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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 46
EM 8 DE MARÇO DE 1923
Presidente o Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 39 Srs. Deputados, é lida a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Álvaro de Castro, antes de realizar a sua interpelação ao Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar), sôbre a província de Moçambique e o «modus vivendi» com a União Sul-Africana, dirige algumas preguntas ao mesmo Sr. Ministro, que lhe responde.
O Sr. Presidente interrompe a discussão para aludir a um incidente ocorrido nos Passos Perdidos e comunicar as providências que tonou. Aos protestos do Sr. Presidente associaram-se os Srs. António Correia, Francisco Cruz, Paulo Cancela de Abreu, Carlos Pereira e Dinis da Fonseca.
O Sr. Álvaro de Castro realiza a sua interpelação.
O Sr. Moura Pinto requere a generalidade do debate. Aprovado.
O Sr. Presidente comunica a notícia do falecimento do presidente da União Interparlamentar de Génebra e propõe um voto de sentimento, que é aprovado.
Generaliza-se o debate sôbre a questão de Moçambique e usam da palavra os Srs. Aires de Ornelas, Portugal Durão, Brito Camacho e Paiva Gomes, que fica com ela reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se de factos relacionados com o pôrto de Lisboa, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Queiroz Vaz Guedes).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes 39 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Resende. António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Viriato Gomes da Fonseca.

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Diário da Câmara dos Deputados.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António de Mendonça.
António Paiva Gomes.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.

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José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Leu-se na Mesa o seguinte
Expediente
Telegramas
Dos funcionários públicos de Faro, pedindo o cumprimento das leis n.ºs 1:355 e 1:356.
Para a Secretaria.
Do Centro Comercial do Pôrto e da Associação Comercial do Pôrto, pedindo a discussão do parecera n.º 409.
Para a Secretaria.
Dos funcionários europeus de S. Vicente de Cabo Verde, protestando contra a redução a metade da subvenção colonial.
Para a Secretaria.
Ofício
Do Ministério do Trabalho, enviando os orçamentos dos Hospitais da Universidade de Coimbra para 1923-1924.
Para a comissão do Orçamento.
Representação
Do chefe, contínuos e serventes do Instituto Superior do Comércio de Lisboa, pedindo a equiparação de vencimentos aos do pessoal do Ministério do Comércio.
Para a comissão de finanças.
Requerimento
Dum ex-major de infantaria, pedindo que seja dado seguimento a um requerimento entregue em Maio último, para a sua reintegração no exército.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai realizar-se a interpelação do Sr. Álvaro do Castro ao Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: inicio as minhas considerações agradecendo ao Sr. Ministro das Colónias a rapidez com que se deu por habilitado a responder à minha interpelação.
Sr. Presidente: como Deputado por Moçambique, vejo-me forçado a tratar do que se diz negociado, um modus vivendi, entre o Govêrno da União Sul Africana e a província de Moçambique, em virtude de um telegrama publicado na imprensa diária, em que se dizia que o modus vivendi negociado tinha por fim manter a primeira parte da convenção, caducando as duas restantes.
Ao mesmo tempo que recebia daquela província telegramas chamando a minha atenção para um facto tam grave, outras informações obtive, como a de o Conselho Legislativo da província não ter sido ouvido para as negociações do modus vivendi.
Há naquela província duas correntes: uma inteiramente desfavorável às negociações do uma nova convenção, outra favorável a essas negociações.
Estas duas correntes representam interêsses especiais, ligados principalmente com o comércio interno da província de Moçambique.

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Mas, quaisquer que sejam as circunstâncias em que o Govêrno tivesse de negociar essa convenção, é de estranhar que o Sr. Ministro das Colónias — a quem aliás tributo a minha consideração — não tenha vindo ao Parlamento, há mais tempo, explicar ao País as condições em que foi negociado o modus vivendi.
É estranho que interêsses tam altos, e cuja magnitude todos nós conhecemos, cheguem ao Parlamento Português, por via das declarações do general Smuts, no Parlamento do Cabo, e seja necessário recorrer a informações estranhas para estarmos ao facto do que se passa na África do Sul com relação a Moçambique.
As minhas considerações, antes das palavras do Sr. Ministro das Colónias, não podem ser muito extensas, porque elas dependem do que o Sr. Ministro responder às preguntas que lhe vou formular.
Rotas as negociações para uma nova convenção, lei devido, creio, a instâncias do Govêrno Português que elas se reataram, desconhecendo eu as bases em que elas assentaram.
Sr. Presidente: desejava que o Sr. Ministro das Colónias me informasse:
1.º Se efectivamente foi negociado é está fechado um modus vivendi, nos termos expostos no telegrama publicado, isto é, se o modus vivendi negociado mantém a primeira parte da convenção, caducando as duas restantes;
2.º Se o Govêrno Português deseja negociar uma nova convenção;
3.º Se, negociando ou tentando negociar essa nova convenção, ela se fará só em referência ao território do Transvaal ou se se estenderá a todos os territórios da União Sul Africana.
Depois da resposta do Sr. Ministro das Colónias, eu farei as considerações que entender convenientes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado interpelante disse estranhar que só se tivesse conhecimento pelos jornais do que se passava relativamente às negociações com a União Sul-Africana.
Ora eu vou explicar claramente a situação, para que a Câmara pondere.
Interrompidas as negociações, porque havia a exigência de predomínio na nossa administração, esperou-se que com o tempo isso desaparecesse, e fizemos ver à União que essa exigência não podia ser aceita, porque ia brigar com a concepção que temos do que seja a soberania nacional.
Quando se renovaram as negociações para a nova convenção, não se julgou oportuno fazer qualquer acôrdo com a Câmara de Minas.
A Câmara de Minas, vendo que estava quási a expirar o prazo da convenção, e que não havia nada estabelecido ainda sôbre êste ponto, e ainda que, provavelmente, nada se resolveria do modo a que, quando expirasse a convenção actual, se seguisse imediatamente uma nova convenção, apresentava à consideração do Govêrno de Moçambique uma situação que era para êle embaraçosa, de que de repente não poderia contar com o fornecimento de mão de obra. Tinha sido fornecida, mas numa porcentagem menor do que actualmente, não podendo estar à espera de que durante êste ano os dois Govêrnos tivessem chegado a acôrdo.
Sr. Presidente: devo chamar a atenção da Câmara para êste ponto. Isto interessa sobretudo à União Sul-Africana.
Apoiados.
Mas tenho como bom princípio que, quando se querem manter boas relações com o vizinho, se não devem criar embaraços.
Tenho como boa política que não se deve agir de qualquer maneira que não, seja franca e leal, para tratar-se com os nossos vizinhos.
O levar-se um certo tempo ainda a prolongar como que o statu que ante seria colocar a situação num pé em que poderia dizer-se que estamos a pôr obstáculos ao estudo de boa fé para lazer um novo convénio.
Se por um lado devo dizer que a questão interessa e muito à União Sul-Africana, por outro lado devo dizer que também interessa à província de Moçambique.
Assim o Govêrno de Moçambique, ao ter conhecimento da proposta da Câmara de Minas, como essa proposta não teria valor sob o ponto de vista de manter as boas relações, senão quando o Govêrno

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da União a apoiasse ou tomasse como sua, ia — eu dizendo — o Govêrno de Moçambique comunicou ao Govêrno da União que estaria disposto a aceitar a continuação da parte relativa à mão de obra, desde que de parte da União Sul-Africana se mantivessem também, as mesmas condições estabelecidas anteriormente.
O Govêrno de Moçambique deu a prova mais cabal da sua boa vontade de chegar a um acôrdo amigável com a União Sul-Africana.
Da parte da União, estou convencido, há-de chegar a compreender-se bem o que significa o nosso melindre o nosso sacrifício, a nossa boa vontade de chegar a uma rápida solução.
As negociações não foram cortadas, estão em curso.
Não vem o Govêrno, nem nunca veio, expor à Câmara essas negociações, expor as fases por que vão passando dia a dia as diversas comunicações.
Precisamente quando estava à espera da resolução do Govêrno da União, o Sr. Álvaro de Castro, em virtude das notícias vindas nos jornais, anunciou uma interpelação.
Devo dizer a V. Ex.ª que eu desejava falar nesta Câmara e para isso me dirigi ao Sr. Presidente, mas a sessão ia ser encerrada e eu pedi ao Sr. Presidente para têrça-feira ser marcada a interpelação, o que só se pôde realizar hoje.
V. Ex.ª compreende que neste intervalo não podia vir dar explicações, pois parecia que queria fugir à interpelação.
Agora é ocasião de vir ao Parlamento dizer o que se tem passado.
Não há pressão alguma sôbre o Govêrno Português.
Apoiados.
Eu espero que o Govêrno da União Sul-Africana mantenha as melhores relações.
Devo dizer que o modus vivendi é por sóis meses prorrogáveis.
Estão pendentes negociações para um novo convénio e é, de esperar que depois as relações continuem sempre com o maior respeito.
Eu vou responder às preguntas de V. Ex.ª
O Sr. Álvaro de Castro: — Existe ou não o modus-vivendi?
O Orador: — Há uma variante.
Não há pròpriamente uma proposta do Govêrno Português para estabelecer o modus vivendi.
Houve uma proposta da Câmara de Minas ao Govêrno da província.
Pode ser que o Govêrno esteja disposto a aceitar, mas isto não quero dizer que o Govêrno queira fazer a convenção; tudo depende das negociações.
O que há, simplesmente, são pontos de vista ainda a ponderar e sôbre os quais não se chegou ainda a um acôrdo.
Um dêsses pontos de vista é o que diz respeito ao predomínio que a União quere exercer, mas que o Govêrno não aceita, por isso que pensa de outro modo.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — A terceira pregunta feita pelo ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro é se, caso se faça a nova convenção, ela se estenderá a toda a União.
Devo dizer, Sr. Presidente, que é assim que pensa o Govêrno Português e a União.
Creio ter respondido cabalmente a todas as preguntas feitas pelo ilustre Deputado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Permita-me o ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro que interrompa por alguns momentos a discussão.
Vejo-me obrigado a isso, em virtude dos acontecimentos que se acabaram de dar na Sala dos Passos Perdidos.
Lamento profundamente o sucedido, tanto mais quanto é certo que da agressão foi alvo a pessoa de um Deputado que nesta casa expôs livremente, como quis e entendeu, a sua opinião e o caso é tanto mais para lastimar quanto é certo que entraram, na contenda pessoas alheias ao Congresso da Republica.
O facto merece os meus reparos e lamento profundamente que o Sr. Homem Cristo não esteja presente para lhe manifestar o sentimento de toda a Câmara.
Em face do que acabo de expor à Câmara, vi-me na necessidade de tomar medidas enérgicas, como me competia, mandando deter os agressores.

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Dei igualmente ordem para que se proceda a um rigoroso inquérito, a fim de se apurar devidamente como o caso se passou e entregando depois o assunto às autoridades competentes.
Vozes: — Muito bem.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para lavrar o meu protesto contra os factos que se deram na sala dos Passos Perdidos, e que representam um verdadeiro atentado contra a soberania nacional.
Não posso deixar de lamentar profundamente êsses factos, tanto mais quanto é certo que intervieram nele pessoas estranhas a esta casa do Congresso.
Sr. Presidente: é necessário que todos saibam como os factos se passaram.
O Deputado que ontem aqui respondeu ao Sr. Sousa Rosa fê-lo em termos muito correctos, invocando documentos oficiais, e procedendo dentro das garantias concedidas pela Constituïção. Assim não se compreende que um oficial do exército o esperasse à porta da entrada da sala para o agredir, sem lho pedir explicações e traiçoeiramente.
Devo especialmente lastimar que, tendo entrado no conflito o filho de um Sr. Deputado, êste, quando êle foi preso, se permitiu dizer que o detido estava sob a sua guarda.
Termino, Sr. Presidente, pedindo que as mais severas providências sejam tomadas para que factos desta natureza se não tornem a repetir.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os factos não se passaram bem como V. Ex.ª acaba de relatar. Nenhum Deputado procurou impedir que um dos agressores do Sr. Homem Cristo fôsse preso. Houve, sim, um Sr. Deputado que conduziu a uma das salas do Congresso um dos indigitados agressores, mas simplesmente com o intuito de evitar a continuação do conflicto, dado o estado de exaltação em que essa pessoa se encontrava. Em todo o caso, êsse Sr. Deputado apressou-se a declarar que essa pessoa se considerava sob prisão desde aquele momento.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Era ao assunto de que acaba de se ocupar o meu ilustre colega Sr. António Correia que ou desejava referir-me. Como, porém, S. Ex.ª já dêle tratou, e brilhantemente, eu limito-me a acompanhá-lo no seu veemente e justo protesto.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Pedi á palavra para declarar que êste lado da Câmara, a cujas fileiras não pertencem, os dois Deputados em questão, faz votos por que o incidente de hoje se não repita (Apoiados), uma vez que acima de tudo colocamos o bom nome do País e o prestígio do Parlamento.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara assistiu com verdadeira mágoa ao conflito que acaba de se desenrolar. E porque êsse lamentável incidente pertence já ao domínio da polícia, eu limito-me, em nome da maioria desta Câmara, a associar-me aos protestos já formulados contra a coacção infame que se pretende exercer sôbre os representantes da Nação.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Em nome da minoria católica associo-me às palavras de protesto que têm sido pronunciadas nesta Câmara a propósito do lamentável incidente de há pouco.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: ouvi com muita atenção as declarações do Sr. Ministro das Colónias.
Infelizmente, em vez de me tranquilizarem è tranquilizarem a Câmara, essas declarações deixaram ainda o meu espírito mais alarmado do que já estava.
O Sr. Ministro das Colónias descreveu as circunstâncias especiais em que se deu

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o rompimento das negociações com a União, circunstâncias que aliás já eram do domínio de toda a Câmara, onde o assunto fôra largamente ventilado.
Afirmou o Sr. Ministro das Colónias que durante o período em que se conservaram interrompidas as negociações se elaborou a proposta para o recrutamento da mão de obra, ao abrigo das disposições da primeira parte da Convenção. Essa proposta não foi aceite por S. Ex.ª Nestas, condições pode dizer-se que o Govêrno Português fez uma proposta ao Govêrno da União no sentido da conservação da primeira parte da Convenção referente ao recrutamento da mão de obra.
É indiscutível que as vantagens maiores pertencem à União. Sem dúvida êsse recrutamento traz, também, vantagens para a província de Moçambique, vantagens directas e indirectas; a verdade, porém, é que essas vantagens são muito maiores para a União.
Apoiados.
Nós temos, evidentemente, a maior conveniência em continuar as boas relações que inalteràvelmente temos mantido com a União; mas essas boas relações não podem ir até o ponto de largarmos de mão o valor máximo das negociações futuras.
Não está negociado o modus vivendi, mas está proposto em Condições de manifesta inferioridade para nós. Afirma o Sr. Ministro das Colónias que êsse modus vivendi é validado por seis meses prorrogáveis, podendo terminar pela renúncia e qualquer das partes, terminando seis meses depois dessa renúncia. Se o modus vivendi entrar em vigor mantendo ùnicamente a primeira parte da Convenção, seis meses serão suficientes ao primeiro Ministro da União para criar uma situação de tal modo grave à província de Moçambique que ela jamais poderá obter condições vantajosas.
É para estranhar que os homens públicos do meu País não tivessem compreendido que no modus vivendi se deviam acautelar todos os interêsses.
Eu tenho o direito de preguntar ao Sr. Ministro das Colónias quais são as garantias oferecidas a Moçambique.
Há largos anos que se vai fazendo o recrutamento da mão de obra em Moçambique para as minas do Rand, à sombra da convenção de 1909; a êste recrutamento corresponde um certo número de vantagens, mas o que é certo é que elas não correspondem de facto àquelas que nós concedemos.
Algumas dessas vantagens, como, por exemplo, o intercâmbio, está nas mãos do primeiro Ministro da União reduzidas.
Eu gostava que o Sr. Ministro das Colónias nos dissesse o que pensa acêrca dêste assunto.
Depois da guerra anglo-boer fez-se um convénio, e foi dele que se partiu para a convenção de 1909, e depois o outro convénio, que não pode merecer a confiança nem do Parlamento nem da nação.
É necessário que nos novos contratos fique expresso que nenhuma das vantagens das duas partes fique apenas uma do pé.
Vou mandar para a Mesa uma moção que não representa uma nota de desconfiança para o Sr. Ministro das Colónias, pois não foi minha intenção fazer uma interpelação com intuitos políticos, mas para esclarecer o assunto e para que a Câmara se pudesse pronunciar, dando ao Sr. Ministro os elementos pelos quais êle se pudesse pronunciar.
Para finalizar, farei notar ao Sr. Ministro das Colónias que, embora seja praxe não darem os Govêrnos conhecimento, à Câmara, no decurso de quaisquer negociações, do que se passa nos bastidores diplomáticos, neste caso poderia ser afastada essa praxe, visto que o Parlamento tem conhecimento do que se tem passado pelas declarações feitas pelo primeiro ministro da União Sul-Africana.
Será até estranhável que, dada esta circunstância, o Sr. Ministro das Colónias não venha aqui tratar do assunto para se munir do apoio do Parlamento, como tam necessário é num caso dêstes.
Sr. Presidente: os que conhecem a política sul-africana sabem que muitos assuntos tratados entre o Govêrno Português e o da União Sul-Africana não têm tido execução por motivo de o Parlamento da União se opor à sua prática. E que naquele país, que não é República, os Ministros têm o hábito de dar constantemente ao Parlamento conhecimento das negociações que interessam à União.

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Bem prova isto o respeito que há ali pelo Parlamento, cuja opinião é ainda hoje, e será sempre, a maior fôrça com que os Govêrnos se poderão munir para as negociações internacionais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e admitida a moção apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro.
É do teor seguinte:
Ouvidas as explicações do Sr. Ministro das Colónias, a Câmara salienta a necessidade de que no modus vivendi em negociação fique expresso que por parte dos dois Govêrnos, durante a vigência do referido modus vivendi, não será alterada a execução dada até agora às disposições das 2.ª e 3.ª partes da Convenção denunciada. — Álvaro de Castro.
O Sr. Moura Pinto: — Requeiro a generalização do debate.
Consultada a Câmara, foi aprovado.
O Sr. Presidente: Está em discussão a acta.
Foi aprovada.
O Sr. Presidente: — A Mesa recebeu um ofício da União Interparlamentar de Genebra, comunicando que faleceu o presidente de honra da mesma União Interparlamentar, lord Weardale, e eu proponho que se lance na acta um voto de sentimento, dando-se conhecimento dele à União Interparlamentar de Genebra.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Presidente: — Em virtude da manifestação da Câmara, considero aprovada a minha proposta.
Pausa.
Está aberta a inscrição sôbre a interpelação do Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Aires de Ornelas: — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Aires de Ornelas.
O Sr. Aires de Ornelas: — Sr. Presidente: a questão levantada em volta da interpelação feita pelo Sr. Álvaro de Castro ao Sr. Ministro das Colónias é, a meu ver, uma das mais importantes que interessam hoje o país.
O Sr. Ministro das Colónias tem por costume apresentar as suas considerações à Câmara sôbre os assuntos que correm pela sua pasta duma maneira tranquilizadora, de moldo a dissipar as apreensões suscitadas nesta casa do Parlamento. Desta vez, porém, não usou de igual processo, e, assim, as dúvidas que o assunto nos sugero não foram absolutamente dissipadas.
A moção apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro justifica as apreensões que todos aqueles que conhecem a política do sul africano têm nesta hora sôbre os interêsses da nossa província de Moçambique.
Sr. Presidente: a questão das relações entro a província de Moçambique e a União Sul-Africana podem ser encaradas sob duas maneiras.
A respeito duma delas já o Sr. Ministro expôs a verdadeira doutrina: temos obrigação do não criar dificuldades ao desenvolvimento do interland.
Todos nós estamos de acôrdo nesse ponto. Devemos, com efeito, contribuir para o desenvolvimento do interland. Para isso importa que mantenhamos as mais amistosas relações com a União. Não obstante ser acoimado de anglófilo, não hesito em fazer uma tal afirmação, porque a única cousa que me preocupa é a idea de bem servir a minha Pátria. Em duas ou três negociações feitas com o antigo govêrno de Pretória, em que eu intervim, sucedeu ter vencido o ponto de vista defendido pelo meu país. Isto coloca-me à vontade para falar das nossas relações com a União, desejando-as tam amistosas quanto assim convenha aos nossos interêsses. Para, que elas se mantivessem amistosas havia-se negociado um convénio, pelo qual se concediam certas cousas em troca doutras que recebíamos.
Eu concordo com essa parte da moção apresentada pelo Sr. Álvaro do Castro.
As bases terminam em 31 de Março, à meia noite, e ficam as tarifas dos caminhos de ferro sem obrigação alguma.
É certo que não há razão para arcarmos com á má vontade da União; mas ainda há dias um jornal de Lourenço Marques dizia que estava feita a instalação

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de carvão no pôrto e que ficaria a melhor da África Austral; no emtanto, passados dias, o Times publicava a notícia de que se encontrava constituída uma companhia para construir e ligar o pôrto de Losibay com a Suazilândia.
Eu não sei qual é o traçado da linha, mas compreende-se bem qual seja.
O mesmo jornal traz uma declaração do general Smuts, em que fala da necessidade da convenção comercial.
Sr. Presidente: se isto está dentro da ordem de ideas que defende o primeiro Ministro da União, o que se diz no jornal é muito pouco animador.
Eu não quero ser acusado de levantar dificuldades, todavia chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias sôbre esto ponto.
Não alongarei muito as minhas considerações, mas direi que acho altamente perigoso a separação das cláusulas e que acho prejudicial para os interêsses coloniais ligarem-se os campos de carvão.
Também desejava saber se há qualquer propósito, preparação ou estudo acêrca do futuro regime comercial na província de Moçambique.
Eram êstes pontos que eu desejaria ver esclarecidos.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: esta questão sul-africana não é apenas de interêsse local, é, pode bem dizer-se, uma questão nacional.
Nós, em política colonial, em Moçambique, temos tido como preocupação máxima, servir os vizinhos.
É tempo de pensarmos em nós; e da forma como resolvermos a presente questão depende talvez o futuro das nossas colónias africanas.
É sem duvida obrigação nossa não criar dificuldades às colónias vizinhas (Apoiados), mas isso não quere dizer que só atendamos aos interêsses dos vizinhos.
Passei em Moçambique trinta anos de vida; não sou um colonial, julgo-me no direito de me chamar um colono; Moçambique interessa-me como uma segunda pátria.
Ouvi há dias dizer que íamos negociar um acôrdo com a Câmara de Minas do; Transvaal, o confesso que fiquei assombrado, com a Câmara de Minas e não com o Govêrno do Transvaal Porquê? Mas vejamos sucintamente o que é a história das Minas do Transvaal.
Antes de 1882, o Transvaal era pràticamente desconhecido, e foi então com a descoberta do Rand e a instalação da primeira bataria que o Transvaal começou a existir para o mundo.
Em 1885 o ouro produzido pelo Transvaal não vai além de 6:010 libras, em 1920 excede 44. 000:000 de libras.
Desde a descoberta do Rand até hoje o Transvaal já expôrtou ouro em valor superior a 700 milhões de libras, pois para avaliar da importância do concurso que Moçambique lhe tem dado, podemos dizer que mais de 350 milhões de libras foram produzidos pela mão de obra portuguesa.
E emquanto o nosso trabalhador ia enriquecer o Transvaal, território estrangeiro, Moçambique definhava, S. Tomé lutava com enormes dificuldades de mão de obra.
E sôbre êste sacrifício enorme que se baseia a prosperidade do Transvaal.
Se amanhã cessar a emigração dos nossos indígenas para o Transvaal, mais de metade das minas terá de fechar.
Os trabalhadores que lá ficassem mal Legariam para livrar as minas das inundações; e essas minas produzem mais de 40 milhões de libras por ano.
Diz-se que a África do Sul tem a mão de obra suficiente; mas aonde, no Transvaal?
Ora vejamos: só quem não conhece absolutamente nada do que é o trabalho indígena poderá admitir a hipótese de que na África do Sul se vão recrutar os 80:000 a 90:000 trabalhadores que seriam necessários para substituir os portugueses.
Comédia, Sr. Presidente, como comédia foi a limitação dos emigrantes portugueses a 350, a admitir por semana.
No momento presente, há de facto da União uma maior oferta de mão do obra, mas para isso há três razões:
1.ª O estar suspensa a laboração das minas de diamantes;
2.ª O estar muito reduzida a exportação, do carvão, e consequentemente a exploração das minas;
3.ª A falta de mantimentos em toda a

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parte, devido, ao mau ano agrícola, o que obriga o indígena a procurar trabalho.
Mas isto são causas acidentais, que amanha desaparecerão.
Para sabermos precisamente qual a mão de obra com que na União o Transvaal pode contar, basta deitar uma vista de olhos para o passado.
Eu tenho aqui uma comparação interessante e por ela vejo que em relação aos anos de 1911 e 1920, num total de 206:563 e 190:652 indígenas respectivamente empregados, provinham em 1911 do Cabo, Zululândia, Transvaal e Orange 94:528, número que em 1920 desce para 73:589, quere dizer, deminui de 21:000, eis os progressos que fez o recrutamento nestas regiões: 21:000 trabalhadores a menos!
Mas há mais: a Basutolândia. Bechuanalândia, Niassa, Rodésia e Suazilândia, que em 1911 fornecem 17:707 trabalhadores, apenas conseguem aumentar de 2:300 o número total fornecido em 1920, que é de 20:203.
Todos os outros territórios fornecem, em 1911, 376 indígenas e em 1920, 25!
Agora Moçambique, que em 1911 forneceu 93:952, em 1920, fornece 96:835.
Isto sim, isto quere dizer alguma cousa, Sr. Presidente: do total da mão de obra indígena empregada no Transvaal, a parte que pertence a Moçambique varia entre 40 e 50 por cento.
E o general Smuts diz que pode dispensar a nossa mão de obra!
Nós estamos perante o Transvaal numa posição formidável; se a emigração do nosso trabalhador cessasse, muitas das fortunas que lá se fizeram ficariam amanha fortemente abaladas.
Nós temos na mão o instrumento indispensável à exploração das minais do Transvaal, e essa exploração tem uma importância mundial.
Como é pois que aparecemos a tratar com a Câmara de Minas?
É necessário que nós conservemos sempre aquela atitude erecta que temos sabido manter através da nossa história.
Não é com a Câmara de Minas que temos a tratar, é necessário que seja o Govêrno do Transvaal que nos procure e que nos peça aquela colaboração que aliás nós sempre generosamente temos dado aos nossos vizinhos.
Mas nós não podemos ter pressa.
Nós dissemos ao Govêrno da União que sendo hoje as circunstâncias muito diferentes de 1909, a convenção tinha de ser revista, e o Govêrno da União respondeu-nos com a denúncia da convenção.
Foi de nossa iniciativa o primeiro passo.
E achei bem que êle se dêsse, pois concluí que finalmente íamos tratar de desenvolver os distritos do sul; mas agora, ao ver a pressa em negociar um modus vivendi só relativo à mão de obra, eu fico assombrado.
Porque é então que preparamos a denúncia da convenção?
Até hoje, apesar das lúcidas e brilhantes conferências que o Sr. Brito Camacho, tem dado à imprensa, eu ainda não descobri qual foi o motivo real do passo dado.
Pois, se não estávamos preparados, se não vamos realizar vastas obras de fomento; se não tínhamos os capitais indispensáveis, se não tínhamos pensado no destino a dar aos 80:000 trabalhadores, eventualmente desempregados, porque denunciamos a convenção, para só agora reconhecer que a província não pode viver sem ela?
Certamente o Sr. Brito Camacho ou o Sr. Ministro das Colónias vão dar à Câmara a explicação dos motivos que originaram a sua resolução.
Sr. Presidente: vejamos a situação: reconheceu-se agora que é absolutamente indispensável que êsses 80:000 trabalhadores continuem a ir para o Transvaal e, em vista disso, vamos fazer um modus vivendi pelo qual entregamos ao Transvaal êsses 80:000 colonos, sem compensação de espécie alguma para continuarmos no sul da província naquela situação em que sempre temos estado, não fazendo agricultura porque não temos mão de obra que vai para o Transvaal, e não podendo empregar a mão de obra que o Transvaal pode não querer porque não temos agricultura. E não podemos dispensar o Transvaal porque, se o fizermos, as receitas da província sofrerão um corte colossal, receitas que, afinal, são empregadas em benefício quási exclusivo do Transvaal.
E estamos nisto, e disto não saímos apesar de tanta inteligência empenhada em resolver o problema.

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Quando eu vi o Sr. Brito Camacho dar o primeiro passo para a denúncia da convenção, convenci-me que S. Ex.ª tinha, emfim, achado a fórmula adequada ao sul da província, e que lhe ia dar aquele impulso que carece, mas agora reconhece-se que a emigração nos é essencial, e eu fico sem saber qual a idea a que obedeceu a denúncia da convenção.
Eu sei que o orçamento da província prevê receitas na importância de 16:300 contos, notando-se que nesta verba está incluída, ao par, a receita de £ 1. 590:000, ou seja ao câmbio actual 159:000 contos. Eu sei que desta receita ouro, um milhão de libras provém das nossas relações com o Transvaal e que, se a emigração cessar, esta receita seria sensivelmente afectada.
Mas a suspensão da emigração não implica que aquelas receitas cessem por completo desde logo; o indígena continuará ainda, durante algum tempo, a ter dinheiro para pagar o seu mussoco, e o pôrto e caminho de ferro de Lourenço Marques não podem ser abandonados pelo Transvaal dum dia para o outro. Entretanto nós faríamos todas as economias que fôsse possível, e muita cousa se pode fazer.
Não há, pois, nenhuma necessidade imperiosa que nos obrigue a abandonar a situação em que nos colocou o acto do Sr. Brito Camacho, antes me parece que estamos em condições de poder obrigar o Transvaal a oferecer-nos vantagens para que êle, com a nossa não de obra, possa continuar a sua exploração mineira.
Devíamos sujeitar a União a uma experiência de quatro ou cinco meses sem trabalhadores portugueses.
Qual seria o resultado?
Ficaríamos com 30:000 indígenas desempregados?
Mas a Inglaterra sustenta hoje 1. 500:000 desempregados, e o desemprêgo do indígena em África não tem consequências comparáveis ao desemprego na Europa.
O Sr. Brito Camacho, ao sair da província, disse que a colónia estava em condições de viver financeiramente autónoma; pois bem, afirmemos pelos factos a nossa intenção de manter essa autonomia financeira.
E eu não duvido que a grande potência colonial que nós somos, hesite amanhã em fazer os necessários sacrifícios para manter a colónia!
Apoiados.
Aos embaraços financeiros que, porventura, a União nos levante, é necessário responder com a demonstração de que somos capazes de nos bastar.
Eu entendo que devemos tratar com o Transvaal animados do espírito da mais leal colaboração, de maneira que cada um continue a mandar em sua casa, sem mistura, mas de maneira ainda que recebamos condigna recompensação por aquilo que dermos.
Nós gastámos no pôrto e caminho de ferro, que pràticamente só aproveita a União, cêrca de 6 milhões de libras, damos-lhe a mão de obra essencial à laboração das suas minas, e em troca não podemos ficar apenas com a vantagem de transportar o seu carvão a preços reduzidos, ou ainda menos do que isso.
É preciso fixar, duma vez para sempre, a nossa posição perante a União; sabendo o que damos, é necessário pesar bem o que recebemos. Mas dar à União a mão de obra, durante seis meses, a troco de cousa alguma, isso é que não, porque durante êsses meses a União continuará com a normal exploração das suas minas, sem sofrer o mais pequeno prejuízo, e poderá preparar a nossa asfixia financeira.
Precisamos do Transvaal, como o Transvaal precisa de nós, mas devemos colaborar e não apenas ceder. Essa colaboração será útil aos dois países. A moção que vou mandar para a Mesa limita-se a exprimir o desejo dessa colaboração.
Foi lida e admitida.
É do teor seguinte:
A Câmara, reconhecendo as vantagens que para a civilização africana e para os dois países devem resultar da leal colaboração entre Portugal e a União Sul-Africana, passa à ordem do dia. 8 de Março de 1923. — Portugal Durão.
O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente: antes de mais nada devo declarar que a responsabilidade das negociações para um convénio relativamente ao fornecimento de mão de obra no Rand são inteiramente minhas, e não digo exclusivamente minhas, porque o Sr. Ministro das Coló-

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mas com uma nobreza muito rara já reivindicou para si e para o Govêrno uma parte dessa responsabilidade.
Não consegui ouvir dos Govêrnos de então, porque muitos foram os que se sucederam, quais eram as suas ideas, os seus pontos de vista sôbre actos de administração e sobretudo sôbre as nossas relações com o Transvaal.
Sabia que em 1920 tinha sido nomeada uma comissão para dar parecer sôbre o futuro convénio ou para dar parecer sôbre as vantagens ou desvantagens que podia haver em denunciar o convénio em vigor, quere dizer que na preocuparão do Govêrno de então entrou e muito legitimamente êste facto: a denúncia da convenção.
Entrando no exercício das minhas funções de procurador da província, o meu maior cuidado, a minha mais alta preocupação foi verificar se o propósito em que estava seria ou não de proceder, e, Sr. Presidente, por tudo quanto observei há província, por todas as informações que colhi de velhos e autorizados colonos, pelo conhecimento mais íntimo que tomei com a vida da África do Sul, eu assentei, como tinha assentado aqui, em que devia denunciar a convenção, e então fiz, como há pouco expliquei em àparte ao Sr. Portugal Durão, uma comunicação a S. Alteza o governador da União Sul Africana dizendo que, sendo hoje as condições da União e da província, sob todos os pontos de vista, bem diversas do que eram em 1909, o governador da província entendia que havia lugar para rever êsse diploma, para o modificar, reconduzir ou substituir.
O Govêrno dá União Sul Africana concordou em que efectivamente havia lugar para rever a convenção e o Sr. general Smuts, numa conferência no Cabo, tornou pública a minha comunicação dizendo que estava inteiramente de acôrdo com o governador do Moçambique, sôbre a necessidade de rever a Convenção.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.ª que aquelas duas correntes de opinião que, como já aqui se disso, havia na província de Moçambique, uma para que fôsse denunciada a Convenção, outra para que se mantivesse a Convenção, visando ùnicamente a questão da mão de obra, essas duas correntes do opinião, àparte a respeitabilidade de tantas das pessoas que de uma ou de outra maneira pensavam, eram essencialmente interesseiras.
A maior parte das pessoas que no sul da província me pediam que denunciasse a convenção para não fornecer mão de obra para a União Sul Africana eram pessoas que queriam o trabalho barato, a menos de real, assim como também muitas das pessoas que entendiam que através de tudo e desprezando os mais altos interêsses da província se devia continuar a Convenção, isto é, continuar fornecendo trabalhadores para o Rand, eram pessoas que tinham ali os seus interêsses.
Havia, portanto, que fazer um estudo da Convenção, havia que fazer um estudo das condições actuais da província e da União Sul-Africana, que nem sequer era um facto político a quando da Convenção, e isto é que é indispensável não esquecer.
A Convenção, como V. Ex.ªs sabem, foi feita em 1909 com o Transvaal que era uma república independente e que hoje faz parte da União Sul Africana.
Bastava êste facto político que havia de acarretar, como acarretou, consequências do maior alcance, para se ver que um diploma feito em 1909 não podia subsistir em 1920.
O que era o Transvaal em 1909?
Era uma pequena república vivendo das suas minas, era uma república sem agricultura, sem indústria, importando tudo quanto consumia e sobretudo era uma república do interior sem ter para si uma porta de saída para o mar.
Que admira então, e o contrário é que seria para admirar que o Transvaal tivesse necessidade de fazer com Moçambique uma convenção dando-lhe garantias de ordem comercial e vantagens pelo lado do caminho de ferro e do pôrto?
Facilmente a União Sul-Africana criou um vasto país ao pé da Província, que ficou sempre a mesma, e êsse acto politico teve consequências económicas duma ordem verdadeiramente transcendente. Mas, tinha-se dito na Província, tinha-se dito na metrópole, e vejo que ainda subsiste essa idea, perfeitamente preconcebida, êste opinionismo perfeitamente insustentável de que as minas da União Sul-Africana não poderiam viver sem a mão de obra da Província de Moçambique, e que

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não seria possível à União fazer um caminho de ferro e ter um pôrto na costa da Zululandia.
Esqueceu-se e esquece-se que a União Sul-Africana, sendo pouco mais vasta que a Província de Moçambique, tem uma população que é três vezes a população da Província de Moçambique e não apenas uma população três vezes maior de indigenas mas uma população de 1. 500:000 brancos que hoje lhe dá o aspecto duma civilização em começo.
Com certeza que as pessoas que na Província e na metrópole decretaram que o preto da União Sul-Africana é inábil para o trabalho, e essa habilidade se concentrou, não se sabe bem por que milagre, no preto da Província de Moçambique, com certeza que essas pessoas tiveram a felicidade de encontrar estudos que manusearam e que as levaram a êsse convencimento.
Por mim não conheço cousa alguma que me permita dizer que o preto da União Sul-Africana é inferior ao preto da província de Moçambique, e no emtanto assentou-se que a União Sul-Africana, tendo hoje 9. 000:000 de pretos, nunca poderia dar a massa trabalhadora sem os ir recrutar à Província de Moçambique.
Veja V. Ex.ª como os opinionismos são perigosos, sobretudo quando não há a faculdade de sôbre êles arquitectar raciocínios.
Mau foi que se estabelecesse como uma verdade indiscutível, como uma verdade axiomática, a velha e falsa afirmação de que a União não pode ter um caminho de ferro seu, uma saída para o mar. Porquê, Sr. Presidente?
Ainda que houvesse um fundo de verdade nestas duas afirmações o que convinha que fizesse a política dirigente da Província de Moçambique, a política da metrópole? Era tomá-las como verdadeiras e proceder em conformidade, porque então não teríamos deixado passar nove anos som qualquer procedimento e não teria ficado na miséria económica em que vive o Sul da Província de Moçambique.
Sr. Presidente, assentei eu no meu espírito, talvez sem competência para o fazer, mas fazendo-o com muita honestidade, que a União Sul-Africana poderia vir a dispensar a mão de obra que recrutava na Província, assentei em que êles poderiam dispensar os nossos trabalhadores, o nosso pôrto e caminho de ferro e que no dia em que os dispensassem era a miséria que entrava no Sul da Província, e então fiz aquilo que a Câmara sabe, provoquei a denúncia de Convenção.
Sr. Presidente, aqueles dos ilustres membros da Câmara que se têm dado ao trabalho de ler a Convenção sabem como ela é incorrecta em muitas das suas disposições e como ela é inconveniente hoje para a Província em tantos dos seus artigos. Bastará dizer que nesta Convenção se não estipula bem claramente que o recrutamento se não pode fazer para além do paralelo 22, e que isso é uma estipulação a introduzir indispensàvelmente em qualquer Convenção ou Acôrdo que se faça com o Govêrno da União Sul-Africana. Já se fez o recrutamento de trabalhadores para o norte e já tive ocasião de me referir a êsse facto na primeira vez que tive a honra de falar nesta sessão legislativa. Fez-se até 1913, se bem me recordo, e foi por indicação do Govêrno da União que deixou de se fazer.
Conseguiu-se um remédio eficaz para a Província, pondo-se termo à campanha que se iniciara, cessando o motivo que impedia o recrutamento de trabalhadores.
Êstes factos levam-me a supor que não deveria deixar de acautelar o recrutamento na nova Convenção.
Na Convenção estabelece-se que o indígena, regressando de Rand, entra na Província de Moçambique sem uma revisão alfandegária meramente formal.
Não vale a pena discutir se 60 quilogramas é muito ou pouco, mas o que vale a pena referir é que 60 quilogramas na grande massa de indígenas presta-se a contrabandos que representam um importante prejuízo para nós.
Na Convenção diz-se que o Govêrno da União daria facilidades, mas isto é vago e nada representa para nós; não corresponde a nada.
Já tive ocasião de dizer que para o Rand se fazia uma grande emigração de mulheres, talvez mais de 1:000, o que é uma forma do fixar o indígena na região onde se encontra, pois lhe custaria o incómodo da viagem.
Pois bem, é necessário que êste caso se evite na próxima convenção. É necessário arranjar um trabalho que prenda o

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indígena à província nas épocas do seu regresso; também é um caso que não está na convenção.
Também as contas e encargos precisam ser actualizados, por isso não pode mais ter-se a reciprocidade de 1909.
A reciprocidade comercial em 1909 não está actualizada, porque nesse tempo nem Moçambique nem o Transvaal tinham agricultura, hoje Moçambique continua a não ter vida e o Transvaal tem um desenvolvimento colonial quási incalculável, para tam pequeno período de nove anos de trabalho.
O acôrdo de 1912, como V. Ex.ªs sabem, não chegou a ter execução.
Sr. Presidente: cito êste exemplo para dizer à Câmara que, quando se afirma que a província tem grande necessidade de mão de obra, não é exacto o que se diz embora essa afirmação seja feita com os intuitos mais patrióticos.
Sr. Presidente: a situação actual da província é a mesma que era em 1912.
Falou-se aqui no facto de se fornecer mão de obra para fora, em prejuízo da agricultura e industria nacionais.
Parece-me que efectivamente havia então no Ministério das Colónias um pouco a convicção de que a província não precisava de mão de obra, e tanto que no acôrdo com a União, em 1912; também se permitiu o fornecimento de mão de obra para Angola.
Sr. Presidente: parece-me que, com justiça, não posso ser acusado de ter atendido interêsses estrangeiros com menos prezo dos interesseis nacionais certo que mandei sustar e depois proibir o recrutamento para S. Tomé, mas já nesta Câmara justifiquei êste meu acto de administração.
Se me deliciasse com a desordem, era reunir na mesma sala os agricultores da Zambézia e os de S. Tomé, não os deixando de lá sair emquanto se não pusessem de acôrdo. Todavia, neste caso quem tem razão são os de Moçambique.
Reconheço que S. Tomé é, efectivamente, um bom atestado das nossas aptidões colonizadoras, embora reconheça também que naquela porção de terra se tinham feito fortunas verdadeiramente, americanas.
Todavia, naquela ilha não há nada que represente qualquer restígio dessas fortunas, embora S. Tomé tenha hoje certo pêso na riqueza nacional.
Eu pregunto aos homens de consciência se um governador do Moçambique, emquanto não estiverem satisfeitas as requisições da província pode fornecer mão de obra para fora.
Mas, dir-me hão: Os da Rodésia e os do Transvaal?
Sr. Presidente: não fui eu quem negociou o acôrdo da Rodésia em 1914, e que o promulgou em 1920, mas possivelmente quem o denunciará em 1925.
Não apenas por aquelas razões que já expus, mas pela necessidade imprescindível de criar ao sul da província uma vida própria, entendo que deveria provocar a denúncia da Convenção. É possível que esteja, em êrro, mas se o Govêrno da metrópole tivesse conseguido uma prorrogação, uma renovação pura e simples da Convenção por mais 10 anos, como em 1909, é minha inteira convicção que, ao cabo dêsses anos, o sul da província estaria na mesma miséria. Desde que havia a facilidade de virem libras para pagar aos funcionários e alimentar um pequeno comércio ao sul da província, não haveria iniciativas que trabalhassem a terra prendendo o trabalhador, e a província continuaria a ter ali a vida parasitária que tem tido desde sempre.
O Sr. Portugal Durão disse, e muito bem, que com o caminho de ferro de Lourenço Marques, com o pôrto e ainda com o caminho de ferro da Suazilândia, tudo para servir os vizinhos, o que traz a afirmação de que dentro da província não há, economia que de tráfego para o pôrto, se gastaram alguns milhões.
Gastaram-se pelo menos, na verdade, — e o Sr. Portugal Durão declinou êsse número — seis milhões de libras. O caminho de ferro da Suazilândia, à sua parte, levou, mais de 2:000 contos, no tempo em que os contos não eram histórias.
A lição deste caminho de ferro, feito com o intuito de obrigar o Govêrno da União a prolongá-lo através da Swazilândia para fazer o tráfego, do carvão que ainda não estava, nem está, em exploração que tem dado um deficit permanente, entre 30 e 60 contos — o ultimo que apurei foi de 8:000 libras, mas libras, a valer — a lição dêste caminho de ferro, di-

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zia eu, não serviu absolutamente para nada, nem aos govêrnos da província nem aos govêrnos da metrópole. Mas, Sr. Presidente, vinham de longo os queixumes constantemente, propositadamente magoados da União de que o nosso pôrto e o nosso caminho de ferro não estavam devidamente apetrechados para dar fácil saída, económica saída, às mercadorias, sobretudo ao carvão, do Transvaal.
A nova carvoeira, a que o Sr. Aires de Ornelas se referiu e que começou a funcionar ainda há pouco tempo, foi-nos pedida em 1907, com insistência, pelo Govêrno da União.
Queixavam-se de que nós não tínhamos um rebocador de alto mar e adquirimos um rebocador do alto mar. Indicaram-nos a necessidade de destruirmos um navio afundado no estuário de Lourenço Marques e já se deram providências para proceder à sua destruição. Apontaram-nos a conveniência de adquirir guindastes para evitar a prolongada estadia no pôrto dos navios em carga e descarga e adquiriram-se os guindastes. E em tudo isto gastaram-se e hão-de gastar-se ainda muitos milhares de libras.
Nestas condições eu pregunto se era possível gastar mais uns milhões de libras em preparar êsse caminho de ferro e apetrechar um pôrto cujo tráfego não era garantido em diploma assinado pelos govêrnos da União.
Eu pregunto se haveria alguém capaz de cometer uma tal loucura.
Apoiados.
Depois da lição da Suazilândia eu pregunto se haveria algum insensato que se arriscasse a uma tal aventura.
Apoiados.
Sr. Presidente: todas estas razões me levaram a apresentar a denúncia da Convenção.
A Câmara dirá se foram boas ou más as razões que levaram o Alto Comissário de Moçambique a proceder assim.
Julgo ter explicado à Câmara — não sei se satisfatoriamente, mas com absoluta verdade — os motivos que imperaram no meu espírito ao levar o Govêrno da União a denunciar o Convénio de 1909.
O Sr. Portugal Durão disse há pouco, o muito bem, que não havia o direito do estorvar o desenvolvimento económico do Transvaal.
Depois de chegar a Lourenço Marques e tendo já ouvido a opinião de que nos devíamos negar a mandar para o território da União os trabalhadores de que ela carece, a não ser mediante as mais largas compensações, eu tive ocasião de dizer que, se dependesse do Govêrno da província paralizar o trabalho das minas do Transvaal, êsse trabalho jamais paralizaria.
Nunca poderia ter o intuito de criar dificuldades ao desenvolvimento do Transvaal; no emtanto na União chegou apensar-se que da parte do Govêrno da província de Moçambique havia má vontade contra o fornecimento de mão de obra. Ora o único acto que praticou o Govêrno de Moçambique para contrariar a emigração para o Rand, foi o de proibir a emigração de rapazinhos que se iam buscar a Lourenço Marques.
Uma das principais razões para efectivar essa proibição residia na circunstância de ser um perigo recrutar êsses rapazinhos, porque uma vez chegados a homens fixavam-se na União. Foi isso que provocou a denúncia por parte do Govêrno Sul-Africano, da Convenção.
Quási toda a gente pensava que o fornecimento de braços para o Rand era uma necessidade absoluta da União. Ora sucedeu que o Sr. Freire de Andrade na primeira conversa que teve com o general Smuts, ouviu a declaração de que não valia a pena discutir a Convenção, emquanto se não assentasse na questão do contrêle por parte da União, na administração dos caminhas de ferro e pôrto de Lourenço Marques.
Era esta a principal questão, sendo secundária a questão da mão de obra. Não houve maneira de se chegar a acôrdo e foram suspensas as negociações. O presidente da Câmara de Minas apareceu no Cabo na véspera do dia em que as negociações foram consideradas suspensas e preguntou-me se no caso de não ser possível estabelecer-se a Convenção o Govêrno da província de Moçambique poria embaraços ao fornecimento de mão de obra.
Reservei a minha resposta para quando nos encontrássemos em Pretoria. De facto eu ali tive uma conferência.

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E assim Sr. Presidente sôbre a nova Convenção, ou renovação da actual, eu respondi à Câmara de Minas que não estava autorizado a responder-lhe, nem mesmo a conversar com ela a êsse respeito.
Disse-lhes que as negociações estavam suspensas, que não podia entrar em negociações sôbre a parte da Convenção, a mais importante, a meu ver, a não ser que êle viesse falar devidamente autorizado pelo Govêrno Sul-Africano:
Nesse mesmo dia parti para o Cabo a conferenciar com o general Smuts, tendo recebido então uma comunicação da Câmara de Minas de que estava autorizada a ter não só essa Convenção; mas a tomar as providências sôbre o acôrdo relativo à mão de obra.
Isto, Sr. Presidente, é necessário dizer-se, visto que não deve ser do conhecimento de muitos, isto é, da maior parte dos Srs. Deputados.
Assim, Sr. Presidente, mandei do Cabo um telegrama para Lisboa ao Sr. Ministro das Colónias dizendo-lhe que me parecia conveniente no caso de se fazer a Convenção, fazer-se um acôrdo com a Câmara de Minas, porém o Sr. Ministro das Colónias respondeu-me imediatamente dizendo que melhor seria nada fazer de definitivo, visto que o Govêrno ia tratar do assunto.
Insisti por mais duma vez em telegramas e em correspondência postal, procurando demonstrar ao Govêrno da metrópole a necessidade que havia em se fazer um acôrdo sôbre o estabelecimento da mão de obra.
A Câmara do Minas, Sr. Presidente, insistiu por uma resposta definitiva, porém, eu não podia deixar de fazer o que fiz, isto é, dizer-lhes que não podia dar uma resposta, por isso que o assunto estava entregue ao Govêrno da metrópole.
Isto passou-se em Julho e, francamente, devo dizer que não caminhamos com uma grande velocidade, pois, que passaram-se os meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro, que foi quando regressei a Lisboa.
A Convenção, como V. Ex.ªs sabem, deixou de vigorar no fim de Março, se bem que eu por mais duma vez tenha pedido uma resposta definitiva sôbre o assunto.
Sr. Presidente: actualmente existem no Transvaal cêrca de 80:000 a 90:000 trabalhadores da província de Moçambique.
Como V. Ex.ª sabe, o que de resto já aqui foi dito pelo Sr. Portugal Durão, por cada trabalhador que sai da província, ela recebe 3 xelins à saída e 7 1/2 xelins à entrada, isto além de vários emolumentos para a província.
Sr. Presidente: eu pregunto à Câmara o que representaria para a província de Moçambique o estancamento desta fonte de receita.
Mas é preciso atender também ao seguinte: Alguém me pode garantir que, só êsses 80:000 trabalhadores que se encontram no Rand, se amanhã não fôsse feito qualquer convénio, voltariam à província onde se lhes não dá trabalho, mas se lhes pedem impostos?
Todavia, pregunto eu também, o que seria para a nossa província a fixação no Rand. dos 80:000 trabalhadores que ali estão.
Sr. Presidente: é certo que nem todos ficariam no Rand; mas se V. Ex.ª se der ao trabalho de verificar qual tem sido o pagamento da União a Moçambique, por Virtude da alínea c) do § 11.º da Convenção, notará que êsse pagamento tem vindo deminuindo consideràvelmente, a ponto de em 1922 estar em cêrca de metade do que era em 1920.
E porquê?
Porque o indígena, com receio de que não o deixem voltar para o Transvaal, não vem à província de Moçambique.
Sr. Presidente: eu pregunto se alguém dê ânimo leve vai sujeitar a província a um desastre económico e financeiro, pelo facto da cessação da emigração ou ainda pela possível fixação dos indígenas no Transvaal.
Por minha parte devo declarar que não assumo semelhantes responsabilidades.
Já aqui nesta Câmara se disse que a atitude do Parlamento — atitude aliás que é sempre cheia de patriotismo, nobreza e desassombro — fez com que o general Smuts renunciasse aos seus primitivos propósitos.
Ora, Sr. Presidente, é possível que assim seja, mas em Novembro o Sr. general Smuts dizia que não se interessou nada pela fórmula que tinha dado ao Cabo a delegação portuguesa, mas que

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de forma nenhuma prescindia do côntrole ou então que não havia convenção.
E possível que o general Smuts tenha mudado, mas então foi só de Novembro para cá.
Sr. Presidente: devo ainda dizer que no distrito de Lourenço Marques, onde se empregam na agricultura entre 6:000 e 7:000 trabalhadores, há 50:000 disponíveis.
Isto diz a V. Ex.ª o que vem a ser a agricultura no distrito de Lourenço Marques.
Quanto ao distrito de Gaza, que tive ocasião de percorrer, num telegrama que enviei ao Sr. Ministro das Colónias ou já de Lourenço Marques ou ainda de Gaza, disse eu que a sua agricultura cabia dentro de uma herdado do Alentejo e não a encheria. De facto, per motivos vários, e por virtude desta Convenção de 1909, no sul da província, em qualquer dos seus três distritos, não há agricultura que possa prender os nossos trabalhadores.
Não sei se nesta Câmara alguém terá uma maneira eficaz de proteger contra a emigração clandestina uma fronteira de 600 ou 800 quilómetros de extensão, apenas impermiável em alguns pontos.
Uma voz: — Não há, nem pode haver.
O Orador: — Eu sabia que aqui tem havido por vezes dificuldades em impedir que passem rebanhos peia fronteira, mas como um preto se escapa mais fàcilmente do que um boi...
Sr. Presidente, ainda que houvesse qualquer maneira, por uma espécie de cordão sanitário ou com uma rede de arame farpado, de fechar a província de Moçambique à emigração de trabalhadores, eu pregunto se seria humanitário, se seria decente impedir-se a alguém que fugisse para trabalhar, não se lhe dando trabalho em sua casa.
Nunca deixei de tratar com o Govêrno da União no pé das melhores relações de amizade e nunca deixei de receber do Govêrno da União as maiores provas de deferência, o que mo lisonjeava, não por mim, pessoalmente, mas por ser o representante do País.
Ao governador da União, Sua Alteza o Príncipe de Connnaught, tive ocasião de me dirigir numa mensagem em que dizia a verdade exacta e Sua Alteza agradeceu nos melhores termos.
Sr. Presidente: não está assinado, nem feito nenhuma espécie de convénio, como disse o Sr. Ministro das Colónias.
Não há mais do que uma antecedência de seis meses.
Nada se propôs ao Govêrno da União Sul-Africana e o que eu comuniquei ao Govêrno da União Sul-Africana foi apenas da minha responsabilidade:
Nesta comunicação mais uma vez eu repeti os propósitos de o Govêrno colaborar com a União Sul-Africana e afirmava que os sentimentos amistosos seriam mantidos. Se não os aceitassem, a província não ruíria; havia dificuldades que seriam vencidas e a província teria a sua vida económica independente.
Sr. Presidente: quere-me parecer que a possível guerra de tarifas, que tem provocado apreensões a alguns Srs. Deputados, já está um pouco atenuada porque há dois ou três dias recebi uma comunicação da União Sul-Africana preguntando qual era a atitude do Govêrno da província em relação a mercadorias em trânsito e a mercadorias em depósito. A resposta foi que, visto estarmos em negociações e o Sr. general Smuts exprimir a sua esperança de que se havia de chegar a acôrdo sôbre todos os pontos em discussão, a atitude da província seria moldada pelo procedimento que a União tivesse para connosco, perfeitamente moldada nesse procedimento, tendo sido as ordens dadas e as instruções expedidas para que efectivamente nós não pratiquemos nenhum acto de hostilidade.
Sr. Presidente: V. Ex.ª compreende que eu não podia deixar de tomar parte neste debate pela situação especial que ocupo e sobretudo pela responsabilidade particular que no caso tenho. Limitei-me a dar à Câmara às explicações que julguei necessárias para o bom entendimento do assunto no ponto que me diz respeito, fazendo votos para que os interêsses da província sejam mais eficazmente acautelados.
A Câmara resolverá como entender conveniente, certo de que o que está feito absolutamente em nada prejudica qualquer deliberação que se tome.
Á parte êste facto, que parece contraditório e ilógico, a Câmara está inteira-

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mente à sua vontade para resolver a questão.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado por todos os lados da Câmara.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador devolver, depois de revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: é delicado o assunto que ocupa neste momento as atenções da Câmara, e, assim, todos que nele intervenham tem de fazê-lo com todo o cuidado.
Eu conheço do assunto, na parte que diz respeito a negociações, apenas o que os jornais têm dito e o que tenho ouvido nesta casa do Parlamento. Por isso não será de estranhar que eu em certos pormenores me não pronuncie abertamente.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Brito Camacho — e a S. Ex.ª mais do que ao Ministro tenho de dirigir-me, dada a situação de Alto Comissário em Moçambique — o Sr. Brito Camacho afirmou que eram da sua inteira responsabilidade as negociações entabuladas com a província e, especialmente, o facto do convite à denúncia da Convenção.
É lógico e natural que assim tenha sido, tanto mais que a convenção a acordar é, não entre a metrópole e a União, mas sim entre a província de Moçambique e a União.
Tenho, porém, interêsse em saber se de facto os organismos próprios da província foram ouvidos e emitiram a sua opinião sôbre o convite à denúncia.
Isto porque — e não me refiro nem ao Ministro nem ao Sr. Brito Camacho — há ainda muito quem confunda os poderes que foram conferidos às colónias.
Estimaria ouvir quem possa responder-me, esclarecendo quaisquer dúvidas sôbre se, de facto, a província tem sido ouvida acêrca de todos os trâmites das negociações.
A província de Moçambique tem vivido parasitàriamente.
Disse o aqui há oito ou dez anos e recordo-me de que no momento eu me expressei, para demonstrar numa forma ciara à Câmara a situação económica da província, nos seguintes termos: «a província de Moçambique está a viver exclusivamente do ouro do Rand, e êsse ouro passa sôbre ela como água sôbre pele encerada».
Foram estas as palavras que eu proferi há oito ou dez anos e, infelizmente, para nós, hoje posso repetir o mesmo, sem a mínima alteração.
A província de Moçambique está amarrada, de pés e mãos, ao ouro do Transvaal.
Toda a autoridade individual e colectiva da província tem sido absolutamente canalizada nesse sentido.
Àparte honrosas excepções, a verdade é que, apesar de todos os encómios que eu tenho ouvido com referência à obra dos governadores que passaram por essa província, nenhum dêsses governadores conseguiu ainda preparar-nos para uma situação tal que pudéssemos tratar com a União Sul Africana como de potência para potência.
Eu sei que em vários relatórios, cheios do palavras bonitas, cheios de afirmações que infelizmente por vezes carecem de verdade, se apregoa o desenvolvimento da província, e nenhum dos vários governadores que têm passado pela província se esquece de falar nos milhares de quilómetros de estrada que construíram.
O Sr. Brito Camacho: — Eu podia fazê-lo.
O Orador: — Sr. Presidente: quem tem percorrido a África sabe muito bem que essas estradas de milhares de quilómetros são estradas secas, estradas de verão, que logo às primeiras chuvas têm de ser novamente capiladas.
Com tantas linhas de água a atravessar essas estradas, como é que se consegue o milagre de percorrer milhares de quilómetros de automóvel?
Duma maneira muito simples. Os administradores de circunscrição e as autoridades administrativas, avisadas previamente de que o governador chega, não só mandam capilar as estradas, mas ainda junto das linhas de água têm o cuidado de colocar centenas de indígenas para passarem às costas o automóvel do Sr. governador.
Mas quem ler esses relatórios, e não

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conhecer de facto a região, cai numa desilusão completa.
Em agricultara o que se tem feito? Fora da Zambézia não há agricultura, e em certas regiões não a pode haver por emquanto.
Disse o Sr. Brito Camacho, referindo-se à região sôbre o rio Sabo, que eu conheço tam bem como S. Ex.ª: «Aí não é possível a agricultura, porque desde que nos fixámos no região do sul do rio Sabo, em seguida à guerra com o Gungunhana, já a emigração para o Rand era grande, e ninguém paga tam bem como a gente do Rand».
No emtanto, o Rand obtém da nossa parte a mão de obra barata.
Só com grandes capitais se poderia conseguir alguma cousa.
Tem, pois, de viver da emigração.
Para que se denunciou, pois, a convenção?
Disse S. Ex.ª que a convenção tinha deficiências e que era inconveniente para a província, não nos dando garantias, nem mesmo no tocante à inspecção dos indígenas, porque essa inspecção é feita a sôldo da Companhia.
Eu sei bem o que se passa em relação à inspecção de indígenas.
Essa inspecção é feita por médicos pagos pela Companhia, que recebem um tanto por cabeça. Eu nunca fiz dessas inspecções.
Ora êste serviço devia ser feito oficialmente, e não a sôldo da Companhia. Compreende-se bem o que de conveniente haveria nisso.
Mas, Sr. Presidente, os defeitos são tantos que devessem levar à denúncia da convenção?
Igualmente também uma grande receita deriva da contribuição industrial, e essa contribuição é paga especialmente com as notas ouro que o indígena traz do Transval.
Estou convencido, Sr. Presidente, de que a grande percentagem dessas receitas vem doutros territórios, visto que lá não há agricultura, não há indústria e não há comércio, indo o indígena buscar fora o trabalho que a província lhe não faculta, o que necessàriamente causa perturbações na vida económica da província.
Disse o ilustre Deputado, Sr. Presidente, que a parte aduaneira da convenção, não traz vantagens.
É facto, Sr. Presidente, que a questão modificou-se com o tratado com o Transvaal, e hoje êle tem indústria e agricultura, ao passo que nós ficamos no mesmo estado.
Nós vemos, por exemplo, segundo o relatório feito pelo ilustre Senador o Sr. Bulhão Pato, que no ano de 1920 foram obtidos mais 2:000 contos, o que representa evidentemente o progresso da indústria e da agricultura do Transvaal.
Hoje, Sr. Presidente, segundo os termos da convenção, muitos produtos com certificados de falsa origem, vão para a província de Moçambique, sem serem do Transvaal.
Isto é um facto; porém isto não invalida os argumentos em favor da manutenção da convenção.
Interrupção do Sr. Brito Camacho que se não ouviu.
O Orador: — Quanto à terceira parte da convenção, ou seja a percentagem do tráfego, certo é que nunca obtivemos aquilo que a convenção nos garantia.
Em 1914 essa percentagem atingiu 49 por cento e de então para cá veio decrescendo sucessivamente, tendo em 1918 sido de cêrca de 28 por cento. Por aqui se vê a lisura — é o termo mais brando que posso empregar — com que connosco trataram os representantes da União. Nem o pouco de vantajoso que nos era concedido pela convenção nos era garantido. Dupla cautela, portanto, deve haver. Quere isto dizer que não houvesse vantagem em nos ser atribuída por qualquer tratado uma percentagem do tráfego geral? De modo algum. O que havia era que exigir garantias bastantes e a respectiva indemnização para o seu não cumprimento. De resto, cessando abruptamente a convenção na parte respeitante ao tráfego do caminho de ferro, não criaria essa circunstância graves dificuldades a Lourenço Marques? Todos sabem a soma de interêsses que ali estão hoje radicados e ligados à reexportação para o Transvaal.
Terrenos, armazéns, empregados, capitais ali colocados, tudo isso representa alguma cousa de importante. O cheque que sofreriam pela cessação da convenção

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sôbre o tráfego não seria de tal forma que viesse a constituir um factor mais de pressão sôbre nós para cedermos ao que a União quere? E o que é que quere a União? Poderemos porventura ajuizá-lo por um ou outro pormenor, por um ou outro facto respigado das notícias dos jornais que é bom ler e acompanhar. A êsse respeito direi, Sr. Presidente, que de há quatro meses a esta parte principiei a ter gravíssimas apreensões sôbre o futuro da província de Moçambique, porque várias vezes vieram à imprensa, de diversas origens, pelo menos aparentemente, a desenvolver uma campanha tendente a desacreditar-nos perante a União. A princípio figuravam nessa campanha criaturas sem responsabilidade, mas, quando vi que pessoas de certa responsabilidade também estavam nela envolvidas, alarmei-me e dei conhecimento ao Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem cinco minutos para concluir as suas considerações. Deseja continuar ou ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Se V. Ex.ª me permito, fico com a palavra reservada.
O discurso publicar-se há na íntegra, quando revistas pelo orador, forem devolvidas as notas taquigráficas respectivas.
Antes do se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio e Comunicações para o que se está passando na Administração do pôrto de Lisboa, com relação à demissão de funcionários, pondo-se inteiramente de lado o regulamento disciplinar dos funcionários públicos.
Sr. Presidente: trata-se da demissão de funcionários com quinze e dezoito anos de serviço, e comportamento exemplar.
Estou certo de que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações não tem conhecimento dêstes factos, mas o que é verdade é que ainda num dos últimos números do Diário do Govêrno foram demitidos seis funcionários, um dos quais, o agente de cais de 1.ª classe, Joaquim Ferreira Calhau, que tem treze anos de serviço.
Êste funcionário foi demitido sem que soubesse de cousa nenhuma, o que representa um deprêzo absoluto pelo artigo 9.º do regulamento dos funcionários civis.
Estou convencido de que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações vai tomar as necessárias providências a fim de reparar êste abuso da Comissão Administrativa do pôrto de Lisboa, e evitar que de futuro se repitam casos desta ordem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações do Sr. Carvalho da Silva, o devo dizer que houve um processo disciplinar a êsse funcionário.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Posso garantir a V. Ex.ª que êsse funcionário nunca foi ouvido.
O Orador: — Parece que há deficiência de informação, e que o processo tem um certo carácter de gravidade.
Vou chamar êsse processo a mim e terei, como V. Ex.ª, muito gosto em não ter de confirmar as acusações de V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A sessão nocturna é às 21 horas.
A sessão de amanhã é às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
Continuação da interpelação do Sr. Álvaro de Castro ao Sr. Ministro das Colónias (com prejuízo dos oradores que se inscreveram).
Parecer n.º 380, que fixa as percentagens adicionais às contribuições directas do Estado, que constituem o imposto directo a favor dos corpos administrativos (sem prejuízo dos oradores que se inscreveram).
Parecer n.º 350, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo até 500. 000$ para construção da Escola Industrial de Bernardino Machado, da Figueira da Foz.
Parecer n.º 378, que modifica as disposições da Lei de Separação da Igreja e do Estado.
Parecer n.º 853, que autoriza a Caixa

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de Crédito Agrícola Mútuo da Régua a avaliar os prédios oferecidos pelos sócios para constituição do seu crédito.
Parecer n.º 205, que dispensa de novo concurso para a sua promoção os aspirantes de finanças que possuam o concurso a que alude a alínea a) do n.º 8.º do artigo 65.º do decreto 5:524, de 8 de Maio de 1919.
Ordem do dia:
1.ª parte:
Parecer n.º 424, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo interno em ouro até 4 milhões esterlinos.
2.ª parte:
Discussão e votação, na generalidade, dos orçamentos.
Parecer n.º 411-A, orçamento do Ministério do Interior.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Instrução Pública, transferindo do artigo 36.º para o artigo 39.º do capítulo 5.º do orçamento do Ministério da Instrução a quantia de 12. 000$.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, extinguindo o lugar de porteiro do Observatório Astronómico da Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa e criando o de servente com os respectivos vencimentos.
Para o «Diário do Govêrno».
Projecto de lei
Do Sr. Álvaro de Castro, interpretando e substituindo os §§ 2.º e 3.º do artigo 23.º do decreto n.º 6:312, de 24 de Dezembro de 1919.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja enviada uma relação das unidades das diferentes armas existentes nas diversas colónias, indicando os respectivos efectivos orgânicos; uma outra relação das unidades metropolitanas que nesta ocasião se encontram em serviço nas colónias, indicando as disposições legais que determinaram a sua nomeação.
7 de Fevereiro de 1923. — O Deputado, Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja enviada com a possível urgência nota das unidades do exército metropolitano que desde 1914 foram mobilizadas e marcharam para Angola e para Moçambique, discriminando os efectivos para cada província; nota das perdas em oficiais e em praças, indicando1 os números já averiguados em cada província por doença ou ferimentos durante a Grande Guerra. — H. Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida cópia das conclusões do relatório da sindicância feita ao tenente de infantaria Joaquim Abrantes, e o resumo dos depoimentos que serviram de base ao mesmo relatório.
Em 8 de Março de 1923. — Manuel de Sousa Coutinho.
Expeça-se.
Última redacção
Do projecto de lei n.º 409, que sujeita as mercadorias de proveniência alemã que em é de Novembro de 1922 estavam nas alfândegas ou em trânsito ao regime que vigorava durante o acôrdo comercial com a Alemanha.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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