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REPÚBLICA
PORTUGUESA
[ÁRIO DA CAIARA
S IE3 S S A. O 2fl"D 7 7
EM 19 DE JUNHO DE 1922
Presidente o Ex.mo Sr. Domingos Leite Pereira
Baltasar de Almeida Teixeira
Secretários os Ex,mos Srs,
Sumário.— Abre a sessão com a presença, de 49 Srs. Deputados.— É lida a acta, que adiante è aprovada.—Dá-se conta do expediente.— Últimas redacções.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Pedro Pita (para interrogar a Meão/ troca explicações com o Sr. Presidente sobre os termos em qus podem e devem ser marcadas sessões nocturnas.— O Sr. Feliz Barreira insta por documentos que pediu pelo Ministério da Instrução.
O Sr. Presidente faz o elogio dos aviadores Gago Coutinho e .Sacadura Cabral pela travessia aérea ao Brasil, entendendo que a Mesa deve ir cumprimentar, em agradecimento, a Embaixada do Brasil, terminando por um viva à Nação Por-uguesa.
Usam em seguida da palavra, celebrando o «raia» Lisboa-Rio de Janeiro, os Srs. Manuel Fragoso, Moura Pinto, Carlos Olavo, que apresenta uma moção, que foi aprovada por - arlama-ção, Alvado de Castro, Pina de Morais, Aires de Orneias, Lmo Neto, JVuno Simões, Leio Portela, António Maia, Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) e. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa de Magalhães).
O Sr. Encarregado dos Negócios do Brasil assiste da tribuna diplomática à sessão, sendo saudado e saudando S. Ex.° a assemblea, soltando-se viveis a Portugal e ao Brasil.
E aprovada uma proposta do Sr. Rodrigo Rodrigues para uma reunião do Congresso, em honra dos aviadores quando regressem, como é aprovada uma moção de sentimento por um desastre no Tejo.
É aprovado que na sessão seguinte, antes da ordem do dia, se discuta, uma proposta de crédito para festas em'honra dos aviadores.
Encerra-se a sessão, marcando-se sessões diurna e nocturna para o dia seguinte,
Documentos^ enviados para a Mesa durante a sessão.— Projectos de. lei.— Pareceres.
João de Orneias da Silva
Abertura da sessão às lõ horas e 15 minutos.
Presentes 62 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes, à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Aires de Orneias e Vasconcelos.^
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Leio Portela.
Alberto Moura "Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar ~de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
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Diário da Câmara do» Deputado*
Fausto Cardoso de Figueiredo. Feliz de Morais Barreira. Francisco Coelho do Amaral Beis. Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia. Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro. Jaime Daniel Leote do Rego. Jaime Pires Cansado. João Cardoso Moniz Bacelar. João José da Conceição Camoesas. João de Orneias da Silva. João Pina de Morais Júnior. Joaquim José de Oliveira. José António de Magalhães. José Carvalho dos Santos. José Mendes Nunes Loureiro. José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henriques de Abreu.
Lôurenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Gois Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues,
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marcai. Albano Augusto Portugal Durão. Alberto Xavier. Alfredo Rodrigues Gaspar. Álvaro Xavier de Castro. António Abranches Ferrão.. António de Sousa Maia. António Vicente Ferreira. Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Francisco da Cunha Rego Chaves.
Hermano José de Medeiros.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Jorge de Vasconcelos Nunes. José Joaquim Gomes de Vilhena. Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos. Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa Coutinho.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Não compareceram os Sra.:
Abílio Marques Mourão. Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa. Afonso de Melo Pinto Veloso. Alberto Carneiro Alves da Cruz. ' Alberto Jordão Marques da Costa. Alberto da Rocha Saraiva. Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa» Amadeu Leite de Vasconcelos. Amaro Garcia Loureiro. Américo OJavo Correia de Azevedo. Américo da Silva Castro. António Alberto Torres Garcia. António Albino Marques de Azevedo. António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca. António Maria da Silva. António Mendonça. António Pais da Silva Marques. António de Paiva Gomes. António Resende. Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos. Bernardo Ferreira de Matois. Carlos Cândido Pereira. Carlos Eugênio de Vasconcelos. Custódio Maldonado de Freitas. Delfim de Araújo Moreira Lopes. Delfim Costa.
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Sessão de 19 de Junho de 1922
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Cortês dos Santos. - José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henriques de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira de Matos Rosa.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás dó Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Às 15 horas principiou a. fazer-se a chamada^
O Sr. Presidente i—Estão presentes 49 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se à acta." Leu-se et acta. Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei que autoriza a construção dum ramal que ligue Portei com a estação de Viana do Alentejo.
Para a comissão de. caminhos de ferro.
Do Ministério das Finanças, enviando cópia do decreto n.° 8:168, publicado no Diário do Governo de 8 do corrente.
Para a comissão de finanças.
Do Ministério da Guerra, acompanhando os documentos pedidos em ofício n.° 417 para o Sr. Lúcio de Campos Martins.
Pára a Secretaria.
Do mesmo, acompanhando requerimentos respeitantes aos segundos sargentos do Secretariado Militar, João Maria Loureiro, António Maria Romão e Carlos Pinto dos Santos.
Para a comissão de guerra..
Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerimento do Sr. Álvaro de Castro, transmitido em ofício n,° 351. c Para a Secretaria.
• Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito em ofício 342 para o Sr. Henrique Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do presidente da Câmara Municipal de Grândola, pedindo a aprovação do projecto n.° 39, sobre construção de novas linhas férreas.
Para a comissão de caminhos de ferro.
Requerimento
Do primeiro sargento Francisco Pêreí-. rã de Sousa, pedindo para que o seu processo, arquivado nesta Câmara, seja examinado.
Para a comissão de colónias.
Telegramas
Dum grupo de amigos da Faíra de Lisboa e da direcção dá Associação dos Feirantes de Lisboa, congratulandò-sé com o início da Feira de Lisboa.
Para a Secretaria.
Duma comissão de presos, pedindo, em nome dos presos de Portugal, indulto, comemorando a chegada ao Rio de Janeiro dos aviadores.
Para a Secretaria.
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Da moagem da província, pedindo a aprovação do projecto baseado na lei n.° 1:899, actualizada.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial da Huíla, protestando contra campanhas levantadas ao Alto Comissário de Angola.
Para a Secretaria.
Da Associação dos , Oficiais Maquinistas Mercantes, saudando a ' Câmara pela conclusão do raid ao Brasil.
Para a Secretaria,
Do professor Gonçalo Correia, de S. Teotónio, pedindo a aprovação do projecto do Sr. «Ministro da Instrução.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Silves, fa-zendo igual pedido. Para a Secretaria.
Últimas redacções
Projecto de lei n.° 71, que avalia as receitas ordinárias e extraordinárias do Estado para o ano económico de 1922-1923.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
N.° 71-J, que fixa as despesas do Ministério do Interior para 1922-1923. x Dispensada a leitura da última redacção.
o Senado.
N.° 71-M, que fixa as despesas da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para 192.2-1923.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Antes da ordem do dia
O - Sr. Pedro Pita : — Sr. Presidenta : quando V. Ex.a na sexta-feira passada marcou sessão para hoje, diurna e nocturna, eu pedi a palavra para interrogar a Mesa, mas V. Ex.a não ma concedeu, naturalmente por não ter ouvido esse pedido.
Hoje, desejo chamar a atenção de V.
Diário da Câjnara dos Deputados
Ex.a para o facto de ter sido marcada sessão nocturna, pois que, de harmonia com as disposições regimentais, me parece que a Presidência não tinha atribuições para tal fazer, visto que a ordem do dia é a continuação da discussão dos Transportes Marítimos/ e a Câmara deliberou que fossem marcadas sessões nocturnas, apenas para discussão dos orçamentos.
Nestas condições, parece-me que só por equívoco ó que a Mesa marcou sessão nocturna para hoje, facto para que chamo a atenção de V. Ex.a
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Quando marquei a sessão nocturna para hoje, reflecti sobre se poderia ou não fazê-lo dentro das disposições regimentais.
No emtanto considerei que poderia autorizar-me para isso no n.° 8.° das alterações regimentais.
Não sei se bem ou mal,, considerei o projecto dos Transportes Marítimos corno um projecto de ordem económica, e nestes termos marquei a sessão nocturna.
A divergência que pode existir é sobre se a Câmara considera ou não o projecto que está marcado para ordem'do dia como uni projecto de ordem económica.
O Sr. Pedro Pita: — Mas as alterações feitas ao Regimento foram somente para vigorarem durante a discussão do Orçamento,
O Sr. Presidente: — Perdão! Eeferem--se também a projectos de ordem económica e financeira.
S. Ex.a não reviu.
O Sr. Feliz Barreira: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção de Sr. Ministro da Instrução para o que vou expor.
Há tempos pedi diversos documentos, • a fim de fazer uma interpelação.
Alguns'' destes documentos já me foram fornecidos, mas falta um que reputo de grande importância e que está pendente duma opinião que há-de ser dada pelo Conselho Superior da Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa, que dele ainda não pôde tomar conhecimento, em virtude do relator não ';er ainda dado o seu parecer.
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gessão de 19 de Junho de 1922
Publica que empregue todos os esforços necessários para que o relator apresente o seu parecer, para, por sua vez, a Faculdade de Sciências se poder pronunciar e eu ficar habilitado a realizar a minha interpelação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Augusto Nobre): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar ao Sr. Feliz Barreira que já tive ocasião de falar com o Sr.-relator sobre o assunto, mas, no em-tanto, vou instar, novamente, para que o parecer seja dado o mais rapidamente possível.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Na sessão de hoje não deve o nosso pensamento ser desviado da gloriosa façanha dos nossos grandes aviadores.
"Representantes da Nação, nós sentimos dentro do nosso peito a emoção profunda em que hoje vibra a alma nacional e o orgulho patriótico que o eleva às grandes alturas dos grandes dias históricos. Gago Cputinho e Sacadura Cabral nunca serão suficientemente celebrados (Apoiados). O seu feito, em que a coragem e a sciência, em que a audácia e o estudo se entenderam e combinaram, é bem a continuação dos formidáveis feitos que nos séculos xv e xvi disseram ao mundo o valor da gente portuguesa, valor que era também cons-cieate e reflectido, na realização dos descobrimentos de novas terras, no desvendar das mistérios do mar desconhecido.
Nós damos aos estupendos nautas do ar, que tam alto ergueram o nome português, o carinho dos nossos corações; fazemos dos seus nomes a apoteose das nossas almas, que para eles se erguem emocionadas e agradecidas, quási mudas de espanto e de admiração, porque não sabem nem podem traduzir a imensidade do, sentimento que as domina. (Apoiados).
Para correspondermos à glória a que nos elevaram é necessário que esta união moral, que eles despertaram, seja continuada por nós todos, portugueses, que, acima de tudo, das nossas próprias opiniões, coloquemos e respeitemos o nome de Portugal. (Apoiados).
Nada mais podemos fazer do que cor-
responder ao grande feito que mais de harmonia esteja com as aspirações dos dois admiráveis portugueses. Para os celebrar, seria necessário ressuscitar Camões, porque só ele, com a' sua lira inigualável, poderia, com a sua glória, cantar a glória dos heróis.
O Brasil, terra magnífica, em que o génio português encontrou a possibilidade de fazer uma nova e grande Pátria, mostra bem quanto a sua alma é Irmã da nossa alma.
Ao Brasil devemos o nosso reconhecimento; saudemo-lo carinhosamente.
Ao sair daqui, onde a representação da Nação Portuguesa tem a sua sede, irá a Mesa, representante da Câmara, à embai* xada do Brasil, pedaço da terra da nação amiga e irmã, apresentar as noss.as saudações.
E, para sermos justos, não esqueça^ mós que na admirável travessia do Atlântico teve o Sr. Ministro da Marinha uma parte importante, pelo que merece os nossos maiores louvores. (Apoiados).
Viva a Nação Portuguesa!! . . .
Vozes:—Viva! Viva! . . .
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando forem .devolvidas nestes termos as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: dá-me o Grupo Parlamentar Democrático, a que pertenço, a subida honra de, em seu nome, me associar às saudações propostas por V. Ex.a. .Faço-o, Sr. Presidente, com a alma a trasbordar de alegria. Sinto, contudo, a deficiência dos meus recursos, a triste pob::eza da minha eloquência, para celebrar tam alto feito.
Pudera eu, Sr. Presidente, á custa de muita sinceridade e de muita emotividade1 patriótica, dar às minhas palavras sem brilho o encantamento fantástico de um clarão do génio que fosse digno da maravilhosa epopeia, da triunfante vitória que despertou de novo, para a luta do ressurgimento, um povo de heróis que adormecera.
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Diário da Câmara aos Deputaâoi
D. João II de Portugal — voaram de Lisboa ao Rio de Janeiro, demandando, por entre nuvens e sobre mares sem fim, à terra riea e fértil do Brasil, que Pedro Álvares Cabral, flj entre os europeus, íoi o primeiro a ver.
Sr. Presidente: consumou-se assim, e £of portugueses, com que justificado orgulho o afirmo, o mais alto e extraordinário feito da áv ação, até hoje registado, através do mundo.
Por toda a parte há um movimento de admiração e os nomes dos heróis, con-juntamente com o de Portugal, são aclamados com entusiasmo.
Que as nossas aclamações, pois, se traduzam em festivas lágrimas de reconhecimento e comovidas bênçãos de gratidão.
Sr. Presidente: ia o mundo a esquecermos, e a religiosa recordação de um passado de aventuras gloriosas e de épicos feitos onde ardem, scintilando^ as polidas lâminas das espadas da conquista, e onde avultam, désvirginizadoras, as quilhas das caravelas- das descobertas, era já apenas como que a recordação saudosa de um sonho lindo, todo ele tecido de imaginosas fantasias.
A terra bemdità de Portugal, que o sol beija todos os dias, parecia deserta de portugueses!
jDir-se-ia, Sr. Presidente, que sem descendentes tinham morrido todos os guerreiros e todos os navegadores dos séculos xv e xvi, quê às .cinco partes do inundo levaram, conquistadoras, as quinas tradicionais da nossa bandeira!
Fomos à guerra, é certo, mas à guerra íoram quási todos os povos, e as inigualáveis virtudes da nossa raça predestinadas gritaram muitas vezes ao Mundo o nome português, realizando milagres de audaciosa bravura que outras gentes jâ-mâiá tentavam sequer.
Cada povo tem a sua história, mas há tinia história aparte que é, ao mesmo tempo, a história de todos os povos. É a história do mundo; e a história do mundo regista apenas os factos invulgares que o assombram, e são poucos, e muito escolhidos, os nomes próprios que conquistam a honra famosa das suas magnificas páginas de luz e de ouro.
Nós, os portugueses, temos nesse admirável registo de excelsos factos históri-
cos um capítulo todo novo; capítulo onde cada palavra é uma epopeia de génio ou de valor, capítulo onde se fala da África e da índia,1 das largadas da aventura, das luminosas descobertas e dos refulgentes montantes que à terra inteira afirmaram a rija têmpera dos pulsos de aço que os souberam brandir. Mas, Sr. Presidente, quem lesse agora apenas as últi- • mas páginas dessa gigantesca história de gigantes, ignorando ficaria, porventura, o nome lindo do berço famoso de tantos heróis. Ia o mundo a esquecemos!
Um dia, porém, inesperadamente, dois nomes se ouviram, correndo de boca em boca: Coutinho e Cabral. Dois nomes curiosamente evocativos da Grande Era, evocativos das mais belas e soadas faça, nhãs que em todos os tempos se realizaram sobre a terra e sobre as águas. E eram, e são, no emtanto, dois nomes de agora.-Dois nomes de gente rude do mar. Do mar! O campo predilecto e escolhido das nossas inimitáveis proezas de raça, demasiadamente grande para tam curta, para tam estreita faixa de terra.
Num coro de bênçãos, num coro de sacrossantos votos de felicidade, o povo inteiro decorou esses nomes, chamando ; para eles a atenção dos velhos que ainda rezam contos de glórias idas, e ensinando-os aos pequenitos que porventura sonham já com os triunfos das suas glórias futuras.
A Europa primeiro, o mundo todo depois, souberam do sobreilmano empreendimento, maravilha, ao mesmo tempo, de sciência e de arrojo.
. Todos os olhos se voltaram para o nosso cantinho florido, e o nome de Portugal soou de novo, vibrante e alegre como as notas de um clarim de guerra tocando depois duma vitória.
O mundo olhou-nos e constatou que mais uma vez tratava com os homens que há 400 anos o deslumbraram, rasgando então os flancos perigosos das ondas com a mesma enérgica intrepidez com que devassámos agora os segredos, os sombrios mistérios das nuvens do Atlântico Sul.
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Séstôo dê 1$ dê Junholdè 1922
os seus cálculosj scientíficos e serenos, entfaminhou.
Sr. Presidente: seis milhões de portugueses e todos os brasileiros rezam hoje, enlevados,, os nomes dos dois 'heróicos dominadores do espaço: nomes de glória e de conquista. O mundo inteiro os admira e inveja, porque, de facto, eles subiram tàm alto, quási roçando pelo céu as cruzes de Cristo, esmaltadas a sangue nas suas asas brancas, que todoSj absolutamente todos, os viram e justamente os celebram.
E a nossa terra, amada e sempre linda, e a terra irmã do Brasil, do Brasil que eu daqui comovidamente saúdo, enviando-lhe, como representante da Nação, um beijo de fraternal carinho, ambas elas deliram nas loucas alegrias da grande festa da nossa altiva raça. Nos lábios da gente moça há vitoriosos gritos de entusiasmo; sorrisos bondosos de aprovação nas faces cavadas dos velhos j risadas infantis nos bocas inocentes das crianças e lágrimas de enternecimento e de amor nos olhos de todas as mulheres.
Sr* Presidente: bemditos,- bemditos se*-jamj em nome da Pátria, os homens da nossa terra, que, à custa de mil perigos, que, desafiando ao mesmo tempo as tempestades dos céus e as tempestades dos mares, fizeram vibrar de novo a alma lusíada entre os sorrisos dos velhos, os gritos alegres das crianças e as lágrimas santas das nossas mulheres.
Vozes: — Muito bem !
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: nós pertencemos a uma geração de sacrificados? que há largos anos leva unia arrastada vida de sacrifícios, de decepções e de descai abro s. E, se é certo que de todos estes sofrimentos alguma cousa de útil piode resultar, o que ó certo, também, é que nós podemos considerar-nos, nestes últimos quarenta anos, uma Pátria infeliz. Mas nesta hora, entre todas bemdita, em que estreitamente se unem os corações da mesma raça, nós damos facilmente o perdão, atribuindo todas as nossas desgraças à fatalidade.
Há sempre esperança, e emquanto um povo guarda dentro de si o amor peia or-dein e pelo trabalho, mantém vivo o espírito de sacrifício e sabe prestar culto aos seus heróis.
Ante um país qne cria heróis destes, que ligam um passado de grandezas ao presente, e que dão esperanças de grande futuro, esse povo vive e tem diante de si um grande futuro. (Apoiados).
Sr. Presidente: Gago Coutinho e Saca-dura Cabral foram os heróis precisos no momento preciso.
Os desvarios dos governantes são pagos sempre pelos povos, e só os podem pagar nobremente redimindo-os por um grande sofrimento, ou por um glande feito, e estes dois homens, inegavelmente, prestaram à Pátria nesta hora angustiosa o mais alto serviço que podiam prestar. (Apoiados}»
Este facto tem uma estranha significação desde o seu começo, porque o acto em si nos parecia simples e fácil.
Era levantar o voo e depois chegar.
Faltaram durante algum tempo as dificuldades para vencer os obstáculos; os obstáculos que tornam os homens grandes, porque querem vencê-los, porque os hão vencer.
Foi só quando • o hidroavião, com uma certeza rigorosa, bateu nos minúsculos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, dirigido por mão de aço e por um olhar de águia, que os nossos corações vibraram de comoção.
Principiava a luta. A sciência já triunfara, o sacrifício ia começar.
Os homens só são grandes quando as almas têm que vencer alguma cousa.
Vieram depois as horas angustiosas, as horas de pensar naqueles que iam no mar tenebroso, as horas trágicas em que ""a nossa ansiedade cheia de dúvidas pelo destino dQs seus dois filhos estremecidos sentia as primeiras" dores da-dúvida, mais que, eles a sentiam.
jÉ. porque homens da têmpera de Sa-cadura Cabral e Gago Coutinho sabem suportar com coragem essas horas de agonia!
É que se verifica que os filhos suportam mais as dores do que as- mães, e nessa hora os corações de todos os portugueses, unidos, foram como que a alma da Pátria a tremer em ânsias e em dúvidas sobre o destino dos seus filhos.
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Diário 'da Câmara 'dos Deputado»
dentro dele ergueu aos dois heróis o altar da sua maior veneração. (Apoiados).
Vozes: — Muito bem.
Orador: — Estes dois homens singulares realizaram o portentoso acontecimento capaz de nos levantar perante os olhos do mundo.
- Podemos hoje, corações erguidos, rosto desassombrado, afirmar ao mundo que somos capazes de ser grandes (apoiados), porque, se é certo que nos domíiiios de força moral a nação é grande, e nos domínios de força material somente são grandes as nações que têm uma larga extensão de território, enormíssima população e grande- efectivo milit.ir, é grande também o povo que, pelo seu labor scien-tífico, pelos seus serviços e tenacidade com que perscruta o desconhecido da sciência, tantas vezes em perigo, sabe acrescentar mais uma parcela de felicidade ao bem comum, e sabe afirmar a sua soberania na marcha ascensional para o progresso humano. (Apoiados).
Esse é que é um grande povo, formando uma grande Nação.
Um povo é grande pelo seu ideal, e o ideal dum povo é tanto maior e tanto mais belo, quanto mais se aproxima do ideal da humanidade. (Apoiados).
Sr. Presidente: pequenos povos são somente aqueles que, quando o mundo prepara as aias grandes mudanças, e vão em grande marcha, não têm um marco a íixar o caminho dessa enorme peregrinação.
Pequeno povo éramos nós em certo tempo, e contudo não ó orgulho | ensá-lo, porque é verdade, fomos o maior povo da História, fomos um grande povo quando, depois da escura noite da Idade Média, um maravilhoso laboratório se abria em magníficas fontes; quando os deuses do Olimpo, esquecidos da ingratidão dos homens, vieram à terra conversar com eles e desvendar os mistérios da sciência; quando as deusas imortais passeavam na terra perfumada e se enamoraram perdidamente dos homens.
Fomos um graude povo porque sofremos, porque tivemos fé, seguindo sempre o rumo que os olhos já tinham marcado; e então pudemos dar ao mundo novos mundos.
Sr. Presidente: arde a Humanidade numa fé intensa que a devora, e felizes aqueles povos que têm dois homens que nesta hora singular sabem afirmar a continuidade da raça.
Emquanto homens como estes existirem dentro de um país, não é demais afirmá--lo, esse país vive, porque tem dentro de si qualquer cousa de sobrenatural que dá a esperança e a fé.
Sr. Presidente: abençoados «ejam esses homens pelo bem que nos fizeram, abençoados sejam esses homens pelo bem que nos trouxeram à Pátria. (Apoiados).
Agora há que considerar a Nação Brasileira, nação irmã, e não há na história cavalheirismo que iguale este, que iguale as homenagens que a nação irmã nos tem prestado nessa grande homenagem.
(Apoiados).
Sr. Presidente: carinhos destes, de tam acrisolado amoi;, só almas gémeas os sentem, j
Estes dois povos caminham para o mesmo desejo comum; e além-mar nós temos milhões de bocas a pronunciar a mesma língua. E preciso estreitar as nossas relações comerciais.
É preciso gravar no espírito de todos os portugueses o respeito pela Nação Brasileira, porque ela é a afirmação mais eloquente do espírito levantado de uma raça. (Apoiados).
E necessário gravar nos nossos corações uma grande gratidão pelo acolhimento que loi concedido aos grandes mensageiros da boa nova.
Sr. Presidente: agora quero eu dizer que ao povo português, que numa maravilhosa intuição soube compreerder o alcance e o intuito dessa obra, quo nós, políticos, temos a obrigaçã dfe mostrar que a melhor forma de gratidão para com esses heróis ó pôr em prática, acima de tudo, a justiça e a glorificação da paz e do trabalho.
Não é justo que, quando as águias voam, as toupeiras continuem minando os alicer-ces^da Pátria. (Apoiados).
E preciso que conjuguemos os esforços de nós todos, vendo o que pode o valor de dois homens, para o bem da Nação.
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Sessão de 19 de Junho de 1922
Sr. Presidente: para terminar, de Cou-tinho e Sacadura se pode dizer como disse Leonardo de Vínci, o mais portentoso espírito da Renascença, quando em busca do maior sonho de toda a sua vida, o so--nho de se erguer em asas e voar pelos céus infinitos, profetisou que a grande ave voari.-i, enchendo o mundo do espanto o enchendo os livros do seu nome imortal, e uma glória eterna se estenderá sobre o ninho de onde ela levantou o seu voo.
Tenho dito.
Vozes : —Muito bem.
U discurso será publicado na integra, revisto p do orador, quando restituir, re~ vistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos Olavo: — Sr. Presidente, como os meus colegas que me antecederam no uso da palavra, quero também enviar as mais vivas saudações aos dois grandes portugueses que acabam de honrar de um modo tão singular o nome da Pátria.
Sr. Presidente, o raid está cumprido, lia muito mesmo que a gloriosa jornada •está realizada, porque os dois aviadores atingiram o seu fim simultaneamente audacioso e reflectido na hora em que o Lusitânia desceu em 'plona noite, com uma precisão matemática, sobre os rochedos de S. Pedro e S. Paulo, perdidos na imensidade do Atlântico!
Sr. Presidente, Portugal nessa hora teve a mais alta expressão de triunfo, sentindo resplandecer diante de si, com mais força e mais brilho, a gloriosa epopeia do seu passado. Todos os portugueses sentiram renascer na sua alma aquelas qualidades de inspiração e de energia que fizeram os prodígios da história da nossa raça, sentindo também-que se dissiparam as sombras do -presente para lhe deixar entrever mais do que promessa, a garantia, de um futuro de prosperidade e de grandeza. Bem hajam os homens que acabam de realizar essa obra patriótica de incitamento e de esperança. Assim eles merecem bem o aplauso unânime do povo português, que vê pelo esforço heróico dos seus dois a\7iadores, traçada no-ar a curva luminosa do seu destino glorioso.
Não pode de nenhuma maneira ser es-
tranho ao nosso sentimento de portugueses o facto de outra nação — o Brasil — exultar também de entusiasmo pelo heróico feito praticado pelos dois aviadores portugueses, homenageando-os como se seus filhos fossem e para sua glória tivessem contribuído e trabalhado.
É que Portugal e Brasil são povos irmãos, que têm viudo atiavés da história presos às mesmas glórias, comungando sem cessar na mesma aspiração de engrandecimento da raça.
Agora mesmo no acto dos nossos aviadores a glória de Portugal funde-se com a glória do Brasil.
Sr. Presidente, pode dizer-se que a sciência aeronáutica moderna é uma sciência luso-brasileira. O seu legítimo precursor foi Bartolomeu de Gusmão, português nascido em Santos; o brasileiro Santos Dumpnt, cujo nome glorioso é preciso não esquecer, aplicando os motores de explosão à navegação aérea, tornou esta uma triunfante realidade.
Agora são dois portugueses. Gago Cou-tinho e Sacadura Cabral, que completam essa sciência, dando à navegação aérea a orientação que lhe faltava.
Esta união íntima entre os dois povos, que vem do sentimento profundo da raça comum, é uma realidade tão palpitante e tão sentida no Brasil, que no próprio dia em que se inaugurar naquela terra o monumento da sua independência será lançada a primeira pedra para o monumento que o povo. brasileiro eleva à raça portuguesa.
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Diário da Câmara doe Deputados
Sr. Presidente: Portugal e Brasil vêm juntos do Passado e marcham juntos para o Futuro, envolvidos na mesma epopeia, nimbados pela mesma glória, unidos na mesma idea superior de progresso e de democracia, fundidos na mesma aspiração grandiosa de realisar a supremacia da Raça portuguesa!
Creio interpretar o pensamento desta Câmara e os sentimentos do povo português enviando para a ^íesa esta moção qu.e vou ler: .
«A Câmara dos Deputados da República Portuguesa saúda na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos do Brasil toda a Nação brasileira, afirma lhe a sua gratidão pelo' acolhimento fraternal dispensado aos aviadores portugueses e protesta-lhe a sua profunda e íntima convicção no destino solidário dos dois povos irmãos».
Foi lida e admitida na Mesa.
Aprovada por aclamação. Comunique-se ao Sr. Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil.
O Sr. Álvaro de Castro : — Sr. Presidente. Sou daqueles que nunca duvidaram das altas qualidades da raça portuguesa; por isso en esperava sempre que um acfo qualquer se produzisse e colocasse esta raça no plano elevado perante as tradições da Europa.
O que caracteriza um povo é a sua adaptação ao progresso, e a história da raça portuguesa é fecunda em demonstrar que o progresso encontrou sempre nela uma auxiliar que acompanhou a mentalidade europeia.
jMuitos se empenharam em fazer acreditar que à nossa raça faltava a capacidade para se poder afirmar este país com direito a formar um Estado, mas nós opusemos um formal desmentido com a nossa participação na guerra, levando aos campos da França e da África o sangue generoso dos nossos soldados, que souberam, à custa de todos os sacrifícios, afirmar uma nacionalidade, combatendo pelo Direito, pela Justiça e pela Liberdade do mundo! (Apoiados}.
Mas era necessário completar essa obra e afirmar ao mundo que esta raça não era estranha à sciência, e assim o veio demonstrar esse raid levado a efeito por Cabral e Coutinho, realizando um milagre
de ordem scientífica, que uniu no mesmo entusiasmo dois países, conquistando ao mesrno tempo dois corações e unindo os: o coração português e o cora.ção brasileiro.
Quando dois homens, navegando na frágil barquinha de um aeroplano, senhores do seu destino, senhores do espaço e das horas para saberem com pr?cisão matemática onde lançar a sua nau, criam este sentimento de fraternidade tarn alto que nos faz recordar as nossas relações de parentesco que já vêm de muitos séculos, é necessário que não fiquemos só nestas palavras de enorme entusiasmo e de sincera fé no futuro da nossa raça, 'mas afirmQmos de uma maneira positiva e sonora as ligações de intercâmbio entre Portugal e Brasil.
A melhor consagração que podemos fazer ao esforço de Gago Coutinho e Sacar! ura Cabral será resolver aqueles problemas que a Câmara tem em discussão, como seja o da navegação marítima, solucionando ràpidam* nte o problema da nossa frota, o da navegação aérea ]>ara o Brasil, torna 'a absolutamente possível em virtude das descobertas de Gago Coutinho e Sacão1 ura Cabral, não esquecendo a ligação rádiotelegráfica com toda a América do Sul, sendo necessário que o Sr. Ministro do Comércio apresente em breve o respectivo projecto, a fim de o estudarmos e aprovarmos ainda na continuação das nossas homenagens aos dois heróicos aviador* s. Prestando-lhes esse culto, o Sr. Nuno Simões e eu tencionamos trazer, à Câmara um projecto para a resolução desse assunto.
Lamento que nesta hora, em que toda a pátria portuguesa e brasileira rejubila e sente qualquer cousa de grande e de nobre a levantar os seus corações, para caminhar certo e firme no futuro largo que se lhe oferece, eu não tenha nem eloquência nem voz bastante (não apoiados) para poder transmitir neste recinto acanhado tudo aquilo que o meu coração português e rept-blicano poderia dizer a todo o povo e a toda a nação, para afirmar uma verdade que resulta imtontesvável deste feito notável da história mundial: é que é preciso não descrer das qualidades da nossa raça. (Apoiados].
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podemos avaliar como serão apreciadas e criticadas pela História, porque ninguém-adivinha o que a crítica histórica virá sobre elas dizer, o que não podemos deixar de reconhecer é que mais uma vez se afirma, contra todos aqueles que pretendem desmenti-lo, que a raça portuguesa está senhora do seu destino, que as suas energias, o seu valor e o seu génio, uma ou outra vez, quando mais ó preciso dar coragem à nação, se revelam de uma maneira que causa espanto e assombro a todos os países do mundo.
Estamos numa hora de progresso, numa hora elevada de patriotismo e de fé. Não há razões para descrer. Embora neste momento pudéssemos proferir palavras de crítica e de condenação, entendo que não é hora para o fazer.
Sr. Presidente: quando nós, na nossa histó ia do passado, verificamos o que nela se denuncia como valor da raça portuguesa, nós encontramos como principal faceta dessas altas qualidades, para o estudo do campo scientífico essencialmente, a de administradores, que nos revelámos corno nenhum outro povo do passado.
Não é inoportuno nesta hora lembrarmos do que somos, para desmentirmos aqueles que, com ò fim de depreciar-nos, dizem que a raça portuguesa não tem qualidades para manter-se e para fazer progredir todos os territórios que ainda hoje estão sob o seu domínio.
Se houve qualidades que fossem nítida e caracterizadamente portuguesas, foram precisamente aquelas que mais necessárias se fornam aos povos que dominam outros territórios, não só com a força, mas pelas altas qualidades de adaptação e saber político da consciência do dever cumprido e sempre realizado dentro das normas altas de justiça; fomos assim e, duma maneira tal que nós podemos dizer que não há nenhuma nação do mundo que possa demonstrar-se como uma nação criadora de nacionalidades como a raça portuguesa. (Apoiados).
Quando nós descobrimos e conquistámos o orbe quási inteiro, imediatamente apareceram figuras que não só se revelaram como gloriosos guerreiros e conquistadores, mas também como administradores.
Basta citar o exemplo do que foram Afonso de Albuquerque e Francisco de
Almeida, que cederam o seu lugar de conquistadores e guerreiros ao de administradores de territórios.
E isto que singulariza o povo português.
Nosta hora prestamos homenagem a esses dois heróis portugueses qi e com tanta fé, com tanta dedicação e com uma excepcional coragem, levantaram novamente o bom nome de Portugal.
Nós, Sr. Presidente, não temos somente neste momento de prestar a nossa homenagem a esses dois grandes homens pela sua coragem, isto é, pela coragem excepcional que os caracteriza, mas sim, também pela corteza que eles tinham, e tiveram, em alcançar, com a maior precisão possível, os pontos desejados, facto este que os torna grandes aos olhos de todo o mundo, pois não resta dúvida alguma de que daqui para o futuro, por meio dessa grande descoberta dos dois grandes homens que se chamam Gago Couti-nho e Sacadura Cabral, teremos a convicção de que podemos com tanta certeza viajar pelo ar, como hoje, por exemplo, podemos viajar pelo caminho de ferro, descoberta esta, repito, Sr. Presidente, de um grande valor, que os tornará grandiosos aos olhos de todo o mundo.
'Termino, pois, Sr. Presidente, dando o meu inteiro aplauso e aprovação à moção enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Carlos Olavo, no sentido de que as relações entre estes dois países, Portugal e Brasil, sejam as mais fortes possíveis.
Tenho dito.
Vozes:—Muito bem.
O discurso será publicado ?ia integra, revisto pelo orador, quando restituir revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pina de Morais: — Sr. Presidente : pedi a palavra.para me associar também à saudação proposta pelo Sr. Presidente aos nossos aviadores, e bem assim para dizer algumas palavras relativamente ao feito por eles praticado, se bem que, Sr. Presidente, as palavras sejam relativamente insignificantes perante um leito de tanta magnitude.
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dama garrafa. jPara quem, como Gago Coatinho e Sacadura Cabral, que conhecem a linguagem dos horizontes e lêem nos céus e nos oceanos, as palavras devam ter pouca monta! Digamo Ias sempre. A palavra é a moeda das* inteligências e o Verbo incendeia multidões: A Bastilha foi tomada por um clamor.
Eu tive, Sr. Presidente, ocasião de ver. ante-ontem, no Terreiro do Paço, a ansiedade e a impaciência com que o povo aguardava as notícias sobre os nossos aviadores. Chegou a passar sobre todos noa vento presago de descrença.
De repente, quando a notícia chegou, eu esperava que da multidão irrompesse o grito formidável de vitória. Não. JÁ multidão ficou muda, muda! E assisti, deslumbrado, quando o povo começou desaguando na Rua do Ouro, à passagi-m da onda mais extraordinária de máscaras humanas que os meus olhos viram. Iam aiisombrados!
Era tudo gente'humilde, gente do povo.
Esse povo extraordinário, que cpnser-va intacta a alma lusíada. É no.povo que se encontram as expressões supremas da raça. Essa raça que fez no mundo o tríptico mais grandioso: chamemos-lhe o tríptico da conquista. Agarrada à serra, largou a conquistar, às batalhas, indomável, a conquistar a terra, a abrir lugar para construir as naus que um dia partiram, entre o ruído dos mesteirais e a imponência da quadrela de S. Jorge e das cintas mouriscas — à conquista do mar. E hoje partiram à conquista,do céu. E a raça do tríptico mais formidável de todos os horizontes históricos.
É a nossa raça. Não cuido de saber as decilitragens de sangue ariano ou celta, árabe ou mosárabe: é a nossa raça. Eu sou, Sr. Presidente, dos que não têm na sua consciência o menor pecado de descrença. Nunca descri na minha vida. Acreditei sempre na minha raça, contra tuulo, contra mim mesmo, se preciso fosse. .E nunca também essa crença foi desmentida ou imerecida: agora temos este facto dominante praticado por Gago Cou-tinho e Sacadura Cabral, que não só é motivo de orgulho para a raça portuguesa, mas é também motivo, de orgulho para a humanidade inteira. E um roteiro no céu — e roteiros no céu, que eu saiba, só os teve o corpo de Cristo na Ascen-
são. Procuremos medir a latitude deste facto.
Vejamos que significado tem esta travessia; saiamos um pouco das cousas rápidas e imediatas, e vejamos que significado pode ter este feito: em primeiro lugar, para nós, quere dizer que contra a opinião dos negativistas, „ dos inferiores,, dos dominados, dos pequenos, quere dizer que Portugal não come as últimas migalhas do saudoso banquete da tradição.
Aguentamos a herança recebida. A nossa geração deixa história aos vindouros. Ainda há bem pouco tempo pensei num desenho do escudo, numa pretensa heráldica de sentimento, destinado às escolas, que gostaria de ver desenhado nas ardósias e nos bibes das crianças — para terem, para estas receberem, o sentido do nesso roteiro nos tempos. Seria, com a dificuldade extrema de" fundir em arte plástica, esse meu desejo, que é vago com'o o sonho, seria: j um coração em corda de nau, uma asa voando aorta, gotejando de besantes o campo, um santor com um pano de vela, âncoras na largada e flâmula de.seda! Pois bem.l ;Tenho de modificar o santor e deixar apenas as duas asas, uma de penas, outra de tela!
Tem-se procurado exprimir, Sr. Presidente, a união que a travessia trouxe a Portugal e Brasil. Na minha imaginação encontro esta imagem que a define bem:
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em punho, inventou a fórmula. A sciência, como uma rede de arrasto, esvaziando andava a população misteriosa da humanidade. Crime! Fixar, materializar tudo quanto o homem cria de ascensional, trágico e flutuante.
jHolbach, Voltaire, todos os enciclope-distas ficariam deslumbrados com o estranho voo da ave portuguesa! Veriam tornar infinito o horizonte que eles cerceavam, e as raças, como ,os homens, são maiores as que vêm de mais longe e levam mais além.
Que outro significado ainda? O do exemplo — um exemplo grandioso para os homens que estudam, para provar o que valem o método, a sciência ponderada, o sonho canalizado, uma continuidade profunda, uma permanente resistência em frente de todos, os perigos que o destino possa trazer-nos. O homem faz o que quere.
Este feito é, no conjunto dos feitos humanos, qualquer cousa que assume uma harmónica beleza. Porquê? Porque se me assemelha um pouco ao derradeiro horizonte que pode atingir tudo quanto o cérebro tem criado. Aqui não podemos esquecer a cooperação integral de saber e sentimento, a sciência, o génio e, sobretudo, a ansiedade, uma espécie de formidável alavanca que tudo dinamiza e tudo ergue..
Esta.ansiedade vem através de toda a nossa história. Jil feita dela o nevoeiro de D. Sebastião.
Quando reparo para a-História nunca tenho a • impressão, como diz o grande poeta Junqueiro, de contemplar uma montanha. Embora o historiador, com a sua inteligência, procure arroteá-la, trigonome-trizá-la e até arboriza Ia, não tenho nada essa impressão. Tenho, pelo contrário, o de que ela é uma boca rasgada na-fisio-nomia extraoriináfia do passado. Os séculos não são mais do que as ondulações do tempo que prolongam num ondular sem fim a sua voz perpétua. A ansiedade vem como um grito pelas páginas da História fora, como um eco pelas serras.
Gago Coutihho e Sacadura Cabral, ou melhor nós — e digo nós porque os génios são sempre uma concentração da alma dispersa da raça, dizendo Chamber-laiu, num seu capítulo, que nenhum homem se pode considerar como factor único
dum acontecimento, de .modo que este nós não prejudica ninguém-— nós, dizia eu, também faremos ouvir aos que vierem a nossa palavra. E Portugal grande, Portugal sagrado, a Nação heróica que deu sangue para todas as batalhas-semeadas aos azares dos sócubs pelo mundo fora, que deu versos para todas as bocas, que deu pedras para todos os castelos, linho para todas as velas, a raça dos baptismos de fogo e de água salgada, tem hoje a consagração suprema da luz que as mãos de Deus vertem.
Depois. deste feito, atento o papel que de hoje para o futuro teremos de desempenhar, é necessário que o Estado se fortaleça política, económica e moralmente. É o nosso papel.
É necessário que o Estado se fortaleça e para isso tenda o trabalho de todos.
Tenho dito.
Vozes : — Muito bem !
O Sr. Aires de Orneias: — Sr. Presidente: se alguma vez, ao levantar a minha voz nesta casa do Parlamento, eu podia desejar para mim aquela eloquência dominadora do ânimo alheio; se alguma vez eu podia ambicionar que a minha voz fosse ecoar fora do âmbito fechado pelas paredes desta sala; se alguma vez ainda eu podia desejar que as minhas palavras tivessem mais luz e brilho que a dos ilustres oradores que me precederam, é com certeza na ocasião em que se celebra um feito grandioso, um desses marcos miliá-rios da história do mundo, na qual, mercê de Deus, tantos têm sido marcados pelo povo português.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: —Vendo uma vez o porto de Hamburgo, tive ocasião de ler, com desvanecimento que todos compreenderão, nas quatro grandes colunas que lhe precedem a portada, o nome de quatro navegadores, dois dos quais portugueses. !Fer-não de Magalhães e Vasco da Gania ; outro aprendendo a marinharia nas nossas escolas de então, Cristóvão Colombo, e um único inglês, o capitão Cock.
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ver de esculpir os nomes dos homens que primeiro atravessaram os ares, aparecerão na primeira linha os nomes desses dois portugueses,. Sacadura Cabral e Gago Goutinho!
Sr. Presidente: se no feito praticado por esses dois homens alguma cousa eu queria distinguir desde já, é a maravilhosa ijimplicidude, a absoluta naturalidade, a ausência completa de qualquer cousa de teatral, com que foi realizado tam assom-brpso raid; e se de alguma cousa nos podemos orgulhar é de ainda possuirmos dois portugueses de semelhante craveira!
Os serviços que eles prestaram à na^Eo são de tal ordem e de tam subido quilate, que decerto me tomaria largo tempo apontá-los, sequer. Mas alguma cousa eu quero destacar desde já: é, em primeiro lugar, a lição que a todos nós cumpre seguir, cada um no âmbito das suas forças; è a fé inquebrantável nos destinos de um país que, através de todas as vicissitudes por que tem passado, tem sabido sempre ressurgir mais altivo, mais nobre e mais . digno!
Não poderia parecer possível, na época calamitosa que vamos atravessando, haver meio de nos destacarmos da humanidade inteira; pois Gago Coutiuho e Sacadura . Cabral acabam de provar ser errada essa idea, e da maneira mais brilhante e audaciosa. (Apoiados).
Mais ainda: jôles deminuíram e apertaram a distância entre Portugal e Brasil, eles reduziram o espaço que nos separa: ora que formidável alcance político isso pode ter para o futuro de todos nós! (Apoiados].
Sr. Presidente: saíram da guerra circunstâncias Q elementos diversos. Não se descortina, nem se pode ainda avaliar, a evolução por que o mundo vai passar, mas há um factor que já se afirma acima de todos, é o sentimento—posso dizer, intransigente--da nacionalidade. Têm-se exagerado por tal forma os interesses económicos e financeiros em luta, que forçosamente cada país procura dentro de si próprio e dos seus recursos poder viver e sustentar-se : mas .aqueles países que têm pc4o mar fora ou colónias ou nações descendentes de si próprios, possuem melhores condições e facilidades para resistir aos embates dessa luta económica.
Portanto, apertando os laços que temos com o Brasil e deminuindo a distância entre as duas nações, Gago Coutinho e Sacadura Cabral presíaram um. dos melhores' serviços que podiam prestar, tornando mais fácil a comunhão de ideas, princípio indispensável duma m.ais perdurável ligação de interesses. (Apoiados).
Mas há ainda mais! Eles na sua travessia de Lisboa ao Rio de Janeiro foram procurando algumas das mais brilhantes étapes da nossa colonização. Foram pousando nelas, indo aportar à obra prima da colonização portuguesa que se chama o Brasil. Deixaram do lado de cá a outra margem do Atlântico, desde S. Tomé, e Guiné até Angola; e se olharmos para a carta geográfica e pensarmos nesta viagem, surge-nos na mente o futuro de esse mar Atlântico ser um grande laço portu-' guês! ;E que formidável porvir para a nossa nacionalidade, que âmbito marcado à ambição dum povo o de realizar e efectuar cada vez mais o aportuguesamento do grande lago do Atlântico!
Está do lado de lá, Sr. Presidente, uma das mais maravilhosas nações da América, com um sentimento de vida positivamente refervente e que, falando a nossa língua, permite que ela seja uma das duas ou três mais faladas do globo.
Temos deste lado, em Angola, o espaço e amplitude necessários para uma das mais esplêndidas colónias de povoação e exploração que se podem sonhar. Por conseguinte, quando um dia essas duas margens estiverem mais perto, mais reunidas, falando a mesma língua e mantendo a mesma civilização, a nossa civilização portuguesa, que maior ambição podemos ter do que a de preparar e orientar essa evolução? (Apoiados).
Tudo isto são problemas e pontos de vista interessando à nossa história e desenvolvimento, que vieram trazidos ao nosso espírito pela solução do grande problema da navegação aérea, que por forma tam brilhante Gago Coutinho acaba de resolver. ,
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atirou com tudo ao chão, e... diz ainda: «D; Nuno retirou com muito «assocego» como se nada tivesse praticado».
Quando Gago Coutinho e Sacadura Cabral com outros oficiais tinham terminado a delimitação de Barotze, ao chegarem a Tete, perguntados por Gago Coutinho, disseram : «voltou para trás porque entendeu que não tinha terminado os estudos que apaixonaram o seu espírito, e lá voltou de novo para a Costa por outro caminho e sozinho». Este feito foi também -praticado com aquele «assocego» de que 1'ala o cronista, como se nada tivesse acontecido. É esta uma das características do seu grande feito, que eu mais gosto de destacar, porque é uma lição para nós todos.
Há ainda um outro ponto que eu não quero deixar passar em silêncio, porque tanto comoveu os corações dos portugueses ; refiro-me ao carinhoso acolhimento que os dois aviadores tiveram no Brasil. As manifestações não só da nossa colónia mas que toda a nação brasileira lhes dispensou ecoaram tauto no nosso coração, como se tivessem sido feitas não no lado de lá do Atlântico mas da Outra Banda; a outra banda é assim agora para nós a grande nação amiga, cujos laços acabam de ser apertados pela imortal navegação dos dois arrojados marinheiros.
Não posso pois terminar sem me associar, com a mais sentida comoção, a tudo quanto aqui se tem dito a respeito da nação brasileira, esperando que cada vez sejam mais unidas as nossas relações. Sabem V. Ex.a e a Câmara quanto se orgulham os brasileiros da sua mãe pátria; quanto nós nos orgulhamos dessa filha é agora ocasião para, todos nós o declararmos bem alto.
Vou acabar apresentando ao Sr. Ministro da Marinha as minhas homenagens, porque o País inteiro sabe com que coragem S. Ex.a assinou a responsabili-pade formidável de preparar uma viagem desta natureza; mal ficaria que eu, seu adversário político, neste momento, em .que todas as divergências e dissenções devem estar de lado, me esquecesse de que ele aqui representa essa gloriosa marinha de guerra que ainda há pouco no feito glorioso do Carvalho Araújo soube mostrar até onde pode ir a
valentia e a coragem no sacrifício da vida, como acaba de mostrar-se herdeira e mantenedora da mais rara perícia na arte de navegar. Tenho dito.
Vozes: —Muito bem!
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: a travessia de que se trata acaba de realizar-se em condições iguais porque Portugal realizou o descobrimento das Terras de Santa Cruz, de forma que nos cabem duas glórias: a descoberta do Brasil pelo mar e a descoberta do Brasil pelos ares.
Parece que o nosso destino, desde que aparecemos como colectividade distinta e autónoma, tem sido assinalar os marcos miliares da estrada que a humanidade vem, desde há séculos, percorrendo.
Belo e glorioso destino!
Nestas condições, a minoria católica associa-se comovidamente às homenagens que esta Câmara está prestando aos dois gloriosos aviadores, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, cujo feito mais uma vez vem demonstrar exuberantemente que esta, como todas as resultantes das energias étnicas, têm sido exclusivamente impulsionadas pela fé religiosa. Quereis ver?
Nas primitivas caravelas do Gama, de Cabral e de outros não menos ousados navegadores, que com os seus rasgos de temerosa audácia encheram as páginas da história da humanidade dos mais belos trechos de epopeia, ao lado da bandeira de Portugal tremularam, como hoje nas frágeis asas dos hidro-aviõps, as cruzes de Cristo, símbolo augusto da fé que incita e instiga aos mais surpreendentes cometimentos.
Os primeiros pioneiros da civilização, que exerceram a sua influência espiritual junto dos povos que acabavam de ser descobertos, foram as missões religiosas.
E hoje -r-facto deveras curioso— a \pessoa encarregada pela população da Baía de saudar e abençoar os aviadores à sua chegada a essa cidade foi precisamente um religioso exilado.
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tHório âa Câmara dôt Depvtaâóè
voar no infinito espaço da glória não rejeita as íntimas e sempre eternas instigações da fé religiosa.
Meus senhores: antes de terminar, permita-me a Câmara que eu, vendo presente na galeria do Corpo Diplomático, o Sr. Encarregado dos Negócios do Brasil, saúde a terra amiga e irmã na pessoa do seu ilustre representante.
O orador não reviu.
Uma voz:—Viva o Brasil!
Este viva é calorosamente correspondido por toda a Câmara.
Da galeria do Corpo Diplomático o ilustre representante do Brasil ergue um viva à Nação Portuguesa.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: sinto-me tomado de comovida emoção. O raid maravilhoso que a Câmara dos Deputados, em nome do País, está consagrando, constitui um estupendo acto de fé que garante ao mundo a unidade moral da nação portuguesa.
Os actos de fé .vivem pela própria chama interior que os anima e é por ela que valem. Gago Coutinho e Sacadura Cabral deram à sua fé nos destinos da Pátria a mais alta, ousada e inspirada expressão.
Todos os portugueses de Portugal e do mundo, os que reivindicam a nossa soberania e os que apenas na nossa língua exprimem os seus sentimento», têm nesta hora a conspladora certeza de que a imortalidade e a glória são nossas musas ins-piradoras.
Vivemos um estranho momento de exaltação que nos assegura a admiração do mundo e constitui a primeira grande éía-pe de um novo destino heróico.
De todos os lados da Câmara se ergueram palavras de louvor ardente aos aviadores gloriosos. Mas as palavras seriam vãs se não fossem sinceras para quem, na sua abnegada e estóica isenção, ao fim de cobrir de glória os seus nomes, a sua pátria e a sua raça, soube apenas dizer: cumprimos o nosso dever. Esta legenda dá à hora que passa um supremo mandato de verdade.
A nação deve a Gaga Coutinho e Sacadura Cabral palavras de justiça — sinceras coma a voz da água que canta re-dondilhas no coração dos penhascos.
Todas as mais seriam vã.s e inúteis diante da beleza moral, da grandeza scientífica e da importância política do feito.
0 sentimento da nação não sabe proferir outras no admirável emitir de aclamações aos marinheiros heróicos. Não há no nosso tempo acontecimento que tanto a tenha feito vibrar e que tam unanimemente fizesse pulsar corações portugueses na Metrópole, nas colónias territoriais, nos núcleos portugueses dispersos pelo mundo.
1 Admiráveis^ inegualáveis horas de unidade moral as que temos vivido !
Para elas muito concorreu o Governo, digo-o sem espírito de louvaminha. Excelente foi a acção do Sr. Ministro da Marinha, a 'quem saúdo, nele saudando os nossos marinheiros, todas as suas tradicionais qualidades de bravura, todas as magníficas virtudes de galhardia dos marinheiros portugueses.
E, com o Governo, a imprensa do País, toda ela, teve na criação da consciência admirável do grande feito um papel de estranho relevo.
Entendo que me ó lícito —porque os próprios aviadores o fizeram j á — juntar à homenagem que lhes presto de alma ajoelhada, um agradecimento aos jornais, cujo entusiasmo crescente e emocionado, tanto concorreu para que na consagração dos heróis tomasse parte o país inteiro.
Mas não foi só á nação portuguesa que se emocionou com â consumação da façanha estupenda.
O Brasil, nosso irmão tam ;ricoe próspero acolheu os aviadores num abraço fraterno. Dirão que foi o' sentimento da raça em seu mandato imperativo que ditou as aelamasões e inspirou a apoteose.; Por certo.
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sós aviadores realizaram. Assim será. Mas o Brasil mostra neste momento ao mundo dois portugueses gloriosos como se seus próprios filhos eles fossem.
Ao Brasil são pois devidas todas as homenagens. A moção do Sr. Carlos Olavo deve ser votada por aclamação. A Câmara interpretará assim o sentimento e o pensamento do País.
É necessário porém que a alta intuição política do grande feito se não perca, e que o pensamento de política atlântica que nele se contém encontre as fórmulas úteis e felizes que aos dois povos convém.
Já o Sr. Álvaro de Castro aludiu a alguns problemas em via de solução e que é necessário encerrar urgentemente. A navegação portuguesa para o Brasil, a navegação aérea luso-brasileira e o estabelecimento das ligações radiotelegráfi-cas com toda a América do Sal são questões que merecem rápida solução.
O Governo nas suas primeiras declarações ao País, quando prometia consagrar, à intensificação das relações com o Brasil os seus melhores cuidados, não podia contar com o ensejo magnífico que o raid veio a marcar. Mas porque esse ensejo surgiu e alguns factos realizados já e outros em via de realização dão ao ano que corre o verdadeiro carácter dum. ano luso-brasileiro, sem querer usarpar ao Governo a iniciativa que em assuntos internacionais lhe cabe, entendo que a Câmara, conforme as declarações do Sr. Álvaro de Castro, deverá colaborar com o Governo não só para se resolverem os problemas referidos, como para buscar a muitos outros as soluções que nós desejamos e que são desejarias também pel'~>s grandes homens que no Brasil pretendem continuar a política elevada de Rio Branco.
Sem este esforço político-económico incompleto resultará o elevado pensamento que sugeriu a acção de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Concluo enviando a todos os portugueses, de aquém e de al^m-mar, as minhas saudações na hora imortal em "que os aviadores abraçam o Brasil num tam grande e tam sentido abraço que chega a abraçar dois mundos.
O Sr. Leio Portela:—Lamento não possuir a eloquência da palavra que me permita exprimir o alto feito desses dois
portugueses, que já hoje são a glória da nossa terra.
Se Portugal vibra de orgulho e entusiasmo pela heróica travessia do Oceano, o mundo inteiro vibra de espanto e de admiração pela façanha de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
O que a viagem aérea levada a cabo por estes dois ilustres portugueses representa de valor no campo da aviação e no campo da civilização, já sobeja e eloquentemente foi dito nesta Câmara por vários dos seus ilustres membros.
Não serei eu, pois, quem vá agora ocupar a atenção da Câmara sobre esse ponto.
Eu só quero patentear aqui as homenagens que rendo a tam prestimosos cidadãos, a esses dois camaradas meus, que tam alto ergueram o nome de Portugal.
Sr. Presidente, quando foi anunciado o raid Lisboa-Brasil, dúvidas apareceram sobre a sua execução, e mesmo os técnicos, aqueles que mais profundamente conhecem o que seja a aviação, dúvidas tiveram sobre o êxito de semelhant raid. E que nada se havia ainda feito que garantisse uma orientação absoluta. Tratava-se de uma temeridade. Eu próprio disse nesta Câmara que se houvesse um pequeno desvio no seu rumo, seria a perda absoluta. Por isto mesmo mais orgulho devemos sentir pelo feliz resultado do raid. jtlile mostra que esses dois valentes oficiais levavam a certeza de que não errariam o caminho., que haviam de encontrar os pontos mareados na sua escala.
É tam formidável e admirável o feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que não exageramos quando os comparamos aos antigos .heróis de que reza a nossa história.
Pode dizer-se que Sacadura Cabral é a encarnação de Vasco da Gama e Gago Coutinho a encarnação de Pedro Nunes.
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Mas para que a Câmara veja o que isto 'representa de tenacidade, persistência e saber, basta que lhe diga que há três anos Gago Coutinho, numa revista da especialidade, escreveu um artigo em que dizia que se foram os portugueses os primeiros a descobrir os métodos.da navegação marítima, deviam ser os portugueses os primeiros a descobrir os métodos da navegação aérea.
Assim, desde então, Gago Coutinho, voando em diferentes aparelhos, só pro-curou pôr au point aqueles instrumentos que a sua imaginação e o seu saber tinham criado.
Sr. Presidente: Portugal tem, como nenhum outro país, uma situação privilegiada para o desenvolvimento da aviação. Assim é que, tendo a aviação um campo aberto e onde exercer a sua acção nos países coloniais, Portugal é um país essencialmente colonial, e não será de mais afirmar aqui as vantagens que adviriam, para o progresso do País e desenvolvimento das colónias, do estabelecimento inteligente dos serviços de aviação nas mesmas colónias. De lamentar é mesmo que há mais tempo se não tenha dado à aviação a orientação que é a mais profícua e consentânea com os interesses coloniais do nosso país, como foi visto pela França que empregou o melhor dos seus esforços para dotar Marrocos com uma rede mais perfeita que aquela que possuem alguns países da Europa; e, de facto, é nos lugares onde os meios de transporte escasseiam que a aviação deve ser chamada a desempenhar o seu papel. Eu faço votos para que a Nação inteira, que tam bem soube sentir a acção nobre, grande e alevantada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, saiba também incutir no espírito daqueles que a dirigem e hão-de dirigir a razão da necessidade do desenvolvimento da aviação nas nossas colónias. (Apoiados).
Sr. Presidente: mas nem tudo tem sido um mar de rosas para a aviação!
Se o gesto de Gago Coutinho e Sacadura Cabral representa, sem dúvida, uma 'afirmação da raça portuguesa, não é consa para se dizer que a raça estava apagada nas suas manifestações. Sou também daqueles que nunca descreram do valor dos portugueses, que sempre sonharam um Portugal maior e que têm es-
perança que da geração actual alguma cousa há-de sair de grande.
,; Quem foi que não sonhou um .Portugal engrandecido e digno das conquistas dos nossos antepassados, quando se.realizou a nossa intervenção na Grande Guerra? (Apoiados).
Entretanto, devemos, como homenagem à verdade, afirmar que em Portugal existe uma série de indivíduos sem fé, cuja acção tem sido nefasta e negativista para a Nação.
Se Portugal não saiu da guerra cheio daquela glória que todos os patriotas desejavam, foi porque uma acção nefasta e negativista se' exerceu no seu território. Eu tive, efectivamente, ocasião de conhecer essa acção quando um grupD de oficiais aviadores em França pretendia desenvolver no nosso Corpo Expedicionário aquele organismo que podia trazer mais glória à intervenção de Portugal na guerra:-a acção nefasta e negativista foi tal, que nada se pôde conseguir.
E isto, Sr. Presidente, é a prova de que a vitalidade da raça ainda existe.
Sr. Presidente, outros e outros portugueses aviadores desejavam praticar outros feitos e continuar essa bela obra, e assim bom será que eles tenham sempre um .bom acolhimento, pelas grandes vantagens que daí poderá advir para a Pátria e para a República..
Será bom não esquecer que se este feito teve por fim também tornar mais fortes as relações entre estes dois países irmãos, como sejam o Brasil e Portugal, cue nós temos as nossas colónias ; e digo assim, por isso que um grupo de oficiais aviadores pretende levar a efeiro uma viagem tendente a ligar, tanto quanto possível, as relações entre as colónias e a. Metrópole, o que a meu ver é de toda a conveniência para nós, de forma a que elas não possam dizer que as temos esquecidas.
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Sr. Ministro da Marinhaj pelo apoio que S. Ex.a deu aos nossos aviadores.
Para terminar, devo dizer, em nome deste lado da Câmara, que me associo com todo o entusiasmo e com todo o calor à moção mandada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Carlos Olavo, tendente a tornar mais fortes ainda as relações entre os dois países irmãos, como sejam Portugal e o Brasil. Tenho dito.
Vozes:—Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Rodrigo Rodrigues: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que o meu desejo seria -pedir para que entrasse em discussão desde já uma proposta que tive a honra de enviar para a Mesa, deve haver uns 20 dias, pro-.posta essa que tem por fim provocar a reunião do Congresso a fim de se resol-"ver sobre o que se deve fazer quando da chegada desses dois grandes aviadores a Portugal, pois que não faz sentido que o Parlamento, que tam bem compreendeu o feito que acaba de ser praticado, e que representa uma honra para Portugal, não procure tomar uma resolução sobre a chegada a Lisboa desses dois ilustres portugueses.
Nestes termos, Sr. Presidente, e para evitar a demora que pode haver na procura dessa proposta na comissão, limito-me a enviar para a Mesa uma nova proposta, pedindo a V. Ex.a o favor de consultar a Câmara sobre se permite que entre imediatamente em discussão.
Aproveito a oportunidade de estar nj uso da palavra para chamar a atenção de V. Ex.a e da Câmara para o seg-iinte facto: nesta hora de júbilo, de franca alegria, há portugueses que sofrem, que choram, não podendo nós ser estranhos às suas lágrimas de luto e de dor.
Todos souberam do acontecimento lutuoso que ontem se deu por ocasião das festas com que o povo de Lisboa celebrava o triunfo dos nossos aviadores ; por isso, proponho um voto de profundo sentimento pela catástrofe ocorrida ontem no Tejo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitida a proposta.
Consultada a Câmara sobre o requerimento do Sr. Rodrigo Rodrigues resolveu afirmativamente.
Proposta
Renovo a minha proposta para que a Câmara dos Deputados tome a iniciativa de reunir o Congresso da República, quando da chegada a Lisboa dos ilustres aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a fim de serem recebidos pelo Parlamento e por ele declarados cidadãos beneméritos da Pátria.—Rodrigo Rodrigues.
O Sr. António Haia: — Sr. Presidente: duas palavras apenas para não roubar tempo à Câmara.
É meu dever, como aviador, dizer também duas palavras de homenagem a esses dois grandes mestres da aviação portuguesa, Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Grande ousadia ó a minha em vir falar, embora para prestar homenagem a esses dois homens, depois de terem falado tam ilustres oradores, mas não queria de forma nenhuma que o meu silêncio pudesse ser mal interpretado^. Eu, como todos os portugueses, porque sou verdadeiramente português, sinto-me profundamente comovido perante tam grande acontecimento, perante tam grande feito.
Ainda há pouco o Sr. Nuno Simões, referindo-se à heroicidade da raça portuguesa, teve um esquecimento e foi também um pouco por isso, que fui obrigado a falar: esqueceu-se S. Ex.a de que juntamente com a marinha o exército também tem combatido, também tem trazido à História portuguesa páginas de imoredoura glória.
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Diário da Câmara dos,Dóputodoê
tigados não pelo acto que cometeram, pelo acto em si, mas porque os regulamentos militares assim o determinavam.
Foi por conseguinte o Governo de então obrigado a castiga los e a prova de que foi "obrigado é que os elogiou também.
Na mente de Gago Coutinho e de Sa-cadura ^Cabral, assim como na mente de todos os membros do Governo, está com certeza o perdão para esta íalta disciplinar.
E, para que se não dêem más interpretações às minhas palavras, eu peço ao ilus-tie titular da pasta da Guerra para de-clnrar categoricamente que esse perdão é apenas concedido aos dois oficiais Brito Pais e Sarmento .Beires.
Eu não sei" se V. Ex.as compreendem onde eu quero chegar. Se não compreendem, um dia virão a compreender, e então darão razão às minhas palavras.
E já que estou no uso da palavra eu quero, também, prestar as minhas homenagens ao povo brasileiro pela forma ca* riahosa como recebeu Gago Coutínho e Sacadura Cabral, e ao Sr: Ministro da Marinha pelo muito com que' tem contribuído para o engrandecimento' da aviação em Portugal.
Tenho dito.
O Sr. Ministrei da Marinha (Azevedo Ooutinho): —Sr. Presidente: perdura ainda vivo aquele entusiasmo que.nos dominou desde que foi conhecida a notícia da chegada do hidroavião ao Rio de Janeiro.
Terminou a gloriosa travessia desses audazes conquistadores do espaço, e terminou por uma forma brilhantíssima que deixou as mais indeléveis recordações no nosso espírito de portugueses embevecidos perante o grande triunfo da Raça e da Nacionalidade. (Muitos apoiados).
Jamais da memória de todos nós se apagará a recordação daquela hora de empolgante patriotismo e de perturbadora, ansiedade que vivemos durante- um período de quási dois meses e meio, período em que dois heróicos portugueses escreveram em letras de ouro uma das mais brilhantes páginas da nossa história marítima. (Apoiados).
Nó telegrama que ontem dirigi a Gago Ooutinho e Sacadura Cabral eu disse que
as vibrantes saudações da Nação Portuguesa e os carinhosos telegramas de saudação enviados por S. Ex.a o §r. Presidente da República, pelo Governo e pelas mais altas individualidades dos nossos meios cultos, eram o mais eloquente testemunho do alto valor do feito 'realizado.
E, porque assim é, eu associo-me, cheio de franco entusiasmo, em>nome do Governo, às calorosas palavras de homenagem proferidas nesta Câmara, e à proposta de V. Ex.a, Sr. Presidente, para .que seja enviado aos aviadores Gago Ooutinho e Sacadura Cabral um telegrama especial de saudação junto com os nossos agradecimentos à Nação Brasileira, pelo acolhimento prestados a esses pedaços de Alma Nacional na sua chegada ao Rio de Janeiro. (Muitos apoia* dos).
Emquanto estiverem presentes no meu espírito aquelas santas palavras de Cabral o de Coutinho, dirigidas ao Sr. Presidente da República, em que se oedia a união de todos os portugueses, eu não deixarei de considerar o famoso feito que acaba de se praticar como o início do ressurgimento nacional, do qual possa resultar um Portugal ainda maior. (Muitos apoiados).
Lutemos sim, mas no campo dos princípios, sem desperdiçar energias, porque é delas que depende o futuro da nossa Pátria.
Sr. Presidente: algumas expressões de consideração foram aqui dirigidas à marinha de guerra e ao seu Ministro.
As primeiras, as dirigidas à marinha, representam muita justiça; as dirigida ao Ministro, perdoe-me a Câmara que as tenha por imerecidas.
Vozes : —Não apoiado.
O Orador: — Eu nada fiz que contribuísse para o raid, porque o Governo da República só decretou a verba necessária •para fazer a travessia, e a travessia fez--se porque apareceram dois homens que revelaram a maior audácia, arrojo e a máxima competência profissional.
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Sr. Presidente: se V. E5x.a me permite, eu sairei das normas parlamentares para pedir a V. Ex.a e à Câmara que me acompanhem num brado que vou levantar e que deve sair de todos os corações portugueses:
Viva Portugal!
O orador não reviu.
Este viva foi repetido por toda a Câmara que, de pé, aplaudiu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa de Magalhães) : — Sr. Presidente: embora ô Sr. Ministro da Marinha tivesse já, em nome do Governo, declarado que se associava às propostas que foram apresentadas, de saudação aos heróicos aviadores e à nação brasileira, não podia eu, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, deixar de me associar também expressamente a uma saudação quê é de toda a justiça, e que resultados sentimentos que dominam neste momento as nossas almas.
Logo que este Governo sé apresentou, acentuou nas suas palavras o desejo de intensificar e estreitar as relações entre Portugal e o Brasil.
•v Por motivo das festas com que aquele país vai comemorar a independência do Brasil, festas que são também portuguesas, entendeu-se approveitar essa circunstância para a próxima viagem do Sr. Presidente da República àquela nação irmã.
Mas outra circunstância se juntou agora com um bom prenúncio : a travessia heróica dos aviadores, que vem estabelecer um elo mais forte, mais fulgurante na união dos dois países, como expressa a respectiva inenáagem.
Felicito, por isso, o País, que está disposto a trabalhar e a continuar a empregar todos os esforços para continuar as suas aspirações.
Sr. Presidente: surgiu em todas as almas portuguesas o maior entusiasmo; todos haviam receado dessa travessia arriscada, e surgiu ainda mais Intimamente no momento em que foi anunciada a chegada feliz dos nossos heróicos oficiais de marinha ao Rio de Janeiro.
Mas não foi só pelo valor destes dois portugueses que o -entusiasmo se manifestou em todas as vilas e aldeias de v Portugal e do Brasil.
Desse entusiasmo tive conhecimento pelas comunicações oficiais que me foram feitas; a população brasileira aclamou esses homens que tinham tam alto levantado o nome português.
Não podia, portanto, o Governo da República deixar de manifestar o seu reconhecimento. E foi com razão que ò ilustre Primeiro Magistrado daquele País disse que os dois aviadores tinham feito a unidade moral da Nação,
Não é menos certo que eles fizeram mais alguma cousa: conseguiram a comunhão íntima, estreita e forte da mentalidade dqs dois países; fizeram ecoar por todo o mundo, até os confins mais, afastados, o nome de Portugal.
Permita-se-me que, saindo um pouco das praxes parlamentares, levante esta saudação:
Viva o Brasil! Viva Portugal!
Um «viva» unisono ecoou pela sala e as palmas e vivas, sucederam-se.
O Orador: — Se V. Ex.a me dá licença, direi ao Sr. António Maia que tomo nota das suas considerações. e as transmitirei ao meu colega da Guerra na primeira ocasião.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Rodrigo Rodrigues exprimiu um voto de sentimento pelo desastre ocorrido ontem no Tejo.
Aprovado.
Leu-se na Mesa a moção do Sr. Carlos Olavo, sendo aprovada por aclamação. -
O Sr. Presidente : — Será comunicado pelas vias competentes o voto aprovado pela Câmara ao Sr. Presidente da Câmara Brasileira.
O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo CoutinhoJ: — Pedi a palavra para fazer um requerimento.
Desejava que V. Ex.a consultasse a Câmara sobre se permite que amanhã, antes da ordem do dia, continue a discussão do parecer sobre a quantia necessária para que o Governo realize as festas dos aviadores.
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Achava vantajoso que fosse discutida antes da ordem do dia, sem prejuízo dela, e aprovada, para que pudesse ser dada na ocasião da reunião do Congresso da República.
Encerrasse a sessão, marcando-se a imediata para o dia 20, com a seguinte ordem de trabalhos:
Primeira- parte':
Parecer n.° 75, qne autoriza o Governo a despender, pelos Ministérios do Interior, da Marinha e dos Estrangeiros, até a quantia de 250..000$ com a consagração e divulgação da travessia aérea do Atlântico;
Parecer n.° 86, que proíbe a circulação de cédulas, vales ou senhas representativas de moeda, emitidas pelos municípios, Misericórdias ou outras entidades, cujo valor seja superior a $02;
Parecer n.° 45, que considera incluídas na lista apensa ao decreto n.° 7:526, de 24 de Novembro último, designadas mercadorias ;
Parecer n.° 66, que regula as promoções dos médicos da armada;
Parecer n.° 105, que autoriza o Instituto Feminino de Educação e Trabalho a contrair um empréstimo até 700 contos, destinados à conclusão das suas instalações.
. Segunda parte:
Parecer n.° 117, que cria uma comissão liquidatária dos Transportes Marítimos do -Estado.
Segunda sessão às 21 horas.
Ordem da noite: A segunda parte da ordem do dia.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. António Maia, mandando abrir à exploração do público a rede radiote-legráfica militar em conjugação com o serviço de correio e telégrafos nacio-nais.
Para o «Diário do Governos.
Pareceres
Da comissão de legislação civil e comercial, sobre o n.° 76-C, que autoriza o Grovêrno a estabelecer num só diploma as taxas de emolumentos e salários judiciais.
Para a comissão de finanças,
Da comissão de finanças, sobre o n.° 57-M, que manda aplicar designada quantia em determinadas linhas e ramais dos Caminhos de Ferro do Estado.
Imprima-se.
Da comissão de legislação civil e comercial, sobre o n.° 107-B, que transfere a sede da assemblea da freguesia de Duas Igrejas para a de Sendim, concelho de Miranda do Douro.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, «obre o n.° 127-1, que reforça com 4:100 contos a verba para despesas com a representação na Exposição Internacional do Eio de Janeiro.
Imprima-se com urgência.