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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 16
EM 12 DE JANEIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Alberto Cruz trata da falta de pagamento das subvenções aos sub delegados de saúde do País.
Responde o Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva).
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) apresenta e justifica propostas de finanças.
O Sr. Carvalho da Silva faz considerações sôbre o discurso do Sr. Ministro das Finanças e formula uma pregunta referente a subsídio ao Teatro de S. Carlos.
Responde o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Lino Neto rectifica o extracto dos jornais referentemente a uma passagem do seu discurso sôbre o ensino religioso.
Ordem do dia. — Continua o debate político sôbre a apresentação do Ministério recomposto da presidência do Sr. António Maria da Silva.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Sá Pereira.
Anunciou-se modificações na organização dê comissões parlamentares.
Continua o debate, usando da palavra o Sr. Dinis da Fonseca.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 15.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Proposta de lei. Parecer. Nota de interpelação. Requerimento.
Abertura da sessão às 14 horas e 16 minutos.
Presentes à chamada, 38 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Francisco da Cruz.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lúcio de Campos Martins.
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Diário da Câmara dos Deputados
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Viriato Gomes da Fonseca.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Morais de Carvalho.
Bartolomeu dos Mártires Sonsa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
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Sessão de 12 de Janeiro de 1923
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 14 horas e 16 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Justificação de faltas
Do Sr. Maldonado de Freitas, todas as sextas-feiras, por ser vogal da Câmara Municipal das Caldas da Rainha.
Para a comissão de infracções e faltas.
Pedidos de licença
Do Sr. Tavares de Carvalho, 3 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Ministério da Guerra, acompanhando um ofício do Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal da Guarda.
Para a comissão de remodelação dos serviços públicos.
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 360 para o Sr. Joaquim Brandão.
Para a Secretaria.
Representação
Da Associação Central da Agricultura Portuguesa, contra a extinção do Ministério da Agricultura.
Para a comissão de remodelação dos serviços públicos.
Da Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa, pedindo a apresentação dum projecto de lei que permita a entrada de mercadorias alemãs, em trânsito ou armazenadas nas Alfândegas, à data da caducidade do Tratado da Alemanha.
Para a comissão do comércio e indústria.
Requerimentos
Do primeiro sargento reformado Pompeu Augusto Pessoa, pedindo para se lhe aplicar as disposições da lei n.º 1:170.
Para a comissão de guerra.
Do alferes miliciano João de Barros Amado da Cunha, pedindo a sua promoção a tenente.
Para a comissão de guerra.
Telegramas
Do Sindicato Agrícola da Anadia, protestando contra a idea da extinção do Ministério da Agricultura.
Para a Secretaria.
Dos professores de Pinhel, pedindo a aprovação do projecto de lei n.º 131.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Dos delegados da Direcção da Associação Igualdade e Destino, em Castelo de Vide, Alcanena e Entroncamento, pedindo para serem isentos do pagamento dos novos aumentos dos direitos de franquia.
Para a Secretaria.
Das câmaras municipais de Vila Viçosa, Alandroal, Borba, Sousel e Estremoz, pedindo restabelecimento do anterior horário dos comboios na linha do Sul.
Para a Secretaria.
Das câmaras municipais de Alandroal, Monforte, Junta de Freguesia de Santo Aleixo e da Irmandade do Santíssimo de Terena, pedindo a liberdade do ensino religioso nas escolas particulares.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Alberto Cruz: — Sr. Presidente: já há tempo que é intenção minha aproveitar à oportunidade de estar presente o Sr. Ministro do Trabalho para formular algumas considerações sôbre a maneira como têm sido tratados os meus colegas, que desempenham os lugares de sub-delegados de saúde nos diferentes concelhos do País.
Por freqüentes vezes chegam à minha mão cartas de colegas meus, chamando a minha atenção para o facto de há longos meses não receberem as subvenções a que têm direito.
V. Ex.ª, Sr. Presidente e a Câmara, perfeitamente calculam os inconvenientes, sobressaltos e dificuldades que semelhante facto acarreta, sobretudo no actual momento, em que os pobres médicos municipais, lutando com falta de recursos, pela exigüidade dos seus vencimentos, se vêem privados das subvenções que por lei lhes são devidas.
Sr. Presidente: visto que hoje se encontra presente o Sr. Ministro do Trabalho, a quem apresento as minhas saudações, peço a S. Ex.ª para intervir, tanto quanto possível, junto da respectiva contabilidade, a fim de me serem fornecidas as respectivas bases para poder responder aos meus colegas que neste sentido todos os dias se me dirigem.
Sr. Presidente: peço licença a V. Ex.ª e à Câmara para ler o trecho duma carta do sub-delegado de saúde de Santa Comba Dão.
Em vista do que nesta carta se refere, eu pregunto se é justo e digno, que realmente os pobres médicos municipais, cuja vida por êsse País fora todos V. Ex.ªs conhecem, têm ou não jus a ser considerados como devem ser considerados.
Neste momento o Sr. Paulo Menano mostra-me uma outra carta fazendo iguais reclamações, e, para terminar, direi que estou convencido de que o Sr. Ministro do Trabalho vai tomar as necessárias providências para que sejam pagas em dia as subvenções a uns operários que tantos serviços prestam à sociedade portuguesa, como são os médicos municipais.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelo Sr. Alberto Cruz, e prometo envidar todos os esfôrços para que as justas reclamações por S. Ex.ª apresentadas tenham satisfação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa várias propostas de lei, de entre as quais devo destacar uma que se destina a autorizar o Govêrno a realizar um empréstimo interno em libras, dando assim satisfação a um compromisso da declaração ministerial, e outra, igualmente autorizando o Govêrno a modificar, em certas e determinadas circunstâncias, o contrato que actualmente vigora com o Banco de Portugal.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
Sr. Presidente: dada a importância destas duas propostas, não peço para elas nem urgência nem dispensa do Regimento, pois entendo que devem ser estudadas com todo o cuidado pela comissão de fi-
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nanças, e que chegou a hora de o Parlamento Português definir claramente qual a orientação que deve ter a administração financeira do Estado.
A situação, como todos sabemos, é má; todavia, não é desesperada, e com a boa vontade e a união de todos podemos alcançar a necessária confiança para se poder trabalhar.
Sr. Presidente: o que é indispensável é que, antes de mais nada, se defina uma directriz a respeito da administração do Estado, e para isso três critérios se nos antolham, como vou referir.
Ou vamos para a desvalorização da moeda, deixando que os acontecimentos sigam o caminho que até hoje têm seguido, a exemplo do que tem feito a Alemanha, ou vamos para a deflação, isto é, tentando dar ao escudo o valor que tinha antes da guerra, o que me parece bastante perigoso, e, finalmente, temos outro caminho, que é o da estabilização do câmbio a uma determinada divisa, o que me parece que corresponde melhor às necessidades do País neste momento.
Até há pouco tempo parecia efectivamente que esta afirmação era extraordinária, mas depois do exemplo da Tcheco-Slováquia não temos que hesitar, pois êste país, pelo desenvolvimento das suas indústrias, começa a sofrer uma crise quási tam grave como a dos países que têm a moeda desvalorizada.
Evidentemente eu não quero, com as palavras que acabo de proferir, defender o princípio da estabilização do câmbio numa divisa deplorável, como aquela que presentemente fixa a valorização da nossa moeda. Inclino-me efectivamente pelo princípio de estabilização, mas numa divisa de carácter nitidamente utilitário para a economia nacional, sem, todavia, cair no exagero duma mudança brusca, cujos resultados poderiam ser igualmente funestos.
Porém, para que a orientação financeira do actual Govêrno possa conduzir-nos a uma solução consentânea com os interêsses do País, torna-se absolutamente indispensável, neste momento mais do que nunca, a estreita e patriótica colaboração do Parlamento, não só aperfeiçoando as propostas que forem submetidas à sua apreciação, mas ainda tomando todas aquelas medidas que forem indispensáveis a um eficaz saneamento das finanças públicas, aumentando as receitas o deminuindo inflexìvelmente as despesas. Sem essa colaboração, com a qual aliás o Govêrno conta, nada se poderá fazer de proveitoso e de prático.
Todos se recordam ainda do gigantesco esfôrço feito pelo Parlamento na sessão passada, em cujos resultados muitos puseram as suas melhores esperanças. Pois êsse esfôrço foi quási totalmente aniquilado pela concessão das chamadas subvenções do funcionalismo público. No emtanto, o funcionalismo público continua profundamente descontente, e as suas constantes reclamações, dando por vezes a impressão duma Maratona, colocam-nos quási na impossibilidade de os atender, tam flagrantemente diversas elas são.
Nesta altura da vida pública portuguesa, eu faço, dêste lugar, um caloroso apelo ao Parlamento da República, para que seja dado o mais severo e rigoroso cumprimento à lei-travão, cuja aplicação nos anos anteriores à guerra tam bons resultados deu durante a discussão do Orçamento. (Apoiados).
Sr. Presidente: embora isso pese aos pessimistas e aos mal intencionados, a verdade é que eu não sou daqueles que desesperam da salvação financeira do País. Embora se tenha de pedir à nação os maiores sacrifícios, a salvação financeira do Estado não é, quanto a mim, cousa impossível.
É preciso não esquecer que a desvalorização da nossa moeda não corresponde presentemente à nossa situação económica e financeira.
Apoiados.
E por muito má que essa situação se apresente, ela ainda está muito longe de se assemelhar, não digo já à de países em falência, como a Alemanha e a Áustria, mas até à de países que gozam duma situação de crédito internacional muito superior à nossa, como sejam, por exemplo, a Bélgica e a Roménia.
Embora alguns erros se tenham cometido na nossa administração pública, êles não são, todavia, tam graves que nos levem ao desespero.
Todos sabem que Portugal atravessou a guerra, o que o câmbio não piorou; mas que, após a guerra, êsse câmbio se tem mantido mau.
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Mas êsse facto deu-se em todos os países, porque emquanto durou a guerra os países beligerantes se prestavam mútuo auxílio, prestavam assistência financeira uns aos outros.
Os câmbios eram meramente, por assim dizer, a resultante duma combinação.
Vimos a situação de França durante a guerra, que se não parecia nada com o que é actualmente, e assim também de outros países.
Entre nós deu-se exactamente o mesmo que com os outros países beligerantes, e emquanto todos estavam preocupados com as dificuldades de transportes e outras dificuldades, para manter as relações comerciais e industriais, acabado o conflito acabou por assim dizer êsse acordo, que se não era expresso, era tácito; o acôrdo de se prestar auxílio e protecção uns aos outros.
Daí, do encarecimento da moeda, resultou imediatamente o encarecimento da vida.
Mas toda essa má situação não apareceu só entre nós, repito, mas em todos os países beligerantes apareceu também. Deu-se isso nos Estados Unidos e em Inglaterra.
Sabemos que esta passa ainda hoje por grandes dificuldades, exactamente pela desvalorização excessiva da moeda, e porque, durante a guerra tiveram grandes stocks de mercadorias, cuja existência tem sido má para êsse e outros países, que não os podem comprar pela mesma causa.
Claro está que as dificuldades que atravessamos temos de as encarar, e temos que ver que a vida económica duma Nação se não pode regular de forma diferente da vida económica particular, em que, para obter auxílio de estranhos, temos que dar provas de que possuímos qualidades de trabalho e riqueza para pagar êsses encargos.
Precisamos, duma maneira absoluta, de inspirar confiança, porque temos recursos para obter o auxílio de países estranhos.
O mal que estamos atravessando vem exactamente da falta de confiança.
Nos mercados externos não há confiança em que nós cumpramos os nossos compromissos.
E uma semelhante situação a que é devida?
É devida à instabilidade ministerial e às sucessivas perturbações sociais e políticas.
Da instabilidade ministerial nasce a circunstância, que é sempre receada lá fora de não ser provável que o Ministro que hoje trate de qualquer assunto seja o que amanhã possa continuar a sua obra; e, como em Portugal há o grande defeito de todos serem pessoas muito importantes e com ideas próprias a respeito dos diversos pontos da nossa administração, sucede geralmente que o homem que vem substituir o Ministro que sai põe de lado o que o seu antecessor já tenha feito, para depois executar um plano seu.
Temos assim constantes soluções de continuïdade, que bastante deploráveis têm sido para Portugal.
Por isso eu dizia, ao apresentar esta minha proposta, que um dos apelos que tinha a fazer ao Parlamento e aos partidos republicanos era que assentassem definitivamente na orientação a seguir quanto ao problema financeiro-económico.
É um campo onde todos cabem, sejam quais forem as divergências políticas que nos separem.
Assegurar-nos-íamos assim de uma acção seguida, e, uma vez isso conseguido, logo nos voltaria a confiança dos mercados externos.
Sr. Presidente: devo ainda chamar a atenção da Câmara para o facto que me levou à resolução de apresentar ao Parlamento a proposta de lei que hoje lhe trago.
Êsse facto é o que vou referir.
Tendo eu tido a honra de representar o País em duas conferências internacionais, de carácter financeiro económico, a de Bruxelas e a de Génova, foi-me dado verificar que ao ser versada a situação de Portugal, era o País acusado de não ter feito ainda o mais leve esfôrço para sair da situação que atravessava.
Protegiam-se efectivamente alguns países em situação financeira pior do que a de Portugal, porque êsses países já haviam dado provas de que pretendiam sanear a sua situação financeira.
Dizia-se que em Portugal não sucedia o mesmo.
Alegava-se que não se havia modificado o nosso sistema tributário, e que não fa-
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zia sentido que Portugal pedisse ao estrangeiro que lhe fornecesse ouro, quando os nacionais não o traziam ao seu Estado.
É por tudo isto que eu solicito toda a atenção da Câmara para a minha proposta.
Estude-a convenientemente; corrija-a para que fique mais perfeita, mas não se demore em fazer a respectiva votação.
Não peço nem urgência nem dispensa do Regimento, porque confio no patriotismo dos Srs. parlamentares, e êsse patriotismo levará a comissão de finanças a apresentar o seu parecer no mais curto prazo possível.
É preciso que todos se compenetrem da necessidade de se enveredar por caminho prático e decisivo, numa orientação definitivamente assente.
A minha proposta, é o primeiro passo que temos a dar; sem ela nós não poderemos seguir êsse caminho.
Teríamos de procurar outro.
Sem o empréstimo externo, o caminho a tomar seria o da desvalorização da moeda.
É também um sistema que tem os seus defensores.
A verdade, porém, é que eu não conheço ainda outro sistema melhor, para fazer deminuir a circulação fiduciária, como é preciso, do que o adoptado pela minha proposta: é o sistema vantajoso da aspiração de notas dos bancos emissores, por meio de empréstimos.
Claro está que tratando-se duma proposta de tanta importância, eu não a apresentaria sem ter tido, como disse, conversas prévias a respeito dela, e hoje deixo-a entregue ao Parlamento, com a convicção de que não será um fracasso, contando o Govêrno como absolutamente assegurada, senão a totalidade, pelo menos uma grande parte da quantia do empréstimo que se propõe emitir.
Êsse empréstimo é no valor de 4 milhões de libras.
Não se fixa desde já o câmbio, porque isso depende de várias circunstâncias.
Daqui até a votação da proposta, as circunstâncias podem modificar-se, e o que hoje se fixasse poderia não ser então o mais próprio para que a proposta resultasse profícua e útil.
Como V. Ex.ª vê, isto não tem nenhuma garantia especial; a única vantagem é estar dentro de todos os impostos.
Isto que acabo de referir é muito simples, e eu aproveito a ocasião para responder ao Sr. Carvalho da Silva, dizendo-lhe que não tem razão para sustos, pois o Govêrno não vai aumentar a circulação fiduciária; mas o Ministro que aqui está tem que pensar nas dificuldades que poderá vir a ter o seu sucessor.
Eu estou seguro que esta proposta será bem sucedida, mas precisamos defender-nos no caso de ela ser mal sucedida.
Nós não precisamos de empregar meios violentos; tenho a esperança, a convicção absoluta de que não será necessário recorrer a êste sistema.
O Banco de Portugal fica autorizado a fazer um suprimento até 140:000 contos, pois a isso nos obriga a grande quantidade de cambiais que temos que pagar pelo crescente das exportações.
É também desejo do Govêrno proceder à troca da prata por ouro, mas para ficar em depósito.
Como o que ouro é ouro vale, o ouro valerá. Êste ouro é que representa valor.
Na verdade o depósito de ouro no banco dará muito mais garantia.
Uma outra autorização se pede, porque emquanto o câmbio sôbre Londres fôr assim, o Govêrno poderá emitir, além das actuais cédulas de $10 e $20 e das de $50 e 1$, lançar novas moedas de bronze e alumínio, semelhantemente ao que foi feito em França.
Até foi muito bem recebida.
É já uma operação vantajosa para o Estado, embora não tenha o valor que deve ter, a verdade é que é muito melhor aceita pelo povo do que o papel moeda.
Ficam expostos os termos, em largos traços, das propostas que hoje apresento ao Parlamento.
Vou mandar para a Mesa as propostas, e também uma reclamada pelos lavradores, sôbre o pagamento das sobretaxas de importação da pecuária do País.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
As propostas de lei vão adiante publicadas por extracto.
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O Sr. Carvalho da Silva: — Depois de ouvir a exposição do Sr. Ministro das Finanças, que afinal se resume em que continuamos no mesmo caminho, precisamente, em que até agora temos vivido: o constante alargamento da circulação fiduciária.
Isto representa, a meu ver, a certeza absoluta de que, a continuarmos por êste caminho, cavamos a ruína do País.
Não se pensa em reduzir as despesas públicas, facto êste indispensável, absolutamente indispensável para que êste País se possa salvar.
Nada disto se fará; porém, êste lado da Câmara não deixará de protestar, e enèrgicamente, contra êste estado de cousas.
Não pedi a palavra, Sr. Presidente, para discutir as propostas do Sr. Ministro das Finanças, e por isso vou referir-me, pois, ao assunto de que desejo ocupar-me, chamando para êle a especial atenção ou do Sr. Presidente do Ministério ou do Sr. Ministro das Finanças.
Desejo fazer uma pregunta ao Govêrno sôbre um ponto, que de mais a mais vem a propósito, depois das palavras aqui proferidas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Diz-se que o Estado, ou a título de subsídio ou de compensação, devido ao agravamento cambial, dá ou vai dar uma certa quantia para a exploração do Teatro de S. Carlos.
O meu desejo, pois, Sr. Presidente, é que o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro das Finanças me faça favor de dizer se realmente o Estado, ou a título de subsídio ou de compensação, motivo do agravamento cambial, dá ou vai dar ao Teatro de S. Carlos qualquer quantia, o que a ser verdadeiro, a meu ver, será uma cousa verdadeiramente revoltante, pois na verdade não só compreende que um país que está cheio de sacrifícios, e em que a maior parte da população luta com as maiores dificuldades de vida, tenha de contribuir para os novos ricos poderem ir assistir à época lírica em S. Carlos.
Desejava, pois, que o Sr. Presidente do Ministério, ou o Sr. Ministro das Finanças, me respondesse à pregunta que acabo de fazer para depois continuar no uso da palavra; pois não compreendo repito, se o facto é verdadeiro, que um país que está lutando com as maiores das dificuldades, vá contribuir com qualquer quantia, seja a que título fôr, para a exploração do Teatro de S. Carlos.
Peço, pois, a qualquer dos Srs. Ministros o favor de responder à pregunta que acabo de fazer.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: devo dizer em abono da verdade, que, julgando que S. Ex.ª se estava dirigindo ao Sr. Presidente do Ministério, não prestei a devida atenção à pergunta que S. Ex.ª formulou.
O Sr. Carvalho da Silva: — Eu desejava que V. Ex.ª me dissesse se o Estado a título de subsídio ou de compensação, motivo do agravamento cambial, dá ou vai dar qualquer quantia para a exploração do Teatro S. Carlos.
O Orador: — Sôbre êsse assunto eu posso dar a V. Ex.ª o mais completo e o mais formal desmentido.
É facto que a Empresa do Teatro Lírico de S. Carlos solicitou do Estado uma determinada quantia para a sua exploração, porém eu entendi que como Ministro das Finanças me não era lícito dispor dos dinheiros do Estado, e assim não atendi o pedido feito, e, sem mesmo o ter levado a conselho de Ministros, indeferi êsse requerimento sob minha responsabilidade.
É o que tenho a dizer a V. Ex.ª sôbre o assunto, e já que estou com a palavra, aproveito a ocasião para dar a S. Ex.ª o Sr. Carvalho da Silva um esclarecimento sôbre o assunto, a que V. Ex.ª ontem aqui se referiu, isto é, sôbre o despacho dado ao empregado da alfândega a que S. Ex.ª se referiu.
Mostrou-se o Sr. Carvalho da Silva excessivamente indignado contra o despacho dado, isto é, contra o facto de se levar em conta os relevantes serviços prestados por êsse funcionário à República.
Eu devo declarar mais a V. Ex.ª que êsse despacho foi feito de harmonia com o próprio Regulamento dos Funcionários Públicos de 22 de Fevereiro de 1913.
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Pelo n.º 3.º do artigo 8.º dêsse regulamento, estabelece-se exactamente essa circunstância, isto é, fixa-se como atenuante exactamente os serviços relevantes prestados à República.
Já vê, portanto, V. Ex.ª que eu procedi como devia.
Aproveitando ainda a ocasião de estar com a palavra, eu peço licença à Câmara para responder a uns reparos aqui feitos pelo ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira sôbre a existência de certos géneros que estão desviados do consumo, por estarem retidos na alfândega.
Eu vou ler o que há a tal respeito.
Pelo que acabo de ler, V. Ex.ª vê o que havia de existência na alfândega em Lisboa, artigos êstes que foram no emtanto requisitados pelo Comissariado Geral dos abastecimentos em 24 de Novembro.
Hoje posso garantir a V. Ex.ª que não existem géneros alguns nas condições a que V. Ex.ª se referiu. Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: o ensino religioso nos estabelecimentos particulares é absolutamente constitucional quando compreende o ensino da moral e do culto, como se compreende pelo artigo 170.º da Lei da Separação, e que a Constituïção não contraria. Basta apenas que o Govêrno declare que quere fazer a sua regulamentação.
Quem assim fala bem claramente afirma que o ensino religioso é constitucional.
O ensino dentro das congregações religiosas, êsse disso eu que era inconstitucional, porque a Constituïção actual o proíbe, e para isso bastou apenas copiar o que estava legislado na monarquia.
Estas minhas palavras são ditas para repor a verdade, que foi alterada por um jornal da manhã quando fez o extracto das minhas considerações.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
Debate político sôbre a apresentação do Ministério recomposto
O Sr. Carvalho da Silva: — Antes de me ocupar das declarações do Sr. Presidente do Ministério, eu desejo responder ao Sr. Ministro das Finanças com respeito ao funcionário aduaneiro de que ontem tratei.
Eu também tenho a declarar que não conheço êsse funcionário, mas o que é importante, o que interessa à moralidade do regime é o despacho do Sr. Ministro das Finanças, em que se consigna que há uma razão superior a todas, qual é a de o incriminado ter combatido contra os monárquicos.
Esta é a moral da administração republicana, que S. Ex.ª não pode contestar, porque está no acórdão.
Todas as minhas acusações ficam de pé perante as respostas do Sr. Ministro das Finanças.
S. Ex.ª diz que o Regulamento da Contabilidade Pública manda atender a todas as atenuantes, e o ser um bom republicano é para S. Ex.ª uma atenuante; e, assim, declara que não pode fugir à lei.
Contra isso decerto se revoltam as consciências dos bons republicanos.
Então um bom republicano não pode ser castigado quando defrauda o Tesouro Público?
Isso, sendo assim, só prova qual é a moral da República quando estabelece uma tal disposição na sua legislação.
Vozes: — O que é que se discute?
O Sr. Presidente: — Não é êsse o assunto que está em discussão.
O Orador: — Sr. Presidente: passo já a apreciar as considerações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério. S. Ex.ª mais uma vez mostrou a sua extraordinária habilidade de falar muito tempo sem dizer nada.
Interrogámos S. Ex.ª se mantinha ou não a parte da sua declaração ministerial, que se referia ao ensino religioso, e S. Ex.ª nada disse. Mas é indispensável que o diga!
Não abandonaremos êste debate enquanto S. Ex.ª não falar claramente sôbre as preguntas feitas, como exige a consciência do País.
Disse S. Ex.ª que o Sr. Leonardo Coimbra era de opinião que a Constituïção não se opunha ao ensino religioso nos estabelecimentos particulares, mas o
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Sr. Presidente do Ministério não disse qual era a sua opinião sôbre êsse ponto, e sòmente declarou que o Govêrno, na sua declaração ministerial, apresentara o seu ponto de vista.
Há, pois, um Govêrno que vem anunciar uma certa medida na sua declaração ministerial, e não tem opinião sôbre a constitucionalidade dessa medida!
É necessário que o Govêrno diga se considera ou não constitucional o ensino religioso; constitucional e oportuno.
S. Ex.ª já disse que, quando se discutiu a Constituïção, havia quem quisesse que ali se declarasse que era laico o ensino nos estabelecimentos particulares, mas que ficou substituído pelo ensino neutro.
Não posso deixar passar sem protesto as palavras de S. Ex.ª acerca do ensino religioso.
S. Ex.ª considera então um perigo para o regime e para o País o ensino religioso nos colégios particulares!
Contra isso protesto enèrgicamente, e com a maior indignação, em nome dêste lado da Câmara.
O ensino religioso não é perigoso para uma sociedade que não seja, como o Sr. Presidente do Ministério disse, uma sociedade de feras devorando-se umas às outras.
Não há nada que mais possa contribuir para a tranqüilidade dos espíritos, que tam necessária é no nosso País, do que o não afrouxamento das crenças.
É, pois, necessário que o Sr. Presidente do Ministério responda a êste ponto concreto: se considera constitucional o ensino religioso nos estabelecimentos particulares.
Temos um novo Ministro da Instrução, que também não disse uma palavra sôbre o assunto, e é necessário que também diga se concorda ou não com o programa ministerial na parte relativa ao ensino religioso.
Se a declaração ministerial é explícita, S. Ex.ª não pode sôbre o assunto dizer que não sabe do que se trata, e assim é absolutamente indispensável que diga claramente se considera constitucional o ensino religioso e se tenciona apresentar qualquer proposta nesse sentido, ou não.
Pelas palavras do Sr. Cunha Leal, aqui proferidas ontem, já se sabe que o bloco é favorável à resolução de se permitir o ensino religioso.
Nós, que conhecemos a constituïção da Câmara, podemos estar certos de que a proposta para se permitir êsse ensino seria aprovada por grande maioria, desde que o Govêrno declarasse que considerava constitucional semelhante proposta.
Do Sr. Presidente do Ministério depende, pois, a aprovação dessa medida.
Desde que S. Ex.ª se levante e diga que o Govêrno mantém o mesmo ponto de vista, é assunto que terá aprovação.
Ao Sr. Ministro da Agricultura vou dirigir uma pregunta, mas antes dirijo-lhe os meus cumprimentos, que são sinceros, como antigas são as relações de simpatia e até de estima que mantenho com S. Ex.ª
A sua competência para o exercício dessa pasta eu faço a devida justiça, pois sei que há muito S. Ex.ª se dedica a assuntos agrícolas, com aquela inteligência e qualidades de trabalho que todos lhe reconhecem.
A pregunta é a seguinte:
Entende S. Ex.ª que as circunstâncias obrigam o Estado a manter o regime do pão político?
Desejaria também saber o que S. Ex.ª pensa a respeito do actual regime cerealífero.
É um assunto que muito interessa ao País e, portanto, conveniente será que S. Ex.ª nos exponha o seu pensar a tal respeito.
Aguardo a resposta de S. Ex.ª e bem assim a do Sr. Presidente do Ministério.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: antes de entrar no assunto para que pedi a palavra, seja-me permitido dirigir a V. Ex.ª os meus mais afectuosos cumprimentos pelo motivo de o ver de novo dirigindo os nossos trabalhos.
Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, já ontem falou, com aquele brilho e com aquela clareza que todos lhe reconhecemos, o ilustre leader do Partido Democrático, e eminente jurisconsulto, Sr. Almeida Ribeiro.
Disse S. Ex.ª que o Govêrno podia contar com o nosso mais fervoroso apoio, porque era um Govêrno republicano, costumado a governar republicanamente.
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Nada tenho que tirar ou pôr nas declarações daquele ilustre marechal, dos mais considerados, do meu partido.
O Govêrno pode contar com o mais fervoroso apoio dêste lado da Câmara, porque é um Govêrno republicano e está resolvido a governar republicanamente.
Sr. Presidente: como a minha alma se enche de júbilo!
Como o meu coração se regosija pelo facto de após tanto tempo, aparecer nesta Câmara um Govêrno disposto a governar republicanamente!
Há quantos anos o povo reclama um Govêrno que governe republicanamente!
Desde 5 de Outubro, em que com armas na mão, ao lado de V. Ex.ª, implantou a República.
Ah! Sr. Presidente, um Govêrno republicano, disposto a governar republicanamente, não pode deixar de merecer o nosso fervoroso apoio.
As palavras, portanto, que ouvi ao Sr. Almeida Ribeiro constituíram para mim uma maravilha.
E porquê?
Porque foram pronunciadas por alguém que tem toda a minha estima e veneração, e porque foram proferidas — estou certo disso — depois de S. Ex.ª estar habilitado, para falar assim, com o entendimento do chefe do Govêrno.
Um Govêrno saído dêste lado da Câmara jamais poderia deixar de ser verdadeiramente republicano, mas para que nenhumas dúvidas sôbre êsse ponto pudessem surgir, o ilustre leader democrático declarou que o Govêrno governará republicanamente.
Ainda bem!
Alguma vez havia de ser!
Sr. Presidente: não quero continuar nas minhas considerações, sem primeiro dirigir aos novos Ministros os meus mais sinceros o afectuosos cumprimentos.
Quero destacar de entre todos, para primeiro lugar, pela amizade pessoal e solidariedade política, o meu queridíssimo amigo João Camoesas.
Pertence S. Ex.ª, como eu pertenço, à esquerda democrática, tanto eu como êle temos aspirações ultra republicanas.
Se em determinada matéria estamos em desacôrdo, e não é a primeira vez que isso sucede, eu não posso deixar de reconhecer que o Sr. João Camoesas tem excepcional valor para desempenhar missões das mais altas categorias, pelo seu talento e conhecimentos vastíssimos, pois que, apesar de ser muito novo, não fica mal que fôsse ocupar a cadeira de Ministro.
Mas não há cousa que não tenha a sua compensação, e se S. Ex.ª é novo, entrando já para o Govêrno, o Sr. João Camoesas está disposto a seguir as suas tradições e a governar republicanamente.
Tendo cumprimentado nos termos mais calorosos e como me permite a minha mesquinha inteligência S. Ex.ª, também quero apresentar os meus cumprimentos ao meu correligionário o Sr. Vaz Guedes, que, sendo colocado na pasta do Comércio, mostra que o meu partido não tem dificuldades para preencher qualquer pasta, tendo bastantes individualidades onde escolha.
Ao Sr. Vaz Guedes talvez, porém, lhe falte um ou outro predicado para desempenhar essa alta missão de Ministro do Comércio, mas isso fica compensado com a sua honradez, patriotismo e qualidades de velho republicano, não se dando com S. Ex.ª o caso, e a verdade é essa, de Ministros que, apesar do seu patriotismo, vão tomar lugares para que não servem.
Outro novo Ministro, que desejo cumprimentar, não pertence ao meu partido, e é o Sr. Ministro do Trabalho. Pertencendo S. Ex.ª aos poucos Deputados independentes que têm lugar nesta Câmara, é de esperar que S. Ex.ª se desempenhe bem da sua missão, e não pode ser indiferente a ninguém os assuntos que correm por essa pasta.
Sr. Presidente: não tenho a honra de ter relações pessoais com o novo Ministro da Agricultura, mas para mim foi muita satisfação ver S. Ex.ª sobraçar a pasta da Agricultura, não só porque é um oficial de marinha muito distinto, mas porque tem passado a sua vida a prestar atenção aos assuntos agrícolas.
Feitos os cumprimentos, eu entro na parte propriamente política, para fazer a análise dos acontecimentos que se têm passado com êste Ministério, da presidência do Sr. António Maria da Silva, que eu folgo ver presente.
Ninguém ignora que S. Ex.ª é um velho republicano e um grande patriota, e possuindo um passado dedicado à Repú-
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blica, estudando os altos interêsses do Estado, foi com grande prazer que eu ouvi dizer que êste Govêrno ia governar republicanamente. Outra declaração não era de esperar de quem, como S. Ex.ª, sempre militou na extrema esquerda da República.
Por medidas radicais espero eu e o partido a que S. Ex.ª pertence.
Foram sempre para mim sagrados os compromissos tomados durante a propaganda republicana através de cidades, vilas e aldeias, às quais dissemos que queiramos uma administração honesta.
Um dos pontos em que mais se acentuou a nossa propaganda foi no grave problema do funcionalismo público, evitando a desregrada vida que êle levava; mas decorridos são doze anos, e eu vejo que êsse problema está cada vez mais complicado.
O funcionalismo não cumpre os seus deveres; vai à repartição quando quere, e sai quando lhe apetece.
Pode continuar esta desordem administrativa?
Sr. Presidente: precisamos averiguar quais são os funcionários que cumprem e os que não cumprem os seus deveres, os que têm competência para as funções para que foram nomeados e os que não têm competência para elas.
Tal escândalo não pode continuar, e o Govêrno tem de republicanamente e de frente encarar êste grave problema.
Costumo sempre ser justo, e por isso também quero que àqueles funcionários que são zelosos e competentes se lhes pague convenientemente, para se lhes exigir trabalho e sacrifício.
Estou informado de que a lei votada no Parlamento aplicando o coeficiente 12 não tem sido posta em execução.
Se o momento é de sacrifícios e para todos, façam-se êsses sacrifícios, mas medidas de excepção não as quero para ninguém.
Tanta responsabilidade tem o funcionário militar como o funcionário civil, cada um adentro do papel que lhe distribuíram. Se para uns há um vencimento, para outros, em igualdade de circunstâncias, não pode haver vencimento diferente. O Govêrno tem de arrumar êste assunto. Isso tem de constituir uma das suas primeiras medidas.
Estou certo de que o Sr. Presidente do Ministério, o Sr. Ministro das Finanças, e com S. Ex.ªs todos os demais Srs. Ministros encararão de frente êste problema, dando-lhe uma solução condigna.
Obriga-se o funcionalismo a cumprir o seu dever, tendo, porém, para com êle as atenções a que tem direito, desde que cumpra o seu dever.
E estando a falar do funcionalismo, eu não passo a outro capítulo das minhas considerações sem dizer nesta casa do Parlamento que chegou ao meu conhecimento que alguma cousa de grave se passou com a cobrança do imposto sôbre transacções.
Mais de uma pessoa me garante que o imposto de transacções, especialmente no tocante a avenças, não tem sido cobrado convenientemente, visto que alguns funcionários se têm deixado subornar por aqueles que deviam honradamente pagar aquilo que ao Estado devem.
Uma das informações que tenho diz-me o seguinte:
No mês passado, no distrito de Santarém, o imposto sôbre o valor de transacções rendeu apenas 20. 000$!
Pregunto se isto é moral.
Poderá o Govêrno cruzar os braços ante uma situação desta ordem?!
Sr. Presidente: mas há ainda cousas mais graves. Também alguém me disse que havendo em Lisboa um comerciante que, como tantos outros, queria tirar uma avença na proporção de vendas de 12. 000$ mensais, êle fôra aconselhado por um funcionário superior de finanças a que tirasse uma avença apenas pela importância de 2. 000$.
São êstes os funcionários que servem a República e os altos interêsses do Estado!?
Que providências tomou ou vai tomar o Govêrno?
Meteu na prisão os funcionários que se têm deixado subornar?
Sr. Presidente: chamo a atenção do Govêrno para esta situação degradante em que o País se encontra, em que muitos roubam e ninguém é condenado!
O Sr. Vasco Borges: — Apoiado.
O Orador: — O Govêrno não deve esquecer que urge remodelar os serviços judiciais.
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Sr. Presidente: o que é um facto é que se têm pedido medidas enérgicas, e um Govêrno que até hoje as não tem tomado, porque não quere ou porquê não sabe, não tem o direito de continuar a ocupar as cadeiras do Poder.
Não é só em matéria de roubo que a República tem sido pèssimamente servida por parte dos tribunais a que essas questões têm sido afectas, mas sim também nas questões políticas, isto é, na execução de certas medidas que não merecem nem podem merecer de maneira nenhuma o meu aplauso.
Eu não quero, Sr. Presidente, discutir aqui a decisão dos tribunais; o meu desejo é apenas chamar a atenção do Govêrno para o estado em que se encontra a sociedade portuguesa.
Sr. Presidente: ainda em matéria de roubo eu devia dizer ao Sr. Presidente do Ministério de que fui, não há muitos dias, informado de que em Aveiro se estão construindo uns prédios, dizendo-se por lá que êles estão sendo feitos com dinheiro dos Transportes Marítimos do Estado.
Eu já em Novembro tive ocasião de chamar a atenção do Govêrno para êstes assuntos, fazendo ver a necessidade absoluta que há de se tomarem medidas mais urgentes.
Eu espero que o Govêrno do meu partido, que mais uma vez se encontra no Poder, governe republicanamente e conforme as circunstâncias o exigem.
Eu fui um dos homens que mais se revoltaram no tempo da monarquia contra os escândalos tremendos que se davam, todos os dias e todas as horas, porém nunca me passou pela cabeça, quando falava nos comícios contra essa escandalosa administração monárquica, que no regime republicano se pudessem dar os mesmos casos ou talvez ainda piores.
Os escândalos estão sempre na ordem do dia; tivemos a questão dos Transportes Marítimos do Estado, a questão dos Bairros Sociais e agora tivemos o escândalo dos pavilhões na Exposição do Rio de Janeiro, êsse tremendo escândalo que nos envergonhou internacionalmente.
É preciso castigar, para que não só cá dentro, mas lá fora no estrangeiro, se não diga que Portugal é um país de ladrões.
Todos sabem que é esta a opinião dos que estão lá fora.
Por sôbre a questão lamentável e desgraçada dos pavilhões da Exposição do Rio de Janeiro, que nos custaram milhares de contos e ainda nos hão de custar outros milhares de contos, há a questão escandalosa da venda do vapor Lima.
Devo dizer que por gentileza especial do meu ilustre correligionário, figura de grande destaque no meu partido, o Sr. Portugal Durão, tive conhecimento duma carta publicada hoje no jornal O Século da autoria do meu ilustre correligionário, também, e que foi Ministro do Comércio, o Sr. Lima Basto.
Depois de ter lido essa carta fiquei com impressão muito diversa da com que fiquei quando nesta casa do Parlamento ouvi tratar da questão pela boca do ilustre Deputado monárquico e ilustre parlamentar e particular amigo Dr. Paulo Cancela de Abreu.
S. Ex.ª levantou-se da sua cadeira de Deputado monárquico, e mais uma vez verberou escândalos, pedindo para êles providências para pôr termo a êsses escândalos. Ainda que seja o meu mais irredutível inimigo político, pode contar com a minha solidariedade para moralizar a sociedade portuguesa.
Apoiados dos Deputados monárquicos.
O Sr. Vasco Borges: — É espantoso!
O Orador: — É assim, exactamente.
E que cada um de nós tem o interêsse de reconhecer o escândalo a fim de denunciar ao País êsse escândalo.
Sou um homem profundamente republicano, e porque me preso de o ser, e ser homem duma sã moral, desejo o castigo indispensável a tais imoralidades.
Apoiados.
A República sempre pugnou pela honestidade; deve procurar ser honesta.
Sr. Presidente: não quero cansar a atenção do Sr. Presidente do Ministério. Sou suficientemente seu amigo, para não querer de forma alguma que a sua saúde saia daqui, porventura, mais abalada do que está. Mas não quero deixar de aproveitar a ocasião para dizer o que digo a S. Ex.ª, embora esteja convencido de que tem desejo de mudar de rumo, e tanto assim é, que o Sr. Almeida Ribeiro, falando, em nome dêste lado da Câmara, peremptòriamente disse que êste Govêrno
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era um Govêrno republicano disposto a governar republicanamente.
Tenho, sempre convidado os Governos do meu partido e os que não são do meu partido, porque não tenho duas bitolas, uma para os adversários e outra para os correligionários, tenho sempre, repito, convidado todos os Governos a reprimir o jôgo.
Muitas vezes, no tempo da monarquia, os Deputados republicanos que aqui tiveram assento chamaram a atenção dos Governos para a imoralidade da sociedade portuguesa, para que não fôsse consentido o jôgo de azar, que é aviltante e criminoso.
Pois na vigência dum Govêrno democrático pratica-se o jôgo!
O jôgo não é permitido, todos o sabem; e, sendo assim, mandem-se fechar as portas das casas de jôgo. Não o permitam a amigos, como em Lisboa se diz que assim se faz; proïbam-o em toda a parte.
Isto não é maneira de governar, e contra ela protesto!
Sr. Presidente: já chamei a atenção de V. Ex. a para o assunto, e volto a reclamar a sua atenção novamente.
Um outro assunto também interessa à população do País inteiro: a falsificação dos géneros alimentícios.
Está-se fazendo essa falsificação em escala assustadora. Aumenta o número de pessoas que reclamam contra esta prática.
O Govêrno tem funcionários que não cumprem o seu dever.
Vão muito longas às minhas considerações, mas não quero terminar sem me referir ainda a alguns assuntos que devem ser atendidos.
Estamos a poucos dias da apresentação do Orçamento Geral do Estado. Estão muito adiantados os trabalhos, e, pela primeira vez, será apresentado em condições de se poder distribuir pelos vários parlamentares, para ver se assim será discutido em menor espaço de tempo, e ser votado no prazo legal.
É preciso que o Govêrno cumpra êste ano o preceito constitucional, dando o Orçamento do Estado perfeitamente equilibrado.
Está nomeada uma comissão para a remodelação dos serviços públicos, e dêsse trabalho pode resultar uma grande redução de despesa.
Porventura seriam êsses os seus desejos; mas não pôde, ou não teve competência para resolver êsse alto problema nacional.
Sr. Presidente: quando da discussão da declaração ministerial um ilustre Deputado daquele lado da Câmara, um dos homens de mais talento da sociedade portuguesa, o Sr. Cunha Leal, fazendo várias considerações, disse que no tempo da monarquia os Governos caíam pelas intrigas feitas no Paço, e que agora no regime republicano, parece que os Governos caíam nas salas da Associação do Registo Civil.
Sr. Presidente: eu devo dizer, em abono da verdade, que não tenho procuração para defender aqui a Associação do Registo Civil, nem mesmo teria competência para isso (Não apoiados); devo declarar que lamento profundamente a confusão, que se tem feito sôbre o assunto.
É facto que no tempo da monarquia os governos caíam no Paço pelas intrigas feitas ali, muito principalmente pelas senhoras; porém, hoje não se dá êsse facto, e a Associação do Registo Civil apenas tomou a iniciativa de promover um protesto contra o ensino religioso.
A Associação do Registo Civil, Sr. Presidente, protestou, como aliás protestaram todos aqueles que se interessam por esta questão, não deixando, portanto, assim de cumprir o seu dever.
Sr. Presidente: também o Sr. Presidente do Ministério, quando deu conhecimento da saída do Govêrno do Sr. Leonardo Coimbra, disse que êle havia abandonado o Poder nos termos porque se defrontava sôbre o assunto com o Parlamento, por isso que não estava habituado a ser tratado pela forma como o estava sendo.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Não foi isso o que eu disse.
O Orador: — Eu devo dizer muito francamente a V. Ex.ª que entendo que o Sr. Leonardo Coimbra procedeu muito bem, pois, como profundamente republicano que é, aceitou as indicações da opinião pública.
O povo manifestou-se contra determinadas medidas do Sr. Leonardo Coimbra.
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S. Ex.ª não aceitou, porém, as imposições republicanas da opinião pública, e retirou-se do Ministério. Por essa sua atitude S. Ex.ª só pode merecer aplausos e nunca censuras.
De resto eu nunca ataquei o Sr. Leonardo Coimbra, nem ataco, convencido como estou de que o único responsável pelas scenas que se desenrolaram em torno desta questão é o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Leonardo Coimbra pode ter, como qualquer homem público, as ideas que entender; o Sr. Presidente do Ministério é que tinha o dever de as não perfilhar, aceitando-as. Quando o Sr. Leonardo Coimbra pretendeu incluí-las na declaração ministerial, S. Ex.ª deveria ter-se apressado em o mandar para um convento.
Risos.
Nos já longínquos tempos em que o Sr. Leonardo Coimbra lutava a meu lado pela proclamação da República, eu nunca o conheci deísta e muito menos católico.
Agora, passada a porta dos 40 anos, apavorado ante a proximidade da morte, S. Ex.ª quere pôr-se de bem com Deus e com a santíssima religião. Cada um vai para onde quere e segue o caminho que entende.
O Sr. António Maria da Silva, porém, é que como Presidente do Ministério e representante do Partido Democrático se torna o principal responsável da situação por não ter, na devida altura, repelido toda a sua solidariedade em actos que tinham por fim proteger os princípios reaccionários.
Em Portugal muitas vezes não se compreendem as situações. A opinião pública é sempre uma fôrça que nas democracias tem de ser respeitada e ouvida. Ainda ontem, porém, eu vi o Chefe do Govêrno muito zangado proferir palavras que S. Ex.ª teria feito melhor em não proferir.
S. Ex.ª, repudiando toda a solidariedade com os indivíduos que pretendem perturbar a ordem na sociedade portuguesa, deu-lhes uma classificação que, neste momento, me abstenho de repetir.
Eu devo dizer a S. Ex.ª que nem todos os homens que entram em revoluções podem sofrer tal classificação. Há ainda criaturas que entram nas revoluções com intuitos generosos...
O Sr. Manuel Fragoso: — Ainda há dêsses?
O Orador: — Não é muito para admirar que os haja...
O Sr. Manuel Fragoso: — Que ingenuïdade!
O Orador: — Como é que V. Ex.ª não quere que na sociedade portuguesa haja milhares de revoltados contra a situação que nos cerca, quando êles se estão debatendo na mais negra miséria?
Como é que V. Ex.ª quere que não haja o espírito revolucionário na sociedade portuguesa se ela está a morrer de fome?
Eu já disse a V. Ex.ª que condeno todos os movimentos revolucionários, pois sei bem que só nos podem levar a pior, mas nem todos pensam assim; e os que têm passado por aquelas cadeiras têm grandes responsabilidades na situação em que nos encontramos.
Sr. Presidente: há meses estando eu no Alentejo recebi queixas de quem me merece toda a consideração, pois são de pessoas que trabalham, os lavradores. Um correligionário nosso queixou-se-me de que o Ministério das Finanças o obriga a dar dia a dia ou semanalmente a nota do gado, o que se torna impossível e só vem embaraçar o trabalho e de nada serve, pois não são êles que mandam o gado para Espanha, mas sim os contrabandistas A, B e C.
Pois se se sabe quem é que faz o contrabando, porque é que não se mete na cadeia quem faz a fome em Portugal?
E são os Governos os maiores responsáveis.
Não apoiados.
Quando o Sr. Lúcio de Azevedo foi Ministro do Comércio proibiu a exportação de algodão; pois assim que S. Ex.ª deixou de ser Ministro, veio logo uma portaria permitindo-a, e agora sai para fora aos vagões, de forma que uma peça de algodão que custava a semana passada 56$ custa já 90$!
É ou não o Govêrno o culpado nas revoluções?
Não apoiados.
É por isso que fiquei satisfeito quando ouvi dizer ao Sr. Almeida Ribeiro que o
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Govêrno está disposto a punir os assambarcadores.
Ainda não há muitos dias que nesta Câmara foi dito pelo Sr. Carlos Pereira que havia na Alfândega muitos géneros em depósito, e que os Governos auxiliavam os assambarcadores.
A Câmara parece que se ri, quando se reclama contra os assambarcadores, que não servem senão para nos arruïnar, mas eu insto por providências do Govêrno contra êles; e que se tomem a tempo e a horas.
Diz o Sr. Almeida Ribeiro que o Govêrno é composto de republicanos, e que vai governar republicanamente.
Está certo, e assim estou convencido que vai satisfazer as exigências da opinião pública.
Há muito tempo que desejava fazer certas considerações nesta Câmara, e não as tenho feito à espera que o Govêrno, composto de republicanos, cumprisse o seu dever, mas vejo que passam dias, semanas e meses e nisso ninguém pensa.
Ninguém se esqueceu decerto que nesta terra de Portugal houve em 1918 uma situação política que se chamou de Sidónio Pais.
Durante êsse tempo êsse Govêrno publicou leis que o espírito do povo não quere, e todavia elas ainda hoje são leis!
Temos diplomas que alteram a Lei da Separação da Igreja do Estado.
Devia-se ter remediado já êsse mal, mas só eu me tenho lembrado que isso é necessário e indispensável.
Sabe o Sr. Presidente do Ministério o que se passou no Congresso da República, porque S. Ex.ª não é só um velho Presidente do Ministério, mas é também velho parlamentar.
O Sr. Baltasar Teixeira, ilustre primeiro secretário, apresentou um projecto de lei eliminando a nossa legação junto do Vaticano.
Êsse projecto de lei foi aprovado nesta casa do Parlamento, e rejeitado no Senado e na reünião conjunta rejeitado também.
Mas um ano depois, sem ser precisa a intervenção do Congresso, o Govêrno republicano, atendendo às constantes reclamações da reacção, e no tempo de Sidónio Pais, deu mais uma facada na Lei da Separação do Estado das Igrejas, restabelecendo a legação no Vaticano.
E passados doze anos, depois de proclamada a República, a alma republicana assiste amargurada a êsse caso estupendo que se deu na cidade de Lisboa, a imposição do barrete cardinalício.
Mas o povo republicano, assim como eu, ficaríamos contentes se o leader da maioria nos garantisse que efectivamente o Govêrno vai governar patriótica e republicanamente.
Vou terminar, e o Sr. Presidente do Ministério dirá que já não é sem tempo.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Deus me livre!
Apraz-me muito ouvi-lo.
O Orador: — Vou terminar, mas não o farei sem me referir ao seguinte: ontem nesta Câmara S. Ex.ª aludiu a um trabalho que interessa ao País e ao Parlamento, legítimo representante do País, assunto que deve ser da mais alta importância, se se atender ao nome da pessoa que o subscreve e que por isso deve estar bem feito.
É o relatório do Sr. Borges Grainha sobre as congregações.
Pedia ao Sr. Presidente do Ministério que mandasse imprimir êsse relatório, para que os parlamentares pudessem tomar conhecimento do trabalho do Sr. Borges Grainha, e mais uma vez verificar até onde chega a desfaçatez da reacção em Portugal.
Vou entrar na parte mais escabrosa das minhas considerações.
Não quero fazer a história, porque, se o fizesse, eu teria de falar ainda por muito tempo.
Quero simplesmente dizer que é inverosímil o que sucede em Portugal com a reacção.
Contra ela o formidável estadista Marquês de Pombal publicou o conhecido decreto, banindo os jesuítas de Portugal.
E emquanto houve estadistas, como Fontes, Augusto de Aguiar e tantos outros homens ilustres, a reacção foi sempre metida na ordem.
Mas apesar de essas leis nunca terem sido revogadas, a verdade é que a reacção sempre fez aquilo que muito bem quis.
Pois precisamos de saber pelo relatório
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do Sr. Borges Grainha o que a reacção tem feito depois de proclamada a República.
Em Novembro último, quando falei nesta Câmara, chamei a atenção de S. Ex.ª para o facto de existirem congregações em Espinho e Sintra, e disse mais que sabia da existência de colégios ultramontanos.
Pois não tenho conhecimento de o Sr. Presidente do Ministério ter chamado as autoridades respectivas, para lhes pedir contas do seu desrespeito à lei.
E nem o Sr. Presidente do Ministério se esqueceu, para fazer a vontade ao seu amigo e compadre Sr. Lino Neto, de introduzir na declaração ministerial a promessa do ensino religioso.
É triste que as esquerdas republicanas tenham de pedir contas desta natureza a um Govêrno saído do seu partido, e mal vai por isso, porque todos nós devemos ter as mesmas aspirações em assunto tam momentoso, e devemos caminhar de braço dado, esperando os ataques da reacção para os reprimir.
Porém não sucede assim.
O meu velho amigo e noutros tempos correligionário, Sr. Manuel Alegre, disse-me:
«Porque é que você está a fazer questão de cousas desta natureza, se o ensino religioso já existe, se o que se propõe já existe?»
Se o ensino religioso existe, pratica-se um crime que é da responsabilidade dos Governos que têm passado pelas cadeiras do Poder.
Os Governos não têm respeitado a lei, deixando pisar a pés juntos a Constituïção, quando deviam ser os primeiros a defendê-la.
Disse S. Ex.ª que não fazia mal, que não prejudicava a sociedade ensinar o Padre Nosso e a Ave-Maria.
Sr. Presidente: neste momento, em que o povo está cheio de fome, o Sr. Presidente do Ministério, como recompensa, promete Padre-Nossos e Ave-Marias, o que não lhe enche o estômago. É muito forte para homens da categoria de S. Ex.ª!
Disse S. Ex.ª que o caso estava arrumado, porque o artigo 170.º da Lei da Separação era claro e expresso.
O caso estava resolvido porque bastava regulamentar o artigo 170.º da referida lei. Mas o artigo 170.º da Lei da Separação está revogado pelo n.º 10.º do artigo 3.º da Constituïção Política da República.
O ensino religioso não pode, pois, ser regulamentado porque a tal terminantemente se opõe a Constituïção. Não queira V. Ex.ª deslocar a questão do Ministério da Instrução para o Ministério da Justiça, porque nós não lho permitiremos.
Agora é que, Sr. Presidente, chega o momento de terminar, mas não o quero ainda fazer sem dizer mais uma vez que espero que o Govêrno do meu partido, que se comprometeu a governar republicanamente, governe de facto republicanamente, governe respeitando a lei e fazendo-a respeitar. Governar republicanamente é governar com a liberdade contra a reacção. Que o Govêrno não transija, porque transigir é abdicar, e os homens que abdicam não são aqueles que passam à história.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não tiveram a revisão dos Srs. Deputados que os fizeram.
O Sr. Presidente: — Pelo grupo parlamentar democrático foram feitas as seguintes alterações na composição das comissões:
Trabalho:
Substituir o Sr. João Camoesas pelo Sr. Vasco Borges.
Legislação criminal:
Substituir o Sr. Manuel de Sousa Dias Júnior pelo Sr. Vasco Borges.
Orçamento:
Substituir o Sr. Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro pelo Sr. Albano Augusto de Portugal Durão.
Finanças:
Substituir o Sr. Queiroz Vaz Guedes pelo Sr. Albano Augusto de Portugal Durão.
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Instrução primária:
Substituir o Sr. Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro pelo Sr. Vasco Borges.
Instrução superior:
Substituir o Sr. João Camoesas pelo Sr. Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Estrangeiros e marinha:
Substituir o Sr. Leote do Rêgo pelos Srs. Fausto de Figueiredo e Pina de Morais.
Para a Secretaria.
E lida uma nota de interpelação apresentada pelo Sr. Lino Neto, que vai publicada nos «Documentos enviados para a Mesa».
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: não tencionava usar da palavra neste debate de apresentação do novo Govêrno.
A posição da minoria católica em face do Govêrno foi ontem perfeitamente definida pelo seu ilustre leader, com cujas palavras inteiramente me conformo. De resto, a oposição dêste lado da Câmara está sempre dalgum modo definida perante qualquer Govêrno que se sente naquelas cadeiras, porque representamos aqui uma organização independente, e procuramos defender sempre os interêsses da Nação, acima de fórmulas políticas, aprovando e apreciando os actos honestos e patrióticos, sem olhar à cor política daqueles que os praticam. Supomos hoje dos Governos da República o mesmo que amanhã suporíamos dos da monarquia, se êste regime voltasse a governar em Portugal.
Não temos, pois, pròpriamente adversários políticos, ou antes, são nossos adversários todos aqueles que forem inimigos da Nação.
Mas, Sr. Presidente, já que tomei a palavra, desejo cumprimentar os novos Ministros que se sentam naquelas cadeiras, devendo salientar, dum modo especial, o Sr. Rocha Saraiva, meu quási conterrâneo, e que veio a esta Câmara eleito pela mesma região que aqui represento.
Cumprido, pois, êste dever de cortesia, quero ainda fazer umas ligeiras reflexões sôbre as palavras que acabam de ser proferidas por um ilustre membro da maioria desta Câmara.
Lamento profundamente que se não compreendesse a nobreza e o alto sentimento patriótico das declarações ontem feitas nesta Câmara pelo leader da minoria católica.
Eu já afirmei uma vez nesta Câmara, e torno a repeti-lo agora, que estamos nesta trincheira, não tanto para defender os interêsses da Igreja, que não precisa da fraca defesa que lhe pode emprestar a nossa voz, mas para defender os interêsses da Pátria.
A intolerância jacobina, que acaba de falar pela bôca dum membro da maioria, afronta-nos mais como cidadãos do que como católicos, como cidadãos a quem se negam os direitos fundamentais de liberdade, que se concedem em todos os países civilizados.
Disse-se que a Constituïção é que nos escraviza. Não é verdade.
O que pretende escravisar-nos é uma interpretação mesquinha e afunilada de uma das suas disposições.
A Constituïção não proíbe as liberdades fundamentais. Se o fizesse, devia ser rasgada, porque era indigna de ser código fundamental dum povo civilizado, e eu não quero crer que Portugal, ainda nesta altura, se possa inscrever entre os povos bárbaros.
Por uma inversão de papéis e de situações digna de nota, somos nós, Sr. Presidente, que defendemos os direitos de liberdade de consciência, os arautos duma verdadeira e sã democracia, e, pelo contrário, aqueles que combatem essas liberdades, embora se digam radicais e avançados, são no fundo os autênticos reaccionários retrógrados e obscurantistas.
Os papéis estão invertidos. Somos nós que defendemos a liberdade, e são aqueles que se afirmam democráticos que negam os princípios fundamentais dessa mesma liberdade. Defendendo os princípios da religião, defendemos a honra e a glória de Portugal.
Mas, Sr. Presidente, direi mais. Se porventura querem que o grito de guerra parta da voz dessa minoria, direi que não é com novas perseguições que se melhora uma situação que todos devemos, ansiar por atacar e resolver.
Eu lamento que não se tenha querido compreender a situação em que nós, patriòticamente, estamos colocando a questão religiosa nesta Câmara.
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Sessão de 12 de Janeiro de 1923
Pois, porventura a Constituïção só proíbe aos católicos as liberdades fundamentais, e permite-as aos judeus e protestantes, que, como toda a gente sabe têm as suas escolas funcionando em várias cidades de Portugal?
Sr. Presidente: o que nos afronta é o facto de as liberdades não existirem para nós e existirem para o estrangeiro adentro da própria Pátria.
Terminarei, dizendo que estou de acordo com algumas afirmações feitas pelo ilustre Deputado que me antecedeu, entre as quais a de que é preciso expurgar do funcionalismo os funcionários incompetentes.
Sr. Presidente: visto que a hora vai adiantada resumirei as minhas considerações nesta simples reflexão.
Eu creio que nesta hora, e disso tenho a profunda convicção, uma revolução é absolutamente inevitável. Ou essa revolução é feita pelo Govêrno e por todos nós, por meios pacíficos e legais, por medidas violentas, mas feitas com intuitos de grandeza e moralidade, ou essa revolução será feita pela rua, contra o Govêrno e contra todos nós.
O dilema está pôsto: ou o Govêrno faz a revolução que salve o País, ou a rua fará a revolução que talvez nos perca a todos nós.
Se o Govêrno tiver a coragem de nesta hora excepcional tomar as providências necessárias, com aquela eficácia que fôr necessária e sem trepidar, pois que se trata da salvação pública, terá feito a revolução da ordem e o País salvar-se há, e evitar-se há a outra revolução que será inevitável desde que não se dê a primeira.
Ou a revolução da ordem ou a revolução da desordem!
Para a da ordem poderá o Govêrno contar com o apoio dos elementos ordeiros e honestos desta Câmara; se, porventura, êste lhe faltasse, poderia ainda contar com o apoio do País que exige que alguém o salve do abismo para onde está correndo.
Mas, Sr. Presidente, deve notar-se que nada se conseguirá de bom, com medidas perseguidoras que escravizem novamente as consciências.
Vou terminar e fá-lo hei como comecei, dizendo que daremos o nosso apoio a todos os actos honestos e patrióticos que o Govêrno pratique sem termos que nos preocupar com a côr política daqueles que os praticarem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou encerrar a sessão.
A próxima será no dia 15 do corrente, às 14 horas, com a seguinte:
Ordem do dia:
A de hoje, incluindo nos projectos de assembleas eleitorais o parecer n.º 23. Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, permitindo a importação temporária de cascaria estrangeira.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, criando um novo fundo consolidado da dívida pública.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, considerando canceladas as fianças prestadas nas Alfândegas conforme as ordens de entrega de mercadorias da carga dos navios ex-alemães passadas pela Procuradoria da República junto da Relação de Lisboa.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, isentando de direitos de exportação, para o estrangeiro, de livros editados em Portugal.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, elevando a quantia abonada como gratificação aos mandadores do tráfego das Alfândegas.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida cópia do relatório ùltimamente apresentado ao respectivo
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Diário da Câmara dos Deputados
Ministro pelo Inspector das leis da Separação e das Congregações.
Sala das Sessões, em 11 de Janeiro de 1923. — O Deputado, António Lino Neto.
Expeça-se.
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro da Justiça sôbre a portaria de 24 de Novembro de 1921 (Diário do Govêrno, 2.ª série) e sua execução. — António Lino Neto.
Para a Secretaria.
Espessa-se.
Parecer
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 167-A que autoriza a admissão de vinte e cinco alunas internas no Instituto Feminino de Educação e trabalho.
Imprima-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.