerda, mereceu sempre o meu respeito e consideração. António Granjo deu todos os seus esforços à causa da Bopública. António Granjo foi soldado para combater os inimigos da Eepública, quando nos queriam atacar vindo do estrangeiro. Foi ainda António Granjo quem envergou a farda para ir à França defender a Pátria e a Eepública.
Para esse homem, que foi meu adversário, vai a minha saudade e a .minha homenagem.
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navios de guerra, mas trabalhou connosco etn Alcântara, um dos nossos maiores baluartes. Esse homem foi depois aquele que na Rotunda, com a sua espada de marinheiro desembainhada, dizia aos soldados: «Não desanimem, rapazes, porque a vitória será nossa». Para ele vão também as minhas mais comovidas e mais sinceras homenagens.
Um outro ainda, José Carlos da Maia, foi meu companheiro da jornada de 28 de Janeiro. Nunca" assistiu a nenhuma reunião em que eu estivesse, mas nelas, com frequência. KO falava no seu nome. e quando era preciso transmitir aos nossos camaradas que se achavam a bordo qualquer cousa de importante logo se dizia que o segredo devia ser levado ao conhecimento de Carlos da Maia para o confiar a quem muito bem entendesse e quisesse.
Foi osso honrado marinheiro que, na hora em que estávamos ainda bem longe de poder afirmar que a vitória nos pertenceria, com o seu nome tomou a responsabilidade de firmar um documento em que se requisitavam as munições que se achavam, a bordo da fragata D. Fernando, documento que felizmente se acha arquivado, pertencendo já à história desses acontecimentos. Esse acto só por si o nobilitaria.
Tenho tido, desde a primeira hora, o critério de que um homem pode estar em divergência connosco, mas desde que arriscou a sua vida pela República, qualquer que seja o.partido em que se encontre, embora o mais conservador, ôle passa a ser sagrado para todos nós, republicanos, tendo o direito ao respeito, à consideração e às homenagens que se devem a quem não duvida sacrificar-se pela liberdade da sua Pátria.
Muitas republicanos têm tido questões comigo. Posso, no e m tanto, afirmar, Sr. Presidente, sob a mais solene palavra de honra, que a nenhum encaro com ódio. Tenho-me limitado a sustentar as minhas opiniões, respeitando as do todos. E fora do meu partido tenho amigos que o são como irmãos.
Referi-me a esses três homens ora especial, António Granjo, Machado Santos e Carlos da Maia, porque eles são, para mim, as três maiores figuras dessa noite sinistra, Mais morreram, porém. Não sei
se eram republicanos ou se monárquicos, nem tenho que o discutir. Basta a maneira por que morreram, para que mo curvo respeitoso perante os seus cadáveres.
O Sr. Freitas da Silva não o conheci. O coronel Sr. Botelho de Vasconcelos conheci-ò numa situação em que se mio sabia o que viria a ser o dia seguinte. Foi ele quem. quando fui preso, de mim tomou conta para mo mandar para a esquadra das Mónicas. Nunca, porém, tive por ele qualquer ódio e jamais podirt ter nina congratulação pelo seu triste fim. Os adversários conibatem-se no campo da doutrina, e só quem não tom ideas ou quem possui um coração perverso apela para outro campo.
Quando se dirigiram a mim para colaborar no movimento que haveria de ser o 19 de Outubro sempre declarei que iião haveria adversário mais irredutível do GovCrno de então, mas que ninguém seria também mais contrário a movimentos revolucionários do quo eu.
E do estatuto fundaniental do meu partido a expressa determinação de combatermos apenas pela tribuna ou pela imprensa um Governo que não é saído das nossas fileiras e que não nos convém nas cadeiras do Poder, mas que se encontra lá ao abrigo claro da Constituição.
Realmente o Partido Democrático nunca combateu pela força nenhum Governo, senão quando eles se tOm colocado fora da Constituição, porque ela é para nós um documento sagrado e tem de o ser para todos os republicanos (Apoiados).
IE ai da Republica, se todos os republicanos assim não o compreenderem! (Apoiados).
Eu pregunto a V. Ex.a, Sr. Presidente, que ó um velho republicano e que tantos sacrifícios sela República tem feito, tendo já sofrido grandes desgostos por causas muito parecidas com as da noite trágica de 19 de Outubro,
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nunca teria sido possível a «Leva do Arsenal» !
E que o ódio tinha-se concentrado, e nem todos os homens tem a mesma generosidade: se alguns esqueceram facilmente os agravos recebidos, outros nunca os esqueceram, e foram estes que fizeram a tragédia, em que aparece como figura principal e sinistra o «Dente de Ouro», que alguns jornais dão como filiado nos monárquicos integralistas. (Apoiados da esquerda).
Sr. Presidente: digamos a verdade!
Contra o Governo de António Granjo tinha-so formado uma atmosfera de ódio; e eu congratulo-me por não ter feito uma conferência que me tinha proposto fazer, porque se a tivesse feito teria verberado energicamente algumas das medidas desse GovOrno, e assim alguns poderiam supor que eu dessa maneira teria contribuído para o 19 de Outudro.
Mas o que é certo é que à volta do Governo de António Granjo — sem razão, quero crê-lo— tínha-se criado uma má atmosfera.
,jPor falta de honestidade do Governo? Não, o que havia era o receio duma nova volta ao «dezembrísmo»!
Contudo, errado critério era esse — devo afirmá-lo— porque António Granjo era incapaz de praticar esse desvario. Entretanto, essa atmosfera tinha se criado e tinha-se até espalhado para fora de Lisboa.
Nessa ocasião, efectivamente, acabava eu de atravessar a província do Algarve e tinha lá ouvido coisas pasmosas a respeito da situação política om que vivíamos. Eu ouvi cousas como esta: que António Granjo, após ter sido desacatado no Alto de S. João, como o foi, tinha afiançado aos seus secretários «que lhe haviam de pagar caro esse desacato».
Eu estou absolutamente convencido de que essa frase nunca saiu da boca de S. Ex.a (Apoiados}.
Porém, a atmosfera que se tinha criado em volta do seu Governo ora absolutamente pejada.
Eu encontrei também no Algarve um homem com a cabeça inteiramente perdida, a propósito de em todas as terras dessa província badalaram os sinos anunciando a saída das procissões; e dizia-me: «eu estive um dia nas galerias da Câmara
para lançar bombas; foi no dia em que se discutiram os contratos do trigo o do carvão; mas como eles foram rejeitados, não levei por diante os meus propósitos; porém, se voltar lá sou um .homem perdido, porque cometo um acto violento».
Eu respondi-lhe que não era assim que se procedia e que compreendia que se atacasse a política de António Granjo, mas que ignorava as razões porque ele era profundamente odiado.
Quem fez isto?
Eu não sei, Sr. Presidente, apenas o que sei é que o 19 de Outubro foi a consequência de muitas cousas; o 19 de Outubro, Sr. Presidente, foi a consequência de muitos erros políticos e da situação que o País atravessa.
O que eu lamento, Sr. Presidente, ó que se não tivessem tomado as providências precisas para evitar esses actos, que aliás eram do conhecimento de todos, pois até se dizia que a lista se compunha de 100 indivíduos.
O que eu não compreendo, Sr. Presidente, é que, tendo andado na boca de toda a gente que se haviam de dar tais acontecimentos, se não tivessem tomado as providências precisas para as evitar. (Apoiados).
Ó meu desejo. Sr. Presidente, é que justiça soja feita, o que castigados sejam os verdadeiros culpados e absolutamente convencido estou de que não há ninguém honrado que não seja da minha opinião. (Apoiados}.
Sr. Presidente: afirmou-se primeiro por parte dos Deputados monárquicos, e depois por parte dos Deputados católicos, que os crimes que se têm dado são devidos ao enfraquecimento da religião.
Isto, Sr.' Presidente, não é verdade, pois para se ser honrado não é preciso ser-se religioso, nem ser-se temente a Deus; basta ter-bom coração.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer que desde os quinze anos que penso assim, o nunca fui religioso, se bem que a minha família professasse a religião católica.
Nunca, Sr. Presidente, acreditei na religião, e que ela fosso necessária para a felicidade dos povos.
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Eu devo dizer francamente que é mais vulgar encontrar um criminoso religioso a pedir perdão dos seus pecados, do que. encontrar um ateu a cometer crimes.
Religiosos, Sr. Presidente, eram todos aqueles que no Éden Teatro do Porto praticaram os crimes que todos sabem contra os republicanos, amigos do seu país.
Sr. Presidente: não é uma garantia a religião, porque em nome da religião foram'mortos lá em baixo, no largo do Camões, onde existe hoje o Teatro Nacional, edifício então denominado Inquisição, muitos indivíduos.
Sr. Presidente, não me digam que os crimes de Outubra foram possíveis porque as criaturas que os praticaram não eram religiosas. ^.Quem me garante a mim que entre essa turba de assassinos alguns não são crentes em Deus? Se ó realmente verdade que o homem que pertence infelizmente à armada é inte-gralista, ele ó com certeza religioso, e contudo, segundo o que está averiguado, ele ó, maior culpado desses assassínios.
Sr. Presidente, como já disse a V. Ex.a não quero fazer um discurso de retaliações, quis apenas citar factos; e, se mesmo pedi a palavra, foi para que os Srs. Deputados católicos não julgassem que eu não tinha razão em produzir os meus apartes e não poderia justificá-los. Eu oponho às suas as minhas doutrinas. Para mim, Sr. Lino Neto, a verdadeira religião é a que tenho seguido toda a minha vida: — a religião do bem, a religião da solidariedade.
Era bem melhor que em vez de religião houvesse uma forte educação cívica ...
O Sr. Lino Neto: — O Orador:—A base é ensinar que o homem deve ser honrado, que não deve fazer a outrem aquilo que não quer que lhe façam. O povo precisa ser absolutamente educado dentro dos sãos princípios ; é preciso dizer a todo o homem que não tem direito a praticar actos que por outros homens possam ser condenados. Sr. Presidente, eu prefiro à educação religiosa a educação cívica; a educação religiosa é para mim nefasta, porque há muitas. criaturas que obsecadas pelos princípios religiosos chegam até a convencer-se de que não é preciso trabalhar porque Deus lhes dará tudo. Tenho quatro filhos; escusado será dizer que nunca lhes ensinei o Padre Nosso; mas ensinei-os a serem homens de bem. O mais velho, que - -já não está em casa, tem ideas avançadas; um dia chamei o e disse-lhe: filho, tem as ideas que quizeres; mas iima cousa te peço, jé"que nunca comprometas o meu nome honrado, que muito me custou a conquistar! Eu, que não sou religioso, dou a toda a gente o direito de pensar como entender. O que eu não consito é que se abuse dessa liberdade. A doutrina que V. Ex.a defende aconselha o povo a que sofra com resignação ; e eu digo ao povo: teiu fé nos destinos da tua Pátria, trabalha, mas desvia-te do caminho da desordem, mas caminha, caminha sempre, para conseguires uma sociedade diferente daquela em que nós vivemos. No dia em que a sociedade possa dar pão a toda a gente, no dia em que não houver um homem que não tenha pão, nesse dia, não é preciso religião, porque só haverá homens bons! E necessário que todos nós, sem retaliações políticas, aqui venhamos para trabalhar afmcadamente, a fim de libertar este povo da situação miserável em que se encontra. E depois desse trabalho, teremos feito uma obra útil para nós e para V. Ex.as, representantes do catolicismo l Tenho dito. O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas ta-quigráficas. O Sr. António Correia: — Cumpre-me apresentar a V. Ex.a os meus cumprimentos e a toda a Câmara. Associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a em memória dos mortos que tiveram o seu fim trágico na tenebrosa noite de 19 de Outubro.
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em uma sessão pública mostrar a minha indignação por-tam vil atentado e levantar, a minha voz pedindo o severo castigo para OB criminosos.
Como esta sessão é destinada a marcar com caracteres indeléveis a personalidade de António Granjo, creio que não será inoportuno dizer algumas palavras.
Oportuno é lembrar todos os factos que gê relacionem com a vida de António Granjo, como político, como Presidente de Ministério e como homem de coração.
Já hoje aqui se disse, e muito bem, que Granjo fora vítima da. sua grande boa fé, do seu grando coração. De facto assim é.
Na noite de 18 de Outubro último, quando os lobos, em alcateia, vinham ao povoado, quando era já do domínio público essa tremenda lista negra e quando se fazia a apologia do crime nos cafés frequentados pelos profissionais das revoluções, eu, como correligionário e amigo dedicado de António Granjo, preveni-o do que se passava para que-tomasse as precauções que julgasse mester; podi-lhe que deixasse uma vez na vida de ser ingénuo e que pusesse de lado o sentimentalismo do seu coração, para agir com aquela acção que era necessária no momento em que aqueles que mais alguma cousa viam do que uma revolução reconheciam que ia ser dada mais uma machadada na República.
Tive o cuidado de prevenir o Sr. Presidente do Ministério, António Granjo, do que o tenente da guarda republicana, Virgílio Coata, havia saído apressadamente do eafó Martinho, em companhia de alguns oficiais, em atitude que dava a impressão de que qualquer cousa de tenebroso se preparava mais uma vez contra a República. António Granjo, alma de bom, disse--ine então que não era bastante para causar apreensões o facto que eu lhe contara da saída repentina do café, do Virgílio Costa, pois este já lhe havia declarado que não estava comprometido em qualquer movimento perturbador que po-doria levar a República para o abismo. Enganou-se! Quando outras vozes porventura mais autorizadas do que a minha— não mais sinceras — o levaram à convicção de que realmente mais um crime se ia dar contra a República, António Granjo foi para Q Ministério do Interior e dali para Q da Guerra e começou a dar as suas or-
dens para serem tomadas todas as-precauções que, servindo de defesa da República, pudessem cortar o caminho a ambições desvairadas de-maus republicanos.
Depois dirigiu-se para a Amadora e dali deu ordens que seriam cumpridas se aqueles elementos comprometidos a estar com ele o não tivessem traído.
Eu tive o prazer, que depois se transformou em profunda mágua, de ser companheiro de Granjo nessa noite.
Fui eu quem sentiu os últimos bafos da sua vida. Fui eu quem lhe diese que não voltasse para Lisboa; que fôsise para Caxias, para Sintra, mas que ouvisse a opinião do um novo na política q no conhecia os tramites da revolução. Que não se esquecesse de que a lista negra existia e que nela estava escrita a morte de-Granjo.. Estava-lhe reservada uma pena que ele não merecia porque em todos os actos da sua vida dera provas de unia alma generosa, de um bom patriota e de um bom . republicano.
E assim, com aquela ingenuidade que todos reconheciam ora António Granjo, ele dizia: «Que mal podiam fazer aqueles que tinham combatido pola República ?».
Entretanto, Granjo, não acreditando que neste país, neste, canto da 'Europa, houvese feras com figuras cê homens, não quis seguir os meus conselhos, e voltou para Lisboa.
Apartes.
Mais uma vez queria mostrar a sua generosidade e afirmava que não queria sangue derramado, que aos civis os mandaria para casa, o diria ás tropas que não fizessem fogo contra os seus irmãos.
Apartes.
Granjo foi levado para o Arsenal, para ôsse estabelecimento onde estavam marinheiros, marinheiros que tiveram nesta casa, em tempo, a sua voz a defendê-los de quaisquer perseguições, e aí o mataram com uma ferocidade tal que não se encontra na nossa história cousa que se lhe possa igualar. (Apoiados).
Estes factos me obrigam a levantar, a minha voz nesta sessão para exigir castigo severo para os culpados, seja quem for. (Apoiados).
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o desgosto profundíssimo que a sua morte causou na cidade a que esse batalhão pertencia, e como ai se deseja o castigo severo para os bandidos que mancharam a República.
A verdadeira comemoração de António Granjo está já feita e pertence à história, como alguém que foi neste país. (Apoiados).
Assim, só desejo repetir o que já foi dito nesta Câmara, que hei-de insistir constantemente pedindo castigo para tais crimes e que sejam punidas tais criaturas.
Sr. Presidente: é necessário que Portugal se levante no conceito das nações, e que sobre os autores dos atentados recaia o rigor da lei, das disposições do Código Penal, porque não precisamos de penas mais severas.
Se assim fizermos nós reabilitaremos o prestígio da República.e mostraremos ao estrangeiro que ela existe em Portugal, e só desaparecerá quando desaparecer a integridade da Pátria.
Tenho dito.
Q orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: não tomarei neste momento mais do que alguns minutos para me associar ao voto de sentimento por V. Ex.a proposto.
Eu desejaria, Sr. Presidente, que no dia de hoje apenas houvesse da parte de todos uma palavra" de saudade, de homenagem, porventura de amargura, embora as nossas considerações não pudessem deixar de ser acompanhadas por uma repulsa pelos crimes hediondos praticados no Arsenal de Marinha, que aviltam, já não digo um regime, mas uma raça, em-quanto essa nódoa não for limpa absolutamente.
Sr. Presidente : depois das palavras de sentida homenagem proferidas pelo meu ilustre colega Sr. Vicente Ferreira não teria m.iis do que "toma-las como proferidas por mim, se íião íôsse a intervenção do Sr. 'Vergílio Costa, que numa sessão de comemoração de mortos, que pela Pátria caíram à mão de vis assassinos, quis justificar o movimento de 19 de Outubro, dizendo que ele tinha tido uma idea nobre, alevantada e patriótica.
Sr. Presidente: eu prezo-me e honro--uie de ser político na terra portuguesa.
Isto me dá autoridade para repelir toda a espécie de solidariedade com aqueles que, tendo no dia 19 de Outubro aparecido na rua para nos lançar, a nós, o labéu de desonestos e incompetentes, vieram em poucas horas, pelos seus crimes, mostrar a hediondez do seu carácter, e pela sua incompetência vieram provar que não podiam governar sem a incompetência e sem a desonestidade dos partidos, que eles, desde a primeira hora, condenavam.
É preciso que nesta Câmara, prestando aos mortos as nossas maiores homenagens e curvando-nos perante a sua memória, neguemos por completo a nossa solidariedade àqueles que na imprensa, nos quartéis, etc., nos queriam atribuir todos os crimes que têm infelicitado esta Pátria.
E eu pregunto então se há alguém que, depois de. analisar detalhadamente o que foi o -criminoso movimento de Outubro, possa fazer justiça a quem quer que seja.
i Depois, quem se viu à frente daqueles que proclamavam a incompetência dos partidos da República? Os despeitados desses partidos (Muitos apoiados), aqueles que, pelo seu insignificante valor, nunca conseguiram impor-se (Muito? apoiados). Percorram V. Ex.?s á lista desses protestantes e verifique-se a sua pouca ou nenhuma autoridade moral para protestar.
E que, Sr. Presidente, o grande mal que nos vergasta e qiie nos tem impelido a percorrer tam escabrosos caminhos na política portuguesa, é a falta de carácter. (Muitos apoiados}.
í Que importa que amanhã um bandido que se diga monárquico ou republicano, me exija o respeito pelas suas ideas se eu lhe não reconheço carácter para mo fazer ?
Não basta defender uma idea; é indispensável que os actos públicos de quem a defende se imponham pela sua rectidão e honestidade. (Apoiados).
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Ao contrário: muitas das figuras marcantes desse malfadado movimento, nem categoria possuem para poderem aspirar a simples cabo de polícia. (Risos).
Sr. Presidente: as palavras que acabo de proferir dão uma pálida idea da minha justa indignação e nem apesar disso as teria proferido, senão fossem as afirmações feitas pelo Sr. Vergílio Costa que eu não rebato com energia, neste momento, por S. Ex.a se não encontrar presente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva):— Começo por enviar para a Mesa uma proposta, para a qual peço urgência e dispensa do Regimento, concedendo uma pensão às famílias das vítimas de 19 de Outubro.
O decreto n.° 7:072, pelas circunstâncias em que foi promulgado, pelas dúvidas e dificuldades que levanteu, obrigaram o Governo a submeter à aprovação da Câmara esta proposta.
Estou certo de que a Câmara não terminará os seus trabalhos hoje sem aprovar esta proposta.
Sr. Presidente: em nome do Governo, de que sou presidente, associo-me inteiramente às palavras de homenagem e ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a
E velha usança nas duas casas do Parlamento, prestar-se homenagem de profundo sentimento aos parlamentares falecidos durante o interregno parlamentar ; e hoje essa comemoração tem uma alta significação, pois alguns desapareceram devido a actos hediondos que nos deram a impressão de que não vivemos sob o céu amoroso de Portugal.
Esses actos foram praticados por verdadeiras feras, e nunca por homens da nossa raça.
A imprensa, essa instituição augusta fez levantar todos os portugueses, como um só homem, e conseguiu mais do que se poderia ter conseguido pela força.
Sr. Presidente: eu desejaria contar casos inéditos dalguns desses homens, para ficarem gravados nos anais desta casa do Parlamento.
Não o posso fazer proficientemente.
Uni dos oradores que me precederam, aludiu ao facto de eu estar na lista.
Eu direi que não tenho ódio; o ódio é sentimento que jamais nutrirei.
O ódio não estará jamais .no meu coração.
V. Ex.a e a Câmara, não calculam os momentos angustiosos que passei, quando pelo telefone me iam, com curtos intervalos, dando notícia, de que se estava arrancando a vida a esses denodados companheiros de lutas, com os quais me encontrei nos trabalhos preliminares para a implantação da República.
António Granjo, nesse tempo ligado à organização central que tinha como figura augusta, primacial, esse vulto proeminente da honrada e gloriosa marinha de guerra portuguesa, o almirante Cândido dos Reis, mestre de todos nós, a quem nunca ouvi uma palavra de ressentimento ou de desejo de vingança; Machado Santos, que teve um papel tam saliente nos trabalhos da implantação da República, neu companheiro de todas as horas, de que estive afãs- . tado desde 1912 a 1919, reatando relações após o combate de Monsanto, devido à intervenção do ilustre Presidente dosta casa, o Sr. Domingos Pereira e que apesar de estar separado dele durante ta,nto tempo não deixei nunca de reconhecer os seus sentimentos do ' republicano; Machado Santos, que na implantação da República teve um trabalho anónimo, absorvente, que muitos desconheciam, nome nesse tempo quási ignorado da multidão, mas bem conhecido daqueles que conseguiu aliciar para a madrugada de 5 de Outubro.
Todas as pessoas eram recebidas, não se indagando se eram amigos, ou inimigos.
Como ó grande a minha mágoa pela morte de António Granjo, a quem eu ouvi palavras que contradiziam absolutamente os actos que lhe imputavam. Eu, que ouvia a António Granjo aquelas palavras, sabia perfeitamente a injustiça dos julgamentos sobre o carácter de António Granjo; a sem razão das queixas que formulavam contra esse meu querido compa-' nheiro de luta!
Falaram-me para colaborar no movimento de 19 de Outubro. Eu procurei dissuadir os seus promotores dssse movimento. Por isso eu sei as boas intenções, os intuitos honestos de que estavam animados os promotores do movimento.
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mento. Fiz-lhe ver que esse movimento ~se não justificava, que era um atentado contra a lei basilar do País. Debalde lutei contra a pertinência de várias pessoas que iludiam a verdade não separando o movimento de 19 de Outubro do movimento anterior a favor da Constituição, mas não consegui evitar a eclosão do movimento. Tive até para condenar esse movimento as palavras que muitos conhecem e que exprimiam corajosamente o meu modo de pensar.
Há-de fazer-se justiça a quem delin-quiu. Ninguém tem o direito de duvidar de mim nem dos homens que estão nas cadeiras do Poder, embora o Poder Executivo não possa intervir nas averiguações da justiça.
Não podemos intervir na esfera de acção do Poder Judicial, que é, a Câmara bem o sabe, inteiramente independente, mas facilitaremos todos os meios para rapidamente se averiguar quem tem quaisquer responsabilidades nos crimes praticados em 19 de Outubro, e que pretenderam macular o prestígio da instituição militar, prestígio que, estou certo, todos os elementos de ordem pertencentes à Marinha e à guarda nacional republicana hão de levantar, porque é a continuação de um esforço anterior e porque esses elementos se não deixam levar por meneurs de inconfessáveis instinctos e objectivos. Mas, para isso, não ó preciso instituir de novo em Portugal a pena de morte, contra a qual toda a minha natureza se revolta. Seria um verdndeiro crime, seria corresponder ao acto do Dente de Ouro com um outro crime. (Apoiados).
Não podemos retrogradar. Seria mesmo inconstitucional que se promulgasse qualquer providência que se parecesse um pouco, embora de longe, com essa medida. Não é legítimo que num regime de liberdade se aplique qualquer penalidade, seja a quem for, que não seja inscrita no Código da Justiça para os actos praticados em determinado momento. Estou convencido de que, se podéssemos consultar António Granjo, Machado Santos e Carlos da Maia, eles próprios se revoltariam contra uma determinação da Câmara tendente a instituir a pena de morte.
Há um melhor maneira de vingar esses queridos companheiros de luta, esses prestantes cidadãos da Eepública, é reprimir
a desordem e praticar todas os actos necessários, com energia constante, para que não voltem a, repetir-se esses acontecimentos que, ao mesmo tempo que prejudicam a vida normal do País, podem atentar contra a sua própria integridade. O nosso lema deve ser, Ordem e Justiça, porque assim, conseguindo dignificar a a nossa Pátria, conseguiremos também acreditar-nos além fronteiras, e isso é essencial para o bom êxito das diligências tendentes a encontrar soluções que permitam a nossa reconstrução financeira e económica,
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: —Muito bem. É lida uma nota de interpelação do Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo. É a seguinte:
Nota de interpelação
Declaro que desejo interpelar o Sr. Mir nistro do Comércio acerca da abolição da aplicação de determinadas sobretaxas à exportação de alguns produtos ricos feita pelos anteriores Governos.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 2 de Março de 1922.— Aníbal Lúcio de Azevedo.
E concedida a urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior'
E a seguinte;
Artigo 1.° E concedida à viúva do Dr. António Granjo, desde o dia imediato ao do falecimento deste, a pensão mensal de 850$, livre de qualquer desconto.
Art. 2.° É concedida idêntica pensão, abonada desde a mesma data, à viúva e filhos do vice-almirante Machado Santos.
Art. 3.° Igual pensão ó abonada, desde a mesma data, à viúva e filhos do capitão de fragata José Carlos da Maia; e outrs. igual, desde a mesma data, é concedida à viúva e filhos do capitão de fragata Carlos de Freitas da Silva.
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Art. 5.° É concedida a pensão mensal de 160$, livres de quaisquer descontos, e abonados desde o dia imediato ao de fale" cimento) ás pessoas de família do chauf-feur Gentil, que por ôle fossem sustentada».
Art. 6.° A ôstas pensões é aplicável o decreto n,° 3:632, de 29 de Novembro de 1917.
Art. 7.° Ficam revogadas as disposições em contrário e" substituído assim o decreto n.° 7:782, de l de Novembro de 1921»
Sala das Sessões, 2 de Março de 1922.— António Maria da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente : duas palavras apenas em nome da minoria monárqnica.
É muito gostosamente que a minoria monárquica dá o seu voto, o toais incondicional, à proposta do Sr. Presidente do Ministério.
Bem sabe a minoria-monárquica que nfto pode infelizmente suprir cie qualquer forma o desgosto sofrido pelas famílias das vítimas do 19 de Outubro com qualquer cousa que compense o seu infortúnio»
- Desejando, tíontudo, a minoria monárquica associar-se por todas as formas às homenagens desta Câmara à memória dos mortos do 19 de Outubro j e desejando mais j por todas as maneiras, contribuir quanto em si caiba para diminuir a desgraça e a dor dessas famílias, beijando mui respeitosamente as mãos das senhoras assim lançadas na viuvem, e dirigindo às crianças assim lançadas na orfandade os seus melhores carinhos — dá o seu voto mais formal à proposta agora apresentada. (Apoiados)*
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sn Pedro Pita: — Sr. Presidente: o Partido de Recónstituição Nacional não pode deixar de votar a proposta apresentada pelo Sr. Presidente dó Ministério.
A República, não podendo evitar que as famílias das vítimas ficassem privadas dos seus ôhefes, procura, entretanto, atenuar o seu mal, proporcionando:lhes os meios de subsistência necessários à sua vida. E ao contribuir para isso, o Partido de Re-constituição Nacional fá-lo com tanta maior
boa vontade quanto é certo que reconhece, ao ver que as vítimas deixaram quásí sem pão os filhos que estremeciam, a honradez daqueles que morreram "e que sacrificaram na causa da Pátria e da República os haveres que aos filhos porventura podiam deixar. (Apoiados).
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente: pedi a palavra para em nome do Partido Liberal ,também declarar que damos o nosso apoio e caloroso à proposta do Sr. Presidente do Ministério, e com tanta maior satisfação quanto é certo que o Poder ^Executivo parece começar a prestar justiça às famílias das vítimas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Guimarães:—Sr. Pre-
sideute: escusado é dizer, já pelas suas afirmações aqui feitas, já pelo que lá fora declarou, quando do triste morticínio, que o Partido Republicano Portuguè's se associa à proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: é para dizer a V. Ex.a e à Câmara que a minoria católica aprova a proposta do Sr. Presidente do Ministério, porque entende que tendo sido as famílias das vítimas prejudicadas pela desordem duma sociedade, ó a essa mesma sociedade que lhe compete o seu amparo. (Apoiados).
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito.
Vai votar-se.
É aprovada na generalidade a proposta de lei.
Entrando em discussão na especialidade, é aprovada sem discussão até o artigo 7.°
O Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente: pedi a palavra nesta altura apenas para enviar para a Mesa a seguinte proposta de artigo novo:
Aditamento
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posições de direito aplicáveis e com as normas da equidade, sem prejuízo das decisões dos tribunais competentes.—Alberto de Moura Pinto—Paulo Menano.
E aprovada, depois de ser lida e admitida, bem como são aprovados sem discussão os restantes artigos da 'proposta de lei.
O Sr. Paulo Menano:—Eequeiro a dispensa da leitura da última redacção. Foi aprovado.
O Sr. Presidente:—Vai ler-se, para se votar, a proposta do Sr. Álvaro de Castro, para que a Câmara mande esculpir em mármore os bustos de Alexandre Braga, António Granjo, Carlos da Maia, Machado Santos e Anselmo Braamcamp.
É lida e aprovada sem discussão.
O Sr. Presidente : —A próxima sessão é amanhã, 3, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Eleição das comissões de finanças, Orçamento, guerra, administração pública e comércio e indústria.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 40 minutos.
Documentos mandados para a lesa durante a sessão
Requerimentos
Kequeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidos todos os documentos respeitantes à transferência de dois sargentos do Grupo de Esquadrilhas de Aviação «República», a seguir à revolução de 19 de Outubro, bem como as que digam respeito à sindicância ao capitão
aviador, António de Brito Pais, sindicância esta motivada pela atitude deste oficial a seguir àquela mesma revolução, a fim de os estudar.
Em 2 de Março de 1922. — António ' Maia.
Escpeça-se.
Eequeiro que; pela Direcção Geral da Fazenda Pública, me seja fornecida, com a possível urgência uma nota da existência de prata acusada nos diversos balancetes do Banco de Portugal, relativa aos meses de Julho a Dezembro de 1921 e Janeiro e Fevereiro de 1922;
Igualmente requeiro que me seja indicado se nesse lapso de tempo a existência da prata armazenada naquele Banco teve qualquer variação e em caso afirmativo o motivo que a determinou.
Em 2 de Março de 1922. — Aníbal Lúcio- de Azevedo.
Expeça-se.
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, autorizando o Governo a celebrar com o Banco de Portugal um contrato conforme as bases juntas.
Aprovada a urgência.
Para a c'omissão de finanças.
Para o «Diário dó Governo».
Projecto de lei
Dos Srs. António de Sousa e Alberto Leio Portela, concedendo à mãe e filho de António Cândido de Gouveia Castilho Nobre a pensão anual e vitalícia de 3.600$.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Para o «Diário do Governo».