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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 37
EM 26 DE FEVEREIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia
Sumário. — Chamada e abertura da sessão.
Leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Agatão Lança manda para a Mesa uma declaração de voto e propõe que a Mesa procure demover o Sr. António Maia do pedido de exoneração de oficial do exército.
Sôbre o assunto falam os Srs. Francisco Cruz, Almeida Ribeiro e Eugénio Aresta, sendo a proposta aprovada.
Pronunciam-se ainda os Srs. Homem Cristo e Vicente Ferreira que se refere também a renúncia do Sr. Alberto Xavier, seguindo-se os Srs. Eugénio Aresta, Morais Carvalho, Carlos Pereira, Pedro Pita, Vicente Ferreira, Velhinho Correia, Alberto Xavier e Almeida Ribeiro.
O Sr. Ministro do Trabalho apresenta uma proposta de lei relativa aos hospitais da Universidade de Coimbra.
É concedida a urgência e dispensa do Regimento.
Discutem-na os Srs. Carvalho da Silva, Dinis da Fonseca, Alves dos Santos, Almeida Ribeiro e Cancela de Abreu, sendo aprovada.
Sôbre uma catástrofe sucedida em Coimbra, falam os Srs. João Bacelar, Francisco Cruz, Almeida Ribeiro, Ministro do Trabalho, Lino Neto, Cancela de Abreu, sendo aprovada uma proposta concernente.
É aprovada a acta.
Ordem do dia. — Continua a discussão duma questão prévia do Sr. Almeida Ribeiro.
Usam da palavra os Srs. Alberto Xavier, Carvalho da Silva, verificando-se na contraprova da votação não haver número.
O Sr. Presidente encerra a sessão depois de designar ordem do dia para a imediata.
Abertura da sessão, às 14 horas e 30 minutos.
Presentes, 49 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Morais de Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Pedro Góis Pita.

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Diário da Câmara dos Deputados
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes de Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Jorge Barros Capinha.

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Sessão de 26 de Fevereiro de 1923
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre. Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 14 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministro das Finanças, enviando os documentos pedidos em ofício n.º 157, para o Sr. Baltasar Teixeira.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito em ofício* n.º 88, para o Sr. Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, respondendo ao ofício n.º 165 que transmitiu o pedido do Sr. Francisco Cruz.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Instrução, comunicando ter sido autorizada a inclusão no orçamento para 1923-1924 de designadas quantias para compra de edifícios pertencentes ao Ministério da Justiça.
Para a comissão do Orçamento.
Do mesmo, para que seja aumentada para 2. 000$ a verba para despesas com o Museu Regional de Aveiro.
Para a comissão do Orçamento.
Da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, acêrca da elevação a 30 por cento da, percentagem sôbre as contribuïções do Estado,
Para a comissão de administração pública.
Do juiz das Caldas da Rainha, pedindo autorização para o Sr. Maldonado de Freitas poder depor como testemunha.
Concedido.
Do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, pedindo autorização para os Srs. Agatão Lança e Cunha Leal deporem como testemunhas.
Concedido quanto ao Sr. Agatão Lança.
Quanto ao Sr. Cunha Leal, está ausente no estrangeiro com licença da Câmara.
Pedidos de licença
Do Sr. Vergílio Costa, 20 dias.
Do Sr. Pedro de Castro, 105 dias.
Do Sr. Viriato da Fonseca, 2 dias.
Concedidos.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Homem Cristo, 1 dia.
Do Sr. António Maia, 1 dia.
Concedidos.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.

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Diário da Câmara dos Deputados
Cartas
Do Sr. Nuno Simões, participando que segue para Angola no próximo dia 1 de Março e apresentando as suas despedidas à Câmara.
Para a Secretaria.
Do Sr. Alberto Xavier, pedindo para que seja lida em sessão e registada na acta uma carta que envia, pedindo a demissão, pelos motivos que alega, de membro das comissões de finanças e do Orçamento.
Para a Secretaria.
Representações
Dos oficiais do quadro do distrito de recrutamento n.º 8, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a comissão de finanças.
Dos professores do Instituto Superior Técnico, pedindo que nas melhorias de vencimento não sejam equiparados às diversas categorias burocráticas.
Para a comissão de finanças.
Dos gerentes e representantes das diversas emprêsas de pesca de todo o país, reclamando contra o regime fiscal da lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922.
Para a comissão de -finanças.
Do tenente, Francisco Maria da Silva, pedindo para regressar ao exercício das suas funções.
Para a comissão de guerra.
Do alferes, reformado, Henrique Gomes, pedindo para ser promovido a capitão.
Para a comissão de guerra.
Do primeiro sargento, reformado, Severiano J. Pinto da Mota, pedindo a discussão da sua pretensão apresentada em 1920.
Para a comissão de colónias.
Telegramas
Dos sargentos de Mafra, pedindo brevidade na aprovação do projecto mínimo sôbre promoções.
Para a Secretaria.
Da Junta de Freguesia de Santo Antão de Évora, pedindo aprovação do projecto sôbre liberdade religiosa.
Para a Secretaria.
Da Misericórdia de Santo Tirso, pedindo para ser aprovado o projecto apresentado pelo Sr. Joaquim de Matos.
Para a Secretaria.
Dos procuradores da Junta Geral do Distrito de Bragança, protestando contra o encerramento da porta da sala das sessões, pelo governador civil e administrador do concelho.
Para a Secretaria.
Da Comissão Executiva e Junta Geral de Viseu, reclamando contra a aprovação do projecto de lei em discussão, tornando dependente do referendum das juntas de freguesia a elevação das percentagens das instituïções do Estado.
Para a Secretaria.
Idem, das Câmaras Municipais de Matozinhos, Viana do Castelo e Maia.
Para a Secretaria.
Admissões
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros da Justiça e das Finanças, autorizando o Govêrno a proïbir a importação, venda e uso de armas brancas, fogo ou outras.
Para a comissão de legislação criminal.
Dos Srs. Ministros das Finanças e da Marinha, alterando as receitas estabelecidas nos diversos números do artigo 1.º do decreto de 25 de Maio de 1911.
Para a comissão de marinha.
Do Sr. Ministro da Marinha, mantendo a promoção a segundo sargento de manobra ao cabo marinheiro José Caetano da Luz.
Para a comissão de marinha.
Do mesmo, autorizando o Govêrno a organizar o ensino técnico profissional dos pescadores e outros inscritos marítimos.
Para a comissão de marinha.

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Do Sr. Ministro do Comércio, transferindo para a Câmara Municipal de Lisboa as atribuïções concernentes ao abastecimento de águas da capital.
Para a comissão de administração pública.
Projecto de lei
Do Sr. Pedro Pita, revogando a lei n.º 1:020, de 18 de Agosto de 1920.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ªs que, segundo informações que tenho, já hoje deve haver luz na sala das sessões, e, se assim fôr, a sessão será encerrada às 19 horas.
Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: por motivos imperiosos da minha vida particular, não tenho podido assistir às últimas sessões desta Câmara. Não estava, portanto, presente quando foi votada a moção de confiança ao Sr. Ministro da Guerra, e por isso vou mandar para a Mesa a seguinte declaração de voto:
«Se tivesse assistido à última sessão, na ocasião precisa, teria votado a moção de confiança a S. Ex.ª o Ministro da Guerra, sem prejuízo da minha consideração pelo Sr. António Maia, e com a expressa e terminante declaração, porém, de que tal atitude em nada significava transigência com o princípio anticonstitucional da dependência disciplinar dos Deputados militares pelo exercício do seu mandato. Desejo, pois, que fique consignado que é minha opinião e da Constituïção (artigo 15.º) que o Deputado, oficial embora, aqui dentro é simplesmente, acima e além de tudo, Deputado, sem relação alguma, como tal, com o regulamento disciplinar.
Se assim não fôsse, tal coacção, inibindo-me de ampla e livremente cumprir o meu dever de representante da Nação, ter-me ia forçado a nunca ter aceitado êste mandato.
Sala das Sessões. — Armando Agatão Lança.
Ora, Sr. Presidente, pensando eu assim, V. Ex.ª e a Câmara compreendem os motivos por que discordo do gesto do Sr. António Maia. S. Ex.ª a presistir na sua atitude, viria certamente fazer com que todos nós sentíssemos imenso com isso, porque todos conhecemos os altos serviços que se têm prestado à Pátria e à República, quer durante a guerra, quer durante a paz.
Sr. Presidente: estou certo de que S. Ex.ª, num momento mais sereno, há-de reconhecer que não tem direito a insistir na atitude que assumiu nesta Câmara.
Eu sei que não é esta casa do Parlamento que lhe pode dar ou negar a sua demissão de oficial, mas visto que êsse acto resultou de um incidente parlamentar, e desde que foi a Mesa desta Câmara que serviu de intermediária na remessa do requerimento de demissão, parece-me que V. Ex.ª, Sr. Presidente, poderá intervir neste assunto.
Acresce ainda que por uma entrevista publicada no Diário de Lisboa de 23 do corrente, eu concluo que o Sr. António Maia, pessoa digna como aquelas que o devem ser, oficial brioso como os mais briosos, homem honrado como os mais honrados, teve êsse gesto, porque, pelo relato feito na imprensa, pode, porventura, deduzir-se que S. Ex.ª levantou êsse incidente, por mera questão de interêsse pessoal.
Ora eu estou absolutamente convencido de que não há ninguém que ponha em dúvida a honestidade e dignidade do ilustre Deputado Sr. António Maia.
Nestes termos, proponho à Câmara para que V. Ex.ª e a Mesa sejam incumbidos de exercer junto do Sr. António Maia aquela influência que é praxe parlamentar exercer junto de todos os Deputados, quando resignam o seu mandato.
Eu bem sei que S. Ex.ª não renunciou ao seu lugar de Deputado, mas pediu a demissão de oficial do exército por um motivo parlamentar.
É esta a proposta que faço à Câmara e com ela termino as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.

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O Sr. Agatão Lança acaba de propor à Câmara que a Mesa procure demover o Sr. António Maia do seu pedido de demissão de oficial do exército.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: tenho a maior consideração pelo (Sr. Agatão Lança, bem como pelo Sr. António Maia.
Mas, Sr. Presidente, é preciso não invertermos os termos da situação do Sr. António Maia.
S. Ex.ª é aqui Deputado, e esta é a Câmara dos Deputados. S. Ex.ª não podia mandar a demissão de oficial do exército para esta Câmara, nem a renúncia de Deputado para o Quartel General.
Eu entendo que a questão deve ser posta assim, e não de outra maneira.
O Sr. Presidente: — O Sr. Agatão Lança apresentou a proposta que a Câmara já conhece. V. Ex.ª apresentou a sua opinião que eu respeito e considero, mas tenho de submeter à apreciação a primeira proposta a fim de saber qual deverá ser a acção da Mesa.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: parece-me que as considerações que acaba de fazer o Sr. Francisco Cruz são essencialmente verdadeiras e procedentes.
Efectivamente, estamos numa Câmara de Deputados, que não é uma repartição militar.
Mas, quere-me parecer que a Mesa poderá dar seguimento à proposta do Sr. Agatão Lança, dada a muita estima e consideração que nos merece o Sr. António Maia.
E, se não estou em êrro, creio que foi por deferência pessoal para com S. Ex.ª que V. Ex.ª, Sr. Presidente, mandou o requerimento para o Ministério da Guerra.
O Sr. Presidente: — Devo informar V. Ex.ª que ainda o não enviei. Tenho-o ainda em meu poder.
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª a sua explicação.
Todavia, parece-me que V. Ex.ª pode efectuar essa diligência junto do Sr. António Maia, a fim de o demover de uma resolução que êle tomou num momento de exaltação.
Era isto o que tinha a dizer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Eugénio Aresta: — Parece-me que esta Câmara não tem absolutamente nada que aceitar requerimentos ou bilhetes de identidade, na qualidade de oficial do exército, que o Sr. António Maia enviou para a Mesa.
A Câmara dos Deputados não tem nada com a qualidade militar do Sr. António Maia.
V. Ex.ª quis ter a gentileza de aceitar o requerimento que o Sr. António Maia enviou para a Mesa.
A Câmara nada tem com isso.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à votação da proposta do Sr. Agatão Lança. Os Srs. Deputados que entendem que a Mesa deve procurar o Sr. António Maia para lhe pedir para desistir do seu pedido de demissão de oficial do exército, queiram pronunciar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova, verificando-se ter sido rejeitada por 14 e aprovada por 44 Srs. Deputados a proposta do Sr. Agatão Lança.
O Sr. Homem Cristo: — Desde que V. Ex.ª aceitou o requerimento do Sr. António Maia, eu votei para V. Ex.ª procurar o Sr. António Maia e pedir-lhe para desistir do seu pedido de demissão de oficial do exército.
De resto o Sr. António Maia tinha de entregar o requerimento na unidade a que pertence. Nada mais.
A Câmara não tem que dar demissões a oficiais do exército.
O orador não reviu.
O Sr. Vicente Ferreira: — O motivo que me levou a pedir a palavra, para explicações, não diz respeito ao assunto que foi objecto de votação da Câmara.
Mas já que uso da palavra neste incidente devo dizer que não compreendo

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que a Câmara dos Deputados possa tomar conhecimento dos requerimentos que os Srs. Deputados, oficiais do exército, funcionários, ou empregados de qualquer categoria, façam aos seus legítimos superiores.
A minha consideração e estima pelo Sr. António Maia é grande.
O objecto que me levou a pedir a palavra foi a carta enviada para a Mesa pelo Sr. Alberto Xavier e foi com profunda mágoa que a Câmara assistiu à leitura dessa carta.
É sempre para lamentar que se dêem conflitos, como aqueles que determinaram a atitude do Sr. Alberto Xavier.
Parece-me que a Câmara dos Deputados não deve aceitar o pedido de demissão feito pelo Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Alberto Xavier tem manifestado nesta Câmara ser um funcionário distinto, um homem que sabe estudar as questões e as explicações com clareza.
O Sr. Alberto Xavier não só tem estudado as questões, sob o aspecto geral de administração, como sob o aspecto financeiro e em especial sob o aspecto orçamental e por isso merece a consideração e o respeito de todos.
Por isso, em nome do Partido Nacionalista, declaro que vejo com profunda mágoa a atitude do Sr. Alberto Xavier e espero que S. Ex.ª, tendo em vista a manifestação da Câmara, renuncie à atitude que tomou.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª faz alguma proposta?
O Orador: — Faço apenas votos para que o Sr. Alberto Xavier desista da resolução que tomou.
O orador não reviu.
O Sr. Eugénio Aresta: — O pedido que se encontra na Mesa, feito pelo Sr. Alberto Xavier, na qualidade de membro da comissão de finanças, honra muito S. Ex.ª
O que levou o Sr. Alberto Xavier a pedir a demissão foi a discussão feita na comissão de finanças da declaração de voto, o que foi da maior inconveniência.
O Partido Democrático não deve manifestar-se com excessos de melindre.
É preciso que o Sr. Alberto Xavier retire o seu pedido de demissão de membro da comissão de finanças.
O Sr. Alberto Xavier, que é uma pessoa correcta...
O Sr. Carlos Pereira: — Não apoiado!
O Orador: — A atitude da maioria neste incidente prova que o Partido Democrático não está habituado a que lhe falem com desassombro.
A declaração de voto do Sr. Alberto Xavier nada tem de inconveniente ou insolente.
Quanto à forma como as comissões trabalham, S. Ex.ª também algumas razões tem para pôr os argumentos que pôs no seu pedido de renúncia.
Mas sôbre todas essas razões estou certo que S. Ex.ª não deixará de voltar, para não privar nem as comissões, nem a Câmara dos Deputados, da valiosa colaboração de S. Ex.ª
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais de Carvalho (para explicações): — Sr. Presidente: à semelhança do que fizeram outros Srs. Deputados, começo por dizer a V. Ex.ª e à Câmara que êste lado da Câmara, não tendo votado a proposta apresentada pelo Sr. Agatão Lança, não o fez por menos consideração ou estima pessoal para com o ilustre Deputado Sr. António Maia, por quem já em outra ocasião teve ensejo de manifestar todo o aprêço: é que nós entendemos que numa questão de disciplina a Câmara deve considerar-se alheia a ela.
Na sessão passada negámos o nosso voto de confiança política ao Sr. Ministro da Guerra, porque, além de outras razões, entendemos que incidentes desta natureza devem seguir os trâmites legais. Mas se se tratasse dum pedido de renúncia do lugar de Deputado nós seríamos evidentemente dos primeiros a pedir para que S. Ex.ª retirasse êsse pedido; todavia, o pedido que S. Ex.ª fez não foi como Deputado, e é essa a razão porque não votámos a proposta do Sr. Agatão Lança.
Quanto ao incidente que se levantou no seio da comissão de finanças, nós fazemos votos para que êle se resolva a

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bem de todos e com prestígio para a Câmara, podendo o Sr. Alberto Xavier continuar nas comissões a prestar os seus serviços.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: as considerações que vou fazer são da minha inteira e exclusiva responsabilidade.
Assente isto, devo dizer que se se dessem outras circunstâncias diferentes daquelas que vou apontar à Câmara, entenderia que me devia associar à manifestação para que um qualquer Sr. Deputado desistisse do seu pedido de renúncia de membro duma comissão, mas hoje a eleição de comissões faz-se não por votação, mas por indicação dos leaders dos partidos o assim se a um determinado partido não convém que um seu membro abandone o seu lugar numa comissão da Câmara, então que lho diga e em caso de recusa que lhe imponha a sanção que entender; a Câmara é que não tem nada com isso.
Apoiados da esquerda.
Trata-se duma questão de política partidária, e dêsse modo se o Partido Republicano Nacionalista entende que não lhe convém a saída do Sr. Alberto Xavier das comissões de finanças e do Orçamento que o diga a S. Ex.ª; a nós é que não nos compete fazê-lo.
Apoiados da esquerda.
Sr. Presidente: estranharam há pouco alguns Srs. Deputados que eu tivesse tido a coragem de quando se falava em correcções ter dito não apoiado.
Eu vou justificar as minhas palavras e depois quero ver quais são os homens de bem do meu País que afirmam que eu não tenho razão.
O Sr. Alberto Xavier lembrou-se um dia de vir a esta Câmara, quando se discutia determinado parecer, fazer a tremenda acusação de que o projecto a que se referia êsse parecer havia sido apresentado simplesmente para beneficiar uma pessoa de família de determinado parlamentar.
Êsse parlamentar, que não pertencia à Câmara dos Deputados mas ao Senado, na impossibilidade de se poder desafrontar nesta casa, autorizou-me a desmentir terminantemente a insinuação do Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Alberto Xavier então não se defendeu do desmentido formal que, em nome dêste parlamentar, eu aqui fiz...
O Sr. Alberto Xavier: — Não é verdade!
O Orador: — V. Ex.ª calou-se, então, nem podia deixar de se calar.
Depois disto o Sr. Alberto Xavier, servindo-se duma tribuna onde algumas vezes passeia num à vontade de filho da casa, veio a público fazer afirmações que não pode fazer um homem que tenha em consideração a sua própria honra.
No jornal Diário de Noticias publicou S. Ex.ª um artigo em que se afirmava que o Sr. Adolfo Coutinho entrara para a comissão de finanças para fazer com que no projecto das subvenções ficasse consignada uma disposição, pela qual êsse
Sr. Deputado viesse a ficar com uma subvenção maior do que aquela que inicialmente lhe era atribuída.
O que posso eu dizer, Sr. Presidente e meus Senhores, dum homem que se serve da imprensa para anavalhar a honra dum seu colega nesta Câmara?
Vozes: — Não pode ser!
O Sr. Alberto Xavier: — Sr. Presidente: eu reclamo a intervenção de V. Ex.ª Muitos apoiados.
O Sr. Presidente: — Convido o orador a retirar a expressão «anavalhar».
O Orador: — Retiro a palavra «anavalhar» para a substituir pela afirmação de que o Sr. Alberto Xavier tem em muito pouca conta a honra dos outros.
O parecer dos Transportes Marítimos foi assinado pelo Sr. Barros Queiroz, sendo fornecido todos os esclarecimentos solicitados por S. Ex.ª Mas o Sr. Alberto Xavier declara que não votou por não ter elementos de apreciação.
Eu direi que não hesito em acompanhar o Sr. Barros Queiroz, em vez de seguir a opinião do Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: nesta altura eu vejo que está baralhada

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a questão levantada inicialmente pelo Sr. Vicente Ferreira.
O Sr. Vicente Ferreira pôs a questão neste pé:
Houve um Deputado que apresentou o seu pedido do dimissão de membro de duas comissões, entendendo S. Ex.ª que devia significar em nome do seu partido a muita consideração que lhe merece o Sr. Alberto Xavier e lembrando que se devia instar para que êsse Sr. Deputado continuasse nesses lugares.
O que se fez agora foi afastar a questão do seu pé e irritá-la, baralhando-a com excesso de palavras.
Toda a Câmara conhece a declaração do Sr. Alberto Xavier. Essa declaração, de facto, não está evidentemente em discussão.
Apoiados.
Mas desde que se discutem factos e atitudes naturalmente é indispensável olhar para essa declaração para ver se ela justifica a celeuma que na Câmara se levantou.
Mas, talvez porque eu tenha a sensibilidade mais embotada que outros, o que é certo é que não encontro nessa declaração qualquer cousa que possa representar uma incorrecção, qualquer cousa que legítimamente possa ofender o melindre de alguém.
Apoiados.
As comissões não reúnem.
Esta é a verdade.
O mal não está em afirmar-se que as comissões não reúnem nem trabalham como devem; está no facto delas não reünirem nem trabalharem.
Não há melindre em se dizer esta verdade, e sobretudo há vontade em dizê-lo.
Apoiados.
Poderiam mudar-se de processos que não prestigiam o Parlamento.
Apoiados.
De resto, seria pouco verdadeiro afirmar que as comissões procuram por todos os modos amparar os Govêrnos saídos do partido a que pertence a maioria dos seus membros?
Será alguma cousa de extraordinário dizer que êste facto sêda, sendo verdadeiro?
Não sabemos todos nós que em muitas ocasiões a disciplina partidária obriga a transigir em determinados pontos de vista?
Isto é alguma cousa que fique mal a alguém?
Representa esta afirmação uma acusação pessoal, como se encontra, por exemplo, na resposta a esta declaração?
O Sr. Velhinho Correia: — É a mesma cousa.
O Orador: — A declaração é feita nos termos mais corretos.
A alusão directa que se faz, Sr. Presidente, na resposta à declaração de voto é que não se compreende, por isso que nunca no próprio parecer o relator respondeu a qualquer declaração de voto dos membros de uma comissão. Apoiados.
Sou, Sr. Presidente, parlamentar, deve haver uns quatro anos, e é a primeira vez que vi num parecer uma resposta a uma declaração de voto.
De resto, Sr. Presidente, compreende-se o melindro da maioria, habituado o partido democrático há muitos anos a esta parte a ter das oposições uma condescendência tam demasiada infelizmente.
O partido que tema maioria parlamentar á primeira resistência que encontrou considerou-se imediatamente desconsiderado; estranha essa resistência.
Mal vai, Sr. Presidente, se esta primeira resistência não foi início de uma resistência maior, que tem de haver por parte das oposições.
E necessário, Sr. Presidente, que cada partido marque o seu lugar, e eu devo dizer a V. Ex.ªs que se fôsse eu que tivesse apresentado o pedido de renuncia de membro desta comissão, e nesta parte estou de acôrdo com o Sr. Carlos Pereira, não esperava outro pedido que não fôsse do meu partido, pois, de facto, Sr. Presidente, não é de estranhar que a maioria nesta parte tivesse querido colocar-se à vontade, para à vontade poder fazer o que quere.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente: torna-se necessário colocar as cousas no seu verdadeiro pé, e, assim, devo dizer a V. Ex.ªs que a palavra para explicações pedida pelo ilustre Deputado, o Sr. Vicente Ferreira, não tem outro intuito senão manifestar nesta Câmara a opinião do partido a que S. Ex.ª pertence, relativamente à renúncia apresentada pelo Sr. Alberto Xavier.

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Não teve, Sr. Presidente, outro intuito senão o de mostrar ao Sr. Alberto Xavier a muita consideração que o seu partido tem por êle e o muito desejo que tem que S. Ex.ª continue nessa comissão:
Eu, Sr. Presidente, não tenho que acrescentar a essas palavras proferidas por quem de direito, e em meu nome também outras palavras no sentido de que o Sr. Alberto Xavier retire o seu pedido.
O meu desejo, pois, Sr. Presidente, é que o Sr. Alberto Xavier aceite imediatamente êsse convite, mantendo-se no seu lugar, muito embora isso possa desagradar aos outros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Dada a forma como foram eleitas as comissões, tem sido praxe o Presidente da Câmara, sempre que haja de fazer-se qualquer substituïção, dirigir-se ao grupo que tenha elegido o substituído para que êsse grupo indique o nome do parlamentar que deverá preencher a vaga, ou porventura mantenham confiança no membro que queira ser substituído.
Nestas condições, ou só tenho de seguir essa praxe, a menos que a Câmara deseje que se proceda de qualquer outra forma.
Alguns Srs. Deputados pedem a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: — Estamos na hora de se passar à ordem do dia, mas suponho que a Câmara não quererá deixar de liquidar desde já êste incidente, e, portanto, não deverei recusar a palavra aos Srs. Deputados que acabam de pedi-la para explicações.
Vozes: — Apoiados! Apoiados!
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram, solicitando-lhes, no emtanto, que sejam rápidos nas suas explicações.
O Sr. Vicente Ferreira (para explicações): — Quando há pouco fiz as considerações que formulei apenas tive o desejo de, em meu nome e no do Partido Nacionalista, dar o testemunho da nossa muita consideração pelo Sr. Alberto Xavier. De nenhum modo o que eu disse poderá significar qualquer censura ao procedimento da presidência desta Câmara.
O Sr. Velhinho Correia (para explicações): — Sou forçado a usar da palavra porque desejo pedir a V. Ex.ª e à Câmara licença para enviar amanhã para a Mesa uma carta contestando algumas das afirmações que contém a carta da autoria do Sr. Alberto Xavier, que foi lida na Mesa, por serem menos exactas.
Sr. Presidente: desde a primeira hora, como digo na minha declaração de voto, que não me considerei a pessoa mais competente para relator do parecer que está em causa; de resto, não fiz mais do que seguir uma fórmula que de há muito sigo, qual seja a de julgar sempre todos os outros mais competentes do que eu.
Entendi sempre que os outros sabem mais do que eu, que podem mais do que eu e que valem mais do que eu.
Eu defendi a proposta de empréstimo e o parecer respectivo, na generalidade, visto que os considerei oportunos e convenientes.
Circunscrevendo-mo ao incidente, eu tenho a declarar o seguinte:
O Sr. Alberto Xavier, depois da leitura do meu trabalho, apresentou a sua declaração de voto, que trouxera redigida de sua casa.
Quem primeiro leu essa declaração foi o Sr. Alfredo de Sousa.
Eu desconhecedor era das palavras que nela se continham; mas, vendo aquele meu colega um tanto impressionado pelo que lera nessa declaração, eu disse o que vou reproduzir, para o que chamo a atenção de V. Ex.ª e da Câmara.
Se contra as praxes e regras parlamentares, se encontram nessa declaração quaisquer referências pessoais que directamente me atinjam, julgo-me no direito de por forma idêntica delas me defender.
Não pretendi opor-me a que tal declaração de voto fôsse publicada. O que eu pretendi desde logo foi ficar no direito de responder a ela no mesmo pé de igualdade, para desfazer determinadas afirmações que não correspondem absolutamente a uma exactidão.
O Sr. Pedro Pita afirmou que na declaração de voto feita pelo Sr. Alberto Xavier nada havia que de ofensivo pudesse

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ter para quem quer que fôsse. Eu não fui, na minha declaração, além das palavras e dos termos empregados pelo Sr. Alberto Xavier, na que apresentou precedentemente.
Ninguém pode, pois, tirar ilações de factos que não existem, para constituir propósitos que igualmente não podem existir.
A minha declaração está absolutamente moldada nos mesmos termos em que moldada foi a do Sr. Alberto Xavier, não tendo ela outro fim que não seja o de significar uma resposta de igual para igual, à declaração do Sr. Gilberto Xavier.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Xavier (para explicações): — Sr. Presidente: ao usar agora da palavra, restringir-me hei ao incidente e procurarei ser o mais sereno possível.
Começarei por declarar que não foi de ânimo leve que tomei o propósito que cumpri, de apresentar o pedido da minha demissão de membro da comissão de finanças.
Tam pouco o apresentei para alcançar um novo voto de confiança do grupo parlamentar nacionalista.
Solicitei essa minha demissão porque estou convencido de que o trabalho das comissões parlamentares representa qualquer cousa de desprestigiante para a instituïção parlamentar.
É que no nosso sistema político eu tenho observado o facto singular de os Governos que representam um dos poderes do Estado pretenderem impôr freqüentemente, senão constantemente, as suas opiniões ao Parlamento, confiados numa maioria sempre disposta a fazer-lhes a vontade.
Ora isto não pode nem deve ser.
Se um tal sistema frutificar, teremos completa e absolutamente falseado o regime parlamentar, e conseqüentemente o Congresso jamais poderá dizer-se o representante da nação.
Passará a ser um simples representante dos grupos partidários.
É necessário que reparemos o êrro.
É indispensável.
É preciso não nos deixarmos seguir nessa situação desprestigiante que leva os adversários do regime a fazerem chacota da República.
Êles têm por vezes razão, porque nós temos de facto dissolvido todos os poderes.
Estou absolutamente convencido da improficuïdade das funções das comissões parlamentares.
As comissões neste Parlamento têm uma missão elevada, da mais alta responsabilidade e entre elas estão as comissões do Orçamento e das finanças.
Em toda a parte do mundo, onde há um regime parlamentar sério, são as comissões os verdadeiros dirigentes da política financeira.
Ainda há pouco, na França, que atravessou o período mais agudo das suas finanças, a comissão respectiva impôs o seu critério ao Ministro do Gabinete de Clemenceau.
O mesmo sucedeu ao Ministro das Finanças do Gabinete de Briand, François Marçal.
Na Conferência de Cannes Mr. Briand defendia a questão das separações, para o que tinha plenos poderes, mas a comissão de finanças, em Paris, reüniu e Briand teve, pelos jornais, conhecimento dos reparos que lho tinham feito, pois nem mais um dia em Cannes se demorou e regressou a Paris para logo pedir a demissão.
Isto é, reconheceu o incontestável direito à comissão de finanças de resolver o problema das finanças que ora o máximo para a França.
Eu peço ao Sr. Ministro das Finanças que me ouça, pois, se não me ouvir, eu repetirei tudo quando se discutir o Orçamento.
O actual Ministro das Finanças, da França, entendeu que o Orçamento devia apresentar-se equilibrado, entendeu que isso era indispensável.
Na comissão de finanças apresentaram-se nada menos do que seis ou sete moções.
E assim que procedem as comissões parlamentares da Câmara francesa.
Por conseqüência, Sr. Presidente, agradecendo ao ilustre Deputado, Sr. Vicente Ferreira, a gentileza de solicitar que eu permaneça nas comissões do Orçamento e finanças, representando essa atitude mais uma vez uma afirmação dos desejos anteriores, devo dizer que não posso satisfazer tais desejos, porque não confio na produtividade das comissões parlamenta-

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res emquanto elas não souberem falar em nome da Nação, não devendo, portanto, colaborar nessa obra de sofisma e de mestificação da instituïção parlamentar.
Qual era, de facto, o momento em que as comissões de finanças e Orçamento podiam manifestar atitudes que as dignificassem?
Qual era, de facto, o momento em que essas comissões poderiam impôr-se ao respeito da Nação para que a sua voz quando se erguesse, merecesse o acatamento de todos?
O que se tem feito não é senão uma política de expedientes e — releve-me V. Ex.ª e releve-me a Câmara que eu assim os caracterize — de expedientes grosseiros.
Quereriam por acaso que eu viesse denunciar êsses expedientes com que se tem querido ludibriar o sentimento popular?
Então a hora não é própria para se conceber um plano elevado, um plano de conjunto, que, se não pode obter o concurso de todos os portugueses, mereça, pelo menos, a boa vontade e o concurso de todos os republicanos?
Que malfadado país é êste?
Que situação é a dêste Parlamento, onde se não quere a colaboração dos mais dedicados defensores do regime, cujo concurso poderia ser útil?
Que espécie de megalomania partidária faz obscurecer o raciocínio para que se não compreenda que a obra do Parlamento, para ser elevada, para ser nobre, para ser histórica, precisa absolutamente de se integrar nas aspirações nacionais, nas tradições históricas do povo português?
O ano passado, quando o Sr. Portugal Durão fez o excelente esfôrço de apresentar umas propostas de finanças, êsse esfôrço, que mereceu a atenção de todos, foi prejudicado porque o Sr. Portugal Durão, em lugar de entregar o seu trabalho ao concurso e à colaboração do Parlamento e de todos os republicanos, pôs a questão intransigentemente, como se de obra prima se tratasse, e essa obra serena e claramente analisada e criticada, não pudesse ser objecto de aperfeiçoamento.
Teimou-se e o resultado da teimosia foi que, com excepção da maioria, todos os republicanos desta Câmara, mesmo contra sua vontade, se viram forçados a declarar se abertamente contrários à política fiscal que o Sr. Portugal Durão tinha traduzido.
Que se pretende agora com as propostas do Orçamento e do empréstimo?
Nada mais, nada menos.
O Sr. Ministro das Finanças entende que o seu trabalho é uma obra prima e sublime.
Está no seu direito, porque cada qual julga da sua obra como bem entende, mas eu pregunto: Com que direito se julga S. Ex.ª para impôr a todos os republicanos o ao País propostas que são muito discutíveis?
Um àparte.
O Orador: — Continuo a sustentar que as comissões do Orçamento e finanças estão, positivamente, a falhar a sua missão; em tais circunstâncias, eu não posso continuar a fazer parte dessas comissões até pelo próprio pudor que devo ao meu estudo e ao meu trabalho, porque eu trabalho incansàvelmente. Isto não quere dizer que não esteja inteiramente ao dispôr do meu partido para, em plena sessão, o auxiliar em tudo o que de mim se reclame.
Limito-me agora a lavrar o meu protesto e, para o fazer, quero simplesmente invocar tradições parlamentares, dos Parlamentos republicanos e dos Parlamentos da monarquia.
Em parte alguma, quer por emprêsas ou sociedades particulares, quer nas diferentes instituïções públicas, se discute uma declaração de voto.
A declaração de voto é a expressão do sentir individual e, como constitui, em regra, o remate de toda a discussão, como é que sôbre êle pode haver uma discussão possível?
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: peço a palavra.
O Orador: — Já estou a prever a estocada jurídica ou sofística do Sr. Almeida Ribeiro.
Um àparte do Sr. Almeida Ribeiro.
O Orador: — Se a estocada vai surgir de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça...

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O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Aqui sou simplesmente um Deputado.
Orador: — V. Ex.ª é um magistrado é, mais do que isso, uma personalidade da mais elevada cultura jurídica.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Muito obrigado a V. Ex.ª pela amabilidade, mas nesta sala nada mais sou do que um Deputado.
O Orador: — V. Ex.ª não é formado em direito? Não só é formado em direito, mas também é um jurisconsulto eminente. Posso afirmá-lo, a não ser que V. Ex.ª não queira que eu no Parlamento preste homenagem que a toda a nação merece uma das suas mais brilhantes figuras.
Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª que nos tribunais colectivos, onde as decisões são proferidas por mais de um juiz, aquele que é divergente dos que fazem vencimento, dos que constituem maioria, tem o direito de explanar o seu voto com a maior liberdade.
Onde se viu que essa maioria, nos acórdãos ou nas sentenças dos tribunais, viesse de qualquer maneira contestar o voto e a justificação de voto do magistrado discordante?
Sr. Presidente: duas ligeiras referências ao Sr. Carlos Pereira.
V. Ex.ª sabe que no seu tempo e no meu, assistimos ainda ao período da velha e clássica Universidade com todas as suas praxes, regulamentos e maneira de ser peculiar.
Se V. Ex.ª encontrasse no seu caminho, como quintanista de direito, alguns novatos, embora de merecimento, sentiria por êles benevolência.
É o caso do Sr. Carlos Pereira.
Desconhece o meu passado parlamentar, desconhece as minhas atitudes e determinantes dos mais procedimentos. Estes têm sido sempre inspirados no mais alto interêsse patriótico.
Posso muito bem assumir a atitude de Quintanista de direito em Coimbra, e não é senão com benevolência que respondo ao Sr. Carlos Pereira.
Que desafio é êsse feito aqui relativamente à forma como foi discutida a lei de subvenções?
Tudo quanto se disse a êsse respeito não prestigia a Câmara.
A minha idade, o meu republicanismo, o meu patriotismo levam-me a não dizer mais nada acêrca dessa lei.
Não me desafiem, pois sei o que devo a mim e ao país.
Os novatos têm dessas ingenuïdades.
Eu chamo a atenção de todos quantos estão dispostos a meditar nos destinos da nossa Pátria, para a situação delicada que o País atravessa.
Eu disse — e eu costumo medir aquilo que digo:
Leu.
E esta parte da minha declaração de voto que o Sr. Velhinho Correia pretendeu rebater quando escreveu:
Leu.
Que significa isto?
O Sr. Velhinho Correia: — Não é isso que lá está.
O Orador: — Não é isso que cá está?
Eu vou ler novamente:
Leu.
V. Ex.ªs vêem que tudo está perfeitamente alterado.
O País sofre os tormentos dos nossos desvarios.
Atacam-me porque me oponho ao alargamento da circulação fiduciária, mas quem me ataca aprova o meu pensamento.
Diz S. Ex.ª que as suas palavras do parecer referem-se a toda a minha atitude, mas como essas palavras são escritas na parte referente ao contrato de 1918, o que, é que isso significa?
É algum desafio?
O que é que isso representa?
Representa por acaso um desafio idêntico ao do novato Deputado Carlos Pereira sôbre a minha atitude relativamente à lei das subvenções?
Cautela nos desafios que me pretendam fazer.
Eu só digo e escrevo o que quero.
Ninguém me levará a dizer mais do que eu quero, a não ser quando o Parlamento estiver resolvido a encarar, mas a sério, a situação financeira do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.

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O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: devo começar por dizer a V. Ex.ª e à Câmara que não venho de nenhuma maneira animado do desejo de dar uma estocada seja em quem fôr, e muito menos no Sr. Alberto Xavier.
Nada de estocadas; apenas a indicação sumária do meu modo pessoal de ver sôbre o assunto em discussão.
Em primeiro lugar e com relação à proposta inicial do Sr. Vicente Ferreira, eu pessoalmente tenho um modo de ver diverso daquele que já vi aqui exteriorizado.
Realmente, segundo uma votação feita na Câmara o ano passado, os grupos parlamentares indicam os nomes dos Deputados que hão-de constituir as comissões, mas parece-me que esta indicação por si só não equivale a uma nomeação. Esta indicação dispensa é certo a eleição pela Câmara, mas dispensando-se a eleição quere-me parecer que subsiste o outro modo por que as comissões são nomeadas e que é previsto no artigo 84.º do Regimento.
Portanto, compreende-se que a indicação dos grupos parlamentares fique sujeita à sanção da Mesa que faz de facto a nomeação.
É êste o meu ponto de vista pessoal sôbre o assunto, e, por isso mesmo, declaro pessoalmente que não tenho dúvida nenhuma em dar o meu voto pelo assentimento à proposta do Sr. Vicente Ferreira para que V. Ex.ª insto junto do Sr. Alberto Xavier para que êle continue a dar o seu esfôrço nas comissões da Câmara com a competência que é por todos reconhecida.
Sr. Presidente: quanto ao caso para que a proposta do Sr. Vicente Ferreira fez derivar a atenção da Câmara devo dizer que nada tem de estranho que o Sr. Velhinho Correia respondesse à declaração de voto do Sr. Alberto Xavier desde que S. Ex.ª pessoalmente se sentia visado por essa declaração de voto; mais do que isso, nada teria de estranho que o próprio parecer discutisse e, portanto, refutasse ou confirmasse qualquer idea especial do Sr. Alberto Xavier sôbre o assunto estudado na comissão.
O que acontece em todas as colectividades é que as divergências do voto não se revelam só na assinatura do parecer ou de qualquer resolução, revelam-se em quanto se discute, emquanto se prepara êsse parecer ou resolução. Portanto, nada mais natural e legítimo do que no próprio parecer, no corpo da própria resolução as pessoas que representam a maioria referirem-se às razões de divergências dos outros membros da colectividade e refutarem essas razões.
No caso especial quere-me parecer também que a atitude do Sr. Velhinho Correia que, como já disse e êle próprio declarou, se sentia pessoalmente visado pelas declarações do Sr. Alberto Xavier nada podia haver que inibisse S. Ex.ª de referir-se a essas afirmações feitas a seu respeito, procurando refutá-las como entendesse
Parece-me que é tudo quanto há de mais aceitável, mais explicável e até de mais correcto.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª e v. Câmara que por estar no uso da palavra me refira a um outro assunto.
Ontem uma boa parte da cidade de Lisboa fez ao velho professor, velho republicano, velho homem de sciência e antigo Chefe do Estado, Teófilo Braga, uma manifestação de carinho porque êle na véspera tinha completado 80 anos.
Se tivesse havido sessão na passada sexta-feira teria proposto que a Câmara se manifestasse de maneira a tomar parte oficialmente nessa manifestação; como não houve sessão nesse dia, venho propor hoje à Câmara que se consigne na acta a expressão do nosso sentir, da nossa admiração pelo homem de sciência, pelo professor, pelo trabalhador que é o Sr. Teófilo Braga.
S. Ex.ª completou 80 anos mas desde os 20, porventura desde os 15, êle tem trabalhado para ganhar os meios de subsistência, para ilustrar-se, para afirmar-se como um valor intelectual e moral (Apoiados), conquistando o respeito e consideração de todos os portugueses, qualquer que seja a sua côr política. O seu amor pela liberdade fazia com que já em 1865 êle, intervindo na questão então iniciada, na questão literária chamada questão coimbrã, se pronunciasse num folheto que então publicou cheio de vivacidade contra as aristocracias literárias, e no decorrer da vida, desde então, foi a luta

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consciente e esclarecida em favor de todas as liberdades, contra todas as aristocracias, contra todas as tiranias.
Sr. Presidente: não quero alongar as minhas considerações, creio que no espírito de toda a Câmara estará associar-se à proposta que acabo de formular e que é ùnicamente a de consignar-se na acta da sessão de hoje a saüdação ao venerando professor, sendo essa saüdação comunicada a S. Ex.ª por intermédio da Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara sôbre a proposta do Sr. Almeida Ribeiro, resolveu afirmativamente.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar uma proposta de lei abrindo um crédito especial de 500 contos destinado a fazer face ao deficit dos Hospitais da Universidade de Coimbra, no ano económico de 1921-1922.
A situação dos Hospitais da Universidade de Coimbra é realmente aflitiva.
Desde que estou na pasta do Trabalho, estou constantemente recebendo telegramas do Sr. Director dos Hospitais da Universidade de Coimbra, dos professores da Faculdade de Medicina e de vários cidadãos de Coimbra chamando a minha atenção para a situação desgraçada em que se encontram aqueles hospitais.
Os fornecedores já não fornecem ao hospital os géneros indispensáveis ao seu regular funcionamento, e, quando os fornecem, é por um preço fabuloso, para os compensar da demora de pagamento.
Urge dar remédio a esta situação, e porque urge dar remédio, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência e dispensa do Regimento para a discussão desta proposta de lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi concedida a urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei do Sr. Ministro do Trabalho.
É a seguinte:
Proposta de lei
As dificuldades económicas de que hoje sofre o país inteiro, tem-se feito sentir especialmente nos estabelecimentos de assistência e beneficência e mais de que em quaisquer outros nas instituïções hospitalares.
A situação que atravessam os Hospitais da Universidade de Coimbra deixou de ser aflitiva para se tornar desesperada.
Os respectivos credores instam pela satisfação imediata dos créditos, tendo cessado os fornecimentos, alegando que os lucros não chegam sequer para as amortizações e juros a pagar nos bancos, donde retiram os capitais para aquisição dos artigos fornecidos.
A situação é de facto tam alarmante e difícil que os referidos hospitais se verão forçados a encerrar as suas portas por insuficiência de meios e falta de crédito, se uma providência legislativa imediata não vier em seu socorro, pondo ao dispor da respectiva direcção os recursos necessários para suprimento do seu deficit, relativo ao ano económico de 1921-1922, na importância de 500. 000$.
Nestes termos, tratando-se dum estabelecimento do Estado, e sendo da maior urgência reconstituir o prestígio financeiro dos hospitais da Universidade de Coimbra, tenho a honra de apresentar à consideração do Parlamento a seguinte
Proposta de lei
Artigo 1.º É aberto no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Trabalho, um crédito especial de 500. 000$, quantia destinada a fazer face ao deficit dos hospitais da Universidade de Coimbra, relativo ao ano económico de 1921-1922.
Art. 2.º A importância dêste crédito reforça os orçamentos da despesa do Ministério do Trabalho e do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, para o corrente ano económico, constituindo no capítulo 11.º, artigo 29.º «Despesas dos anos económicos findos», do respectivo orçamento dêste Ministério a rubrica «Hospitais da Universidade de Coimbra», bem como no orçamento do mencionado instituto, capítulo 2.º, artigo 11.º: «Hospitais da Universidade de Coimbra», a epígrafe; «Para pagamento das despesas respeitantes ao ano económico de 1921-1922. — Vitorino Máximo Guimarães — Alberto da Cunha Rocha Saraiva.
Foi lida na Mesa uma nota de interpe-

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lação do Sr. Vasco Borges ao Sr. Ministro do Interior. É a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, sôbre o exercício de jogos proïbidos em Lisboa e no país. — Vasco Borges.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para entrar em discussão a proposta apresentada pelo Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: trata-se de facto de uma necessidade que o Sr. Ministro do Trabalho pretende resolver com a apresentação desta proposta de lei, a concessão de 500 contos, num crédito extraordinário, para acudir à situação aflitiva em que se encontra o hospital de Coimbra.
Conforme declaração do Sr. Ministro do Trabalho, já não há quem queira fornecer ao Estado, porque o Estado não paga e eu desejo apenas frisar mais uma vez a maneira como estão calculadas no orçamento as verbas de despesa, para que se veja quanto na meia hora concedida pela maioria, para os Srs. Deputados discutirem o orçamento, se pode com consciência olhar à situação do país.
O que se dá no hospital de Coimbra, dá-se em todos os serviços públicos.
Nestas condições, Sr. Presidente, nós declaramos apenas que isto vem confirmar a necessidade absoluta que há de se olhar atentamente para os orçamentos do Estado, fazendo-se uma ampla e larga discussão, sem a qual nunca o país poderá saber qual a situação financeira, e os processos a adoptar para a resolver.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: deseja o Sr. Ministro do Trabalho que a Câmara lhe vote um crédito de 500 contos para ocorrer às despesas de um deficit do hospital de Coimbra.
Sr. Presidente: eu parto da hipótese de que se trata realmente de um deficit produzido por circunstâncias anormais, e não de um esbanjamento, ou má administração, pois tenho a certeza de que neste último caso o Sr. Ministro do Trabalho não nos viria pedir que pagássemos êsses esbanjamentos ou essa má administração, nem mesmo se justificaria que o Parlamento fôsse sancionar uma má administração.
Parto, Sr. Presidente, desta hipótese, porém, gostaria muito que ao se vir pedir ao Parlamento um crédito de 500 contos, se apresentassem as provas manifestas de que se trata realmente de um caso anormal.
Não julgo, Sr. Presidente, o Sr. Ministro do Trabalho capaz de sancionar um facto dessa ordem, isto é, vir pedir um crédito de 500 contos, destinado a encobrir a má administração de um estabelecimento de carácter público, porém, o meu receio é de que S. Ex.ª tenha sido mal informado, e assim iludido na sua boa fé.
Parto, Sr. Presidente, repito, da hipótese de que se trata dum caso anormal; porém, não posso deixar de apresentar um reparo, qual é o desta votação representar uma medida de excepção para um determinado hospital, quando é certo que muitos outros hospitais há no país que estão atravessando circunstâncias angustiosas para ocorrer às necessidades mais urgentes.
Sr. Presidente: deve haver mais de um ano que apresentei a esta casa do Parlamento um projecto de lei no sentido de se tomarem providências relativamente á situação em que se encontram muitos hospitais do país.
Nós vamos, Sr. Presidente, ocorrer às necessidades muito justas dum hospital, deixando na miséria muitos outros que se encontram nas mesmas condições, isto é, nas mesmas circunstâncias precárias em que se encontra o hospital de Coimbra, e que exigem igualmente do Estado providências para ocorrerem às suas necessidades.
Lamentando o facto de ser uma situação excepcional, entendo que podemos concorrer para a aprovação da proposta do Sr. Ministro do Trabalho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alves dos Santos: — Não era meu propósito entrar na discussão dêste assunto, mas uma frase proferida pelo ilus-

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tre Deputado que me precedeu no uso da palavra a isso me obriga.
Disse o Sr. Dinis da Fonseca que era de lamentar que a administração dos hospitais da Universidade deixasse avolumar o deficit dos seus orçamentos até a importante quantia de 500 contos, sem reclamar providências em tempo oportuno, e que lhe parecia acto de injustiça o regime de excepção que se abre em favor daqueles hospitais, pois é certo que em análogas circunstâncias se encontram quási todos os hospitais por êsse país fôra, alguns, sem nenhuma dúvida, em situação muito mais aflitiva, como o hospital de S. Marcos, de Braga, por exemplo, e, todavia, o Govêrno não lhes procura acudir com a mesma solicitude.
Não tem razão o Sr. Deputado católico, pelo que afirma, em relação aos hospitais da Universidade, embora razão lhe sôbre, pelas queixas que faz, a respeito dos outros hospitais.
A relativa corpulência do deficit de 500 contos, a que S. Ex.ª se referiu, não é da responsabilidade da administração respectiva, mas do Govêrno, que só agora se resolveu a atender às reiteradas, e até talvez impertinentes, reclamações, daquela administração, desde há muitos meses.
Todos sabem que neste incessante agravamento progressivo do custo dos géneros de primeira necessidade, em que, por desgraça, temos vivido, não há cálculos que não falhem, nem presunções que se realizem.
Tudo encarece de mês para mês, de dia para dia. O que se inscreve no orçamento para custear as despesas de um ano, a respeito de muitos artigos de consumo, nem para seis meses, às vezes nem para um mês, chega!
Assim, como é que se poderá evitar o desequilíbrio?
Note a Câmara que os hospitais de Coimbra não realizam sòmente uma obra de assistência, como os outros hospitais; mas desempenham uma função docente, e são, além disso, um centro de investigação scientífica, uma escola de aprendizagem e um laboratório de sciência e de alta cultura.
Os lentes da Faculdade de Medicina, que dirigem as clínicas dêsses hospitais, os internos analistas, os cirurgiões, os psiquiatras, todos quantos labutam naquela casa, são verdadeiros beneméritos da sciência e da humanidade, porque prestam os mais relevantes serviços a troco de mesquinharias que eu me envergonho de revelar.
Pois o dinheiro que agora se pede ao Parlamento não é para remunerações dêsses ilustres professores, nem para actualizar os proventos de quaisquer encarregados de serviços, mas tam sòmente para pagar contas de fornecimentos feitos aos hospitais em géneros de alimentação para os doentes pobres, e em medicamentos, há mais de um ano!
Por isso, Sr. Presidente, eu penso que a Câmara não pode deixar de votar o crédito pedido, não só porque assim o reclama a justiça, mas até como homenagem à administração dos hospitais, a que se destina.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Almeida Ribeiro: — Em nome dêste lado da Câmara, dou o meu voto à proposta, porque ela representa uma satisfação para uma necessidade urgente duma corporação que tem sido orientada com zêlo e economia.
A administração ali é modelar e é feita com aquele cuidado que eu há pouco salientei.
Fazendo o exame das verbas do Orçamento Geral do Estado, destinadas aos serviços idênticos em Lisboa, Pôrto e Coimbra, nota-se fàcilmente que os serviços de Coimbra são os que mais baratos ficam ao Estado, ainda mesmo tomadas as devidas proporções quanto à amplitude dêsses serviços.
Dito isto, só me resta terminar como comecei, declarando que os Deputados dêste lado da Câmara dão gostosamente o seu voto à proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro do Trabalho, com o que nada mais fazem do que praticar um acto de justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: calaram no meu ânimo as palavras do Sr. Ministro do Trabalho, proferidas aqui há pouco, quando S. Ex.ª

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apresentou à Câmara a sua proposta de lei que estamos discutindo, e bem assim as considerações produzidas pelo nosso colega Sr. Dinis da Fonseca, segundo as quais se mostra a necessidade que há em que, com medidas de maior alcance que as desta proposta, o Sr. Ministro do Trabalho procure remediar a gravíssima e aflitiva situação das instituïções hospitalares de beneficência. Apoiados.
Sr. Presidente: permita-me a Câmara que eu aproveite esta oportunidade para, como Deputado da Nação, propor que se lanço na acta desta nossa sessão um voto de pezar profundo por motivo da grande catástrofe ocorrida na cidade de Coimbra há dois dias, e que produziu uma grande emoção em todo o país.
Faço esta proposta sem qualquer preocupação política; impróprio de mim seria tê-la em um facto da natureza dêsse que lamentamos. Faço-o porque entendo que o Parlamento se nobilitara significando a Nação o seu pezar ante uma tam grande desgraça como foi a de Coimbra, que só terá similar no incêndio havido há anos na Madalena, em Lisboa, e que sôbre aquela teve a gravidade de resultar dum repugnante crime.
Espero, pois, que V. Ex.ª, embora transgredindo um pouco as normas regimentais, mas para o que já há precedentes, consulte a Câmara sôbre esta minha proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Afinal eu não tenho de justificar a proposta de lei que acabo de apresentar à consideração desta Câmara, visto que de todos os lados dela, eu ouvi a declaração de que os Srs. parlamentares concordam em aprová-la.
Apenas ao Sr. Dinis da Fonseca eu tenho de dizer que não tem grande razão de ser as apreensões de S. Ex.ª, pois que é modelar, como todos sabem, a administração dos serviços hospitalares da Universidade de Coimbra.
E se de facto estamos em presença duma medida, sob certo aspecto, de excepção, a verdade, porém, é que ela se justifica pelo carácter muito excepcional do estabelecimento de que se trata, excepcional pela natureza dos serviços que presta a uma região muito importante do País e excepcional ainda pelo facto de se tratar dum hospital-escola.
O que posso prometer à Câmara é que envidarei todos os meus esforços para evitar que de futuro se verifiquem deficits desta natureza, tanto neste como nos outros estabelecimentos hospitalares.
Tratarei de fazer isso na medida do possível, assim como procurarei acudir, sempre que urja, à situação porventura desesperada, idêntica a esta, em que venham a encontrar-se estabelecimentos de igual natureza.
De resto, não posso deixar de associar-me, com todo o pezar ao voto de sentimento pela tremenda catástrofe de Coimbra, frisando que justamente neste momento é a instituïção hospitalar que vai prestar assistência a muitas das vítimas dêsse horrível desastre.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada na generalidade e especialidade, sem discussão, a proposta do Sr. Ministro do Trabalho, bem como a dispensa da última redacção, requerida pelo proponente.
O Sr. Presidente: — Eu aguardava, como é praxe desta Câmara, o momento de entrarmos na discussão da ordem do dia para propor um voto de sentimento pela grande catástrofe sucedida ante-ontem em Coimbra.
Já sôbre êste assunto o Sr. João Bacelar tinha pedido a palavra, mas o Sr. Cancela de Abreu antecipou-se nessa proposta.
Eu peço à Câmara que me autorize a considerar essa proposta como da iniciativa da Mesa.
Apoiados.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: V. Ex.ª já explicou à Câmara que no princípio da sessão eu tinha pedido a palavra para propor um voto de sentimento pela catástrofe que acaba de enlutar a cidade de Coimbra.
O Sr. Cancela de Abreu, porém, antecipou-se-me e V. Ex.ª pediu para que o voto de sentimento fôsse considerado como da iniciativa da Mesa.

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Eu desejo fazer sôbre o assunto algumas considerações:
Muitos dos feridos pela grande desgraça encontram-se em precárias circunstâncias e lutam com enormes dificuldades, visto que se encontram impossibilitados de trabalhar.
Assim, eu pedia ao Govêrno que a essas criaturas fôsse dada a assistência material indispensável para poderem viver, emquanto estivessem em tratamento.
É tudo quanto há de mais justo e estou certo de que a Câmara estará de acôrdo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: eu também tinha pedido a palavra para propor um voto de sentimento pela catástrofe de Coimbra, e faço-o movido por um duplo sentimento.
Como português e como cidadão eu não posso deixar de sentir o coração verdadeiramente confrangido pelo trágico acontecimento; mas outra cousa ainda me determina a sentir magoadamente êsse sinistro.
É que foi em Coimbra que eu passei o melhor tempo da minha mocidade, evocando com saüdade a parte da minha vida que aí decorreu.
Considero Coimbra quási como minha terra natal e tudo quanto aí se passa, de alegrias ou de tristezas, eu sinto também.
É, portanto, com um duplo pesar que eu me associo, Sr. Presidente, ao voto de sentimento proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Ex.ª que êste lado da Câmara se associa comovidamente ao voto de sentimento proposto, e se ela não tomou a iniciativa logo no comêço da sessão, de lembrar à Câmara êsse voto, foi porque quis que a Mesa, como representante de todos nós, ou qualquer Deputado representante do distrito de Coimbra, o fizesse.
Proponho ainda que o voto de sentimento, que a Câmara vai aprovar certamente, seja pela Mesa comunicado à Câmara Municipal de Coimbra, com a expressão do nosso profundo sentir.
Tenho dito.
Apoiados gerais.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: corroborando as minhas palavras de há pouco, eu associo-me, em nome da minoria monárquica ao voto de sentimento pela horrível catástrofe de Coimbra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: já disse há pouco que o Govêrno se associa comovidamente ao voto de sentimento proposto e uso da palavra agora para dizer ao Sr. João Bacelar que tudo o que se puder fazer em benefício das vítimas da catástrofe de Coimbra, será feito pelo Govêrno.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: a minoria católica afirma a sua solidariedade com os sentimentos da Câmara, aprovando o voto de sentimento proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara considero aprovados o voto de sentimento de que a Mesa tomou a iniciativa e o aditamento proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.
Foi aprovada a acta.
Foram concedidos vários pedidos de licença e lidas algumas substituïções nas comissões da Câmara.
O Sr. Jaime de Sousa (por parte da comissão dos negócios estrangeiros): — Sr. Presidente: mando para a Mesa o parecer da comissão dos negócios estrangeiros, sôbre a proposta relativa à saída de determinadas fazendas da Alfândega a bordo de certos navios ex-alemães.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

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Continua em discussão a questão prévia do Sr. Almeida Ribeiro.
Tem a palavra o Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Alberto Xavier: — Sr. Presidente: acho inútil, perante uma maioria tenazmente teimosa, tentarmos qualquer esfôrço no sentido de nos ser permitido fazer sôbre o Orçamento Geral do Estado uma larga e demorada discussão.
Eu vou mais uma vez justificar a minha proposta de modificação ao Regimento, apresentada no ano passado.
Essa proposta surgiu em condições muito especiais.
Em 30 de Abril de 1922 o jornal O Mundo solicitava-me uma entrevista sôbre a marcha dos trabalhos referentes ao Orçamento Geral do Estado.
Era necessário que, estando a terminar o ano económico, tivéssemos votado um Orçamento, bom ou mau.
Disse o Sr. Almeida Ribeiro que é singularmente estranho o facto de eu ter, no ano passado, defendido a discussão acelerada e, portanto, sumária do Orçamento e agora propor uma larga discussão sôbre a generalidade.
Em que é que há contradição entre o meu procedimento do ano passado e o meu procedimento dêste ano?
Acaso, por haver uma lei que determina o prazo para a discussão do Orçamento, é isso circunstância para se acelerar a discussão de um diploma de tanta importância para o País?
Como se pode atribuir contradição ao meu procedimento, quando eu o ano passado apenas disse que a discussão na generalidade do Orçamento, o ano passado, nas alturas em que se estava, era absolutamente desnecessária?
Mas agora diz-se que há um prazo, que é até 15 de Março, parado Orçamento ser discutido.
Qual é a sanção, porém, que o Parlamento sofrerá, se nós não realizarmos essa discussão nesse prazo?
A minha educação jurídica não compreende leis sem sanções.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — A razão porque nas alterações ao Regimento se visasse esta disposição, foi ùnicamente esta: a sessão legislativa normal deve durar quatro meses, portanto, termina no fim de Março. Ora não era possível que para a simples discussão do Orçamento numa das Câmaras se fôsse até ao período máximo, e então prefixou-se um período para que houvesse tempo depois para a discussão se fazer no Senado e ainda no Congresso, se disso houvesse necessidade.
Em geral, todos nós sabemos que as sessões legislativas vão habitualmente até depois de 30 de Março, mas não é razoável, até por um pudor de todo o ponto de vista aceitável, dar a toda a Câmara a impressão de que queremos propositadamente prorrogar êsse prazo e pensando sòmente em nós, esquecendo-nos da outra Câmara.
Quanto a sanções, de facto, elas não existem.
O Orador: — Como V. Ex.ª, Sr. Presidente, vê dêste diálogo entre mim e o Sr. Almeida Ribeiro resultou que não havendo sanções na lei se se fôr além do prazo determinado é claro que podem as próprias conveniências da discussão impôr o aconselhar que se vá além dêsse prazo.
Mas o que é que nós pretendemos?
O Partido Republicano Nacionalista, em nome do qual eu nêste momento falo, não para definir uma atitude, mas apenas para fazer uns ligeiros reparos, não tem intenção de protelar a discussão do Orçamento, mas deseja que se faça um largo debate para se definir a política do Parlamento, como organização de fiscalização das despesas públicas.
Mas V. Ex.ª, Sr. Presidente, preguntar-me há:
Para que êsse debate?
Pela razão muito simples: o Govêrno sabe se conta com o Parlamento para dar sanção à sua política orçamental?
O Govêrno sabe de antemão se o Parlamento perfilha a forma como os orçamentos estão organizados?
Está o Govêrno seguro de que a Nação, de que o Parlamento, que é a expressão máxima jurídica e política, pode, de facto, aceitar os seus números, com respeito ao deficit?
Sr. Presidente: vejo um desinterêsse tam grande por estas questões, que reputo da maior importância para a vida nacional, que o próprio Sr. Ministro das

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Finanças, que tam seguro se considera da sua obra, nem sequer se digna escutar o que os Deputados dizem.
Todavia, continuo nas minhas considerações, e mais uma vez afirmo que é indispensável saber-se se os números que o Sr. Ministro das Finanças nos apresenta no Orçamento correspondem á verdade.
Mas, Sr. Presidente, se se trata de satisfazer um desejo do Sr. Ministro e do Govêrno, se se trata de uma mera deferência pessoal, pela minha parte o Orçamento está aprovado.
Mas, eu entendo que tal não se deve fazer, a quatro anos de uma vida de desordem financeira, em que se cometeram abusos de toda a ordem.
Sr. Presidente: estas questões não se resolvem com deferências pessoais.
Eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças da República Portuguesa porque é que o deficit não é de 50, de 100 ou de 10:000 contos?
É isso que eu pregunto a uma maioria onde há homens cujas tradições republicanas vêm de antes de 5 de Outubro.
O Ministro das Finanças da República Portuguesa apresentou um Orçamento Geral do Estado com um deficit de 140:000 contos como poderia ser de 20:000 contos.
Uma outra democracia, a dos Estados Unidos da América do Norte, em Junho de 1921, publicava uma lei sôbre a organização geral do Estado.
Sr. Presidente: estou a falar não sei para quem, pois nem o próprio Sr. Ministro das Finanças me ouve.
Estou a fazer considerações e tenho direito de ser ouvido.
Desisto da palavra nestas condições.
Apoiados.
Não estou aqui a dizer banalidades.
Apoiados.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª estava usando da palavra sôbre a questão prévia, mas...
O Orador: — Evidentemente. Estava a justificar a questão na generalidade.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª queixa-se da falta de atenção por parte do Sr. Ministros das Finanças?
O Orador: — Por parte da Câmara também. Estou expondo a questão com a maior sinceridade.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª pode continuar a usar da palavra.
Se V. Ex.ª entender continuar a falar na questão de generalidade, falo-há.
O Orador: — Não faço sombra de obstrucionismo. Cada vez mais me convenço a inutilidade absoluta de fazer o esfôrço de discussão do assunto, para que a situação financeira do país se modifique.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: em primeiro lugar lamento não continuar no uso da palavra o Sr. Alberto Xavier sôbre um assunto desta ordem. É porque, sendo um Deputado republicano da maior categoria da República, é êle que vem declarar à Câmara que está convencido da inutilidade dos seus esforços para que a situação financeira do país não continue sendo aquela que todos conhecem.
É S. Ex.ª a mais alta autoridade que não pode ser acusado de fazer estreita oposição.
É o primeiro a reconhecer a improficuïdade dêste Parlamento que não deseja seguir o caminho que o país indica, pronunciando-se largamente sôbre um problema de tal ordem que nenhum pode igualar em importância.
Esta declaração do ilustre Deputado veio confirmar a impossibilidade do que a maioria pretende; discutir um Orçamento Geral do Estado nas condições da proposta.
É o Sr. Almeida Ribeiro o primeiro a provar êsse facto, porque não pôde discutir a proposta, lamentando que se esteja a perder e gastar mais tempo antes de discutir o Orçamento Geral do Estado, e tanto que veio propor o aumento de tempo para a discussão do orçamento.
É S. Ex.ª o maior defensor da restrição da discussão orçamental, e não queria mais que meia hora para cada Deputado poder discutir a generalidade do orçamento.
Levou, porém, mais de meia hora a justificar as razões, depois de ter gasto meia

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hora na discussão na generalidade apenas tendo formulado o início das suas considerações assim interrompidas.
Aparece luz na sala.
Ao aparecer a luz nesta sala, é preciso também luz na discussão.
A proposta foi apresentada, porém, depois de nos ter sido coarctado por completo o direito de discutir o orçamento com aquela largueza que reputamos indispensável.
Ficam os Deputados monárquicos nesta casa em condições diversas para a discussão do orçamento.
O orçamento estava sendo discutido, e assim ficamos inibidos de continuar a discussão, por virtude da prescrição regimental.
Mas, a proposta do Sr. Almeida Ribeiro o que vem estabelecer?
S. Ex.ª vem propor a eliminação de determinadas palavras das alterações ao Regimento, votadas o ano passado a quando da discussão do Orçamento Geral do Estado, eliminação pela qual os oradores poderão usar da palavra durante mais de 30 minutos, mas só quando a tal sejam autorizados pela Câmara prèviamente consultada sôbre essa concessão. V. Ex.ªs estão a ver claramente os inconvenientes de semelhante consulta, pois já se deixa perceber que essa concessão só não será feita àqueles oradores que mais desejem mostrar ao País a situação financeira em que se encontra.
Como, porém, tornar harmónica uma tal disposição restritiva, coartando o uso da palavra aos Deputados que desejem pronunciar-se conscientemente sôbre as contas do Estado?
Eu pregunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente e à Câmara, como pode ser criterioso o exame das contas públicas se êsse exame tem de se subordinar ao curto espaço de 30 minutos?
Mas então não há o direito de discutir esta divisão das despesas ordinárias em transitórias e permanentes e quanto são absolutamente opostas à verdade as cifras apresentadas no orçamento que se discute?
Desta forma nada mais fácil do que arranjar um superavit de muitos milhares de contos.
Como é que nós podemos em meia hora pegar em todas as verbas orçamentais que estão incluídas na despesa extraordinária e demonstrar que deviam estar incluídas, a adoptar o critério do Sr. Ministro das Finanças, nas despesas ordinárias permanentes?
Como é que podemos mostrar ao País o interêsse que tomamos na discussão dum assunto desta magnitude?
Como é que podemos discutir essa classificação de despesas sem provar que não é verdadeira a base apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças para sustentar as suas afirmações?
Como é que podemos proceder ao confronto das despesas ordinárias permanentes actuais com as que eram em 1901 com as de 1914?
Como é que podemos provar a incontestável verdade de que êste País só pode salvar-se pela redução das despesas ordinárias de carácter permanente?
Como é que podemos provar, como muito bem afirmou o meu ilustre amigo e correligionário Sr. Cancela de Abreu, que a depressão cambial não é a causa mas o efeito, e mostrar à Câmara qual o caminho a seguir para a possibilidade de salvar o País desta situação em que se encontra?
Igual critério ao que o Sr. Ministro das Finanças segue na determinação das despesas ordinárias de carácter permanente, é seguido nas receitas, quando S. Ex.ª faz também a sua classificação.
É fácil partir do princípio de que o país, se passássemos ao câmbio de 24, podia pagar os mesmos impostos que hoje paga ao câmbio actual, mas como é que podemos discutir criteriosamente êsse facto?
Não há ninguém que conscienciosamente posta fazer uma afirmação desta ordem, e se é êste o problema fundamental, porque razão o Parlamento há-de estabelecer para êle restrições que não estabelece para nenhum projectículo trazido à Câmara?
Como é que se há-de estabelecer essa restrição para a discussão do Orçamento, quando vimos ainda hoje nesta Câmara que o simples trecho de um artigo político do Sr. relator, a propósito do parecer relativo ao empréstimo, nos fez gastar quási uma sessão?
Como é que podemos quando o Sr. Ministro das Finanças nos cita como um dos

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caminhos que é indispensável trilhar o agravamento dos impostos, agravamento que S. Ex.ª se não esquece de frisar quando se refere à taxa militar, à contribuïção de registo e ao sêlo, acrescentando que veio introduzir um aumento em larga escala, são estas as palavras de S. Ex.ª, que há-de reduzir o deficit orçamental; como é que nós sem mostrarmos quanto o país vem pagando, por exemplo na contribuïção de registo, em relação ao que pagava já, como havemos de provar que não é possível agravar essa contribuïção de registo sem esmagar o direito de propriedade neste pais, sem que se vá confiscar ou quási confiscar os direitos de propriedade neste país?
Sem um largo exame dessa lei nós não podemos fazer prova, não podendo depois usar da palavra nos termos da proposta apresentada pelo ilustre Deputado, Sr. Almeida Ribeiro, proposta essa que faz com que nós possamos dizer ao país o que pensamos e que nos coloca realmente numa situação de desigualdade relativamente aos Deputados republicanos.
Referindo-me ainda, Sr. Presidente, à situação do funcionalismo público relativamente à carestia da vida, isto é, a aplicação dos adicionais para ocorrer a êsse aumento de despesa, tenho a dizer que nós na realidade não podemos mostrar até que ponto vai essa monstruosidade, visto que não podemos falar mais do que meia hora sôbre cada um dêstes assuntos, que são fundamentalmente importantes e que nós temos a obrigação de defender aqui nesta casa do Parlamento.
Não podemos, repito, desta forma discutir largamente todos êsses assuntos que são na verdade da mais alta importância para a vida do país.
Eu não vi realmente, Sr. Presidente, qual a intenção do ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, ao apresentar esta sua proposta, mas gostava muito que S. Ex.ª nos fizesse o favor de nos esclarecer devidamente sôbre êste ponto, isto é, se S. Ex.ª entende que nesta Câmara deve haver Deputados que tenham o direito de falarem, colocando assim os Deputados monárquicos numa situação de inferioridade, cortando-lhes a palavra, isto é, não permitindo que êles falem além de meia hora, em harmonia com as disposições regimentais.
Gostava muito, repito, que o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro nos elucidasse a êste respeito, isto é, se acha justa a situação de desigualdade em que se encontram os Deputados monárquicos, relativamente aos Deputados republicanos.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Eu devo dizer francamente a V. Ex.ª, que quando fiz a minha proposta foi no intuito de que qualquer Deputado falasse uma hora; mas que no interêsse do assunto versado poderia alongar-se por mais algum tempo, com permissão da Câmara, o que esta de certo não negará, permitindo que os Srs. Deputados usem da palavra para t tratar de assuntos interessantes.
O Orador: — Agradeço muito a V. Ex.ª a sua explicação, porém, devo dizer-lhe que a proposta que V. Ex.ª enviou para a Mesa, não é muito clara e assim V. Ex.ª compreende muito bem que nós podemos ficar colocados numa situação de inferioridade relativamente aos outros.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Nem a Mesa, nem a Câmara, deixarão de proporcionar a V. Ex.ª as facilidades que o novo regime de discussão traz para todos os parlamentares.
O Orador: — Registo as declarações do Sr. Almeida Ribeiro, que são absolutamente claras e insofismáveis.
Nada mais.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito sôbre a questão prévia.
Vai ler-se a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
Foi lida na Mesa, e seguidamente procede-se à votação, que deu a aprovação da proposta.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 166.º
Procede-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 4 Srs. Deputados e sentados 34.
Não há número.
A próxima sessão é amanhã à hora re-

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gimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia sem prejuízo dos oradores inscritos:
Parecer n.º 350, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 500 contos destinados à construção do edifício para a Escola Industrial de Bernardino Machado na Figueira da Foz.
Parecer n.º 378, que modifica algumas disposições da Lei da Separação das Igrejas e do Estado.
Parecer n.º 400, que aplica a determinados operários dos Caminhos de Ferro do Estado as disposições do artigo 13.º da lei n.º 1:355.
Parecer n.º 353, que autoriza a Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Régua a proceder à avaliação dos prédios oferecidos pelos sócios para constituïção do seu crédito individual e social.
Parecer n.º 225, que fixa os vencimentos das praças da guarda fiscal.
Ordem do dia — 1.ª parte: Discussão e votação na generalidade dos orçamentos.
Parecer n.º 411-A, orçamento do Ministério do Interior.
2.ª parte:
Parecer n.º 302, que autoriza o Poder Executivo a negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 380, que fixa as percentagens das contribuïções dos corpos administrativos.
Parecer n.º 385, que autoriza o Govêrno a preencher as vacaturas existentes e as que vierem a dar-se na Direcção Cerai das Contribuïções e Impostos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, concedendo melhoria de pensão de reforma ou aposentação aos funcionários civis reformados por meio de título de renda vitalícia e aos aposentados com funções pagas por verbas orçamentais.
Para o «Diário do Govêrno»
Projectos de lei
Do Sr. Carlos Olavo, restituindo aos Delegados do Procurador da República os direitos que possuíam por fôrça do artigo 110.º do Regulamento do Ministério Público de 24 de Outubro de 1901.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Almeida Ribeiro e Nunes Loureiro, facultando a inscrição de sócios do Montepio Oficial aos funcionários do Estado com mais de 40 anos de idade e vencimento igual ou superior a 300$ anuais.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de negócios estrangeiros, sôbre o n.º 382-F, que considera concedidas as fianças prestadas nas alfândegas conforme as ordens de entrega de mercadorias da carga dos navios ex-alemães, passadas pela Procuradoria da República.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de instrução superior, sôbre o n.º 178-D, que reforça a dotação do artigo 71.º do orçamento do Ministério da Instrução, para pagamento aos vogais dos júris de exames.
Para a comissão do Orçamento.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 397-D, que distribui por duas secções os serviços da 3.ª Repartição do Comando Geral da Guarda Nacional Republicana.
Para a comissão de guerra.
Substituïções
Substituir nas comissões de instrução superior e instrução especial e técnica o Sr. Lúcio dos Santos pelo Sr. João Pina de Morais.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio me seja fornecida com a maior urgência cópia dos seguintes documentos referentes à Exposição Internacional do Rio de Janeiro e existentes no extinto Comissariado:
Factura da Companhia União Metalúrgica n.º 9:022-S de 18 de Novembro de 1922;

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Factura da mesma Companhia n.º 9:084-S de 25 de Novembro de 1922;
Facturas n.ºs 9:085-S de 25 de Novembro e 9:827-P. M. de 31 de Janeiro da citada Companhia. — Malheiro Reimão.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me seja enviada a segunda via dos documentos que acompanharam o ofício n.º 2:007 da Secretaria Geral do Ministério.
Mais requeiro que os referidos documentos se reportem às despesas feitas com automóveis dos serviços autónomos do mesmo Ministério, até 31 de Dezembro último e desde a data citada nos documentos estraviados. — Maldonado de Freitas.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução, me seja fornecida com urgência cópia da escritura da doação que fez Manuel Pereira Granja ao Estado duma escola sua na freguesia de Lourosa, concelho da Feira, distrito de Aveiro, no ano de 1907 ou 1906.
Sala das Sessões, 26 de Fevereiro de 1923. — Angelo Sampaio Maia.
Expeça-se.
O REDACTOR — Herculano Nunes.

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