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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 47
(NOCTURNA)
EM 8 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Ex.mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Sá da Cunha Sampaio
Sumário. — Abertura da sessão.
Leitura e aprovação da acta.
O Sr. António Maia usa da palavra para interrogar a Mesa.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
Ordem da noite. — (Continuação da discussão do Orçamento Geral do Estado).
Lê se na Mesa a moção apresentada na sessão anterior pelo Sr. Tôrres Garcia.
É admitida.
Usa da palavra o Sr. Pires Monteiro que envia para a Mesa uma moção, fazendo em seguida largas considerações sôbre a matéria em discussão.
O Sr. Presidente encerra a sessão, por falta de número.
Abertura da sessão às 22 horas e 15 minutos.
Presentes 55 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Fernando Augusto Freiria.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
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Diário da Câmara dos Deputados
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António País da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
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Sessão de 8 de Março de 1923
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Pelas 22 horas o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Fez-se a chamada.
Sendo 22 horas e 10 minutos o Sr. Presidente declara aberta a sessão com a presença de 55 Srs. Deputados.
Em seguida manda procederia leitura da acta da sessão transacta a qual é aprovada sem reclamação.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: acabo de ler no Século da Noite o incidente ocorrido hoje nos Passos Perdidos.
Diz o Século que o oficial preso foi acompanhado pelo general Sr. Pereira Bastos.
Peço a V. Ex.ª o favor de me informar se a Mesa tem conhecimento dêsse facto.
O Sr. Presidente: — Êsse oficial, segundo me informam, foi efectivamente preso à ordem da Presidência desta Câmara, e acompanhado por um oficial; mas não posso dizer se foi ou não o general Sr. Pereira Bastos.
O Orador: — Eu então peço a V. Ex.ª a fineza de se informar sôbre êste caso, e de dizer-me amanhã se foi ou não o general Sr. Pereira Bastos quem acompanhou êsse oficial.
O orador não reviu.
ORDEM DA NOITE
O Sr. Presidente: — Prossegue a discussão do Orçamento Geral do Estado.
Continua no uso da palavra o Sr. Tôrres Garcia.
Como S. Ex.ª não está presente, vai ler-se a moção que enviou para a Mesa.
É lida e admitida.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: em harmonia com o preceito regimental, envio para a Mesa a seguinte moção:
A Câmara dos Deputados, reconhecendo a conveniência de discutir o Orçamento do Estado, como apreciação necessária da nossa situação, julga, no emtanto, que esta discussão deverá ser tam rápida quanto possível, e considerar inadiável a adopção de medidas destinadas a melhorar a actual situação pelo que resolve não encerrar a sessão legislativa sem ter conseguido o conjunto de leis de carácter económico e financeiro e referentes à defesa nacional e à administração civil tendentes ao equilíbrio orçamental e continua na ordem do dia.
Sala das Sessões, 8 de Março de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
Sr. Presidente: sendo a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta Câmara, na actual situação política de Deputado Independente, cumpro o dever muito grato ao meu espírito de saüdar o Partido Republicano Nacionalista, afirmando a minha maior consideração e, ao mesmo tempo, manifestando o meu maior pesar por me ter separado politicamente de pessoas, às quais me ligam laços de profunda amizade pessoal e de muita consideração e respeito.
Lamento o facto de não poder acompanhar, na resolução tomada, velhos correligionários e queridos amigos; e lamento por conseqüência a circunstância de me encontrar como Deputado Independente.
Mas regozijo-me, pois esta circunstância me permite as considerações que vou fazer sôbre o Orçamento em geral o especialmente sôbre o orçamento do Ministério da Guerra; serão da minha única responsabilidade e por conseqüência com uma liberdade de acção, que não teria, filiado em qualquer agrupamento político.
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Sr. Presidente: no emtanto, declaro a V. Ex.ª que a minha situação de político independente considero-a uma situação transitória.
Não compreendo e julgo prejudicial ao bom funcionamento do regime parlamentar a existência de políticos independentes, mas a desaparição de uma fôrça política, em que colaborávamos devotadamente e a aposição duma conjunção dos antigos agrupamentos, querendo ter a coesão de um novo partido, colocaram-nos nesta situação.
Sou de parecer que devemos subordinar a nossa opinião à existência de programas políticos, que reúnam elementos apreciáveis de acção governativa, evitando a dispersão de energias e a confusão de opiniões resultantes de um individualismo, que prejudica a normalidade dó funcionamento constitucional dos dois Poderes do Estado, que estão em contínuas relações e de cujo equilíbrio provém a estabilidade das situações políticas. Agrupamentos políticos bem disciplinados, com coesão e com programas de princípios bem definidos e planos de realização perfeitamente estudados, são fôrças essenciais do progresso material do País e ao prestígio das instituïções políticas que nos regem.
Mas essa coesão não se consegue pelo artificiosismo de partidos políticos, que se formam sem raízes profundas na opinião pública, sem objectivos claramente definidos, sem uma política positiva a conseguir com soluções prefeitamente estudadas para os diferentes aspectos do problema nacional.
É indispensável ainda semelhança de temperamentos, analogia de processos.
Os agrupamentos hão-de surgir naturalmente, provocados por fortes correntes de opinião pública e não poderão resultar com eficácia de acordos, embora bem intencionados.
A possibilidade de existência do Estado resulta, evidentemente, da disciplina dos agrupamentos políticos que os seus dirigentes possam constituir. Tantos agrupamentos quantos haja necessidade de formar com as correntes de opinião dominantes e não apenas dois agrupamentos na velha fórmula de conservadores e radicais.
Para que essa disciplina exista e produza as suas benéficas conseqüências é indispensável, que haja o acôrdo de sentimentos e raciocínio. Estas considerações, que fiz em minha consciência e acabo de expor perante V. Ex.ª e o País, colocaram-me na situação, que não julgo a mais consentânea com os interêsses da colectividade em circunstâncias normais, mas a que fui obrigado, surpreendido pelos acontecimentos e desejando sempre oferecer uma colaboração sincera e devotada, embora de pequeno valor pela modéstia dos meus recursos.
Não tenho ambições de engrandecimento pessoal ou de obter comissões rendosas.
Quero fervorosamente a estabilidade politico-social, que constituïrá a base essencial do nosso ressurgimento material; ambiciono a colaboração dedicada de todos os valores sociais e a realização de uma educação cívica, que garanta a vida progressiva da Nação. Êste objectivo só pode ser conseguido por um equilíbrio do fôrças políticas e uma discussão serena de divergências lealmente expostas. Não hesito, portanto, neste momento da minha vida política.
Vi com amargura desaparecer o agrupamento político, cujo programa me ligava e necessito reflectir, não aceitando uma situação, que suponho resultante de objectivos negativos.
Não hesito sôbre qualquer acto político, relacionado com o meu dever cívico ou com a minha interferência política, mas com absoluta independência, emquanto a observação dos factos o dos homens não me permita aceitar a orientação dum determinado agrupamento político, darei o meu voto a todos os actos da maioria que concorram para a normalização da nossa vida administrativa, condenando todas as violências que êsse grupo queira exercer pela acção do seu número; condenarei igualmente todo o obstrucionismo que as minorias queiram realizar, como meio de protelar a solução de qualquer problema para o qual não tenham apresentado soluções mais consentâneas com os interêsses do País.
Todavia, Sr. Presidente, não pela s qualidades pessoais, que possuo, bem modestas, mas pelo meu passado de republicano absolutamente convicto, ter entrado nesta Câmara logo que foram eleitas as
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Constituintes. Todavia, a orientação do meu espírito não permito que me antepusesse a pessoas da mesma fé republicana e que pelo seu estudo e idade maiores direitos também de vir ocupar um lugar nas difíceis funções de legislar. Nem todos assim fizeram e as conseqüências não foram das melhores.
Quis formar bem o meu espírito para o desempenho consciente das minhas funções de legislador; e só quando os meus amigos políticos e pessoais, após doze anos de República, insistiram comigo, aceitei a honra de ocupar um fauteuil nesta casa do Parlamento. Mas pela orientação do meu espírito, e devido ao meu temperamento, sou absolutamente contrário à acção que formava do radicalismo político. E, de harmonia com a orientação do meu espírito, marquei esto critério quando governador civil do Pôrto, tendo declarado ser absolutamente contrário a todos os extremismos, que tanto podem estrangular a República exercidos pelas direitas como realizados pelas esquerdas.
Conseguintemente, pertenci nesta Câmara ao grupo político cuja orientação mais se coadunava com a minha formação republicana e tive orgulho, honra e grande satisfação de seguir como leader político o Sr. Álvaro de Castro, individualidade de alto valor moral e intelectual que num momento grave para a República, quando uma ditadura a todos sufocava, levantou soberba energia a bandeira da constitucionalidade republicana contra um sofisma político servido pela megalomania dum homem e pelos meios desleais dos adversários da República.
Quando, na legislatura passada, alguns Deputados da minoria monárquica procuravam evidenciar, como superior, o regime deposto, era a voz do eminente Deputado e meu querido amigo Sr. Álvaro de Castro que pulverizava as insinuações dêsse lado da Câmara e altivamente protestava centra as malévolas acusações ao regime republicano. Era o Sr. Álvaro de Castro que evidenciava a diferença de processos adoptados hoje e seguidos anteriormente a 5 de Outubro de 1910, afirmando que os erros cometidos hoje não podem sofrer comparação com os crimes de então.
O Partido Reconstituinte, animado pela indomável energia e lúcidas faculdades do seu ilustre leader, individualidades de excepcional relevo, têmpera moral e envergadura mental respeitadas de todos, poderia congregar os elementos indispensáveis à vida constitucional da República. Poder-se-ia organizar uma fôrça parlamentar capaz de constituir Govêrno pela união de agrupamentos políticos com um plano de acção imediata, que realizou os programas dêsses agrupamentos nos seus objectivos comuns e que transigisse na concessão de outros objectivos pelas fórmulas mais consentâneas.
No emtanto, individualidades que têm critério político que muito respeito, pessoas que têm uma experiência da vida política a que eu presto homenagem, julgaram que seria possível formar dentro da República dois grandes partidos, e que só assim a República poderia viver orientada por êles.
Respeito essa orientação, e posso afiançar que não tenho qualquer objectivo que não seja concorrer com o meu esfôrço dedicado e com todas as minhas energias para a vida prestigiosa da República.
Trata-se, Sr. Presidente, da generalidade da discussão do Orçamento.
Não tenho a competência especial para discutir o Orçamento na generalidade, mas entendo que a discussão do Orçamento deve ser rápida, sobretudo neste momento em que esperamos a remodelação dos serviços públicos, e em que êste Orçamento não é mais que o actual Orçamento o aumentado em muitas das suas verbas.
Por conseqüência, Sr. Presidente, a discussão do Orçamento é uma discussão que não tem aquele valor quê alguns ilustres Deputados lhe têm dado.
Alguns dos ilustres Deputados que têm discutido o Orçamento Geral do Estado têm-se referido especialmente aos Ministérios da Guerra e da Marinha.
Devo dizer a V. Ex.ª Sr. Presidente, e à Câmara, que, se a comissão do Orçamento, a que tenho a honra de pertencer, tivesse reünido mais vezes, só essa comissão tivesse discutido no seio os orçamentos que vêm a esta Câmara, não faria uso da palavra, reservar-me-ia para nessas sessões da comissão apresentar as considerações que teria de produzir acêrca do Orçamento.
Mas não sucede assim. A Câmara sabe perfeitamente que as comissões não fun-
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cionam com aquela regularidade que seria para desejar, sabe bem que as comissões não funcionam em condições de apresentarem, quando são discutidos os respectivos projectos ou propostas de lei, os pareceres que lhes competem.
As comissões são, Sr. Presidente, uma ficção. Pertenço a duas comissões parlamentares, uma das quais tem funções importantíssimas — a comissão de Orçamento — que raramente reúnem e quando o têm feito é sem um método de trabalho, que assegure a sua produtividade.
Por conseqüência, Sr. Presidente, é natural que eu trouxesse à Câmara os meus pontos de vista sôbre os vários orçamentos, especialmente sôbre o orçamento do Ministério da Guerra, ao qual já algumas referências têm sido feitas com uma certa acrimónia, que os factos não justificam completamente, pois que as mesmas causas produzem efeitos idênticos nos outros departamentos ministeriais.
A questão fundamental para o saneamento da nossa administração pública consiste na necessária remodelação dos serviços públicos; é esta a base da nossa melhoria e, prestando homenagem à respectiva comissão, eu creio, todavia, que será difícil apresentar essa reorganização em termos de podermos discutir o Orçamento de 1924-1925, que não continue sendo uma cópia do actual Orçamento, com as suas tremendas despesas inúteis. Já passaram muitos meses sem que essa comissão tivesse apresentado os seus trabalhos.
E assim continuaremos, pois pretere deu-se — talvez por habilidade política — que essa comissão mixta de Deputados, Senadores, Ministros e representantes das fôrças económicas, apresentasse um trabalho completo e feito dum jacto. Essa comissão, e presto homenagem especial ao seu ilustre presidente, Sr. Almeida Ribeiro, ainda nada fez, nem possivelmente cousa alguma fará...
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Devo informar V. Ex.ª de que a comissão a que V. Ex.ª se refere deixou de existir desde 15 de Dezembro; ainda não houve lei que a ressuscitasse. Essa comissão exerceu as suas funções desde Outubro até 15 de Dezembro. Agora espera se uma nova lei...
O Orador: — Agradeço o àparte de V. Ex.ª, mas devo dizer que em Inglaterra foi nomeada uma comissão, composta apenas de cinco membros, para se pronunciar sôbre a remodelação necessária dos serviços públicos; essa comissão teve um único directivo: reduzir em 100.000:000 de libras a despesa do Orçamento Geral do Estado, e apresentou o seu trabalho no fim de seis meses. E, no emtanto, Sr. Presidente, todos nós temos a convicção de que os serviços públicos em Inglaterra são muito mais complexos do que entre nós. Pois, como digo, essa comissão apresentou uma remodelação dos serviços com a redução de 100.000:000 de libras!
A comissão a que me refiro apresentou também a remodelação do exército, que, principalmente, me interessa. Mas não é só a Inglaterra que nos dá o exemplo; a França conseguiu reduzir o funcionalismo em 50:000 funcionários.
Um ilustre Deputado francês, em artigo recente no jornal Le Matin, preconizou o equilíbrio orçamental. Nesse artigo se afirma que primeiro se deveriam calcular as receitas e depois reduzir as despesas, função que é do Ministro das Finanças, ao qual compete equilibrar o Orçamento; é o Govêrno que, conhecendo bem todos os detalhes e dispondo de todos os elementos de informação e de estudo, podendo ordenar todas as investigações e ouvir todas as opiniões técnicas, podia em excelentes circunstâncias reduzir as maiores economias, remodelando os serviços públicos — na sua organização e no seu funcionamento — de maneira a assegurar maior rendimento.
Ainda o ilustre parlamentar francês afirma que, quando o Orçamento se apresente com determinado deficit, o Ministro das Finanças deverá reduzir êsse deficit convocando os seus colegas de Govêrno e combinando com êles a cota parte de economia que cada Ministério tenha a fazer para alcançar o equilíbrio orçamental. Nós estamos muito longe de conseguir o ambicionado equilíbrio orçamental, e não o conseguiremos jamais pelo sistema que foi adoptado na sessão legislativa passada de nomear uma comissão parlamentar de remodelação de quadros. Pelas informações do Sr. Almeida Ribeiro tenho a convicção dolorosa de que no pró-
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ximo ano nos encontraremos na mesma situação, discutindo um Orçamento desequilibrado e continuando a suportar uns ser viços, públicos que não concorrem para o progresso do País e absorvem verbas pavorosas numa inércia acabrunhadora. É necessário, é urgente, é inadiável remodelar os serviços públicos, modificando a sua organização, seleccionando criteriosamente os funcionários, estabelecendo as necessárias relações, adoptando — finalmente — os mesmos princípios que estão estabelecidos por uma grande emprêsa industrial ou comercial, pois que o Estado é a maior emprêsa de cada país.
Nada disto sucede: uma burocracia enervada, funcionários sem função, funções sem funcionários, uma situação que se avisinha da anarquia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Há-de ser assim emquanto houver República.
O Orador: — Estou absolutamente convencido do que o Estado Português, sob o regime republicano, se encontra nesta má situação; mas se o regime fôsse monárquico, regime que nos teve durante longos anos em deficit permanente, e que nos trouxe os vícios a que aludo, a situação seria muito mais deplorável. Então Portugal não se poderia orgulhar da intervenção militar na Grande Guerra. Para o afirmar, recordo doloridamente as hesitações e fraquezas dos nossos governantes em 1890. Não é necessário avivar no sentimento da Câmara, incluindo o ilustre Deputado que tam inoportunamente me quis interromper, maiores pormenores dessa página triste da nossa diplomacia.
Perdoe V. Ex.ª, Sr. Presidente, êste desvio das considerações que estava produzindo, mas não podia deixar de frisar que o Sr. Cancela de Abreu, dominado pela sua obsessão monárquica, foi injusto quando quis comparar a situação dêste momento com a situação anterior à Grande Guerra. A anarquia dos serviços públicos existo, mais ou menos, em todos os Estados, e é uma conseqüência moral dêsses cinqüenta e um meses de luta mundial.
Esquece o Sr. Cancela de Abreu que tendo a República sido proclamada em 1910, num regime de deficit permanente, encontrou no começo da sua vida dificuldades enormíssimas, como, por exemplo, as incursões monárquicas do norte, atitude essa dos monárquicos com que certamente o espírito patriótico do Sr. Cancela de Abreu não concordou. O território estrangeiro servindo para talar o solo da própria Pátria.
Apesar de todas as dificuldades que a República encontrou, em 1913 alguém que marcou neste país pelas suas poderosíssimas faculdades de estadista, o Sr. Dr. Afonso Costa, alguém que é uma mentalidade superior, conseguiu equilibrar o Orçamento, e mais ainda conseguiu um excesso de receitas sôbre as despesas. (Apoiados).
Veio depois a Grande Guerra. Que admira, pois, Portugal encontrar-se na actual situação se todos os países sofreram as conseqüências materiais e morais dessa pavorosa convulsão?
Sejamos justos. Todos nós, qualquer que seja o partido ou agrupamento em que militemos, temos o desejo, o patriotismo de querer servir devotadamente o nosso país e de querer concorrer com os nossos melhores esfôrços, boa vontade e firmeza para o engrandecimento da nossa terra.
Encontramo-nos discutindo um orçamento, mas não nos podemos limitar àquela função que o ilustre Deputado, hoje ausente dos trabalhos desta Câmara, o Sr. Rodrigo Rodrigues, afirma no seu parecer sôbre o Ministério dos Negócios Estrangeiros de 1922-1923 — verificar se as verbas estão autorizadas por lei.
Se nos reduzíssemos a isso, pouco poderíamos dizer acêrca do orçamento. Julgo que a discussão do orçamento nos permitirá realizar determinadas economias com a chamada lei-travão, onde se prescreve que a supressão duma verba implica o desaparecimento do respectivo serviço. Mas não basta.
Entendo que a actual sessão legislativa não deve terminar sem que pelos diferentes Ministérios sejam trazidas ao Parlamento as medidas de carácter económico-financeiro que consigam, por um momento, aumento de receitas, se é possível êsse aumento, e por uma deminuïção de despesas, que é possível e necessária, o almejado equilíbrio orçamental.
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Julgava mais conveniente que a discussão do Orçamento fôsse exactamente feita no fim de cada sessão legislativa.
Sei bem que a discussão dos orçamentos feita nesta época é derivada duma disposição constitucional, mas, se a discussão fôsse feita como entendo, poderíamos introduzir no Orçamento do ano económico imediato todas aquelas modificações que tivessem sido discutidas e aprovadas.
Com a maneira actual de discutir o Orçamento estamos fazendo um trabalho sôbre o qual não vale a pena demorar longo tempo a atenção da Câmara, porquanto as verbas que aprovamos poderão ser no dia imediato muito sensivelmente alteradas.
Todos os ilustres Deputados que me ouvem sabem perfeitamente o enorme deficit de 140:000 contos que acusa o Orçamento, e mais ainda êste facto tremendo: as subvenções ao funcionalismo público consomem a importante verba do 296:831 contos, ocupando o primeiro lugar nestas despesas com as subvenções o Ministério da Instrução, que inscreve 72:000 contos, o segundo lugar o Ministério das Finanças, com 60:000 contos, em terceiro, infelizmente, o Ministério da Guerra, com 56:600 contos. Segue-se o Ministério do Interior com 31:300 contos, Marinha com 24:000 contos, Trabalho com 15:000 contos, Comércio, e Comunicações com 13:200.contos, Agricultura com 11:500 contos, Justiça com 6:000 contos, Negócios Estrangeiros com 4:982 contos e Colónias com 1:749 contos, o que soma 296:831 contos. Esta verba representa 82 por cento das despesas extraordinárias, e 36,4 por cento da despesa total ordinária e extraordinária.
Não é possível manter-se esta situação (Apoiados), e todos que são funcionários públicos e que vivem das subvenções e dos vencimentos que pelo Estado lhes são dados conhecem as dificuldades da vida e que as subvenções não remedeiam essas dificuldades.
Não está presente o Sr. Ministro da Agricultura, mas ouvem-me os Srs. Ministros da Guerra e das Finanças, a quem peço transmitam àquele seu colega os meus comprimentos o as minhas saüdações pela atitude que adoptou em face das Chamadas forcas vivas quando as convocou para lhes pedir a deminuïção do custo da vida, e lhe responderam que isso não era possível por causa da nossa situação cambial.
Espero que S. Ex.ª, tendo esgotado os meios suasórios, adopte agora os meios indispensáveis para realizar as medidas tendentes a acabar com a situação dolorosa, situação asfixiante em que vivemos, e encontre no Govêrno o apoio indispensável, trazendo ao Parlamento as propostas de lei que necessito para uma acção firmo e decidida. As fôrças económicas são indispensáveis, mas não são as únicas, e os seus desvarios financeiros poderão arrastar o país para as alucinações, que a todos prejudicam.
São exactamente essas medidas de carácter económico, que é indispensável adoptar.
Mas para que o Govêrno as possa adoptar, e para que elas possam produzir os necessários efeitos, é necessário que, da parte da maioria dos portugueses, haja todo aquele patriotismo e dedicação que permitam os resultados desejados.
A França procura neste momento, reduzir o seu deficit de trigo.
Tendo calculado que a produção seria de 64.000:000 de quintais, em 1922, teve a felicidade de ver que essa produção era de 66.000:000 de quintais.
E, para que essa produção seja superabundante, o Ministério da Agricultura apelou para todos os franceses, no sentido de consumirem menos pão, visto que o pão que se consumia, vindo trigo de fora, era ouro que saía.
Façamos o mesmo.
Sabe a Câmara que na verba das subvenções não está incluído o chamado pão político, que tem atingido cifras pavorosas.
O pão político tem sido um expediente, que só tem agravado a população consumidora e enriquecido os que vivem dos negócios do trigo.
Tenho uma fé inquebrantável no futuro do nosso País, no ressurgimento da minha Pátria, no engrandecimento da República e no avigoramento das nossas fôrças morais; julgo que isto é possível com a boa vontade de todos os portugueses e com a cooperação de todos aqueles que se orgulham de a ter.
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Doutra maneira iremos morrendo lentamente.
E eu, que tenho fé no ressurgimento do meu Pais, coloco como base essencial a formação do carácter, a formação dos espíritos, na convicção de que o futuro depende de nós, da nossa vontade, do nosso sentimento de solidariedade.
Com esta cooperação será belo; com o egoísmo que domina uma minoria activa e absorvente será bem triste.
Pôsto isto, vou referir-me especialmente ao orçamento do Ministério da Guerra, e, como não esqueço que estou discutindo o assunto na generalidade, reservar-me hei para, quando êle fôr discutido na especialidade, citar alguns números e apresentar algumas propostas tendentes àquele objectivo que todos nós procuramos atingir, isto é, o prestígio das instituïções militares, porque elas ainda são hoje absolutamente indispensáveis para assegurar a fôrça moral, que permita a vida de cada Estado, mantendo íntegra a nacionalidade.
Sr. Presidente: nas considerações que vou produzir, acêrca do orçamento do Ministério da Guerra, farei algumas referências à ilustre comissão do guerra, e sem que isso represente, de forma alguma, uma crítica, mas apenas um reparo, que julgo justificado, acêrca da maneira como essa comissão tem trabalhado.
Devo dizer que a comissão de guerra não tem trabalhado com a dedicação que todos nós desejaríamos, pois que, em vez de dar os seus pareceres sôbre àqueles projectos ou propostas de lei de interêsse nacional, se tem limitado a relatar projectos o propostas de lei de interêsse muito restrito.
É êste facto que julgo pouco harmónico com as necessidades mais instantes do exército.
A comissão de guerra tem entregue ao seu parecer e estudo, projectos e propostas de lei do uma enormíssima importância para a vida das instituïções militares.
A comissão de guerra tem, entre outros projectos e propostas de lei, aquela que se julga fundamental, respeitante a reorganização do exército.
Pois a comissão de guerra está à espera da resolução da outra comissão da reorganização dos serviços públicos para tratar então da reorganização do exército!
O Sr. Albino Pinto da Fonseca, que é há alguns anos o relator da comissão de guerra, quando Delatou o orçamento de 1921, afirmou que era indispensável a reorganização do exército.
Pois são decorridos dois anos e ainda não veio a reorganização do exército, que na opinião de alguns técnicos é indispensável, para aproveitarmos os ensinamentos da Grande Guerra.
Não me admirava que não se fizesse a reorganização do exército.
Todos sabem que a França que entrou na guerra mais directamente, que teve, sem dúvida, os maiores generais contemporâneos, a França ainda não reorganizou o sou exército, mas tem procurado aquelas modificações que tendem a uma reorganização do seu exército.
A França discutiu o ano passado a lei do recrutamento militar, e está discutindo no Senado esta proposta de lei; mas na França os técnicos que se dedicam a assuntos militares, quer na Câmara dos Deputados, quer no Senado, têm dedicado a sua atenção à reorganização do exército, e sabe o Sr. Ministro da Guerra, que é um oficial distintíssimo do nosso exército, qual a organização futura, prevista para o glorioso exército francês.
Entre nós não sabemos qual a reorganização futura do exército.
Nada se tem feito, e o a projectos e propostas ficam eternamente na comissão de guerra, para serem estudados.
É esta a acusação formal, que faço a essa. comissão parlamentar, mas preste homenagem individual aos seus ilustres membros.
Entre nós temos a pulverização de todos os serviços, e se consultarmos o orçamento do Ministério do Guerra vemos que muitas verbas são mesquinhas e deficientíssimas.
É contra êste sistema que voto em contrário.
Para êste facto chamo a atenção da Câmara e, especialmente, do Sr. Ministro da Guerra, porque sei que S. Ex.ª tem grande desejo que as instituïções militares possuam os elementos essenciais à sua existência prestigiada. Sei, que o Sr. Ministro da Guerra, inteligência culta e que às questões militares tem dedicado a sua magnífica actividade, quererá modificar o actual estado de cousas. Permito-
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-me emitir a opinião que nos cumpre concentrar os efectivos, suprimir muita comissão inútil, evitar muito desperdício. É urgente fiscalizar e prosseguir com perseverança em uma obra de sã administração. O Ministro só administra, somente quando verifica as más conseqüências das disposições vigentes e tem a coragem moral de as suspender pedindo ao Legislativo outras disposições mais consentâneas com o interêsse geral.
Eu sei, Sr. Presidente, que há uma grande dificuldade em adoptar as medidas enérgicas, que a situação reclama. Essa dificuldade provém de se gastarem verbas ingnificantes com o material, consumindo-se, principalmente, grandes verbas para a manutenção do pessoal, que — por ser numerosíssimo — está mal pago e não se despendendo o suficiente com o seu aperfeiçoamento profissional, é necessàriamente pouco competente. As promoções são feitas por antiguidade e sem que seja possível averiguar a idoneidade dos promovidos...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — Só se pensa em promoções; daqui a pouco é tudo general e coronel...
O Orador: — Oportunamente responderei a V. Ex.ª
Sr. Presidente: dizia eu, em relação ao Ministério da Guerra — e as considerações que vou fazer poder-se-iam aplicar infelizmente a todos os Ministérios, porque todos enfermam do mesmo mal há grande dificuldade em tomar as medidas a que me vou referir. Eu sei, Sr. Presidente, que qualquer redução a fazer no Orçamento vai ferir os chamados direitos adquiridos, aqueles direitos que o espírito brilhante de Mousinho de Albuquerque chamava — «os direitos que o Estado tem de ser mal servido". Eu sei, Sr. Presidente, as dificuldades que encontrou o ilustre relator em relação ao Ministério da Guerra, quando procurava reduzir as despesas no orçamento; eu sei que a redução ia ferir interêsses particulares.
Sr. Presidente: num orçamento que dá ao pessoal 81:000 e tantos contos e destina a material 51:000, é claro que uma redução vai logo ferir interêsses.
Permita-me a Câmara que reedite uma expressão dalguém que foi um distintíssimo oficial do exército inglês, porventura o maior dos contemporâneos, o marechal Wilson, assassinado há pouco tempo. Disse o marechal Wilson, quando se discutia o projecto da remodelação dos serviços públicos, que há três espécies de exércitos: — os que são para evitar a guerra -, à disposição da política internacional; os que são para ganhar a guerra, que custam mais caros que os primeiros; e os exércitos que são feitos para perder a guerra.
Eu sei, Sr. Presidente, quais os exércitos a que Wilson se referia como sendo exércitos para perder a guerra. São os exércitos que, embora consumindo largas verbas, as despendem para manter uma burocracia inútil, estéril e atrofiadora; são os exércitos que não dispõem das verbas para adquirir material moderno nem, ao menos, aquelas importâncias mais reduzidas indispensáveis à conservação do material existente; são os exércitos que não se instruem, não selecionam os seus quadros; são os exércitos que não funcionam e só dispõem duma legislação fragmentária, atendendo aos interêsses de momento.
Eu sei, Sr. Presidente, que em Portugal há homens capazes de se baterem com heroísmo e defender a nossa Pátria, há oficiais competentes e de ardente patriotismo, mas o nosso exército pertence a terceira categoria do criterioso e infortunado marechal Wilson.
Respondendo ao ilustre Deputado Sr. Cancela do Abreu, que, há pouco, quis dar-me a honra duma interrupção, direi:
É exactamente por termos generais e coronéis a mais, que o exército está na situação em que se encontra. É por haver um excessivo número de funcionários, que o Estado não tem aquela vida desafogada que podia ter.
Contra êste facto são justificáveis todos os protestos.
A redução do funcionalismo civil e militar tem de se fazer, mas tem de se fazer com as necessárias cautelas porque como V. Ex.ª sabe há direitos adquiridos a que se deve atender.
Àparte do Sr. António Maia que não se ouviu.
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O Orador: — Sr. Presidente: vou continuar as minhas considerações mas antes permita-me V. Ex.ª que responda ao àparte do Sr. António Maia.
Sabe V. Ex.ª e desculpe-me a Câmara esta referência pessoal.
Pertence aos oficiais que tiveram a honra de pertencer às fôrças expedicionárias a África e a França; pois apesar disso não sou de opinião de S. Ex.ª, o Sr. António Maia, porque aqueles que verteram o seu sangue, aqueles que se bateram pelo engrandecimento da Pátria e da República são os que têm de dar o nobilíssimo exemplo de respeito pelos poderes constituídos, de fé no ressurgimento da nossa terra, deverão ser os primeiros a abdicar de todas as suas vaidades para porem acima de tudo o bem do seu país.
Se êsses são os primeiros a esquecer os seus deveres, deverão ser mais rigorosamente punidos, deverão ser castigados com o máximo rigor, pois que o seu acto tem mais nociva repercussão.
É assim que compreendo os meus deveres e aqueles, que me ouvem e me conhecem, sabem que não há na minha vida qualquer acto que demonstre o contrário do que afirmo.
Agradecendo ao Sr. Ministro a maneira como está ouvindo a minha exposição, peço a S. Ex.ª que note as considerações que vou submeter à apreciação da Câmara.
Vou apresentar as bases da redução a fazer, a maneira como julgo possível essa redução, falando como já tive ocasião de dizer, em meu nome pessoal, sem que as responsabilidades da minha opinião possam incidir sôbre qualquer agrupamento político.
Acho que a situação de independente é contrária à essência do regime parlamentar natural, mas neste caso, sinto-me satisfeito por me encontrar livre de compromissos políticos, que constrangiriam a minha opinião, sem vantagem para o país e talvez em detrimento do exército.
Desassombradamente posso dizer a orientação que julgo mais favorável ao prestígio da instituïção militar e aos altos interêsses da República.
Sabem os que me conhecem, que tenho responsabilidades especiais pelas minhas funções profissionais, tenho responsabilidades que não enjeito, julgando portanto, que as opiniões que vou submeter à apreciação da Câmara são opiniões que obedecem àqueles princípios doutrinários, tantas vezes esquecidos e postergados.
Dizia o actual Presidente do Ministério o antigo Presidente da República Francesa, que o único programa que tem valor, é aquele que se realiza.
Evidentemente, se a política militar que vou definir não fôsse uma política de realizações seria absolutamente inútil que viesse apresentar apenas pontos de vista doutrinários.
Se assim sou um valor apagado, seria absolutamente inútil estando a fazer à Câmara o tempo necessário para esta exposição, pouco brilhante, pois me faltam as qualidades essenciais a um orador, que atraiam uma assemblea tam ilustre, mas dispersiva, mas uma exposição honesta, e que a um agrupamento de terceiros poderia mais agradar e suscitar a contraditória, que melhorassem a solução que vos proponho nas suas linhas gerais.
Devíamos adoptar bases de redução, que concentrassem os efectivos e descentralizassem os serviços.
Sabem V. Ex.ªs que o Ministério da Guerra consome um total — em números redondos — de 139:000 contos, e apesar desta enorme verba o Sr. Ministro da Guerra encontra grandes dificuldades para acudir à pulverização e multiplicidade de serviços, que se justificam e são indispensáveis para essa disseminação.
Nós precisamos remodelar o exército e em condições tais que não excederia as atribuïções do Poder Executivo.
O Govêrno, por todos os Ministérios, devia adoptar a política de compressão de despesas, conseqüente da selecção rigorosa e justa das competências, estabelecendo sanções para que só continuassem na efectividade os bons funcionários.
Desta maneira remediar-se-ia o gravíssimo inconveniente do grande número de funcionários que nada fazem e desmoralizam todo o organismo.
Nada pior do que funcionários sem funções, e o maior número dos nossos funcionários não sabe o que há-de fazer, estiolando-se no vácuo da sua inutilidade.
É indispensável que se faça a redução dos quadros, mas por uma forma criteriosa, fazendo uma selecção justa, sem favoritismo.
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Sabe bem o Sr. Ministro da Guerra, que foi ilustre professor na Escola de Guerra em 1919, e que dirigiu uma escola de oficiais, a necessidade que tem o nosso exército de aperfeiçoar os seus quadros ministrando-lhe a necessária instrução.
E possível, é indispensável reduzir os quadros.
Os exércitos modernos são em campanha exércitos em que os oficiais de complemento — nos postos de capitão e subalterno — constituem uma enorme proporção.
Mas essa redução deverá ser conjugada com outras medidas essenciais para facilitar a utilização das actividades dispensáveis no exército, durante a paz.
Os quadros reduzidos serão principalmente, instrutores e monitores.
Assim a concentração dos efectivos, reduzirá muitas despesas e simplificará, os serviços.
Se reduzirmos as divisões militares a três, são essas divisões os núcleos da instrução, sem prejuízo do mantermos as oito regiões territoriais no continente da República, com os seus 32 distritos do recrutamento, como núcleos de recrutamento, mobilização e remonta e onde se realizariam as escolas de repetição.
Em lugar de distribuir os recrutas pelos 32 regimentos de infantaria do continente, poderíamos concentrar os recrutas em um pequeno número de unidades, o que facilitaria a instrução pela maior facilidade de aproveitar as aptidões diversas do quadro instrutor e permitiria uma fiscalização profícua.
Interrupção do Sr. Estêvão Águas.
O Orador: — Êsse projecto não tem base séria, não resistindo à mais ligeira crítica.
Por muita consideração que nos mereça a alta cultura financeira do ilustre autor dêsse projecto de lei, com êsses conhecimentos especiais, não poderia o mesmo ilustre colega apresentar um projecto tam extremista, que é irrealizável, embora o autor dêsse projecto pertença ao chamado Partido Conservador Constitucional, certamente o seu programa partidário não poderia inscrever êsse princípio de exércitos locais, que os próprios avançados em todos os estados não ousam proclamar.
As minhas considerações são baseadas em dados absolutamente rigorosos, têm uma base doutrinária perfeitamente assente, e, para argumentar e refutar as minhas opiniões, será essencial empregar o mesmo método.
A concentração dos electivos, quando nos referimos aos recrutas, poderia ser feita exclusivamente em campos divisionários fie recrutas, onde durante êsses períodos se vivesse uma existência militar inteira, adoptando os modernos preceitos de disciplina, adextrando profissionalmente e preparando os espíritos, criando em torno do exército, uma aureola de respeito, proveniente da forma rigorosa e da maneira devotada como oficiais instrutores e graduados monitores, desempenhassem os deveres dos seus cargos.
Só um pequeno número de unidades unificou os seus quadros permanentes de oficiais, graduados e tropas.
As outras unidades, teriam um restrito número de oficiais e graduados, durante todo o ano, mas era um determinado período, todos os oficiais e graduados, que constituíssem os seus quadros, teriam uma fase de instrução de quadros intensiva, servindo para êste fim.
Se os comandos forem escolhidos e seleccionados, êste sistema evitará a atonia do momento tremendo e acabrunhador que passa.
Actualmente o Ministro da Guerra não pode transferir para localidades diversas, um oficial ou graduado, pois as dificuldades de alojamento são tam grandes, que há oficiais que encontrando-se, há mais de seis meses, em determinadas cidades do país, ainda vivem em hotéis.
Na hipótese que estabeleci, o Ministro da Guerra poderia colocar os oficiais e graduados em qualquer unidade, conforme as necessidades, e êsses oficiais seriam apenas obrigados a apresentarem-se em determinada época do ano, para satisfazerem à instrução própria dos quadros e às escolas de repetição.
Não haveria assim dificuldade em ter todos os regimentos o devido número de oficiais, e haveria facilidade em permitir que os oficiais desempenhassem certos serviços ou tivessem empregos particulares, sem prejuízo da sua eficiência profissional.
Actualmente as praças estão distribui-
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das igualmente por todas as unidades, os oficiais e graduados são obrigados a permanecer junto delas.
Os resultados desta uniformidade, são bem evidentes e bem dolorosos para o prestígio das instituïções militares.
Suponho que nas atribuïções do Ministro da Guerra, estará a realização do sistema, que preconizo: o número de unidades fica, o que existe e só a distribuïção do pessoal deixa de ser uniforme para atender às necessidades da instrução de tropas e dos quadros, difícil e de fraco rendimento pelo sistema até agora seguido.
Vários pormenores são interessantes de referir: tantos e tam ilustres oficiais do exército tem passado pela pasta da Guerra, e ainda não houve quem suprimisse êsse cargo sem funções, e portanto irrisório de um segundo comandante dos regimentos da reserva.
Sr. Presidente: o Ministro da Guerra podia, dentro das suas atribuïções, reünir as unidades activas, com as unidades de reserva, sem que daí adviesse qualquer inconveniente.
Nalguns exércitos faz-se o desdobramento das unidades exactamente por êste processo, o que traz uma grande economia.
As funções de chefe de distrito do recrutamento poderiam ser desempenhadas por certos oficiais das unidades activas.
Mas dir-me hão: o que se há-de fazer a tantos e tantos oficiais do exército depois desta redução?
Estou absolutamente convencido de que os serviços do Estado apenas têm a ganhar dotando as unidades com o número indispensável ao conveniente desempenho dos vários serviços e deixando que os funcionários em excesso tenham uma situação transitória de disponibilidade, com uns determinados vencimentos, isto é, sem exercício.
Esta solução do problema seria muito vantajosa e evitaria que o exército, como todos os outros serviços públicos, continuem pejados de indivíduos a mais, que só servem para baralhar e confundir êsses mesmos serviços.
Sr. Presidente: quando fôr discutido o orçamento do Ministério da Guerra, terei a honra de apresentar várias propostas tendentes a conseguir o objectivo definido, até onde me seja possível pelas disposições e carácter duma proposta orçamental, que não pode ser uma remodelação de serviços.
Se a comissão do Orçamento reunisse e discutisse a questão importante da fixação das despesas, do Ministério da Guerra, aí apresentaria as emendas, que permitem atender à necessária economia, concorrendo para a maior eficiência do exército.
Infelizmente é bem conhecida a maneira irregular como funcionam, com raras excepções, as comissões parlamentares.
Pode afirmar-se que não funcionam.
Os relatores elaboram os seus pareceres e angariam as assinaturas para constituir a maioria numa hipotética sessão.
Nestas circunstâncias o estudo apresentado, é puramente individual e os próprios membros das comissões são obrigados a intervir no debate e a esclarecer a discussão das propostas e projectos de lei, pela primeira vez, quando são apreciados em sessão da Câmara.
É êste um dos graves defeitos do funcionamento do regime parlamentar, que deveria ser corrigido.
Sr. Presidente: referiu-se o ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia à desorganização em que se encontra o Campo Entrincheirado de Lisboa.
Aproveito também a ocasião para chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o mesmo assunto, pois o meu critério da concentração dos efectivos, deveria ser aplicado, sem prejuízo, antes assegurando o maior valor defensivo do Campo Entrincheirado de Lisboa.
Não fiz, Sr. Presidente, o estudo detalhado do assunto, bastante complexo, faltando-me para isso o tempo e não me julgando com a competência especializada.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Uma cousa há, Sr. Presidente, com a qual não estou de acôrdo, e considero mesmo um êrro dizer que se deve adoptar os quadros de 1911.
Não pode ser, Sr. Presidente: e não pode ser por isso que há serviços que não existiam em 1911 e que são absolutamente indispensáveis ao exército, a fim de bem desempenhar as suas funções, dada a nossa situação internacional e bem
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assim a nossa política em relação ao país vizinho.
Temos, Sr. Presidente, 20 generais no quadro permanente e 3 generais supranumerários.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Aliás 5; tendo além disso também um almirante.
O Orador: — Estou convencido, Sr. Presidente, de que êsse quadro poderia muito bem ser reduzido a 12, ficando ainda em condições de bem desempenhar as suas funções.
Referiu-se, Sr. Presidente, o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu a um almirante. Um almirante não pertence ao exército, mas à gloriosa armada portuguesa.
Efectivamente, Sr. Presidente, existe êsse almirante, lugar êsse que foi criado pelo Parlamento, e a meu ver muito bem, por isso que foi concedido a um homem que não quis atraiçoar a República num difícil momento político, quando das rebeliões de Monsanto e do norte do País, conhecido com o ferrete da Traulitânia. Êsse homem hão pactuou com aqueles que serviram a República em cargos e comandos de confiança para mais fàcilmente alcançarem estrangular a República. Não o conseguiram e para jugular essa sedição tam aviltante como essas incursões vindas de país estrangeiro muito concorreu êsse eminente almirante. Por isso o Sr. Cancela de Abreu se referiu com acrimónia a despropósito do exército a um almirante.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Eu reservo para mim o que sinto a êsse respeito.
O Sr. António Maia: — V. Ex.ª referiu-se ao almirante Canto e Castro por isso que êle não quis atraiçoar a República.
O Orador: — Sr. Presidente: desculpe V. Ex.ª que eu tivesse respondido ao àparte do Sr. Cancela de Abreu, mas êle tinha uma intenção que não podia deixar de merecer o meu protesto. Não tive o intuito de melindrar S. Ex.ª, e apenas aludi a um facto da política geral do País, facto que é do conhecimento de todos. Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Tem o Sr. Carvalho da Silva razão em se referir aos muitos oficiais que há além dos quadros, mas êsse facto é de ordem geral, pois todos os exércitos e todas as armadas têm hoje os seus quadros excedidos e Portugal não podia deixar de sofrer as conseqüências da guerra.
Se, porém, S.. Ex.ª tivesse honrado com a sua atenção as minhas palavras, teria observado que condenei justamente êsse facto.
Confio em que o oficial ilustre que actualmente desempenha as funções de Ministro da Guerra trará a está Câmara a proposta que regule de uma maneira difinitiva as promoções no exército. Mas não bastará apenas apresentá-la, porque — e mais uma vez tenho, infelizmente, de me referir à comissão, de guerra — desde o princípio da passada sessão legislativa essa comissão tem entregue ao seu estudo uma proposta de lei referente ao aumento da taxa militar, proposta que, apesar de ter sido apresentada por um Ministro pertencente à maioria, ainda não tem o respectivo parecer.
O Sr. Estêvão Águas (àparte): — Declaro que o relator dessa proposta é o general Sr. Pereira Bastos.
O Orador: — Sr. Presidente: não estou aqui a fazer referências de carácter pessoal. De resto, quando o facto da ordem daquele que apontei se dá, a responsabilidade não é de um Deputado, mas de toda a comissão, e, como V. Ex.ª sabe, a proposta a que me referi tende a actualizar a taxa militar, elevando para 10$ a taxa fixa que, apesar da desvalorização da nossa moeda, é ainda de 1$20.
Sr. Presidente: o Sr. António Maia é absolutamente injusto na referência directa que me faz, por isso que sou daqueles que têm protestado contra as vantagens que têm sido dadas aos oficiais do estado maior. É certo que essas vantagens não estão na lei, mas essas são as conseqüências de não ter sido estabelecido um regulamento de promoções.
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V. Ex.ª que é um técnico, sabe que há oficiais que tem tido grande aceleração nas promoções, o que prova que há quadros que estão muito adiantados em relação a outras armas.
A equiparação não é um benefício particular que se dá aos oficiais, é um benefício de ordem geral que se dá às armas para promoção ao generalato, mas necessita duma disposição equilibradora, dum freio.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Felizmente que êsse freio vai aparecer. Os oficiais do estado maior querem fazer com que sejam só êles promovidos a general.
O Orador: — Isso é uma insinuação.
O Sr. António Maia: — É voz pública.
O Orador: — Mas nem sempre a voz do povo é a voz de Deus.
Sr. Presidente: não estou aqui a defender determinada classe.
Sabe o Sr. Ministro da Guerra que é absolutamente indispensável regular as promoções, de forma a evitar que haja oficiais bastante novos em postos superiores; é indispensável evitar a desordem hierárquica que existe nos quadros.
Portanto, repito, deve o Sr. Ministro de Guerra trazer ao Parlamento uma proposta regulando as promoções, estabelecendo a base equilibradora que qualquer oficial não poderá ser promovido ao pôsto imediato sem que tenha um certo número de anos de serviço como oficial.
Só assim podemos regular esta questão das promoções, adoptando-se uma lei de equiparações semelhante à nossa antiga lei dos quintos.
Vários àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: já nesta Câmara um ilustre Deputado afirmou que com a guerra todos, mais ou menos, ganharam em promoções, e o Sr. Ministro da Guerra teria, por assim dizer, autoridade moral para estabelecer um freio a essas promoções e evitar que se continuassem a produzir os factos infelizmente ocorrentes.
Pelo que diz respeito aos sargentos é de toda a conveniência atender à situação um que se encontram êstes elementos, que são auxiliares indispensáveis dos oficiais, e cujo futuro deveria ser acautelado como condição do seu melhor recrutamento.
Podíamos e deveríamos aplicar com o maior rigor a lei empregos públicos para os sargentos.
Quero também chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para os serviços autónomos, cujas receitas e despesas não são conhecidas desta Câmara. A questão do serviço de fiscalização não pode continuar entregue às mesmas entidades que dirigem e executam a administração militar.
Brevemente submeterei à apreciação da Câmara um projecto destinado a criar um «Serviço de fiscalização militar» autónomo, independente do comando e tecnicamente subordinado ao Conselho Superior de Finanças, organismo fiscalizador, organismo que deverá ser criado recrutando-o entre os oficiais do exército, podendo provir das diferentes armas e do serviço de administração militar.
Em muitos exércitos existe êsse organismo fiscalizador, incumbido de averiguar da maneira como são aplicadas as verbas para as diversas despesas do Ministério da Guerra, investigando da sua oportunidade e legalidade.
Em Portugal nada existe, embora algumas tentativas, logo abandonadas, no sentido dêste respeito pelos princípios administrativos.
É absolutamente necessário que as despesas dos organismos autónomos sejam fiscalizadas, como, per exemplo, a verba destinada aos serviços de aeronáutica, automobilismo militar, do Arsenal do Exército, Manutenção Militar e muitos outros.
E uma despesa extraordinariamente avultada aquela que se faz com êstes serviços.
Não quere dizer que não seja necessária, mas o certo é que essas despesas tam consideráveis escampam por completo à fixação do Poder Legislativo e as suas receitas privativas são desconhecidas do próprio Ministro. É urgente acabar com tal situação anormalíssima.
A areonáutica do exército devia estar ligada à arconáutica naval.
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Não quero demorar a atenção da Câmara sôbre êste assunto, mas julgo do meu dever pedir ao Sr. relator do orçamento da Guerra que estude a maneira de conseguirmos a fusão dos dois Ministérios, da Guerra e da Marinha, em um só Ministério da Defesa Nacional, o que permitiria uma administração mais económica do que o sistema actual. Assim, as duas aviações, os dois arsenais, do Exército e da Marinha, e tantos outros serviços seriam extraordinariamente simplificados quando subordinados a um único departamento ministerial.
Daí adviriam consideráveis vantagens, sem haver qualquer inconveniente para a marinha, que eu sei, na sua maioria, é contrária ao desaparecimento dos dois Ministérios, para constituírem o Ministério da Defesa Nacional.
Interrupção do Sr. Jaime de Sousa que não se ouviu.
O Orador: — Sr. Presidente: conheço perfeitamente até onde chega o meu estudo, conheço tanto quanto possível a organização do Ministério da Marinha em todos os seus detalhes; êsse conhecimento leva-me a afirmar que a circunstância de existirem serviços especiais no Ministério da Marinha não justifica a sua existência.
Eu sei, Sr. Presidente, a necessidade que temos dum bom exército, duma boa marinha, não duma marinha como a que temos, não dum exército como o que existe.
Portugal, pela sua situação internacional, precisa uma marinha que lhe garanta a liberdade dos mares, mas isso não quere dizer que seja necessário o Ministério da Marinha, porque o Ministério da Defesa Nacional poderia atender perfeitamente a essas necessidades. Não são as questões de defesa nacional que principalmente preocupam os Ministros da Marinha, mas antes os assuntos que poderemos chamar de fomento marítimo, os quais melhor estariam no Ministério do Comércio e Comunicações, constituindo uma direcção geral da marinha mercante, pôrtos e faróis, constituída nos seus organismos superiores por técnicos navais.
Sr. Presidente: vou referir-me a outra importante questão: às escolas de recrutas.
O actual orçamento fixa o número de recrutas em 28:180.
O Sr. Presidente agita a campainha, pedindo ordem.
O Orador: — Sr. Presidente: se estou a cansar a atenção da Câmara é porque receio que a comissão da Orçamento não reúna, e depois não seja fácil, durante a discussão na especialidade, introduzir aquelas modificações que neste momento julgo necessárias para prestigiar as instituïções militares.
Sr. Presidente: vou referir-me à questão das escolas de recrutas sem entrar em detalhes, pedindo a atenção do Sr. Ministro da Guerra e do Sr. relator para o que vou dizer.
Como já referi, o Orçamento fixa o número de 28:180 recrutas, destinando à cavalaria 2:000 recrutas.
Já no ano passado, quando o orçamento da guerra foi discutido nesta Câmara, tivera honra do apresentar uma proposta, em que indicava a distribuïção dos recrutas pelas diferentes armas; actualmente vem essa distribuïção feita por uma forma que eu mais detalhadamente apreciarei, quando se discutir a especialidade.
Por agora desejo simplesmente chamar a atenção para o seguinte facto.
Destinam-se à arma de cavalaria, 2:000 recrutas.
Temos um número de solípedes de 1:613.
O Sr. Ministro da Guerra sabe as dificuldades em que se encontram as unidades de cavalaria; os recrutas de cavalaria têm trinta semanas de escolas de recrutas, mas essa instrução necessita solípedes e êstes não existem.
Ministrar a instrução dos recrutas em condições defeituosas, é duplamente prejudicial: nocivo pela perda de tempo e de dinheiro, que representa, e ainda pior pelo descrédito, que traz ao exército, não alcançando que os recrutas concluam o seu primeiro período de instrução militar respeitando as instituïções militares, pela maneira útil como o tempo passado naquela instrução foi aproveitado.
O número de recrutas destinado à cavalaria, não deverá exceder 1:000 mancebos, pela proporção desta arma, propriedades técnicas e reduzido efectivo de cavalos para a instrução.
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Ainda a atenção do Sr. Ministro da Guerra deve ser ferida- pelo que está determinado, e deverá ser revogado no respeitante à encorporação nas companhias de saúde.
Julgo que a encorporação deveria ser feita em infantaria para a primeira parte da instrução, pois que os oficiais médicos, com muito raras excepções, não possuem as difíceis qualidades de um bom instrutor.
O desbaste (chamemos-lhe assim) dos novos soldados, realizar-se-ia durante as dez primeiras semanas nas unidades de infantaria e em seguida os homens julgados menos aptos para a infantaria, ou com aptidão especial para o serviço de enfermeiros, seriam transferidos para os grupos de saúde, onde receberiam a instrução complementar.
Um ilustre Senador apresentou na outra casa um projecto que reputa gravíssimo para o exército e incontitucional; quando êsse projecto chegar a esta Câmara procurarei demonstrar que é inconstitucional, em face do artigo 68.º
Chamo a atenção do Sr. relator para a possibilidade do reduzir o efectivo orçamental das escolas de recrutas em harmonia com os dados estatísticos e com a vantagem de reduziria duração dessas escolas para determinados indivíduos de maior cultura mental.
Interrupção do Sr. Pinto da Fonseca, que não se ouviu.
O Orador: — Agradeço a explicação do Sr. relator e devo dizer a V. Ex.ª que pedi, já há tempos, que o Ministério da Guerra me informasse qual o número de recrutas actualmente encorporados nas diferentes unidades, o que já era uma base, mas êsse documento ainda não me foi entregue.
Não há necessidade de encorporar todos os recrutas, sujeitando-os a um mesmo período de instrução.
Aqueles que se apresentassem com aptidão física e conhecimentos militares frequentariam pelotões especiais de recrutas e seriam os futuros graduados e oficiais do complemento ou — como se diz entre nós — milicianos.
Neste ponto os legisladores de 1911 copiaram rigidamente a organização militar da Confederação Suíssa.
Se a comissão de guerra, em vez de colocar na pasta para estudar quando fôr reorganizado o exército, os projectos de interêsse geral, como aquele que apresentei reduzindo as escolas de recrutas e permitindo que êsses homens escolhessem a sua unidade e impondo-lhes a obrigação de se fardarem à sua custa, teríamos, se calcularmos em 10 por cento os homens que anualmente se apresentam nessas condições, uma economia de 869.634$80.
Por conseqüência, Sr. Presidente, é possível estabelecer o serviço pessoal obrigatório, com esta variante, que só tem vantagens para o prestígio do exército, para a economia da nação e para as finanças do país.
Outro ponto a que me quero referir é à reorganização necessária dos órgãos centrais do exército, ou seja Ministério da Guerra e estado maior do exército.
Sr. Presidente: o Ministério da Guerra, ao abrigo do artigo 230.º do decreto de 25 de Maio de 1911, que permite, fora da intervenção do Poder Legislativo, a reorganização da secretaria da guerra.
Já um ilustre Deputado que me antecedeu na discussão desta proposta de lei se referiu à centralização asfixiante que existe no nosso país, a qual prejudica o mais conveniente funcionamento daqueles organismos.
A organização do Ministério da Guerra tem êsse carácter de centralização e burocrático, inerte e incapaz de se aperfeiçoar, tirando aos órgãos locais as faculdades de iniciativa e impondo as responsabilidades, absolutamente essenciais àqueles que têm de exercer comandos importantes.
O actual Sr. Ministro da Guerra, apesar das suas grandes faculdades de trabalho, vê-se assoberbado com as funções do seu cargo, as quais exerce com dificuldade, porque se lhe exige uma acção de presença em muitas circunstâncias e lugares, para dar alento àqueles que trabalham e para dar incitamento, com a sua palavra de patriota, aos seus subordinados.
O Ministério da Guerra foi reorganizado em 1911, em melhores bases do que as anteriores, mas actualmente é um organismo essencialmente complicado que exerce uma acção asfixiante.
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É indispensável modificá-lo.
A Espanha reorganizou o estado maior do exército integrando nesse organismo superior do exército aqueles ensinamentos que a prática da Grande Guerra aconselhou.
A nossa organização do exército fixa em 53 o quadro dos oficiais do estado maior. Mas, havendo tantos oficiais nesse corpo, pregunto: onde estão, quando há divisões militares que não têm chefe dó estado maior?
Onde é que estão, quando êsse quadro apresenta 52 coronéis e tenentes-coronéis?
Eu sei que o Sr. Ministro da Guerra, que é um oficial zelador devotado do prestígio do exército, há-de remediar êste estado de cousas, colocando êsses oficiais onde devem estar e evitando comissões que não correspondem a necessidades imediatas.
Voltando a referir-me à Secretaria da Guerra, desejaria — no interêsse que, creio, todos me reconhecem pelo prestigio das instituïções militares e no amor que tenho ao exercício da minha profissão — desejaria, digo, que fôsse exactamente o Ministério da Guerra que dêsse o exemplo aos outros Ministérios duma reorganização administrativa moderna; assente nos princípios em que se baseia a administração de qualquer estabelecimento particular; que dêsse o exemplo duma fiscalização criteriosa, sem querei exercer, é claro, uma acção de desconfiança, que se reflecte na orientação centralizadora do seu actual e inconvenientíssimo funcionamento. Oriente-se essa organização pelos princípios salutares da divisão do trabalho, da máxima descentralização, da mais ampla iniciativa e das correlativas responsabilidades, e assim verificaremos que, em pouco tempo, uma atmosfera vivificadora animará todo o organismo. Êsse órgão central deve ser apenas coordenador e fiscalizador, deverá ter um pequeno número de funcionários. Na própria Inglaterra dizia, há pouco, Sir Cric Geddes, no seu relatório sôbre a remodelação dos serviços públicos, que, para deminuir o expediente e reduzi-lo ao indispensável, só há um meio: é a supressão dos funcionários que o executam.
O problema da plétora de oficiais superiores não pode deixar de ser atendido pelo Ministro da Guerra. Há muitos oficiais superiores, oficiais superiores em excesso, o que, além do inconveniente orçamental e da estagnação nas promoções, tem a desvantagem de não haver comissões e comandos para todos, ficando grande parte em comissões sem funções, o que é imoral. Há só um meio de atenuar êste mal: é tornar o pôsto independente da função, como há tanto tempo venho a proclamar. Só assim se aproveitarão as aptidões de muitos oficiais. Esta medida nenhum prejuízo produz na boa disciplina do exército. É uma medida que se impõe. É uma medida de boa administração. Tome-se esta resolução e evitar-se há êste tremendo êrro de haver tantos funcionários para um número restrito de funções.
Conforme êste critério, quando fôr discutido, na especialidade, o orçamento do Ministério da Guerra proporei, a exemplo do que fiz o ano passado, suprimir a verba destinada ao pagamento de médicos civis e veterinários civis.
Não se justifica que se esteja pagando a médicos civis quando há médicos militares.
É também um dos graves inconvenientes do sistema anárquico que se seguiu nas promoções; como há oficiais superiores em excesso, criaram-se cargos e comissões bem dispensáveis, que o funcionamento regular dos serviços não exigia, só para dar funções a quem as não tinha pelo seu pôsto, mas deixando de exercer outras funções mais.
Àpartes diversos.
O exército e a armada têm esta grande vantagem sôbre todos os outros organismos: têm individualidades, embora modestas, como sou, técnicos profissionais que falam a inteira verdade ao País, e com uma grande fé no ressurgimento moral e material, uma grande ânsia de vida nova, prestigiante para a República; dizem claramente os inconvenientes, apontam os remédios e procuram efectivar uma política de realizações, de saneamento, de aperfeiçoamento do principal organismo defensivo português.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Nesse caso são os Deputados que falam e não os militares, porque então lá estaria o regulamento disciplinar.
Trocam-se àpartes.
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Sessão de 8 de Março de 1923
O Orador: — Foi por assim pensar que tratei no Parlamento do caso, Sr. António Maia. Não é como militar, é como Deputado que desta tribuna estou falando ao País, ventilando um assunto em que estou especializado. E em todas as minhas considerações, sem eloqüência, mas sinceríssimas, não encontra a Câmara uma frase prejudicial à disciplina, nociva ao prestígio do exército, não existe uma palavra de derrotismo.
Cito os defeitos, mas anima-me um acalentador optimismo baseado nas virtudes da raça.
Sei bem distinguir, Sr. António Maia, as minhas funções de Deputado e de militar.
Ainda não aludi a qualquer caso pessoal, e nas minhas considerações não há uma única palavra que possa ofender o prestígio das instituïções militares.
Pelo contrário, das minhas palavras resulta sempre o intuito de bem servir as instituïções militares.
Ponho os interêsses do exército acima de tudo, e é com êsse intuito que chamo a atenção do Parlamento e a atenção do País.
Outro facto de que vou tratar, não detalhadamente porque a hora vai adiantada, é a necessidade de reorganizarmos as escolas militares. As quatro escolas militares, que estão sob a acção do Ministro da Guerra, têm actualmente 1:266 alunos, que consomem uma verba de 1.749:248$. Evidentemente que estas escolas têm uma grande função a desempenhar, mas precisam duma remodelação de forma a obtermos o mesmo resultado com uma maior economia.
Não é esta a ocasião de detalhadamente tratar êste ponto e definir a política pedagógico-militar que me orienta.
Se o Sr. Ministro da Guerra quiser trazer a esta Câmara a conveniente proposta de lei, nessa altura se poderá tratar do assunto e então verificar-se há a possibilidade duma necessária economia sem prejuízo da eficiência dêsses estabelecimentos modelares.
Chamo a atenção da comissão de guerra para o facto de ter em seu poder um projecto de lei que eu e o ilustre Deputado Sr. Vicente Ferreira tivemos a honra de apresentar à Câmara e que está em estudo nessa comissão.
Como V. Ex.ªs sabem, há um grande número de oficiais a mais em algumas armas, e faltam em outras.
Dentro do critério que tem sido seguido em muitos exércitos estrangeiros apresentámos um projecto de lei tendente a transferir de umas armas para outras, das armas que têm excesso para aquelas que têm falta, um certo número de oficiais subalternos.
Isto faz-se em muitos exércitos estrangeiros, e até no próprio exército francês, e com oficiais superiores.
O exército francês, tendo um grande número de oficiais de infantaria e cavalaria, transfere êsses oficiais para a artilharia e engenharia, que tem um notável deficit, como entre nós.
O projecto de lei a que me refiro alvitra esta transferência simplesmente para os subalternos, porque há um grande excesso de subalternos na infantaria, cavalaria e artilharia de campanha e uma grande falta na engenharia e artilharia a pé.
Com êsse projecto nós podíamos atender a essa situação, mas infelizmente a comissão de guerra pôs êsse projecto na tal pasta fatídica, e ali está esperando que chegue o ocasião em que se tratará da reorganização do exército.
Prestando homenagem aos ilustres membros da comissão de guerra, não posso, porém, deixar de protestar contra tal orientação, contrária aos mais elementares usos duma administração anterior.
A comissão de guerra, àqueles projectos que interessam os funcionários do exército, mete-os numa pasta que contém todos aqueles documentos sôbre os quais não julga oportuno dar os respectivos pareceres e alega que constituirão um conjunto de disposições a considerar no plano geral da reorganização do exército. Assim tem sucedido com os projectos que temos tido a honra de entregar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e que nada têm com a futura organização do exército.
De facto, que tem a lei de promoções de todos os projectos o mais importante, com a reorganização do exército?
Nada se tem feito, por culpa da comissão de guerra. A França está reorganizando o seu exército e fixou as três leis fundamentais: recrutamento, organização geral do exército, e quadros ofectivos de paz.
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Diário da Câmara dos Deputados
Porque não se segue esta orientação? Nem esta nem qualquer. Projectos importantes independentes das três leis basilares são esquecidos.
Ao passo que no sistema de reorganização francesa se revela o intuito de harmonizar convenientemente êste grande edifício, que é um exército em linhas convenientes, ao passo que isto se faz Sr. Presidente, a comissão de guerra dá os seus autorizados pareceres sôbre muitos projectos fragmentários, projectos de interêsse restrito; e êsses projectos vêm não só da comissão de guerra como das outras.
É êste facto, Sr. Presidente, que me parece pouco razoável, e é por isso que eu lamento o processo de trabalho das comissões.
Sr. Presidente: para concluir as minhas já tão longas considerações, vou referir-me à questão dos hospitais militares.
Não cito números, quero apenas indicar as minhas conclusões.
Ao serviço dos hospitais militares estão 758 praças que consomem 883.043$80, assim como 28 enfermeiras.
Primeiramente, Sr. Presidente, se fôsse seguida a orientação que preconiza na remodelação do exército, alguns hospitais de 2.ª classe e uma grande parte dos hospitais de 3.ª classe seriam suprimidos, e essas verbas com que são dotados serviriam para melhorar os outros hospitais que subsistissem.
Mas, Sr. Presidente, temos em todos os Ministérios as chamadas dactilógrafas, que poderiam ser empregadas nos hospitais, e assim poderíamos ter 824 enfermeiras, substituindo 642 cabos e soldados que estão em serviço dos hospitais, o que seria muito melhor.
Isto é apenas um alvitre, porque sei as dificuldades que haveria, mas aqueles que tiveram a infelicidade, mas ao mesmo tempo a honra, de serem tratados pelas enfermeiras, conhecem que uma mulher tem as qualidades próprias para o desempenho do serviço de enfermagem, a que os homens dificilmente se adaptam. Sr. Presidente: é absolutamente indispensável fazer economias que garantam uma conveniente distribuïção de verbas e o melhor funcionamento do organismo militar.
Quero ainda chamar a atenção do Sr. relator do orçamento do Ministério da Guerra para o facto de ter passado mais um ano sem se realizarem as escolas de repetição e sem funcionar a Escola Central de Oficiais.
Se temos a ambição de ver o exército prestigiado, é absolutamente indispensável que se adoptem aquelas medidas que permitam preparar convenientemente os quadros de graduados e de oficiais; aquelas escolas de repetição são vantajosíssimas sob o ponto de vista profissional, pois representam o complemento da instrução militar anual e moralmente interessam ao exército e à Nação.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações agradecendo à Câmara a atenção com que me ouviu, depois de ter cumprido com o meu dever, chamando a atenção do País para os factos mais salientes e que exigem mais rápido remédio.
Falando ao País e ao exército dêste meu fauteuil de deputado, aproveitei o ensejo para assumir a responsabilidade de opiniões, que defenderei em todas as circunstâncias e contra todos os argumentos que se apresentem, mantendo o critério de que a conveniente economia só se pode fazer com a concentração dos efectivos, evitando-se a pulverização de serviços de vária ordem, sem as verbas necessárias que garantam o seu funcionamento. Independente de qualquer partido político, expus opiniões pessoais, a que V. Ex.ª e a Câmara darão a consideração que o vosso patriotismo e o vosso estudo determinarem.
Disse.
O Sr. Estêvão Águas (para interrogar a mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que me diga a que horas se encerra a sessão.
O Sr. Presidente: — A sessão deve encerrar-se à 1 hora. Como, porém, não há número, encerro-a já.
Eram 0 horas e 45 minutos.
O REDACTOR — João Saraiva.