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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 35
EM 21 DE FEVEREIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados, lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. António Mata ocupa-se dum incidente ocorrido nos serviços de aviação militar, respondendo -lhe o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
O Sr. Constâncio de Oliveira chama a atenção do Govêrno para factos passados em Castanheira de Pera e Sintra, que considera abusos da autoridade administrativa. O Sr. Ministro da Guerra promete transmitir ao seu colega do Interior as considerações do Sr. Deputado.
O Sr. António Maia volta a ocupar-se do assunto sôbre o qual já havia usado da palavra nesta sessão.
É aprovada a acta.
São concedidas licenças.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão sôbre a generalidade dos orçamentos. Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Morais Carvalho, Almeida Ribeiro e Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 14 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada, 38 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur Morais de Carvalho
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
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Diário da Câmara dos Deputados
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
José António de Magalhães.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia, António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
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Sessão de 21 de Fevereiro de 1928
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 14 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Instrução, acompanhando o processo referente à elevação duma verba do Conselho Superior de Instrução Pública.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério da Guerra, enviando os documentos pedidos para o Sr. Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do presidente da comissão parlamentar de inquérito ao Ministério das Colónias, participando que esta comissão, de que fazem parte designados Srs. Deputados, tem funcionado durante o intervalo parlamentar.
Para a Secretaria.
Telegrama
Da Câmara Municipal de Famalicão, protestando contra o artigo 1.º do projecto aprovado, tornando dependente do referendum das juntas de freguesia a fixação da percentagem das contribuïções.
Para a Secretaria.
Representação
Da comissão executiva do Congresso Nacional Municipalista, contra o estado de ruína a que chegou toda a viação ordinária e pedindo designadas providências.
Para a comissão de administração pública.
Requerimento
Do tenente reformado Alexandre Alves de Carvalho, requerendo para serem incluídos no orçamento para 1923-1924 os vencimentos em dívida, como administrador do palácio de Cascais.
Para a comissão do Orçamento.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 47 Srs. Deputados.
Vai entrar-se no período de «antes da ordem dia».
Pausa.
O Sr. Presidente: — Devo declarar à Câmara que a sessão deve encerrar-se às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: é grave o assunto que vou tratar, porque êle implica com a disciplina do exército.
Eu sei que a Câmara tem mais ou menos relutância em tratar destas questões, mas não posso deixar de o fazer, porque não há sanções para o Sr. Ministro da Guerra, quando êle falta ao cumprimento do regulamento disciplinar.
Nestas condições, é com a maior hombridade que venho aqui tratar dum assunto que, embora me diga respeito, representa uma grave infracção dos regulamentos militares.
O Sr. Ministro da Guerra tem faltado absolutamente a regras que devem ser observadas rigorosamente por todos os militares, e principalmente por S. Ex.ª que é o chefe do exército.
O Sr. Ministro da Guerra não tem empregado aquela justiça, que êle, mais do
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que ninguém devia usar; não tem zelado os direitos dos seus inferiores.
Nestas condições, se amanhã alguns oficiais ou praças, se insubordinarem, por os superiores não cumprirem os seus deveres, a culpa pertence exclusivamente ao Sr. Ministro da Guerra.
Sr. Presidente: em 8 de Janeiro de 1923, requeri ao Sr. Ministro da Guerra para continuar voando no grupo de esquadrilhas de que sou comandante.
Anteriormente, tinha feito outro requerimento, para não acumular as funções de Deputado com as de comando, porque eu sabia de vários actos praticados pelo Sr. Director da Aeronáutica Militar, que eram atentatórios da dignidade do cargo que exerce, e tencionava levantar a questão nesta Câmara.
Porque requeri eu ao Sr. Ministro da Guerra para continuar voando?
Para que amanhã, se necessário fôr defender a Pátria e a República, esteja devidamente treinado, e para que, quando reassumir o comando das Esquadrilhas de Aviação República, possa voar sem receio de inutilizar os aparelhos.
Pois. Sr. Presidente, apesar disto, o Sr. Director da Aeronáutica Militar esteve cêrca de um mês sem responder ao despacho do Sr. Ministro da Guerra.
Mas isto ainda não é nada.
Em 20 e tantos de Janeiro, preguntei ao Sr. Ministro da Guerra se o Sr. Director da Aeronáutica já tinha respondido, ao que S. Ex.ª me disse que não.
Respondi-lhe que isso era um acinte daquele senhor, ao que o Sr. Ministro me declarou que ia tratar do assunto.
Quere dizer, V. Ex.ª Sr. Ministro, sabia que a demora no deferimento do requerimento era por acinte.
Então fiz segundo requerimento, e apesar de ter sido apresentado em 9 de Fevereiro, até hoje ainda S. Ex.ª não deu resposta.
E sabem V. Ex.ªs porquê?
Porque o Sr. Ministro concordou com a informação que lhe deu o director da Aeronáutica, qual foi a de que era conveniente que eu não continuasse voando no grupo, tanto mais que, contra mim existia uma queixa,
Mas que tem a queixa com o facto de eu lá voar?
Então, se a queixa só tiver solução daqui a três ou cinco anos, estou durante êsse espaço de tempo sem poder realizar qualquer vôo?
Não, Sr. Ministro da Guerra!
Mas ainda não fica por aqui, Sr. Presidente.
Quando deixei o comando da esquadrilha, o Sr. Director da Aeronáutica enviou ao Ministério da Guerra uma nota censurando o meu procedimento, porque eu tinha cumprido uma ordem do respectivo Ministro.
Nesse sentido fiz um requerimento, em que provava que tinha carradas de razão, pelo que a nota foi mandada retirar, com um despacho do Sr. Ministro da Guerra que é o próprio a dizer que a causa principal e fundamental da culpa é da Secretaria da Guerra.
Para provar que não havia necessidade nenhuma de eu dizer de onde tinha emanado a ordeno, basta saber-se que ela foi da Secretaria da Guerra, porque ninguém pode mandar fazer serviço na Secretaria da Guerra a não ser o Sr. Ministro da Guerra.
Portanto a indicação da estação que mandava fazer a transferência estava feita.
Mas o próprio Sr. Director da Aeronáutica reconhece que efectivamente na Ordem se diz de onde emanava a ordem de transferência.
Portanto como vem S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra dizer no seu despacho que a culpa era da minha ordem?
S. Ex.ª faltou assim ao artigo 74.º do Regulamento Disciplinar do Exército, que manda inquirir primeiro para depois se poder punir.
Porém, S. Ex.ª não o fez, porque lhe convinha pôr a minha pessoa em cheque com os meus subordinados.
Mas há mais: como comandante do grupo de esquadrilhas «República» dei uma informação a respeito de determinado capitão.
Essa informação era má, segundo o Regulamento Geral de Informações.
Perante ela êsse capitão só podia assumir duas atitudes: ou se conformava com a referida informação ou não se conformava, e nesse caso fazia a sua reclamação.
Pois muito bem, o capitão conformou-se, mas mais, tarde sentindo-se mal colo-
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cado perante os seus superiores, acabou por fazer uma exposição absolutamente fora da lei e dos regulamentos.
Essa exposição foi dirigida ao director da Aeronáutica, que por sua vez a enviou ao Ministério da Guerra.
O Sr. Presidente: — Já decorreram os 10 minutos de que V. Ex.ª dispunha para usar da palavra.
V. Ex.ª deseja terminar ou ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Termino pedindo a V. Ex.ª para me inscrever para amanhã.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: convidado por V. Ex.ª a comparecer nesta casa do Parlamento por reiteradas instâncias do Sr. António Maia e não me tendo sido possível comparecer ontem por motivos estranhos à minha vontade, motivos de serviço público, eu tive a atenção para com S. Ex.ª de lhe rogar que, por êsses mesmos motivos, não instasse na minha comparência.
Apresentando-me hoje, encontro me com surprêsa perante uma interpelação de S. Ex.ª não anunciada...
O Sr. António Maia: — Se não fiz uma interpelação foi por me convencer de que por essa forma não mais conseguiria obter que S. Ex.ª se desse por habilitado.
Vozes: — Não apoiado!
O Orador: — V. Ex.ª não tem o direito de fazer uma tal afirmação. Ao calor que S. Ex.ª costuma usar nas suas afirmações, nesta casa do Parlamento, que é conseqüência da sua mocidade, oporei a frieza dos meus anos na resposta a S. Ex.ª, que não levará os dez minutos que S. Ex.ª excedeu.
Iniciou S. Ex.ª o seu discurso, tratando de uma questão disciplinar por mim resolvida, que eu não abordarei por estar convencido que seria deminuir o prestígio do lugar que ocupo se doutra forma procedesse; no entanto, afirmando S. Ex.ª não haver sanção disciplinar para o Ministro da Guerra senão o Parlamento, a ela eu me sujeito.
O Sr. António Maia: — O Ministro da Guerra não pode fazer tudo quanto quere!
O Orador: — Como defesa, ofereço a Câmara, para julgar, o despacho que dei e que mantenho.
O assunto do requerimento do Sr. António Maia não foi resolvido até agora por S. Ex.ª me pedir, insistentemente, que não mexesse no assunto. De resto é para notar que o Sr. António Maia, umas vezes trata dos assuntos como comandante da esquadrilha «República» e outras como Deputado.
Assim, o requerimento foi primeiro apresentado pelas vias militares competentes, passando pelo director da Aeronáutica, mas dirigido ao Ministro da Guerra. Como, porém, nestas condições, seja o director da Aeronáutica a entidade competente para resolver, foi o requerimento devolvido pelas mesmas vias, para ser dirigido a quem de direito.
E então que o Sr. António Maia faz chegar às mãos do Ministro o mesmo requerimento por intermédio desta Câmara.
A estas e outras circunstâncias supervientes se deve ainda o não estar solucionado o pedido, para voar, de S. Ex.ª
As questões da aviação militar estão bastante embaralhadas e até, devo dizer, já recebi um pedido da Direcção de Aeronáutica, chamando a minha atenção para o assunto, tendo eu resolvido ordenar que fôsse feita uma inspecção extraordinária a todas as unidades e estabelecimentos da aeronáutica militar, tanto sob o ponto de vista disciplinar como administrativo.
E tenho concluído as minhas considerações, aguardando que o Sr. António Maia continue na próxima sessão com a verrina das suas considerações.
O Sr. Constâncio de Oliveira: — As considerações que vou fazer desejava que fôssem ouvidas pelo Sr. Ministro do Interior, mas, constando-me que S. Ex.ª se encontra doente, peço ao Sr. Ministro da Guerra se digne transmitir ao seu colega do Interior o que vou dizer.
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Anteontem, quando o Sr. Ribeiro de Carvalho verberava veementemente a atitude do administrador do concelho de Castanheira de Pera, que se serviu da guarda republicana para desapossar dos seus lugares os vereadores eleitos na última eleição, muito próximo de Lisboa, no concelho de Sintra, um facto idêntico se estava dando.
Isto demonstra que estas violências, estes abusos de autoridade não são questões esporádicas dentro dêste regime que os velhos republicanos sonharam que seria um regime de ordem, de legalidade e de justiça.
Historiemos os factos.
Realizou-se a eleição da Câmara Municipal de Sintra, decorrendo regularmente os trabalhos eleitorais, com excepção da assemblea eleitoral de S. Pedro, onde na ocasião em que se procedia ao escrutínio, um grupo de cidadãos entrou na assemblea e praticou aqueles actos que no regime passado, nós republicanos, tanto censurámos.
Realizada a assemblea de apuramento, os trabalhos decorreram regularmente e foram proclamados os novos vereadores que no dia 2 de Janeiro, sem que ninguém se opusesse, foram tomar posse dos seus lugares.
Entretanto houve um protesto dirigido à Auditoria Administrativa, contra a forma como tinham decorrido os trabalhos eleitorais em algumas assembleas.
Há poucos dias a Auditoria Administrativa lavrou a sua sentença, mandando repetir apenas a eleição na assemblea de S. Pedro.
Até aqui está bem, mas com surprêsa minha chegou-me a notícia, que depois me foi confirmada por pessoas da localidade, de que o administrador do concelho de Sintra se tinha dirigido anteontem à sala das sessões da Câmara Municipal de Sintra, acompanhado duma fôrça da guarda republicana, e impediu a entrada dos vereadores ùltimamente eleitos os quais tinham sido convocados pelo sou presidente para uma reünião plenária da câmara.
Foi por tal processo que o administrador do concelho de Sintra desalojou dos Paços do Concelho uma vereação que lhe não era afecta, para a substituir por outra composta por correligionários seus.
Não sei se em face da sentença da Auditoria o até que se repita a eleição na assemblea de S. Pedro, é à vereação transacta que compete estar em exercício ou se é à vereação ùltimamente eleita.
Há jurisconsultos abalizados que são de opinião que, tendo os vereadores eleitos tomado posse no dia 2 de Janeiro, deviam continuar no exercício até que se repetisse o acto eleitoral na assemblea de S. Pedro.
Assim julgo igualmente, havendo, porém, quem entenda que, em face da sentença da Auditoria, a vereação transacta deveria por agora retomar os seus lugares.
Mas dou de barato que seja assim.
O que se não pode admitir, como legal, é a forma atrabiliária como procedeu o administrador do concelho de Sintra.
Correcto e legal seria o Sr. governador civil oficiar ao presidente da câmara que estava em exercício, para que em cumprimento da sentença da Auditoria, abandonasse o seu lugar e convidasse os seus colegas a proceder de igual forma.
O que foz o Sr. administrador de Sintra pertence ao número dos actos violentos e ilegais que todos nós devemos condenar.
Apoiados.
A forma atrabiliária como procedeu o administrador do concelho de Sintra só sorve para desprestigiar a República.
É para êstes factos pois, que chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior, pedindo ao Sr. Ministro da Guerra a fineza de transmitir ao seu colega as minhas considerações, para que S. Ex.ª providencie, dando ordem aos seus subordinados de Castanheira de Pera e Sintra e doutros concelhos, para que não abusem da sua autoridade.
A República é um regime de ordem e de justiça e não de confusão o desordem.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Ouvi com a máxima atenção as considerações do ilustre Deputado Sr. Constâncio de Oliveira.
Não posso pronunciar-me sôbre o assunto, porque sou absolutamente leigo e desejo continuar a sê-lo.
Entretanto farei uma reprodução fiel, tanto quanto a minha memória o permi-
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tir, do que disse S. Ex.ª ao Sr. Ministro do Interior e certamente S. Ex.ª dará as providências no sentido desejado.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: inscrevi-me para antes da ordem do dia, quando estava apenas inscrito o Sr. António Maia. Desde que V. Ex.ª não lhe deu a palavra e a concedeu ao Sr. Constâncio de Oliveira, desejava saber se estou inscrito.
O Sr. Presidente: — Eu explico. O Sr. António Maia estava inscrito de ontem, e como V. Ex.ª sabe, antes da ordem do dia tem preferência os Srs. Deputados inscritos da sessão anterior.
Por isso concedi a palavra ao Sr. Constâncio de Oliveira, por estar inscrito desde a sessão anterior, como a outros Srs. Deputados nas mesmas circunstâncias.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: como é bastante longo, o que tenho a dizer, peço a V. Ex.ª que ao fim dos dez minutos me avise, para eu interromper as minhas considerações.
Sr. Presidente: cumpre-mo fazer em primeiro lugar a análise de tudo quanto disse o Sr. Ministro da Guerra em resposta aos dois assuntos tratados.
S. Ex.ª nada provou sôbre o seu despacho, limitando-se simplesmente a dizer que «mantinha o seu despacho».
Não disse uma única palavra explicando as razões por que mantinha o seu despacho.
Evidentemente assim o exército não pode ter confiança no Ministro da Guerra; pois o Ministro da Guerra não vem aqui à Câmara dar contas dos seus actos, e diz simplesmente que «mantém o seu despacho».
S. Ex.ª satisfaz-se com isso, mas eu não me satisfaço e falarei no assunto tantas vezes até que S. Ex.ª dê as razões. Disso S. Ex.ª que eu tinha feito um primeiro requerimento ao director de Aeronáutica, o que não foi bem assim, pois foi ao Ministro que ou o fiz e na qualidade de Deputado, visto que já tinha requerido para não acumular.
Referiu-se ainda S. Ex.ª a uma queixa do Sr. Freitas Soares, queixa que foi fundamentada numa conversa particular, e que parece impossível que se baixasse a isto: servir-se duma conversa particular.
Foi o requerimento apresentado em 17 de Janeiro e há já um mês e ainda não há resposta e apesar do que disse o Sr. Ministro da Guerra sabe-se lá quanto tempo levará a resposta.
Isto tudo vem por eu aqui na minha qualidade de Deputado vir acusar S. Ex.ª de irregularidades em face do regulamento, saltando por cima de disposições técnicas.
Fui eu quem pôs lá o director da aviação; também hei-de ter fôrças para o tirar de lá.
No exército há indisciplina porque os chefes não sabem cumprir a sua missão e não sabem atalhar a tempo os actos de insubordinação que se produzem.
É que os chefes põem acima de tudo as suas amizades pessoais!
Sr. Presidente: os actos de que quero acusar o Sr. director da Aeronáutica, e de que falei há pouco, são vários.
Um dêles é de ter feito ir para a Escola de Aviação tirar o curso de observadores determinados oficiais contra as disposições da lei, contra as disposições dum regulamento feito por uma comissão técnica a que S. Ex.ª mesmo presidia o que foi sancionado pelo Sr. Ministro da Guerra.
E quem eram êsses oficiais? Amigos de S. Ex.ª!
Ora, havia um oficial que há muito tinha requerido para tirar êsse curso, e a quem a comissão técnica tinha dito que logo que houvesse vaga êle iria para a Escola. Pois não foi!
O Sr. capitão Jardim, que é o oficial de que se trata, reclamou, a reclamação vai para o Ministério da Guerra e o Sr. Ministro da Guerra que sabia tudo de que se tratava, limitou-se a dar êste despacho: «cumpra-se a lei».
O Sr. director de Aeronáutica alegou que já tinha sido publicado o regulamento da Escola na Ordem do Exército, mas quando nas mesmas condições o Sr. capitão Antunes requereu no mesmo sentido, foi atendido e, contudo, o regulamento da Escola já estava publicado no Diário do Govêrno, o que é a mesma cousa.
Quere dizer: para um há lei, para outro não há.
Que me importa a mim a Ordem do
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Exército desde que a lei do país só é lei quando publicada no Diário do Govêrno e se tem conhecimento dela!
Uma voz: — Não se lhe pode dar execução.
O Orador: — Pode, evidentemente.
Sendo publicada pode dar-se-lhe execução. Não o sendo, não.
Mais: um dia o director da Aeronáutica foi a Alverca. Deitou-se dum para-quedas até um oficial.
S. Ex.ª quis premiá-lo, e nomeou-o pilôto, pilôto duma cousa que é cá de baixo.
Amanhã se houver um oficial que faça outra proeza de aviação, naturalmente fazem-no engenheiro para premiar o seu feito.
Êsse senhor tem, pois, uma situação ridícula dentro da aviação.
A aviação tem de ser dirigida ouvindo-se a comissão técnica, e S. Ex.ª saltou por cima da comissão técnica pai d fazer o que entendeu.
Há mais ainda: levantou-se um processo em Sintra por terem sido acusados oficiais de irregularidades.
O processo seguiu, e êsses oficiais ficaram incursos no artigo 214.º do Código de Justiça Militar.
Êste artigo diz que o oficial incriminado pode ocupar todas as funções que desempenhava até à data do julgamento.
O director da Aeronáutica não o quere assim entender.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia.
O Orador: — Peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para amanhã.
É aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — O Grupo Parlamentar Democrático pede para ser substituído na comissão de finanças o Sr. Mariano Martins pelo Sr. Adriano Crispiniano da Fonseca.
Pedidos de licença Do Sr. João Mealha, 6 dias.
Do Sr. Tavares de Carvalho, os dias que precisar para tratamento.
Concedido. Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão na generalidade dos orçamentos
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Ex.ª pode informar-me se comparece à sessão o Sr. Ministro das Finanças?
O Sr. Presidente: — Já mandei chamar o Sr. Ministro das Finanças para assistir à discussão.
O Sr. Almeida Ribeiro: — O Govêrno está representado pelos Srs. Ministros da Justiça e da Guerra.
O Sr. Presidente: — Se, algum dos Srs. Ministros se tivesse dado por habilitado, eu daria a palavra ao orador, mas não tenho comunicação alguma.
O Sr. Ministro da Justiça e dos cultos (Abranches Ferrão): — Considero-me habilitado na ausência do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Carvalho da Silva: — Só me faltava mais isto!
Depois de o Parlamento fazer em matéria de orçamento o que faz, se queira ainda sujeitar a que o orçamento seja discutido na ausência do Sr. Ministro das Finanças.
Tenho por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça a maior consideração, mas peço a S. Ex.ª o favor de me informar se está realmente habilitado a discutir êste assunto.
Uma voz: — Ora essa!
O Orador: — Eu não estou aqui a representar uma comédia!
O Sr. Plínio Silva: — O Sr. Ministro não tem que responder.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Se V. Ex.ª está habilitado a discutir, apresentando as suas considerações acêrca do Orçamento Geral do Estado, eu também declaro que estou habilitado para discutir.
Se entender em certa altura que não estou habilitado di-lo hei com toda a sin-
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ceridade, esperando então que o Sr. Ministro das Finanças responda.
Mas, estando V. Ex.ª habilitado, também me parece que devo estar.
O Orador: — Não quero de maneira nenhuma ser desagradável ao Sr. Ministro da Justiça, por quem tenho a máxima consideração, mas não posso deixar passar sem o meu mais indignado protesto o facto, depois do que se tem passado, de ser discutido o Orçamento Geral do Estado sem o Sr. Ministro das Finanças estar presente.
Isto excede tudo, por mais que se imaginem cousas extraordinárias, excede tudo quanto possa imaginar-se. Apoiados.
Sr. Presidente: tenho em primeiro lugar de declarar a V. Ex.ª e à Câmara mais uma vez de que se tômo parte num debate nestas condições e apenas porque, repito, entre um mal que é o de não falar no orçamento, e o país que não quere deixar de ser informado da sua situação financeira, prefiro elucidá-lo por completo, como êle quere, do que é êste chamado orçamento.
Faço-o porém com a maior repugnância, para que possa avaliá-lo, embora com protestos, e sem responsabilidade em qualquer comédia.
Estamos a discutir o Orçamento Geral do Estado em meia hora apenas para poder falar-se sôbre a generalidade de todos os orçamentos.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Até chega para V. Ex.ª poder fazer essas considerações.
O Orador: — É incrível que V. Ex.ª venha fazer uma observação dessa ordem!
O Sr. José Domingues dos Santos: — A generalidade para V. Ex.ª é dessa ordem!
O Orador: — Para V. Ex.ª nem generalidade há!
Tive ontem ocasião de dizer à Câmara que o orçamento representa uma verdadeira mistificação.
Tratando-se das subvenções ao funcionalismo, já S. Ex.ª declarou nesta Câmara que os encargos dos diferentes Ministérios, sem contar com os serviços autónomos, são de 27:500 contos por mês.
Mas onde está mencionada no Orçamento a verba destinada a satisfazer as subvenções ao funcionalismo dêsses serviços autónomos?
Não sei qual é a cifra exacta dessa verba, que, segundo o próprio Sr. Ministro das Finanças, não é insignificante.
O que sei é que ela não consta do Orçamento que está em discussão.
Relativamente ao Ministério da Agricultura, o que vemos nós?
Vemos consignada a verba de 6:000 contos, quando toda a gente sabe que só com a manutenção do chamado pão político, se gasta para cima de 70:000 contos por ano.
É assim que está elaborado o Orçamento!
É assim que são calculadas as despesas do Estado!
Sr. Presidente: se nós formos ver agora o que se dá com as receitas previstas e consignadas neste orçamento, o rigor e a precisão dos seus números não são menos comprovativos da inconsciência com que todas estas cousas são feitas.
Sob a rubrica «imposto de transacções», nós encontramos a verba de 120:000 contos.
Já o Sr. Ministro das Finanças declarou que o rendimento do imposto de transacções ficou muito aquém daquilo que supunha.
Tudo isto sem o protesto do Sr. Ministro das Finanças.
Tudo isto define bem a orientação da República na administração dos dinheiros do Estado!
Eu gostaria que o Sr. Ministro das Finanças fizesse o favor de me elucidar por que razão indicou o juro das obrigações da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Como pode ser isto, se a Companhia não paga juros das suas obrigações?
Tudo isto para ocultar ao país a pavorosa situação financeira a que a República o levou!
Tudo isto para continuar o mesmo desbaratamento dos dinheiros públicos que a República, em nome da sua defesa, tem feito.
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E para a sua defesa levou o país a esta desgraçada situação.
Mas uma forte opinião do país há-de conseguir uma redação nas despesas do Estado, redução que a República não fez, mas que o país há-de fazer.
A defesa da República é a morte do país.
Que medidas trouxe o Sr. Ministro das Finanças, ao Parlamento para resolver esta situação?
É em face de uma situação destas, que o Parlamento diz que é inútil o tempo gasto em discutir a generalidade do Orçamento Geral do Estado!
Tudo isto se faz por acôrdo entre a maioria, mas não sem o protesto da minoria monárquica.
A guerra era a desculpa apresentada pelos Governos da República para as grandes despesas, para a carestia da vida, para o aumento dos impostos, mas quem é que se encarrega de demonstrar que não foi a guerra que nos levou a esta situação, é o próprio Sr. Ministro das Finanças, no seu relatório.
Mas agora, Sr. Presidente, depois da guerra, vamos a ver qual é o caminho que têm levado as contas públicas.
Leu.
Isto, Sr. Presidente, não foi a guerra que o fez: terá sido a guerra sim que a administração republicana tem feito ao país; e se êle não se acautelar, dentro em breve será vencido.
Êstes números, Sr. Presidente, mostram bem com que falta de verdade se afirma constantemente que se não tem aumentado os impostos e que é preciso aumentados constantemente.
Nós vemos, Sr. Presidente, o seguinte:
Leu.
Assim, Sr. Presidente, nós vemos que os maiores aumentos de despesa são posteriores à guerra; e se bem que o Sr. Ministro das Finanças não nos possa dizer qual seja realmente o deficit desta gerência, nós vemos pelas entrevistas que S. Ex.ª tem dado aos jornalistas que o deficit orçamental é superior a 50:000 contos por mês, ou sejam 600:000 contos por ano, podendo-se dizer que a despesa é muito superior a 1. 000:000 contos.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ª que já terminou o período destinado aos Srs. Deputados para falarem sobre a generalidade dos orçamentos.
O Orador: — Isso prova, Sr. Presidente, mais uma vez os maus resultados da aplicação do Regimento.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Pedi a palavra para mandar para a Mesa três propostas de lei, duas das quais merecem a especial atenção da Câmara.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para declarar ao ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva que não é por menos consideração para com S. Ex.ª que não lhe respondo imediatamente; mas sim porque, como S. V. Ex.ª sabe, o Ministro não pode falar senão uma vez.
O Sr. Carvalho da Silva: — É V. Ex.ª o primeiro a reconhecer o péssimo sistema adoptado.
O Orador: — Essa conclusão tira-a V. Ex.ª
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: a breve explicação que acaba de dar o Sr. Ministro das Finanças da razão por que não respondeu desde já à vigorosa e documentada oração do ilustre sub-leader monárquico, Sr. Carvalho da Silva, isto é, a proïbição de falar por mais de meia hora e por mais de uma vez, é em si mesma a condenação formal da tirânica resolução da Câmara, cujo fim único é impedir que da discussão do Orçamento Geral do Estado possa ressaltar qualquer luz, pequena que seja, sôbre as contas públicas, que a República deseja escuras.
Contra êste regime de discursos por conta-gotas, contra êste sistema de rolha, elevo eu também o meu mais enérgico protesto.
Não é, de facto, alarmante a situação do Tesouro, como pretende que não o Sr. Ministro das Finanças?
Pois a maioria que deixe discutir à vontade o orçamento e o relatório do Ministro sôbre a situação financeira, e, se tal demonstração resultar da discussão, tanto
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melhor para a República e para a sua administração.
Mas isso não quere, não consente a maioria.
Trata-se de um projecto de somenos importância?
Discussão ampla na generalidade e na especialidade, todas as liberalidades do Regimento são permitidas, sem limitação de tempo, nem qualquer outra.
Mas é o orçamento que se pretendo discutir, são as contas públicas que se deseja examinar com cuidado, são os escaninhos orçamentais que se procura desvendar?
Surge o travão, aparecem todas as peias, aplicam-se todas as restrições!
O País não deixará, por certo, de tirar dêste confronto as ilações que brotam espontâneas: a República receia que luz inteira seja feita, a maioria não quere que os cordelinhos do orçamento sejam postos a descoberto.
Sr. Presidente: não contava eu ter de intervir hoje neste debate, pois só ontem é que a Câmara resolveu que houvesse uma só discussão na generalidade de todos os orçamentos, com meia hora apenas concedida a cada orador.
Não pude por isso reünir de ontem para hoje todos os elementos de que carecia para tratar devidamente o assunto.
Acresce, Sr. Presidente, que há um mês pedi que me fôsse fornecida, com urgência, pelo Ministério das Finanças, nota discriminada do montante da dívida pública, interna e externa, consolidada e flutuante, e quanto & esta, especializando-se o montante da dívida ao Banco de Portugal, à Caixa Geral de Depósitos e aos particulares, tudo em relação a 31 de Dezembro de 1910 e a igual dia e mês de 1922.
Apesar da urgência requerida — e era fácil supor que eu carecia daqueles dados para intervir na discussão do orçamento — ainda não me foram fornecidos quaisquer elementos.
Por êles insto novamente e para o caso chamo tanto a atenção do Sr. Presidente da Câmara, como a do Sr. Ministro das Finanças.
Requerendo aqueles esclarecimentos, não faço senão usar de um direito que como Deputado me assiste.
Chega a ser inacreditável, mas é verdade, que dos vários mapas contidos no orçamento, não conste qual o montante da dívida pública!
Descrevem-se, é certo, nas despesas, quantias a despender com juros, mas o orçamento é omisso quanto ao capital de que o Estado é devedor!
Compreende-se assim, que a maioria não queira uma discussão larga.
Mas eu vou, Sr. Presidente, tentar levantar um pouco o véu com uns dados fornecidos pelo relatório do Ministro, na parte em que faz um exame retrospectivo dos deficits e aumentos da dívida de 1914-1915 para cá.
Vê-se dos números, da responsabilidade do Sr. Ministro das Finanças, que o deficit foi em:
[Ver Diário Original]
Eis o resultado confessado dos últimos oito anos de administração republicana: cêrca de um milhão de contos de deficit!
Vejamos agora, sempre fazendo fé pelos números constantes do relatório ministerial, em quanto aumentou efectivamente a dívida pública.
[Ver Diário Original]
Note V. Ex.ª, Sr. Presidente, e note a Câmara que no ano de 1920-1921 rectifiquei, de 459:743 contos para 382:961 apenas, os números indicados pelo Sr. Ministro das Finanças, porque, feita a subtracção ali referida, verifiquei estar ela errada.
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São, pois, de um lado, o aumento total efectivo na divida de contos...1. 738:404
e, de outro lado, o deficit de...931:883
o que dá como diferença...806:521
Que é feito dêstes 806:521 contos?
Que destino foi o seu?
Como se explica que a dívida pública tenha aumentado, nêste período de tempo, mais 806:521 contos do que o deficit!
Pediu-se, porventura, emprestado mais do que o deficit confessado?
Não o quero ainda acreditar.
Como explicar, porém, que a dívida tenha subido efectivamente além do indispensável para cobrir o deficit entre a receita e a despesa?
Diferenças cambiais?
Será?
Mas que escrituração e que contas são estas, então, em que se embrulha dívida em escudos com divida em libras?
Mas isto seria o cáos, pareceria obedecer ao propósito de não deixar ver claro, de não permitir que se saiba quanto efectivamente o país deve, como de facto — e isto é espantoso — o Orçamento Geral do Estado não no-lo diz.
Aguardo, com ansiedade, os esclarecimentos que o Sr. Ministro das Finanças, por certo, não deixará de dar, para ver se ficará o País um pouco mais elucidado.
Acentuo que os números não são meus, são do relatório ministerial. O meu trabalho consistiu apenas em aproximá-los, somá-los e confrontá-los.
E é depois dêste sudário, Sr. Presidente, é depois dos deficits colossais apontados, que o Sr. Ministro das Finanças não receou afirmar no seu relatório que «não era brilhante a situação financeira da monarquia».
E é êle mesmo quem nos diz que os deficits, definitivamente apurados, dos anos económicos, já encerrados, de 1907-1908, de 1908-1909 e de 1909-1910, últimos do regime deposto, foram respectivamente de 2:108, 2:973 e 2:864 contos!
Sabido, como é, que em cada ano se amortizavam cêrca de 3:000 contos de dívida, a conclusão é só uma: a monarquia deixou uma dívida pública estacionária, já que a importância em que anualmente se recorria ao crédito para cobrir o deficit não era superior àquela em que por outro lado se amortizava a mesma dívida.
A isto, a esta situação desafogada, é que o Sr. Ministro chama uma situação não brilhante!
Brilhante é a situação actual com a dívida a aumentar, não já aos milhares apenas, não mesmo às dezenas, mas às centenas de milhares de contos em cada ano!
Há, Sr. Presidente, no relatório ministerial afirmações que não podem passar sem protesto.
O Sr. Ministro das Finanças, na tarefa que a República lhe impõe de mascarar a verdade, diz, por exemplo, que a situação actual, embaraçosa, provém do facto de que até à votação, no ano transacto, do novo regime tributário, só a duas formas se recorreu para fazer face às despesas crescentes: o aumento da circulação fiduciária e o da dívida pública flutuante.
É para estranhar como o Sr. Ministro das Finanças se deixou levar até fazer esta afirmação ousada, que os números desmentem.
Acrescenta S. Ex.ª que no tocante a receitas se mantiveram até então quási que as taxas anteriormente estabelecidas.
S. Ex.ª sabe bem que assim não foi.
Em 1910 as receitas eram de 70:608 contos, em 1914 da 76:500 contos. Pois em 1921-1922 foram de 302:485 contos, e o Sr. Ministro sustenta que «as taxas anteriores se mantiveram iguais», quando a verdade é que houve um aumento de cêrca de 400 por cento!
A quanto obriga o desejo de encobrir o descalabro financeiro a que nos tem arrastado a República!
Obedece ao mesmo intuito de esconder a nudez forte da verdade a distinção especiosa, feita pelo Sr. Ministro das Finanças, entre despesas normais e despesas transitórias.
Por esta classificação são normais as que se podem pagar pelas receitas actuais, de modo a poder-se sustentar que não há deficit e que talvez até haja superavit; o resto é despesa transitória, proveniente da desvalorização da moeda, da circulação fiduciária excessiva.
A quem se pretende iludir?
Porque é excessiva a circulação fiduciária, porque é que se recorreu exage-
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rada, espantosamente, à catadupa de notas — o pior dos impostos e o de mais ruinosas conseqüências económicas — senão pela impossibilidade de dizer a verdade ao país, continuando ao mesmo tempo a delapidação dos dinheiros públicos?
Os Governos da República tinham bem a consciência do que não eram defensáveis as despesas loucas que faziam para gáudio das suas clientelas, e então, para amortecer a resistência, vá de evitar o recurso ao imposto declarado e de lançar mão da circulação fiduciária, diluindo o pêso dêste verdadeiro imposto de morte na carestia da vida, que os Governos assim originaram, mas que era fácil — já não é — fazer crer ao público que provinha da ganância dos intermediários, quando a culpa, quási exclusiva, era da sua administração desastrada e dos seus desperdícios fantásticos.
De tombo em tombo chegámos à situação actual: despesas calculadas em 813:415 contos para o futuro ano económico, além de 210:604 contos dos serviços autónomos, ou seja um total de despesas previstas de um milhão e vinte mil contos!
O relatório calcula as receitas em 674:676, além das dos serviços autónomos iguais (?) ás despesas respectivas e acha assim um deficit de cêrca de 140 mil contos, o que já seria simplesmente incomportável.
Mas o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, provou que bastava, por um lado, o aumento das subvenções ao funcionalismo, já anunciado, e o aumento do ágio que no orçamento vem calculado em 1:500 por cento, quando já excede hoje 2:400 por cento, e, por outro lado, a rectificação para menos das receitas propositadamente calculadas com exagero, para atirar com o deficit para a enormidade aterradora de mais de 500 mil contos!
Tem inteiramente razão o distinto sub-leader dêste lado da Câmara; despesas computadas por baixo, receitas calculadas por alto, tal é a síntese do orçamento.
O Sr. Ministro das Finanças já um dia veio declarar à Câmara que o imposto sôbre o valor das transacções não rendia aquilo que dêle se esperava e que por isso havia que corrigir os cálculos orçamentais.
E os outros impostos, como avaliar o seu rendimento, se o Sr. Ministro ainda não sabe se poderá aplicar na íntegra, êste ano, o novo regime tributário votado o ano passado, e tanto que já faia no seu relatório em pedir à Câmara «autorização para ainda ampliar por mais um semestre o regime antigo, devidamente (?!) agravado nas suas taxas?»
Sabe a Câmara porque é que já se pensa em regressar (por agora, por um semestre) ao antigo regime tributário?
E que, para executar o novo, acrescenta o Sr. Ministro, «não poucas dificuldades têm surgido, umas provenientes da falta de preparação do contribuinte para declarar ao Estado os lucros que pela sua indústria haja realmente obtido, outras originadas nos inconvenientes que resultam duma demasiada mas necessária intervenção do fisco no sentido de verificar directamente a veracidade de declarações espontaneamente feitas».
Ora aqui tem a Câmara no que redunda afinal o novo regime tributário, cujos resultados se aguardavam no próximo ano económico.
As palavras citadas do relatório ministerial são a melhor justificação da crítica acerba que nós os monárquicos lhe fizemos o ano passado.
Quanta razão nos assistia quando sustentáramos que é sempre um êrro gravíssimo alterar de fond en comble, mormente em períodos de crise orçamentária aguda, um sistema de impostos que tem por si a proficuidade de uma longa aplicação!
Está agora o Sr. Ministro à espera que o contribuinte adquira a preparação para declarar ao Estado, com verdade, os lucros da sua indústria...
Tem que esperar.
E o Sr. Ministro nem no tempo confia.
Por isso discreteia sôbre a demasiada mas necessária intervenção do fisco para apurar a verdade.
Demasiada, mas necessária?
Se é necessária, não é demasiada.
Mas isto é puramente a inquisição fiscal com que a República promete presentear-nos, aquela inquisição fiscal que nós o ano passado logo declarámos ser a conseqüência fatal do novo regime tributário adoptado.
Além de outros pontos que carecia de
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tocar, eu quero ainda, Sr. Presidente, se para tanto tiver tempo, referir-me à solução que o titular da pasta das Finanças propõe para minorar a tristíssima situação do Tesouro; mas, antes há uma cousa que já sabemos, porque vem explícita no relatório: é que «chegou para todos o momento dos sacrifícios, a fim do que os males se não convertam numa situação irremediável»!
Chegou o momento?
Oh, Sr. Presidente, que mais aguardará ainda êste desgraçado contribuinte português, que ao fim de ver as suas contribuïções passarem de 71:949 contos, que eram em 1910, para 674:000 contos, previstos no Orçamento, afora os que terá de satisfazer pelos serviços autónomos, é brindado agora pelo Sr. Ministro das Finanças com a esperançosa declaração de que «chegou o momento dos sacrifícios»!
Pois então não bastava a carga esmagadora que tem em cima e ainda se pensa...
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª esgotou já o tempo permitido pelo Regimento para poder usar da palavra.
O Orador: — Lamento êsse facto, tanto mais que ainda tinha várias outras considerações a fazer.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª referiu-se a requerimentos feitos à Mesa, pedindo documentos.
Eu posso informar V. Ex.ª, segundo uma nota que aqui tenho, que a Mesa os expediu oportunamente, mas ainda não há resposta acêrca dêles.
O Orador: — Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: devo esclarecer o Sr. Morais de Carvalho que ainda não foi satisfeito o seu requerimento, referentemente ao meu Ministério, porque as contas da dívida flutuante até 1922 ainda não estão encerradas.
Mas se S. Ex.ª quere nota dos outros documentos, exceptuando o da dívida flutuante relativo a 31 de Dezembro de 1922, eu poderei mandá-la mesmo amanhã.
O Sr. Morais de Carvalho: — Eu agradecia se V. Ex.ª me facultasse mesmo assim êsses documentos desde já, aguardando eu então mais oito ou dez dias pela remessa dos restantes.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: é na verdade difícil a minha tarefa de falar sôbre a generalidade dos orçamentos, quando entendo que essa discussão é absolutamente ociosa.
Sei que há uma velha tradição ligada a esta discussão da generalidade dos orçamentos, mas ela quebrou-se há já bastante tempo por dois factos característicos e que deram necessàriamente êsse resultado.
Em primeiro lugar, fez-se da proposta orçamental uma multiplicação, que a converteu em propostas especiais referentes aos diversos Ministérios e serviços autónomos, e deixou-se de nomear um relator geral que pudesse fazer o apanhado dos relatórios especiais, ficando a subsistir apenas os relatores especiais de cada Ministério ou serviço.
Em segundo lugar, é que do modo como se elaboravam realmente os trabalhos parlamentares a respeito da discussão dos orçamentos, acontecia o seguinte: é que só depois de se discutirem os vários orçamentos especiais é que no decurso do trabalho parlamentar se seguia alguma cousa com carácter de generalidade: era a discussão sôbre a lei de receitas e despesas, mas esta discussão, feita no fim da discussão especial de todos os orçamentos parciais, não se prestava manifestamente a um debate, na generalidade, do Orçamento Geral do Estado.
Era uma discussão que, além disso, se faria quando a Câmara já estava, por assim dizer, fatigada com uma longa discussão dos orçamentos parciais.
De resto havia também a desnecessidade de tal discussão nessa altura, pois que nunca qualquer Deputado teve a mais ligeira impossibilidade ou dificuldade de dizer, a propósito de uma discussão na especialidade, tudo o que pudesse dizer na generalidade.
O Sr. Morais de Carvalho: — Registo a declaração de V. Ex.ª
O Orador: — Sempre assim foi.
V. Ex.ª quere fazer considerações sôbre o estado da dívida pública?
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Na discussão na especialidade dos primeiros dois capítulos do orçamento do Ministério das Finanças pode formular todas as considerações que poderia expôr na generalidade.
Deseja fazê-las sôbre, por exemplo, impostos directos?
Tem no Orçamento das receitas um capítulo sôbre essa matéria.
Tem assim, pois, ocasião de dizer tudo o que entende conveniente e de fazer sem ofensa para quem tenha opinião contrária — com mais oportunidade e a propósito as considerações que só um pouco vagamente poderia fazer na generalidade.
A discussão da generalidade, como tive já ensejo de dizer, pode ser muito interessante, como trabalho de carácter scientífico ou de divulgação.
Como trabalho legislativo — não vejo, porém, que tenha vantagens apreciáveis e acho muito preferível que essas considerações que poderiam fazer-se assim vagamente, abstractamente, sejam feitas na altura que lhes compete, que é na discussão na especialidade de cada capítulo.
Foram estas razões, que a minha memória reforça com antigas discussões, havidas principalmente desde que há Parlamento republicano, que me levaram a sustentar ontem e anteontem que não havia qualquer razão para alterar as resoluções de Maio do ano passado na parte em que elas declaravam não haver lugar à discussão na generalidade.
Desde que, todavia, a Câmara insistiu por essa discussão, desde que não vingou o meu ponto de vista, que, como disse, se comprova em recordações de uma vida parlamentar já um pouco extensa, eu terei, pois, de submeter-me, colaborando naquilo que eu considero o emprêgo menos bom, menos útil e menos prático do tempo de que podemos dispor.
Sr. Presidente: tenho manifestado por mais de uma vez nesta Câmara o meu pesar de que a discussão do Orçamento não possa ser feita tendo em vista as contas da gerência financeira dos últimos anos o tendo em vista sobretudo, ou ao menos, as contas mensais que durante muitos anos se publicaram regularmente por todos os Ministérios, em obediência a uma disposição do decreto de 1894, em virtude do qual nos primeiros oito dias de cada mês se deveria publicar um mapa relativo ao mês anterior, indicando as importâncias autorizadas no Orçamento.
Esta publicação deixou de fazer-se em 1917 e deixou de fazer-se, infelizmente, porque ela era de máxima vantagem não só porque se mostrava o estado de cada uma das verbas orçamentais, mos a mês, mas ainda porque num quadro resumido se mostrava se sim ou não as verbas orçamentais tinham sido aplicadas com a largueza bastante para comportar toda a despesa.
Êsse mapa, além da rubrica de cada verba orçamental, apontava, ainda, as alterações que cada verba tinha sofrido e isto, Sr. Presidente, facilitava imenso o estudo do Orçamento, dispensava investigações que só poderiam fazer-se, sem o auxílio dêste mapa, por uma demorada busca nas várias repartições de contabilidade, tendo ainda outras vantagens que não considero de somenos importância; é que êste pequeno volume distribuía-se com o Diário do Govêrno e toda a gente que por necessidade ou conveniência lia o Diário do Govêrno encontrava lá êste documento e ainda mesmo que só muito superficialmente, muito desinteressadamente olhasse para êsse mapa ficava em todo o caso com uma noção, com uma idea, talvez vaga, imprecisa, mas uma idea a respeito da administração pública.
Assim, Sr. Presidente, não era talvez tam fácil, como é sem êsse mapa, propalarem-se os boatos os mais desprestigiantes por vozes para a gerência dos dinheiros públicos, porque o mapa que aparecia no princípio de cada mês era o desmentido perfeito e claro a qualquer boato que se propalasse com intuito, como direi eu, de malevolência política ou mesmo sem êsses intuitos.
Deixou de se publicar êsse mapa e ou sinto que essa publicação se não faça; ora uma publicação que eu suponho ainda hoje seria pouco dispendiosa não só considerada pelo aspecto do custo do trabalho a fazer na imprensa mas também considerada sob o aspecto do trabalho que daria às repartições de contabilidade porque sendo êste mapa feito por cada Ministério as contabilidades teriam a maior facilidade nesse trabalho, sobretudo estando em prática a publicação mensal dêsse mapa.
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Pode dizer-se que, feita a primeira publicação dum dêstes mapas por cada Ministério, nos meses seguintes a contabilidade dêsse Ministério em meia hora aprontaria o mapa respectivo.
Portanto, Sr. Presidente, não é nem o custo do papel, da impressão e composição que tanto encareceram agora, não é o custo material, pecuniário, do mapa, nem o dispêndio do trabalho que êle exige que justificam a desaparição das publicações oficiais que saíam com o Diário do Govêrno; a razão é talvez outra, a razão é que êste pequeno mapa tam barato e tam fácil de fazer, êste mapa, que eu reputo tam útil e que tam pouco custaria, foi envolvido na rêde de dificuldades que actualmente se sentem para publicar aqueles volumes que eram as contas gorais do Estado, as contas de gerência, volumes grossíssimos e que realmente demandavam um emprêgo de papel, de tempo e trabalho avultadíssimo, até mesmo nas dificuldades que surgiriam agora, já não digo para a publicação das contas gerais da gerência, mas ao menos para a conta mensal desenvolvida das receitas e despesas do Estado. Essas contas que também apareciam com o Diário do Govêrno desapareceram porque essas contas mensais desenvolvidas que são elementos absolutamente necessários e indispensáveis para uma vida política esclarecida e consciente dentro de qualquer País, custam hoje caríssimas tanto em dinheiro como em trabalho.
Sr. Presidente: não quero fazer nenhuma afirmação a êste respeito que possa parecer ousada ou sem fundamento bastante porque só o Sr. Ministro das Finanças dispõe dos elementos necessários para fazer afirmações dessa ordem, mas quere-me parecer que até mesmo um dispêndio avultado com essa publicação seria útil, seria conveniente e não teria outro resultado senão o de aproximar-nos das boas práticas governativas de política financeira de países bem mais avançados do que o nosso.
A êste respeito, lembro, Sr. Presidente, que na Inglaterra, por exemplo, não sei se nos oito ou dez dias seguintes a cada semana aparece nos jornais um extracto das contas do Estado, receitas e despesas
Lá por fôra, em países que poderiam servir-nos de modêlo, há a êste respeito o maior cuidado em dar não só aos corpos legislativos mas à Nação inteira a soma de conhecimentos que é absolutamente necessária para que o povo possa interessar se e apreciar perfeitamente a gerência dos seus interêsses colectivos.
Infelizmente a nossa negligência a êste respeito estende-se a cousas ainda menores dêste mesmo género que nem sequer demandam o reduzido trabalho a que qualquer dêstes mapas pode dar lugar, quero referir-me, por exemplo, ùnicamente como exemplo, à publicação das situações semanais do Banco de Portugal.
Os bancos emissores do estrangeiro publicam com a maior prontidão as suas situações semanais; basta folhear qualquer publicação sôbre economia pública ou sôbre finanças para nela encontrarmos êsses elementos de apreciação.
Em todos êsses países cujo movimento financeiro, cuja actividade financeira não pode comparar-se com a nossa, escassos e reduzidos como somos em população e território, em todos êsses países, dizia eu, a situação semanal dos Bancos do Estado ou que com o Estado têm contratos, aparece regularmente nos primeiros dias da semana seguinte.
Acontece isto com o Banco de Inglaterra, com o Banco da França, com o Banco da Alemanha e não sei se já acontece agora isso com as instituïções bancárias dos soviets russos.
Não julgue a Câmara que eu exagero fazendo esta referência à República Federativa dos Soviets; esta Republica tem essa publicação feita até fim do semestre do ano passado e a nossa não está.
Ora, Sr. Presidente, se assim acontece em países cuja vida financeira é dum valor, duma complexidade com que a nossa vida financeira não pode comparar-se, porque é que nós, a propósito da situação semanal do Banco de Portugal, temos apenas a situação semanal de 27 de Dezembro do ano passado? Eu não sei explicar.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Já foi publicado o relatório.
O Orador: — Mas eu não sou accionista nem tenho obrigação de o ser e como o simples cidadão tenho o direito de ver
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alguma cousa que se escreva a êsse respeito.
Qual a razão por que a última situação semanal publicada é de 27 de Dezembro último?
Realmente não sei explicar, e o confronto com o que acontece lá fora devo declarar que me magoa.
Sr. Presidente: faço estas considerações porque desejaria que o Sr. Ministro das Finanças, pessoa cuja boa vontade, cujo zêlo e dedicação pelo interêsse nacional são sobejamente conhecidos e apreciados por todos nós, as tomasse na conta que entenda merecer-lhe para ver se consegue ao menos que as publicações, as mais baratas, as mais simples, as que não demandam senão o trabalho de alguns minutos e a despesa de alguns escudos, possam fazer-se.
A fabricação regular da situação semanal do Banco de Portugal, e a publicação regular e sem demora da pequena conta mensal, da contabilidade de cada Ministério, mostrando o estado das verbas orçamentais, são cousas que esclarecem tanto a vida financeira, que contribuem tanto para dar a todo o português a consciência da sua qualidade de cidadão, que era duro pedir ao Sr. Ministro das Finanças que considere êste ponto, e que consiga, não obstante todas as dificuldades de carácter burocrático ou outras que possam surgir, restabelecer os mapas a que me acabei de referir.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª já esgotou o tempo que o Regimento permite que fale.
O Orador: — Acato a indicação de V. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: a ampulheta começa a correr, para mim, às 5 e meia, e, portanto, às 6 horas, o despotismo da maioria facciosa impôr-me há silêncio.
E faz-se isto agora! E querem tapar a nossa bôca precisamente quando se trata de discutir o problema máximo e mais interessante para o país! Chegou-lhe agora a pressa, depois de terem passado quatro meses, sem fazerem literalmente nada! É uma pressa calculada! É uma pressa preconcebida!
Apoiados.
É que, Sr. Presidente, se trata de discutir as contas do Estado...
Discute-se o Orçamento a prazo certo, de ampulheta em punho, por meia hora apenas! Meia hora é o que nos dão para discutir na generalidade o orçamento de onze Ministérios e o Orçamento geral das Receitas! Não posso, não sei. É impossível; tam impossível como meter o aperaltado Rossio na esconsa Betesga!
Quando, no ano passado, se iniciou o simulacro de discussão do Orçamento a minoria monárquica enviou para a Mesa uma declaração em que expunha os motivos por que se abstinha de intervir nossa discussão.
Respeitamos rigorosamente o nosso compromisso, e o país, supremo julgador, apreciou com justiça, a nossa atitude, visto que reconheceu que a discussão a prazo e de afogadilho das contas do Estado não significava mais do que uma mistificação.
Sustentámos então que a ampla e livro discussão do Orçamento é a missão primordial dos Parlamentos, e até aquela que principalmente originou a sua instituïção.
Suponhamos nós que semelhantes disposições regulamentares, como medida de excepção e de ocasião que eram, se destinavam ùnicamente à discussão do Orçamento de 1922-1923, e foi nessa persuasão que pautámos a atitude que assumimos. E não se diga que se não procedemos agora pelo mesmo modo, não é porque não continuemos pensando como pensávamos, ou que a situação se tenha modificado para melhor, mas sim porque, perante a reincidência no êrro, não podemos deixar de, vencidos, aceitar a situação, que tentámos evitar, não mantendo por mais tempo uma atitude que, embora absolutamente legítima, pode, se se prolongar, ser levada à conta de comodismo ou de desinterêsse da nossa parte. Cooperamos em um trabalho fictício, estéril, mas mostraremos à nação que procurámos, dentro do possível, cumprir o nosso dever de seus representantes.
Apoiados.
Começarei por pôr uma questão prévia.
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Anuncia-se a discussão de contas do Estado, na especialidade, por um dos orçamentos das despesas. É inconstitucional semelhante procedimento!
O n.º 3.º do artigo 26.º da Constituïção Política estabelece que compete ao Congresso orçar a receita e fixar a despesa da República.
Portanto, o que, em primeiro lugar, há que fazer é discutir e votar o orçamento das receitas.
Isto é intuïtivo. As boas normas de administração aconselham que as despesas sejam pautadas pelas receitas, e, portanto, só depois de feita a previsão destas se devem determinar as dotações daquelas, procurando, quanto possível, contê-las nos limites das receitas.
Apoiados.
A indevida prática que se está seguindo provém do condenável princípio estabelecido pela República de que as receitas são função das despesas. O critério oposto é o legal, é o justo, e constitui um indispensável freio às despesas supérfluas, aos abusos e aos desmedidos desregramentos que têm sido a norma constante dos Governos da República, e que cada vez mais aumentam.
Se neste país fôsse norma inviolável considerar as despesas função das receitas seriam possíveis, por exemplo, os famosos trinta suplementos ao Diário do Govêrno, que aumentaram em muitas dezenas de milhares de contos as despesas inúteis, e que constituem um dos maiores escândalos Ao regime?
Evidentemente que não.
Não sou só eu quem pensa que o orçamento das receitas deve ser discutido em primeiro lugar.
O Sr. Afonso Costa, disse aqui, na sessão de 10 de Março de 1913.
Vejam os senhores como estão em inteira rebeldia contra o seu chefe, estadista máximo, que, antes de partir, legou ao País as duas obras máximas da República: o superavit ou reliquat, segundo a linguagem da moda...e o contrato Furness!...
A respeito de orçamento, dizia-me há tempos um dos mais notáveis oradores parlamentares dos últimos anos da Monarquia:
— A mim não me importa o que êles orçam; importa-me o que êles gastam!
Tem razão. Realmente, como nos anteriores, as previsões do orçamento ora em discussão são umas e as receitas e despesas serão de facto outras.
Isto se advinha fàcilmente meditando nas verbas relativas aos impostos, aos juros das obrigações dos Caminhos de Ferro, ao prémio do ouro, às subvenções, etc., como brilhantemente já demonstraram os nossos ilustres amigos.
O que se orça é, pois, muito diferente do que se gastar. E quantos centos de mil contos a mais não aumentará, nas contas de gerência, o deficit previsto de 139:339. 709$72.
Computa-o o Sr. Quirino de Jesus em não menos de um milhão de contos!!!
O Sr. Vitorino Guimarães, Ministro das Finanças, dividiu o seu relatório do orçamento em uma triologia que se compõe do ante-bellum, do belo durante e do post-bellum.
Ante-bellum: deficit, em 1912, do 6:668 contos.
Culpados:...os monárquicos!
Belo-durante; deficit global de 361:595 contos.
Culpada:...a guerra!
Post-bellum; deficit de mais de meio milhão de contos.
Culpada:...a paz!
A República, a inocente e casta Republica, não é, no conceito de S. Ex.ª, culpada de nada!...
O pior, Sr. Presidente, é que as contradições em que o próprio Sr. Ministro cai e a eloqüência esmagadora dos números que apontou se encarregam de demonstrar a insubsistência de tais afirmações.
E o Sr. Ministro não se lembra de que alguns países que sofreram mais do que o nosso a terrível influência da guerra não se encontraram nem encontram em situação tam crítica, nem têm a sua moeda tam desvalorizada!
Não se lembrou de que a carestia da vida em poucos países se iguala à nossa apesar dos recursos que possuímos.
Apoiados.
E não se lembrou de que as responsabilidades dos monárquicos terminaram em 1910 e de que á monarquia culpa não tem nos intermináveis e assombrosos escândalos da República, e que representam uma cota parte no fabuloso deficit real das contas do Estado!
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Sessão de 21 de Fevereiro dê 1923
E o que terão com êsses escândalos a guerra, a paz e o mais em que o orçamento procura esconder a verdade?
Pena tenho de não poder acompanhar com o merecido detalhe a triologia do Sr. Ministro e as suas erradas contas.
Notarei que é também condenável o sistema adoptado de dividir as despesas em normais ou permanentes e transitórias ou extraordinárias visto que, infelizmente, não deixa de ser tudo despesas a efectuar no ano económico e permanentes pelo menos durante êle; e, além disso, semelhante prática dificulta inteiramente a inspecção exacta das verbas ou dotações.
Diz acertadamente o ponderado cronista financeiro do Diário de Noticias.
Leu.
Era indispensável também para uma apreciação fácil e clara da situação do funcionalismo, cujos vencimentos constituem a principal matéria do orçamento das despesas, fazer o desenvolvimento das verbas das subvenções, segundo o devido coeficiente, em colunas de confronto, e não indicá-las, apenas em globo, como se fez em relação a cada Ministério.
Apoiados.
Condena o Govêrno os dois sistemas de que êle próprio tem usado e abusado: o aumento da circulação fiduciária o da dívida pública flutuante. E preconiza os dos empréstimos e impostos!
E pensa-se em salvar assim o País!...
Há um remédio único: é a redução das despesas.
Apoiados.
E para que se veja a noção que os homens da República têm dos rudimentares preceitos de economia e de finanças é interessante notar que o Govêrno considera como primeira causa de todo êste mal a desvalorização do nosso câmbio.
Quere dizer: considera como causa o que é apenas um efeito. E um efeito de todos os desregramentos da administração pública e da inevitável desconfiança que êles originam.
De curioso há também o seguinte: diz o relatório que «ou caminhamos rápida e vertiginosamente para a falência...ou caminhemos resoluta mas ponderadamente para a valorização da nossa moeda»! E acrescenta:
«O Govêrno não aceita e não adopta a primeira destas soluções»!
Ora aqui está, finalmente, um ponto em que estamos todos de acôrdo! E os nossos esforços tendem exactamente a evitar a primeira solução, a que a República fatalmente nos levará.
O Sr. Carvalho da Silva: — E por isso somos monárquicos.
O Orador: — Já o Govêrno julga preciso fazer uma afirmação daquela transcendência!
É escusado. O País já não se ilude.
Mas prossigamos, porque o tempo urge.
Propunha-me eu fazer especial referência ao problema do funcionalismo, que tenho largamente documentado; mas, na torturante impossibilidade de o fazer, apenas como exemplo chamarei a atenção da Câmara para o Ministério do Trabalho e nomeadamente para o seu famoso Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Social, cuja ocupação, em relação a alguns serviços, deve ser pouco mais do que ganhar, visto que uma parte das chamadas medidas de previdência social promulgadas está por executar, devido a, em quási quatro anos, não ter havido tempo para as regulamentar...E ali com certeza é tudo republicano sem mistura.
Será a culpa dos monárquicos, da guerra ou da paz?
Nos caminhos de ferro do Estado, cujos serviços são o que toda a gente sabe, em 1909-1910, no tempo da monarquia, 4:351 empregados.
Pois em 1914-1915 elevam-se a 8:479, (quási o dobro), e em 1921-1922 o seu número atingiu 10:430, isto é, mais 6:079 do que dez anos antes!
Em 1910, a cada quilómetro de via férrea correspondiam 3,8 empregados, e em 1922 eleva-se o seu número por quilómetro a 7,7.
Acotovelam-se os ferroviários, embaraçam até porventura a via, tamanho é o seu número.
Que admiram, pois, os descarrilamentos?!
Será a culpa também da monarquia, da guerra, ou da paz?
No ano passado os efectivos da Guarda Republicana que eram de 18:966 homens foram reduzidos a 12:088.
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Diário da Câmara dos Deputados
Pois, apesar disto, a despesa ordinária com a guarda, segundo o Orçamento de 1922-1923, excedia apenas em escudos 1:610. 037$38 a proposta agora; e, com as subvenções e mais alcavalas para fardamentos e quartéis, a despesa proposta para o próximo ano económico excede a anterior em 6:442. 186$12!
Será a culpa dos monárquicos, da guerra ou da paz?
Entre as verbas que mereceram o meu reparo encontrei as relativas a cavalos e à sua ração.
O problema deve interessar-nos, visto que, infelizmente, não é possível pôr em prática a milagrosa economia do cavalo do inglês, e aquelas verbas são de monta.
Para cada bucéfalo da guarda republicana 4$50 por dia, e para cada um do exército 5$75!
Não pode ser!
Protesto! Protesto, Sr. Presidente, contra êste regime de casta em plena democracia!
Risos.
O Sr. Carvalho da Silva: — É contra a Constituïção!
O Orador: — Já que não é possível entre os racionais, imponha-se ao menos entre os irracionais perfeita igualdade em questões de comida...
Também muito ao de leve desejo abordar ainda um dos máximos problemas nacionais.
Quero referir-me à instrução pública, ou antes, à inversa: ao analfabetismo. E permita-me V. Ex.ª, Sr. Dr. Brito Camacho, que eu mais uma vez perturbe o silêncio dos seus discursos, proferidos nos para sempre «saüdosos» tempos dá propaganda, lendo à Câmara uma passagem do que disse na sessão n.º 16, de 25 de Maio de 1908:
Lê.
Pensava assim o Sr. Dr. Brito Camacho em plena monarquia.
Assim pensa, por certo, hoje o Sr. Dr. Brito Camacho em plena República. Faço-lhe esta justiça.
Apoiados.
Pois bem:
Em plena monarquia, ainda em 1900, por exemplo, segundo o testemunho insuspeito do Sr. Queiroz Veloso, hoje republicano e director geral do ensino, ou cousa parecida, a percentagem de analfabetos era de 60 a 65 por cento e não de 75 por cento e isto porque, para o cômputo, se não deviam levar em conta as crianças que ainda não tivessem atingido a idade escolar.
E o que se passa agora?
Cumpriram-se os vaticínios, as aspirações, as promessas do Sr. Dr. Brito Camacho?
Foi a instrução o «primeiro» o «maior» cuidado da tal República que ainda em 1908 era um mito?
Fez-se, segundo S. Ex.ª, «dêste país de «analfabetos» um país de cidadãos com a perfeita compreensão dos seus deveres cívicos»?
Não, Sr. Presidente!
Não sou só eu que o digo. Di-lo aquele lado da Câmara; di-lo o próprio Partido Democrático, pela bôca da comissão do orçamento do ano passado!
A ampulheta está a esgotar-se mas permita-me V. Ex.ª que ou leia:
Lê.
É isto! Veja-se a falência do regime confessada pela mais insuspeita das suas facções!
Veja-se a confissão expressa da incompetência, da incúria, do desmazêlo até em relação àquilo que constituía o principal estandarte das reivindicações dos paladinos da República: já guerra ao analfabetismo!
Apoiados.
Ora o Sr. Dr. Brito Camacho, que é homem de bem, pensa hoje o que pensava em 1908; e por isso, tem S. Ex.ª a palavra para dizer aos senhores como então disse, mutatis mutandis, que tal facto é a condenação inexorável da República», é «o seu maior crime», e confessar que esta República não é constituída «por cidadãos com a perfeita compreensão dos seus deveres cívicos».
E assim eu, sem ter procuração para tal, atrevo-me a declarar à Câmara e ao Pais, para que o saibam e o meditem, que esta é uma das razões por que o Sr. Dr. Manuel de Brito Camacho é hoje um desiludido da República.
Por outro lado, a prostituição, a devassidão e o crime cresceram assustadoramente sem repressão e sem freio moral, e...
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Sessão de 21 de Fevereiro de 1923
O Sr. Presidente: — Previno V. Ex.ª de que terminou o tempo que V. Ex.ª tinha para falar.
Visto já não haver luz e a sessão não poder prosseguir, reservarei a palavra ao Sr. Ministro das Finanças para falar na sessão de amanhã.
A próxima sessão é amanhã, com a mesma ardem do dia que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 18 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Marinha, mantendo a promoção a segundo sargento de manobra, desde 15 de Janeiro de 1921, ao cabo marinheiro José Caetano da Luz.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, autorizando o Govêrno a organizar o ensino técnico e profissional dos pescadores e outros inscritos marítimos.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Ministros das Finanças e Marinha, alterando as receitas estabelecidas nos números do artigo 1.º do decreto de 25 de Maio de 1911.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 381-B, que autoriza a Câmara Municipal de Coimbra a contrair novo empréstimo com a Caixa Geral de Depósitos até 80 contos para conclusão de instalações eléctricas.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 397-A, que restabeleceu a tabela reguladora dos preços dos trigos nacionais, constante da base 1.ª da lei de 14 de Julho de 1899, actualizada.
Imprima-se com urgência.
Projecto de lei
Do Sr. Pedro Pita, revogando a lei n.º 1:020, de 18 de Agosto de 1920, sôbre acções de despejo.
Para o «Diário do Govêrno».
Constituïção de comissão
Saúde e assistência pública:
Presidente — João José Luís Damas.
Secretário — Alberto Cruz.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.