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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 25
EM 26 DE JANEIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Chamada e abertura da sessão.
Leitura da acta e expediente.
Antes da ordem do dia. — Usa da palavra o Sr. Leote do Rêgo. Parecer n.º 128 — é aprovado depois de discutido pelos Srs. Baltasar Teixeira e Paulo Menano.
O Sr. Bartolomeu Severino ocupa-se da falta de pagamento aos professores primários, respondendo o Sr. Ministro da Instrução Pública.
É aprovada a acta.
Ordem do dia. — O Sr. Joaquim Ribeiro realiza a sua interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura, que por sua vez responde.
É aprovada uma proposta para refôrço de verbas do Orçamento.
Continua em discussão o parecer n.º 61, e no uso da palavra o Sr. António Fonseca. Falam também os Srs. Ministro da Guerra, Estêvão Águas e Américo Olavo.
O Sr. Presidente designa ordem do dia e encerra a sessão.
Abertura da sessão, às 14 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada, 40 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Cruz.
FFrancisco Pinto da Cunha Leal
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Pires Cansado.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henrique Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Diário da Câmara dos Deputados
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues (raspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
José Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Faltaram à sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
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José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 14 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, comunicando que, por lapso, na proposta de lei relativa à venda de baldios da Câmara Municipal de Santarém, enviada a esta Câmara em ofício n.º 154, entre as palavras «julgados» e «devendo» do artigo 1.º, foi escrita a palavra «indispensáveis» em lugar de «dispensáveis».
Junte-se ao processo.
Do Sr. Ministro da Guerra, participando ter mandado adiar a freqüência da Escola de Recrutas, do grupo de companhias de saúde, para poder concorrer a ela o soldado n.º 767, o Sr. Pamplona Ramos.
Para a Secretaria.
Pedidos de licença
Do Sr. Alberto Cruz, oito dias.
Do Sr. João José Luís Damas, oito dias.
Do Sr. Álvaro de Castro, doze dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Sousel e Junta de Freguesia de Redondo, solicitando a liberdade de ensino religioso nas escolas particulares.
Para a Secretaria.
Do professorado de Braga, agradecendo a defesa da sua classe.
Para a Secretaria.
Do professorado de Gondomar, pedindo a aprovação do parecer n.º 131.
Para a Secretaria.
Das Câmaras Municipais de Redondo, Salvaterra, Estremoz, Tôrres Vedras e Ferreira do Zêzere, pedindo para ser elevada a percentagem a 30 por cento.
Para a Secretaria.
Admissões
Da proposta de lei dos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, abrindo um crédito especial de 38. 900$ para ocorrer a designados pagamentos pelo Ministério do Interior.
Para a comissão do Orçamento.
Do projecto de lei do Sr. Paulo Menano, dando preferência absoluta nos concursos de ensino primário geral e no preenchimento das vagas nas escolas de ambos os sexos aos candidatos com diploma de habilitação ao magistério primário superior.
Para a comissão de instrução primária.
Do Sr. Vergílio Costa, dividindo em duas secções a 3.ª repartição do comando da guarda nacional republicana, na parte relativa a contabilidade.
Para a comissão de administração pública.
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Diário da Câmara dos Deputados
Do projecto de lei do Sr. Lúcio dos Santos, determinando que os tesoureiros das câmaras dos concelhos de 1.ª ordem tenham um proposto da sua escolha e da nomeação da câmara, desde que o requeiram.
Para a comissão de administração pública.
Última redacção
Do projecto de lei n.º 176, que fixa em cinco o número de assembleas eleitorais do concelho de Felgueiras.
Aprovado.
Remeta-se ao Senado.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de antes da ordem do dia.
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: quando havia imperadores e imperatrizes na China, êsses personagens viviam fechados num palácio, o qual era cercado por três muralhas. Ignorava-se completamente o que lá se passava, vivendo êsses personagens como uns semi-deuses.
Em Portugal, temos um imperador da China, que é o Ministério das Colónias, e quando alguém consegue lá penetrar, nada consegue saber, como aconteceu ao Sr. Dr. Brito Camacho, antes de ir assumir o cargo de Alto Comissário, que apesar de lá ter estado cêrca de três meses, não pôde saber qual a política do próprio Ministério a respeito da colónia que ia governar.
Sr. Presidente: há mais de quarenta dias que o Sr. Ministro das Colónias veio aqui fazer declarações sôbre a situação de Moçambique, e quando teve lugar o debate político, resultante da última crise, eu preguntei ao Sr. Presidente do Ministério, em que estado estavam as negociações, e se porventura elas estavam sendo feitas entre o Govêrno de Lisboa e a África do Sul, ou se entre o Govêrno da Moçambique e o Sr. Smuts. S. Ex.ª nada respondeu.
O País continua a ignorar o que se passa sôbre tam importante assunto, embora estejamos a pouco mais de um mês do termo do convénio.
Do outro lado, na África do Sul, ao contrário do que se passa em Portugal, todos os dias se trata do assunto.
Ainda pela última mala, eu recebi esta enorme colecção de recortes de jornais daquele país, em que é tratado com o maior cuidado o delicado problema, e se continuam a fazer ásperas e severas críticas à acção do Govêrno Português, sendo até discutidas as declarações que dentro e fora do Parlamento alguns portugueses têm feito.
Sr. Presidente: também em Lourenço Marques a imprensa portuguesa se tem ocupado do assunto, e se é certo que a maioria dos jornais naquela cidade é escrita em inglês, não é menos certo que muitos dêles, encaram o problema com bastante patriotismo; há apenas um que, com um descaramento inacreditável, permitam-me V. Ex.ªs a expressão, defende os interêsses da África do Sul, e insurge-se contra as críticas que têm sido feitas por alguns Deputados, procurando-se até saber quem fornece essas informações para, porventura, ser punido pelo govêrno da província.
Mas, além do assunto, pròpriamente, das negociações com a África do Sul, há outra questão que não vi ainda versada na imprensa portuguesa, sôbre a qual o Govêrno nada disse ainda, e que está preocupando com muito interêsse aquela região.
Trata-se, ao que parece, da expulsão ordenada pelo Govêrno Português, de alguns missionários boers, que estavam na Augânia, região da Zambézia.
Colunas inteiras de jornais da África do Sul ocupam-se do assunto, fazendo criticas severas e escrevendo palavras desagradáveis para o Govêrno da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: há poucas semanas teve lugar em Pretória um comício ou congresso, a que assistiram missionários ingleses, da igreja holandesa e reformistas.
A êste congresso assistiu um dos ministros da África do Sul, o qual tomando a palavra mostrou a sua indignação pelo acto praticado pelo Govêrno Português.
Sr. Presidente: o que sabe a Câmara e o País dêste assunto, que está merecendo, repito, colunas inteiras dos jornais do Sul da África, e até dos jornais ingleses?
O Sr. Ministro das Colónias, quando há tempo falou nesta Câmara, limitou-se a dizer que era inconveniente tratar do assunto, porque, provàvelmente, as negocia-
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ções iam recomeçar. Todavia, o que é facto é que estamos a pouco mais de um mês do têrmo do Convénio, que o Sr. Dr. Brito Camacho negociou, para mim, com muito acêrto e patriotismo, e o País nada sabe do que se vai passar.
Disse ainda o Sr. Ministro das Colónias que devíamos estar tranqüilos, que as palavras desagradáveis da África do Sul e até do primeiro Ministro não deviam causar alarme, visto que o Govêrno Inglês tinha enviado uma nota, que aqui foi lida, onde dizia que em caso algum o Sr. Smuts desrespeitaria a soberania portuguesa.
Ora, Sr. Presidente, a êste respeito, devo dizer, claramente, a minha opinião.
O Sr. Smuts tem feito saber por todos os modos e com o maior desassombro, quer pelos jornais quer da tribuna parlamentar, que a África do Sul é independente e soberana.
De facto assim parece, porque o Sr. Smuts, encontrando-se na Conferência da Paz, assinou o Tratado de Versailles em perfeito pé de igualdade com os representantes dos países aliados.
Como é que se explica, pois, que se não manifeste directamente ao Sr. Smuts a nossa surprêsa por essas afirmações, e se vão fazer queixas ao Govêrno Inglês?
Isto faz lembrar, Sr. Presidente, as crianças que quando se lhe puxa o nariz, correm a casa da mamã fazer queixinhas.
Ora, eu devo dizer à Câmara que o Govêrno Inglês não tem tido sempre o cuidado de mostrar que tem uma grande consideração por nós, e a prova está num livro que se publica todos os anos na Inglaterra, que se chama Manual of Portuguese Est Africa e que é editado pelo serviço geográfico do almirantado.
Disse outro dia, o Sr. Dr. Brito Camacho, tanto no Parlamento como na imprensa, que verdadeiros actos de hostilidade têm sido praticados contra Portugal.
Efectivamente, Sr. Presidente, é um acto de grande hostilidade procurar por todos os meios impedir que a colónia de um país amigo, vizinho, e que lhe tem prestado sempre os mais assinalados serviços, realize qualquer empréstimo. Durante a guerra, é preciso dizê-lo, fomos tratados em Moçambique como um povo inimigo.
Os permis que eram pedidos para Lourenço Marques, ou não eram dados, ou eram demorados tanto, que não eram precisos. Os navios que seguiam para Lourenço Marques, quando chegavam perto dêste pôrto, recebiam ordem radiotelegráfica para se desviarem para o Natal.
Tudo isto é absolutamente exacto, e o Sr. Brito Camacho não foi mais longe talvez porque é ainda Alto Comissário. Todavia, eu, que sou apenas Deputado, que tenho acompanhado de perto o que se tem passado na província de Moçambique, e que a conheço bem, não tenho dúvidas em chamar a atenção do Govêrno, a fim de que o Sr. Ministro das Colónias e o Sr. Presidente do Ministério tenham a bondade de esclarecer o que se está passando.
Quando falei nesta Câmara, por ocasião da recente crise, pedi também ao Sr. Presidente do Ministério que nos dissesse o que pensava sôbre as conseqüências que podiam ter para o nosso País os acontecimentos que se estão dando na Europa: a ocupação militar feita pela França, as negociações feitas pela Alemanha e a quebra da Entente Anglo-Francesa. S. Ex.ª nada disse ou nada pode dizer. Todavia eu insisto.
O meu colega Sr. Jaime de Sousa, que foi Ministro e ocupou uma alta situação no estrangeiro, sabe que é necessário haver certas reservas.
No emtanto, S. Ex.ª entendeu que devia levantar esta questão na imprensa, e prestou um belo serviço porque o Sr. Ministro da Alemanha veio dizer qualquer cousa de interessante, conquanto não deva considerar-se tranqüilizador.
Sr. Presidente: já que me referi ao Sr. Ministro da Alemanha, devo dizer — sem que nas minhas palavras vá qualquer censura para o jornal que aceitou as suas declarações — que acho estranhável que o representante da Alemanha se sirva da imprensa portuguesa para ser desagradável a um aliado nosso, como é a França.
S. Ex.ª, quando quiser ser desagradável a êsse país, vá para os jornais do seu país e lá não lhe faltarão meios para exteriorizar a sua má vontade.
Sr. Presidente: de questões internacionais nada sabemos.
Por um telegrama que outro dia veio nos jornais, sabe-se que o nosso Ministro
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em Paris tinha sido convidado para jantar. O Sr. João Chagas jantou mais uma vez, mas não me parece que isso tenha qualquer influência na marcha da política portuguesa.
Quando o ano passado apareceu a chamada questão da China, disse-se que em Washington o assunto seria tratado e resolvido.
Não se tratou nada disso na Sociedade das Nações, e não só não se tratou mas até a nossa representação desapareceu para sempre.
Eu desejaria que algum dos Srs. Ministros me dissesse em que estado se encontra esta questão da China.
O orador não reviu.
O Sr. Baltasar Teixeira: — Sr. Presidente: está pendente da discussão e aprovação desta Câmara o parecer n.º 128, para isentar das leis de desamortização alguns bens que um benemérito deixou à vila de Castelo de Vide para o Albergue dos Inválidos do Trabalho Agrícola.
A não aprovação dêste projecto traz grandes dificuldades para o Albergue, não se podendo dar cumprimento às disposições do falecido benemérito, o Dr. Alfredo Carlos Le Cocq.
Por isso eu pedia a V. Ex.ª se dignasse consultar a Câmara sôbre se permite, como em casos semelhantes se tem feito, que entre já em discussão êste projecto.
O orador não reviu.
Posto à votação, a Câmara permitiu.
Leu-se na Mesa.
É o seguinte:
Parecer n.º 128
Senhores Deputados. — O projecto de lei n.º 103-R, da autoria dos Srs. Baltasar Teixeira, Paulo Menano e João Camoesas, que foi presente à vossa comissão de administração pública, visa a minorar as circunstâncias de verdadeira penúria em que se encontram as duas prestimosas corporações de beneficência de Castelo de Vide — o Albergue dos Inválidos do Trabalho, administrado pelo Asilo Almeida Sarzedas, e Misericórdia de Castelo de Vide.
Em face das leis de desamortização que impendem sôbre estabelecimentos desta ordem, terão de ser vendidos os imobiliários que dois beneméritos legaram
ao Albergue dos Inválidos do Trabalho e à Misericórdia daquela vila, se o Parlamento Português não votar com a rapidez que o caso requere uma lei que desobrigue aquelas instituïções da desamortização imposta por lei. Todos sabem como na época que decorre atravessa uma crise aflitiva à maior parte das casas de beneficência do País, em face da carestia da vida. As dificuldades sempre crescentes com que lutam tais estabelecimentos conduzi-los hão a uma total ruína, se se não adotarem providências que a remedeiem, já que o Estado não pode, com o seu auxílio directo, pô-las fora das contingências da actual crise que atravessam.
O falecido benemérito José do Assunção Mimoso legou ao Albergue dos Inválidos do Trabalho de Castelo de Vide alguns prédios rústicos sitos naquele concelho; o Dr. Alfredo Carlos Le Cocq deixou em herança à Misericórdia da mesma vila alguns bens rústicos para a instalação do Albergue dos Inválidos do Trabalho Agrícola; aquele legado já está liquidado, esta herança está em via de liquidação em processo cujos termos estão decorrendo.
Tem grandes inconvenientes a venda, na conjuntura actual dos referidos imobiliários que, continuando na administração directa daquelas instituïções de beneficência, as põe em situação mais desafogada do que as poria o rendimento do produto da sua venda.
Entende, pois, esta comissão que o referido projecto merece a vossa aprovação.
Lisboa e sala das sessões da comissão de administração pública, em 5 de Junho de 1922. — Custódio de Paiva — José de Oliveira da Costa Gonçalves — Pedro de Castro — Alberto Vidal — João Vitorino Mealha.
Senhores Deputados. — O projecto de lei n.º 103-R, da autoria dos Srs. Paulo Menano, João Camoesas e Baltasar Teixeira, destina-se a isentar da aplicação das leis de desamortização os imóveis legados ao Albergue dos Inválidos do Trabalho de Castelo de Vide e Misericórdia da mesma vila pelos beneméritos José de Assunção Mimoso e Dr. Alfredo Carlos Le Cocq; isto é, a que não sejam convertidos dentro de um ano em títulos de divida pública fundada.
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A Câmara sabe bem pelas repetidas representações que a ela têm vindo, e até pela palavra de alguns ilustres Srs. Deputados, quanto é angustiosa a vida dos nossos institutos de caridade e beneficência; e também não ignora que alguns dêles já reduziram sensivelmente os serviços e outros fecharam as suas porias, devido aos réditos provenientes dos títulos de dívida pública fundada de sua posse não comportarem o aumento de despesa resultante da carestia da vida que ora assoberba a todos.
Em socorro de algumas dessas corporações, tem vindo, é certo, a inexgotável generosidade do povo português, mas os actos de altruísmo são neste caso de caracter efémero, servindo apenas o momento aflitivo denunciado pelas direcções dos institutos, e a sua situação precária permanece e agrava-se dia a dia, sem que também o Tesouro Público possa dominá-lo por igualmente participar das dificuldades emergentes da crise económica que atravessamos.
Ora os rendimentos dos prédios rústicos são hoje elevadíssimos devido á alta de preço dos géneros, e assim, consentindo-se que os Institutos de Castelo de Vide fiquem na posse e função dos imóveis que lhes foram doados pelos referidos beneméritos, é evidente que mais fácil e eficazmente poderão cumprir os fins a que se destinam, como se salienta na representação dirigida a esta Câmara e junto ao projecto de lei; e ainda porque ao Poder Legislativo incumbe velar para que as leis reflitam as transformações e necessidades sociais, a vossa comissão de legislação civil e comercial emite o parecer de que o projecto de lei n.º 102-R merece a vossa aprovação, desde que no artigo 1.º depois de «desamortização», e antes de «os prédios» se adicionem estas palavras «emquanto subsistirem os efeitos da actual crise económica».
Sala da comissão de legislação civil e comercial, 9 de Junho de 1922. — Adolfo Coutinho — Angelo Sampaio Maia — Pedro Pita — José de Oliveira da Costa Gonçalves — Pedro de Castro, relator.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de finanças, verificando o projecto de lei n.º 103-R, dos Srs. Baltasar Teixeira, Paulo Menano e João Camoesas, e,
conformando-se com a justiça firmada nos pareceres das vossas comissões de administração pública, e legislação civil e comercial, é de parecer que não trazendo o projecto, se fôr convertido em lei, redução de receita ou aumento de despesa para o Estado, deve merecer a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de finanças, 26 de Junho de 1922. — Mariano Martins — Queiroz Vaz Quedes — Francisco da Cunha Rêgo Chaves (com declarações)- M. F. Ferreira de Mira (com declarações) — Nuno Simões (com declarações) — F. G. Velhinho Correia — Carlos Pereira — Lourenço Correia Gomes, relator.
Projecto de lei n.º 103-R Senhores Deputados. — A representação junta, tam sincera quam eloqüente nos seus dizeres, justifica exuberantemente o projecto de lei que vamos apresentar à vossa consideração. Julgamo-nos por isso dispensados de novos argumentos aditar aos expendidos pelos representantes das corporações interessadas para que mereça a vossa aprovação o que temos a honra de vos propor.
Projecto de lei
Artigo 1.º Ficam isentos da aplicação das leis de desamortização os prédios rústicos que, por legado de José da Assunção Mimoso, pertencem ao Albergue dos Inválidos do Trabalho; administrado pelo Asilo de Almeida Sarzedas, de Castelo de Vido, e também os prédios rústicos que, por herança do Sr. Alfredo Carlos Le Cocq, vierem a pertencer à Misericórdia de Castelo de Vide, para instalação do Albergue dos Inválidos do Trabalho Agrícola.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 22 de Maio de 1922. — Os Deputados, Paulo da Costa Menano — João Camoesas — Baltasar Teixeira.
O Sr. Paulo Menano: — Pedi a palavra para chamar a atenção de V. Ex.ª e da Câmara para a justiça que encerra êste projecto.
Castelo de Vide, a Sintra do Alentejo, tem dentro dos seus muros as melhores instituïções de beneficência do País, e é
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com verdadeiro culto que essa beneficência se pratica, fazendo com que a clausura do asilo não seja tam pesada, dando-se aos asilados trabalho compatível com as suas fôrças, continuando assim os trabalhos agrícolas e dando rendimento para o estabelecimento.
A vila de Castelo de Vide merece que o Congresso da República dê a sua aprovação imediata a êste projecto.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se permite que reúna durante a sessão a comissão de finanças.
Foi autorizado.
Foi aprovada a generalidade do projecto.
Leu-se a emenda da comissão de legislação civil, ao artigo 1.º
O Sr. Baltasar Teixeira: — Sr. Presidente: em perfeita concordância com as palavras que acaba de proferir o Sr. Paulo Menano, chamo a atenção da Câmara, pois parece-me que essa emenda não deve ser aprovada, pois não se trata apenas de acudir aos aflitos de Castelo de Vide, trata-se da instalação do Albergue dos Inválidos do Trabalho Agrícola.
Foi rejeitada a emenda e aprovado o artigo 1.º
Leu-se o artigo 2.º e foi aprovado.
O Sr. Paulo Menano: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Bartolomeu Severino: — Sr. Presidente: pedi a atenção do Sr. Ministro da Instrução para as poucas palavras que vou proferir.
São repetidas as reclamações do professorado primário contra a falta de pagamento dos seus vencimentos, reclamações que se têm feito junto do Sr. Ministro da Instrução, junto das repartições e na imprensa, principalmente na imprensa da classe.
A República pensou, e muito bem, dignificar os professores primários, pagando-lhes condignamente, pondo-os ao abrigo de dificuldades; mas a burocracia tem levantado embaraços que não se explicam.
Eu peço ao Sr. Ministro da Instrução, que será o primeiro a sentir êste facto, que tome em consideração estas reclamações, pois o professorado é cumpridor do seu dever e a República não há-de desejar colocá-los em má situação, numa situação deprimente.
O orador não reviu
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Eu já ontem disse pouco mais ou menos o que vou dizer agora.
A falta da pontualidade de pagamento nos vencimentos ao professorado primário deriva da falta de pessoal na repartição competente e por, na maioria dos casos, as fôlhas feitas pelas juntas escolares virem erradas, o que ainda mais demora o pagamento.
Vou tomar todas as providências, mas a principal é o aumento do quadro do pessoal da contabilidade que espero se faça quando fôr permitido isso nos serviços dos impostos.
Por outro lado tenho em estudo um conjunto de medidas destinadas a aumentar a eficiência do ensino primário, figurando entre elas a remodelação das juntas escolares.
Devo ainda declarar que desde que tomei posse da pasta da Instrução, não tenho feito senão adquirir todos os elementos para preparar ambiente às transformações que tenciono propor ao Parlamento, para todos os graus do ensino.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Bartolomeu Severino: — Agradeço a resposta que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Instrução acaba de dar-me e felicito-me por ter provocado as declarações de
S. Ex.ª, pois elas nos trazem a esperança de em pouco tempo vermos aqui tratado o problema da instrução.
Pôsto isto quero ainda significar a S. Ex.ª que não se explica que o facto de
algumas fôlhas de vencimentos virem erradas das juntas escolares provoque as largas demoras no pagamento dos professores, havendo atrasos grandes; assim, em Mértola, já há seis meses que os professores não recebem, em S. Pedro do Sul, há três meses, etc. Será bom, portanto, que se veja o que se passa na re-
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partição respectiva, pois por muito benévolos que queiramos ser para com ela, não podemos deixar de reconhecer que alguma responsabilidade lhe caberá por tais demoras.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Infelizmente não me fiz entender nas explicações que há pouco dei.
Eu não atribuí exclusivamente às juntas escolares o atraso do pagamento aos professores; disse que o facto das fôlhas virem erradas ocasionava demoras, mas que a causa principal dêsse atraso estava na circunstância de haver pouco pessoal na Repartição de Contabilidade por onde corre o serviço das fôlhas.
Como já disse aqui, devemos notar que, sem que se dêsse aumento de pessoal, para aquela Repartição passou todo o trabalho de contabilidade e de administração, que estava a cargo de trezentas e tantas câmaras municipais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Em nome da comissão de guerra mando para a Mesa alguns pareceres sôbre projectos de lei.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está aprovada.
Admissões.
Concessão de licenças.
Aprovada uma última redacção.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Joaquim Ribeiro para realizar a sua interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — As palavras que vou proferir respeitam a um assunto da magna importância, qual é o da questão do pão, e por isso eu lamento que a Câmara tenha tam poucos ouvintes.
Sr. Presidente: a lei de 1899 tem sido aqui bastante discutida e todos sabem que ela teve por fim provocar o aumento da nossa produção cerealífera.
Efectivamente alguma cousa se alcançou nesse sentido, pois que um ano houve, já aqui tem sido referido êsse caso, que a lavoura nacional produziu por maneira a dispensar-se a importação.
Partiu dêsse momento o desenvolvimento da indústria da moagem; igualmente desde êsse momento, começou Portugal a ser o País que tinha pão mais caro do que qualquer outro da Europa.
Veio a guerra e conseqüentemente a carestia da vida.
Entrámos então no regime do «pão político».
O que significa de gravoso para o Estado êsse regime, já aqui tem sido demonstrado sobejamente.
Tem sido uma cousa absolutamente ruïnosa.
Dir-me hão: mas isso foi uma cousa necessária em benefício do consumidor!
Eu responderei que foi apenas a população de Lisboa e, em parte, a do Pôrto, pois ali há muita gente que consome apenas o pão de milho, que aproveitou de um tal regime.
Portanto as contas anuais do fornecimento do pão político prejudicam o Estado em 100:000 contos.
Dá para a população de Lisboa um bónus de 140$, anualmente.
Quere dizer cada cidadão de Lisboa custa ao Estado 140$ por ano para que possa comer o pão mais barato.
Mas essa quantia que o Estado despende com a população de Lisboa, para que coma pão em melhores condições, é preciso ver que não tem sido em benefício da população, mas das indústrias, da moagem, de fábricas de pão, bolachas e massas.
Apesar disso as circunstâncias são que para Lisboa vêm convergindo todos os trabalhadores rurais para alimentar-se de pão melhor do que lá fora, e que é muito mais caro do que em Lisboa. Isto com grande prejuízo da província.
Aqui as populações rurais têm mais proventos.
Verifica-se isto fàcilmente.
No emtanto o Parlamento resolve todos os anos ocupar-se do regime cerealífero.
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Elaboram-se novas propostas, e propõe-se pôr tudo na ordem, que a moagem entrará, dizem, nos cofres do Espado com o que lhe deve.
Durante um mês os dois Deputados tratam do assunto e propõem cousas que a maior parte da gente não conhece.
Saíu essa lei terrível que se verifica ser mais um elemento para essa indústria aumentar os seus capitais.
A moagem paga ao Estado quando muito bem entende o trigo que o Estado lhe fornece e sem juro.
Fabrica o pão porque é panificadora.
Estamos em condições de vida diversas das de 1899.
Então a lavoura recebia o preço dos trigos muito superior ao de hoje.
Tomara ela receber o que recebia pelo trigo exótico.
São muito menores as vantagens que as leis lhe proporcionam; sobretudo com as fiscalizações.
Foi por isso que eu na legislatura passada tomei a iniciativa de apresentar à Câmara um projecto de lei que era justamente a lei de 1899 actualizada, julgando que o câmbio não iria abaixo de 4.
Então ninguém podia esperar o agravamento do câmbio como hoje existe.
Supondo que o câmbio melhorasse apresentei êsse projecto, garantindo o trigo exótico a $80 o quilograma.
Simplesmente nós somos um País em desordem; mas com ordem e honestidade fàcilmente poderia resolver-se êste assunto.
Sr. Presidente: se era êsse o meu desejo, o único valor que tenho, êle é de louvar.
De todos os lados se ouvia a condenação do pão político.
Devia actuar-se de maneira a que o pão político não voltasse, mantendo-se só a disposição da lei.
O Sr. António Maria da Silva, numa interrupção feita ao Sr. Ministro das Finanças sôbre o regime cerealífero, disse que o Govêrno estava fora da questão e os parlamentares é que foram para o pão político.
Isso não provava contra o caso extraordinário: o propósito do Ministro aproveitar a ocasião de o transformar.
Quando apresentei o meu projecto tive de esperar mês e meio.
O Ministro tinha as suas ideas: duas zonas: Lisboa e Pôrto.
Assim se começou a fazer pela lei aqui votada, mas o trigo era comprado em Lisboa e enviado para a província.
Não venho aqui para falar da indústria; mas não há uma razão para êste regime excepcional para Lisboa, em que se come pão pela têrça ou quarta parte doutras terras do País.
Faça V. Ex.ª idea de qual é o prejuízo do Estado e do consumidor, dêste sobretudo que tem de comprar pão de primeira em vez do de segunda.
Havia um artigo na lei que aqui se discutiu que obrigava, as padarias a fornecer pão de primeira pelo preço do de segunda, todas as vezes que o não tivessem desta qualidade à venda, mas êsse artigo foi rejeitado pela Câmara a pedido do Sr. Ministro!
Apesar disso houve uma companhia que estabeleceu êsse regime para as suas padarias, mas depois não manteve porque ninguém é mais papista que o Papa.
Sr. Presidente: o trigo exótico é, como disse, só distribuído à moagem de Lisboa e Pôrto, com cambiais fornecidas pelo Govêrno.
Quando se estabeleceu a lei o Sr. Ministro foi procurado pelos interessados que lhe pediram que autorizasse a importação de trigo, mas S. Ex.ª, não sei por que razão, não autorizou essa importação.
Dessa forma o trigo, que podia ter sido comprado a $80 o quilograma teve de ser comprado a 1$45.
Vê V. Ex.ª como por falta de providências ou por um êrro administrativo o Estado perdeu quantias importantíssimas!
Mas dá-se mais: como é costume do Govêrno Português só à última hora comprar trigos de que necessita, voltámos ao sistema dos vapores vadios, que a Câmara já sabe o que é.
O pior é que êste sistema traz grandes prejuízos para o Estudo, e tanto assim que nos dois últimos carregamentos se verificou que o Estado perdeu mais de 600 contos!
Sr. Presidente: disse eu que o Estado fornece à moagem todo o trigo exótico, mas vamos a ver como êsse fornecimento é feito.
Em Lisboa há várias companhias de
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moagem; há duas grandes, poderosas, intangíveis; há outra regular e mais 4 ou 5 regulares.
Pois bem, a distribuïção de trigo é feita por esta maneira: às companhias poderosas dá-se o trigo que lhes compete e até mais; às outras, sabe V. Ex.ª perante o trigo que deviam receber, o que lhes falta dar?
Eu vou ler à Câmara:
Leu.
Já vê V. Ex.ª que aqui há borbulha! De resto, uma das fábricas que recebe trigo não é de Lisboa. Realmente, há uma companhia que para o efeito de receber trigo é de Lisboa, mas para o efeito de vender farinha não é de Lisboa.
Veja V. Ex.ª qual deve ser o ganho extraordinário desta fábrica! Esta fábrica é a de Bomfim.
Fica, portanto, sabido que a moagem vende pelo mínimo de 1$45 farinha de trigo que lhe é fornecido a $80.
Êsse trigo não é, porém, só fornecido à moagem de Lisboa, pois que é fornecido às companhias cuja sede é em Lisboa.
Quere V. Ex.ª ver o que se passa?
Ao passo que às fábricas de moagem no norte, onde o trigo se não cultiva, o Govêrno não fornece um bago de trigo, as fábricas do Alentejo que pertencem às companhias de moagem de Lisboa têm sido fornecidas de bastante trigo. Assim, para a fábrica do Crato têm ido vários carregamentos de trigo, o primeiro de 50 vagões, quando o norte é obrigado a vir comprar trigo a Lisboa a 1$45 o quilograma.
Êstes factos devem dizer-se aqui para que o País os conheça!
Apoiados.
Mas vamos ver as quantidades de trigo até hoje recebidas depois que o Parlamento aprovou a actual lei cerealífera, e o modo como elas têm sido distribuídas. Foram até hoje autorizados e recebidos 75:000. 000 de quilogramas. Além disso, foram recebidos mais 21. 000:000, sendo 7. 000:000 para a Manutenção Militar; o que com 11. 000:000 de quilogramas que era o stock existente quando se aprovou a actual lei, dá uma totalidade de 107. 000:000.
Ora o consumo em Lisboa e Pôrto está pelos dados oficiais calculado aproximadamente em 13. 000:000 de quilogramas por mês, e como vão já decorridos 5 meses, o consumo deve ter sido de 65. 000:000 de quilogramas.
Devem, portanto, existir na posse da moagem de Lisboa cêrca de 42. 000:000 de quilogramas, visto que o trigo que lhe foi fornecido, o foi conjuntamente para o abastecimento das duas cidades de Lisboa e Pôrto.
E assim pregunto.
Onde param êsses milhões de quilogramas? Desapareceram?
Mas se desapareceram é porque foram vendidos.
E absolutamente necessário esclarecer êste caso porque se trata de qualquer cousa que representa perto de 18:000 contos.
Se se provar que êsse trigo foi realmente vendido, tem ou não o Govêrno o direito de exigir que as companhias que dele se apoderaram paguem essa quantia ou o prejuízo do Estado nesses fornecimentos?
O Pôrto é, como Lisboa, uma cidade privilegiada; nela existe um regime especial de combinação com as autoridades, e o trigo vai para lá nas mesmas condições em que vai para Lisboa. A verdade, porém, é que com consentimento dessas mesmas autoridades 70 por cento dêsse trigo é exportado para fora da cidade, 30 por cento exportado pela moagem e 40 por cento pelos padeiros que cobram além disso 300$ por cada guia de carga de 1:200 quilogramas.
Nestas condições há ganhos ilícitos por deficiência da lei e por culpa dos governos.
Sr. Presidente: é meu velho hábito parlamentar usar da palavra durante pouco tempo; não quero, neste momento, abrir uma excepção. Em poucos minutos se pode dizer tudo quanto se sinta necessidade de dizer. E eu creio ter dito já o bastante para expor à Câmara os meus pontos de vista, e, sobretudo, para provocar explicações por parte do Sr. Ministro da Agricultura.
Eu sei que o projecto que tenho a honra de submeter à apreciação do Parlamento, envolve uma medida acentuadamente radical, mas sei também que o País não pode suportar por mais tempo uma situação tam lesiva dos interêsses nacionais como aquela em que temos vivido há alguns anos a esta parte. O pão
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tem de custar aquilo que vale. A situação artificial em que vivemos só serve para beneficiar não aqueles que pretendemos defender, mas aqueles que não devem merecer o nosso interêsse.
A indústria da moagem tem-se desenvolvido sem necessidade de grandes capitais porque tem sido o Estado que lhos tem fornecido. Eu posso afirmar que se todas as fábricas do País trabalhassem em cheio, em dois meses farinava-se trigo para todo o ano.
Vou referir-me à situação da moagem da província. Eu não ataco senão o Govêrno, pois a moagem está no seu direito de negociar com toda a gente e o Govêrno é que tem de se defender.
Mas é justo que vendendo-lhe aqui o Govêrno o trigo pelo custo essa moagem tenha de sofrer a concorrência daquela que tem o trigo por $80?
Com a fiscalização não contem V. Ex.ªs É uma função de gorgeta!
O Sr. Ministro da Agricultura sentado no seu lugar, enervado por tudo isto, pelas grandes dificuldades que encontrou no seu Ministério e a forma por que os Srs. Ministros anteriores resolveram êsse caso.
O que o Govêrno deve fazer é proceder de forma que a moagem não tenha mais que o lucro legal; mas se o Govêrno estabelece um preço, pode êle ser aceito, mas quem é que nos garante que não há concorrência, e para isso não há fiscalização possível, pois não se poderá impedir a saída do trigo de Lisboa.
Eu sei que a intenção do Sr. Ministro é a melhor, mas eu se ataco o Govêrno é porque não posso acusar a moagem.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Sr. Presidente: antes de falar no assunto cumpre-me apresentar, visto que falo pela primeira vez nesta Câmara, os meus cumprimentos respeitosos a V. Ex.ª e à Câmara e agradecer ao Sr. Joaquim Ribeiro o ter-me proporcionado ocasião de emitir a opinião do Govêrno sôbre o actual regime cerealífero.
Posso dizer que concordo quási com S. Ex.ª neste assunto.
De facto a forma por que está sendo praticada a lei V. Ex.ª conhece-a bem.
Creio que tudo que se está passando é apenas resultante de a base 1ª ter levantado o preço do trigo uma vez por ano.
A lei estabelece o preço médio que tem de subsistir até o fim do ano.
Sem o regime livre, estou absolutamente convencido, não poderão manter-se os preços do pão, sendo quási impossível a sua regulação pela Manutenção Militar.
Temos de substituir na actual lei aquilo que se pode modificar, aumentando o preço do trigo.
Com o preço actual em Lisboa e Pôrto, não há forma de evitar o pão político, que tem de acabar porque é absolutamente imoral.
S. Ex.ª referiu o que se passa com o trigo que vem para Lisboa.
Tenho para apresentar uma proposta de lei que julgo resolverá o assunto, não ficando a Fazenda Pública prejudicada.
Neste momento, em Lisboa, existe trigo para o consumo até 3 de Fevereiro próximo; e no Pôrto, para o consumo até o dia 10 do mesmo mês, segundo informações que dali me chegam.
Trocam-se explicações entre o orador e alguns Srs. Deputados que se aproximaram da bancada ministerial, sendo S. Ex.ª simultâneamente interrompido pelos Srs. João Luís Ricardo e Joaquim Ribeiro.
O Orador: — Envio para a Mesa a proposta de lei que o Govêrno apresenta à e para ela peço a urgência.
Foi aprovada a urgência.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: apenas duas palavras em resposta ao Sr. Ministro da Agricultura.
Mantenho o ponto de vista que já defendi. Quero a liberdade absoluta, porquanto tenho a pretensão de conseguir, por êste sistema, que a malfadada questão cerealífera jamais volte a merecer as atenções do Parlamento. Vou, por isso, defendê lo, na comissão a que pertenço, com o maior interêsse, tam certo estou de que, se as minhas palavras forem ouvidas, o problema se solucionará justa e definitivamente.
Tenho dito.
O Sr. Tavares Ferreira: — Em nome da comissão do Orçamento, requeiro para entrar imediatamente em discussão um parecer sôbre o reforço de determinadas verbas.
É aprovado e entra em discussão.
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É o seguinte:
Senhores Deputados. -A vossa comissão do Orçamento, tendo apreciado a proposta de lei n.º 380-A, do Sr. Ministro do Comércio, pedindo refôrço de várias verbas do orçamento, é de parecer que apenas devem ser aprovadas as importâncias destinadas aos edifícios.
A constante subida quer dos materiais, quer dos salários originam já o encerramento dalgumas obras por se terem esgotado as respectivas verbas.
Além do prejuízo que a paralisação dos trabalhos ocasiona, operários que há muitos anos empregam a sua actividade nas obras do Estado, estão já há dias privados dos seus salários. Cêrca de 1:000 trabalham actualmente nos edifícios de Lisboa.
Apenas 700, porém, têm uma produtividade normal, estando dos restantes considerados inválidos uns, quási impossibilitados outros, recebendo salários que variam entre 8$50 e 1$46.
Melhor seria que os operários estivessem a cargo da Assistência ou de qualquer outra instituïção para não sobrecarregarem as obras com uma despesa que não tem a correspondente produção.
Mas emquanto isso se não fizer, só pelas verbas destinadas aos edifícios é possível pagar-lhes, visto que, tendo-se impossibilitado em muitos anos de trabalho para o Estado, iníquo seria atirá-los para a miséria, de que muitos dêles bem próximos estão, atentas as deminutas subvenções que recebem.
Entende, pois, a comissão que deveis aprovar as verbas destinadas aos hospitais civis de Lisboa, à construção, reparação, melhoramentos e conservação dos edifícios públicos das casas económicas de Lisboa.
A verba destinada à construção, reparação e melhoramentos de edifícios dos estabelecimentos de ensino industrial e comercial deve ser reduzida a 200. 000$.
A restante verba, destinada a material e diversas despesas das repartições do Ministério, entende a comissão que devem ser rejeitadas, embora os preços dos vários artigos tenham subido, não vê a comissão que haja grande necessidade de reforçar essas verbas.
Câmara dos Deputados, 26 de Janeiro de 1923. — A. Portugal Durão — T. J. de Barros Queiroz — Bartolomeu Severino — Abílio Marçal — Adolfo Coutinho — Paiva Gomes — Constâncio de Oliveira — Albino Pinto da Fonseca — Henrique Pires Monteiro — Tavares Ferreira.
Senhores Deputados. — Em conseqüência do constante agravamento de preço dos materiais e do custo da mão de obra, e ainda em virtude dos encargos que sobrecarregam as obras em execução em Lisboa, subordinadas à Administração Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, resultantes do excesso de pessoal operário, e sobretudo do elevado número de inválidos que por elas continuam percebendo salários, acham-se neste momento quási esgotadas, a despeito de nos encontrarmos ainda a menos de meio do ano económico, as verbas dos artigos respectivos do orçamento em vigor.
Em tais condições, tendo de ser reforçadas essas dotações, pois de contrário teria de ser imediatamente iniciada uma grande redução de obras e o correlativo despedimento do respectivo pessoal operário, o que nesta época do ano e dada a crise de construções existente em Lisboa, seria altamente inconveniente, além de inconciliável com as inadiáveis e urgentes necessidades, quer de conservação de muitos edifícios públicos, quer dos serviços do Estado nele instalados.
Ainda devido à extraordinária subida do custo de todos os artigos de expediente, encontram-se já quási por completo gastas as dotações para aquisição de tais artigos por parte dalguns organismos do Ministério, o que carece de ser remediado, a fim de que não sofram interrupção os respectivos serviços.
Nestes termos, tenho a honra de submeter à vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:
São reforçadas com as quantias abaixo indicadas as seguintes dotações do Ministério do Comércio, em vigor para o ano económico:
Capítulo 1.º — Artigo 2.º:
Material e despesas diversas:
Gabinete do Ministro........... 4. 000$
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Capítulo 2.º — Artigo 15:
Material e despesas diversas:
Secretaria Geral do
Ministério.... 5. 000$
8ª Repartição da
Direcção Geral
da Contabilidade
Pública.... 4. 000$
__________ 9. 000$
Capítulo 5.º — Artigo 58.º
Hospitais civis de Lisboa:
Adaptação e repa-
rações........ 150. 000$
Conservação......100. 000$
__________ 250. 000$
Artigo 59.º:
Construção, reparação, melho-
ramentos e conservação de
edifícios públicos........ 2:000. 000$
Artigo 65.º
Casas económicas de Lisboa 800. 000$
Artigo 67.º
Construção, reparação e me-
lhoramentos de edifícios de
ensino industrial e comer-
cial..................200. 000$
Capítulo 7.º — Artigo 93.º
Material e diversas despesas:
Direcção Geral do Comércio
e Indústria....... 3. 000$
O Ministro do Comércio e Comunicações, Fernando Brederode.
É aprovado o parecer.
O Sr. Tavares Ferreira: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado.
Continua em discussão o parecer n.º 61.
O Sr. António Fonseca: — Na sessão de ontem eu disse, a respeito do parecer em discussão, tudo quanto sôbre êle tinha a dizer.
Mas, visto ter ficado com a palavra reservada para hoje, permita-me a Câmara que eu faça uma pequena razão de ordem, isto é, que concretize os enunciados de ontem, dispensando-me, todavia, de reeditar os argumentos já apresentados, com que pretendi demonstrá-los, por terem sido, em meu entender, suficientemente claros.
Eu sustentei que nenhuma razão séria e lógica havia capaz de justificar o estabelecimento para os funcionários militares dum regime de licenças ilimitadas diverso do que existe para o funcionalismo civil.
Afirmei mesmo que, se algumas razões havia, para estabelecer essa diversidade, elas eram no sentido de dificultar o regresso aos quadros, dos funcionários militares, depois de êstes os terem abandonado em gôzo de licença ilimitada.
Se no exército não houvesse promoções as licenças ilimitadas em nada afectariam a situação daqueles que permanecessem nas fileiras.
Mas como no exército há ainda promoções, o facto de se permitir aos oficiais em licença ilimitada o seu regresso aos quadros, reservando-lhes determinadas vagas, lesa aqueles oficiais que, não tendo gozado licença ilimitada, permaneceram sempre nas fileiras.
Em todos os casos estabelece que a terceira vaga que se der quer nos quadros em que se efectuaram promoções, quer nos quadros em que elas não se efectuam, será preenchida por um oficial da situação de licença ilimitada, desde que o requeira no prazo do seis meses.
Suponhamos que em vez do que estatui o parecer n.º 61 se estabelecia que aqueles indivíduos não entravam senão sob as condições de entrada dos funcionários civis, o que aconteceria? Aconteceria que de cada três vagas que se dessem nos quadros onde não houvesse promoções todas elas seriam destinadas aos oficiais que não tivessem abandonado o serviço.
Quere dizer, portanto, que aquelas pessoas que por se julgarem incompatíveis com o serviço do Estado no exército, incompatibilidade que pode resultar de várias circunstâncias, podendo resultar até mesmo exclusivamente de não se acharem suficientemente remuneradas, sentindo por isso necessidade de procurar fora do exército uma situação que lhe permita umas condições de vida um pouco diversas daquelas que têm, essas pessoas, repito, que abandonam a profissão do exército, que abandonam, embora transitòriamente, o serviço do Estado e da defesa nacional, não devem voltar à situação primitiva pela forma que se pretende estabelecer, porque essa forma, além de ser injusta em
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relação aos outros funcionários que não são militares, é ainda lesiva dos interêsses daqueles que deviam merecer maior consideração porque preferiram continuar a servir no exército a irem fazer a tentativa de procurar melhores condições de vida do que aquelas que o Estado lhes faculta.
Sr. Presidente: parece-me que êste tratamento que se pretende dar aos funcionários militares que abandonam o serviço do exército pelas razões indicadas, de injustiça, relativamente aos funcionários civis, e de lesão que vai afectar aqueles que através de tudo se mantêm nos seus postos e fiéis á profissão que escolheram, é um tratamento que se me afigura inadmissível.
Se realmente há vagas, essas vagas devem ser atribuídas exclusivamente àquelas pessoas que através de todos os sacrifícios e de toda a ordem, preferiram continuar a servir o Estado na sua qualidade de oficiais, a irem procurar fora qualquer situação pela qual valesse a pena trocar os galões de oficial.
Acho que um militar, desde que uma vez entendeu que poderia sair do exército para ir procurar outra profissão, o Estado não tem senão a lucrar que êsse oficial se conserve nessa nova situação.
Para se servir bem uma profissão, não basta ter aptidões, é necessário ter o desejo de bem a servir e só se tem êsse desejo quando as pessoas se dedicam ao serviço dessa função que não abandonam por qualquer circunstância, embora essa circunstância seja importante à sua vida, e se essa circunstância importante fôr a miséria da sua família porque não ganha suficientemente então o que temos de considerar são os vencimentos do exército.
Sr. Presidente: tenho uma vaga impressão de que êste projecto foi apresentado com o fim, não o posso afirmar, mas disseram-mo várias pessoas, não sei mesmo se já o disse algum dos oradores que têm falado sôbre êste assunto, tenho a impressão, repito, de que foi apresentado com o fim de facilitar aos oficiais do exército a saída dos quadros, visto que os quadros se encontram excedidos, pretendendo-se dar assim aos Srs. oficiais, como por assim dizer, uma espécie de isca, uma vantagem em sair do exército, para irem procurar outra profissão.
Não compreendo a razão por que se estabelece êste ou qualquer outro processo em relação aos funcionários militares, e até agora ainda nem o Govêrno nem qualquer comissão parlamentar se lembrou de fazer a mesma cousa relativamente aos funcionários civis, porque toda a gente sabe que se há no exército, oficiais a mais, nos quadros do funcionalismo civil dá-se o mesmo facto.
Sr. Presidente: eu que não sou militar e não posso portanto preocupar-me nem obscurecer o meu juízo com qualquer espírito, de classe ou casta, acho que esta política do Estado não honra realmente o Estado, não devendo o Estado estar a favorecer aquelas pessoas que não sendo capazes de servir o Estado como militares, vão lá fora experimentar outra situação que lhe permita uma vida mais desafogada.
Se há oficiais a mais demitam-nos ou resolvam o caso de qualquer outra maneira, mas nunca sob a forma de um convite à saída como que a dizer-lhes: os Srs. estão cá a mais, mas como não podemos demiti-los, vão ver se podem arranjar qualquer outra profissão, que não seja imoral, onde obtenham lucros, e se não se derem bem, cá têm o seu lugar guardado, os seus galões, os seus soldados para comandar.
Sr. Presidente: V. Ex.ª compreende, e compreende toda a Câmara, que se é facto que todas as profissões permitidas por lei podem ser desempenhadas por qualquer cidadão português, os oficiais estão, pelas suas funções especiais, pelo decoro que se exige àquela profissão, inibidos de representar todos os papéis que qualquer outro cidadão pode desempenhar; mesmo dentro da lei.
Sr. Presidente: pelas razões apontadas, parece-me portanto que não há nenhuma razão especial para êste tratamento de desigualdade, em relação ao funcionalismo civil, não havendo portanto também nenhuma razão especial para prejudicar os outros Srs. oficiais que não abandonaram a sua profissão, a fim de irem procurar uma situação mais remunerada.
Sr. Presidente: há ainda uma outra circunstância a notar.
Eu não quero nem posso imaginar que o Sr. Eugénio Aresta, autor do projecto, tivesse qualquer cousa especial em
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mas como costumo falar sempre com toda a franqueza, não me repugna dizer a respeito dêste projecto e de outros referentes a reorganizações de serviços públicos, que vêm à Câmara trazidos pela mão individual de qualquer Sr. Deputado, sem ofensa para os autores de outros projectos, presentes passados e futuros, que me vem ao espírito a idea de um caso particular.
Compreendo que neste caso S. Ex.ª só tivesse tido em vista regular uma situação que não estava regulada.
Lamento que a questão, que não é de transcendência, como já disse, não possa pela falta de tempo ser tratada por mim sob todos os seus aspectos, e digo isto porque tenho a impressão que procurando-se bem em toda a legislação militar, em todos os escaninhos, parágrafos e alíneas e artigos, seria possível demonstrar a inanidade dêste projecto.
Mas eu não quero fazer um estudo que não vale a pena fazer-se, e tratando-se de assuntos do Ministério da Guerra, eu não quero ser mais militar que os militares, e só digo que me parece que o projecto é inútil pois que haverá na legislação meios de atender aos casos de que se trata sem necessidade dêste projecto.
Se assim fôr, e se o Parlamento votar o projecto, terá de votar a mesma reforma em favor dos funcionários civis, porque, de contrário, só se mostrará que o exército tem preferência a todas as outras classes.
Àpartes.
O Sr. Carlos Olavo (interrompendo): — É uma situação que se criou e que se não pode criar para os civis.
Àpartes.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Não pode, diz V. Ex.ª, mas se se disser a razão, talvez então se possa também.
É porque o exército e a marinha fazem pressão, e V. Ex. a obriga-me a dizer tudo.
Se amanhã se puser na mão de cada funcionário civil uma espada e uma espingarda talvez então as excepções que hoje existem para essa classe não sejam tamanhas.
Apoiados.
Àpartes.
Sr. Presidente: em àpartes que me fazem, fala-se em greves, mas também o movimento das espadas pode ser considerado uma greve.
Àpartes.
Tanto o movimento das espadas, como a greve dos funcionários são casos lamentáveis.
Quando foi da greve dos funcionários era eu Ministro, e a primeira cousa que o Govêrno fez foi apresentar o projecto de demissão dêsses funcionários.
Àpartes.
Com os militares do movimento das espadas não sucedeu o mesmo.
Àpartes.
Mas, Sr. Presidente, não é justo que haja um regime de licenças para uns e não para outros.
O regime deve ser o mesmo, tanto para o exército, como para os funcionários civis.
De todas as considerações feitas, eu mantenho o meu ponto de vista.
Voto contra êste artigo 3.º e, na altura da discussão na especialidade, mandarei para a Mesa uma emenda no sentido de que o regime das licenças ilimitadas para os militares seja idêntico ao regime geral adoptado para todos os funcionários.
Apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: chamado à tela do debate, abandonando aquela atitude impávida a que se referiu o meu ilustre amigo e brilhante parlamentar, Sr. António Fonseca, e sendo dum temperamento naturalmente sereno, eu procurarei ser calmo nas minhas considerações.
Responderei a S. Ex.ª apenas no que se refere ao incidente resultante da última parte do seu discurso e que eu não posso deixar de levantar como chefe do exército, a que muito me orgulho de pertencer.
Sr. Presidente: não pode haver confronto entre as atribuïções do funcionalismo militar e as do funcionalismo civil. Tenho e sustento essa opinião e, quando a Câmara me demonstrar que estou em êrro, o meu lugar não é êste.
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Não há, repito, confrontos possíveis entre um e outro funcionalismo, ambos, aliás, inteiramente respeitáveis e com missões da maior importância para a vida da Nação.
Não quero entrar nesse campo, mas poderia dizer, por exemplo, que o militar não tem horas marcadas para o serviço. O militar trabalha indefinidamente, obedecendo sem discussão às ordens que lhe são dadas.
O Sr. António Fonseca: — Isso acontece também com o funcionalismo civil.
O Orador: — Será assim por lei, mas não o é pelos factos.
O Sr. António Fonseca: — É assim também pelos factos. Sabe V. Ex.ª que o seu colega das Finanças deu ordem para que os funcionários do seu Ministério trabalhem mais do que as horas de expediente. Há, de resto, muitos exemplos, como sejam os próprios funcionários que V. Ex.ª tem na sua frente, os dos correios e telégrafos e os dos caminhos de ferro.
O Orador: — Para o funcionalismo civil marcam-se horas de entrada e saída, emquanto que para o militar o seu serviço é dum dia até o dia imediato.
Esta é uma consideração que justifica o meu critério, que nada demove. Além disso, devo dizer que o exército sempre se tem mantido disciplinado através de tudo e com êle a Nação tem sempre contado e há-de poder contar no futuro.
O Sr. António Fonseca: — Essa é uma afirmação que V. Ex.ª deve fazer.
O Orador: — Faço-a perante V. Ex.ª, como perante o País.
Estas eram as considerações que, em virtude da última parte do discurso do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, entendi dever fazer.
Pelo que respeita pròpriamente ao parecer, compreende V. Ex.ª que não vale a pena arrastar a sua discussão com prejuízo para todos.
Tive conhecimento do projecto apenas pela leitura do parecer.
Não fazia parte da comissão de guerra de então e não o subscrevi.
Se me preguntarem se com êle concordo, responderei que sim.
Quanto à sua doutrina, melhor do que eu, porque a estudaram com mais tempo, os ilustres membros da comissão de guerra responderão por ela.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Estêvão Águas: — Sr. Presidente: pedi ontem a palavra quando falava o ilustre Deputado, Sr. António Fonseca, que classificou êste assunto como comesinho, dizendo não valer a pena perderem-se com êle tanto tempo e tantas palavras.
O Sr. António Fonseca: — Eu não classifiquei o assunto como comesinho.
O que disse foi que êle não é tam transcendente que um civil o não possa discutir.
O Orador: — Sr. Presidente: principio por dizer ao Sr. António Fonseca que o que levou o Sr. Eugénio Arestas a apresentar o seu projecto foi o que se passou a quando da discussão do orçamento do Ministério da Guerra.
Foi precisamente nessa ocasião que aqui se apresentou não só êsse projecto, mas vários outros, entre os quais um do Sr. Barros Queiroz para que as escolas de recrutas se realizassem nas freguesias, o que daria em resultado não haver oficiais em número suficiente para prestar a instrução, porque há milhares de freguesias, e milhares de oficiais subalternos, disponíveis, é que não há.
O Sr. Eugénio Aresta teve por fim, com o seu projecto, descongestionar os quadros em que havia oficiais a mais, por meio de licenças ilimitadas, que já existiam, mas não tam determinadamente como se acha no projecto, para assim êsses oficiais poderem ir desempenhar outros mesteres. Não há nenhum intuito reservado.
A comissão de guerra aceitou o projecto...
Estabelece-se discussão entre o orador e o Sr. António Fonseca.
O Orador: — Ainda ontem soube que há muitos oficiais com licença ilimitada que fizeram os seus requerimentos para
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ingressarem novamente no exército, não tendo entrado por virtude do despacho ministerial de 28 de Fevereiro de 1921, que determina que dessa data em diante os oficiais vindos de licença ilimitada só possam regressar aos seus quadros quando nesses quadros haja vacaturas.
Pelo projecto que se discute êste despacho não se mantém e os oficiais nestas condições entram à terceira vacatura.
Trocam-se àpartes.
Estabelece-se conversação entre os Srs. António Fonseca, Júlio de Abreu e Américo Olavo.
O Orador: — Sr. Presidente: vou terminar estas breves considerações, que ainda assim foram mais extensas do que eu desejava, porquanto simplesmente o que eu quis dizer ao Sr. António Fonseca foi que o Sr. Eugénio Aresta não teve outro intuito com êste projecto do que o de beneficiar o serviço público, facilitando o descongestionamento dos quadros onde estivessem oficiais a mais.
Devo ainda acrescentar, como remate a estas minhas palavras, que no exército não se promovem oficiais quando não há vagas, visto que a lei n.º 971 está em pleno vigor.
Tenho dito.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: contava o falecido escritor Eça de Queiroz que um dia, num banquete, um israelita tentou, disfarçadamente, estender a mão a um bocado de toucinho, esquecendo-se dos mandamentos de Jeovah.
Nesse momento, porém, desencadeou-se uma formidável trovoada e o israelita, encolhendo a mão, exclamou:
— Tanto barulho por um simples bocado de toucinho!!!
Risos.
Parece-me também que estamos fazendo tanto baralho por um simples bocado de toucinho.
A intenção do projecto do Sr. Eugénio Aresta é bem simples.
Os quadros do exército estão pejados, há coronéis, tenentes-coronéis, majores e mesmo capitães a mais.
O Estado português infelizmente é pobre e não lhes pode pagar bem, porque mesmo que os quadros não estivessem excedidos, com muita dificuldade poderiam
ser convenientemente retribuídos os serviços militares no nosso País.
Em face desta dura realidade, o Sr. Eugénio Aresta pretende, com o seu projecto, que os oficiais procurem uma ocupação fora do exército, evitando assim encargos ao Estado.
Disse o Sr. António Fonseca que não se adoptaram iguais medidas para com o funcionalismo civil.
Mas, Sr. Presidente, se não pode, de facto, resolver-se a questão para os funcionários civis e só com a aprovação dêste projecto outra cousa não se pretende fazer senão economias para o Estado, se é possível fazer essa economia com as licenças ilimitadas, entendo que tal projecto deva merecer a aprovação da Câmara.
O ilustre Deputado António Fonseca disse que ia estudar êste assunto, a fim de ver se êle pode ter aplicabilidade à classe civil; pois que S. Ex.ª faça êsse estudo o mais breve possível e o traga à apreciação do Parlamento porque tenho a impressão do que podemos dispensar uma larga quantidade de funcionários civis que estão ao serviço do Estado.
S. Ex.ª apresentou como um dos pilares da sua argumentação o facto de se destinar a terceira vaga para os oficiais vindos de licença ilimitada, o que representava um prejuízo para os oficiais que permaneceram fiéis nos seus postos. Digo que não é assim.
Pois então os oficiais que foram com licença ilimitada não serão mais prejudicados do que os oficiais que ficaram permanentemente no exército?
Tenho de aceitar que muitos dos homens que vão procurar colocação fora dos quadros do exército em funções do ordem civil, muitos dêles ficam por lá e mesmo que voltem ao serviço militar a sua ausência não representou senão benefício para os oficiais que continuaram nos quadros do exército.
Há, portanto, toda a vantagem, quer para o Estado, que tem de pagar menos, quer para os oficiais que não abandonaram os seus postos, em que seja aprovado êste projecto que diz respeito a licenças ilimitadas.
Pretendeu-se aqui também estabelecer comparação entre a situação do funcionário civil e do funcionário militar; devo
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dizer que não tem comparação alguma. O próprio Sr. Júlio de Abreu afirmou que ignorava que tendo um Ministro lançado um despacho, dentro da sua secretaria o oficial não pudesse recorrer dêsse despacho.
Sr. Presidente: aqui tem V. Ex.ª um caso em que a situação do funcionário civil e do funcionário militar é diferente. O funcionário civil pode recorrer do despacho do Ministro, ao passo que o funcionário militar não pode, e se o fizer o menos que lhe pode suceder é ir parar à prisão.
Mas há mais: tanto as situações são diferentes que se amanhã, por exemplo, um chefe do repartição der as suas ordens a um seu subordinado e êste não as cumprir, não sofre o que um militar sofre se não cumprir as ordens dos seus superiores.
Já V. Ex. as vêem que o exército tem uma estrutura diferente da classe civil.
Portanto e porque eu disse que estávamos a fazer muito barulho por uma questão de nada, vou terminar afirmando mais uma vez que os militares que aqui estão dentro da Câmara não procuram com êste projecto de lei outra cousa senão economia para o Estado, redução do excesso de oficiais, limitação mesmo dos quadros dos oficiais do exército, para o Estado poder pagar devidamente a quem o serve.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda feira, 29, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Parecer n.º 381, que concede carta de oficial pilôto aos indivíduos habilitados com o curso elementar de pilotagem.
Parecer n.º 55, que exceptua da desamortização os imóveis situados no concelho de Anadia pertencentes à Misericórdia de Ovar.
Parecer n.º 87, que concede o prazo de 30 dias aos militares que queiram requerer junta a que se refere o artigo 3.º da lei n.º 1:170.
Parecer n.º 103, que permite a admissão até 25 alunos no Instituto Feminino de Educação e Trabalho.
Parecer n.º 109, que autoriza o Govêrno a comprar a Quinta do Almarjão onde se encontra o Pôsto Agrário do Algarve.
Parecer n.º 152, que revoga o decreto n.º 6:960, de 23 de Setembro de 1920.
Parecer n.º 160, que aplica as disposições legais para os funcionários do Estado aos funcionários municipais das colónias que vão à colónia da sua naturalidade com licença.
Parecer n.º 184, que manda contar o tempo de serviço prestado no Arsenal do Exército aos oficiais de artilharia a pé em serviço no mesmo arsenal.
Parecer n.º 191, que manda contar ao alferes de artilharia de campanha Jaime de Figueiredo a antiguidade do quadro da sua arma desde a data da promoção a alferes miliciano.
Parecer n.º 212, que confere o diploma de engenheiro industrial aos oficiais de artilharia dos antigos cursos aos actuais de artilharia a pé.
Parecer n.º 247, que extingue o museu zootécnico a que se refere o decreto n.º 4:249, de 8 de Maio de 1918.
Parecer n.º 270, que autoriza a Direcção Geral dos Serviços Florestais a fazer um empréstimo de 6. 000$ à cooperativa dos empregados florestais.
Parecer n.º 294, que concede abonos de despesas de viagem aos funcionários diplomáticos e consulares e suas famílias quando tiverem de fazer viagem para tomar assento no Parlamento ou de regresso aos seus postos.
Parecer n.º 314, que eleva a 15$ o subsídio mensal às viúvas e órfãos de oficiais da armada e do exército.
Parecer nº 317, que autoriza as juntas gerais dos distritos a funcionar e deliberar em segunda convocação com o têrço dos membros.
Parecer n.º 322, aplicando as disposições do decreto n.º 7:823 aos oficiais e sargentos milicianos em designadas condições.
Parecer n.º 346, regulando o provimento das vagas de oficiais de justiça.
Parecer n.º 356, autorizando a Câmara Municipal de Santarém a vender os seus baldios para remodelar os serviços de águas e iluminação eléctrica.
Parecer n.º 362, que concede a estabelecimentos comerciais e industriais instalados em prédios que a lei considera rús-
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ticos os privilégios do decreto n.º 5:411 como se fôssem urbanos.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro da Agricultura, alterando a base 1.ª e seus §§ 1.º e 2.º da lei n.º 1:249.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de agricultura.
Para o «Diário do Govêrno».
Projectos de lei
Da comissão de guerra, dispensando das provas de aptidão que lhes faltaram para promoção efectiva os oficiais que durante a guerra foram graduados no pôsto imediato para comandarem unidades correspondentes a êsse pôsto.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. João Vitorino Mealha, concedendo em Março de 1923, nas Faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e Coimbra, uma época de exames para os alunos que estão ao abrigo do decreto n.º 118, de 4 de Setembro de 1918.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 373-F, que concede a pensão de 1. 200$ anuais à mãe do tenente aviador Ulisses Alves.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 375-J, que concede a pensão mensal de 240$ à viúva do general Manuel Luís Gomes de Sousa.
Para a comissão de colónias.
Da mesma, sôbre o n.º 363-F, que concede uma pensão de sangue à viúva e filhos do alferes José Nunes, assassinado pelo gentio da Guiné.
Para a comissão dê colónias.
Da comissão de instrução secundária sôbre uma petição do pessoal menor dos
liceus do Pôrto, relativa a diuturnidade, subsídio de residência e horas de serviço.
Para o «Diário das Sessões», nos termos do artigo 38.º do Regimento.
Da mesma, sôbre uma petição dos empregados menores dos liceus de Lisboa, Pôrto e Coimbra, relativa a uma alteração a fazer no regulamento de instrução secundária.
Para o «Diário das Sessões», nos termos do artigo 38.º do Regimento.
N.º 128, que isenta da aplicação das leis de desamortização designados prédios rústicos pertencentes ao Albergue dos Inválidos do Trabalho de Castelo de Vide e outros que venham a pertencer à Misericórdia da mesma vila.
Aprovado.
Dispensada a última redacção.
Para o Senado.
Renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 696-A, publicado no Diário do Govêrno de 16 de Março de 1921, e por mim apresentado à Câmara em 10 dêste mesmo mês, e renovada também pelo Sr. Ramos da Costa em 31 de Agosto de 1921, sob o n.º 30-Q.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 26 de Janeiro de 1923. -O Deputado, Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.
Comunicação
Do Sr. Sá Pereira, que, por motivo de morte duma pessoa de família, não pode durante alguns dias, comparecer às sessões.
Para a comissão de infracções e faltas.
Pedido
Do Sr. Lúcio dos Santos, para que seja submetido à Câmara o pedido de licença para se ausentar de Portugal, no desempenho duma comissão de serviço.
Para a comissão de infracções e faltas.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, se publiquem todos os documentos relativos ao restabeleci-
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mento das relações da Igreja e do Estado no actual regime.
Sala das Sessões, 24 de Janeiro de 1923. — O Deputado, António Lino Neto.
Expeça-se.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.º do Regimento
Parecer n.º 402
Senhores Deputados. — A vossa comissão de instrução secundária, apreciando a pretensão dos empregados menores dos liceus de Lisboa, Pôrto e Coimbra, é de parecer: que qualquer alteração a fazer ao respectivo pessoal da instrução secundária é da iniciativa e critério do Ministro da Instrução, a não ser que um projecto de lei viesse alterar a legislação em vigor. De resto, parece ter sido orientação seguida, para melhor eficácia de aproveitamento da energia dos citados empregados menores dos liceus, que a sua situação seja de «empregados interinos ou contratados anualmente».
Lisboa, 25 de Janeiro de 1923. — Ginestal Machado — Alberto Vidal — Francisco Manuel Homem Cristo — João de Ornelas da Silva — Baltasar Teixeira — Alberto Cruz, relator.
Ex. mo. Sr. Ministro da Instrução Pública. — Os empregados dos Liceus Centrais de Lisboa, Pôrto e Coimbra, que nas bibliotecas, laboratórios e instalações de desenho dos referidos liceus prestam serviço em harmonia com as disposições do decreto de 18 de Junho de 1921, n.º 7:558, artigo 97.º e seus parágrafos, vêm muito respeitosamente perante V. Ex.ª, como seu legítimo superior hierárquico, gostosamente guiados pela forma justiceira como V. Ex.ª tem resolvido todos os casos justos que ao vosso critério têm baixado, rogar-vos que a êles também êsse tam belo como inteligente procedimento se estenda.
Não vêm os suplicantes solicitar de V. Ex.ª, Sr. Ministro, que lhes aumente o vencimento, pois isso seria, além de descabido no presente momento, tentar agravar o já depauperado Tesouro Público. Não. O que vimos é perante V. Ex.ª rogar que por uma simples e leve alteração ao supracitado decreto se digne colocar-nos numa situação clara e definida.
V. Ex.ª decerto não ignora que os empregados, uma vez propostos contínuos de classe, e que durante dois anos dessem provas de bom desempenho do lugar, os consideravam nomeados definitivamente.
A nós, empregados especial e exclusivamente nomeados para os já citados lugares, a quem se exige, além de conhecimentos, estudos, colocado nos têm em situação de completa desigualdade, e até, Sr. Ministro depois de nos distinguirem com um lugar de maior responsabilidade, de completa e pura inferioridade, adoptando para nós critério diferente ao adoptado para os contínuos.
A alteração por nós ambicionada tem por fim tirar-nos da posição indefinida em que permanecemos e colocar-nos numa outra mais harmónica, mais justa e mais completa, a nomeação definitiva.
Não é, pois, como demonstrado está, um aumento de vencimento ou a criação de lugares novos o que tam humildemente rogamos, mas sim uma solução de justiça, solução que em nada, absolutamente em nada, vai afectar a boa disciplina do serviço ou deminuir a fôrça e o prestígio a quem dele deve estar revestido, pois que o espaço de tempo de dois anos julgamos suficiente para que os Ex. mos. Srs. directores dos Gabinetes possam avaliar das aptidões, competência e porte dos empregados a quem confiado está o desempenho das funções de preparador, e ainda mesmo depois de decorrido êsse espaço de tempo, se o comportamento do empregado não fôr consentâneo com o lugar que lhe foi confiado, ou o seu porte menos correcto, no regulamento ou regulamentos em vigor existem penalidades suficientes para lhes fazer compreender que se o empregado tem direitos, antes e acima deles tem deveres.
Provável é que ao inteligente critério de V. Ex.ª surja, ao encarar a nossa pretensão, o obstáculo, se de tal forma se pode denominar, de que para tais lugares só podem e devem ser nomeadas criaturas portadoras dum mais elevado grau de instrução, do que aquele que os suplicantes possuem na sua maioria, mas a êsse obstáculo permitido nos seja opor a prática por nós adquirida e os anos de
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serviço já prestado a contento, tanto de S. Ex.ªs os reitores como dos Srs. diretores e até do próprio regulamento.
Argumentar-se há com a necessidade de estabelecer concursos, a fim de ter não só competências, senão profissionais, nos lugares que se pretende tornar definitivos, argumento com que em absoluto concordamos, pois não é crível que tais lugares sejam desempenhados por quem dêles tenha uma completa ausência de conhecimentos, mas êsses concursos só de futuro e para as vagas que ocorrerem devem vigorar, uma voz que seria negar à justiça o que ela tem de mais puro, se ao converter em definitivo o que de facto já existe se esquecesse o esfôrço, a competência e a boa vontade até então aproveitada de nós empregados.
Não sabemos como V. Ex.ª receberá esta justa e para nós legítima aspiração, mas, como ela é justa, nas vossas mãos a depositamos, certos de que justiça nos será feita.
Saúda reconhecidamente V. Ex.ª a comissão que se assina pelos empregados dos Liceus Centrais de Lisboa, Pôrto e Coimbra que se encontram desempenhando as funções de preparadores.
Lisboa, 25 de Março de 1922. — José Mendes Luís — José Maria Frazoa — Manuel Ferreira Dinis.
Parecer n.º 403
Senhores Deputados. — A vossa comissão de instrução secundária apreciou o pedido do pessoal menor dos liceus do Pôrto. Reconheceu, porém, que tendo o Ex. mo. Ministro da Instrução melhores elementos para avaliar da situação dêsses funcionários, melhor seria aguardar que o mesmo titular apresentasse à Câmara qualquer medida que julgasse conveniente. Por estas razões a vossa comissão de instrução secundária é de opinião que o pedido deve ser arquivado temporariamente.
Sala das sessões da comissão de instrução secundária, 25 de Janeiro de 1923. — A. Ginestal Machado — Alberto Vidal — Baltasar Teixeira — Alberto Cruz — João de Ornelas da Silva, relator.
Ex. mo. Sr. Ministro da Instrução Pública — Os empregados menores dos liceus do Pôrto vêm muito respeitosamente expor à alta consideração e esclarecido critério de V. Ex.ª o seguinte:
Há várias classes de funcionários públicos, tais como professores, correios, etc., que beneficiam do princípio das diüturnidades, vendo aumentados os seus honorários por vários períodos de cinco anos.
Também as mesmas classes e outras, como a dos empregados das secretarias dos liceus, percebem subsídio de residência e são-lhes pagas as horas extraordinárias de serviço, além das regulamentares.
Acontece, porém, que os signatários, sendo funcionários públicos como os outros, e tendo por ocasião dos exames um horário de trabalho que vai quási sempre desde as 8 às 21 horas, não têm nenhumas das regalias apontadas, o que representa uma flagrante e acentuada desigualdade dentro da mesma repartição, e perante outras classes mais felizes do que a nossa.
Por isso, e confiando no espírito justiceiro de V. Ex.ª, pedem licença os signatários para respeitosamente solicitar:
1.º Que aos empregados menores dos liceus seja reconhecido o princípio das diüturnidades;
2.º Que lhes seja concedido um subsídio de residência igual ao que é abonado ao pessoal das secretarias dos liceus;
3.º Que as horas de serviço além das regulamentares lhes sejam pagas tanto por ocasião dos exames como em qualquer outra ocasião em que tenham de prestar serviço extraordinário.
Confiando que justiça lhes será feita, os peticionários desejam a V. Ex.ª
Saúde e Fraternidade.
Pôrto, 23 de Março de 1922. — Pelo Liceu Alexandre Herculano, Joaquim Carlos Martins — Pelo Liceu Rodrigues de Freitas, Luís António Júnior — Pelo Liceu Sampaio Bruno, Maria de Jesus Pinto.
Parecer n.º 404
Senhores Deputados. — A vossa comissão de instrução secundária é de opinião que êste requerimento seja arquivado, visto ter passado a sua oportunidade.
Sala das sessões da comissão de instrução secundária, 20 de Janeiro de 1923. — A. Ginestal Machado — Francisco Manuel Homem Cristo — Alberto Jordão — Baltasar Teixeira — Alberto Cruz — Al-
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berto Vidal — João de Ornelas da Silva — Marcos Leitão, relator.
Ex. mo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. — Os alunos reprovados dos liceus do Pôrto pedem a V. Ex.ª a fineza de apresentar à Ex. ma. Câmara a seguinte petição: a criação duma nova época de exames em Outubro, contando com a protecção da Ex. ma. Câmara.
Pedindo deferimento, somos de V. Ex.ª — Os alunos.
Parecer n.º 894
Senhores Deputados. -Tendo passado a oportunidade dêste projecto, é a vossa comissão de instrução secundária de opinião que seja arquivado.
Sala das sessões da comissão de instrução secundária, 25 de Janeiro de 1923. — Francisco Manuel Homem Cristo — Alberto Jordão — João de Ornelas da Silva — Baltasar Teixeira — Alberto Cruz — Alberto Vidal — Marcos Leitão, relator.
Projecto de lei n.º 154-E
Artigo 1.º Ficam dispensados no actual ano escolar do exame de 5. a classe dos liceus os alunos nestes matriculados e que tenham obtido média de admissão ao referido exame.
Art. 2.º Fica revogada a legislação era contrário. — O Deputado, Angelo Sampaio Maia.
Parecer n.º 398
Senhores Deputados. -A lei n.º 1:350, de 13 de Setembro de 1922, publicada no Diário do Govêrno n.º 190, da mesma data, teve origem no projecto de lei n.º 103-P, por onde se pode ver qual o espírito que a êle presidiu, e por isso aqui o transcrevemos com os respectivos pareceres da Câmara dos Deputados.
República Portuguesa. — Câmara dos Deputados. — Projecto de lei n.º 103-P.
Senhores Deputados. — Há longos anos que aos oficiais do exército de terra em serviço nos diferentes Ministérios lhes é garantida a promoção ao generalato, embora como graduados, o que, se não representa aumento de interêsses materiais, garante legítimos interêsses morais, que em todas as carreiras, e sobretudo na militar têm capital importância.
A lei de 25 de Maio de 1911, especialmente no seu artigo 441.º, veio mais uma vez garantir os direitos de promoção aos oficiais do exército de terra, fora do serviço do Ministério da Guerra, tendo, pela sua aplicação, atingido o pôsto de general graduado, entre outros, os coronéis Cerveira de Albuquerque e Freire de Andrade.
É, pois, justo que iguais direitos se consignem aos oficiais da armada, tanto mais que nenhum aumento de despesa acarreta a aplicação do projecto de lei que tenho a honra de submeter à vossa apreciação:
Artigo 1.º Aos oficiais da armada em serviço nos diferentes Ministérios, embora estejam no quadro auxiliar ou reformado, e que tenham logrado promoção ao abrigo do artigo 116.º do decreto de 14 de Agosto de 1892, ou que estejam usufruindo as regalias do referido artigo 116.º, é aplicável a doutrina do artigo 441.º da lei de 25 de Maio de 1911 e seu § único.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Parecer n.º 201
Senhores Deputados. -A vossa comissão de marinha, tendo examinado devidamente o projecto de lei da autoria do Sr. Álvaro de Castro, tornando extensiva aos oficiais da armada em serviço nos diferentes Ministérios as regalias conferidas pelo artigo 441.º da lei de 25 de Maio de 1911 e seu § único aos oficiais do exército de terra, é de parecer que merece a vossa aprovação, pois que, além de traduzir um acto de justiça, nenhum encargo acarreta para os cofres públicos.
Sala das Sessões, 6 de Julho de 1922. — José Novais de Medeiros — Mariano Martins — Jaime Pires Cansado — Armando Pereira de Castro — Agatão Lança — António Mendonça.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de finanças, apreciando o projecto de lei n.º 103-P, do Sr. Álvaro de Castro, que lhe foi apresentado com o parecer favorável da vossa comissão de marinha, verificou que êle não traz aumento de despesa para o Tesouro, visando apenas a conceder certas regalias de graduação aos oficiais da armada, e por isso é de
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parecer que o projecto deve merecer a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de finanças, 11 de Junho de 1922. -João Camoesas — F. C. Rêgo Chaves — Queiroz Vaz Guedes — Carlos Pereira — Alberto Xavier (com restrições) — António Vicente ferreira — F. G. Velhinho Correia — Lourenço Correia Gomes, relator.
Senhores Deputados. — Como se vê, trata-se apenas de dar aos oficiais da armada em comissões especiais, ao abrigo do artigo 116.º do decreto com fôrça de lei de 14 de Agosto de 1892, as mesmas regalias que o artigo 441.º da lei de 25 de Maio de l9ll confere aos oficiais do exército, pela aplicação àqueles da doutrina dêste mesmo artigo, o qual dispõe que para êsses oficiais continua a promoção como graduados, uma vez que satisfaçam às condições da promoção estabelecidas.
Ora, como os oficiais do exército em serviço fora do Ministério da Guerra, permanentemente, não são obrigados a tirocínio, entendendo-se que as condições de promoção para êles estabelecidas, ou a que êles têm de satisfazer, são independentes dos tirocínios, e assim foram graduados em generais os coronéis Cerveira de Albuquerque, Freire de Andrade, Ferrugento Gonçalves e, mais recentemente, Esteves de Freitas, os primeiros são citados no projecto de lei n.º 103-P, da iniciativa do major Sr. Álvaro de Castro, que bem conhece as condições em que o Ministério da Guerra aplica o artigo 441.º, de que acima se faz menção.
Que a aplicação da doutrina do artigo 441.º, mandada fazer aos aludidos oficiais da armada pela lei n.º 1:350, é independente de condições especiais de promoção, isto é, de tirocínio, prova-o exuberantemente o facto de ela se fazer aos oficiais do quadro auxiliar (reserva) e reformados, pois mal se compreende que um oficial que já logrou a reforma, mas que se conserva em serviço, tenha de satisfazer outras condições de promoção ou melhor graduação, que não sejam as condições gerais de promoção, conforme o artigo 64.º do mencionado decreto de 14 de Agosto de 1892, que são também as únicas exigidas para a promoção a vice-almirante pelo artigo 72.º do decreto aqui citado.
Mas há mais. Se qualquer dos oficiais á que aproveita a lei n.º 1:350 tivesse tirocínio, não carecia de lei especial, porque a sua promoção se faria pela lei geral para o quadro, o que não é o caso.
Por todos êstes motivos a vossa comissão de marinha, tendo examinado devidamente a proposta de lei do Sr. Ministro da Marinha, que tem por fim esclarecer a referida lei n.º 1:350, é de parecer que a sua doutrina se contém inteiramente no artigo 1.º da mesma lei n.º 1:350, não devendo por isso ter andamento a proposta de lei em questão.
Sala das sessões da comissão de marinha, 24 de Janeiro de 1923. — Jaime de Sousa, presidente e relator — A. Portugal Durão — José Morais de Medeiros — Jaime Pires Cansado — Ferreira da Rocha.
Proposta de lei n.º 376-D
Senhores Deputados. -Considerando que a lei n.º 1:350, de 13 de Setembro de 1922, não teve, pela sua redacção, o justo critério de dar aos oficiais da armada iguais direitos aos que são conferidos pela lei de 25 de Maio de 1911 a oficiais do exército em serviço nos diferentes Ministérios;
Considerando a necessidade urgente de esclarecer aquele diploma de modo a serem abrangidos os oficiais que a nova lei pretendia, no espírito que a ditou, beneficiar, tenho a honra de submeter à vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Para aplicação da lei n.º 1:350, de 13 de Setembro de 1922, aos oficiais da armada é apenas necessário que êstes satisfaçam às condições gerais de promoção, ficando graduados no pôsto a que ascenderem.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados. — O Ministro da Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
O REDACTOR — Herculano Nunes.