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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 22
EM 23 DE JANEIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.
É lida a nota, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares Ferreira reclama, em nome da Câmara de Alpiarça, com respeito à falta de professores nas escolas.
Responde o Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas).
O Sr. Alves dos Santos insta por documentos que requereu, reclama contra o facto de ainda não terem sido trasladados para a metrópole os restos mortais do falecido professor António Aurélio da Costa Ferreira e de ainda não ter sido adquirido o Cancioneiro Brancuti.
Responde o Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Valentim Guerra mostra a necessidade de o concelho de Miranda do Douro ser incluído na zona especial de protecção económica.
Responde o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Carlos de Vasconcelos trata de assuntos de interêsse para a província de Cabo Verde.
Responde o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Alberto Cruz requere que entre em discussão o parecer n.º 176.
O Sr. Presidente dá explicações sôbre a ordem dos trabalhos.
Acêrca do requerimento do Sr. Cruz usam da palavra sôbre o modo de votar, os Srs. Pedro Pita e Mirais de Carvalho.
É aprovado o requerimento, e, usando da palavra sôbre o parecer o Sr. Pedro Pita, suspende as suas considerações por ser a hora de se passar á
Ordem do dia. — Continuação do debate sôbre as subvenções ao funcionalismo público.
É autorizada a comissão de finanças a reünir durante a sessão.
Usam da palavra os Srs. Pedro Pita, Carlos Pereira, Ginestal Machado, Lino Neto e António Correia.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Projectos de lei. Pareceres. Um requerimento.
Abertura da sessão às 14 horas e 25 minutos.
Presentes 38 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 31 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Augusto Tavares Ferreira.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.

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Diário da Câmara dos Deputados
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernado Ferrreira de Matos.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eugénio Rodrigues Aresta.

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Sessão de 23 de Janeiro de 1923
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Leonardo José Coimbra.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Ás 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 14 horas e 25 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta de seguinte
Expediente
Representações
Da Comissão de Melhoramentos dos Reformados dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, pedindo subvenção igual à dos seus camaradas do efectivo.
Para a comissão de caminhos de ferro.
De várias praças reformadas da Divisão de Reformados da Armada, pedindo para ser elevada de $20 a 2$30 a ração a dinheiro.
Para a comissão de marinha.
Telegramas
Das câmaras municipais de Coimbra e Silves, pedindo a aprovação do projecto de lei que eleva a 30 por cento as percentagens sôbre contribuïções directas do Estado.
Para a Secretaria.
Dos sargentos de Braga e de Mafra, pedindo protecção para o projecto beneficiando a sua classe.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Professores do Pôrto, protestando contra umas afirmações do Sr. Ministro das Finanças no Parlamento, e pedindo a aprovação do parecer n.º 131.
Para a Secretaria.
Do párocho, presidente da Associação Comercial e Industrial, presidente do Senado e delegado de Vila Real de Santo António, apoiando as reclamações sôbre ensino religioso.
Para a Secretaria.
Das Juntas de Freguesia de Sagres, S. Pedro de Faro e Couço de Coruche, pedindo o livre ensino religioso nos colégios particulares.
Parada Secretaria.
De vinte e cinco tenentes da guarnição de Chaves, pedindo para ser aprovada a lei de promoções n.º 1:340.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: a pedido da Câmara Municipal do concelho de Alpiarça quero chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução Pública para o que vou expor.
No ano findo, devido à má interpretação dum artigo dum decreto publicado em Fevereiro de 1920, matricularam-se em vários cursos de habilitação para o magistério primário superior muitos professores primários efectivos, entre os quais alguns da área do concelho de Alpiarça. Vários abusos, apurados num inquérito que foi feito, obrigaram o Ministro da Instrução Pública do tempo a mandar regressar a maior parte dêsses professores, visto que se tinham matriculado sem licença das entidades respectivas.
Entre êsses abusos, devo citar o de estarem matriculados no Conservatório Nacional de Música 27 ou 28 professores, e o de ser limitado o seu número nas Escolas Primárias Superiores.
Nestas circunstâncias, foram, como disse, mandados regressar quási todos os professores, excepto aqueles que freqüentaram cursos existentes nas mesmas localidades e que fôssem compatíveis com os horários das Escolas Primárias Superiores.
Quero ainda citar um facto interessante, qual é o de estarem matriculados na Escola Normal cêrca de 28 professores, e no fim do ano apenas 5 ou 6 se sujeitaram ao exame final. Isto apenas demonstra que a maioria dos professores se matricularam nos cursos superiores, não para adquirirem novos conhecimentos, mas sim para viverem em Lisboa, recebendo, no emtanto, os seus ordenados.
Sr. Presidente: isto representa um prejuízo não só para o ensino, mas também para o Estado, porquanto cada professor custa cêrca de 10 contos, ou sejam 5 contos de ordenados e 5 contos para pagamento aos professores interinos.
Como V. Ex.ª vê, Sr. Ministro da Instrução Pública, êste problema é grave, e a Câmara Municipal de Alpiarça, tendo conhecimento de factos que se passaram a dentro da área do seu concelho, encarregou-me de chamar a atenção do Govêrno para que providências sejam tomadas. Espero, pois, que S. Ex.ª tome na devida consideração as palavras que acabo de proferir.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: ouvi as considerações do Sr. Tavares Ferreira, e devo dizer que as vou tomar na devida consideração.
O orador não reviu.
O Sr. Alves dos Santos: — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que uso da palavra depois que o Sr. João Camoesas assumiu as responsabilidades da pasta da Instrução Pública, apresento-lhe os meus cumprimentos e peço-lhe desde já o favor de providenciar por forma a que, das repartições da Direcção Geral do Ensino Secundário, me sejam enviados vários documentos que há cêrca de quatro meses pedi, no intuito de apreciar determinados despachos do antecessor de S. Ex.ª
Trata-se de nomeações não só para a regência de escolas móveis, como também para os lugares de professores provisórios dos liceus, não só com desrespeito da lei geral, mas ainda com ofensa das propostas graduadas dalguns dos Conselhos Escolares respectivos.
A propósito devo citar o facto de, só para o concelho de Ilhavo, terem sido nomeados 9 professores da terra do inspector, com prejuízo manifesto dos outros concorrentes.
Repito, Sr. Presidente, preciso dêstes documentos para apreciar êste e outros casos extraordinários, e fazer crítica da administração que o Ministro fez dos negócios da sua pasta.
Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro para a lei votada pelo Congresso da República, em Setembro do ano passado, que autoriza o Govêrno a fazer a trasladação dos restos mortais do Dr. António Aurélio da Costa Ferreira para a metrópole, lei que ainda se não cumpriu!

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Sessão de 23 de Janeiro de 1923
Os mortos esquecem depressa, Sr. Presidente, e mais depressa ainda os serviços que êles nos prestaram, mas, se êste esquecimento representa sempre uma injustiça, em relação a êsse glorioso morto assume as proporções duma tremenda iniqüidade, porque António Aurélio, republicano de sempre, foi um dos mais autênticos valores da nossa cultura e da nossa civilização.
Professor abalisado, ilustre pedagogista, antropólogo, homem de letras e de sciência, pelo seu trabalho, pela sua obra, pelo seu carácter, bem merece que nos ocupemos dele e que lhe honremos a memória.
Reclamo, pois, o cumprimento dessa lei.
E, já que me encontro a reclamar, peço ao Sr. Ministro que me informe do destino que tiveram os 150 contos que o Parlamento votou para a aquisição do Cancioneiro de Colocci-Brancuti, visto que, até esta data, ninguém sabe dêsse Cancioneiro, nem dos estudos votados, e parece que já remetidos para a Itália.
Concluirei sem demora, mas desejava ainda ser esclarecido sôbre o que pensa o Sr. Camoesas acerca do decreto do Sr. Leonardo Coimbra, mandando suspender o decreto do Sr. Augusto Nobre, que, em uma nova organização, ou melhor, na fixação do quadro do pessoal docente das escolas primárias superiores, reduzia êsses quadros no intuito de fazer economias.
Qual dos dois decretos prefere o Sr. Ministro? Qual dos dois vive? O decreto da moralidade ou o dos esbanjamentos? O que serve o interêsse do País ou o que aproveita aos compadres?
Vamos lá a saber isso.
Por hoje não quero cansar mais a atenção da Câmara; oportunamente farei mais largas considerações sôbre êste assunto.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Começo por agradecer as palavras agradáveis que me dirigiu o Sr. Alves dos Santos, e asseguro a V. Ex.ª que vou dar ordem para que imediatamente sejam fornecidos os documentos pedidos.
Sôbre o cumprimento da lei que autoriza a trasladação dos restos mortais do Dr. Aurélio da Costa Ferreira, aproveito o ensejo para secundar as palavras que S. Ex.ª teve, em relação à memória dêste ilustre professor, cuja obra por todos é conhecida e que de todos merece admiração e respeito.
Com referência ao Cancioneiro Colocci Brancuti, devo informar V. Ex.ª que o dinheiro se encontra depositado na repartição de contabilidade do Ministério da Instrução, tendo eu já expedido as precisas ordens para que, pelo meu ministério, não sejam postos quaisquer embaraços a essa operação.
Falou ainda S. Ex.ª em dois decretos publicados anteriormente à minha entrada no Ministério da Instrução, sôbre os quadros dos professores das Escolas Primárias Superiores.
Terei muito prazer em conversar com S. Ex. a sôbre êste assunto, mas devo desde já dizer que não descurei o problema. No emtanto, eu entendo que êle deve ser estudado com mais atenção e cautela, aproveitando os resultados da experiência anterior, para dar ao ensino o grau de desenvolvimento que êle carece.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Valentim Guerra: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, para o decreto n.º 8:535 de 14 de Dezembro de 1922, relativo ao regime especial para gados, na zona fiscal da fronteira.
No artigo 1.º estabelece-se uma zona especial de protecção económica, que mede 7 quilómetros da raia para o interior. Sucede, porém, que no § único dêste mesmo artigo diz-se o que vou ler.
Mas como Miranda do Douro é também limitada pelo rio Douro, ela é digna de ser incluída na zona dos 5 quilómetros, e não na dos 7 quilómetros.
É para êste assunto que chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças, e ao seu critério de rectidão deixo a solução justa desta questão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: ouvi as considerações apresentadas pelo Sr. Valentim Guerra, sôbre o decreto relativo ao manifesto de gado.

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Diário da Câmara dos Deputados
Quando êsse decreto foi publicado, teve-se em vista reduzir a zona em que se tinha de exercer a fiscalização, estabelecendo 7 quilómetros para a parte terrestre e 5 quilómetros para a parte fluvial.
Todavia, no caso de Miranda do Douro, há sem dúvida um grande fundo de justiça, e por isso, asseguro a V. Ex.ª que vou estudar o assunto, para que àquele concelho seja concedida a zona dos 5 quilómetros, mas só na parte fluvial.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Como não se encontra presente o Sr. Ministro das Colónias, peço ao Sr. Ministro das Finanças o favor de transmitir a S. Ex.ª as minhas considerações.
Acabo de receber das Câmaras Municipais da Ilha de Santo Antão de Cabo Verde um telegrama protestando contra o agravamento do imposto sôbre a aguardente.
Por princípio sou contra a cultura da cana sacarina; mas, neste momento, tendo-se perdido as culturas do café, que foram atacadas de plombagina, a única cultura a aproveitar é a da cana sacarina, para que aquela ilha não caia na miséria. Por isso, eu pedia ao Sr. Ministro das Colónias que revogasse as respectivas portarias.
Desejava chamar a atenção de S. Ex.ª para a necessidade urgente de se estabelecer para Cabo Verde um plano de fomento, que ponha aquela província ao abrigo de futuras crises.
Para isso é necessário um empréstimo de 10:000 contos para a hidráulica e outro para as obras do pôrto de S. Vicente.
Eram estas as considerações que eu desejava fazer ao Sr. Ministro das Colónias.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Ouvi com toda a atenção os assuntos tratados pelo ilustre Deputado, e conforme os desejos por S. Ex.ª manifestados, transmitirei as suas considerações ao Sr. Ministro das Colónias.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Cruz (para um requerimento): — Requeiro que seja pôsto em discussão o parecer n.º 176.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais nenhum Sr. Deputado inscrito para antes da ordem do dia, creio que o requerimento do Sr. Alberto Cruz pode ser pôsto à votação sem prejuízo do período destinado a antes da ordem, tanto mais que o parecer a que S. Ex.ª se refere faz parte da ordem do dia.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Presidente põe à votação o requerimento do Sr. Deputado Alberto Cruz.
O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): — Compreende-se que num determinado momento se pejasse o ordem do dia com projectos criando novas assembleas eleitorais, quando estava para realizar-se o acto eleitoral, mas agora não se compreende que se esteja a perder tempo com êste parecer e outros que hão-de aparecer.
O Sr. Alberto Cruz (interrompendo): — Mas é preciso ponderar que se vão repetir algumas eleições.
O Orador: — Mais um argumento para o requerimento de V. Ex.ª não ser aprovado, visto, que as eleições se devem repetir com as mesmas assembleas que da primeira vez vigoraram.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Deputado Alberto Cruz fez a revisão do seu àparte.
O Sr. Morais Carvalho (sobre o modo de votar): — Pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª a que êste lado da Câmara não concorda com o requerimento do Sr. Deputado Alberto Cruz para no período de antes da ordem do dia se tratar do parecer n.º 176.
Disse V. Ex.ª, Sr. Presidente, que não havia nenhum prejuízo para os Deputados inscritos, mas o que é certo é que a Câmara está preocupada com um assunto de alta importância, qual é o que diz respeito às subvenções do funcionalismo público, que é uma questão urgente e inadiável.
Essa questão vem desde Setembro último, e ainda o Sr. Ministro das Finanças não trouxe à Câmara qualquer medida para regular o assunto.

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Considero, pois, primordial êste assunto, e por isso não voto o requerimento do Sr. Deputado Alberto Cruz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está à votação o requerimento do Sr. Alberto Cruz.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está aprovado.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 26 Srs. Deputados e sentados 34.
Está aprovado.
Foi lido na Mesa e entrou em discussão na generalidade.
Parecer n.º 176
Senhores Deputados. — A vossa comissão de administração pública foi presente o projecto de lei n.º 84-C, da iniciativa do Sr. Deputado Alberto Cruz, destinado a alterar a constituïção das assembleas primárias do concelho de Felgueiras.
Sendo certo que as divisões eleitorais devem atender à comodidade dos povos, a fim de que êles possam com maior facilidade concorrer às urnas e exercer o seu direito de eleitores e justificando-se plenamente o referido projecto, pelo seu relatório, esta comissão é de parecer que merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de administração pública, 8 de Julho de 1922. — Abílio Marçal — Vitorino Mealha — Pedro de Castro — Alberto Vidal — Custódio de Paiva, relator.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de legislação civil e comercial examinou o projecto de lei n.º 84-C, que cria uma nova divisão das assembleas eleitorais do concelho de Felgueiras e, atendendo às razões expostas no relatório que o precede e à circunstância de ficar cada uma das novas assembleas com mais de 150 eleitores, é de parecer que merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, 8 de Agosto de
1922. — Feliz Barreira — Pedro Pita (vencido) — António Dias — José de Oliveira da Costa Gonçalves — Adolfo Coutinho.
Projecto de lei n.º 84-C
Senhores Deputados. — Por toda a parte se nota que as dificuldades de comunicações e a má disposição ou distribuïção das assembleas primárias eleitorais faz com que o eleitorado republicano se afaste das urnas, deixando de exercer um direito e um dever absolutamente essencial à vida da nação e da República.
Acresce também que, combinada pelos antigos caciques monárquicos, que abusivamente dominavam a opinião pública, há no concelho de Felgueiras, do círculo n.º 10 (Penafiel), ainda uma organização eleitoral que não sòmente prejudica a acção republicana naquele concelho, mas também impede que êsses antigos feudos, contrários ao regime republicano, sejam atingidos pela eficaz propaganda republicana e por uma fiscalização dos actos eleitorais que os tornem compatíveis com a liberdade política, que a República marca pelas suas leis e pelos seus princípios.
Para modificar êste estado de cousas, apresentamos o seguinte projecto de lei, com o qual se intenta a extinção desta situação anómala da política local, facilitando também o acesso às urnas do verdadeiro povo republicano, colocando as assembleas primárias nos lugares e freguesias mais centrais, e favorecendo em todas elas a fiscalização dos actos eleitorais pelos eleitores de todas as opiniões políticas.
Projecto de lei
Artigo 1.º As assembleas primárias eleitorais do concelho de Felgueiras, do círculo n.º 10 (distrito do Pôrto), serão em número de cinco, com a sua sede respectivamente em as freguesias de Airães, Margaride, Vila Cova, Sousa e Penacova.
Art. 2.º A assemblea primária de Airães será constituída pelas seguintes freguesias:
Airães, Vila Verde, Refontoura, Aião, Pedreira, Lordelo e Santão.
A assemblea primária de Margaride pelas de:
Margaride, Sendim, Jugueiros, Várzea, Varziela e Pombeiro.

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Diário da Câmara dos Deputados
A assemblea primária de Vila Cova pelas de:
Vila Cova, Macieira, Pinheiro, Moure, Borba, Caramos e Friande.
A assemblea primária de Sousa pelas de:
Sousa, Idães, Sernande, Rande, Unhão e Ravinhade.
A assemblea primária de Penacova pelas de:
Penacova, Santo Adrião de Vizela, Regilde, Vila Fria, Lagares e S. Jorge de Vizela.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, 11 de Maio de 1922. — Alberto Cruz.
O Sr. Pedro Pita: — O projecto que está em discussão diz respeito à criação de novas assembleas eleitorais no distrito do Pôrto, cujas eleições foram mandadas repetir. Não me parece que seja esta altura a mais própria para se criarem novas assembleas, pois apenas mostra que o partido que tem maioria nesta Câmara se quere aproveitar dêste estratagema para os seus correligionários ganharem as eleições que se vão repetir.
Contra êste facto eu protesto, porque se vai criar uma situação de desigualdade para adversários políticos.
O Sr. Alberto Cruz: — As razões de V. Ex.ª não têm o mais pequeno fundamento, porque se houve assembleas onde o acto eleitoral tivesse decorrido na melhor ordem, foi exactamente a assemblea de Felgueiras, a que se refere o projecto em discussão.
O Orador: — A observação que acaba de fazer e Sr. Alberto Cruz está absolutamente em oposição àquilo que S. Ex.ª disse há pouco, quando eu falava sôbre o modo de votar.
Quando eu então afirmava que não havia razões para esta pressa na votação de novas assembleas eleitorais, foi justamente o Sr. Alberto Cruz quem, interrompendo-me, afirmou que havia tal essa necessidade, visto haver eleições a repetir...
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª está a fazer obstrucionismo.
O Sr. Manuel Fragoso: — Se se tratasse de qualquer projecto para a Madeira, S. Ex.ª certamente não tomaria uma tal atitude.
O Orador: — Eu tenho sempre interêsse por aquelas cousas que interessam a toda a gente. Êsse interêsse tem, porém, pouca valia, e tanto assim é que tendo eu apresentado um projecto que dizia respeito à Misericórdia do Funchal, êsse projecto nunca teve pernas para andar emquanto o Sr. Abílio Marçal não se lembrou de o tomar sob a sua protecção.
Sr. Presidente: eu dizia há pouco que as minhas considerações, sôbre o mal que resultava da circunstância de estar a aprovar-se um determinado projecto alterando assembleas eleitorais, tinham neste momento a justificá-las o facto de estar para se repetir o acto eleitoral em várias assembleas.
Foi justamente o Sr. Alberto Cruz quem, peia observação que fez, chamou a minha atenção para o facto.
Sr. Presidente: em qualquer circunstância, eu acho que o assunto em discussão não é de natureza a ser tratado com preterição doutros tam importantes como aqueles que neste momento estão sujeitos à nossa apreciação.
No momento em que na ordem do dia estão incluídos assuntos da maior importância, entre os quais a continuação da interpelação do Sr. Correia Gomes e a proposta da sub-comissão do Regimento sôbre a modificação do Regimento da Câmara; no momento em que estão pendentes assuntos de tal magnitude que urge liquidar, e urge liquidar com tanto maior pressa quanto é certo que daqui a pouco surgirão, para serem apreciadas por esta Câmara, as propostas do Sr. Ministro das Finanças, já apresentadas, sôbre o empréstimo e sôbre o imposto do sêlo, e ainda aquelas que S. Ex.ª já anunciou sôbre contribuïção de registo; no momento em que tanto temos que fazer, não faz sentido que estejamos a perder tempo com projectículos sôbre a criação de assembleas eleitorais.
Manifestamente, repito, não é êste o momento mais oportuno para tratar de assembleas eleitorais.
Na ordem do dia estão outros pareceres que respeitam à criação de assem-

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bleas eleitorais, que não têm de repetir as eleições, mas amanhã aparecem projectos para assembleas eleitorais cujas eleições têm de se repetir.
Se isto não influi entre republicanos e se der com inimigos do regime, dir-se há que se usa dêsse processo para se ganhar, e eu, entre uma vitória conseguida nessas condições e uma derrota, não tenho dúvidas em declarar que não hesitaria.
Sr. Presidente: quando êste projecto foi à comissão eu assinei com declarações por lhe faltar a certidão comprovativa de que tinha mais de 150 eleitores, não se cumprindo, portanto, o que dizia o Código Eleitoral.
O Sr. Alberto Cruz: — V. Ex.ª sabe que se faz isso para tornar mais central.
O Orador: — Sr. Presidente: como dizia, na comissão, pelo menos quando lá estive, não havia a certidão exigida pelo Código Eleitoral.
Informam-me de que na Mesa existe essa certidão. Peço a V. Ex.ª a fineza de me facultar êsse documento.
Pausa.
O orador não reviu, nem o Sr. Alberto Cruz fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia.
V. Ex.ª fica com a palavra reservada.
Vai passar-se à ordem do dia.
Acta aprovada.
ORDEM DO DIA
Continuação do debate sôbre as subvenções ao funcionalismo público
É autorizada a comissão de finanças a reünir durante os trabalhos da sessão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não tencionava ocupar-me neste momento do presente assunto, mas o Sr. Presidente do Ministério no seu discurso de ontem, e com aquela infelicidade com que S. Ex.ª anda, disse a propósito da minha moção que eu a tinha inspirado no «quanto pior, melhor».
Se êste lado da Câmara assim pensasse, muito desejaria que se conservasse no
poder o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, pois não há Govêrno pior.
Eu pregunto qual é o problema de magna importância que o Govêrno tenha encarado de frente?
Tem encarado de frente os problemas importantes, como o religioso, que depois vem dizer à Câmara que o pôs de lado.
Mas, tratando-se duma questão como é a das subvenções ao funcionalismo público, bastará o simples facto de nós constatarmos que o Govêrno se apresentou à Câmara, e sendo Ministro das Finanças o Sr. Vitorino Guimarães, há quatro meses, até agora S. Ex.ª, conhecendo a gravidade desta questão, porque tem recebido dia a dia reclamações, estando em contacto directo com os directores gerais, ainda não veio trazer ao Parlamento uma única medida destinada a resolução.
Mas o critério do Govêrno define-se, dizendo-se, em poucas palavras e referindo-se à minha moção, que o que eu quero é atirar-lhe com toda a carga de responsabilidades para cima.
Então, num assunto dêstes há, porventura, um Ministro com a consciência das suas responsabilidades...
Há sussurro na Câmara.
O Sr. Presidente: — Eu peço. a V. Ex.ª, Sr. Carvalho da Silva, que suspenda as suas considerações até que eu consiga restabelecer o silêncio na Câmara.
Peço a atenção dos Srs. Deputados!
Pausa.
Restabelece-se o silêncio.
O Sr. Presidente: — Pode V. Ex.ª continuar.
O Orador: — Eu não quero cansar a atenção da Câmara sôbre um assunto de que depende a situação de muitos milhares de funcionários e até a ruína do País, mas não posso deixar de estranhar o facto de a Câmara não querer ligar atenção a um assunto desta gravidade.
Parece-me que só quere repetir nesta sala o que nela se passou quando da discussão das leis n.º 1:355 e 1:356, leis a respeito das quais o Sr. Ministro das Finanças já declarou não conhecer cousa pior.
Mas o Sr. Vitorino Guimarães, como

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dizia, veio declarar ontem à Câmara que eu queria atirar-lhe com toda a carga de responsabilidades para cima.
Então, qual é o Ministro, com conhecimento da gravidade da situação do País e desta questão, que não procura resolvê-la de frente, mas sim ladeá-la de forma que as responsabilidades saiam das suas responsabilidades?
Disse também o Sr. Presidente do Ministério nas suas considerações que até na comissão de finanças tinha sucedido que vinha um com um pedido pessoal, porque fazia parte de determinada classe, e depois outro com outro pedido, porque pertencia a outra classe, e todos queriam que êsses pedidos fôssem atendidos, do que resultou a comissão ter feito um trabalho desconexo, que teve as conseqüências que se verificaram.
Pois é ao ver essas conseqüências que ainda há hoje um Presidente do Ministério e um Ministro das Finanças que procuram reincidir no êrro cometido, que pode trazer para o País a mais grave situação.
Sr. Presidente: procuraram também S. Ex. as demonstrar que não tinham responsabilidades nas leis n.º 1:355 e 1:356.
Pois essas responsabilidades cabem-lhes inteiramente, porque não conheço maneira mais clara dum Govêrno definir a sua situação do que aquela de votarem os seus membros que são Deputados, como tal. E ao discutirem-se quaisquer dessas leis, tanto um como outro daqueles Ministros, na sua qualidade de Deputados, aprovaram essas leis.
Votaram essa lei todos os membros do Govêrno, à excepção do Sr. Portugal Durão, que preferiu abandonar as cadeiras do Poder.
S. Ex.ª é o único que não pode ter responsabilidade nesses diplomas.
Embora, seja adversário do Sr. Portugal Durão, não posso deixar de acentuar êsse facto.
O Sr. Ministro das Finanças disse ontem que tinha a sua maneira de ver sôbre o assunto, mas que a Câmara poderia não o aprovar.
Seja qual fôr a maneira de ver de S. Ex.ª, entendo que não pode deixar de tomar a iniciativa de apresentar uma proposta de lei, destinada a resolver êste assunto, que é de grande magnitude. Não podemos esquecer de nenhuma maneira as injustiças flagrantes de que estão sendo vítimas muitas classes do funcionalismo, isto sem olhar aos interêsses do Estado e à situação financeira do País.
Ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças declarou nesta Câmara que se não fôr alterada esta lei, os encargos do Estado serão aumentados em cêrca de 100:000 ou 200:000 contos anualmente, se se cumprir estritamente a respectiva lei.
E ainda, se S. Ex.ª quiser seguir à risca o cumprimento da lei, o aumento orçamental não é de 200:000 contos, mas de 300:000 contos, sôbre os encargos que actualmente já pesam no Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Ministro, sempre que se tem referido a esta questão, não tem feito senão demonstrar a impossibilidade, em que se encontra por falta de elementos, de apresentar ao Parlamento uma proposta de lei concreta sôbre êste assunto.
Ora, se o Sr. Ministro durante três meses, como disse, foi apenas Ministro das subvenções para receber as reclamações de tantas classes de funcionários, não tratando de outros assuntos, como é que S. Ex.ª não pode por falta de tempo resolver a questão, como é que a há-de solucionar a comissão de finanças, que não esteve durante três meses recebendo dia a dia reclamações dos funcionários e não possui os elementos que S. Ex.ª tem?!
Só se S. Ex.ª quere que a comissão de finanças traga à Câmara um trabalho atabalhoado, idêntico ao que se discutiu e foi aprovado.
Êste assunto será indefinidamente protelado, não se atendendo às reclamações justas do funcionalismo, se não fôr entregue ao Sr. Ministro das Finanças, para tomar a iniciativa de qualquer proposta de lei.
Não quero demorar a atenção da Câmara com êste assunto, que é da maior urgência, mas não posso também deixar de notar mais uma vez a declaração feita pelo Govêrno, que não resiste à mais leve crítica.
O Sr. Presidente do Ministério e ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças declararam que não cumpriram a lei votada no Parlamento, e que assim procederam á sombra da lei n.º 1:371, que concedeu

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uma lata autorização ao Govêrno para legislar sôbre assuntos económicos.
O Govêrno modificou a lei que o Parlamento votou. Porque é então que, tendo publicado um decreto da sua exclusiva responsabilidade, sôbre a aplicação da lei das equiparações, o Govêrno vem dizer que não tem responsabilidades nessa lei?
A responsabilidade é do Govêrno, por mais que queira fugir a essa responsabilidade.
Ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças trouxe à Câmara uma informação, que muito o ennobrece.
Disse S. Ex.ª que o Orçamento do Estado está bem longe de representar a verdade, expondo a despesa com o funcionalismo público, em matéria de subvenções, sem na respectiva verba estarem incluídos os serviços autónomos dos correios e telégrafos e Administração do Pôrto de Lisboa.
Esta conseguiu arranjar receita para satisfazer esta despesa, o que não sucede com os Caminhos de Ferro do Sul e Sueste e Correios e Telégrafos, apesar do aumento das tarifas.
Está demonstrado que se não pode, como de resto o Sr. Ministro das Finanças diz no próprio relatório, prever, nem aproximadamente, quais as despesas do Estado, o que vem corroborar que o orçamento apresentado à Câmara não representa a verdade, como a verdade se não exprime no mesmo relatório em outros assuntos.
Posso citar exemplos:
O facto de se haver inscrito no orçamento, como receita, o juro de 7:718 obrigações dos caminhos de ferro.
O Govêrno que se apresenta com todos êstes escrúpulos, desejando que seja afecta ao Parlamento a questão do funcionalismo, não teve escrúpulo em desviar para outros fins os 40:000 contos de circulação fiduciária, exclusivamente destinados a obras de fomento, lançando-se êsse dinheiro na voragem da administração pública!
Então para isso não teve escrúpulos de respeitar as decisões parlamentares!
Também disse, ao discutir-se o regime cerealífero, que acabava o pão político, e o Govêrno não teve escrúpulo em restabelecer o pão político.
Para esta questão do funcionalismo é que vão os escrúpulos do Sr. Ministro
das Finanças e os escrúpulos do Govêrno!
Estou certo de que a Câmara não reincidirá no êrro em que caíu ao discutir e aprovar as leis n.ºs 1:355 e 1:356, pois a comissão de finanças não possuía, como hoje, os elementos necessários, indispensáveis para realizar um trabalho consciencioso, que só o Govêrno pode fazer. O contrário é prolongar indefinidamente esta questão, que precisa ser resolvida, visto as justas reclamações que se têm feito por parte dos funcionários públicos.
Ainda ontem o Sr. Presidente do Ministério acentuou que havia funcionários que ficaram com vencimento superior ao que tinham antes de 1914 emquanto que outros ficaram com vencimento relativamente insignificante.
Podia citar, por exemplo, a diferença que havia entre um soldado da guarda fiscal e o do sargento, que era de 6$ ou 7$. Hoje é de 210$ a diferença entre o vencimento de um soldado e o vencimento de um sargento.
E como êstes muitos outros estão nestas condições.
É preciso compreender que a Câmara desconhece esta questão, e ninguém, como o Sr. Ministro das Finanças, tem os dados precisos e indispensáveis para apresentar ao Parlamento uma solução para o assunto.
E assim tinha-se demonstrado o que era necessário adoptar sôbre êste ponto de vista.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: tendo já falado hoje nesta Câmara, eu procurarei resumir tanto quanto possível considerações que tenho a fazer.
Ontem afirmou-se terem todos responsabilidade na votação da lei chamada das subvenções, pois que todos tinham colaborado nela.
Eu atribuí à maioria desta Câmara essa responsabilidade, pois que de facto a ela pertence.
Nesse momento, em que tive a honra de assistir a essa sessão, acompanhado por três ou quatro correligionários, e falando em nome de todos, fiz a declaração que entendi dever fazer em nome do meu partido, dizendo que achava absolutamen-

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te necessário melhorar a situação dos funcionários públicos.
O meu partido não podia expontâneamente apresentar uma proposta nesse sentido; no emtanto reconhecia a necessidade e a oportunidade de uma medida que melhorasse a situação do funcionalismo público.
Foi justamente essa a declaração que eu fiz em nome do meu partido, não podendo deixar de relembrar à Câmara o que então se passou, quando do Ministério presidido pelo Sr. Domingos Pereira, e em que a pasta das Finanças era ocupada pelo Sr. António Fonseca, que caíu infelizmente nessa ocasião, nesta Câmara, perante a pressão que foi feita por parte do funcionalismo público.
Nesse momento o Govêrno foi atirado a terra por não ter estado de acôrdo com o assunto.
Eu fui o único Deputado que levantando-me, declarei que nunca votaria qualquer disposição, emquanto o funcionalismo estivesse em greve.
Lembro-me ainda, Sr. Presidente, de que falei com as galerias cheias de funcionários, cuja tosse os atacou nessa ocasião, pelo que o Presidente da Câmara se viu na necessidade de chamar a atenção dos espectadores, de modo a eu poder continuar a falar e a poder ser ouvido.
Dêste modo não posso de maneira alguma aconselhar ao Parlamento o caminho da intransigência; pelo contrário, recordo-me perfeitamente destas circunstâncias que então se deram, e lembro-lhe que o melhor caminho que há a seguir é atender as reclamações que forem justas, pois melhor é isso do que termos de ceder depois perante qualquer pressão.
Enviaram-se para a Mesa apresentando dois alvitres: um para que a comissão de finanças, chamando a si a questão, apresente a esta Câmara um novo trabalho, isto é, uma nova proposta de alteração à lei, outro para que o Sr. Ministro das Finanças, como melhor conhecedor da questão e da situação em que se encontra o funcionalismo, apresente essa proposta de lei.
Sr. Presidente: eu entendo que é absolutamente necessário neste momento fazer alguma cousa no sentido de defender até onde forem justas e aceitáveis as reclamações do funcionalismo público, quer êsse remédio venha da comissão de finanças, ou do Sr. Ministro, pois na verdade, não me interessam sôbremaneira os elementos que sejam necessários para apresentar em condições aceitáveis uma proposta dessa natureza a esta Câmara.
Mas o que eu tenho reconhecido, e toda a gente, é que a comissão de finanças não tem elementos necessários para formular uma proposta dessa natureza, por isso que não conhece as reclamações apresentadas e a situação que foi criada depois dessa lei e das dificuldades que tem resultado da sua aplicação.
Da sua aplicação tem resultado na verdade injustiças, não podendo por outro lado a comissão de finanças fàcilmente calcular até onde vai a natureza dêsses encargos.
Só na verdade o Sr. Ministro das Finanças, por circunstâncias que eu acho naturais, pode saber qual o estado do Tesouro.
Era, pois, natural, portanto, que se optasse, e eu opto, pela resolução no sentido de deixar ao Sr. Ministro das Finanças, por todas as razões que acabo de expor a iniciativa da apresentação da respectiva proposta ao Parlamento.
Sr. Presidente: já que neste assunto falei e sabendo, como sei, que uma das principais razões das dificuldades que surgem assenta na circunstância de haver funcionários, a quem nunca foram melhorados os vencimentos desde 1914, a par de outros a quem foram melhorados os respectivos vencimentos por várias vezes, eu devo dizer que se poderia solucionar o problema, fazendo-se a equiparação pelos vencimentos que vigoravam em 1914, dando-se depois, conforme as categorias, as subvenções que o Estado entendesse serem necessárias e que pudesse conceder.
E, Sr. Presidente, não pode haver dúvidas de que é preciso acudir à situação do funcionalismo público.
Para se compreender a justiça das reclamações feitas, basta reparar que é o próprio Estado quem por todos os meios procura afirmar que a sua moeda está muito desvalorizada, que tem a desvalorização de, pelo menos, dez vezes o seu valor.
Afirmou-o, ontem, na remodelação das contribuïções industrial e predial; afirmou-o há pouco, pela elevação das taxas

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postais e telegráficas; afirma-o ainda, agora, pela proposta apresentada a esta Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças sôbre o imposto de sêlo.
O Estado, em todas essas modificações, bem demonstra que a moeda vale dez vezes menos do que valia, quando não indica que vale ainda menos, pois que pelas novas taxas telegráficas mostra-se que há uma desvalorização de quinze vezes.
Ora desde o momento que o Estado exige trabalho aos seus servidores, tem de lhes pagar condignamente.
Quero ainda acrescentar que a resolução do assunto não deve demorar-se, para que amanhã não sejamos forçados a ter que trabalhar de dia e noite, como já sucedeu.
Se há alguém que goste de trabalhar em liberdade, mas que dificilmente aceita trabalhar pelo impulso de palavras proferidas como estas, êsse alguém sou eu.
Sr. Presidente: no momento em que, ao ter de fazer considerações sôbre atitudes passadas, marcando cada um, embora o não queira, a sua atitude e o seu lugar, eu fui, pelo impulso das próprias ideas, forçado a ir um pouco mais além, e a emitir o meu parecer sôbre a solução do problema que se discute.
Não quero, porém, terminar sem fazer votos para que em breve, e em condições normais, êsse problema se resolva como de justiça; mas se resolva para que não haja de o arrumar precipitadamente, com menos justiça ou, pelo menos, com pouco conhecimento dele.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ginestal Machado.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: quere-me parecer que antes de mim se acha inscrito o ilustree Deputado Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Presidente: — Peço a V. Ex.ª desculpa do meu equívoco. Vou dar a palavra ao Sr. Carlos Pereira, visto que, na verdade, se achava inscrito em primeiro lugar.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: quis a prioridade de inscrição que eu tivesse de preterir o ilustre parlamentar Sr. Ginestal Machado, mas S. Ex.ª não tome, por certo, à conta de preterição o facto de eu falar em primeiro lugar, mas apenas à conta dum direito de que V. Ex.ª me quis legìtimamente investir.
Sr. Presidente: não tive a felicidade de ouvir todos os ilustres oradores que têm debatido esta questão, mas alguns ouvi, e foi o bastante para surgir no meu espírito a idea de que S. Ex.ªs defendiam o ponto de vista que não era o mais lógico, nem o mais legal, nem o mais constitucional.
Ouvi com toda a atenção o ilustre parlamentar que é o Sr. António Fonseca.
Um àparte do Sr. António Fonseca.
O Orador: — Eu é que vou demonstrar que o critério de V. Ex.ª não é o mais constitucional.
Sr. Presidente: o Sr. António Fonseca, nas considerações que fez, com aquele brilho que todos lhe conhecemos e reconhecemos, S. Ex.ª, que tem por vezes o dom de encantar, S. Ex.ª, que é na Câmara dalguma forma — como direi eu, Sr. Presidente? — o rouxinol de Bernardim, cuja compleição física até, quando o esfôrço é grande, se ressente do facto, o que comprova a minha asserção, porque, se não fôsse isso, certamente nos deliciaria por mais tempo, quis ser, também, sereia. Então, não contente em deliciar-nos, quis também perder-nos, e, assim, é que S. Ex.ª, que nas suas considerações não procurou fazer política no sentido pejorativo da palavra — S. Ex.ª é que o afirmou e quero acreditá-lo, bastando para isso que o tivesse afirmado -, procurou demonstrar à Câmara que estava até dalguma forma a defender a maioria dos ataques do Govêrno e, nomeadamente, do Sr. Presidente do Ministério, como que avolumando os boatos que correm de que a maioria se não entende com ela própria e muito menos ainda com o Govêrno. Boatos, boatos e boatos!
Não se tem discutido até agora a lei das subvenções e também a não discutiu

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o Sr. António Fonseca, porque S. Ex.ª, com uma coragem que lhe fica inteiramente bem, declarou que a não conhecia, tendo-se, portanto, limitado a considerar um ponto, qual era o de saber quem tinha competência, quem é que devia intervir no estudo da questão do funcionalismo público. E então sustentou que o Sr. Ministro das Finanças era não só o mais competente, mas até o único para resolver o problema. Ora, quere-me parecer que neste ponto não tem razão o ilustre parlamentar, e não tem razão porque é do conhecimento da Câmara que existe nela e foi remetida à sua comissão de finanças uma reclamação do funcionalismo público, e o funcionalismo público, procedendo como procedeu, andou inteiramente dentro das normas que lhe garante a Constituïção. Cousa estranha, Sr. Presidente! Quando o direito de petição é precisamente um direito, cuja instância competente para a devida apreciação é o Parlamento, são parlamentares que vêm afirmar à Câmara que o Parlamento não tem competência! Eu sei, Sr. Presidente, que, se isto assim é, só há uma possibilidade de se afirmar tal princípio.
Não é uma moção platónica, sem política. É, uma moção cujo significado político se atinge perfeitamente. Não, Sr. Presidente, não é com moções que se revogam princípios constitucionais. Para que o funcionalismo público ou qualquer que entenda exercer o direito de petição o não possa fazer, é preciso que se revogue a nossa Constituïção. Antes disso, todavia, eu reinvindico para o Parlamento a competência máxima para estudar todas as petições que dentro de respeitosas normas lhe sejam formuladas. Agora, dizer-se que o Sr. Ministro das Finanças é o único competente, isso não. (Apoiados). O jôgo é transparente.
O que se pretende é que se amanhã a providência, que porventura o Sr. Ministro das Finanças viesse trazer ao Parlamento, não satisfizesse, nem o Parlamento, nem o funcionalismo, se pudesse encontrar maneira fácil de deitar o Ministro pela porta fora.
Mas reconhecendo-se ao Ministro das Finanças grande competência, êle pode prestar a sua colaboração junto da comissão de finanças, e nunca uma comissão recusou a colaboração dum Ministro; e assim, quando se diz que é necessário resolver depressa, com serenidade de espírito, não se admite que se gaste tempo com um debate para se saber quem é capaz e competente para resolver o assunto, como se a Constituïção fôsse letra morta.
Se essa comissão não tem competência, que se declare para haver lógica, e que se vá até o fim, revogando o seu mandato; mas se não é assim, que se lhe reconheça a competência máxima.
Se não se quisesse sair fora dos moldes da Constituïção, senão se procurasse meter a política em tudo, ter-se-ia aproveitado o tempo, e não aconteceria até, como aconteceu, que o Sr. Ministro das Finanças não pôde ir prestar esclarecimentos a uma comissão desta Câmara sôbre um assunto que interessa à vida do País, porque êste debate se vai arrastando de mais, quando não havia necessidade disso.
O Sr. António Fonseca, ao tempo que foi Ministro, não queria que certa comissão abandonasse o Ministro, e agora, quando o Parlamento, com a autoridade máxima que lhe dá a Constituïção, quere que a responsabilidade da resolução do assunto não seja só do Ministro, e não abandona o Ministro, também S. Ex.ª não quere isso!
Sr. Presidente: eu podia alongar mais as minhas considerações, mas as que fiz são bastantes para afirmar e mostrar que o Parlamento tem competência para chamar para junto de si o Sr. Ministro das Finanças, para êle lhe prestar aqueles conhecimentos especiais que deve ter, a fim de se fazer uma obra útil, obra que assim saïria, apresentando-se à Câmara um trabalho mais completo, mais fácil à sua crítica, tanto mais que a comissão de finanças, com excepção da minha pessoa, é composta de marechais dos partidos.
Isto teria uma vantagem, e é que os partidos da oposição, unidos ou não, podiam apreciar logo o trabalho a fazer, e colaborar com a própria comissão, fazendo assim um trabalho que o Parlamento poderia votar com rapidez.
Com isso ganhava-se muito tempo, mas é isso exactamente que parece que muita gente não quere.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

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O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: tomarei pouco tempo à Câmara e podia até dispensar-me de falar, mas uso da palavra para dizer a V. Ex.ª e à Câmara que o bloco ao contrário do que disse o Sr. Deputado e ilustre amigo, o Sr. Carlos Pereira, se encontra cada vez mais bloco, e cada vez mais preso por um sentimento grande, o sentimento da República, e por uma grande idea, a idea da Pátria.
Apoiados.
Não tem outro sentimento de carácter particular, nem ideias mesquinhas que dominam os homens, e em poucos dias formará um grande partido da direita da República.
Poderia deixar de falar na resolução da questão das subvenções, porque ontem o ilustre Deputado e meu particular amigo o Sr. António Fonseca, embora falando em seu nome individual, exprimiu os sentimentos do bloco e assim nós votamos a sua moção, não só como homenagem especial a S. Ex.ª, e todas lhe são devidas, mas porque ela exprime a verdadeira doutrina na arte de governar.
A doutrina apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças e depois corroborada pelo Sr. Presidente do Ministério, é uma doutrina peregrina.
Os Governos têm de executar as leis, e certamente as leis são da responsabilidade do Parlamento e dos Governos se continuam no poder para executar as leis votadas.
O que está indicado, e é da própria máquina constitucional, é que depois de votada uma lei, os que a executam é que lhe sentem as dificuldades e tomando nota delas devem vir ao Parlamento pedir as correcções que lhe são necessárias.
Sr. Presidente: nenhum de nós pode julgar que o Sr. Ministro das Finanças não seja competente, e eu presto sinceramente a minha homenagem a S. Ex.ª, que deve ter também a competência que lhe dá a própria gerência da sua pasta.
Não é a primeira vez que S. Ex.ª ocupa aquele lugar, e além disso os seus conhecimentos especiais em questões económicas e financeiras, actualizados pelas últimas missões ao estrangeiro de que foi incumbido, e muito bem, pelo Govêrno da Nação, são de molde a indicar que é S. Ex.ª quem tem de decidir sôbre a lei; se é S. Ex. a quem naturalmente conhece as suas deficiências, é S. Ex.ª quem sabe onde é necessário corrigir, conhecendo portanto a necessidade de modificar, de alterar, de revogar até essa lei, apresentando uma nova proposta.
Isto é o que é natural..
Agora, porque surgem umas dificuldades na marcha dessa lei, vir-nos dizer o Govêrno: tome lá a comissão de finanças a sua obra, tome lá a Câmara o que aprovou, porque não sei mexer nisso, francamente não está certo.
Faço a devida justiça ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Presidente do Ministério, a quem especialmente não quero referir-me, visto S. Ex.ª não me dar o prazer de estar presente, não podendo contudo mesmo na ausência de S. Ex.ª, deixar de afirmar que o que S. Ex.ª disse aqui há dias não foi precisamente o que declarou na ocasião em que se votaram as subvenções, porque se assim fôsse certamente a sua maioria não as teria aprovado ou se as tivesse aprovado o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, apesar do espírito do sacrifício que tem mostrado em ocupar aqueles lugares, êsse espírito de sacrifício não seria tamanho que o obrigasse a ficar sentado num lugar onde, para bem de todos nós, ainda hoje se encontra, tendo a maioria votado, contra sua opinião, uma lei que tivesse rejeitado.
Sr. Presidente: feitas estas considerações, creio não ser preciso dizer que o bloco é da opinião expressa pelo Sr. António Fonseca, ilustre membro desta casa do Parlamento, na moção que enviou para a Mesa.
Sr. Presidente: como também tomei parte, um pouco activa, na discussão da famosa lei das subvenções, alguma cousa quererei dizer, de mim próprio, acêrca dessa lei.
O Sr. Ministro das Finanças disse noutro dia, e com certo espanto, que se tinha verificado quando se começou a executar a lei que ela não podia ser satisfeita com a verba que aqui foi votada. Logo nessa ocasião, embora não tivesse os elementos que o Ministro das Finanças de então tinha, e que o actual também continua a ter às suas ordens, isto é, os serviços de contabilidade, eu com os escassos conhecimentos financeiros que

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possuo, disse logo aqui à Câmara que com 110:000 contos não se poderia cumprir a lei, que, pelos cálculos que eu tinha feito ligeiramente, essas subvenções deveriam custar entre 140:000 a 150:000 contos.
Ainda há poucos dias o meu ilustre colega, amigo e adversário político, Sr. Sá Pereira, declarou que eu tinha feito aqui semelhante afirmação.
Ora porque eu, que não sou financeiro, que não sou Ministro das Finanças, nem presumo de o ser, que tenho apenas uns elementos escassos de informação, e logo no dia em que se votou a lei n.º 1:355, se não me engano, previ êste resultado, por isso me espanto que só passado tanto tempo se reconhecesse que necessàriamente havia de ser excedida a verba indicada.
Na altura em que se votou a lei das subvenções também declarei que concordava com os princípios fundamentais dessa lei; lembro-me até que felicitei o ilustre relator do projecto, meu amigo Sr. Correia Gomes, pelos princípios que tinha estabelecido, mantendo ainda hoje êsse ponto de vista.
Mas o Govêrno alterou essa lei por completo, e para isso não precisou de autorização nossa. Cousa curiosa: o Govêrno precisa agora que lhe façamos uma nova lei, mas não precisou daquilo de que carecia para alterar a lei.
Realmente foi aqui concedida uma autorização ao Govêrno, quando a Câmara estava para fechar e todos nos sentíamos cansados e aborrecidos, autorização um pouco lata, mas não tam lata que permitisse ao Govêrno alterar essa lei.
O Govêrno precisaria primeiro publicar uma lei revogando a lei basilar das subvenções; então sim, poderia modificar o coeficiente; a única cousa que o Govêrno poderia fazer era alterar as percentagens.
Assim não se compreende qual era o objectivo do relator e dos Deputados que votaram a lei das subvenções por concordarem com os seus princípios, como eu concordei, e pessoalmente continuo a concordar.
É que os vencimentos referidos a uma moeda de certa estabilidade automáticamente poderão variar segundo o valor dessa moeda em escudos portugueses.
O que se tinha em vista era estabilizar a vida económica do funcionário público referida a uma unidade de moeda que não está sujeita, como a nossa, a constantes oscilações. Ora êsse carácter fundamental desapareceu por completo.
A que o Govêrno estava autorizado era a modificar as percentagens; daria mais trabalho, mas isso não é desculpa, porque há funcionários competentes para fazerem os cálculos necessários, e, como aqui demonstrou o Sr. Viriato da Fonseca, alterar as percentagens ou alterar o coeficiente vinha a dar a mesma cousa. Os conhecimentos dos empregados de finanças ainda chegam para reconhecer estas equivalências de moedas.
Repito, para modificar o coeficiente, o Govêrno não tinha competência; agora, para nos apresentar uma proposta de lei, reconheço-lhe toda a competência e, além disso; obrigação, a fim de não se dar lugar a qualquer mal entendido por parte do funcionalismo, que amanhã se poderá traduzir em manifestações de revolta, que, a produzirem-se, terão de ser corrigidas. Temos de ir ao encontro dessas reclamações justas, porque quando essas reclamações se fazem em certos termos, por mais justas que sejam, não podem ser atendidas, porque então o Poder não é nenhum, deixando até de haver Poder.
Se o Govêrno reconhecesse que havia reclamações justas a atender, que a lei tinha deficiências e que precisava de modificações, o Govêrno podia apresentar-nos aqui uma proposta nesse sentido e a Câmara, pela comissão de finanças, discutiria o assunto.
Mas porque a lei é difícil de executar, devolvê-la ao Parlamento para nós a modificarmos, parece-me que isso não está certo.
O problema é gravíssimo em toda a parte, mas principalmente naqueles países onde a moeda está desvalorizada e será bom que em Portugal não tome aquele aspecto assustador que tem em outros países.
A lei das subvenções não é certamente o motivo único das reclamações que têm sido apresentadas.
A êste propósito recebi uma reclamação da classe do professorado primário, levantando umas palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro das Finanças, palavras

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que, quero crê-lo, não tiveram o intuito de melindrar esta classe.
Estou ìntimamente convencido de que o Sr. Ministro das Finanças quando aqui disse que um professor primário se equiparava a um terceiro oficial de qualquer Ministério, não queria amesquinhar a classe do professorado.
Um professor primário, se tiver as habilitações que a lei lhe exige, e se cumprir o seu dever, creio que de modo nenhum deslustra um terceiro oficial se equipararmos um ao outro.
Se o Sr. Ministro das Finanças quiser dar-se ao incómodo de tirar cinco minutos aos seus afazeres, que sei que são muitos, para ver os programas das escolas normais, onde se formam os nossos professores primários, talvez reconheça que as habilitações de um professor primário não são inferiores àquelas que podem presumir-se num terceiro oficial de qualquer repartição pública.
S. Ex.ª sabe muito bem que em todas as democracias e sociedades modernas o professor primário tem particular consideração.
Não preciso de lembrar a S. Ex.ª o que acontece, por exemplo, no Japão, na Suíça e nos países escandinavos, que estão justamente na vanguarda da civilização moderna.
Estou, portanto, convicto de que o Sr. Ministro das Finanças não quis deprimir a classe do professorado primário.
Mas, Sr. Presidente, voltando à lei das subvenções, eu continuo a declarar que, quanto aos seus princípios fundamentais, a lei me merece toda a simpatia, parecendo-me que não poderá ser substituída com vantagem.
É certo que quando se votou aqui a lei, e se calcularam as percentagens, ninguém podia prever que se desse esta descida brusca na nossa divisa cambial e que entrássemos na casa dos 2.
A Câmara deve recordar-se de que nessa ocasião o Govêrno tinha as maiores esperanças de que aquele célebre crédito dos três milhões faria cair sôbre êste país um outro maná, como tinha caído naquela viagem célebre de Moïsés antes de chegar à Terra da Promissão. E, francamente, todos nos deixámos embalar por essa sugestão, de que a nossa moeda começaria a valorizar-se ràpidamente e que dentro
em pouco a nossa divisa cambial estaria na casa dos 20.
Não aconteceu, porém, nada disso e se alguém tem de se zangar não é o Sr. Presidente do Ministério nem o Govêrno, mas somos nós, que votámos a lei contando que a situação melhorava e que ao fim do primeiro trimestre o coeficiente, em vez de ser de 9, seria de 5 ou 6.
O que havia, portanto, a fazer era modificar as percentagens.
De outra maneira a Câmara não tem mais do que revogar a lei, porque está a infringi-la, e mau é que os que fazem a lei sejam os primeiros infractores dela.
Desrespeitar essa lei é indicar a outros interessados que também não respeitem outras leis, e isso não pode ser!
Eu entendo que a lei do Sr. Correia Gomes, entre todas, ainda é a melhor de todas.
A questão é cumpri-la, pô-la em condições de ser executada. Tinha-se calculado para sua receita o imposto de transacção, e como êste incidia sôbre o dinheiro daqueles que vendem, era uma cousa que estava bem em relação com a carestia da vida.
E êsse imposto daria, porventura, resultado se não fôssem as avenças que, contra o espírito da lei, foram espalhadas por todo o País fora, o que é uma imoralidade, como havemos de demonstrar quando aqui tratarmos dêsse assunto.
De maneira que havia um conjunto um tanto harmónico, mas com a intervenção do Govêrno destruíu-se toda a harmonia, e eu estimo que o mesmo não aconteça noutros assuntos em que o Govêrno tenha de meter a mão.
Mas assim como está a lei, não é cousa nenhuma, e há verdadeiro desrespeito pelos seus princípios fundamentais; de modo que os funcionários quando reclamam, e por emquanto dentro dos meios legais, baseiam-se numa verdade, baseiam-se no facto de o Govêrno não cumprir a lei.
Se o Govêrno tivesse tido a coragem de deminuir as percentagens, ninguém poderia dizer que êle não tinha cumprido a lei, porque tinha autorização para o fazer, mas não para deminuir o coeficiente, e assim atingia o fim que tinha em vista.
Sr. Presidente: termino dizendo que o Bloco vota a moção do Sr. António Fonseca, e faz um apêlo ao Govêrno, para

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Diário da Câmara dos Deputados
que reconsidere e nos traga aqui uma proposta de lei que se possa executar, sendo êle o primeiro a dar o exemplo do respeito às leis, cumprindo-as.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: vou fazer resumidas considerações; apenas o bastante para que o País fique sabendo o que pensa a êste respeito a minoria católica. Estamos todos de acôrdo em que efectivamente o sistema de remuneração do funcionalismo público carece de uma remodelação profunda, de forma a acabar com iniqüidades, tais como as que permitem aos professores primários na província em determinadas condições o viverem em condições desafogadas, amealhando quási todo o seu vencimento profissional, e que por outro lado outras classes, com muito mais habilitações e responsabilidades, se vejam em apuros para se manterem nos tempos que vão correndo.
Estamos de acôrdo em que a remodelação do funcionalismo público se faça quanto antes, e a questão está apenas em saber se porventura a proposta há de partir do Sr. Ministro das Finanças; ou da comissão de finanças desta Câmara.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — O Sr. Ministro das Finanças já disse que colaborava com a comissão.
O Orador: — As informações que o Sr. Ministro dá à comissão devem ser importantes para a resolução do assunto, porque S. Ex.ª, pelas faculdades morais, técnicas e da sua situação como Ministro, está, como ninguém, apto a colaborar e ajudar a resolver êste problema, sem que a sua interferência exclua a competência da comissão de finanças.
Nestes termos, julgo que a doutrina apresentada pelo Sr. António Fonseca é de aprovar.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Correia: — Quando primitivamente se discutiu êste projecto, eu dei a minha opinião, e mal ficaria com a minha consciência se hoje, que êle volta à tela do debate, não fizesse uso da palavra.
Não vejo motivos que possam justificar a estranha atitude do Govêrno, lançando à responsabilidade do Parlamento um facto que é da sua inteira responsabilidade.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Tendo o Parlamento votado uma determinada quantia para fazer face ao aumento de despesa, que era incompatível com o erário público, e estando na pasta das Finanças um Ministro partidário, não compreendo como é que S. Ex.ª não pode estar de acôrdo com o seu antecessor, e com o seu partido!
Interrupção do Sr. Carlos Pereira.
O Orador: — Já disse a S. Ex.ª, por mais duma vez, que não consinto que me interrompa sem minha licença; melhor fôra que S. Ex.ª dissesse à Câmara o que pensam o Sr. Ministro e a maioria a êste respeito.
Nova interrupção do Sr. Carlos Pereira.
O Orador: — Neste grave problema é chegado o momento para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a situação em que se encontram os funcionários dos governos civis, pois estou certo que o não ignora o Sr. Presidente do Ministério, que é também Ministro do Interior.
O Sr. Presidente: — Como a hora vai adiantada, peço a V. Ex.ª que me diga se deseja concluir as suas considerações ou ficar com a palavra reservada.
O Orador: — Como desejo alongar-me um pouco nas considerações que ainda tenho a fazer, peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

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Sessão de 23 de Janeiro de 1923
O Sr. Presidente: — Fica V. Ex.ª com a palavra reservada.
A próxima sessão é amanhã, 24, às 14 horas, com a ordem de trabalhos que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Lúcio dos Santos, determinando que os tesoureiros das câmaras dos concelhos de 1. a. ordem tenham um proposto da sua escolha e de nomeação da Câmara, desde que o requeiram.
Do Sr. Vergílio Costa, dividindo em duas secções a 3. a Repartição do Comando Geral da Guarda Nacional Repúblicana, na parte relativa à contabilidade.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de negócios eclesiásticos, sôbre o n.º 3-K, que autoriza o Govêrno a entregar aos prelados e párocos em exercício, os templos e bens pertencentes à Igreja, em poder do Estado.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o parecer n.º 383-B, que mantém a sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado.
Para a comissão de legislação criminal.
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério da Instrução me seja fornecida cópia dos exercícios escritos, feitos no ano lectivo de 1921-1922, curso de História Medicinal da Faculdade de Letras da Universidade do Pôrto, pelos alunos Baltasar Cardoso Valente, Marinho e Guedes do Amaral. —
Em 23 de Janeiro de 1923. — Francisco Manuel Homem Cristo.
Expeça- se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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