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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO n.º 38
EM 27 DE FEVEREIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Alberto Tôrres Garcia
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 47 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes) envia para a Mesa, para conhecimento da Câmara, o relatório que recebeu do encarregado dos trabalhos do pavilhão português na Exposição do Rio de Janeiro.
O Sr. Alves dos Santos deseja saber se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira) já se declarou habilitado a responder à sua nota de interpelação.
Responde-lhe o Sr. Presidente, declarando não ler ainda recebido qualquer comunicação do referido Sr. Ministro.
O Sr. João Bacelar insta pela remessa de documentos.
Responde-lhe o Sr. Ministro do comêrcio.
O Sr. Francisco Cruz pede certas providências e insta pela remessa de documentos.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão) envia para a Mesa, requerendo urgência, uma proposta de lei.
Aprovada a urgência.
O Sr. Lino Neto faz várias reclamações.
O Sr. Tôrres Garcia apresenta e justifica um projecto de lei que cria um curso superior de agricultura na Universidade de Coimbra, requerendo, a urgência, que é aprovada.
Sôbre o assunto usa da palavra o Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas).
O Sr. Presidente responde às reclamações do Sr. Lino Neto.
O Sr. Joaquim de Matos chama a atenção para o pôrto de Leixões, onde urge fazer obras.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
Aprovada a acta.
O Sr. Presidente comunica estar sôbre a Mesa o relatório do Sr. Ricardo Severo, acêrca do estado das obras do pavilhão português das indústrias na Exposição do Rio de Janeiro.
O Sr. Carvalho da Silva requere que se consulte a Câmara sôbre se consente que seja publicado no «Diário do Govêrno» o referido relatório.
Aprovado em contraprova, depois de usarem da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Moura Pinto, Ministre do Comércio e Hermano de Medeiros.
Concedem-se licenças.
Ordem do dia. — Primeira parte: Discussão e votação do Orçamento na generalidade.
Usa da palavra o Sr. Barros Queiroz.
Lê-se uma nota de interpelação do Sr. Sampaio Maia.
O Sr. Presidente dá conta da comissão de que foi incumbido junto do Sr. António Maia.
Sôbre a ordem usa da palavra o Sr. Portugal Durão, respondendo ao Sr. Barros Queiroz.
Segunda parte: Discute-se na generalidade o parecer n.º 302.
Usa da palavra o Sr. Ferreira de Mira, que fica com ela reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — Usam da palavra os Srs. Paulo Cancela de Abreu e Almeida Ribeiro, respondendo-lhes o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 16 horas e 16 minutos.
Presentes 47 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amaro Garcia Loureiro.

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Diário da Câmara dos Deputados
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Francisco da Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim José de Oliveira.
José António de Magalhães.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.

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Sessão de 27 de Fevereiro de 1923
António Maria da Silva.
António Puis da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castre.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas começou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente — Estão presentes 47 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
Do Sr. Velhinho Correia, defendendo-se das arguições feitas pelo Sr. Alberto Xavier em carta dirigida a S. Ex.ª o Sr. Presidente da Câmara.
Para a Secretaria.
Oficio
Do Ministério da Guerra, remetendo uns documentos para serem entregues ao Sr. António Maia.
Para a Secretaria.
Representação
Do Pessoal Administrativo do Instituto Industrial de Lisboa, pedindo para serem equiparados aos oficiais do Ministério do Comércio, para efeito do vencimento.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um relatório que recebi do Sr. Ricardo Severo, relativo à exposição do Rio de Janeiro.
Êsse relatório vem acompanhado de fotografias interessantes, as quais mostram, o estado em que S. Ex.ª recebeu o pavilhão e o estado em que se encontra.

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Igualmente se verificam os erros nos cálculos, relativamente a material.
Sr. Presidente: como o relatório se refere a outros pontos interessantes, eu deixo-o na Mesa, para que os Srs. Parlamentares possam tomar conhecimento do estado de adiantamento das obras do pavilhão das indústrias, que segundo o compromisso tomado pelo Sr. Ricardo Severo, deverá estar concluído em 15 de Março próximo.
Aproveito a ocasião para comunicar a V. Ex.ª que o pedido de documentos, feito pelo Sr. Artur Brandão, relativamente ao Hotel do Buçaco, não se encontram no meu Ministério.
Todavia, por gentileza do Sr. Director dos Edifícios Públicos, deixo na Mesa a indicação da repartição onde se encontram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alves dos Santos: — Sr. Presidente: desejo que V. Ex.ª me informe se existe na Mesa alguma comunicação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, dando-se habilitado a responderia uma nota de interpelação, que há tempos enviei para a Mesa, sôbre a questão das quedas do Douro, internacional.
Êste assunto é muito importante, e dêle se tem ocupado a imprensa madrilena, bem como a imprensa portuguesa, transcrevendo muitos dos artigos por aquela publicados.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª dá-me licença?
A nota de interpelação que V. Ex.ª enviou para a Mesa, foi expedida no dia 24 de Janeiro.
Não tenho qualquer outra comunicação.
O Orador: — Como o Sr. Paulo Cancela de Abreu mandou também para a Mesa uma nota de interpelação sôbre o mesmo assunto, eu peço a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se, logo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se dê por habilitado, concorda em que seja marcada uma sessão para tratar dêste assunto.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — A nota de interpelação foi ao Sr. Ministro do Comércio
O Orador: — Todavia o meu requerimento não está prejudicado, porque o assunto interessa directamente aos dois Ministérios.
O Sr. Presidente: — Parece-me desnecessária a consulta que V. Ex.ª propôs, visto que, quando os Srs. Ministros se derem por habilitados, está nas minhas atribuïções marcar êsse assunto para ordem do dia.
O Orador: — Como V. Ex.ª entender.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: é já esta a terceira vez que chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio, a fim de serem satisfeitos dois requerimentos, que, há seguramente três meses, mandei para a Mesa.
O primeiro dizia respeito ao facto de vários funcionários de diferentes Ministérios terem ido fazer serviço no Comissariado da Exposição do Rio de Janeiro, e visava a saber quais os ordenados dêsses funcionários, e bem assim qual a situação oficial que tinham antes de para lá partirem.
O segundo referia-se a uma sindicância levantada ao terceiro oficial dos telégrafos Sr. José Maria Rocha da Fonseca, para a qual havia sido chamada a minha atenção, em virtude de irregularidades nela cometidas.
Até ao presente nenhum dos requerimentos teve despacho, e a ocasião julgo-a oportuna, tanto mais que o Sr. Ministro do Comércio trouxe hoje a esta Câmara algumas notícias sôbre a exposição, que tanto escândalo causou na opinião pública.
Estou convencido de que o Sr. Ministro vai imediatamente dar ordens para que êsses documentos me sejam remetidos urgentemente, porquanto estou informado que funcionários houve que partiram para o Rio, com colocação particular, e que aproveitaram a exposição para não gastarem o dinheiro das passagens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: ouvi com atenção as considerações feitas pelo Sr. João Bacelar, e vou dar ordem

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para que sejam imediatamente expedidos os documentos relativos à Exposição do Rio de Janeiro.
Todavia devo dizer que há uma certa justificação na demora, visto que o Sr. comissário, quando partiu para o Rio, levou quási todos os documentos relativos à exposição.
No emtanto, logo que o arquivo chegue, será satisfeito por completo o pedido de V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio, para um assunto que reputo de uma injustiça flagrante e de uma gravidade grande.
Da Exploração do Pôrto de Lisboa, quando rebentou a guerra, foram chamados vários funcionários que para lá partiram, ao abrigo do decreto n.º 2:498, que lhes garantia o lugar quando regressassem.
Alguns dêles tiveram a felicidade de regressar, mas, apesar de bastante tempo ter decorrido após o armistício, ainda não foram readmitidos, embora a lei lhes garanta o lugar.
Emquanto êsses funcionários que têm garantidos os seus lugares por lei não são readmitidos, vão sendo nomeados novos funcionários, prejudicando os legítimos direitos daqueles que uma lei respeita.
Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio, para que providencie, como é de inteira justiça, visto que ou a lei se cumpre ou então o arbítrio nasce em toda a parte.
Positivamente, quando funcionários que têm os seus lugares garantidos por lei são espoliados desta forma que eu não quero classificar, dá-se-lhe direito a que os façam valer por todos os meios.
Desejo também chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio, sôbre uma representação que tive o prazer de entregar, sôbre o procedimento da Companhia do Caminho de Ferro da Beira Alta, que arrendou um terreno pertencente ao domínio público, a uma emprêsa particular, prejudicando todos os outros interessados.
Vou referir-me novamente a um assunto que pela terceira vez ocupa a minha atenção.
Devo dizer ao Sr. Ministro que tenho hoje aqui os apontamentos para o informar.
Em 8 de Dezembro de 1922 e 9 de Janeiro de 1923, renovei o meu pedido para que me fôssem dadas cópias das diferentes portarias que permitiram a exportação de travessas de caminhos de ferro para o estrangeiro.
Sr. Presidente: tenho conhecimento particular, de que os ofícios n.ºs 15 e 17, enviados por esta Câmara, ainda não chegaram à repartição respectiva.
Portanto, forneço ao Sr. Ministro estes apontamentos, para que S. Ex.ª tenha a bondade de inquirir dos funcionários a repartição onde isto corre, a fim de remediar êste grave inconveniente, pois desejo ocupar-me do assunto e não o posso fazer, emquanto não possuir os documentos necessários.
Desejo também chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior, para as graves irregularidades que se deram com a Junta Geral do distrito de Santarém, onde se fizeram eleições à lá diable.
Não há forma de o Sr. governador civil, marcar novas eleições nos concelhos.
E preciso que se tomem enérgicas providências, para se proceder às eleições dos representantes das juntas gerais nos diferentes concelhos.
Peço a V. Ex.ª o favor de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério o desejo que temos das suas melhoras, para que possamos ter o prazer de o ver nesta casa, de onde S. Ex.ª propositadamente foge, apesar de ter sido sempre tratado com o maior carinho.
O orador não reviu,
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: com relação às primeiras observações do ilustre Deputado, tenho o prazer de comunicar que está assegurada a acção do Ministro. Desde que haja preterição dos direitos de alguém, êles serão respeitados.
Vou mandar informar-me sôbre o que há.
Relativamente ao caminho de ferro da Companhia da Beira Alta, parece-me que o assunto está resolvido, ou em via de resolução imediata.
Sôbre o pedido de documentos vou verificar se está satisfeito.

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Devo dizer que, desde que entrei no Ministério, nenhum pedido de exportação de travessas tem sido feito.
Aproveito a ocasião para mais uma vez declarar que a exportação de azeite foi indeferida e que os pedidos que havia estão caducos.
Portanto, não há absolutamente nada que justifique qualquer alarme, visto que a exportação está proïbida.
Acêrca da nota dos documentos sôbre a exportação de travessas de caminhos de ferro, devo dizer que é necessário proïbir essa exportação, visto que o preço se eleva a 12$ e assim mesmo não aparecem para os caminhos de ferro.
Quanto às restantes considerações de S. Ex.ª eu comunica-las-hei ao Sr. Presidente do Ministério.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei referente aos magistrados das ilhas adjacentes.
Há uma grande dificuldade em colocar magistrados nas ilhas. A justiça, por isso, tem estado ali entregue em mãos de indivíduos que não são magistrados, o que acarreta prejuízos para todos. Ora eu, por esta proposta, concedo certas vantagens aos magistrados que forem colocados nas ilhas, para ver se assim consigo arranjar quem queira ir para lá.
Peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência para esta proposta de lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, é aprovada a urgência.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: tenho pena de que não esteja presente o Sr. Ministro do Interior e mais pena tenho quando sei que o motivo da ausência é a falta de saúde. Entretanto, peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes o favor de transmitir as minhas observações a S. Ex.ª
Três pontos vou tratar.
O primeiro refere-se à reclamação sôbre limitação de direitos eleitorais a alguns correligionários meus.
Além das queixas e protestos que recebi da freguesia de S. Martinho, Trofa, devo referir o que ocorre em Lisboa.
Nas freguesias de Camões e S. Sebastião da Pedreira, estão sucedendo cousas absolutamente semelhantes às que se verificam na província.
Os regedores efectivos declaram não estar em exercício e mandam os eleitores para os substitutos, e êstes declaram ter pedido a demissão.
Sucede até que a um médico conhecidíssimo em Lisboa e morador há onze anos na Avenida, lhe foi negado um atestado de residência, com a declaração do regedor de que não possuía documentos para lho passar.
Depois disso, êsse médico muniu-se dos documentos de contribuïção industrial e de tabuletas, e bem assim dos recibos de renda de casa, pois ainda nessas condições o regedor indeferiu o seu requerimento dizendo não ter base para passar o atestado.
Reclamo providências ao Govêrno contra isto, providências que não podem ser outras que não sejam as de evitar abusos da autoridade e a prorrogação do prazo marcado para o recenseamento eleitoral.
E, já que estou no uso da palavra, seja-me permitido preguntar ao Govêrno se já foi tomada alguma deliberação no sentido de levar a Câmara Municipal de Lisboa, fazendo-a ingressar no âmbito das atribuïções que lhe são conferidas por lei, a mandar retirar da Rua das Trinas a placa que lá colocou dando a essa rua o nome de Sara de Matos, assassinada.
A Câmara Municipal de Lisboa tem o direito incontestável de dar a algumas ruas da capital nomes realmente representativos de pessoas ou de ideas merecedoras de especial menção; o que ela não tem é o direito de, com designações impróprias e falsas, perturbar o agitar o espírito público.
Apoiados.
Por último, Sr. Presidente, desejava saber em que param as investigações relativas ao atentado dinamitista contra o Sr. Bispo de Beja.
Já são decorridos alguns meses e não me consta que tenha sido preso alguém.
Reclamando, mais uma vez, contra os factos que apresentei as mais enérgicas

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providências, termino na esperança de que os meus desejos serão atendidos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar de um assunto que muito interessa à vida da Universidade de Coimbra.
Pela constituïção universitária de 1911 e, mais tarde, pelo estatuto de 1918, foi atribuída às Faculdades de Sciências um largo quadro orgânico que, pela legislação em vigor, tem uma única finalidade, qual seja aplicar a sua expansão à Escola Normal Superior para assim se dirigir o ensino secundário.
O ensino secundário e superior tem de dar vida às Faculdades de Sciências e de Letras e as Universidades portuguesas têm de ter uma outra finalidade.
As Universidades têm de atender aos altos interêsses nacionais tomando como base a agricultura.
A Constituïção de 1911 e o decreto de 1918 indicam às Universidades portuguesas o caminho do ensino técnico.
Diz-se que o país é fundamentalmente agrícola, tendo como solução única a realização do problema agrário; se é certo que há muito de verdade nisto, há também exagero, mas podemos contudo colocar o ensino ao serviço da terra, de forma que se pudesse fazer aquilo a que chamarei outro abastecimento do país.
Há tantos figurinos pelos quais se regulam os nossos reformadores e entre êles temos a Alemanha que transformou os seus terrenos sáfaros em lindos vergéis.
A França também desenvolveu as suas Faculdades estendendo as à agricultura, fazendo o ensino agrícola.
A América, que também já é figurina, tem ampliado o ensino técnico criando o ensino agrícola e mecânico.
Até no longínquo Japão o ensino da agricultura é ministrado nas Universidades.
Posta a claro a minha intenção de introduzir na Universidade de Coimbra o ensino da agricultura, poderá objectar-se que há um curso de agronomia, mas isso nada impede que na Universidade se estabeleça um cargo da especialidade.
Temos três Universidades, a que demos uma organização homogénea, com verdadeiro prejuízo para o ensino.
A Universidade de Coimbra é a única que tem tradições de ensino agrícola.
Nas Universidades acumula se cadeiras sôbre cadeiras, havendo algumas que são frequentadas apenas por um aluno, a pedido de quem tem interêsse em que elas não fiquem desertas.
Tudo se pode fazer e remediar sem gastar 5501 a mais do que se gasta, como se verifica por um projecto de lei que vou enviar para a Mesa — que não tem o intuito de criar engenheiros agrónomos nem silvicultores — para êle peço urgência.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a urgência para o projecto do Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: o Sr. Tôrres Garcia teve a amabilidade de chamar a atenção do Ministro da Instrução para as considerações que acaba de apresentar à Câmara.
Tenho a dizer a V. Ex.ª e à Câmara que considero interessante o problema do projecto que S. Ex.ª apresentou, mas que me parece que êle enferma do vício dos reformadores do ensino português, que encara apenas o aspecto particular quando o problema é de natureza a ser conjugado com outros.
Aproveito a ocasião para declarar à Câmara que dentro de alguns dias tenciono apresentar nesta casa do Parlamento uma proposta sôbre ensino abrangendo todos os ramos do ensino português como revigoramento da raça portuguesa.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo Sr. Lino Neto.
Relativamente à primeira parte das considerações, no tocante ao abuso de autoridade, acho que é assunto importante, e que, na verdade, as informações de S. Ex.ª são dignas da maior atenção por parte do Govêrno, no sentido de fazer cumprir o seu dever às autoridades administrativas.
Transmitirei o assunto ao Sr. Ministro do Interior.

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O Sr. Lino Neto: — Pedi também a prorrogação do prazo…
O Orador: — S. Ex.ª referiu-se também a um caso respeitante a determinado procedimento por parte da Câmara Municipal de Lisboa.
As considerações do ilustre Deputado foram tam restritas que eu não pude perceber bem de que se tratava. No emtanto, tratarei de averiguar o que há sôbre o assunto, e, se porventura se tratar de qualquer cousa em que o Govêrno deva intervir, pode S. Ex.ª estar certo de que se procederá como fôr de justiça.
S. Ex.ª referiu-se também ao caso da bomba lançada contra a residência do Sr. Bispo de Beja.
Efectivamente êsse facto é, na verdade, grave, mas tenho a certeza de que, estando afecto aos tribunais, a justiça seguirá o caminho normal.
O Sr. Lino Neto: — Ainda não está afecto aos tribunais.
Ainda se não fizeram as averiguações necessárias.
Creio que não têm sido feitas apesar da boa vontade do Govêrno, e insisto por que elas sejam feitas.
Se essa autoridade não cumprir o seu dever, deve ser substituída por outra.
O Orador: — Vou informar-me do caso e creia V. Ex.ª que providências serão tomadas no sentido de êsse crime não ficar impune.
Justiça será feita.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Matos: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, no intuito de chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para as notícias que trazem os jornais sôbre avarias importantes produzidas pela agitação do mar, durante os últimos temporais, no molhe sul do pôrto de Leixões.
Escusado será encarecer a gravidade dêste acontecimento, se porventura tiverem sido de vulto, como parece, os estragos a que aludem aquelas notícias.
Eu não sei se o Sr. Ministro recebeu quaisquer informações oficiais a tal respeito e se pensou já na forma de habilitar a Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto com os recursos necessários para proceder às reparações, que urge efectivar quanto antes para evitar novos desmoronamentos e a inutilização dum ancoradouro que tantos sacrifícios custou e que tantos benefícios presta, não só à cidade do Pôrto como a todo o norte do país.
Infelizmente, o pôrto de Leixões encontra-se no mais completo abandono. Não tem iluminação, nem amarrações apropriadas.
E, assim, à menor agitação das águas, em vez de constituir um pôrto de abrigo, mais se lhe pode chamar um pôrto de perigo, obrigando muitos navios a procurar refúgio no mar alto para não irem de encontro uns contra os outros ou não se desfazerem nas pedras dos molhes, como ainda há dias sucedeu ao vapor Figueira, dos Transportes Marítimos do Estado, e como tem sucedido a inúmeras embarcações.
Estes males, por desgraça nossa, não se poderão totalmente evitar emquanto os poderes públicos não se resolvei em a atacar de pronto o magno problema do projectado pôrto comercial de Leixões, que a cidade do Pôrto e todo o norte do país reclamam como uma obra indispensável e urgente.
E preciso que o Estado se ocupe com verdadeiro carinho da solução rápida dêste assunto, que tanto interessa à economia nacional.
E mais: é absolutamente indispensável que desde já se faça a ligação ferroviária dêste pôrto com a rêde dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro, cuja dotação foi já votada pelo Congresso da República, de harmonia com uma proposta que tive a honra de apresentar nesta casa do Parlamento.
Foi já votado, sim, mas a verdade é que até agora não me consta que tivessem sido iniciados quaisquer trabalhos, em razão do que chamo para estes factos a atenção do Sr. Ministro do Comércio, esperando que S. Ex.ª tomará na devida conta as considerações que acabo de fazer.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as conside-

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rações apresentadas pelo ilustre Deputado, o Sr. Joaquim de Matos, e tenho a dizer-lhe que o Govêrno não deixará de prestar a devida atenção ao pôrto de Leixões, e tanto assim que está tratando do assunto, isto é, está vendo o que é preciso fazer.
Quanto ao desastre a que S. Ex.ª se referiu, sou a dizer que ainda não recebi comunicação oficial, razão que me leva a crer que êle não tenha sido duma grande importância.
Tenho dito.
O orador não reviu,
O Sr. Presidente: — Vai passar-se á ordem do dia.
Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que está sôbre a Mesa um relatório relativo ao Pavilhão da Indústria na Exposição do Rio de Janeiro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de me dizer se êsse relatório não é publicado no Diário do Governo.
O Sr. Presidente: — Não posso informar V. Ex.ª
O Sr. Carvalho da Silva: — Nesse caso peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que êsse relatório seja publicado no Diário do Govêrno.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito pelo Sr. Carvalho da Silva queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Jaime de Sousa: — Requeiro a contraprova.
Sr. Presidente: ou devo dizer francamente que julgo inútil o requerimento feito pelo Sr. Carvalho da Silva, tanto mais quanto é certo que se trata dum relatório parcial sôbre o Pavilhão da Indústria na Exposição do Rio de Janeiro.
Estou pronto, Sr. Presidente, a dar o meu voto para que seja publicado no Diário do Govêrno todo o relatório relativo
Exposição no Rio de Janeiro; porém, não estou disposto a dar o meu voto para que seja publicado no Diário do Govêrno um relatório parcial, por isso que o considero inútil, tanto mais quanto é certo que a Imprensa Nacional presentemente nem papel tem para fazer as impressões.
Não posso, pois, estar de acôrdo com o requerimento feito pelo Sr. Carvalho da Silva, visto que o considero uma precipitação em matéria de publicações que não se justifica de maneira nenhuma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: trata-se dum assunto de que o país deve ter largo conhecimento e dum assunto que ao país tem custado algumas dezenas de milhares de contos. Não há, pois, o direito de neste Parlamento se votar qualquer cousa no sentido de que o país não seja elucidado duma forma clara sôbre o que se tem passado na Exposição do Rio de Janeiro.
Além disso, tratando-se dum assunto de tanta importância, nem sequer admito a hipótese de que haja um único Deputado que não queira tomar conhecimento completo do documento de que se está a tratar, e para isso é preciso que êle seja publicado no Diário do Govêrno.
O contrário disto é prejuízo para o interêsse da nação.
Se o Diário das Sessões andasse em dia, bastar-nos-ia a publicação do relatório nêle, mas como anda muito atrasado temos necessidade de que êsse relatório seja publicado no Diário do Govêrno.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: se bem me recordo, noutro tempo a publicação dum relatório no Diário do Govêrno resultava de ter sido lido na Mesa e a Câmara reconhecer-lhe importância. Ora, não tendo sido lido na Mesa o relatório era questão, não posso votar a sua publicação, porque desconheço o sou conteúdo, e nem sequer sei quem o enviou à Câmara.
O Sr. Presidente: — Foi o Sr. Ministro do Comércio.

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O Orador: — Pois eu desejava que S. Ex.ª me dissesse se o relatório tem qualquer parte que o Govêrno repute ser inconveniente publicar, porque só pelo facto de se dizer que o caso é escandaloso eu não posso votar. Desejava ainda saber se o Govêrno acha ou não útil que se publique todo o relatório.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: tenho a dizer à Câmara que não vejo o mais pequeno inconveniente na publicação do relatório. Êle foi dirigido ao Ministro e eu, por reconhecer, que era interessante a Câmara tomar dêle conhecimento, enviei-o para a Mesa. Só vejo vantagem em que êle seja publicado.
Tenho dito.
O Sr. Hermano de Medeiros (para interrogar a Mesa): — Desejo que V. Ex.ª me diga se há alguma disposição regimental que permita à Presidência o conceder a palavra sôbre o modo de votar, quando já se esteja procedendo a uma contraprova.
O Sr. Presidente: — Não há nenhuma, disposição expressa nesse sentido, mas, compreendendo eu que a Câmara não estava bem sciente do que se tratava, para poder resolver com perfeito conhecimento do assunto, entendi que praticava bem, concedendo a palavra aos Srs. Deputados que a tinham pedido, pois as suas explicações muito poderiam elucidar os Srs. Deputados, para a votação.
Seguidamente procede-se à contraprova, sendo aprovado o requerimento do Sr. Carvalho da Silva.
Pedido de licença
Do Sr. Artur Brandão, 4 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Última redacção
Do projecto de lei n.º 429, que abre um crédito de 500. 000$ a favor do Ministério do Trabalho para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Primeira parte
Discussão o votação dos orçamentos na generalidade
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova que ficou pendente da sessão de ontem, por não haver número que permitisse efectivá-la, sôbre a questão prévia apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.
Procede-se à contraprova, sendo aprovada a proposta do Sr. Almeida Ribeiro, concebida nos termos seguintes:
Proposta
Proponho que no n.º 4.º das alterações ao Regimento referentes à discussão do orçamento, as palavras «em cabo algum» sejam substituídas por «na discussão da especialidade»; e que adiante da palavra «improrrogável» se acrescentem também as palavras «na discussão da especialidade». — Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente: — Entrando-se na primeira parte da ordem do dia, ponho à discussão, na generalidade, o Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Barros Queiroz: — Peço a palavra sôbre a ordem.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra sôbre a ordem o Sr. Barros Queiroz.
O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente: obedecendo a um preceito regimental, mando para a Mesa a seguinte
Moção
Considerando que nenhum país pode viver no regime permanente de deficit;
Considerando que, apesar dos sacrifícios exigidos aos contribuintes, o deficit provável do orçamento em discussão atinge ainda uma quantia enorme;
Considerando, que apesar dos processos do Govêrno, ainda se não fizeram as economias necessárias e possíveis dentro da nossa situação;

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Considerando que, ao contrário do que era legítimo esperar dum Govêrno que constantemente afirma o propósito de equilibrar o orçamento, as desposas constantes de propostas orçamentais são consideràvelmente aumentadas em relação às votadas para o ano económico corrente;
Considerando que a classificação das despesas em normais e transitórias não assenta em princípios fundamentados;
Considerando que o equilíbrio orçamental é uma das condições primaciais para a realização da regeneração financeira do país;
Considerando que êsse equilíbrio pão pode ser feito exclusivamente à custa do contribuinte porque o deve ser simultaneamente à custa dêste e da redução das despesas;
Considerando que é indispensável para o prestígio do regime e para decôro da Nação que se observem na aplicação dos dinheiros públicos os mais rigorosos princípios da moral republicana e a mais estrita economia;
A Câmara dos Deputados resolve:
1.º Afirmar o propósito de equilibrar o orçamento, eleminando dêle todas as despesas parasitárias e inscrevendo as receitas compatíveis com a situação do país;
2.º Eliminar do orçamento a classificação das despesas em normais e transitórias, e passa à ordem do dia. — Barros Queiroz.
Sr. Presidente: a propósito de se dever ou não, discutir na generalidade, o Orçamento Geral do Estado, perdeu esta Câmara uma semana numa discussão absolutamente inútil, discussão que não trouxe proveito para o País, nem prestígio para o Parlamento.
Apoiados.
Foi uma discussão absolutamente estéril e inútil, porquanto está expresso num dos artigos do Regimento desta Câmara, que todos os projectos e propostas de lei, aqui apresentados, deverão ter duas discussões: uma na generalidade e outra na especialidade.
E eu, Sr. Presidente, jamais pude compreender que num regime republicano, essencialmente democrático, como é o de Portugal, a Câmara dos Deputados pretendesse discutir o Orçamento Geral do Estado, que é o documento mais importante da administração pública, como se se tratasse de um rol de despesa de qualquer família, por capítulos, para verificar se a polícia está bem inscrita neste ou naquele capítulo, para saber se qualquer contínuo tem a gratificação correspondente ou se deverá ter mais ou menos escudos.
O que verdadeiramente interessa ao Parlamento, não é isso, mas sim a discussão na generalidade, visto que é nessa discussão que se poderá apreciara situação do País, e procurar saber quais os recursos de que êle dispõe e quais as ideas do Govêrno para acudir às necessidades do Estado.
É certo que no ano passado se fez a discussão do respectivo Orçamento Geral do Estado, em condições absolutamente anormais, com o consentimento dos parlamentares que hoje representam nesta Câmara o Partido Nacionalista, mas isso fez-se porque assim se tornava necessário, após quatro anos sem aprovação de orçamentos, por virtude da escassez de tempo para se poder discutir e votar o orçamento em condições normais, para ser promulgado dentro do ano económico e vigorar em 1 de Julho. Foi, pois, uma situação transitória. Muito se honrou a Câmara em aceitá-la, pois com isso só provou estar possuída de muito patriotismo.
Mas, Sr. Presidente, êste ano em que os orçamentos são discutidos adentro do tempo normal para a sua discussão, e se apenas o do Interior tem parecer, a culpa não é das oposições, não haveria razão que justificasse o não se fazer a discussão na generalidade.
Sr. Presidente: eu não entrei na discussão prévia apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro e não compreendi como ela se fazia, porque até o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, pessoa que nesta casa do Parlamento merece o respeito de todos os parlamentares, (apoiados), pela correcção com que trata todos os assuntos que discute, dizendo que não era necessário discutir o Orçamento na generalidade, versou assunto que não poderia ser discutido legalmente e, portanto, dentro da discussão na especialidade de nenhum dos orçamentos.

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Exactamente nas palavras de S. Ex.ª esteve a justificação plena da necessidade que há em discutir o Orçamento na generalidade.
Nem se compreende que uma Câmara abdique dos seus direitos para fazer sôbre o Orçamento do Estado aquelas considerações de ordem geral que julgue convenientes e para pedir ao Govêrno que a elucido sôbre os seus pontos de vista a respeito da forma como pretenda resolver os problemas nacionais, e nenhuma melhor oportunidade se apresenta para isso, aos Srs. parlamentares, do que a que lhes é fornecida pela discussão do Orçamento na generalidade.
Mas há mais!
A mais alta função do Parlamento é exactamente a de discutir e votar o Orçamento Geral do Estado.
Se fôsse possível estabilizar as despesas e as receitas, o Parlamento quási que não teria função desde que tivesse aprovado uma Constituição, pois só para tratar de pequenos incidentes êle serviria.
Mas os Parlamentos nas democracias, em regimes presidencialistas o até em alguns regimes autocratas, têm uma função mais alta que é a de representante da nação para afirmar a sua soberania, não permitindo que os homens de Govêrno, quer sejam Presidentes com poderes latos, quer Imperadores ou Césares, tenham o direito de lançar impostos à sua vontade, que só poderão ser legítimos, quando consentidos pela nação.
Nenhuma democracia pode abdicar nos Governos o direito de lançar impostos, sem a sua autorização.
Isso seria abdicar da sua própria soberania.
É um princípio que os velhos republicanos não podem esquecer, porque é um dos fundamentos da própria República. E se não fôsse êste um dos princípios fundamentais das próprias ideas republicanas, teríamos de recorrer ao País que serve de modêlo ao regime parlamentar, à Inglaterra, para ver que sempre que os reis, pela história fôra, procuraram impôr-se ao povo, com o direito de lançar-lhe impostos, sem o seu consentimento, pagaram no patíbulo o seu atrevimento.
Sr. Presidente: farei toda a diligência para ser breve nas minhas considerações sôbre a generalidade do Orçamento Geral do Estado, confessando, desde já, que o pouco que vou dizer não será dito com o propósito de ataque ou de defesa. Terei nas minhas considerações apenas o propósito de análise, chamando para ela a atenção do País para que êste veja a situação em que vive e para que os homens bons e patriotas se convençam de que é mester tomar uma orientação que nos afaste do abismo para que se caminha.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças apresentou ao Parlamento um orçamento com o deficit previsto de 139 mil contos.
Se estes números representassem o desiquilíbrio entre a receita e a despesa, então seria a situação gravíssima, porque seria um deficit de perto de 20 por cento sôbre as receitas.
A situação não permite acompanhar o Sr. Ministro das Finanças no seu optimismo cheio de boa fé.
Eu já disse que não pretendo agravar o Sr. Ministro das Finanças, pois sabe a Câmara que me prendem a S. Ex.ª laços de uma velha camaradagem desde as Constituintes, onde trabalhámos juntos nas comissões, no tempo em que as comissões do nosso Parlamento podiam servir de modêlo às do estrangeiro. Sempre tive por S. Ex.ª muito respeito aquele respeito que se deve ter por uma pessoa de bem que trabalha e deseja acertar.
Mas não posso deixar de frisar o facto de, com todas estas qualidades, S. Ex.ª vir apresentar um trabalho que não é a justa apreciação da situação.
Optimista também eu sou, porque creio no futuro do meu País, mas isso não obsta a que analise a situação, tal como ela é.
Diz S. Ex.ª no relatório que dentro do próximo ano económico a nossa situação financeira se modificará, mas não diz qual é a série de medidas que apresentará para êsse fim.
Ou eu não sei nada de finanças, ou não compreendo o alcance de S. Ex.ª quando se refere ao empréstimo.
Se o empréstimo fôsse em ouro talvez o nosso câmbio melhorasse, mas se êle é em escudos?
Mas se há que fazer considerações acêrca dos números inscritos para as despesas eu também não posso deixar de fa-.

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zer considerações acêrca dos números inscritos para as receitas.
O Sr. Ministro das Finanças provia que o imposto sôbre transacções produziria o quantitativo de 120:000 contos e que o seu adicional, do 70 por cento, daria lògicamente, 90:000 contos.
O Sr. Ministro das Finanças pretende, portanto, receber do contribuinte no próximo ano económico 210:000 contos de imposto sôbre as transacções.
Êstes números não podem representar a verdade.
Por muito boa vontade que os funcionários tivessem na execução dessa lei, por muito draconianamente que se procedesse, nunca o imposto sôbre as transacções etc., na situação actual, duma importância tam grande, e eu vou dizer as razões por que faço esta afirmação.
Em 1917 atribuía eu, depois dum estudo aturado, 80$00 ao custeio médio da vida no nosso País e fui acusado por alguém de exagerado, pois um homem de grande autoridade scientífica e ilustre homem de bom, o Sr. Anselmo de Andrade, tinha poucos anos antes calculado o custeio médio da vida em 36$00.
Hoje, porém, verifica-se — e não é difícil fazê-lo — que o custeio médio da vida é de quinze vezes mais. Mas, Sr. Presidente, sabe V. Ex.ª e sabe a Câmara que há muitas restrições no consumo e isso não é indiferente para o imposto sôbre as transacções, pois toda a gente se privou de algumas comodidades em relação àquelas que tinha em 1914 ou 1915, e só se não privaram dessas comodidades aqueles que, por aventuras ou especulações nem sempre honradas se permitem ostentar um luxo que chega a ser afrontoso para os que vivem honestamente do seu trabalho.
Assim, ou creio não errar, afirmando que os consumos representam hoje treze vezes mais do que os consumos em 1917.
O custeio médio da vida deve computar-se hoje, portanto, em 1. 040$500, quantia que, multiplicada por 6 milhões, que é o número de habitantes do País, dá um total de 6. 240:000 contos.
E preciso não esquecer que 50 por conto dos consumos do nosso País são produzidos pela terra portuguesa e que na terra portuguesa trabalham 1. 500:000 indivíduos e que os outros 1. 500:000 vivem à custa do trabalho dêles, o que quere dizer que 3 milhões de portugueses vivem directamente da torra.
Metade da produção agrícola é consumida pelos próprios agricultores e não é, portanto, objecto de transacções comerciais.
Se eu atender a que os produtos importados são transaccionados duas vezes e meia, concluo que produzirão a soma de 6. 552:000 contos: mas como metade da produção agrícola não vem ao comércio, a parte transaccionada é do 3. 276:000 contos.
Suponho não errar, afirmando que os produtos serão vendidos duas vezes, porque se há produtos que passam por três ou quatro mãos, outros há e em grande número, que são vendidos directamente ao consumidor.
Com êste cálculo de duas vezes, eu obtenho 2. 743:000 contos, o que faz com que as transacções comerciais do meu país atinjam 9. 295:000 contos.
Se fôsse possível cobrar êste imposto, sem que houvesse o desvio da mais pequena parcela, êste imposto renderia 92:000 contos, visto que a taxa é de 1 por cento, à excepção de quando é aplicado em hotéis e restaurantes, que é de 2 por cento.
O Sr. Ministro das Finanças sabe muito bem, como homem estudioso e sabedor do que se passa, que infelizmente o imposto não é cobrado sôbre toda «a matéria que a êle está sujeita, porque ao mesmo tempo que o Estado procura a maneira de arrancar a pele ao contribuinte, êste estuda a forma de iludir o fisco e o próprio Estado.
O Sr. Ministro das Finanças não ignora que a Prússia, em 1910 ou em 1911, tendo o seu sistema perfeitíssimo e verdadeiramente modelar, viu-se forçada, apesar disso, a levar aos tribunais comerciais 30 por cento dos contribuintes, por falsidade nas suas declarações, relativamente ao quantitativo das suas receitas, ou seja na parte colectável pelo Estado.
Ora se êste facto sucedeu num país, cujo sistema tributário é modelar, e onde não falta o patriotismo e o verdadeiro sentimento da colectividade, o que irá acontecer em Portugal, relativamente a êste assunto do pagamento das contribuïções?

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Sem exagero — e antes com generosidade — poderá calcular-se em 30 por cento a matéria colectável que escapa à acção tributária no nosso país.
Assim, eu suponho que o imposto sôbre transacções produzirá menos qualquer cousa, como 78:000 contos, do que o número calculado pelo Sr. Ministro das Finanças.
Calculou S. Ex.ª que o produto da contribuïção industrial será de 60:000 contos, embora diga no seu relatório que não tem elementos que o habilitem a afirmar, com precisão, qual será o quantitativo que renderá êsse imposto.
Eu suponho que a Direcção Geral das contribuïções e Impostos se deverá considerar feliz se no próximo ano económico conseguir arrancar ao contribuinte, peja contribuïção industrial, 40:000 contos, e estou convencido de que dificilmente poderá fazê-lo.
A contribuïção industrial rendia no nosso país, antes do regime dos coeficientes, qualquer cousa como 4:000 contos, e pela forma como ficou agora lançada não excederá mais do que dez vezes aquele número.
Mas, para cobrar estes 40:000 contos, é"necessário muita dedicação da parte dos funcionários que fazem a cobrança o é preciso que haja muita inteligência da parte do Ministério das Finanças.
Há ainda correcções de duas ordens a fazer, em relação -ao rendimento das alfândegas.
Ainda a propósito da contribuïção industrial não só o Sr. Ministro calculou isto de um modo exagerado, como acabo de dizer à Câmara, como também apresentou há dias ao Parlamento uma proposta de lei remodelando a contribuïção industrial dos funcionários, o que deve reduzir as receitas em muitos milhares de contos.
Quere dizer: ao mesmo tempo que se avolumam as novas receitas inscritas no Orçamento trazem-se propostas tendentes a deminuir a própria receita.
Os funcionários civis e militares que estavam isentos de imposto de rendimento, quando vencendo ordenados inferiores a 600$, por ano, tinham o imposto de 2 por cento, nos ordenados de 600$ a 750$, de 5 por cento nos ordenados do 750$ a 1. 000$.
O Sr. Ministro das Finanças, generosamente e muito generosamente, vem propor ao Parlamento que os funcionários públicos paguem todos 5 por cento, uniformemente, não incluindo as subvenções.
E realmente de estranhar que, quando se pediu tanto ao comércio, à indústria e à agricultura, se vá reduzir aos funcionários públicos a sua contribuïção, devendo ainda notar-se que essa redução diz respeito sòmente aos funcionários graduados, porque aqueles que recebem de ordenado anual 600$, a êsses agrava-se a situação.
Sr. Presidente: como já disse, a propósito das alfândegas, há correcções de duas ordens a fazer.
O Sr. Ministro das Finanças calculou que o rendimento alfandegário da importação de vários artigos será de 720:000 libras no próximo ano económico, supondo a diferença cambiai a 1500 por cento.
E possível que a alfândega venha a render muito mais que as 720:000 libras, mas o Sr. Ministro das Finanças não podia deixar de ter apreensões, quando escreveu êsse número, sabendo que o rendimento das alfândegas vem deminuindo assombrosamente, desde 1920 para cá, porque ao aumento da depreciação da nossa moeda corresponde a impossibilidade de se importarem certos produtos.
Mas há mais do que isso: desde que nesta Câmara, em 1921, tendo eu então a honra de ser Ministro das Finanças, se votou que os direitos de importação fôssem pagos em ouro, os impostos atingiram números tais que a maior parte dos produtos não pode ser transaccionada.
Não será difícil a qualquer pessoa, mesmo que do comércio não tenha a menor noção, ver quanto será difícil transaccionar com qualquer produto que estava pagando...escudos de direitos por quilograma e hoje paga 48$. Tal é a situação de todos os produtos que venham de países com que não haja tratados de comércio.
De resto o Sr. Ministro das Finanças verificou que era 1920 o rendimento das alfândegas foi de 1. 200:000 libras e que no ano findo produziu apenas 665:000 libras.
O Sr. Ministro das Finanças foi realmente prudente calculando 720:000 li-

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bras, que é pouco mais do que no ano último e muito menos que nos anos anteriores.
Assim, nas alfândegas haverá que* fazer a correcção da diferença cambial, conforme as considerações que fiz corrigindo o número que se inscreve do aumento dos direitos, pois creio que com a situação actual será impossível cobrar 720:000 libras porque a importação será forçosamente deminuída, como não creio que, mesmo na hipótese de ser publicada a nova pauta alfandegária, que aliás é necessária, ela venha a produzir êsse rendimento, o que implicitamente deminuïrá o imposto que talvez não atinja a cifra de 720:000 libras.
Mas o Sr. Ministro das Finanças talvez tenha elementos para poder esclarecer esta situação.
E, a propósito, eu quero chamar a atenção do S. Ex.ª para o fenómeno da administração que se dá no nosso país em que nenhum parlamentar consegue habilitar-se convenientemente. A Câmara ignora o que seja a importação, a Câmara ignora o que seja a exportação do país. Não se pode admitir que um Estado tam pródigo em despesas verdadeiramente inúteis, não tenha elementos de estatística que o habilitem a conhecer o valor das suas importações é exportações.
E absolutamente necessário que alguém cheio de fôrça e de autoridade — e certamente o Parlamento não lhas regateará — monte êsse serviço por forma a acabar com semelhante vergonha que já tem forçado algumas vezes os nossos representantes no estrangeiro, convidados a apresentarem determinados informes, a socorrerem-se de elementos particulares à falta de elementos oficiais.
Nesta ordem de considerações eu acompanho de bom grado o Sr. Almeida Ribeiro quando reclama a publicação do sumário das despesas autorizadas, porque, efectivamente, não se compreende que os Ministros, o Parlamento e o País não saibam qual é a sua situação no que diz respeito a receitas e despesas. E essa reclamação é tanto mais justificável quanto é certo que, por falta dêsse sumário, o Sr. Ministro se mostra admirado ao averiguar que o deficit é apenas de 250:000 contos.
Depois, que providências tenciona o
Govêrno adoptar de forma a garantir que os serviços autónomos se bastem? O Sr. Ministro sabe muito bem que, por exemplo, os Caminhos de Ferro do Estado não têm receitas que bastem à sua manutenção. Sabe S. Ex.ª muito bem que a administração dêsses caminhos de ferro teve ainda há pouco um aumento de tarifas de aproximadamente 30:000 contos. As tarifas que hoje começaram a vigorar são uma insignificância em relação às necessidades dos Caminhos de Ferro do Estado, e dentro em pouco os Caminhos de Ferro não terão dinheiro para pagar ao seu funcionalismo, e V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças, terá de vir aqui ao Parlamento pedir auxílio.
Sr. Presidente: não prevê o Sr. Ministro das Finanças nenhuma importância para fazer face ao prejuízo que o Estado está sofrendo com o pão político, que está custando rios de dinheiro ao Estado. S. Ex.ª fez bem em não inscrever qualquer verba para isso, pois não tem nenhuma lei que o autorize, mas também não podia fornecer cambiais a 37/8. Se continuarmos a fornecer cambiais por êste preço nós teremos um prejuízo de 120:000 contos.
Sr. Presidente: isto é assim, e para qualquer lado que nos voltemos encontramos sempre a má situação que nos não resolvemos encarar de frente e proceder de forma que possamos resolver o problema.
Sr. Presidente: eu estou a pensar que o Sr. Ministro das Finanças me está a qualificar de pessimista; mas eu direi a V. Ex.ª que me habituei, desde novo, desde 1889 em que comecei a fazer política, e quando atacava os monárquicos pelos erros que êles praticavam, repito, habituei-me a ser franco e a dizer o que penso e tenho-me dado bem com esta franqueza.
Vem a propósito dizer ao Sr. Ministro das Finanças que S. Ex.ª está fornecendo libras à margem a 37/8, quere dizer a 61$93 cada libra, estando a libra ao câmbio de ontem a 112$94, o que dá uma diferença de 50$ em cada libra.
V. Ex.ª, por êste método, assume responsabilidades, porque é uma prática contrária às leis do país, e contrária à expressa vontade manifestada por esta Câmara.

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A Câmara tem muito atenuada a sua acção e só isso podo permitir que o Govêrno, saltando por cima do Poder Legislativo, permita cousas destas sem que venha pedir ao Parlamento alguma autorização.
Se neste país houvesse a nítida compreensão do papel que estamos aqui representando, e a justa compreensão do que V. Ex.ª, como Ministro, representa, V. Ex.ª já tinha sido acusado de abuso do poder, pelo facto de V. Ex.ª praticar êsse abuso, desbaratando dinheiro do Estado, sem consentimento desta Câmara.
Apoiados.
Sr. Presidente: não incluo na série das cousas os encargos resultantes da assistência financeira da Inglaterra, salvo êrro, em 1916.
É preciso pensar bem na situação que estamos criando com respeito a esta assistência financeira.
Creio bem que teremos os juros correspondentes à taxa com o câmbio de hoje, o que representa a bagatela de 100:000 contos.
Não pretendo que o Sr. Ministro tivesse lançado no Orçamento a verba que ainda se não sabe como há-de ser paga.
Veremos de um momento para o outro agravada a situação em 1. 000:000 de libras, que serão uns 112:000 contos ao câmbio de 2/8.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças, o Parlamento e o país, têm de olhar a sério para a situação da dívida pública, que é realmente para causar pavor.
Temos dívida interna amortizada por vários contratos que representa uns 385:000 contos.
Tomos mais uma dívida resultante do contrato com o Banco de Portugal, pelo abuso do aumento da circulação fiduciária, que representa uns 900:000 contos.
Temos mais ainda: uma dívida flutuante interna, que representa uns 714:000 contos.
Ora eu creio, Sr. Presidente, que um Govêrno que pense no perigo eminente em que está a ordem pública, e em que estão as finanças do Estado, que repare que a dívida flutuante representa uns 714:000 contos, deve estar apavorado e deve dormir mal, pois a verdade é que corre o perigo da alguma manhã não saber como há-de atender aqueles que lho forem reclamar o dinheiro.
E preciso que o país penso o veja a necessidade absoluta que há em* se modificar esta situação, consolidada esta dívida de forma a que possa haver a tranqüilidade necessária para se resolverem os problemas mais urgentes da administração pública, que se não podem resolver desta forma.
A dívida flutuante deve fazer pensar o Sr. Ministro das Finanças, a qual representa, como já disse, uns 379:000 contos, representados por bilhetes do Tesouro, tendo nós ainda a dívida externa que deve andar por uns 35. 000:000 de libras, ou sejam cêrca de 158:000 contos.
Eu vejo que nos orçamentos apresentados pelo Sr. Ministro das Finanças, aparece o Ministério da Guerra com 139:000 contos, que no ano passado era de 87:000 contos.
Não sei se V. Ex.ª já reparou que da exagerada receita de 664:000 contos 260:000 são absorvidos pela fôrça armada.
Não sei se V. Ex.ªs já repararam que as despesas do nosso exército vão crescendo sem de nenhuma forma se atender às necessidades da nação.
Parece que ninguém pensa a sério em remediar o mal, nem o Govêrno, nem o Parlamento!
No ano passado tive a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei, fazendo reduções no exército, de oito divisões passava para quatro, mas até hoje ainda não tive a honra de ver êsse projecto discutido ou rejeitado.
Nesse projecto tomavam se providências acêrca do recrutamento de mancebos e encerrava-se a Escola Militar, ficando supranumerários todos os oficiais.
No tempo da monarquia, havia um exército permanente de 12:000 homens, mas os republicanos da propaganda protestaram contra a existência de 12:000 homens, tirados aos campos, e realmente depois os republicanos remodelaram o exército.
Sabem V. Ex.ªs quantas praças de pró nós temos? 21:964.
E protestávamos nós, no tempo da monarquia, contra um exército de 12:000 homens!'?

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O país carece de fôrça pública para o defender e uma fôrça de polícia que mantenha a ordem; mas o país só deve ter o exército que pode manter!
Nesta altura, o país tem um efectivo de 5:000 oficiais, mas não tem o dinheiro suficiente para instruir e municiar as suas praças.
Eu sei que no orçamento da Marinha há actualmente 5:892 praças, mas não têm um navio de guerra capaz de representar uma comissão e nem sequer teremos um barco capaz de levar ou ir buscar o Chefe do Estado ao Brasil, que teve de viajar num transporte mercante!
Não seria melhor acabarmos com esta farrapada, reduzindo as despesas, mas prestigiando a fôrça pública?
Também a guarda republicana foi o ano passado reduzida nos seus efectivos.
Mas a verdade é quê essa redução in nomine não passou do papel.
Nós necessitamos sem dúvida de um corpo de polícia para a manutenção da ordem; 12:000 homens acho porém demais, a não ser que a ordem não tenha sido ainda assegurada no nosso país.
Sr. Presidente: julgo ser oportuno preguntar ao Sr. Ministro das Finanças onde foi o Govêrno, e especialmente S. Ex.ª, buscar autorização para modificar o coeficiente votado por esta Câmara para as subvenções ao funcionalismo público.
O Parlamento, votando uma lei de subvenções, autorizou o Govêrno a modificar a percentagem de cada uma das categorias de funcionários, de forma a não gastar mais de 108:000 contos.
No emtanto o Sr. Ministro das Finanças já aqui disse nesta casa do Parlamento que as subvenções custariam cêrca de 180:000 contos.
Como se permitiu o Govêrno alterar uma deliberação desta Câmara, sem previamente pedir autorização para o fazer, e sem, depois de o fazer, pedir um bill de indemnidade para um acto de fôrça maior?
Duma maneira muito sucinta, eu já mostrei a V. Ex.ªs que o orçamento acusa um deficit, não de 139:000 contos, como da sua leitura se conclue, mas de 300:000 contos.
Eu desejaria que, em face desta situação, o Parlamento convidasse o Govêrno
a apresentar medidas urgentes de maneira a criarmos uma vida financeira desafogada.
Chegou o momento de pedir sacrifícios ao país, mas êsses sacrifícios não são apenas para os que trabalham, são para toda a gente.
Êsses sacrifícios têm de ser de toda a ordem, e todos os Governos que se sentem naquelas cadeiras, compenetrados do seu papel e da sua função, devem encarar de frente a questão, trazendo aqui as medidas indispensáveis para reduzir as despesas, eliminando-se os serviços que são inúteis, são mesmo desmoralizadores, porque apenas existem no papel, para que os funcionários recebam os seus vencimentos, andando a passear, rindo-se daqueles que trabalham.
Apoiados.
Há repartições no nosso país onde se trabalha assiduamente, mas há outras onde se não faz nada.
E preciso que isto acabe!
O funcionário público tem de ser um elemento de ordem e de trabalho, um elemento de produção, e não um asilado à custa da assistência dos cofres públicos.
Apoiados.
Há muitos serviços que foram criados correspondendo a uma necessidade scientífica de reorganização, mas só existem no papel, porque nas respectivas secretarias há funcionários sem terem função, visto que não têm elementos para poderem trabalhar.
Ora, para decôro de nós todos, êsses serviços têm de ser suprimidos, visto que os não podemos dotar convenientemente para produzir.
É certo que andamos a fazer uma propaganda contra o funcionalismo, que nos coloca mal aos olhos do país, mas os funcionários que trabalham e cumprem o seu dever são assim vilipendiados, quando a culpa é nossa, porque deixámos que os nomeassem.
E quando digo «nossa», só por favor me incluo no número, porque nunca os nomeei.
Posso ser um político inábil, mas quando ocupei aquelas cadeiras, e em vésperas de eleições, determinei em ordem de serviço aos Ministérios que não se nomeasse ninguém, a não ser para os serviços técnicos.

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Toda a gente então me chamou político inábil, mas eu reputei-me um homem de bom, por isso que julgava ser um crime nomearem-se funcionários que não tinham funções a desempenhar.
Apoiados.
Ainda agora eu lamento que o Sr. Presidente do Ministério viesse pedir um aumento de mais funcionários, não pedindo, se precisava dêles, o que não contesto, que êles fôssem recrutados nos serviços onde estão a mais.
Reconheço a necessidade de se dotarem convenientemente, com funcionários, os serviços de contabilidade, mas para que vamos nomear mais funcionários, se há serviços que estão repletos dêles?
Haja a coragem de se arrostar com as clientelas políticas!
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério, quer nesta casa do Parlamento quer lá fôra, tem mais de uma vez afirmado que o país esta a saque.
O Sr. Ministro das Finanças mais de uma vez tem afirmado que é preciso fazer profundas economias e acautelar a administração pública.
Porque o não faz?
O Sr. António Maria da Silva está há mais de um ano no poder, V. Ex.ª é já Ministro das Finanças há alguns meses e, apesar de terem tido sempre uma oposição que os tem auxiliado valiosamente, pregunto: Que providências têm V. Ex.ªs tomado para regenerar êste país? Nenhumas.
Apenas cousas fragmentadas, cousas quási incompletas, como foi o novo sistema tributário, arrancado em circunstâncias especiais de momento.
E para corresponder a isso, para dizermos ao país que vamos pedir quási que a pele, £ o que lhe demos nós como segurança da nossa moral administrativa?
Nada.
Sempre sustentei, e sustento ainda, que o país pode pagar, mas, para que tenhamos autoridade para dêle exigir mais sacrifícios, é preciso mostrar que reduzimos as despesas ao mínimo indispensável.
Apoiados.
Contudo, até hoje, nada disto fizemos. Reparem V. Ex.ªs para o luxo quási espaventoso do nosso corpo diplomático, num momento em que o mais simples consulado nos custa dezenas de contos.
Porventura, já o Govêrno tomou algumas providências nesse sentido?
Não se venha argumentar que isso implica dificuldades diplomáticas, porque elas removem-se, visto que, acima do interêsse dos Partidos, estão os interêsses do País.
Apoiados.
Sr. Presidente: a discussão dêste orçamento, não tem, pela minha parte, qualquer intuito político.
Eu sou classificado muito justamente, como um inábil político, no sentido partidário da palavra, mas sou classificado por muita gente e por mim próprio como um político que quere êste regime dignificado, tam puro, que não dê aos adversários o direito de virem atirar à cara dos republicanos com êrros praticados por homens da República.
Fui eu quem os acusou de erros e crimes praticados no tempo da monarquia, e sinto-mo vexado quando êles, com razão, nos acusam de êrros praticados dentro da República.
Não me incomodaria, se êles acusassem com palavras gratuitas, mas muitas vezes, se há facciocismo da parte dos monárquicos, outras há em que têm fundamentalmente razão, e a nós republicanos incumbe não consentir que se pratiquem actos que repugnem a toda a gente.
V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças, tem uma maioria sua e uma oposição que com V. Ex.ª quere colaborar, traga, portanto, medidas com alcance, não traga apenas esta medida de multiplicar por 3 ou 4 as taxas do sêlo, porque isso não significa nada.
Apoiados.
Peço ao Sr. Ministro das Finanças que não veja nas minhas palavras nenhuma espécie de agravo porque não o desejo fazer, tenho apenas o propósito de forçar S. Ex.ª — é o têrmo — a sair um pouco da sua política de transigência.
Nunca a transigência dos homens que se têm sentado naquelas cadeiras foi útil ao País, nunca da transigência dos homens que se sentam naquelas cadeiras pode resultar qualquer benefício para o regime republicano.
O homem que se senta na cadeira de Ministro das Finanças deve primeiro do

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que tudo armar em carrasco; não deve ser a palavra permanente de Ministro das Finanças, não deve dizer a toda a gente que lhe vá solicitar qualquer colocação, pedir quaisquer favores, favores que custam sempre dinheiro ao Estado.
O Ministro das Finanças que fôr odiado por todos os políticos é um grande Ministro das Finanças.
V. Ex.ª com a sua transigência, com a sua bondade não pratica aquelas acções, aqueles actos que seria indispensável que praticasse um Ministro das Finanças.
Faça V. Ex.ª uma política puramente administrativa, faça a política republicana porque fazer política republicana é praticar moralidade e, quando assim proceder, V. Ex.ª terá o aplauso de todo o País.
Não transija Sr. Ministro das Finanças nem que seja com os seus próprios colegas. Tem V. Ex.ª um exemplo no seu Partido dado pelo Sr. Afonso Costa quando ocupou a pasta das Finanças, sabendo resistir a todas as tentativas, não consentindo que as despesas se avolumassem. Proceda V. Ex.ª de igual modo; resista, porque se V. Ex.ª tivesse resistido, não teriam as despesas ordinárias subido tam espantosamente como subiram em quási todos os Ministérios.
Sr. Presidente: há na proposta orça tal uma classificação de despesa cuja responsabilidade não é do Sr. Ministro das Finanças porque já vem do orçamento anterior e que só não foi discutida e aprovada por mim no ano passado porque não houve discussão na generalidade.
De facto as despesas vêm classificadas no orçamento por despesas normais e transitórias tomando-se como base da despesa normal a cotação 24, divisa Londres.
Não entendo qual foi o critério que presidiu à classificação de despesas normais e transitórias tomando por base a cotação 24 e não outra, qualquer base de 30, 40 ou 50.
Não percebo, não atinjo, não vejo como possa considerar-se a despesa normal da minha vida ao câmbio de 24, quere dizer, 10$ por cada libra, e não possa considerar-se a 30, 40 ou 50.
Eu percebia que se considerassem normais todas as desposas dos quadros e se considerasse transitória a despesa resultante da guerra, mas considerar transitórias as despesas de subvenções, considerar transitórias as despesas de certos quadros que são absolutamente permanentes, não percebo e muito menos percebo que se tome por base a cotação 24.
Eu espero que o Sr. Ministro das Finanças me explique êsse critério porque em boa verdade não o entendo.
Temos despesas ordinárias e despesas extraordinárias, mas despesas normais e transitórias não compreendo.
Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª e à Câmara desculpa do tempo que lhe roubei.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Leu-se a moção e foi admitida.
É lida a seguinte
Nota de interpelação
Renovo a minha nota de interpelação enviada para a Mesa em 30 de Junho do ano passado sôbre o ilegal e arbitrário provimento das escolas primárias de Anta e S. João da Madeira, esta do concelho, de Oliveira de Azeméis e aquela do da Feira. — Angelo Sampaio Maia. Expeça-se.
O Sr. Presidente: — No cumprimento da missão de que a Câmara me incumbiu, procurei o Sr. António Maia, que me recebeu com toda a atenção, dizendo que, como o incidente não está terminado, quere a sua liberdade de agir.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: vou sucintamente responder, como Presidente da comissão do Orçamento, a algumas das considerações apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, considerações que a Câmara ouviu com aquela atenção que costuma dispensar a S. Ex.ª, prestando justiça à sua competência especial para versar assuntos desta natureza.
Devo dizer, porém, que a maneira como S. Ex.ª versou a questão não me convenceu da necessidade, tam debatida, de discutir o Orçamento na generalidade, quere dizer, de o discutir sob o aspecto da política financeira que revela, da sua

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adaptação ao momento económico presente, ás nossas relações internacionais, etc., pois S. Ex.ª se limitou, no meu modesto entender, a uma discussão na especialidade feita em globo, e assim discutiu as despesas dos Ministérios da Guerra e da Marinha, o orçamento das receitas, criticando os cálculos de previsão de várias contribuïções recentemente criadas ou alteradas, alongando-se na discussão da produtividade do imposto de transacção, etc., o que, me parece, tudo poderia, sem grande prejuízo, ser feito quando se tratasse da discussão de cada um daqueles orçamentos parciais.
E agora, como quando tive o prazer de o ver ocupar o lugar de Presidente do Ministério, eu direi que S. Ex.ª foi pessimista.
A nossa situação é difícil, não há dúvida, i mas constitui, porventura, um caso único na Europa?
E necessário não esquecer que um cataclismo, que, pela sua grandeza, pelo seu alcance, podemos considerar único na história da humanidade, como que um colossal terramoto que tivesse subvertido ou baralhado todos os valores, abalou todo o mundo, deixando todas as nações mais ou menos profundamente feridas, e que nós não fomos daquelas que menos sofreram.
Não, não somos nós a única nação da Europa que se encontra em face de orçamentos desequilibrados. Que diremos da França, da Itália, o da Espanha neutral, da Roménia, etc., sem esquecer a Bélgica, que, apesar das quantias já da Alemanha recebidas, apesar da sua colossal actividade industrial, já superior ao que era antes da guerra, se encontra em frente da mais difícil das situações financeiras?
Disse S. Ex.ª que estamos em face dum deficit esmagador; êsse deficit é, de facto, de 139:000 contos, e seria esmagador se êle fôsse expresso até moeda antiga, em moeda forte. Mas trata-se duma moeda desvalorizada, e isso modifica por completo a situação.
Os números são colossais, mas o seu significado actual não é o doutros tempos.
Não basta falar em números vertiginosos; é indispensável não esquecer o valor da unidade.
A nossa dívida interna, que orça por 1. 848:000 contos...
O Sr. Barros Queiroz (interrompendo): — Se V. Ex.ª me dá licença, são 2. 000:000 contos.
O Orador: — Depois de liquidadas as contas do ano corrente e do próximo ano económico em face do deficit previsto, ela será sensìvelmente superior a 2. 000:000 contos.
O que representa essa dívida? Com a libra a 100$ seriam 18 milhões de libras; mas, ainda que o câmbio fôsse para a divisa 10, êsses 1. 840:000 contos teriam um valor total de 77 milhões de libras, que juntas aos 34 milhões de dívida externa...
O Sr. Barros Queiroz (interrompendo): — Se V. Ex.ª me dá licença, são 35. 303:000.
O Orador: — V. Ex.ª compreende que isso tem uma importância secundária para o meu raciocínio.
Sr. Presidente: para o que desejo chamar a atenção da Câmara é para o facto de que, ainda quando conseguíssemos levar o câmbio para a casa dos 10, a dívida total de Portugal, interna e externa, seria inferior às dívidas da África do Sul ou da Nova Zelândia, e entretanto, Sr. Presidente, temos ainda grandes riquezas em Portugal a explorar, temos um vastíssimo império colonial. Não, Sr. Presidente, a situação está longe de ser desesperada.
O câmbio, que tantos acusam de ter levado o país à ruína, não arruinou o Estado; reduzindo os seus débitos poderá talvez dizer-se que o enriqueceu. Quem ficou arruinado foram as classes médias, foram os detentores de títulos do Estado, foram êsses que pagaram esta bancarrota, de que nós não tivemos o exclusivo, e que em escalas diversas fizeram a Alemanha, a Áustria, a Grécia, à Itália, a França, etc.
E eu chamo-lhe bancarrota, Sr. Presidente, porque julgo impossível voltar à antiga paridade.
No fim do exercício de 1923-1924, o País vai encontrar-se com uma dívida superior a dois milhões de contos; pois bem, segundo os cálculos do Sr. Barros Queiroz, toda a fortuna da metrópole

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anda, se não me engano, por três milhões e quinhentos mil contos. Pois eu digo que, se voltássemos à antiga paridade, nós não poderíamos suportar os encargos duma dívida que absorveria mais de metade da fortuna nacional. Ainda que todos os homens de Estado do Portugal trabalhassem para isso.
Referiu-se o Sr. Barros Queiroz à classificação das despesas em normais e transitórias. Eu apresentei essa classificação o ano passado porque a encontrei adoptada no Orçamento que já se achava elaborado, mas não tenho por ela nenhuma predilecção especial.
Achei, entretanto, muito bem adoptada porque ela, e só com êsse objectivo a admiti, permitia destrinçar entre as despesas resultantes da alta geral dos preços e despesas resultantes da depreciação cambial.
Para achar o quantum das primeiras, admitiu-se um agravamento geral e permanente dos preços de 100 por cento em relação aos preços antes da guerra, o chamaram-se despesas normais a parte das despesas actuais até mais 100 por cento do que eram antes da guerra.
Quere dizer, eram as despesas que teríamos de suportar devido à alta dos preços, mesmo que o câmbio não se tivesse agravado. Transitórios eram todos os acréscimos a cada uma das verbas das despesas normais resultantes do agravamento cambial.
Por outras palavras: despesas normais eram as despesas em moeda antiga em face dos novos preços mundiais; despesas transitórias os acréscimos resultantes da divisa cambial.
Não pretendi que o câmbio viesse a fixar-se em 100 por cento de prémio; admiti como hipótese que, dada a alta permanente dos preços, o valor comprador de moeda antiga ficaria reduzido de 50 por cento.
Pregunta-se, naturalmente, qual será a divisa em que o câmbio virá a estabilizar-se. Fui absolutamente partidário da valorização do escudo; todos os meus esforços foram conduzidos nesse sentido.
O Sr. Presidente: — É a hora de passar à segunda parte da ordem do dia.
Vozes; — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Com prejuízo da segunda parte?
Vozes: — Com prejuízo.
O Orador: — Fui partidário acérrimo da valorização do escudo, mas os resultados dos meus esforços, como os dos meus antecessores, foram absolutamente nulos, e o escudo tem descido num plano inclinado de 45º sôbre o horizonte.
As propostas de finanças deram origem ainda a nova e brusca depreciação cambial. Dizia-se que o País ia ficar esmagado pelos impostos, que os preços teriam de subir por uma forma fantástica, e que os capitais tratariam de emigrar.
E, cousa curiosa, muito antes das propostas de finanças não serem sequer discutidas, já por causa delas os preços subiam. O novo regime tributário poderia agravar os preços em 4 a 5 por cento em média, e os preços subiam ainda antes das propostas sequer serem discutidas do 20 por cento o mais numa semana!
O Estado ainda nada recebia dos novos impostos, mas muito merceeiro tinha enriquecido à sombra dêles. A sombra dêles se fez a mais desenfreada especulação.
Apoiados
E o câmbio foi descendo dia a dia. É possível hoje efectivar uma política de valorização do escudo? Possível talvez, resta saber se é aconselhável.
A valorização vai beneficiar todos os credores, prejudicar todos os devedores e, entre êstes, a classe que justamente mais recorre ao crédito: o comércio e a industriado comércio e a indústria terão necessàriamente de se retrair, pois dia a dia receberão menos escudos pelos seus produtos, ao passo que os seus débitos não sofrem alteração no número dos escudos. Uma melhoria cambial que não seja muito lenta deve levar à escassez do género, à paralisação das indústrias, isto é, ao desemprego.
É necessário ponderar isto tudo; é necessário encarar o problema com toda a lealdade. Precisamos de modificar a situação actual, mas de forma a não cair noutra pior.
Com os stocks do País, feitos a um certo câmbio, é muito grave e regres se

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rápido a um câmbio melhor. Devemos, sim, empregar todos os esforços no sentido de sucessivamente regressar àquela situação cambial que corresponde à nossa situação económica para então entrar francamente na política de estabilização, por ser essa a que mais nos convém e só ser essa a mais útil para o País.
O Sr. Barros Queiroz: — Bom era que V. Ex.ª aconselhasse isso ao Sr. Ministro das Finanças, pois me parece que S. Ex.ª não pensa assim.
O Orador: — Esta é a minha opinião; de resto o Govêrno, com as medidas que já apresentou o que tenciona apresentar, deve fazer melhorar dalguma maneira a situação em que nos encontramos.
O Sr. Ministro das Finanças já apresentou duas propostas de lei, uma relativa ao imposto do sêlo e outra à contribuïção de registo, que devem aumentar sensìvelmente as receitas do Estado, contribuindo assim eficazmente para a redução do deficit e, portanto, para a melhoria cambial.
A proposta de empréstimo, apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, tende também ao mesmo fim.
Quanto à questão do pagamento da nossa dívida à Inglaterra, ou entendo que é absolutamente indispensável que se afirme que Portugal, que sempre pagou as suas dívidas, continua na firme intenção de as pagar.
Apoiados.
E necessário que o nosso Ministro em Londres esteja habilitado a poder dizer que Portugal está na intenção de pagar tudo aquilo que deve, mas que espera que não se lhe exija mais do que aquilo que legítimamente se pode exigir.
Fomos para a guerra quando a guerra nos foi declarada; não fômos para a guerra por interêsse, nem para nos defender, porque onde fôramos atacados já nos tínhamos defendido sem o auxílio de ninguém; fomos para a guerra obedecendo à fé dos tratados e até o fim cumprimos com os nossos deveres para com os aliados.
Tivemos colossais despesas o contraímos uma dívida pecuniária para com a Inglaterra, mas é forçoso não deixar de dizer que não temos razão de queixa, que
até hoje não nos foi exigido o reembolso dessa dívida.
A Câmara sabe que o plano de reparações apresentado pelo Govêrno Inglês à Conferência de Paris previa a forma regular a dívida de Portugal para com a Inglaterra, forma que temos de reconhecei ser verdadeiramente equitativa. O pagamento seria feito com a parte que nos pertencia nos bons da 2.ª série ou seja a capitalização dos juros deferidos na totalidade nos primeiros quatro anos dos bons da 1.ª série em 1 por cento dos quatro anos seguintes.
Eu devo dizer que considero esta fórmula como perfeitamente aceitável e interessante para o país.
São consideradas exageradas as despesas previstas para os Ministérios da Guerra e da Marinha.
Tenho a honra de como oficial de marinha, fazer parte do exército português. Não precisa o nosso exército de terra e mar que eu preste a minha homenagem aos seus valiosos serviços. Todos os reconhecem, mas isso não impede que se reconheça também que é indispensável reduzir as despesas com o exército e com a marinha àquilo que o País pode comportar.
Apoiados.
Mas que isso se laça bem esquecer a nossa situação na Europa e som esquecer que a paz ainda não está realizada. Amanhã podem surgir complicações e nós precisamos sempre de ter quadros organizados de modo a poder fàcilmente colocar o exército em pé de guerra. Também não podemos esquecer que somos um país colonial e que desde que criámos a ficção que «e chama marinha colonial deixamos de ter marinha nas colónias e de que precisamos de marinha nas colónias.
O Sr. Agatão Lança: — Era que se pode reduzir a marinha? Reduzida já ela está!
Trocam-se vá tios àpartes.
O Orador (continuando): — E absolutamente indispensável reduzir as despesas deixando de se gastar o que possa ser economizado. Mas não se devem fazer economias que nos sujeitem a situações deprimentes. Assim, eu entendo que nunca devíamos ter deixado chegar o País à si-

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tuação de não ter um navio de guerra para levar o Chefe de Estado ao Brasil e ter de utilizar-se um navio ex-alemão.
E necessário fazer economias, mas que todo o dinheiro que se gasta mal em pessoal dispensável seja utilizado em adquirir material.
Apoiados.
Como já por vezes aqui tenho dito, eu não creio que as reduções no pessoal se possa fazer o que se conseguiu na Áustria, onde em três ou quatro meses o Govêrno despediu 25:000 funcionários. Mas ali a consciência nacional, servida por um pulso forte, compenetrou-se da necessidade de realizar êsse grande esfôrço.
O Sr. Ferreira de Mira: — A Áustria fez isso forçadamente. Foi-lhe imposto pela Liga das Nações.
O Orador: — Se a pobre Liga das Nações tivesse fôrça para manter a ordem dentro da Áustria...
Sr. Presidente: para concluir as minhas considerações, eu direi que entendo que o Orçamento apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças não é optimista. É absolutamente impossível, a qualquer Ministro das Finanças, prever qualquer divisa cambial daqui a dois ou três meses, mas o que S. Ex.ª tem, é seguros elementos para afirmar que as medidas que trouxe à Câmara lhe dão o direito a esperar uma sensível melhoria cambial e que portanto sensíveis benefícios hão-de trazer à nossa situação financeira.
Pode o Sr. Ministro enganar-se, mas a verdade é que até hoje todos os cálculos têm pecado por pessimismo, como por pessimismo pecam os cálculos de previsão apresentados pelo Sr. Barros Queiroz. O deficit do próximo ano económico não será superior ao previsto, deve ser mesmo sensìvelmente inferior, e êsse deficit, dada a depreciação da moeda, é relativamente modesto.
Tenho dito.
Segunda parte
Discussão do parecer n.º 302
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão do parecer n.º 302.
Vai ler-se.
É o seguinte:
Parecer n.º 302
Senhores Deputados. — O Sr. Ministro das Finanças apresentou a esta Câmara a proposta de lei n.º 208-A, destinada a autorizar o Govêrno a poder celebrar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos de Portugal, com o fim de obter, pelo produto da elevação de preços de venda dos tabacos, uma receita anual livre para o Estado, em mais, no mínimo de 5:000 contos, e a melhorar os salários e vencimentos do pessoal operário e não operário e os serviços de fiscalização; e também a obter a renúncia, por parte da Companhia, de todo e qualquer direito, que possa vir a resultar do disposto no § 2.º do artigo 9.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918. ^
E de louvar a acção do Sr. Ministro das Finanças, procurando, por um acôrdo a praticar com a Companhia arrendatária dos tabacos, obter para o Tesouro, uma maior receita.
Representa êste acto do Ministro a verdadeira essência do trabalho, que compete ao Poder Executivo, dentro dos princípios regulares da administração pública.
Se por todos os serviços cujos deminutos rendimentos, e até alguns, a absorção de receitas públicas, se reconhece estarem muito aquém da hora que passa, se praticasse êste acto como se procura praticar por esta proposta de lei, o Poder Executivo elevar-se-ia no conceito público, ver-se-ia aplaudido unanimemente porque demonstrava conhecer a missão de administração pela defesa das receitas próprias, nas quais encontraria, como encontrará se seguir êste caminho de máxima utilidade, os meios indispensáveis para fazer face às necessidades do Estado.
Srs. Deputados: O contrato de arrendamento do monopólio dos tabacos, feito ainda na vigência da monarquia, teve a inconveniência grave para o Estado, de não ser um contrato de perfeito monopólio, em tudo que respeitasse a fumo; porque, se o tivesse sido, teriam advindo para o Estado umas maiores vantagens.
É simplesmente um monopólio de fabrico e venda que deixou de fôra e livre mediante direitos, a importação do toda a anualidade de tabacos estrangeiros, todos

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os apetrechos para fumo de qualquer natureza.
Poderá argumentar-se que, se assim tivesse sucedido, nos teríamos sujeitado a consumir o tabaco que a Companhia quisesse, porquanto a falta de preocupação da parte do Estado, sôbre o cumprimento das cláusulas do contrato, levariam a Companhia concessionária ou arrendatária, não só a fazer o que entendesse, mas mais ainda, a obrigar-nos a pagar com usura o que importasse, ou a termos de consumir o que ela quisesse.
Ora isso não seria, nem devia ser assim, porque o monopólio completo só seria admissível com a administração comum do Estado, e portanto com a larga e fecunda comparticipação de lucros.
O que se não fez em 1906, torna-se necessário fazê-lo agora, não significando que o seja ou possa ser nêste simples acôrdo que o Govêrno necessita fazer, mas querendo dizer-se, no agora, que é preciso que se faça na confecção do novo contrato, quando tiver de se efectuar.
Um outro êrro, que resultou da factura dêste contracto em 1906, foi a falta de previdência na sua confecção, o que trouxe para o Tesouro o grave inconveniente actual, da inferioridade da receita para fazer face aos encargos das obrigações dos tabacos, por terem de ser satisfeitas em ouro e o Tesouro receber as suas rendas em escudos desvalorizados.
Tudo isto, porém, podia e devia ter sido remediado pelos Govêrnos, quando a partir de 1916 se começou a sentir a desvalorização da moeda escudos, pela valorização do ouro.
Infelizmente em Portugal, em todos os tempos e em todas as épocas, viveu-se sempre mais do acaso que da Previdência.
Negava-se à Companhia o aumento de preços, negava-se o direito consignado no contrato, da elevação dos direitos de importação, concorrendo-se assim para a ruína do Tesouro e para se permitir à Companhia o lançamento no mercado, de novas marcas de tabacos, sem que os Governos fiscalizassem ou interviessem nesse acto irregular.
Em 1918, porém, pelo decreto n.º 4:510, de 27 de Junho, e só porque não havia' já forma de conter o pessoal operário, se procurou fazer alguma cousa.
Ainda nesse momento o acto de imprevidência se manifesta e, assim, quando se procura limitar um aumento de preços do tabaco, quando o preço devia ser função cambial, criam-se por outro lado encargos para o Estado, que se tornaram ilimitados e de tal ordem, que são um dos males a que esta proposta vem procurar dar remédio.
Os sub-encargos permitidos pelo decreto n.º 4:510, já subiram até o exercício de 1921-1922, à verba de 25:000 contos.
Se o contrato de 1906 pouco cuidou e tratou do pessoal manipulador de tabacos, antigo e moderno, o decreto n.º 4:510 de 1918 foi para êsses trabalhadores de um mutismo sem igual.
Foram os operários manipuladores do tabaco sempre pessoal privilegiado pela natureza do seu serviço, cuja indústria dava margem a serem bem pagos.
São hoje, os que menos garantias de vida possuem, pois se encontram colocados à margem de todas as outras classes.
Além disso, tendo a companhia a faculdade de licenciar certo pessoal com dois terços de salários, assim tem procedido diversas vezes, sem que contudo possa justificar a razão do licenciamento, porquanto, não se demonstra o excesso de produção, antes se verifica constantemente que a falta de tabaco no mercado para consumo público é manifesto.
Por outro lado é necessário atender-se à situação do pessoal em estado de doença, quer ordinário, quer extraordinário, porquanto as necessidades são absolutamente iguais.
Há pessoal na companhia, que de há muito necessita ser aposentado porque não só a sua idade, mas mais o seu cansaço, dum período longo de trabalho lhe dá direito ao fim de longos e vastos anos a obter o sossêgo e a tranqüilidade do seu espírito e da sua idade.
Nada se previu nesse funesto contrato de 1906, infelizmente.
Nós não queremos que a companhia assuma inteiramente uma responsabilidade total, debaixo dêsse ponto de vista, embora tenhamos de tristemente constatar que não pode alegar princípios de humanidade quem, obtendo fartos lucros, os guarda para os seus accionistas e não faz caso do pessoal operário.

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E fartos lucros tom obtido a Companhia dos Tabacos de Portugal que é bom que os obtenha, mas devendo lembrar-se que à custa, e pela ignorância de administrações descuidadas, a partir do seu contrato, êsses factos se têm produzido havendo no meio de tudo isto dois elementos prejudicados, como sejam o Estado e os operários.
Se os operários privilegiados dos tabacos têm direitos que não podem ser postergados, os outros, chamam-lhes como lhes chamarem, têm os direitos legítimos e legais que assistem aos que trabalham, se trabalham, e aos que produzem, se produzem de verdade.
Podia ter-se criado uma caixa especial de reformas, que teria dado lugar a que a estas horas a maioria do pessoal da régie, se não todo, teria aproveitado da aposentação e a companhia teria obtido um largo beneficio, porque, libertando-se do pessoal gasto e consumido, iria criando pessoal novo com uma maior atividade, sem um esfôrço por aí além.
A má disposição do pessoal é sempre nociva às emprêsas e maior se torna ainda quando êsse pessoal, ao mesmo tempo que verifica a sua acção de insubsistência, verifica que a emprêsa que está servindo não serve o Estado, não os serve a êles operários mas serve absolutamente o seu capital com larga usura, dando tudo aos accionistas, que de facto é preciso contentar e manter em boa linha, sem dúvida, mas que deviam estar em relação com o trabalho.
Estas considerações servem especialmente para basear os pontos de vista que entendemos firmar, para que, no acôrdo a efectuar entre o Estado e a Companhia, não sejam esquecidos êstes princípios, visto que deve considerar-se o acôrdo a realizar, como a pedra basilar do futuro contrato dos tabacos.
Foi um larguíssimo êrro de administração não fazer acompanhar do aumento de direitos sobre os tabacos importados os aumentos de preços dos tabacos nacionais, porque resultou daí um grande prejuízo para o Tesouro, além da concorrência ao tabaco nacional.
O decreto n.º 4:510, tendo elevado os direitos de importação, deixou as taxas muito aquém do que deviam ser; reservou, porém, para o Estado, e considerou como receita exclusiva dêste, a diferença entre os direitos do artigo 18.º do contrato de 1906 e os criados pelo decreto, no que fez bem.
Os tabacos manufacturados e importados para consumo, no último exercício, elevaram-se a mais de 200:000 quilogramas.
As vendas de tabaco nacional efectuadas pela Companhia elevaram-se, no último exercício que findou em Abril, a 2. 941:670 quilogramas, tendo produzido de receita bruta para a Companhia 47:172. 591$69, o que dá a média por quilograma de 16$ de tabaco vendido.
Não é de premer que o consumo baixe, antes nos parece deverá aumentar desde que reapareçam no mercado as antigas marcas e em quantidade indispensável para o consumo, o que até hoje e desde há muito não acontece devido à concessionária não o poder fornecer pelos preços do contrato.
O que é certo é que, emquanto a falta de tabaco nacional se fez sentir, os diversos tabacos estrangeiros, muitos de péssima qualidade, venderam-se por todo o preço, porque o público consumidor não quere saber do custo, o que precisa e quere é manter o vício que hoje considera como uma das suas maiores necessidades.
Estamos certos de que ô consumo será cada vez maior, demais a mais se a Companhia quiser aperfeiçoar o fabrico dos seus produtos.
Não diz o contrato do 1906, nem o decreto n.º 4:510 facultou os meios e a forma de a Companhia poder renovar os seus maquinismos ou adquirir novos mais modernos para o exercício e desenvolvimento da sua indústria.
Entendemos, porém, que no acôrdo a celebrar, êsse assunto deve ser tratado e resolvido para defesa dos interêsses do Estado e da Companhia.
A elevação de preços deve ser função do câmbio, tomado firme num ponto determinado, de forma a, em períodos trimestrais os semestrais, êsses preços se tornarem progressivos ou degressivos em conformidade com a valorização ou desvalorização maior da moeda.
Porêm a fixação do preço médio dos tabacos deve ser indicado pela Companhia de acôrdo com o Estado e de forma

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que, além do mínimo a obter nos termos do artigo 1.º da proposta ministerial, da supressão dos sub-encargos industriais pela renúncia dos direitos consignados no § 2.º do artigo 9.º do decreto n.º 4:510, se obtenha para o Estado do excesso proveniente do aumento de preços a praticar, pelo menos 50 por cento sem dedução de qualquer natureza, e sem esquecer as beneficiações ao pessoal operário especialmente, incluindo os desgraçados doentes, reformados e licenciados, que dêsse excesso devem comparticipar sem prejudicar os interêsses dos accionistas da Companhia.
Deve manter-se no acôrdo, sem forma de dúvida de qualquer natureza, a doutrina do § único do artigo 2.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1920, e elevando as taxas dos direitos para: 36$, 32$, 30$ e 28$ respectivamente conforme a classificação estabelecida no artigo 2.º do referido decreto, tornando-os progressivos e digressivos em conformidade com os preços dos tabacos.
O imposto de venda de tabaco a que se refere o artigo 1.º do decreto n.º 4:510, cuja cobrança compete à Companhia por obrigação especial do contrato de 1906, para esta o entregar ao Tesouro sob a fiscalização do Comissariado Geral, deve ser elevado para $30, único imposto, por quilograma, sem adicionais de qualquer espécie.
O aumento dêste imposto não traz inconveniente de qualquer espécie nem vai influir no preço do tabaco, porquanto é pago pelo revendedor, que por sua vez é compensado pela elevação de preços, que lhe trará maiores lucros.
O aumento dêste imposto deve dar aproximadamente para o Estado mais 600. 000$ de receita se não baixar o consumo.
No acôrdo a fazer deve manter-se a doutrina do artigo 6.º do decreto n.º 4:510.
Pelo artigo 4.º do Contrato dos Tabacos de 1896 ficou a companhia concessionária a dar durante o prazo da concessão a, sua garantia própria e absoluta sem reserva alguma e juntamente com a garantia do Estado para o pagamento dos juros e amortização das obrigações de 4 ½ por cento dos empréstimos de 1891 e 1896, ou das que se emitirem para as substituir.
Conhece a Câmara que, a quando da confecção do contrato e ainda do lançamento das obrigações, os seus encargos oscilaram por 2:000 o tantos contos, não atingindo 3:000 contos.
Aconteceu, porém, que a elevação da divisa cambial tornou êste encargo de uma certa gravidade para o Tesouro, porque, emquanto, da renda dos tabacos sobejavam ao Estado, para outros encargos públicos, 3:000 e tal contos, com a elevação cambial êsse encargo subiu aproximadamente doze vezes mais, sem que as receitas respectivas tivessem acompanhado essa elevação.
Pelo orçamento actual verifica-se que advém para o Estado prejuízos, nêste exercício, de pròximamente 25:000. 000$.
A falta de previdência na administração pública levou o Tesouro a esta situação de gravidade:
Sabemos em demasia que nada tem a companhia concessionária com êsse estado de cousas, mas sabemos também que, se a sério se tivesse feito administração pública, o aumento de preços dos tabacos iria sendo gradual acompanhando a divisa cambial, do que resultaria um largo benefício para o país sem um grave prejuízo para a economia, porque poderia até servir de um bom remédio para o vício.
Não pode nesta altura praticar-se essa rápida transição porque seria criar num só momento uma grande elevação de preços que traria agitação.
E preciso, porém, que no acôrdo a estabelecer, se tome em linha de conta o que é necessário fazer-se, procurando tanto quanto possível defender os interêsses do Estado.
O aumento de direitos, se fôr praticado como indicamos, poderá dar ao Estado mais uns milhares de contos, o que virá influir na redução dos encargos das obrigações.
A supressão dos sub-encargos, pela renúncia da companhia aos direitos que lhe consigna o § 2.º do artigo 9.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918, dará ao Estado uma média de 3:000. 000$ por ano, pois que partindo-se do princípio de que a companhia amortizará dos sub-encargos existentes a média de 6:000. 000$ por ano, receberá o Estado os 3:000. 000$ representativos do têrço que lhe pertence no» termos do referido decreto n.º

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4:510, e ainda porque a amortização tem de ser feita dentro do período da concessão ou seja até 1926.
O pessoal licenciado é actualmente em número de 226 operários. Estes operários eram os que fabricavam a marca de charutos chamados de Kentucky (charutos de picar) que a Companhia deixou de fabricar por não lhe ser possível poder suportar o prejuízo que o preço da tabela lhe traria.
O número de pessoal reformado eleva-se a 300 operários das fábricas de Lisboa e Pôrto.
O pessoal licenciado vence dois terços de salário.
O pessoal reformado vence por dia $90.
Os operários doentes vencem no primeiro período, diariamente, 1$15, e no último período $97 por dia.
A média dos salários dos operários era por cada dia de trabalho, em 1914, de 1*515. Em 1921-1922 foi, por cada dia de trabalho, de 5$20.
A média dos vencimentos dos empregados da Companhia (pessoal não operário, de reduzida categoria), era em 1914 de 30$ por mês. Em 1921-1922 foi de 300$ por mês.
A média do restante pessoal de categoria mais elevada, que era em 1914 de 100$, foi no exercício de 1921-1922 de 1. 000$ por mês, havendo ainda funcionários de categoria superior que vencem de 1. 260$ mensais para mais.
Verifica-se que, emquanto a média de salários do pessoal operário de 1914 para cá subiu 400 por cento, a do pessoal não operário subiu 1:000 por cento.
Estas notas foram-nos fornecidas pelo pessoal assalariado.
Não pode a Companhia alegar falta de recursos, porque, se o alegasse, não falaria verdade, para não poder aumentar os salários do seu pessoal operário.
Não tem, porém, justificação possível a situação desgraçada em que a Companhia tem mantido o seu pessoal reformado, e como mantém os que têm a infelicidade de se acharem doentes.
É para estes casos de justiça a praticar que a vossa comissão de finanças chama a especial atenção do Poder Executivo, para que os tome na devida consideração na factura do acôrdo a estabelecer.
Também não é legítimo o acto da Companhia no licenciamento de pessoal* por falta de fabricação, porque não pode justificar o seu acto com o excesso de pessoal operário, quando é certo querela mantém actualmente 900 pessoas como pessoal operário extraordinário.
Feita esta larga exposição, a vossa comissão de finanças julga do seu dever apresentar à vossa consideração a seguinte contra-proposta em projecto de lei:
Artigo 1.º E autorizado o Poder Executivo a negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos de Portugal, tendo em atenção e como princípio, além doutras que julgue necessárias, as seguintes bases:
BASE 1.ª
A estabelecer uma nova tabela de preços de venda dos tabacos, com períodos trimestrais ou semestrais de revisão, progressiva e degressiva, em conformidade com a divisa cambial.
BASE 2.ª
A obter, por efeito da elevação do preços, consignada na base 1.ª, uma receita anual, livre para o Estado, em mais no mínimo de 5:000 contos, sem prejuízo da doutrina consignada no artigo 9.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918, quanto a comparticipação por parte do Estado no rendimento do exclusivo, devendo do seu produto pertencer ao Estado pelo menos 50 por cento do que provier dêste aumento de preços.
BASE 3.ª
A estabelecer a renúncia, por parte da Companhia, de todo e qualquer direito que resultou ou possa vir a resultar prejuízo para o Estado do disposto no § 2.º do artigo 9.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918, tomando a Companhia a seu cargo a supressão dos sub-encargos, sem prejuízo dos benefícios estabelecidos para o Estado no artigo 5.º do decreto citado.
BASE 4.ª
A melhorar os salários e vencimentos do pessoal operário e não operário dos tabacos, e os serviços de fiscalização, procurando garantir o melhor e mais completo abastecimento público, devendo, quanto ao pessoal operário, atender-se à

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crítica situação dos doentes e reformados, procurando suprimir os licenciados, tanto quanto a indústria o permita.
BASE 5.ª
A estabelecer as condições em que a Companhia dos Tabacos pode fazer a aquisição de máquinas modernas para o desenvolvimento da sua indústria e a forma como será feita a sua amortização pelo Estado no final da concessão.
Art. 2.º No acôrdo a estabelecer fixar-se há que os direitos de importação para tabacos manufacturados despachados para consumo serão elevados para 36$, 32$, 30$ e 28$ por quilograma, nos termos do artigo 2.º do decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918, com a garantia consignada no § único do referido artigo 2.º, que declara constituir receita exclusiva do Estado a diferença dos direitos superiores aos consignados no artigo 18.º do contrato de 8 de Novembro de 1906.
(Artigo 2.º).
§ único. Os direitos de importação fixados neste artigo serão progressivos e degressivos, em conformidade com os preços de venda dos tabacos nacionais nos termos da base 1.ª
Artigo 3.º É elevado para $30 por quilograma o imposto de venda de tabacos a que se refere o artigo 1.º do decreto n.º 4:510, livre de quaisquer adicionais ou encargos, que será arrecadado e entregue ao Tesouro, nos precisos termos do referido artigo 1.º do decreto n.º 4. 510, de 27 de Junho de 1918.
Artigo 4.º O Govêrno dará conta ao Parlamento do uso que fizer desta autorização.
Artigo 5.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da comissão de finanças, 8 de Agosto de 1922. — João Camoesas (com declarações) — F. C. Velhinho Correia (com declarações) — A. Crispiniano da Fonseca — Queiroz Vaz Guedes — Aníbal Lúcio de Azevedo — Carlos Pereira — F. C. Rêgo Chaves (com declarações) — Lourenço Correia Gomes, relator.
Proposta de lei n.º 208-A
Senhores Deputados. — Mantendo-se, de uma maneira geral, as razões que em tempos determinaram a apresentação da proposta de lei n.º 662-G, e considerando de toda a vantagem para o Tesouro a urgente resolução do assunto, tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É autorizado o Govêrno a, negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos de Portugal, de modo a garantir, pelo produto da elevação de preços de venda dos tabacos, uma receita anual livre para o Estado em mais no mínimo de 5:000. 000$, e a melhorar os salários e vencimentos do pessoal operário # não operário e os serviços de fiscalização, a fim de garantir o melhor e mais completo abastecimento público.
Art. 2.º No acôrdo estabelecer-se há a renúncia por parte da Companhia de todo e qualquer direito que possa vir a resultar do disposto no § 2.º do artigo 9.º do decreto n.º 4:510* de 27 de Junho de 1918.
Art. 3.º O Govêrno dará conta ao Parlamento do uso que fizer desta autorização.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 7 de Julho de 1922. — O Ministro das Finanças, Albano Augusto de Portugal Durão.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro dispensa da leitura do parecer. Foi dispensada.
Foi posto em discussão na generalidade.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: em conformidade com as disposições regimentais, mando para a Mesa a minha moção.
Sr. Presidente: quis a boa fortuna que começasse a tratar-se da questão dos tabacos depois do interessante discurso feito pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, a respeito do Orçamento Geral do Estado. Provou-nos o Sr. Barros Queiroz, com a sua linda exposição, que o deficit previsto pelo ilustre Ministro das Finanças, de 139. 000 contos, montara a 300 e tantos mil contos, e, embora o Sr. Portugal Durão acusasse de pessimistas os números do Sr. Barros Queiroz, na verdade esqueceu-se do demonstrar a razão por que encontrava neles êsse pessimismo. Sendo a situação do Pais na verdade angustiosa, têm-se procurado todos os meios

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para arranjar receita, e um dêsses meios é o do imposto que deve incidir sôbre os tabacos.
Sr. Presidente: o assunto dado para segunda parte da ordem do dia é realmente da maior importância e isso explica que em várias circunstâncias da vida nacional êle tenha sido visto pelo Parlamento e pelo país com especial cuidado e atenção. Os homens que eram políticos aqui há vinte anos e os que não o sendo, nem supondo, porventura, que o haviam de ser, pensavam nas cousas públicas, lembram-se ainda, os que vivem, da paixão com que se discutiram os preparativos para a realização do contrato que hoje vigora. Isso deu até um baque profundo na monarquia pôr enfraquecer um dos seus grandes partidos: foi ensejo, motivo ou pretexto da scisão alpoinista. Encheu os homens do regime de então de suspeições, e por isso é preciso que na sessão de hoje ou na discussão que houver daqui a três anos, quando findar êste contrato, não caiam sôbre os homens da República as acusações gravosas que caíram sôbre os estadistas de então.
Compreende, pois, V. Ex.ª, Sr. Presidente, quanta coragem é precisa para em assunto tam melindroso tocar e ser o primeiro a tocar. Tenho essa coragem porque me deu incitamento o ilustre relator do parecer. Eu já conhecia êsse ilustre Deputado como homem duma alta coragem para estas investiduras. Foi S. Ex.ª quem apresentou sendo membro da comissão de finanças aquele projecto de subvenções que foi publicado num jornal diário antes da respectiva comissão ter dêle conhecimento, e que nos meteu a todos e o Ministério de então nas dificuldades que vieram dessa questão. Mas S. Ex.ª teve agora também a coragem de fazer um parecer sôbre a grave questão dos tabacos, o fê-lo não fundamentando-se em números o dados oficiais que os podia requisitar, não dando a menor razão das disposições que depois condensou no parecer, mas com um critério muito seu, e apresentando por último um projecto de lei com um determinado número de bases, dizendo no n.º 1.º:...«estas bases entre outras»...
«Entre outras»;se eu não sou ignorante em matéria legislativa, parece-me não haver exemplo de se votar um projecto de lei com tais dizeres!
Sr. Presidente: tenho que dizer à Câmara, que me merece sobretudo atenção, não só as disposições do projecto de lei que vêm a vigorar para estes três anos que faltam até o final do contrato, hoje em vigor, como também o que elas podem representar para um «regime futuro.
Sempre esta questão do monopólio dos tabacos tem estado ligada a crises financeiras nacionais.
Eu não quero, de forma alguma, fazer prelecções à Câmara, mas V. Ex.ªs hão-de permitir-me que eu lembre — porque isso serve para tirar ilações interessantes — a história dos tabacos durante o regime constitucional.
Por três vezes se tratou de contratos de monopólio: em 1832, em 1891 e èm 1906 e em qualquer delas em situações angustiosas do Tesouro Público.
Foi em Dezembro de 1832 que pela primeira vez em Portugal se concedeu o monopólio dos tabacos.
Em 1830 só havia dificuldade em abastecer a ilha de tabaco; tornou-se livre a sua entrada na ilha, que era, então, a única parte do reino que obedecia à regência de Angra. Mas já em 1839 por causa das necessidades do Estado, se declarara que se daria o tabaco por arrematação.
Foi depois que, sob a pressão dessas urgentes necessidades do Estado, foi dado o monopólio ao barão de Quintela com a condição de êle pagar uns tantos contos que deveriam ser descontados no ano seguinte, nos rendimentos que ao Estado pertencessem.
Em 1891 o país atravessava uma crise grave e foi nessa ocasião que se fez a revisão do contrato de que o de 1906 é a continuação. O de 1906 está ainda na memória de todos.
Eu vou ler à Câmara um pequeno trecho do relatório mandado publicar pelo Ministro da Fazenda de então, o Sr. Espregueira.
Por aqui se vê quanto é necessário ter o Estado as mãos livres quando fôr levado novamente a contratar.
Tenho presente uma transcrição dum jornal francês da semana passada que tem relação com a Áustria, se bem que não fale nos 25:000 funcionários já dispensados e nos outros 25:000 que se vão dispensar agora. É sôbre tabacos e serve

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para mostrar como, não só entre nós, mas também na Áustria, se aprecia o quanto se pode tirar, ou se está tirando, dessa receita de tabaco.
Na opinião da Sociedade das Nações os tabacos na Áustria rendem tanto como as alfândegas.
Sr. Presidente: não desejaria que a Câmara ficasse pensando que estou de acordo com o Sr. relator e que êste projecto de lei é um preparativo para um contrato futuro. Não pretendo discutir agora, porque entendo não ser ocasião de o discutir, se o regime a seguir a 1926 deve ser ainda o regime de contrato, se a chamada régie, se o regime de liberdade. Não é agora o momento de tratar disso e não me carece ser assunto que se resolva tam de leve como ao parecer n.º 302.
Tenho presente a transcrição dum artigo da lei de 13 de Maio de 1864, pela qual terminou o monopólio dos tabacos, passando-se ao regime de liberdade. Da sua leitura se conclui que &o* estadistas dessa época tam bem parecia libertar os tabaco» do monopólio que não hesitaram em, para isso, fazer garante do empréstimo as receitas alfandegárias.
E quando da lei de 12 de Maio de 1886 passou-se então para a régie. Sendo então Ministro Mariano de Carvalho, foi o Govêrno autorizado a levantar, por meio de obrigações especiais, 7:200 contos para indemnizações e outras despesas. Eram indemnizações para a expropriação das fábricas. O Estado entendeu também não passar ao monopólio, mas ao regime de administração directa, que também é defensável.
Nesta Câmara, quando se tratou do contrato de 1906, houve dois Deputados republicanos que o discutiram: João de Meneses e Afonso Costa. De João de Meneses o seu discurso sôbre os tabacos constituiu a sua estreia parlamentar na sessão de 8 de Outubro, tendo defendido nitidamente o sistema da régie. Na sessão seguinte, que se realizou em 9 de Outubro, o Sr. Afonso Costa fez igual defesa.
Quere dizer: para êsses dois antigos Deputados o regime da régie era melhor do que o regime do monopólio.
Porque se tratava duma administração monárquica, não tinham grande confiança em que êsse regime da régie desse os resultados que poderia e deveria dar, mas êste argumento que aqueles antigos Deputados tinham contra o Govêrno de então esta Câmara é que o não tem contra o Govêrno de agora.
Tudo isto vem para dizer não só que não é agora o momento de discutir qual o regime que nos convém adoptar em 1926, mas também que nem no parecer nem no projecto anexo a êle deve haver qualquer cláusula, qualquer frase ou qualquer palavra que dalgum modo prenda o Estado a esta Companhia ou a qualquer outra, para determinar um regime que êle só deve escolher quando daqui a três anos tiver de discutir a resolução a tomar sôbre o assunto.
Apoiados.
Sr. Presidente: terei de discutir primeiro o parecer e em seguida o projecto. O parecer é falto de fundamento — provar-se há — mas, além disso, não explicando a situação da Companhia, não explicando a situação do pessoal, quer do empregados, quer de operários, diz apenas, quanto ao pessoal, que teve uns determinados aumentos, afirmando até que os respectivos números foram fornecidos pelo próprio pessoal, quando é certo que o Sr. relator deveria ter procurado obter os números oficiais, visto que há um representante do Estado junto da Companhia dos Tabacos.
Apoiados.
Além disso, eu quero referir-me à questão de redacção. Não é indiferente o modo como se redigem projectos de lei ou os respectivos relatórios, porque, quando há uma dúvida de interpretação sôbre qualquer frase duma lei, é ao seu relatório que se poderá ir buscar o seu bom sentido.
Ora, Sr. Presidente, o parecer que se discute foi feito muito descuidadamente, ou, como dizem os franceses, sôbre o joelho.
Não quero ser professor de lógica ou de gramática, mas parece-me que nem a lógica nem a gramática tiveram qualquer cousa que ver no parecer. A redacção tem parte em que é infantil, não representando a obra duma pessoa que não sabe redigir mas a duma pessoa que não tem cuidado na sua redacção, e é isso o que não se pode perdoar ao Sr. relator. Eu darei alguns exemplos, porque não

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quero que me acusem de estar a gastar tempo não sendo realmente com motivos fundamentados.
Uma cousa que salta logo aos olhos e falar em sub-encargos.
Eu não tenho, nem por sombras me passa pela idea, a convicção de que o ilustre relator da proposta não tivesse consultado o decreto n.º 9:418; êsse decreto fala constantemente em sub-encargos, mas sob é por cima e sub é por baixo.
«jQue idea se pode fazer duma lei que fala em sub-encargos? Sub-encargos é uma cousa muito séria que está expressa no célebre decreto com fôrça de lei do ano de 1918, que é já por si um decreto desgraçado.,
O Sr. Almeida Ribeiro: — Mas o parecer cita o decreto.
— O Orador: — Cita, mas os sub-encargos é que é o pior.
Peço aos ilustres membros desta Câmara que me expliquem o que quere dizer «— o pessoal verificou a sua acção de insubsistência», a, o próprio pessoal a verificar que não existe.
E o que quererá dizer «manter os accionistas em boa linha»?
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — É a bixa. (Risos).
O Orador: — Não sei realmente o que se quere dizer com estas palavras: «estarem muito aquém da hora que passa».
Note-se se não é realmente falta de cuidado, se não é um diploma que não devia sair da comissão de finanças, quando se diz que uma Companhia pode fazer o que entender, o que é já tudo, e ainda pode aumentar o preço do tabaco.
Isto não só não é próprio para ficar na colecção de legislação, como ainda pode dar lugar a muita controvérsia.
Da leitura do parecer resulta ainda uma contradição, porquanto por um lado a Companhia tem fartos lucros e por outro lado diz que perdeu.
Diz-se que a Companhia está em boas condições numas linhas do relatório e em outras, que está em más condições.
Êste parecer é uma autorização para o Govêrno fazer um contrato bilateral, desde o momento que o Govêrno diz que a Companhia está em boas e más condições.
Isto é, depois de realizadas estas alterações, o consumo deve subir; mas mais adiante o ilustre relator chama vício a esta cousa de a gente fumar, e logo, se aumenta o consumo, aumenta o vício.
O que tenho dito serve para justificar os termos da minha moção que termina pela nota que o assunto deve ser entregue à comissão de finanças, para rever o projecto e até mesmo os termos do próprio parecer.
A hora está adiantada e eu não posso entrar na matéria do parecer e apenas me vou referir a uma questão a propósito do vício.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª pode ficar com a palavra reservada para amanhã.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes de se encerrar a sessão.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: estava inscrito para antes da ordem do dia, posteriormente ao Sr. Lino Neto, a fim de me ocupar justamente do que se passa relativamente ao recenseamento eleitoral, ou seja do procedimento de alguns regedores do país e especialmente de Lisboa, entre os quais os da freguesia de Camões e de S. Sebastião da Pedreira, que lançaram de chapa êste despacho nos requerimentos de muitos indivíduos que requereram para ser recenseados.
Leu.
Esta linguagem é empregada pelos dois regedores precisamente nos mesmos termos.
Trata-se de indivíduos que residem há muitos anos no local que indicaram nos requerimentos.
Isto passou-se até com o Sr. Rangel de Lima, chefe da redacção do Diário de Notícias, pessoa de toda a respeitabilidade, e que reside na Rua do Século, há oito anos ou mais.

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E necessário que o Govêrno tome as providências necessárias não só quanto aos casos apontados, mas ainda prorrogando o prazo dos recenseamentos.
Outro assunto para que chamo a atenção de V. Ex.ª, é o famoso decreto publicado no Diário do Govêrno do dia 7 do corrente.
O que nêle se lê, é fantástico!
Isto é fantástico!
Quem queira a simples certidão do rendimento colectável de um prédio, tem de mandar requerimento ao Sr. Ministro das Finanças, para S. Ex.ª autorizar que se passe!
E preciso que o Sr. Ministro publique uma portaria ou decreto, que altere semelhante disposição.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações apresentadas pelo ilustre Deputado, Sr. Cancela de Abreu, e na parte que diz respeito às reclamações que têm sido feitas relativamente ao recenseamento eleitoral, ou devo dizer que se bem que o assunto já hoje aqui fôsse ventilado e para o qual fôsse chamada a atenção do meu colega da pasta da Justiça, eu hoje mesmo tenciono dar conhecimento das reclamações apresentadas ao Sr. Ministro do Interior, podendo V. Ex.ª estar certo que serão tomadas as providências que V. Ex.ª deseja, tanto mais quanto é certo que todos os membros do Govêrno são de opinião unânime de que o assunto seja tratado com a seriedade que êle requere.
Quanto ao outro assunto a que V. Ex.ª se referiu, eu devo dizer que já tinha conhecimento dêle, podendo-se o mesmo atribuir a uma falta de um funcionário, o que aliás não é muito para admirar, atento o muito serviço que sempre há no Ministério das Finanças.
Devo dizer a V. Ex.ª que já tomei as providências que o caso requere, e tanto assim que, segundo uma ordem que dei no meu Ministério, já foram distribuídas umas circulares neste sentido.
O que eu estou vendo, mesmo pelas declarações que V. Ex.ª apresentou à Câmara, é que essas circulares não deram o resultado que eu esperava e que era para desejar, e assim pode V. Ex.ª estar certo que vou dar ordem para que seja publicada no Diário do Govêrno uma portaria esclarecendo, como é de todo o interêsse, as disposições dêsse decreto a que V. Ex.ª se referiu, pois a verdade é que, não sendo assim, poder-se hão dar graves inconvenientes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer apenas dois pedidos ao Sr. Ministro das Finanças.
Desejava que V. Ex.ª me explicasse qual o motivo por que tendo o Banco de Portugal publicado no seu relatório uma convenção entre êle e o Govêrno, datada de 29 de Dezembro do ano passado, êsse documento não foi publicado no Diário do Govêrno.
Não vejo inconveniente em que êle seja publicado no Diário do Govêrno, tanto mais quanto é certo, repito, que êle já foi publicado no Relatório do Banco de Portugal.
Desejava igualmente que V. Ex.ª me dissesse o que há relativamente à lei sôbre a contribuïção pessoal de rendimento, isto é, se ela já está em vigor ou não.
O imposto pessoal de rendimento assenta por esta lei, sôbre a declaração do contribuinte.
O contribuinte é obrigado a fazer a declaração no primeiro ano da vigência da lei.
Eu desejo que o Sr. Ministro das Finanças declare se entende que essa declaração é já obrigatória, embora não tenha' sido ainda publicado o respectivo regulamento.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Quanto à publicação a que S. Ex.ª se referiu, da convenção feita entre o Govêrno e o Banco de Portugal, cumpre-me dizer que ela não foi feita no Diário do Govêrno, porque foi sempre hábito deixar ficar as convenções na correspondência.
Não há dúvida nenhuma em publicá-la, tanto assim que ela vem no Relatório do Banco.
Atendendo porém aos desejos de S. Ex.ª vou dar ordem para que no Diário do Govêrno ela seja publicada.
Quanto à declaração para o imposto pessoal do rendimento, cumpre-me dizer

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Sessão de 27 de Fevereiro de 1923
que êsse imposto ainda não está em vigor.
Dentro em breve será publicado o regulamento, e só então se dará execução à lei, como tem acontecido com as outras leis tributárias.
Os contribuintes não são obrigados a fazer quaisquer declarações sôbre tal imposto, sem que haja sido publicado o regulamento, para então saberem o que têm a fazer.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A sessão é amanhã à hora regimental.
A ordem do dia é a seguinte:
Antes da ordem do dia:
A de hoje, menos o n.º 225.
Ordem do dia (1.ª parte): A de hoje.
(2.ª parte):
A de hoje e o n.º 225.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de instrução superior, sôbre o n.º 423-C, que permite que os alunos matriculados condicionalmente em qualquer curso superior, em designadas condições, façam exames finais. Para a comissão de finanças.
Projectos de lei Do Sr. Tôrres Garcia, criando um curso superior de agricultura na Universidade Coimbra.
Aprovada a urgência. Para a comissão de instrução especial e técnica.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. João Luís Ricardo, Almeida Ribeiro, Nunes Loureiro e Portugal Durão, declarando extensivos aos pensionistas civis e militares das revoluções de 5 de Outubro de 1910 e 14 de Maio de 1915 os benefícios da lei n.º 1:355.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me sejam fornecidas com urgência, do processo judiciário em que é queixoso o contador da comarca de Oliveira de Azeméis e argüido o oficial de diligências da mesma comarca, Manuel Soares de Pinho Júnior, as seguintes cópias de teor:
a) Da resposta do oficial;
b) Da informação do juiz de direito da comarca de Oliveira de Azeméis;
e) Da informação do delegado da mesma comarca;
d) Da resposta do Ministério Público, junto do Conselho Judiciário. — Angelo Sampaio Maia.
Expeça-se.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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