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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 17
EM 15 DE JANEIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Sumário. — A sessão é aberta com a presença de 40 Srs. Deputados.
Procede-se à leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) apresenta a proposta orçamental para o próximo ano económico.
É aprovada a acta.
Ordem do dia. — Prossegue o debate político, usando da palavra os Srs. Leote do Rêgo, Presidente do Ministério (António Maria da Silva), Cancela de Abreu e Velhinho Correia.
Antes de se encerrar a sessão. — Usam da palavra o Sr. Carvalho da Silva, Cancela de Abreu e Ministro do Comércio (Queirós Vaz Guedes).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão às 14 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 40 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 49 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
Joaquim José de Oliveira.
José António de Magalhães.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Diário da Câmara dos Deputados
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
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José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai lêr-se a acta.
Eram 14 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, acompanhando um requerimento em que o coronel João Evangelista da Costa Roxo pede para ser considerado supranumerário no quadro dos coronéis do serviço da Administração Militar, em disponibilidade.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo, comunicando a existência na repartição do gabinete de um parecer do Conselho Superior de Promoções acerca duma exposição sôbre a aplicação das leis n.ºs 778, 1:239, 1:250, 1:334 e 1:340.
Para a comissão de guerra.
Do Ministério da Marinha, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 6, conforme o requerido pelo Sr. Jaime Leote do Rêgo.
Para a Secretaria.
Da câmara municipal de Ourique, pedindo a criação da Comarca de Ourique, há muito reclamada.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
De Bernardino Ferreira de Matos Rosa, agradecendo o voto de sentimento desta Câmara pelo falecimento do Sr. Manuel Ferreira de Matos Rosa.
Para a Secretaria.
Do juiz encarregado do inquérito aos serviços do Comissariado da Exposição do Rio do Janeiro, pedindo cópias dos discursos referentes a essa Exposição a fim de fazerem parte do inquérito.
Comunique-se que, quando forem publicados os Diários das Sessões, se enviará um exemplar.
Do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, prevenindo os Srs. Ribeiro de Carvalho e Alfredo Ernesto de Sá Cardoso para comparecer no dia 18 para deporem como testemunhas, como foi já autorizado em 8 do corrente.
Comunique-se.
Representações
Da Associação dos Construtores, Proprietários, pedindo para o Estado fornecer capitais para a construção de prédios em Lisboa.
Para a comissão de comércio e indústria.
Da viúva do capitão-tenente Henrique da Costa Gomes, pedindo a elevação da sua pensão.
Para a comissão de petições.
Telegramas
Dos delegados da direcção da Associação de Socorros Mútuos «Igualdade» e «Destino», em Borba, Caldas da Rainha e Salvaterra de Magos, pedindo para ficarem isentas do aumento de franquia dos correios.
Para a Secretaria.
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Das Juntas de Freguesias de Monsaraz e de Estremoz, Confraria do Santíssimo de Reguengos do Monsaraz, Misericórdia de Monsaraz, Câmara Municipal de Vila Viçosa, e Padre Tobias, de Samora, pedindo a liberdade de ensino religioso nas escolas particulares.
Para a Secretaria.
Admissões
Projectos de lei
Dos Srs. António Dias, Ginestal Machado, Alberto Cruz, Américo Olavo e Francisco Cruz, aplicando aos oficiais médicos no quadro permanente do exército o disposto no artigo 5.º e seus parágrafos do decreto n.º 7:823, de 23 de Novembro de 1921.
Para a comissão de guerra.
Do Sr. Afonso de Melo, autorizando a Junta da freguesia de Alcafache, concelho de Mangualde, a alienar, para aplicar o produto a designados melhoramentos, os baldios que lhe pertencem.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados. Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, de harmonia com o que determina o artigo 54.º da Constituïção Política da República Portuguesa, apresentar ao Parlamento a proposta orçamental para o próximo ano económico de 1923-1924.
Sr. Presidente: antes de entrar nas considerações que julgo útil fazer sôbre a apresentação desta proposta deixe-me V. Ex.ª salientar um facto — que é a primeira vez que se dá, após muitos anos — qual é o de hoje mesmo ser distribuído o Orçamento do Estado, bem como as tabelas de todos os Ministérios. Nestes termos, se o Orçamento não fôr discutido com tempo e serenidade, não podem, por êsse facto, ser atribuídas culpas ao Govêrno, como sucede nos anos anteriores.
Sr. Presidente: antes de entrar pròpriamente nos números que representam as despesas do próximo ano, desejo dizer alguma cousa sôbre o que tem sido sob o ponto de vista financeiro, a administração republicana, que, apesar de nos últimos tempos ter sido bastante atacada, em nada nos envergonha na forma como os dinheiros públicos têm sido geridos.
Igualmente a minha Consciência manda que apresente os resultados das contas de todos os anos até hoje decorridos, para evitar que continue a campanha, que se tem feito, de que em Portugal não há contas públicas, ou que o Estado guarda segredo da forma como administra.
Isto é falso. As contas estão em dia, e se não têm sido publicadas com a precisa regularidade, deve-se isso ao atraso da Imprensa Nacional.
Sr. Presidente: eu tenho tanta mais autoridade para dizer isto, quanto é certo que havendo já representado o Govêrno em duas conferências internacionais, as de Bruxelas e Génova, nunca me senti vexado por os outros países apresentarem as suas contas mais em dia do que as nossas.
Porém uma cousa há que nos envergonha, e continua a envergonhar, e essa é a falta de trabalhos estatísticos, pois deu-se o caso lamentável de no livro distribuído na conferência de Bruxelas, sôbre trabalhos estatísticos, a única folha em branco era a relativa a Portugal. Outro tanto sucedeu na conferência de Génova.
Sr. Presidente: entrando, agora, pròpriamente nas considerações sôbre a proposta orçamental, devo dizer que, apesar da nossa situação ser má, ela não é, todavia, desesperada como muitos querem apregoar. Na verdade, com o esfôrço de todos, com sinceridade, boa fé e dedicação do Parlamento, isto é, com o estudo cuidado do Orçamento, ela pode modificar-se muitíssimo.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a situação financeira dêste ano se apresenta com aspecto muito melhor do que nos outros anos porque foram tomadas medidas no sentido de se aumentarem as receitas públicas.
Assim, se o novo sistema tributário não dá de momento aquela produtividade que seria de esperar, tenho a esperança de que votada a proposta que já
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tive a honra de apresentar preenchendo as vagas existentes na Direcção das Contribuïções e Impostos, onde faltam cêrca de 400 funcionários, o rendimento que foi previsto e não é de forma nenhuma exagerado.
Claro está que êste orçamento apresenta um deficit ainda bastante avultado, como não pode deixar de ser, dada a situação que atravessamos. Todavia, como já disse e repito agora, essa situação pode brevemente tornar-se desafogada, se houver boa vontade da parte do Parlamento, e se houver uma continuïdade de acção da parte de todos os partidos.
Para isso, era preciso aumentar as receitas e fazer a compressão das despesas, que devo dizer de passagem, não pode ter aqueles resultados materiais que muitos apregoam.
Temos, portanto, de ir, para não recorrer ao aumento da circulação fiduciária, para as duas únicas fontes de receita, que são o aumento dos rendimentos públicos por meio de reformas no sistema tributário — pois alguns ramos há que são susceptíveis de aumento — e à realização de empréstimos, para o que já apresentei a proposta relativa ao empréstimo interno.
E vem a propósito dizer para destruir notícias que têm aparecido em alguns jornais que o Govêrno, pelo menos desde que eu ocupo a pasta das Finanças, não teve e não tem quaisquer negociações entaboladas para realizar um empréstimo externo em Paris ou em qualquer parte do estrangeiro. Isto era de prever desde que eu outro dia afirmei aqui que sem se fazer um empréstimo interno, mostrando-se assim ao estrangeiro que o País tem confiança nos Governos, nós não temos autoridade para inspirar confiança ao estrangeiro a fim de que êle abra a nosso favor quaisquer créditos.
Sr. Presidente: no Orçamento que tenho a honra de apresentar à Câmara segue-se o mesmo sistema que se seguiu no Orçamento do ano findo apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças de então, o Sr. Portugal Durão, isto é, dividem-se as despesas em normais ou permanentes e em transitórias, e o mesmo se faz quanto às receitas. É claro que isto não consta no Orçamento depois de aprovado, mas pode servir de estudo e vem mostrar mais uma vez a toda a gente que o nosso pior mal é a desvalorização da moeda.
Efectivamente, verifica-se pelos números que apresento à consideração do Parlamento que bastava que o câmbio atingisse a divisa de 5 para nós podermos apresentar um Orçamento sem deficit.
Vejam, pois, V. Ex.ªs a vantagem que há em envidarmos todos os nossos esforços para que o câmbio melhore e o escudo se valorize. (Apoiados).
Sr. Presidente: como tive ocasião de dizer, acho oportuno fazer uma ligeira resenha no relatório que apresento dos processos que tem seguido a administração republicana para gerir os negócios públicos, mesmo para dar conhecimento ao Parlamento e ao País das contas dos anos económicos que decorreram depois da proclamação da República.
Por isso nesse relatório fiz a divisão em três períodos de todo êsse tempo: o primeiro, o que vai desde 1910-1911 a 1913-1914, isto é, o período antes da guerra; depois o que vai de 1914-1915 a 1918-1919, o período da guerra; e o terceiro, o que vai desde 1919-1920 até hoje; que é o período de após a guerra.
Os encargos, até hoje, de fundos são na importância de 479:483 contos, e a assistência da Grã-Bretanha era de 20 milhões de libras, além do crédito de 2 milhões de libras aberto pelo Banco de Inglaterra, que era a única quantia que se podia utilizar para as necessidades económicas do País.
É preciso não esquecer que todas as despesas provenientes da crise económica, principalmente a que se referia ao chamado pão político, eram levadas à conta de despesas da guerra.
Pelo relatório que tenho a honra de apresentar à Câmara; vê-se qual foi o movimento da nossa dívida pública e da circulação fiduciária.
No ano de 1915-1916 vemos que o deficit acusado nas duas contas foi de 46:074 contos. A situação cambial não sofreu êsse ano grandes alterações. Não devemos estranhar as despesas que então se fizeram, porque foi exactamente nesse ano que se deu a declaração de guerra, devendo nós reconhecer, até, que só uma grande energia e uma defesa intransigente dos dinheiros públicos poderiam ter obstado a que essas despesas tivessem
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sido ainda mais avultadas, sobretudo no capítulo das despesas militares.
Surge depois o ano de 1916-1917, e eu chamo a atenção da Câmara para o confronto das despesas efectuadas êsse ano com as de 1917-1918, para que V. Ex.ª s. vejam como o movimento de 5 de Dezembro marca clara e insofismàvelmente o início do nosso desequilíbrio económico e financeiro. (Apoiados).
Não faço esta afirmação com intuitos políticos, porque, se a fizesse, não seria o primeiro a reconhecer, como efectivamente reconheço, que todos nós somos igualmente responsáveis pelo descalabro a que chegámos, uma vez que não tivemos a coragem, após a jornada do Monsanto, de arrepiar caminho, regressando ao anterior e republicano regime administrativo.
Êsse confronto, que seria ainda mais interessante se o fizéssemos em relação aos primeiros semestres dêsses dois anos, resulta ainda assim flagrante se atendermos a que foi precisamente no ano de 1916-1917 que as nossas despesas militares atingiram a sua maior intensidade.
O deficit das despesas da guerra, nesse ano, foi de 48:948 contos. Na dívida pública houve um aumento de 56:845 contos e na circulação fiduciária um aumento de 32:971 contos. A situação cambial começou nesse ano a sofrer sensíveis oscilações.
Começa o ano de 1917-1918. O esfôrço militar quási se anula à fôrça de se restringir. O número das tropas em França é consideràvelmente reduzido. Os militares que vêm a Portugal no gôzo de licença, ou por quaisquer outros motivos, não voltam a ocupar os seus lugares com o pretexto de não contaminarem as fôrças do Corpo Expedicionário com o tifo exantemático. Comigo não se deu felizmente, êsse caso, mas, Sr. Presidente, desde essa ocasião parece que as despesas deviam deminuir, mas sucedeu o contrário.
Todos sabemos, mas é preciso que isto se repita mais uma vez: que, a quando da proclamação da República, a situação do País não era desafogada, os orçamentos há uns anos que vinham sempre a fechar com deficit; que, se nós os puséssemos a par da desvalorização actual da moeda, atingiam quantias enormes. Assim, o Orçamento representava um deficit relativamente grande. Dá-se a proclamação da República e todos conhecem a preocupação que houve, por parte dos estadistas republicanos, para sanar êsse deficit.
Não se conseguiu, mas apresentou-se um deficit muito inferior, apesar das conseqüências que sempre derivam da mudança dum regime e da necessidade que houve de satisfazer algumas aspirações. Depois sabe-se que todos os Ministros das Finanças que se seguiram se viram impedidos de executar aquela obra que era necessária e do desejo de todos os republicanos, devido às constantes perturbações da ordem pública que se deram nesse tempo.
Entramos depois no ano de 1912-1913, e foi nessa ocasião que se tornou possível cumprir a política do nosso equilíbrio financeiro; e não é de mais tecer aqui a nossa homenagem ao Sr. Dr. Afonso Cosia, que com uma grande energia, perseverança e talento conseguiu executar êsse programa. (Apoiados). E foi tam intensa a sua acção que, embora nalguns espíritos se tivessem levantado dúvidas sôbre ela, a verdade é que, pelas contas que hoje estão fechadas, se verifica que o superavit previsto foi realizado.
Mas essa obra de S. Ex.ª continuou. Todos os homens da República a continuaram e, assim, nós vemos que no ano seguinte, 1913-1914, se fechou o nosso Orçamento também com saldo positivo, que foi de 3:097 contos, e, o que é mais importante, provou-se que a dívida pública deminuíu muito. E com êste ano nós chegámos ao fim do primeiro período em que dividi a gerência republicana.
Se analisarmos as duas contas relativas a êste período, verificamos que as referentes aos anos de 1912, 1913 e 1914 acusam um saldo credor de 6:778 contos.
Não é, portanto, gratuita a afirmação de que o regime republicano sabe bem administrar, e que foi a guerra de 1914, que veio surpreender-nos nesta obra de regeneração, a causa do desequilíbrio e da crise que temos atravessado ùltimamente.
Começa em 1914-1915 o segundo período que é o da guerra.
Como a Câmara sabe, deu-se a apreensão dos navios alemães e a Alemanha
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declarou-nos a guerra, mas já anteriormente fomos obrigados a fazer grandes despesas com o envio de expedições militares para Angola e Moçambique.
Em 1917 interviemos como beligerantes nos campos da Flandres, continuando, todavia, a guerra em África, que só terminou quando foi assinado o armistício.
Sr. Presidente: desejo agora referir-me às contas da guerra.
Já em tempo foi publicado um relatório quando era Ministro o Sr. Pina Lopes, em que foram discriminadas as diversas despesas que foram levadas à conta da guerra.
Sr. Presidente: infelizmente até hoje tem faltado certa energia e não temos seguido a política que se devia fazer, e que é necessário que se faça.
No ano de 1918 a 1919 dá-se o armistício, mas, ao contrário do que se esperava, o deficit avolumou-se.
Quando havia toda a esperança de que se entrasse na normalidade e prosperidade, veio a especulação que não se pode evitar, pois ela não é um facto só do nosso país, pertence a toda a Europa, principalmente à Europa latina. As conseqüências da guerra, principalmente a desvalorização da moeda têm tornado a vida cara.
O Sr. Carvalho da Silva: — É a péssima administração do Estado.
O Orador: — Também noutros países se verificou o mesmo fenómeno da depressão cambial, o que não quere dizer que eu não defenda uma política financeira de rigorosa economia.
Se juntarmos a verba gasta para se manter o pão político, vemos que o deficit em 1920 a 1921 ascende a um total de 299:823 contos.
Devo aqui notar que êste deficit prova o cuidado que tem havido em se fazer boa administração, pois se não houvesse essa preocupação, êsse deficit seria maior, visto que os Governos tinham autorizações que lhes permitiam gastar quantias muito superiores às que se acusam.
A dívida pública neste ano é de contos 352:550 e a circulação fiduciária é de 203:229 contos.
Êste aumento da dívida pública não deve assustar-nos.
É o valor nominal das inscrições em que são representados os suprimentos do Banco de Portugal nos aumentos da circulação fiduciária, que dá aqueles números.
A desvalorização da moeda causa principal do deficit, continuava a manter-se, passando a divisa cambial que em 1920 era de 11 9/32, para 7 3/16 em 1921, isto é: a libra passava de 20$70 para 23$24.
Como todos se recordam continuava-se no mesmo regime de instabilidade ministerial e não havia forma de, não digo já resolver o problema, mas nem sequer de o encarar de frente.
Temos depois o ano económico de 1921-1922.
As contas já apuradas acusam uma despesa de 474:166 contos e uma receita de 302:485 contos, de onde resulta um deficit de 171:681 contos.
O deficit vai a 238:827 contos.
Muito diferente é êste deficit do de 400 e tantos mil contos denunciados.
Quanto ao ano que decorre apenas são passados seis meses e não temos ainda elementos seguros para se chegar a uma conclusão.
Não podem os Srs. parlamentares orientar-se pela proposta orçamental saída da Câmara, porque ela foi alterada por leis votadas posteriormente.
Depois de aprovado o Orçamento, foi votado o novo sistema tributário e foram votadas as leis n.ºs 1:355 e 1:356.
Em virtude dessas leis, mesmo que se mantenha o coeficiente 9, a despesa elevar-se há a 15:000 contos mensais.
Analisando os números V. Ex.ªs verão que os deficits não têm sido tam grandes como se acusaram.
Assim, comparando o deficit previsto para o ano económico de 1923-1924 com o de 1922-1923, vemos uma redução de 150:348 contos.
Abatem-se os rendimentos que se eliminaram, na importância de 27:000 contos, visto que o aumento é de 294:130 contos.
Na melhor cobrança de vários rendimentos e pela avaliação mais rigorosa do produto ouro de determinadas receitas chegamos a um aumento de 72:000 contos.
Assim, Sr. Presidente, não é de modo algum aterradora a situação do país, e
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espero que êste deficit, que, sendo grande, não é tam elevado como se previu, seja ainda atenuado com as propostas de lei que dentro de breves dias terei a honra de apresentar à Câmara, remodelando o imposto do sêlo, a contribuição de registo e a taxa militar.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): — Nunca mais acaba!
O Orador: — Não sei mesmo porque há de acabar o aumento dêsses impostos.
Quando se trata de contas do Estado, querem os patriotas que, para pagarem, a moeda seja forte e, para receberem, que seja fraca.
Isto é que é patriotismo!
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva: — No deficit previsto estão incluídos os encargos da dívida à Inglaterra?
O Orador: — Não estão, nem tinham de estar.
Se V. Ex.ª conhecesse a convenção feita, saberia que, precedendo o pagamento da dívida, deverá ser feito um acôrdo para se emitirem títulos de cuja colocação a Inglaterra se encarregará.
Além disso para fazermos face a êsses encargos, temos as indemnizações da Alemanha.
Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Se V. Ex.ª tivesse lido o memorandum apresentado pelo Sr. Bonar Law à Conferência de Paris, teria, visto que há um artigo que se refere especialmente à conta que o Estado português tem com a Inglaterra e que emquanto não recebermos as indemnizações alemãs não temos muito que nos preocupar com o pagamento dessa dívida.
Na análise das receitas o das despesas orçamentais, contamos as despesas normais — e isto faz-se em todos os países — pelo dôbro das de 1914, com o prémio de 100 por cento.
Se não estou em êrro, o número que a Inglaterra está aproveitando como índice de carestia é de cêrca de 107 por cento.
Como V. Ex.ª vê, também consideramos transitórios os aumentos das contribuïções, o que deve alegrar o ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva.
Concorra também S. Ex.ª, como bom português, para a melhoria da situação cambial, o terá as suas contribuïções reduzidas.
Sr. Presidente: era isto o que eu tinha de trazer à consideração da Câmara.
Como disse, não se apresenta de nenhuma forma desesperada a situação do país.
Como se vê mesmo pelos resultados dos dois últimos anos económicos, os deficits são muito inferiores àqueles até onde os Governos podiam ter ido, o que prova que se administrou com seriedade e com critério, tendo sempre em vista os melhores princípios de economia e a maneira de bem servir o país.
O único apêlo que me resta fazer ao Parlamento, visto não haver o pretexto dos anos anteriores, pois que hoje mesmo será distribuído o Orçamento, é o de que a respectiva discussão se inicie quanto antes, de modo a não ter que ser feita de afogadilho.
A discussão do Orçamento tem a maior importância, porque êle se não pode comparar a qualquer conta ou estimativa vulgares, e se fôr feita com as necessárias cautelas e ponderação, muitos benefícios pode trazer para a nação. Apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se autoriza que a comissão do Orçamento reúna durante a sessão.
É autorizado.
O Sr. Luís Amorim (em nome da comissão de correios e telégrafos): — Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar a V. Ex.ª que se acha constituída a comissão de correios e telégrafos, tendo escolhido o Sr. João Pessanha para presidente e a mim para secretário.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se
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permite que a comissão de infracções ao Regimento reúna durante a sessão.
Foi autorizado.
Foi aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
O Sr. Leote do Rêgo: — Começo por mandar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, constatando pelas declarações já feitas pelo Sr. Presidente do Govêrno que se propõe realizar integralmente o programa contido na declaração ministerial de 11 de Dezembro último, passa à ordem do dia.
Sala das sessões, em 15 de Janeiro de 1923. — Leote do Rêgo.
O debate político que deriva da última crise está quási esgotado e a Câmara evidentemente fatigada, mas representando eu nesta Câmara a maior das colónias portuguesas, onde os jornais ainda são escritos em português, onde a moeda é portuguesa e onde milhares de portugueses seguem com a maior atenção o que se passa na política da metrópole desejo ocupar alguns momentos à Câmara.
Serei muito breve, tanto mais que o meu estado de saúde é precário.
Depois de quatro sucessivos encalhes da caravela governativa, ela aparece de novo com o seu ar de que quer navegar a todo o pano e, pelo que se vê, vento de confiança não faltará de todos os lados desta Câmara.
É preciso acentuar, ou antes repetir, visto que o Sr. Cunha Leal já o disse, que as oposições nenhuma responsabilidade têm nos sucessivos encalhes, os quais foram em fundo de areia.
Novamente se apresentou, como Chefe do Govêrno, o Sr. António Maria da Silva.
As minhas saüdações para os antigos e novos tripulantes da caravela e em especial para o Sr. António Maria da Silva.
Não somos correligionários, mas somos velhos amigos e, mesmo que o não fôssemos, uma cousa me prende a S. Ex.ª: é a solidariedade que para todo o sempre liga os homens sôbre cuja cabeça desabou um dado momento a injusta calamidade de acintosas perseguições políticas. Essa solidariedade só não liga para todo o
sempre aqueles que não têm carácter e são na sociedade os vagabundos, os cretinos ou microcéfalos.
Faz justamente agora um ano que tomou conta do Poder o Govêrno saído do Partido Democrático. Êsse partido foi e continua a ser o maior da República, embora Sidónio Pais e o malogrado Machado Santos tivessem pretendido destruí-lo.
E certo que êsse partido, quando foi chamado ao Poder, estava privado do seu antigo chefe que sem dúvida por razões ponderosas ainda hoje se encontra ausente, para além dos Pirinéus. Assumiu a presidência dêsse Govêrno o Sr. António Maria da Silva.
E indubitável que durante oito meses êsse Govêrno prestou grandes serviços ao país.
Os grandes problemas, cuja solução é instantemente reclamada por todos, não tiveram, como seria para desejar, a devida solução, mas não há duvida, de que o Sr. António Maria da Silva conseguiu uma cousa importante que foi o estabelecimento, quanto possível, da ordem pública, resolvendo-se aquelas questões que se tornavam irritantes.
S. Ex.ª conseguiu ainda sensatamente estabelecer uma plataforma que tornou possível a colaboração das direitas desta casa.
Foi assim que nós vimos depois de tantos anos os orçamentos aprovados e a estabilidade governativa mais ou menos assegurada.
Os nossos amigos no estrangeiro — que os temos ainda, graças a Deus — ficaram bem satisfeitos.
As carpideiras internacionais, aquelas que no estrangeiro tanto se preocupam em fazer crer que em Portugal é um foco permanente de indisciplina social, política e financeira, ficaram sem braços.
Contudo houve quatro encalhes.
Embora admire muito a coragem do Sr. António Maria da Silva, em pretender continuar ao leme da caravela, eu que sou seu amigo e não desejo de maneira nenhuma que fique inutilizado, a fim de poder no futuro formar Govêrno, dir-lhe hei que devo fazer uma associação política que todos sabem ser necessária.
Mas, emfim, S. Ex.ª o Sr. Presidente do Ministério ouve bradar os seus amigos: governe,
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É conhecida a frase de que «governar é transigir», mas transigir não é deitar remendos ora para a direita ora para a esquerda, passar a vida a rodear dificuldades.
Com certeza que isto não é governar.
Governar é ter com firmeza o leme na mão, sempre a meio, como se diz na minha arte, ir ao encontro dos acontecimentos, e não esperar que êles venham atropelar-nos.
É promulgar medidas que não sejam apenas de poucos dias, para as suprimir e agradar a quem quer que seja.
Disse um parlamentar francês notável, que na hora grave que atravessa o mundo, se deve dar passagem ao adversário, dando lugar às competências.
O Sr. Cunha Leal disse outro dia que o Sr. Presidente do Govêrno tinha ido fazer a sua caçada para a recente tripulação da caravela, mas esqueceu-se de dizer que — o que eu vou dizer agora — S. Ex.ª tinha feito essa caçada da tripulação na Escola Naval. Nada menos de três lentes.
Assim se tiver dificuldades poderá passar o Cabo Tormentoso.
Tem três Pêros de Alenquer de primeira qualidade.
Um meu ilustre amigo, tam meu amigo que até na marinha é conhecido pelo pequeno Leote, o Sr. Jaime de Sousa, disse outro dia também, e com muita razão, que há o mau hábito de atacar sistemàticamente os Ministros, e que os homens que se sentam naquelas cadeiras são imediatamente tratados como réus.
Tem razão, mas também é verdade que os homens que ali se sentam não devem sair à primeira investida. Espero que os actuais correligionários do Sr. António Maria da Silva poderão agüentá-lo no balanço, e vir discutir e mostrar que tem razão nas medidas que apresenta.
Um dos novos tripulantes da donairosa caravela é o meu querido amigo Sr. João Camoesas, pequeno em corpo, mas grande na alma.
Recordo sempre com emoção o nosso encontro no estrangeiro, há dois anos, quando S. Ex.ª regressava de uma conferência de trabalho na América. S. Ex.ª disse-me que tinha visto milhares de portugueses que mostravam naquele grande país as suas qualidades de trabalho e virtudes cívicas, pràticamente, mas sempre, e através de tudo, grandes portugueses.
Pois bem, os portugueses que estão no estrangeiro, V. Ex.ª o sabe, nunca deixam de ser portugueses.
Quer V. Ex.ª esteja no Poder três meses ou três anos, V. Ex.ª mande os alunos das escolas à América, à Inglaterra, à França, que quando regressarem de lá, cabeça bem levantada, olhar firme, ao passarem nas artérias de Lisboa, farão fugir essas multidões de ineptos que pejam as praças públicas, que não são cousa nenhuma senão degenerados.
Êsses hão-de constituir a verdadeira ala de namorados.
O Sr. Ministro das Colónias, o mesmo Sr. Rodrigues Gaspar, parece manter a mesma atitude do silêncio.
Bem fez pois, em fazer aqui revelações sôbre a África do Sul.
S. Ex.ª apresentou um documento realmente interessante, verificando-se que êsse documento tinha estado a ser gozado em família durante quási um mês.
S. Ex.ª afirmou que é um homem honrado, o que ninguém havia contestado ainda, que morava numa casa pequena, e por fim, disse que o meu discurso fazia lembrar aqueles ramos compostos de pequenas flores.
Não são ricas, são até modestas, não têm perfume, mas há umas flores que eu nunca, emprego: as que envenenam, como aquelas da árvore de «Africana» com que morreu a preta.
S. Ex.ª não disse absolutamente nada do que se havia passado.
O Sr. Brito Camacho que não é da confraria do silêncio (Apoiados), já disse em entrevistas mais alguma cousa que S. Ex. a.
Quanto o Sr. Ministro da Marinha eu aproveito a ocasião para prestar aqui a minha homenagem a êsse excelente camarada que embora não tenha feito a sua carreira no mar, é um grande carácter, um homem que durante o período da guerra compreendeu perfeitamente o seu dever, acompanhando de perto os seus camaradas, pelo que não faltou à marinha cousa alguma do que era necessário.
O Sr. Ministro da Marinha, Sr. Presidente, colaborou muito no raid ao Brasil; porém o que é um facto é que a nossa marinha de guerra carece de que olhem para ela com olhos de ver, dando-lhe os
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navios que lhe faltam e que lhe podem ser úteis para o serviço das nossas colónias, isto se bem que não haja razões de queixa do Parlamento, pois, que ainda há dois anos se votaram oito mil contos para adquirir seis cruzadores iguais ao República e ao Carvalho de Araújo, navios próprios para o serviço das nossas colónias.
Ainda não há muito, Sr. Presidente, me disse um almirante francês que, depois da guerra, a marinha de guerra que tinha ficado com um papel perfeitamente definido e preciso era a portuguesa.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que se tem pensado em tudo menos na marinha, para a qual não se tem adquirido ùltimamente nem sequer um bote.
Sr. Presidente: nem na declaração ministerial, nem nas declarações feitas depois pelo Sr. Presidente do Ministério, se fez a mais pequena referência ao assunto, tendo apenas os jornais falado na viagem do Chefe do Estado às Colónias.
Ninguém, Sr. Presidente, neste País tem maior consideração e respeito por essa alta individualidade, que é o Chefe do Estado, que ainda não há muito deu as melhores provas na sua viagem ao Brasil, e assim o meu maior desejo será que S. Ex.ª não só vá a Angola, como a todas as nossas colónias.
Dada, porém, a situação em que se encontra o mundo inteiro, isto é, à situação em que se encontra actualmente a Inglaterra, a França e a Alemanha, eu não vejo possibilidade de um Chefe do Estado se poder ausentar do seu País por três, quatro ou cinco meses.
O Sr. Millerand que também foi visitar uma colónia francesa, a Argélia, tinha um cruzador à sua disposição que o transportava à Europa em 24 horas.
O Sr. Ministro das Finanças disse o bastante para mostrar que o nosso erário não abunda em dinheiro.
Em toda a parte do mundo se estão fazendo economias.
O Rei de Inglaterra vendeu o seu hiate privando-se do seu prazer habitual de regatas.
Em toda a parte se fazem economias.
Segundo leio nos jornais de Angola prepara-se naquela província uma luxuosa recepção ao Sr. Presidente da República.
Eu corro o risco de cair no desagrado dos meus eleitores de Angola, mas devo dizer que êsse dinheiro melhor fôra que o empregassem na compra de rails para mais alguns quilómetros de caminho de ferro.
Todo êsse dinheiro que se vai gastar melhor fôra que o empregassem para terminar êsse edifício da Maternidade que está sem janelas e prestes a derruir antes de terminado, ou que o dessem aos directores dos hospitais, onde não há nem pensos nem medicamentos.
Lamento não ver presente o meu querido amigo Sr. Dr. Domingos Pereira, ilustre Ministro dos Estrangeiros, para lhe preguntar o que pensa êle acerca da política europeia, mas está presente o Sr. Presidente do Ministério, que certamente me vai responder, mas não diga S. Ex.ª que nesta matéria somos apenas satélites que gravitam na órbita do grande planeta que é a nossa velha aliada.
Vou terminar e lamento que não tivesse hoje grangeado amigos, mas quando eu morrer ficarei satisfeito se na minha campa puserem um epitáfio que diga «aqui está um homem que não quis ser Ministro nem nunca poderá ser Alto Comissário de Moçambique, porque se pronunciou contra a gente da África do Sul».
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. Leote do Rêgo.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro, do Interior (António Maria da Silva): — Vou responder, em poucas palavras, aos Srs. Carvalho da Silva, Sá Pereira, Dinis da Fonseca e Leote do Rêgo, e vou responder em poucas palavras porque os assuntos tratados por S. Ex.ªs já foram por mim versados quando anteriormente usei da palavra.
Sôbre o ensino religioso, declarei aqui na Câmara, em voz que devia ter sido ouvida por todos, que logo que foi apresentada pelo Sr. Leonardo Coimbra a sua idea eu lhe expus as dificuldades que haveria em tratar o problema tal como S. Ex.ª pensava, pois que já nesta Câmara se tinha rejeitado a apresentação dum projecto sôbre o assunto, por inconstitucional.
Não se colocando a questão em termos diversos daqueles em que S. Ex.ª pensa-
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va, podia levantar-se a questão da constitucionalidade e não podia o Govêrno tomar qualquer compromisso sôbre uma questão que a Câmara já considerara inconstitucional, mas que havia alguma cousa de interessante em chamar a atenção da Câmara para o assunto.
Quando fui procurado por uma comissão composta de várias pessoas, entre elas o Sr. Magalhães Lima e o Sr. Graínha, que ia chamar a atenção do Govêrno, pela pasta do Interior, para o desenvolvimento que estavam tendo, no entender dessas pessoas, as instituïções congreganistas, eu procurei saber por quem o podia fazer, por ter meios eficazes, quais eram essas instituïções e os locais em que se reuniam e o Govêrno encarregou o Sr. Graínha de proceder aos devidos estudos.
Nessa altura da questão posta pelo Sr. Leonardo Coimbra foi-me dito pelo Sr. Graínha que achava inconveniente tratar-se do assunto, pois que isso iria prejudicar os trabalhos que tinha entre mãos e diligências das autoridades administrativas.
O Sr. Leonardo Coimbra dizia que era necessário respeitar a lei e seguir o que estava na declaração ministerial.
Ficaria, portanto, para depois resolver o Parlamento a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de qualquer diploma.
Isso é que era necessário, porque se houvesse uma acção do Govêrno mal compreendida, como podia ser por tanta gente no país, diriam logo que se queria atentar contra as crenças religiosas.
Àpartes.
Eu devo dizer que nos dirigentes das instituïções católicas não tenho encontrado intenções prejudiciais à República.
Quanto ao problema da regulamentação do ensino religioso ser ou não constitucional, de terem razão os que dizem que é, ou de terem os que dizem que não é, o Govêrno já respondeu quando foi apreciada essa parte da declaração ministerial, e devo dizer que essa parte também interessa ao Govêrno, que não deseja cultivar as lutas religiosas, que seriam de muito agrado para os inimigos das instituïções.
Desta forma creio ter respondido também às considerações aqui feitas pelo ilustre Deputado o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — O que eu desejava era que V. Ex.ª me dissesse se o Govêrno julga ou não inconstitucional o ensino religioso.
A esta pregunta é que eu desejava que V. Ex.ª me respondesse.
O Orador: — O que eu devo dizer a V. Ex.ª é que é ao Congresso que compete pronunciar-se sôbre o assunto, única entidade, a meu ver, que se poderá pronunciar sôbre êle, isto é, se considera ou não inconstitucional o ensino religioso.
Nessa ocasião, e só nessa, é que o Govêrno mostrará a sua opinião.
Não vejo que haja necessidade nem seja oportuno o Govêrno estar a antecipar a sua opinião sôbre o assunto.
Nesta altura estabeleceu-se um diálogo entre o orador e o Sr. Carvalho da Silva, que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Quando chegar essa ocasião não terei dúvida alguma em discutir com V. Ex.ª o assunto.
O Sr. Carvalho da Silva: — Eu não sei se S. Ex.ª é ou não católico, mas quero crer que o seja, visto que ainda não há muito assistiu a um acto religioso, isto é, à missa resada quando se fez a imposição do barrete cardinalício.
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.ª que meramente por um acaso, não assisti a essa missa; no emtanto passo a dizer a V. Ex.ª que não só eu, como o autor da Lei da Separação, assistimos à missa que se resou na Batalha, quando do Soldado Desconhecido, e nem por isso nos caiu em cima o templo.
Não é a ocasião oportuna para se ressuscitarem lutas religiosas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mas a declaração ministerial já não dizia o mesmo.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Primeiro atearam, mas abdicaram, quando a maioria da Câmara estava ao lado de V. Ex.ª
O Orador: — Muita gente houve, e eu não me refiro a V. Ex.ªs, que quis pôr em evidência o que havia de mais honesto na declaração ministerial.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Então porque razão saiu o Sr. Leonardo Coimbra?
O Orador: — Ninguém está aqui nestas cadeiras obrigado e desde que entre o Sr. Leonardo Coimbra e outros Ministros se manifestou divergência S. Ex.ª entendeu que devia sair.
Devo dizer ao Sr. Sá Pereira que estou de acordo com S. Ex.ª com respeito à maior parte do seu discurso, mas fez S. Ex.ª referências concretas a que eu vou responder.
Afirmou S. Ex.ª que havia funcionários que recebiam pelo coeficiente 9 e outros pelo coeficiente 12.
Posso afirmar que não se pagou a ninguém pelo coeficiente 12.
Disse S. Ex.ª que houve funcionários públicos que foram subornados.
Se S. Ex.ª tem conhecimento de qualquer facto concreto o Govêrno agradece que lho indiquem para tomar as devidas providências.
Infelizmente as indicações que nos fornecem são, na maioria dos casos, imprecisas.
Falou S. Ex.ª no caso do vapor Lima.
O Sr. Ministro do Comércio tenciona apresentar uma proposta ao Parlamento, para mais ràpidamente se liquidar a questão dos Transportes Marítimos do Estado.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — A proposta creio que não é motivada pelo facto de alguém querer pôr pedra sôbre o assunto, pois não houve o intuito de impedir que a justiça se pronunciasse, mas o que é certo é que as sindicâncias há muito deixaram seus resultados.
O Orador: — Eu não quero cansar a atenção da Câmara sôbre êste assunto, tanto mais que até os próprios despachos ministeriais são já do domínio público.
Quando em 27 de Setembro o Sr. Ministro do Comércio, Lima Basto, levou a Conselho de Ministros o requerimento da companhia que explora a navegação para os Açores, S. Ex.ª teve ensejo de informar o Conselho das razões que determinaram o requerimento dessa companhia e da forma como julgava que se devia resolver o assunto.
Eu não posso apresentar-me como autoridade na interpretação de textos jurídicos, mas, pelo menos, com a prática que tenho dêstes casos e até pelo que tenho ouvido a abalizados professores, julgo que um parágrafo nunca pode apresentar-se em qualquer circunstância como estabelecendo a mesma doutrina que está no corpo do artigo respectivo.
Tenho mesmo ouvido dizer que os parágrafos fazem excepção, ampliação ou restrição das doutrinas dos artigos respectivos.
Todavia, algumas leis dão lugar a confusões lamentáveis, quanto é certo que elas deviam ser feitas por forma que qualquer cidadão da República, que soubesse ler, as compreendesse.
Mas tenho ouvido dizer tanta cousa a propósito da venda do Lima, que já não sei o que pensar!
Entretanto, os antecedentes que deram lugar a essa venda, são aqueles a que se referiu o Sr. Lima Basto; e não sofreram a mais pequena deminuïção no seu brio aqueles Senadores que os propuseram, pretendendo assim estabelecer uma determinada doutrina para favorecer a navegação para os Açores. Foi então, o Sr. Lima Basto, no Senado, que encontrou essa legislação um pouco ambígua, não compreendendo os desejos dos ilustres representantes das ilhas.
Mas isto tudo foi feito às claras e foi o que o Sr. Ministro levou ao Conselho de Ministros. Nós não podíamos ser mais papistas do que o Papa!
Como se compreende, portanto, a campanha contra os homens da República e contra o próprio regime, que se tem feito a propósito da venda do Lima?
Esta fórmula de combate com navalha de ponta e mola, que se usa na política portuguesa, julgando os que nos atacam estarem sempre senhores da máxima moralidade, tem de acabar para bem de todos.
Estou a ver que neste caso o Sr. Fernando Brederode teve carradas de razão ao ir-se embora enojado com tudo isto, tendo o nojo que é natural que tenha um homem de bem, quando lhe querem atirar com lama.
Não se satisfazem essas pessoas com a informação dos Lloyds! Com uma avaliação a que não escapou absolutamente na-
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da, em que a mais pequena cousa do barco, foi analisado; além disso o Conselho de Ministros deliberou que um dos seus membros, o Sr. Ministro da Marinha, pedisse a um engenheiro para estudar e analisar o caso e dizer da sua justiça.
Em parte alguma do relatório dêsse engenheiro se diz que o barco valia 2:500 contos.
Toda a gente que conhece os documentos, fazendo tal afirmação, deturpa a verdade.
Apoiados.
O barco foi vendido pelo que êle realmente valia no estado em que se encontrava.
Se qualquer objecto do mobiliário da minha casa estiver danificado vale uma certa importância, certamente que se o mandar arranjar vale uma importância maior.
Por último, Sr. Presidente, referindo-me às palavras produzidas pelo ilustre Deputado Sr. Leote do Rêgo, que tratou do assunto, tenho a dizer que S. Ex.ª produziu várias afirmações, fez crítica; fez análise como se o Governo se tivesse apresentado de novo, quando afinal de contas do que se trata é de apresentar novos Ministros e dar as explicações que fundamentam a sua apresentação.
Agradecendo a S. Ex.ª, assim como a todos os ilustres Deputados que usaram da palavra, cumprimentando as pessoas dos novos Ministros e as palavras agradáveis que me dirigiram, devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que esta moção está redigida em tais termos que só tenho de me congratular com S. Ex.ª
Se realmente todos os ilustres parlamentares de uma e outra casa do Congresso fazem votos para que o Govêrno procure realizar tudo quanto se contém na declaração ministerial, e, se como foi aqui dito, isso levaria muitos anos dá-me a impressão de que S. Ex.ªs esperam que êste Govêrno se conserve por muitos anos no poder.
Só tenho de me congratular com êsse facto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: apesar de se dizer que em vários lados da Câmara, e nomeadamente na maioria, havia o propósito de se tratar do caso do vapor Lima, foi êste lado o único que se pronunciou sôbre tal assunto!
Entendi eu, pois, Sr. Presidente, que não podia, por decôro próprio e por decôro do próprio Parlamento, deixar passar em julgado as espantosas considerações que acabam de ser feitas pelo Sr. Presidente do Ministério, que apesar de envolverem insinuações, acusações graves, comentários desprimorosos, se mantiveram como de costume, naquelas costumadas reserva e confusão com que S. Ex.ª costuma tratar os assuntos nesta casa do Parlamento!
S. Ex.ª tem obrigação — e eu desde já declaro que não prescindo do uso do direito de o exigir — de dizer a quem pretendeu referir-se, nas suas destrambelhadas afirmações, quando pretendeu insinuar que da parte de quem se ocupara, aqui ou na imprensa, do caso do vapor Lima, havia apenas o intuito de caluniar os homens da República e não o de conseguir que se fizesse inteira luz acêrca do falado negócio.
Lamento que da parte do chefe do Govêrno nunca haja aquela atenção que a própria delicadeza impõe quando se trata de assuntos graves sôbre os quais S. Ex.ª tem de se pronunciar.
Se o houvesse, S. Ex.ª teria mais cuidado naquilo que diz.
Se as insinuações visavam êste lado da Câmara, repilo-as, devolvendo-as intactas ao Sr. António Maria da Silva.
Se o Sr. Presidente do Ministério tivesse ouvido o discurso que fiz, decerto não teria dito o que disse, e que revela inteira ignorância do assunto.
S. Ex.ª falou em navalhas de ponta e mola, e fez várias alusões injuriosas para um jornal que não segue as doutrinas dêste lado da Câmara.
Ora a expressão «navalha de ponta e mola», foi empregada pelo Sr. Lima Basto em alusão a correligionários seus!
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (interrompendo): — Eu costumo ser claro no que digo.
Não sei quem fez a apreciação de que o acto praticado tinha a sanção do Conselho de Ministros e que êle representava uma imoralidade.
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Devolvo essa afirmação, chamando caluniador a quem quer que seja que a fez. Àpartes.
O Orador: — Eu sustentei e demonstrei que o despacho do Sr. Lima Basto era ilegal e se V. Ex.ª falasse com os Srs. Senadores que propuseram o artigo em que o despacho se baseou, êles manifestar-lhe-iam a mesma opinião.
O vapor só devia ser vendido em hasta pública. Eu sustentei mais que o preço fixado para a venda do Lima era baixo.
Um ilustre Deputado republicano, que ao mesmo tempo foi quem dirigia a apreensão dos navios alemães, declarou-me que o vapor Lima era dos melhores navios e dos mais procurados.
Ora se foi vendido por 1:600 contos, por que preço serão vendidos os outros?
S. Ex.ª tivesse estado presente e atento teria ouvido também que eu prestei homenagem ao Sr. Fernando Brederode.
Do que ouvi ao Sr. Presidente do Ministério conclui que o Sr. Brederode entende que foi legal a doutrina seguida.
Não compreendo, então, porque abandonou S. Ex.ª o Govêrno, sem ao menos vir ao Parlamento dar explicações sôbre o seu procedimento.
Se realmente fôsse um acto legal, que tinha o Sr. Brederode que importar-se com a lama que lhe poderiam atirar?
S. Ex.ª, em lugar de dar entrevistas aos jornais, vinha ao Parlamento explicar o seu procedimento.
Prestei também homenagem às boas intenções da comissão liquidatária. Provei-o com exemplos que o Sr. Presidente do Ministério não conseguirá destruir.
S. Ex.ª também não consegue convencer ninguém de que, para fazer reparações em um navio que está navegando, seja preciso gastar nada mais nada menos do que 900 contos.
Portanto, Sr. Presidente, lamento as palavras inconvenientes do Sr. Presidente do Govêrno, e que, aliás, não encontraram de parte da Câmara, e até mesmo da maioria, o mesmo aplauso que aquelas que eu proferi.
Não admitimos insinuações de quem quer que seja, e muito menos de quem ocupa aquele lugar. O Sr. Ministro deve respeitar os outros, para que o respeitem também. Tenho dito.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: foi com surprêsa que tive conhecimento por umas palavras proferidas pelo orador que acaba de falar, que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Ministério tinha feito referências pouco amáveis às pessoas que haviam tratado na imprensa do caso da venda do vapor Lima. Eu fui uma dessas pessoas e devo dizer a V. Ex.ª e ao Sr. Presidente do Ministério que tratei do caso da venda do vapor Lima, expondo o meu ponto de vista sôbre êsse assunto, com aquela correcção e maneira de proceder que costumo usar sempre em todas as questões que trato.
A quando da discussão dos Transportes Marítimos disse o meu ponto de vista, disse o que pensava tanto na imprensa como no Parlamento sem agravos pessoais para quem quer que fôsse.
Sôbre o caso do vapor Lima entendo que êste não devia ter sido vendido senão em concurso, entendo que o § 2.º do artigo 6.º da lei que autoriza o Govêrno a proceder à liquidação dos Transportes Marítimos não era de molde a permitir que se fizesse a venda do dito vapor Lima sem concurso. É um ponto de vista meu, pessoal, que não envolve qualquer ofensa para os Ministros que procederam de maneira diferente. Respeitei sempre a opinião dos outros, não lançando lama para cima de quem quer que fôsse, e por isso devolvo à origem aquela que queiram lançar sôbre mim, pelo motivo de negar o meu apoio a êsse acto praticado pelo Govêrno.
Sr. Presidente: eu defendi desde a primeira hora, como é do conhecimento geral, na questão dos Transportes Marítimos, o princípio do concurso público. Êste princípio, apesar de muito combatido pelo Ministro Sr. Lima Basto, ficou, todavia, na lei como princípio fundamental da mesma.
Uma lei, salvo o devido respeito, não se interpreta analisando-se só um parágrafo, deve ser analisada no seu conjunto.
O concurso público era a regra geral que, a meu ver, devia ter sido seguida. Nada autorizava o contrário.
Mas pelo facto de outras pessoas pensarem de maneira diferente não quer dizer que eu pretenda lançar lama sôbre elas. Não é, nem foi êsse o meu propó-
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sito, ditando as palavras da entrevista publicada pelo jornal O Século. Por conseqüência não me podem ser aplicadas as alusões que há pouco fez o Sr. Presidente do Ministério.
Não levantei nem levanto suspeições.
Discordo da maneira como se procedeu e mais nada.
Neste caso da venda do vapor Lima se o concurso público se tivesse realizado os homens públicos que nela intervieram não teriam ficado inteiramente ao abrigo das suspeições a que se refere o Sr. Presidente do Ministério?
Era eu pois quem estava com a razão.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Uso novamente da palavra apenas por uma atenção pela Câmara e, muito especialmente, pelo Sr. Velhinho Correia, e não porque eu me sinta na obrigação de apontar aqueles a quem serve a carapuça que talhei.
Eu referi-me simplesmente àquelas pessoas que, mostrando ter tam pouca consideração pela honra alheia, provam ter ainda menos pela sua própria.
Refiro-me a todos que levianamente, e muitas vezes inconscientemente, pretendem anavalhar a reputação dos outros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou comunicar à Câmara as seguintes substituïções nas comissões do Regimento, de finanças, de infracções e faltas e de instrução superior:
Comissão do Regimento:
João Queiroz Vaz Guedes substituído por Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Comissão de finanças:
Abranches Ferrão substituído por Fausto de Figueiredo.
Comissão de infracções e faltas:
Rocha Saraiva substituído por Lúcio dos Santos.
Comissão de instrução superior:
Rocha Saraiva substituído por Lúcio Martins.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Ainda estão inscritos dois Srs. Deputados para falarem sôbre o assunto que está em ordem do dia, mas, como está a chegar a hora de se encerrar a sessão, eu vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: vi nos jornais uma notícia que diz que o Govêrno pensa dissolver as câmaras municipais de Elvas e Castelo Branco, com o fundamento de se ter dado o caso de, numa das suas primeiras sessões, ter sido considerada inoportuna a apresentação, que foi feita por alguns vereadores republicanos, duma moção de saudação ao Chefe do Estado, visto que as câmaras municipais são destinadas a administrar e não a fazer política.
Evidentemente que em nenhuma câmara municipal se poderá pensar fazer qualquer acto de menos respeito para com o Chefe do Estado, mas também não deve entender-se que elas devam ocupar-se de assuntos que tenham carácter político, quando o necessário é fazer boa administração para que as cousas saiam do mau caminho que têm trilhado.
Creio que uma semelhante notícia carece em absoluto de fundamento, pois o Govêrno cometeria uma arbitrariedade, visto que não há lei alguma que lhe permita fazer a dissolução das câmaras municipais.
Desejo que o Sr. Presidente do Ministério me diga o que há a tal respeito.
Aproveito ainda, Sr. Presidente, a ocasião para protestar contra os factos que se passaram em Abrantes e Oliveira de Azeméis a quando da posse das câmaras municipais, em que teve de intervir a fôrça pública para impedir que os eleitos do povo tomassem conta dos seus lugares.
Já que estou com a palavra, Sr. Presidente, aproveito a ocasião para dar umas explicações à Câmara sôbre umas palavras aqui proferidas, na sessão transacta, pelo ilustre Deputado o Sr. Lino Neto, que lamento não ver presente.
Devo dizer, Sr. Presidente, que tanto
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eu, como o ilustre Deputado o Sr. Morais Carvalho, entendemos que o Sr. Lino Neto havia declarado que achava inconstitucional o ensino religioso, e assim, tendo tido uma conversa com um redactor dum jornal, expus-lhe o que se havia passado, razão por que êsse jornal se referiu ao assunto.
Confesso que foi em virtude dessa conversa que êsse jornal narrou o facto, que, aliás, já aqui foi desmentido pelo Sr. Lino Neto.
O Sr. Lino Neto já teve ocasião, na sessão de ontem, de esclarecer o sentido das suas palavras; porém, eu não queria deixar de dizer francamente à Câmara e a S. Ex.ª que tinha sido eu, involuntàriamente, o causador de tal notícia.
Repito: fui eu o responsável, involuntàriamente, dessa notícia, que, aliás, já se acha lealmente desmentida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que ouvi com atenção as considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, relativamente à posse de algumas Câmaras Municipais, e devo dizer que o Govêrno vai apurar o que há de verdade a tal respeito, pedindo depois as responsabilidades a quem de direito e nos termos legais.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: antes de referir-me aos dois assuntos para que principalmente pedi a palavra, eu devo dizer ao Sr. Presidente do Ministério que o Govêrno relativamente à posse das Câmaras Municipais saltará por cima da lei dissolvendo os corpos administrativos.
Não pode servir de argumento, Sr. Presidente, o facto de o Presidente da Mesa não ter querido fazer uma saüdação ao Chefe do Estado.
Peço ao Sr. Ministro do Comércio a sua atenção para êstes dois factos.
O primeiro refere-se às reclamações que estão sendo apresentadas contra o decreto recente que aumenta as taxas postais. É mais um novo imposto que foi criado, e que trouxe descontentamento pelo que respeita à correspondência no País e no estrangeiro, nomeadamente para o Brasil, com quem pretendemos manter estreitas relações.
Não se compreende esse aumento para as cartas, sendo impossível, em certos casos, escrever postais.
O outro é o estado das estradas nomeadamente no distrito de Aveiro.
Dá-se a circunstância de ser o distrito de Aveiro uma região de turismo.
Pedia que essas estradas tivessem a devida reparação.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Respondendo às considerações do Sr. Cancela de Abreu, em primeiro lugar agradeço os cumprimentos que me dirigiu.
Quanto ao agravamento das taxas postais, suponho que há a atender a duas razões: à maneira de actualizar os valores, outra à injustiça relativa que possa haver no agravamento das taxas.
Estou com a maior liberdade para apreciar o assunto que não é da minha responsabilidade.
Verei se realmente alguma deminuïção será possível fazer-se.
Com relação às estradas devo lembrar que está pendente uma proposta de lei para a reforma dos serviços das estradas.
Não tenho dúvida nenhuma em, como Ministro do Comércio, concorrer para que se discuta o assunto, e empregarei assim todos os esforços para que a proposta seja discutida.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã às 14 horas.
A ordem do dia é a mesma de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Dos Srs. Francisco Cruz, Bernardo Ferreira de Matos e Lúcio Martins, auto-
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Diário da Câmara dos Deputados
rizando o Ministério da Agricultura a ceder ao da Guerra para construção da messe de Tomar, 350 metros cúbicos de madeira.
Para o «Diário do Governo».
Constituïção de comissões
Correios e telégrafos:
Presidente — João Pedro de Almeida Pessanha.
Secretário — Luís da Costa Amorim.
Para a Secretaria.
Orçamento:
Presidente — Portugal Durão.
Secretário — Tavares Ferreira.
Para a Secretaria.
Obras Públicas e Minas:
Presidente — Aníbal Lúcio de Azevedo.
Secretário — A. Garcia Loureiro.
Para a Secretaria.
Colónias:
Presidente — Paiva Gomes.
Secretário — Delfim Costa.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — Herculano Nunes.