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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 49
EM 12 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Respondem à chamada 48 Srs. Deputados.
Procedeu-se à leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — Prossegue o debate provocado pela interpelação do Sr. Álvaro de Castro ao Sr. Ministro das Colónias, usando da palavra os Srs. Delfim Costa, Aires de Ornelas e Brito Camacho.
O Sr. Presidente comunica o falecimento de Basilio Teles, propondo que a Câmara, em sinal de sentimento, se conserve em silêncio, de pé, durante dois minutos.
A proposta é aprovada depois de usarem da palavra os Srs. Homem Cristo, Pina de Morais, Almeida Ribeiro, Álvaro de Castro, Dinis da Fonseca, Carvalho da Silva e Ministro da Instrução (João Camoesas).
O Sr. Manuel Fragoso propõe que a sessão seja prorrogada até se liquidar o debute da interpelação do Sr. Álvaro de Castro. É aprovado.
Usa da palavra o Sr. Ministro das Colónias, tendo a sessão interrompida às 19 horas e 40 minutos para prosseguir às 21 horas e 30 minutos.
SEGUNDA PARTE
Reaberta a sessão, às 21 horas e 55 minutos, usa da palavra o Sr. Ministro das Colónias para continuar as suas considerações sôbre o «modus vivendi» com o Govêrno da União Sul-Africana.
O Sr. Ferreira de Mira explica o voto que vai dar às moções apresentadas, declarando preferir a do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Álvaro de Castro responde às considerações do Sr. Ministro das Colónias e sôbre o assunto em discussão usam ainda da palavra o Sr. Paiva Gomes, e, de novo, o Sr. Ministro das Colónias.
É aprovada a prioridade para a moção do Sr. Jaime de Sousa, em contraprova, por 48 votos contra 8.
Põem-se à votação as outras moções depois de terem falado os Srs. Paiva Gomes, Presidente, Alves dos Santos e Carvalho da Silva.
São aprovadas as moções dos Srs. Portugal Durão e Paiva Gomes.
É rejeitada a moção do Sr. Álvaro de Castro. O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando as imediatas, diurna e nocturna, com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 46 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.

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Diário da Câmara dos Deputados
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Serafim de Barros.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.

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Sessão de 12 de Março de 1923
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Pais da Silva Marques.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
PRIMEIRA PARTE
Às 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, acompanhando uma nota do conselho de administração da Fraternidade Militar.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo, enviando os mapas pedidos em ofício n.º 839 para o Sr. Tôrres Garcia.
Para a Secretaria.
Do mesmo, respondendo ao ofício n.º 258, que comunicou um pedido do Sr. Garcia Loureiro.
Para a Secretaria.
Do mesmo, respondendo ao ofício n.º 259, que transmitiu o requerimento do Sr. Garcia Loureiro.
Para a Secretaria.
Do mesmo, enviando alguns documentos requeridos pelo Sr. António de Sousa Maia.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Instrução, enviando um processo acêrca dum pedido de aumento de dotação para a Escola de Belas Artes de Lisboa.
Para a comissão do Orçamento.
Do mesmo, enviando um processo relativo a um pedido de aumento de dotação feito pelo conselho de Arte e Arqueologia da 1.ª circunscrição.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério da Agricultura, enviando documentos pedidos no ofício n:º 201 para o Sr. Joaquim Brandão.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados
Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 235, para o Sr. João Luís Ricardo.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido em ofício n.º 100, para o Sr. Manuel de Sousa da Câmara.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Oleiros, pedindo a elevação das percentagens sôbre as contribuições do Estado até 30 por cento.
Para a Secretaria.
Representações
Do Banco de Portugal, reclamando contra o artigo 9.º da proposta do Ministro das Finanças, de 13 de Janeiro último, e enviando o parecer de uma consulta feita sôbre o assunto a vários jurisconsultos.
Para a comissão de finanças.
Das senhoras residentes na antiga casa das Comendadeiras de Santos-o-Novo, pedindo novamente para lhes ser garantida por lei, em quanto vivas, a posse de todo o pavimento baixo do referida casa.
Para a comissão de instrução primária.
Do ex-alferes Joaquim Luís Martins, recorrendo da decisão da sua demissão.
Para a comissão de guerra.
Do alferes António Jerónimo Pereira Paixão Metelo, requerendo que a sua acção no norte em 1919 seja considerada como acção de guerra em África ou França, suprindo assim a escola de recrutas que lhe falta para a sua promoção.
Para a comissão de guerra.
Pedido de licença
Do Sr. Garcia Loureiro, 30 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegramas
Da professora de Ereira (Cartaxo), pedindo para ser aprovado o projecto de lei da cota obrigatória do Instituto do Professorado Primário.
Para a Secretaria.
De três sindicatos rurais do concelho de Avis, protestando contra o aumento do preço do pão.
Para a Secretaria.
Do Grémio Republicano Independente do Pôrto, protestando contra a agressão ao Sr. Homem Cristo.
Para a Secretaria.
Admissões
Propostas de lei
Do Ministério da Instrução, transferindo do artigo 36.º para o 39.º do capítulo 5.º do orçamento do Ministério da Instrução a quantia de 12. 000$.
Para a comissão do Orçamento.
Do mesmo, extinguindo o lugar de porteiro do Observatório Astronómico, da Faculdade de Sciências de Lisboa, o criando o de servente com os respectivos vencimentos.
Para a comissão de instrução superior.
Projectos de lei
Do Sr. Álvaro do Castro, interpretando e. substituindo os §§ 2.º e 3.º do artigo 23.º do decreto n.º 6:322, de 24 de Dezembro de 1919.
Para a comissão de colónias.
Dos Srs. João Águas o Carlos Pereira, contando a antiguidade no pôsto de tenente desde 9 de Fevereiro de 1918 aos tenentes, de infantaria promovidos a alferes por decretos de 15 de Abril e 2 de Setembro de 1916.
Para a comissão de guerra.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Foi aprovada a acta.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Delfim Costa.
O Sr. Delfim Costa: — Sr. Presidente: vou reatar as considerações que vinha fazendo na última sessão, e estava eu a referir-me, nessa altura, ao comércio dos distritos de Lourenço Marques, Inhambane e Gaza.

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Pareceu-me ter causado certa admiração a minha referência a êsse comércio, uma vez que já havia afirmado que se tratava de comércio das cantinas.
Ora, Sr. Presidente, trata-se dum comércio que é protegido pela União Sul-Africana, e cujo desenvolvimento mais se nota ao sul do Save. É um comércio que vende um sem-número do artigos quási todos nacionais, não se limitando somente à tradicional venda de vinho. Todavia, mesmo que assim fôsse, era um problema de considerar, porque, sendo nós um país vinhateiro e estando a fazer-se tratados de comércio para a colocação dos nossos vinhos, muito nos conviria que a nossa província de Moçambique fôsse um dos mercados.
Sr. Presidente: se faço esta afirmação é para justificar o motivo por que defendo o comércio das cantinas, que, apesar de tudo, ainda presta admiráveis serviços.
Sr. Presidente: entendo que a emigração é necessária, e não se deve fazê-la cessar ràpidamente sem se tomarem providências internas que dêem à mão de obra um salário condigno.
Isto, que agora afirmo, já o afirmava em 1918, e é necessário não deixar de considerar que foi o Estado português quem criminosamente criou ao indígena a necessidade de ouro, obrigando-o a pagar o imposto de palhota em ouro, e pagando-lhe os salários à razão de 3$ por mês, fixando-se até o preço da libra.
Portanto, como a Câmara vê, é necessário ponderar êstes factores.
Um outro ponto importante é o que diz respeito à Curadoria dos Indígenas Portugueses, que, além de ser uma instituição de assistência, muito necessária, direi mesmo indispensável aos indígenas, canaliza para a província muitos milhares de libras.
Sr. Presidente: acho, pois, que o acôrdo que se vai realizar, como medida de transição, visto que é pelo espaço de seis meses, é aceitável e útil, não devendo manifestar-se da nossa parte uma intransigência grande, para que possamos repelir com altivez — o que, aliás, já fizemos — qualquer proposta que porventura, possa ferir a nossa soberania.
É necessário que se faça um novo acôrdo, e, se formos unanimes em reconhecer que era preciso revogar a Convenção, devem convergir os nossos esfôrços no sentido de fazer um novo convénio.
Sou de opinião que devemos fazer alguma cousa no sentido de não colocar a província numa situação terrível. O sul do Save desenvolveu-se, criaram-se novos serviços, que é necessário manter, e estamos em vias de negociar um empréstimo...
O Sr. Paiva Gomes: — Se o Sr. Smuths deixar.
O Orador: — Não é preciso que o Sr. Smuths permita. Nós temos uma colónia nova, cheia de vida e de mão de obra, e podemos negociar um empréstimo em qualquer parte do mundo.
Devemos repelir todas as propostas que sejam ofensivas do nosso brio, encaminhando as cousas de modo a fazer-se um tratado respeitando os direitos das três partes, estabelecendo-se os interêsses da província naquele pé em que devem ficar, dando-nos, porventura, a certeza, que já tínhamos, da transformação da província.
Eram estas as considerações que tinha a fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aires de Ornelas: — Mal pensava eu, ao ter pedido a palavra para responder às afirmações do Sr. Álvaro de Castro, que iria encontrar na imprensa diária a mais cabal demonstração da razão das minhas apreensões.
Já outro dia fiz ao Sr. Ministro das Colónias algumas preguntas acêrca da veracidade da notícia publicada no limes sôbre a escolha de novos pôrtos para o serviço da região carbonífera. Essa notícia, que tenho presente, é do dia 11.
Desde há muito que êstes rumores de pôrtos novos na África do Sul vêm correndo.
Num documento que tenho presente, e de que só posso fazer uso limitado por ser uma carta particular, afirma uma das pessoas mais importantes da política da África do Sul que a idea da construção do novo pôrto fora posta de parte precisamente quando da parte da administração portuguesa se haviam dado irrefragáveis provas de que o pôrto de Lourenço

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Diário da Câmara dos Deputados
Marques satisfazia todas as condições e requisitos de bem servir o hinterland, para que a natureza o destinara. Isto era devido às obras e ao material com que se dotara o pôrto, e à organização dada aos seus serviços.
Essa organização é da rainha autoria e responsabilidade, e tinha sido começada a estudar em Lourenço Marques quando eu era governador e presidente da comissão de melhoramentos do pôrto, e se encontrava come comissário régio o grande colonial Sr. António Enes. Presidi a 50 sessões, formei, naturalmente, um juízo sôbre qual devia ser a melhor organização do pôrto de Lourenço Marques e tinha idea de a propor ao Govêrno central. Aconteceu que, vindo para Portugal, entendi que, para melhor me orientar, devia estudar a maneira como se faziam os serviços em outros pôrtos e, assim, fui visitar alguns. Convém dizer que fiz esta viagem à minha custa, sem subsídio do Govêrno. Nem o pedi.
Desse trabalho resultou uma organização perfeita, afastando a idea de se construir outro pôrto, pois que o nosso oferecia todas as facilidades para o serviço a que era destinado, prestando-se a um maravilhoso tráfego.
Aborrece-me falar de mim, mas fui eu, como Ministro das Colónias, que tomei a responsabilidade da organização decretada.
Quando tive a honra de acompanhar o Príncipe Real à África do Sul, ouvi uma alta personalidade da política Sul Africana dizer que se introduzira nos serviços do pôrto de Lourenço Marques uma nova orientação colonial, realizando só o que fôra um sonho de muitos anos.
Essas ideas não eram minhas. Eram de António Enes e de Mousinho de Albuquerque, pois passei três anos em África como chefe do seu estado maior. Constantemente observei as suas aspirações. Fui eu que publiquei a primeira organização autónoma e administrativa da província de Moçambique.
Nesse sentido, o meu amigo e camarada Sr. Eduardo Costa, numa longa campanha na imprensa, no livro, no folheto e na conferência, apresentou as bases, segundo o seu modo de ver, duma organização administrativa que devia assentar em obra sólida.
Continuei a política de Mousinho, política de que vive ainda hoje Moçambique...
Apoiado do Sr. Brito Camacho.
O Orador: — V. Ex.ª dando-me êsse apoiado, presta homenagem a si próprio.
Foi negociado o modus-vivendi depois da guerra, ou antes, foi negociada a convenção de 1899 dando lugar a vantagens nas tarifas ferroviárias, chegando-se a uma percentagem de 60 por cento que depois foi modificada e reduzida ao máximo de 55 por cento.
Como V. Ex.ªs sabem, Cecil Rhodes marcou um lugar sem igual na política imperialista inglesa; foi o primeiro que se opôs ao chamado mapa côr de rosa e viu com a pujança do seu cérebro que quem possuísse o dorso, a espinha duma linha férrea, estava seguro de todos os caminhos de ferro, de todas as linhas.
O plano era gigantesco, como grande era êsse homem, o maior que o mundo tem visto nos nossos tempos.
O facto é que os tempos foram mudando e transformou-se a política dos pôrtos.
O Alto Comissário pronunciou aqui há dias uma frase que me produziu uma certa impressão, direi mesmo algumas apreensões.
Disse S. Ex.ª que a convenção abrangia a União inteira. Se fôsse com referência ao comércio, ainda eu entendia, mas, quanto ao resto, não compreendo.
Se a concorrência livre se estabelecer para a chamada zona de competência, com que ficamos nós no Transvaal?
Com as regiões limítrofes?
Com o hinterland ferroviário?
O Transvaal dispende nos seus serviços ferroviários para a condução dos seus produtos ao pôrto de Lourenço Marques qualquer cousa como 800. 000 libras.
Onde vai êle buscar a compensação dessa despesa?
Ao imposto: mas estarão os boers dispostos a pagar mais êsse imposto?
Evidentemente em tudo isto há um complicado jôgo político a que o Govêrno Português tem de atender e a que eu faço referência simplesmente para que se não diga que fazemos reservas em tam importante assunto.

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Há, ainda, outro ponto em que eu desejo tocar, embora o faça ligeiramente. Refiro-me à questão da emigração. Afirmou o Sr. Álvaro de Castro há dias, e com inteira verdade, que o regulamento de 1897 só teve por fim regular o que já existia.
Efectivamente, foi êsse o seu único objectivo.
Os govêrnos da província encontram uma emigração intensíssima a cargo de toda a casta de engajado rés cuja acção nos foi muitíssimo prejudicial pela influência exercida nos indígenas contra nós.
E quando se tratou de reduzir ao mínimo os perigos dêsse engajamento, fui eu quem foi encarregado por Mousinho de Albuquerque de traduzir o regulamento em inglês e de instalar a curadoria.
Fui muitas vezes às minas do Rand e tive sempre ocasião de constatar, por me dizerem e de visu, que os nossos indígenas, landins e outros, por qualidades de adaptação especial ou quaisquer outras, tinham o instinto seguro do caminho que seguia o filão aurífero, poupando assim à direcção das minas uma grande quantidade de trabalho, pois os outros indígenas perdiam horas esquecidas a seguir o filão a centenas de metros de profundidade.
Além disso, os nossos indígenas fazem essa emigração por sua livre vontade, e toda a gente que tem lidado com o indígena sabe quanto é difícil tirá-lo daquilo a que êle está costumado.
Há ainda outras razões que me fazem ver que o aproveitamento dos nossos indígenas para as minas é absolutamente impossível de fazer desaparecer.
Alguns dias depois da denúncia veio a Câmara de Minas pedir que se mantivesse o engajamento dós nossos indígenas.
E se assim foi, porque é que não só aproveitou essa necessidade que a Câmara de Minas tinha em manter lá os nossos indígenas, obrigando-os a manter também a convenção até se negociar uma outra que a substituísse?
O que não percebo — e aqui e o ponto agudo das minhas observações — é que tendo-se concedido à Câmara de Minas o que se concedeu — é verdade que o Alto Comissário disse, e nesse ponto concordo com S. Ex.ª, não querer tratar com a Câmara de Minas, sem saber se o Governo da União estaria por detraz dela — porque é que não fizemos jôgo com isso, tratando de tirar também vantagens correspondentes?
Se amanhã, como parece ser intenção do Govêrno da União Sul-Africana, se construir um pôrto que dispense a serventia do nosso de Lourenço Marques, onde vão parar os interêsses ligados à nossa situação da África do Sul?
Sr. Presidente: aqui estão as dúvidas que me preocupam e a razão pela qual eu muito desejava que o Govêrno, aquém compete responder-me, desvanecesse duma forma clara e insofismável as apreensões que um antigo governador de Lourenço Marques e um antigo soldado de África acabam de manifestar, creio que com a maior franqueza e lealdade.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Antes de conceder a palavra ao Sr. Brito Camacho, que irá usar dela agora pela segunda vez, devo consultar a Câmara, embora saiba de antemão que ela estará de acôrdo, sôbre se consente que S. Ex.ª fale sôbre êste assunto.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, tem a palavra o Sr. Brito Camacho.
O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente: agradeço à Câmara a sua deferência de ter-me consentido que use novamente da palavra e, correspondendo a essa gentileza, esforçar-me hei por ser breve.
A Câmara, porém, não me perdoaria que, na preocupação de ser breve, eu deixasse de ser claro e explícito, dando-lhe assim todas as informações de que ela carece e que eu tenho a obrigação de saber dar.
Sr. Presidente: se eu fosse acusado de ter, por incompetência ou qualquer intenção criminosa, procedido de maneira a prejudicar a Fazenda Pública numas dezenas de escudos, eu teria o irrecusável direito de me justificar, dando à minha justificação toda a largueza que reputasse

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necessária. Mas, Sr. Presidente, não se trata duma pequena ou grande quantia em que a incompetência dum funcionário possa ter prejudicado a fortuna pública.
Trata-se duma colónia que eu, pelo meu procedimento de Alto Comissário, faço caminhar para uma irremediável ruína, segundo parece ter-se querido demonstrar.
Não apoiados.
Nestas condições, V. Ex.ª, Sr. Presidente, compreende que embora eu desejo, — e deseje-o muito — ser breve, não posso, todavia, ser tam breve que omita considerações e argumentos que sejam a minha justiça.
Sr. Presidente: eu já disse, na primeira vez que falei sôbre êste assunto, algumas das principais razões que me tinham levado a fazer a denúncia da convenção e procurei, numa rápida análise dêsse diploma, justificar essa denúncia.
Evidentemente que as razões que eu tinha não eram apenas aquelas que enunciei, mas omiti outras por me pareceram suficientes aquelas que referi.
Uma das reclamações que a província e o govêrno da metrópole não poderiam nunca deixar de fazer, tratando-se duma nova convenção, era a do pagamento deferido.
Disse o Sr. Álvaro do Castro que o pagamento deferido já tinha sido, aceito, embora não estivesse em execução, pela União Sul-Africana.
O que é certo é que nós não temos garantido pela convenção o pagamento deferido, e a importância dêste pagamento é de tal ordem que, se nós o tivéssemos à data em que começaram as nossas dificuldades financeiras, teríamos resolvido a situação sem nenhuma espécie de artifício, porque eu considero um artifício o decreto da minha autoria que pretendeu, resolver essa magna questão.
Também eu disse que na convenção em vigor não estava estabelecido, duma forma insofismável, que o recrutamento não se faria ao norte do paralelo 22.
Esta circunstância reputou-a o Sr. Álvaro de Castro como de somenos importância, porquanto o recrutamento não se tem feito ao norte do paralelo 22 pelas razões que eu aqui expus e que S. Ex.ª confirmou.
O Govêrno da União Sul-Africana, em 1913, tinha determinado que era uma questão de humanidade não se fazer o recrutamento ao norte do paralelo 22 e proibiu, por uma portaria, que isso se fizesse.
É possível que eu não tivesse razão em querer que numa nova convenção ficasse nitidamente expresso que nunca o recrutamento dos indígenas para o Rand pudesse ser feito ao norte do paralelo 22; mas eu tenho aqui o parecer da comissão a que pertence o Sr. Álvaro de Castro.
Eu disse no outro dia que na União Sul-Africana, em 1919 e 1920, se fazia um grande movimento de oposição, partido do Rand, a favor do recrutamento ao norte do paralelo 22.
Como êsse recrutamento só deixou de fazer por motivos de ordem humanitária, argumentava-se na União Sul-Africana que a eficácia da descoberta do Liszt, a respeito da vacinação contra a pneumonia, fazia desaparecer a razão do não se fazer o recrutamento ao norte do paralelo 22.
Êsse movimento, durante os anos de 1919 e 1920, foi intenssíssimo e certamente a Câmara sabe-o, pela leitura dos jornais da União Sul-Africana, que eu tenho aqui à disposição do quem os quiser examinar.
As comissões expressamente nomeadas pela União Sul-Africana para estudarem êsse problema, e então já nelas entravam alguns membros do Partido Trabalhista, por unanimidade disseram que devia terminar essa proibição.
Em vista disto quis-me parecer que deixar subsistir qualquer sombra de dúvida, sôbre a nossa formal recusa de se poder fazer o recrutamento ao norte do paralelo 22, representava uma questão muito grave; tanto mais que os agricultores da Zambézia não consentiam no recrutamento para a União Sul-Africana, reclamando contra êle, desde que tomei posse do meu cargo do Alto Comissário.
O princípio expresso na convenção quanto ao recrutamento dos trabalhadores para o Rand parecia-me ser de alta, importância para levar à denúncia da Convenção.
Parece-me também que não é de somenos importância a razão que dei da emigração de mulheres para o Rand. Não é

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Igualmente do somenos importância a questão chá repatriação. Sem uma clara exposição que obrigue a efectivação da repatriação, um grande número de emigrantes fixa-se no Rand. E não era indiferente também estabelecer um regime de salários por forma a que o indígena de Moçambique não fôsse mais mal pago do que qualquer outro, trabalhando no Rand.
Há ainda um outro caso que é importante e que vou citar.
Os contratos fazem-se por um ano, renováveis por períodos de três e seis meses, não excedendo o total dois anos. A Câmara de Minas tem-se farto do contratar o recontratar, sem pagar mais do que 1 xelin que compete ao curador. Numa nova convenção ninguém deixaria de estabelecer que o indígena contratado na província devesse pagar ao Estado o emolumento de 3 xelins e depois, quando recontratado no Transvaal, pagaria exactamente igual emolumento.
Houve um momento em que pareceu que a União concordava com isso, mas nós, não sei porque espécie de generosidade, não levámos adiante a nossa insistência e assim deixámos de receber muitos milhares de libras. Êste ponto não é, por certo, de somenos importância. Mas há mais.
Ao sul do Sabbo há hoje, para recrutamento, vinte e oito acampamentos que não são apenas depósitos de trabalhadores, para o Rand, mas sim, também, refúgio dos que não querem trabalhar, dos que têm contas com a justiça e do refractários. Quem ali se acolhe fica isento de toda a culpa. Está isto na tradição.
Ora esta situação era intolerável. É necessário que á província tenha sôbre êsses acampamentos uma fiscalização completa.
Êsses indivíduos que fogem ao trabalho, à justiça e ao serviço militar e que vão para os acampamentos, somam um número relativamente importante.
Nós temos, sem todavia existir o mais leve vislumbre de escravatura, o trabalho compelido. Temos em África um princípio que talvez não fôsse mau efectivá-lo entre os brancos. Não se reconhece em África o direito do não fazer nada. Eu pregunto se é justo irmos para a África decretar que nenhum homem tem direito à ociosidade, a não ser — poderá passar por emquanto — quando tenha meios lícitos do vida, quando não impomos o mesmo princípio para o branco. É só assim que se entende na província de Moçambique o trabalho compelido.
Quem tirar argumentos duma pretendida escravatura não sabe ler ou deturpa as disposições do código do trabalho de 1914, que está muito bem feito.
É certo que abusos tem havido.
A propósito contarei à Câmara um caso interessante.
Em tempos, um comandante duma circunscrição, tendo do enviar para Lourenço Marques um contingente de recrutas — lá existe o voluntariado — remeteu-os ao governador, acompanhados dum ofício em que dizia ter a honra de os remeter «devidamente algemados"!
E lá foram. Mas isto são casos episódicos que nada provam em desfavor da liberalidade com que nós tratamos o preto.
Sr. Presidente: havia a considerar na denúncia da convenção: a perda de trabalhadores o a perda de vantagens doutra ordem, constantes da 2.ª o 3.ª partes da convenção e que parece que eu não tive na devida conta.
Na impossibilidade do ter uma conferência com o Govêrno da metrópole, para assentar nela pontos fundamentais da administração colonial, eu tinha então, e sempre, o parecer duma comissão que tinha sido aceita pelo respectivo Ministro e, porventura, tinha tido a sua inteira aquiesdência.
Parece que eu não respeitei na denúncia da convenção, o não tive em consideração para o modus vivendi, estas vantagens que são exclusivamente do Transval, visto que nós não temos indústrias correspondentes.
Não tinha que hesitar perante a opinião autorizada expressa nesse parecer, que tem a data de Março de 1920.
Já que falo de datas, e não vá esquecer-me, quero desde já responder a uma observação feita pelo Sr. Álvaro de Castro.
S. Ex.ª ainda compreendia que fôsse feita a denúncia da convenção, mas depois de conversas preliminares para se saber mais ou menos o que pretenderia o Govêrno da União. O parecer a que me referi foi entregue ao Ministro em 20 de Março, para a convenção ser denunciada em 1 de Abril.

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Nestas condições, Sr. Presidente, ou pregunto se com onze dias apenas, e estando em Lisboa, e não em Moçambique, eu podia ter conversas preliminares.
Fiz a comunicação não só ao Sr. Ministro das Colónias, mas igualmente ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em Maio de 1921. A convenção devia ser denunciada em 1 de Abril de 1922, ficando em vigor até 1 de Abril de 1923.
Já V. Ex.ªs vêem com que precipitação eu procedi, isto é, tendo avisado sôbre o assunto o govêrno da União, o govêrno da província e o próprio Govêrno da metrópole, com dois anos de antecedência.
Já vê, portanto, a Câmara que era inteiramente impossível em onze dias ter conversas preliminares, e neste ponto, devo dizê-lo em abono da verdade, que não tem muita razão o Sr. Álvaro de Castro com as considerações que apresentou à Câmara.
Eu, Sr. Presidente, estou-me referindo apenas ao parecer da comissão que foi entregue ao Sr. Ministro das Colónias.
É facto que tenho também aqui a cópia dum outro parecer; mas visto êle ser confidencial e conter uma informação do Sr. Álvaro de Castro, não me julgo com o direito de o revelar à Câmara.
Eu podia efectivamente ter realizado essas conversas preliminares com o govêrno da União, pois que, quando fui para Lourenço Marques, o general Sr. Smuths convidou-me a ficar no Cabo por alguns dias para conversarmos a respeito da futura convenção; entendi, porém, que tal não devia fazer, primeiro porque não tinha o direito de me demorar no Cabo, embora em serviço do Govêrno, e em segundo lugar porque não devia ter essas conversas sem primeiro conhecer a província que ia governar, isto é, sem primeiro conhecer a sua vida económica, a sua falta ou abundância de mão de obra, as suas condições especiais, que eu desconhecia por completo.
Já vê, portanto, a Câmara que eu não estava em condições de poder realizar conversas sôbre as bases duma nova convenção, e foi justamente por isso, Sr. Presidente, que entendi não devia ter naquela altura conversas com o govêrno da União.
Não podia, como a Câmara está vendo, proceder doutra forma, pois o contrário poderia significar não só a denúncia da convenção, mas o rompimento de todas as negociações.
Eu não podia fazer, embora possa reconhecer que haveria nisso vantagem, aquilo que disse o ilustre Deputado o Sr. Álvaro de Castro, isto é, ter Conversas preliminares para a negociação duma nova convenção.
A União Sul-Africana não é um Estado soberano, não tem representação diplomática. Julgo que a Câmara não terá dúvidas sôbre isto: a convenção era sobretudo útil, como já aqui se disse, á União Sul-Africana; de deminuta vantagem, por consequência, para Moçambique.
Não há nas minhas palavras nenhuma espécie de censura; mas estou intimamente convencido de que a convenção podia ter sido denunciada em 1918, porque o momento oportuno seria o primeiro momento para a denúncia.
Quanto às vantagens de ordem alfandegária, a que se referiram os Srs. Álvaro de Castro e Aires de Ornelas, considero êste caso particular, e conheço a opinião, citada aqui, do então ilustre director da alfândega de Lourenço Marques, Sr. Bulhão Pato, actualmente Senador.
Sôbre a entrada da nossa província numa união aduaneira, pensou-se, num dado momento, nisso, assim como se pensou numa amalgamação — a palavra não é minha — dos caminhos de ferro da União.
Já aqui foi citada a opinião do Sr. Bulhão Pato, pelo Sr. Álvaro de Castro. Era absolutamente contrária a êsse acôrdo aduaneiro com a União Sul-Africana.
Mas já que falo em vantagens para a União, pregunto: A União fazia o convénio sem que tivesse vantagens?
Apoiados.
Nunca sustentei um acôrdo com a União sôbre outro qualquer aspecto.
Exactamente porque eu reconheci que havia interêsses comuns, é que eu estava disposto a fazer um convénio.
Creio ter demonstrado que de facto a convenção devia ser denunciada.
As condições de vida na província são hoje as mesmas que eram em 1909; as condições de vida da União é que totalmente diversas.

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Temos no sul de Moçambique 200:000 trabalhadores indígenas, segundo disse a e missão de técnicos coloniais que se pronunciou.
Ora eu pregunto se o fornecimento de 60:000 trabalhadores nos causa dano.
Eu não sou uma criatura muito assustadiça, nem apressada a justificar os meus actos. O que me preocupa é saber se tenho ou não razão.
Não estou falando com a preocupação que me julguem um cidadão honrado, porque sei que o sou, mas já vi escrito que o Alto Comissário se preocupara pouco com os interêsses nacionais.
Diz-se, escreve-se, e afirma-se que, ao passo que para o Rand foram 60:000 indígenas, para S. Tomé foram apenas 14:000, e segundo uma informação que tenho da Intendência, foram não 14:000 mas 42:000.
Já V. Ex.ªs vêem a verdade com que se fala ao público, e se alguma vez houve necessidade de falar a verdade ao público esta é uma delas.
O mentiroso, sob qualquer aspecto, é verdadeiramente um traidor aos interêsses do seu país.
Mas para S. Tomé foram êstes indígenas que eu acabei de dizer som especificação de sexos, porém, eu quero dizer à Câmara que não foram apenas homens, foram também mulheres.
De Quelimane foram 20:000 homens e 2:036 mulheres, e eu chamo a atenção da Câmara para êste facto: é que dêsses 20:000 homens foram repatriados 6:485, quere dizer, um terço, e das mulheres que foram 2:036 foram repatriadas apenas 216, não se dizendo se as mais velhas se as mais novas, se as mais bonitas só as mais feias. De Moçambique foram repatriados 4:212 homens, ou seja a quinta parte, e das mulheres apenas 35.
Sr. Presidente: quero dizer na Câmara, porque é daqui que mais fàcilmente se fala ao País, que se S. Tomé está hoje lutando com grandes dificuldades, e está, de trabalhadores, e se contra Portugal se fez uma campanha tremenda de esclavagismo, foi porque os proprietários de S. Tomé não tiveram o cuidado de repatriar es indígenas de Quelimane e Moçambique.
Isto é que é preciso dizer-se, e, quando se vem gritar em defesa dos interêsses de S. Tomé, é preciso não omitir esta verdade.
O Sr. Paiva Gomes: — E, se não houver cautelas bastantes, corremos novos riscos de outra campanha.
O Orador: — A campanha que se moveu contra Portugal, que afinal de contasse apoiava numa lata de chocolate, porque eram os interêsses dos chocolateiros que estavam em jôgo, é necessário que se não repita, como disse o Sr. Paiva Gomes, porque a repetir-se havia de ser refutada, como já foi, mas não deixaria de ter, para o nosso bom crédito na Sociedade das Nações, melindres que muito convém prevenir.
Sr. Presidente: quando se fala ao público sôbre os interêsses duma tal magnitude como êstes, é necessário haver o pudor de dizer toda a verdade, porque não dizer à verdade é lançar a vil calúnia, não sôbre um homem mas sôbre o Govêrno duma província, sôbre o Govêrno dum país.
Sr. Presidente: uma razão que eu ainda não aduzi e que reservei para o fim por ser a mais importante das muitas que nasceram no meu espírito para fazer denunciar a Convenção foi esta: é que eu não sei, não sabia, nem podia saber até que ponto iriam as exigências do Govêrno da União Sul-Africana para que nos empenhássemos em fazer obras nos caminhos de ferro e no pôrto de Lourenço Marques, não sabia até onde iriam essas exigências.
Tudo quanto se fez foi para servir os interêsses da União Sul-Africana servindo-os nossos próprios interêsses, mas, é necessário dizê-lo, serviu-se muito bem os interêsses da União, mas serviu-se muito mal os interêsses da Província.
Convém ainda dizer que as exigências, do Govêrno da União Sul-Africana formuladas pelo seu primeiro Ministro com base nalgumas insuficiências de administração — e não sei porque não o hei-de-dizer — não resultam da insuficiência do nosso caminho de ferro ou do nosso pôrto, resultam apenas do general Sr. Smuths colocar-se não dentro das realidades mas do futuro que êle visiona.
O Sr. general Smuths convidou-me não para fazer uma legislação actual, mas para fazer uma legislação tal que no fu-

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turo se dissesse: foram uns estadistas os que organizaram esta convenção, e eu, modesto Alto Comissário duma grande província, não senti o deslumbramento dêsse futuro, não senti a vertigem dessa glória, preferindo administrar muito singelamente, muito portuguêsmente a província, como província portuguesa que é, recusando-me a querer uma estátua no futuro à custa da independência e da dignidade do meu País.
A União Sul-Africana tem mostrado audácia e inteligência em gastar dinheiro.
Nesta casa do Parlamento, ainda no tempo da monarquia, a Sr. Barjona de Freitas, falecido há dias, e a quem a Câmara prestou justas homenagens, sustentou que os caminhos de ferro tinham uma função, mais económica do que lucrativa, e assim o entende a União Sul-Africana.
Nós não podemos baixar mais as tarifas dos caminhos de ferro, e não podemos ampliar o cais sem mais garantias.
Há um facto para o qual não acho explicação: é de Rotterdam e Marselha irem buscar carvão à União, preferindo-o ao de Inglaterra.
O general Smuths, altíssima inteligência e primeiro Ministro da União, diz que os carvões da União suplantam os de Inglaterra.
A União procede com audácia e inteligência, e assim deviam proceder todos os govêrnos de Moçambique, pelo menos desde 1910.
Há pouco, o Sr. Aires de Ornelas rectificou um lapso meu com respeito às Repúblicas do Transvaal.
A audácia da União manifesta-se em tudo e, assim, está construindo uma doca que deve ficar a maior do mundo, embora a União não tenha armada de guerra, nem frota comercial. É uma doca com 300 e tantos metros de comprimento e 32 de largura.
O projectado convénio para o fornecimento da mão do obra para a União Sul-Africana, sendo uma vantagem grande para a União, representa também uma grande vantagem para a província de Moçambique.
Com respeito a uma afirmação feita pelo Sr. Álvaro de Castro, que me pareceu importante, devo dizer que S. Ex.ª está em êrro.
Disse S. Ex.ª que a atitude do Parlamento deveria ter modificado a forma de sentir do general Smuths.
Não; o general Smuths mantém ainda hoje os mesmos pontos de vista: reclama como indispensável o côntrole de caminhos de ferro.
Êle contava com a entrada, na União da Rodésia, mas êsse plano falhou e isso fez mudar a atitude do general Smuths.
Desde êsse momento a situação do general Smuths passou a ser muito diferente da que era até então.
Eu próprio tive ocasião de verificar que essa situação tinha passado a ser muito diferente da que era, e, tanto assim, que estou convencido de que, se se realizasse uma eleição, o general Smuths sofreria uma derrota profunda.
O ilustre Deputado Sr. Portugal Durão, no seu brilhante discurso, pronunciou-se abertamente contra o convénio, e disse até que para suportarmos as exigências do govêrno da União melhor era passarmos sem convenção, vivendo cada um em sua casa com os seus próprios recursos. Mas, só as exigências da província são grandes, é preciso saber se o país está disposto a todos os sacrifícios, por enormes que êles sejam, para se acudir á essa situação.
Não se trata de fazer sacrifícios, como S. Ex.ª diz, trata-se apenas do fazer um acôrdo transitório com a duração efémera de seis meses, que representa de facto uma vantagem enorme para a província de Moçambique.
Disse S. Ex.ª que o govjêrno da União Sul-Africana nos poderá estrangular durante êsses seis meses; mas se êle nos pode estrangular nesses seis meses, dando-lhe nós alguma cousa, mais fàcilmente nos poderá estrangular não lhe dando cousa alguma.
Sr. Presidente: relativamente à mão de obra, o perigo, o único que existe, discutindo-se o assunto aqui no Parlamento, provém apenas das pessoas que nele têm de intervir, como eu, não estarem à vontade para dizer as cousas exactamente como elas são.
Eu não poderia fazer mais cabalmente a justificação dêste convénio sem ter de parecer que iria defender os interêsses da União.
Mas as pessoas que conhecem o assunto, e sobretudo as que conhecem a

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província, sabem muito bem que essa afirmação de que os indígenas do Moçambique são absolutamente indispensáveis à vida económica do Rand não é absolutamente verdadeira, é, pelo menos, o exagero duma verdade.
Os indígenas de Moçambique são incontestàvelmente um elemento de valor para o desenvolvimento da União, mas não tenho elementos para poder asseverar com segurança se êles são ou não melhores que os indígenas doutras regiões de África.
O trabalho mais completo que conheço sôbre as raças africanas e suas principais características consta das actas do Congresso de Londres de 1914, publicadas pouco depois. Nesse livro, que, a meu ver, é a obra mais vasta e profunda que existe sôbre a matéria, não só sob o ponto de vista antropológico, mas mesmo sob o ponto de vista psicológico, eu não encontrei o mais pequeno indício que me leve a sustentar a defesa das qualidades dêstes ou daqueles indígenas. Julgo por isso absolutamente conveniente não cairmos em exageros que nos podem levar amanhã a sérias desilusões.
O indígena de Moçambique, cujas qualidades eu não discuto, vai para o Rand ocupar-se de trabalhos exclusivamente braçais.
O trabalho das minas, porque não tem nenhuma especialização para os indígenas, tanto pode ser executado pelos naturais de Moçambique como pelos naturais da União. Como a Câmara sabe, na União existe aquilo a que lá chamam a barreira da côr, em virtude, da qual os homens de côr não podem exercer qualquer trabalho especializado, e isto quer se trate de indígenas de Moçambique, quer de indígenas da União.
Sr. Presidente: a província de Moçambique, tirando vantagens do convénio que vai realizar-se, não está fatalmente ligada a êsse convénio por tal forma que sem êle não possa viver. A minha autoridade seria pequena para o afirmar, mas com certeza que é suficiente a do Sr. Álvaro de Castro, que na sua conferência na Associação dos Lojistas manifestou igual parecer.
É absolutamente exacto que a emigração dos nossos indígenas para o Rand tem para a União um grande valor, assim como também é rigorosamente exacto que dessa emigração a província de Moçambique tira reais vantagens. O que, porém, é menos exacto é que a província precise, indispensàvelmente do convénio.
A província do Moçambique dá à União cêrca do 100:000 indígenas; mas é bom lembrar que ela mantém em actividade cêrca de 9 milhões de trabalhadores.
Sr. Presidente: eu já abusei domais da atenção da Câmara, e ela mo relevará da falta pela intenção com que a pratiquei.
Terminando, direi que me parece que a Câmara pratica um acto de boa administração, em relação a Moçambique, e do mais irrepreensível patriotismo, em relação à metrópole, autorizando o govêrno da província e o govêrno da União Sul-Africana a realizarem um convénio de fornecimento de trabalho, da província para a União.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tenho de comunicar à Câmara a desagradável notícia da morte do grande português e republicano Basílio Teles.
O homem que desapareceu neste momento deixou ficar adentro das fileiras republicanas um lugar vago que dificilmente será preenchido, e creio bem que nem só os republicanos lamentarão esta perda, mas sim todos os portugueses. O homem que desaparece do mundo político foi um pensador, um trabalhador e um homem de acção.
A muitos parecerá estranha esta minha maneira de ver, mas a verdade é que muitos ignoram que Basílio Teles foi realmente um batalhador.
Não é surprêsa por certo para ninguém os trabalhos de Basilio Teles para a proclamação da República, antes do 31 de Janeiro, e toda a gente sabe que, em consequência dêsses trabalhos e do malogro do 31 de Janeiro, êle teve de emigrar.
Todavia, o que muitos ignoram é que, depois do regresso do exílio, Basílio Teles entrou de novo na vida política activa, organizando um movimento revolucionário que esteve prestes a rebentar, chegando até a estar marcado o dia da sua

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eclosão, em 1896, salvo êrro. Porém, por motivos de vária ordem, o movimento fracassou, e Basílio Teles retirou-se da actividade política, começando a estudar a solução de vários problemas importantes. É certo que, ao mesmo tempo que dava as soluções, se eximia à pô-las em prática, mas temos de atender que Basílio Teles tinha sofrido já na vida política grandes desgostos.
Imaginando, pois, que a Câmara se associará à homenagem que neste momento o Pôrto inteiro lhe presta no passamento do seu funeral, proponho que, além do voto de sentimento que a Câmara vai lançar na acta, ela se conserve em silêncio, de pé, durante dois minutos, acompanhando assim a manifestação que no Pôrto se faz ao grande português e republicano.
O orador não reviu.
O Sr. Homem Cristo: — Sr. Presidente: pedi a palavra, não para afirmar que Basílio Teles foi um grande português e um grande patriota, — pois que essas qualidades já de todos são conhecidas — mas simplesmente para destruir à lenda da sua misantropia e declarar os motivos por que êle se afastou da vida política da República.
Ainda ontem os jornais afirmavam que Basílio Teles fechava sistematicamente a porta da sua casa a toda a gente.
Fechava-a a quem a fechava, porque havia muita gente, entre a qual eu tinha a honra de me contar, a quem nunca Basílio Teles fechou a sua porta. Êle cruzava os braços diante de muitos políticos mas não diante de todos.
Basílio Teles foi um homem de acção por excelência. Afirmando que êle foi um batalhador, V. Ex.ª afirmou, evidentemente, uma verdade. Desde 1877 até o presente trabalhou sempre pelo desenvolvimento das ideas do País, pelo prestígio da República e pela grandeza da Pátria sem descanso algum.
Se em 1910 não fez parte do Govêrno Provisório, foi porque o impediram. Nem mais, nem menos. Basílio Teles fez muitas vezes as suas confidências. Êle que toda a gente apontava como encerrado em sua casa, sem sair, não só me abria a porta de par em par, mas procurava-me na Faculdade de Letras para, ruas abaixo até a estação de S. Bento, me vir fazendo as suas confidências. Disse-me mais de uma vez: «Em 5 de Outubro estava assente que eu seria Ministro do Interior e de repente, sem a menor satisfação, aparecia Ministro das Finanças. Entendi que, tratado dêsse modo, me devia abstrair, mas depois procurei ainda avistar-me com um dos altos trunfos da República — e o seu nome me abstenho agora de o citar — tendo-me sido impossível trocar impressões com êsse homem, o qual dispunha então absolutamente do movimento republicano».
Em seguida, procurou Basílio Teles uma outra individualidade que hoje desempenha altas funções da República, e da mesma forma viu inutilizados os seus esfôrços. Desde que não podia ser senão um elemento secundário na política, natural era que se afastasse, mas nunca Basílio Teles deixaria de anuir a todas as propostas que lhe fizessem para trabalhar pela reabilitação da República e por um melhor caminho para os destinos do País.
O que acontecia, porém, com Basílio Teles?
Acontecia que era sempre convidado à última hora. Vinha uma revolução, convidavam-no na véspera; vinha outra, sucedia o mesmo, e êle, que era um homem metódico, que era um homem de planos, não queria, naturalmente, aderir por tal forma a movimentos revolucionários.
Ainda na ante-véspera do 19 de Outubro fui a sua casa a pedido de um chefe, outubrista. Dizendo-se que Basílio Teles não abria a sua porta a ninguém, pediu-me êsse chefe outubrista que o acompanhasse, pois que queria expor-lhe as ideas do movimento e convidá-lo para tomar a chefia.
Vamos lá — disse-lhe — mas certamente Basílio Teles não adere à tentativa que vão fazer, porque ela é feita sem um objetivo fixo e êle não é homem para essas cousas.
Lá fomos, e Basílio Teles respondeu exactamente o que eu previa, com uma grande lucidez de espírito, com grande conhecimento das cousas, acabando por dizer:
«O melhor é desistirem dêsse movimento, empregando todos os esfôrços para que êle não saia, porque, se sair, será mais um desastre para a Pátria».

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Vivia pobrissimamente e não havia forma de aceitar fôsse o que fôsse por mais que os seus amigos insistissem. Êstes não sabiam mesmo como lhe haviam de falar a tal respeito para não o melindrar, porque, naquele estado de renúncia, de concentração em que vivia, tudo lhe poderia parecer uma esmola e Basílio Teles não era homem a quem se pudesse dar a idea de que pela circunstância de não poder lutar com a vida receberia qualquer cousa.
Se lhe ofereciam um emprêgo, declarava-se sempre incompetente, de modo que era impossível arrancá-lo àquela miséria em que ia definhando o seu espírito.
Aceito, porém, êsse facto; o que é certo é que Basílio Teles — e era isto o que eu queria afirmar — nunca, em época nenhuma, deixou de estar pronto a intervir na política do seu País. Simplesmente queria intervir em certas circunstâncias e essas circunstâncias nunca se deram.
Infelizmente para êle, morreu com a maior amargura que pode turturar a alma de um homem — a amargura de ver o avanço da mediocridade que triumfou por todas as formas na República.
Êle, um homem de tanto talento, viu-se preterido por quantos medíocres têm surgido; êle, um homem tam honrado, de alma honestidade verdadeiramente antiga, viu-se pôsto de parte por quantos exploradores têm aparecido nesta terra desde 5 de Outubro. O seu ideal viu-o manchado. Assim foi fenecendo, fenecendo, fenecendo, até desaparecer, encolhido na sua cama, ante-ontem de madrugada, como se ainda aí a previsão terrível em que se afoga o País o pudesse ir incomodar.
Sr. Presidente: associo-me às palavras de S. Ex.ª, mas lamento que, em vez dos dois minutos de silêncio, não tivesse S. Ex.ª proposto que se levantasse esta sessão em sinal do luto pela morte do grande português que era, também, um dos raríssimos republicanos históricos que ainda existem. Não vejo nesta Câmara um único republicano do seu tempo. Tudo isto é novo! Pode ser que esteja enganado, mas creio que não há aqui nenhum homem do seu tempo.
Uma voz: — A principiar pelo Sr. Presidente.
O Orador: — O Sr. Presidente é muitíssimo mais novo na política republicana pois que apareceu em 1890, ao passo que Basílio Teles trabalhou pelo ideal republicano desde 1877, ou seja desde treze anos antes.
Por consequência, sendo um dos republicanos mais velhos de Portugal, tendo prestado tantos serviços à República, sendo um grande talento, a homenagem da Câmara devia ir mais longe que os dois minutos de silêncio e esta sessão devia ser encerrada como manifestação de sentimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pina de Morais: — Sr. Presidente: em meu nome e no de alguns Deputados independentes, quero associar-me às palavras que V. Ex.ª disse sôbre Basílio Teles.
O Sr. Homem Cristo acaba de dizer que não está aqui ninguém do tempo de Basílio, mas eu creio que a homenagem mais sentida e, sobretudo, a que mais deveria agradar ao homenageado, se dela pudesse ter conhecimento, é decerto o de ser lembrado exactamente pelas gerações que deixou atrás de si.
Apoiados.
Eu não terei nem competência nem brilho (Não apoiados) para poder dar à memória de Basílio Teles as melhores flores da minha recordação, mas tenho a pureza de princípios republicanos, tenho a pureza de conduta na minha vida para o poder fazer sem mácula.
Basílio Teles apareceu na sociedade portuguesa num momento de hesitação. Finalizando em discussões estéreis as teorias herdadas da Revolução, Oliveira Martins deixou a política entre vagas intenções imperialistas e Herculano inutilizava-se, embora trabalhando no sen isolamento, para as orientações que a vida nacional ansiava.
Não tinha um período de repouso, de indiferença. Basílio aparece com um corpo de doutrina completo, com os problemas estudados, tornando-se o eixo de todos os movimentos democratas que se arquitectaram.
Êle era o mentor de homens, como Alves da Veiga, o nosso Ministro no Brasil e outras individualidades.

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Sem ser intuitivo duma maneira integral, tinha em verdade essa qualidade em altíssimo grau.
Basílio auxiliou o movimento de 31 de Janeiro com a sua mentalidade.
O seu espírito era poderoso.
Podia-se afirmar claramente pelo vigor do seu raciocínio, e êsse raciocínio deu um êrro, o de considerar que seria a Alemanha a vencedora.
Dentro dum país sem convicções, afirmava a sua fortíssima individualidade. Encarava as questões esquecendo-se que hoje não são precisos só conhecimentos, é preciso sensibilidade.
Ainda não há muito, depois de ter 77 anos de idade, Basílio tentou estudar as geometrias, dando à mocidade estudiosa e a todos nós êsse grande exemplo: de que uma mentalidade para se manter tem de actualizar perenemente os seus conhecimentos.
Mas o que marcava a individualidade de Basílio é que, num tempo em que as almas se fundem, onde só os interêsses movem, onde os desejos violentos e energias indomáveis das paixões lançam azietadas de encontro às concepções velhas, Basílio era o último abencerragem da verdade.
Aquela permanência numa suposta misantropia não era senão uma nota da sua rigidez de princípios.
É como homem de virtude que mais me impressiona. Basílio não aceitou nada da República nem se serviu das diversas pontes levadiças que dos regimes e da República deitam para outros organismos onde abunda o que à República falta.
Acusam Basílio de não tomar parte no Govêrno Provisório; talvez visse a impossibilidade do cumprir e executar o que prometera e estudara; mesmo assim devia ter ido, porque só é grande o homem que vem até as vitalidades nascentes e tumultuosas da vida e nelas marca o seu papel e o seu lugar, ou se deixa do qualquer sorte queimar na fogueira que alumia os povos.
Não sei se no Govêrno Provisório houve qualquer falta, mas se houve isso representa um pecado cometido pela democracia para com Basílio Teles.
A forma por que nós temos de homenagear Basílio não é com suspensão de sessões nem longos discursos, é pôr os olhos nessa figura o fazer reviver os velhos princípios das democracias e pôr a honestidade nos caracteres e arrancar ao Estado essas golilhas que o jugulam e que fazem com que as criaturas fujam dos seus lugares; é prestigiar a República para que dela surta o que o País espera.
Tenho dito.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Comovidamente, êste lado da Câmara associa-se ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª pelo falecimento de Basílio Teles, que era uma nobre figura da história da República.
A obra de Basílio Teles na preparação do movimento de 31 de Janeiro foi duma intensidade, duma actividade e duma clarividência absolutamente notáveis.
A história que êle em 1905 publicou dêsse movimento em prosa viva, é realmente uma obra interessantíssima, embora êle a tivesse sub-epigrafado como «esboço crítico de história política», pondo nesse livro como ante-face, versos igualmente vibrantes, como a sua prosa, de Guerra Junqueiro, em que dizia: «eu, rei de Portugal, súbdito inglês, declaro...«, livro que em todas as suas páginas palpita de patriotismo e de amor às ideas e instituições republicanas.
Todos os trabalhos de Basílio Teles tem o mesmo cunho bem impresso, bem nítido, absolutamente inconfundível.
Se, a seguir à implantação da República, Basílio Teles, por motivos do divergência que êle supunha fundamentais na orientação a dar aos primeiros passos dês-se regime, se afastou um pouco da actividade política, da actividade para que o estavam impondo mais que recomendando todos os seus predicados, todos os seus esfôrços, lutas e trabalhos anteriores, não deixou todavia, apesar dêsse afastamento voluntário que a si próprio se impôs, do acompanhar com carinho a República nascente e de fazer num campa quási, direi, scientífico, num campo doutrinário, os maiores esfôrços para que a República fôsse realmente o bom regime, o regime que cumulasse de benefícios a Pátria portuguesa, que enchesse de satisfação todos aqueles que pela Pátria, se interessavam.
Os livros que publicou, os artigos que até à última hora escreveu na imprensa periódica atestam-no bem.

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Sr. Presidente: não tenho e sinto não ter o relêvo necessário nas palavras que profiro para levantar bem alto as virtudes, o carácter, o saber, o esfôrço de Basílio Teles, mas, felizmente, todas estas qualidades, todo o passado de Basílio Teles são suficientemente conhecidos para que não precisem de que eu os saliente.
Como muito bem acabou de dizer o Sr. Deputado que me precedeu no uso da palavra, as qualidades de Basílio Teles devem ser para todos nós um novo exemplo de amor, de fé pelas instituições republicanas, um vivo exemplo para nos esforçarmos para que o regime satisfaça as mais legítimas ambições de todos nós.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: sentidamente, em nome do Partido Republicano Nacionalista, me associo à homenagem proposta por V. Ex.ª ao grande republicano e grande pensador Basílio Teles. De facto, Basílio Teles deixou um grande nome e uma grande obra.
O seu afastamento da actividade política já aqui foi explicado.
Estou convencido que de êsse afastamento foi devido ao elevado grau filosófico do seu espírito.
É justo o nosso preito à memória de tam grande cidadão.
Na sua obra e na honestidade da sua vida que foi duma austeridade a toda a prova, a todos deixa um exemplo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Por tudo quanto ouvi dizer, aqui, aos diversos oradores que falaram, manifestando o seu preito de homenagem à memória de Basílio Teles, e pelo que conheci da sua vida, chego à conclusão de que êle foi um português que procurou sempre por meio do seu talento, e por meio da sua austeridade, servir a Pátria.
Tanto basta para que todos os portugueses, com a maior sinceridade, sem distinção de côres políticas, nem de credos religiosos, se associem à homenagem do Estado à sua memória. Por um acaso eu tenho neste momento, sôbre a minha carteira, um livro que aqui foi trazido por um companheiro meu, que traz umas palavras de Sócrates que bem podiam ser aplicadas ao homem a cuja memória prestamos esta homenagem.
Não sei, porque não tive ocasião de conhecer a última crise da sua vida, se realmente em face da desilusão e da decepção que deveria ter representado para êle o facto de não ter visto realizado inteiramente o ideal patriótico que sonhara e por que tanto combatera, se êle realmente chegou a realizar a esperança que acalentava; mas isso não me impede que eu, associando-me à proposta de V. Ex.ª conservando-me por dois minutos em profundo e respeitoso silêncio, em homenagem à memória de Basílio Teles, o faça em nome da crença que professo e que acredita num mundo melhor, e mais perfeito, onde os homens como Basílio Teles, que não conseguiram ver realizado neste mundo o seu ideal, encontrarão uma recompensa ao seu sacrifício.
De acôrdo com essa minha crença, que é a luz que guia e enche a minha vida inteira, eu conservar-me hei em silêncio respeitoso, fazendo o que essa crença me manda fazer, durante êsses dois minutos propostos por V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica associo-me muito comovidamente ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª pela morte de Basílio Teles.
Citou V. Ex.ª os trabalhos do Basílio Teles para a preparação do movimento de 31 de Janeiro de 1891 e os trabalhos por êle empreendidos quando, de regresso à sua terra muito querida, pensou em organizar um novo movimento revolucionário, em 1897, e disse V. Ex.ª, depois de citar êstes factos, que seguramente não serão só os republicanos que sentirão a morte de Basílio Teles.
Disse V. Ex.ª muito bem.
Não podem ser só os republicanos, mas todos os portugueses, os que pranteiam a perda dum homem que era um valor em qualquer parte e que sabia lutar por aquilo que reputava ser mais útil para o bem da sua Pátria.
Lutou Basílio Teles contra a monarquia, porque julgou que na República encontrava o melhor regime para o País.

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Tanto nos basta para que nós, que fomos seus adversários políticos, nos curvemos perante a sua memória, prestando-lhe a homenagem que é devida a todos aqueles que sinceramente procuram servir o seu País.
Disse V. Ex.ª que êle era um grande português.
Sem dúvida que o foi. São sempre grandes portugueses todos os homens do valor de Basílio Teles que lutam pelo bem da sua Pátria.
Sr. Presidente: Basílio Teles dedicou-se aos mais diversos ramos da actividade nacional, estudando concretamente os problemas mais graves para a vida do País, e supondo que não podia ser útil ao seu País entrando na actividade política, Basílio Teles manteve-se num retraimento extraordinário depois da proclamação da República.
É esta uma das grandes provas da sua sinceridade. Querendo trabalhar pelo bem do seu Pais e lutar por aquilo que êle sonhara, e vendo que não podia ser útil ao seu País ingressando activamente na política, manteve-se naquele retraimento que todos conhecemos.
Ainda há poucos dias um grupo de portugueses de diversas cores políticas julgou ser o momento asado para empregar os seus esfôrços para a salvação do País, e Basílio Teles não lhe recusou, a adesão do seu nome.
Assim, Sr. Presidente, numa hora tam grave para a vida da Nação, nós temos de lastimar que homens do valor de Basílio Teles se considerassem impossibilitados de prestar serviços ao seu País, e creio, bem que uma das maiores homenagens que à memória de Basílio Teles poderiam prestar-se seria a de fazer com que para a salvação nacional se arranjasse uma forma de poderem colaborar no bem do País todos os homens de valor.
De todo o coração, portanto, me associo, em nome da minoria monárquica, ao voto de sentimento por V. Ex.ª proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: não tenho hábito de lamentar as minhas próprias insuficiências, embora as reconheça.
Cada um é como pode ser e desde que ponha toda a sinceridade na sua acção, as insuficiências próprias apagam-se, desfazem-se, ficando apenas a valer os resultados sociais dessa acção; mas, perante a descrição que tenho de fazer de toda a estrutura intelectual e moral de Basílio Teles, confesso a V. Ex.ª e à Câmara que lamento do fundo da minha alma a insuficiência da minha cultura para poder fazer a apologia condigna.
Homens como Basílio Teles, Sr. Presidente, não podem ser esquecidos, sendo por isso justíssima a manifestação de pesar que lhe estamos aqui prestando à sua memória.
Basílio Teles ainda nas vésperas da sua morte tinha trabalhado, escrevendo para jornais do Pôrto, e assim nós temos o direito, senão a obrigação, de sustentar aqui que êle durante toda a sua vida prestou relevantíssimos serviços ao País e à República.
Basílio Teles era, e tem de ser para todos nós, um exemplo de trabalho e de honradez.
Não é justo dizer-se, como o têm dito vários adversários do regime, que a República tem caminhado por forma que os homens da altura intelectual de Basílio Teles têm tido repugnância em a acompanhar.
Não, Sr. Presidente, isto não é assim, e só por paixão política se pode dizer isso.
Não, Sr. Presidente,, pois só a muita vontade de se dizer mal é que pode levar alguém a fazer uma afirmação desta natureza, pois a verdade é que Basílio Teles, embora afastado da actividade política, concorreu muitíssimo para o engrandecimento da Pátria e da República.
Não sei os motivos que o afastaram da directa acção política, nem tam pouco as razões que o levaram a isolar-se dos próprios amigos, resistindo sempre às instâncias que lhe foram feitas para abandonar o seu ermitério e vir acolher-se aã carinho das pessoas a quem êle mais queria e que mais lhe queriam.
Seja como fôr, essa personalidade não passou debalde na sociedade portuguesa, nem foi um valor sem acção neste momento histórico que atravessamos. Nós, os mais moços na vida republicana, soubemos sempre aprender com êle, e temos

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ainda de aprender na hora derradeira do seu passamento.
Êsse homem, pela forma como viveu e morreu, demonstra a todos os republicanos que é absolutamente indispensável que a nossa consciência e inteligência tenham sempre um gesto de protesto contra essa lebre de luxo que a estas horas é em toda a parte do mundo a característica dominante para a hora social que passa.
Aos seus amigos e a todos nós, quási na hora derradeira, ao pé do seu catre, ainda Basílio Teles deu uma extraordinária lição.
Sr. Presidente: mais uma vez repito: lamento que a minha palavra não tenha a eloquência necessária, que a minha cultura não tenha o desenvolvimento preciso para poder condignamente, perante V. Ex.ª e perante o país, fazer a sua apologia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o voto de sentimento.
A Câmara conservou-se em silêncio durante dois minutos.
Foi aprovado o requerimento do Sr. António Maia.
O Sr. Manuel Fragoso (para um requerimento): — Requeiro que seja prorrogada a sessão até se liquidar o assunto a que diz respeito a interpelação do Sr. Álvaro de Castro, ainda mesmo com prejuízo da sessão nocturna, se fôr preciso.
Foi aprovado.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: em certa academia latina um ilustre membro fez um dia uma comunicação muito interessante.
Em certa aldeia nascera uma criancinha que já trazia um dente, e o mais notável era o dente ser de ouro. Nomearam-se comissões, que se dedicaram ao estudo, do fenómeno. As leis mecânicas acudiram ao facto; a química veio também em seu auxílio, e, depois de longos relatórios, estavam todos admirados de que o ilustre homem de sciência que havia feito a comunicação não se importara, mais com o assunto.
Uma vez chamado, pasmou do trabalho feito, e, quando estranharam que êle tivesse abandonado um caso tam, interessante, explicou que a primeira cousa que tinha ido fazer era verificar se de facto tinha nascido a criancinha com o dente e se êsse dente era realmente do ouro. Pôde ver que a informação era falsa, e por isso não só deu a mais trabalhos.
Sr. Presidente: nesta interpelação há qualquer cousa de semelhante com o caso que acabei de relatar.
Parece-me que é melhor esclarecermo-nos se porventura se dá, de facto, a circunstância do ainda não estar o assunto de que se trata bem claro depois do largo debate que se tem travado entre coloniais tam distintos, que só esforçaram por expor os seus pontos de vista.
De onde veio um certo alarme produzido sôbre uma questão que é realmente importante?
O ilustre Deputado interpelante, mandando a sua nota do interpelação para a Mesa, veio logo a público com uma entrevista mostrar o quanto estava alarmado, e nessa entrevista, com letras gordas para que não passasse despercebida ao público, o alarme que tinha um grande valor, fez-se.
Se bem que o Sr. Álvaro de Castro, seja bem conhecido, fez-se uma apresentação de todas as suas qualidades, do modo que, quando se dizia que o público estava alarmado, o que se fazia era alarmar a opinião pública com o alarme, duma pessoa de categoria como é o Sr. Álvaro de Castro.
Ora eu pregunto: que vantagem haveria em alarmar a opinião pública contra um facto que não existia? Que vantagem haveria em dizer-se ao público: «Eu estou alarmado com a resolução de tal facto». E depois dizer-se a seguir: «Eu não acredito que tal cousa se fizesse"?
Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro disse, e muito bem, que não se tratava de pessoas, mas sim da análise de actos. Êsses actos considero-os eu actos políticos, e por isso quero declarar abertamente que reprovo em absoluto um tal sistema de ataque político: lançar alarmes na opinião pública, dando o aspecto de que se está numa política de favorecer situações em detrimento dos interêsses nacionais.
O ilustre Deputado interpelante é uma figura que tem direito a ser escutada

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quando pretende saber qualquer cousa importante dos negócios do Estado.
Foi no meu partido uma figura importante, porque fez parte do seu directório; foi chefe dam agrupamento político que se denominou Partido de Reconstituição Nacional e é hoje leader do grande Partido Nacionalista em via de formação.
Somos amigos; temos tido confidências sôbre assuntos públicos e nunca me neguei a esclarecer S. Ex.ª sôbre qualquer assunto a respeito do qual S. Ex.ª me interrogasse.
Permita-se-me que eu fale com franqueza — isto não ofende — pois a Câmara deve compreender que quem tem a consciência de se dedicar com tudo quanto pode dispor e que a natureza lhe deu, para o bem do seu País, há-de, naturalmente, sentir-se chocado por se lançar para público, sem prévias averiguações, a nota de que há um Ministro que numa política de silêncio atende a interêsses estrangeiros, pondo de parte os interêsses nacionais.
É pois natural que eu também diga o que penso sôbre a forma como se conduzem assim os negócios públicos em Portugal.
Se S. Ex.ª alarmado me preguntasse, movido pelo seu grande alarme de patriota, o que havia sôbre o facto que se lhe afigurava ser tam grave, fàcilmente ficaria sabendo que nada havia do que supunha, e teria, certamente, deixado de apresentar a sua interpelação, tendo-se, talvez, evitado que nesta Câmara se dissessem cousas que não foram de benefício para o País.
Entre o ter de me defender de maneira a, que todos me digam tem razão e o manter-me em reserva para não colocar mal o País, eu prefiro ficar mal.
Cumpro, porém, o meu dever.
Apoiados.
Sr. Presidente: devo desde já agradecer a atitude tomada pelo Sr. Brito Camacho.
Declarou S. Ex.ª que a responsabilidade era sua. Foi uma prova do seu carácter, mas devo dizer, por ser a verdade, que S. Ex.ª procedeu sempre de acôrdo comigo, e, por consequência, perante o País, perante a Câmara, o responsável sou eu.
Disse-se que o Ministro tinha mudado de opinião.
Não pretendo fatigar a Câmara, mas permita-me V. Ex.ª que ao menos neste ponto principal não possa ficar a mais leve dúvida em qualquer dos Srs. Parlamentares que hão-de julgar finalmente a questão.
Quando em Junho me foi preguntado o que eu pensava sôbre um acôrdo em separado, eu francamente disse a minha opinião ao Alto Comissário: «Julgo que não era oportuno».
Passaram-se meses e em virtude de troca de impressões entre mim e o Alto Comissário, eu só no meu gabinete pensei que por mais esfôrços que fizesse para estar a par de toda a questão, podia estar enganado, quando da parte do Alto Comissário se mostrava a vantagem em proceder de um certo modo.
Sabe-se como eu na outra Câmara, quando se tratou da criação dos Altos Comissários, mostrara temer pela instituição.
Mas quero dizer a V. Ex.ª que o facto de eu sustentar uma opinião em determinado período não me levava a vir para este lugar sustentá-la, provocando conflitos que pudessem acarretar grandes inconveniências para o País.
Tenho de servir bem e lealmente o meu País, muito embora tenha de mostrar que me enganei em qualquer ocasião.
Pensei que era da máxima conveniência, reservadamente, ouvir a opinião dos últimos governadores. Êste ponto exigia reservas, mas logo no dia seguinte os jornais davam a notícia que fora nomeada uma comissão, para estudar o Convénio com a União, logo o telégrafo comunicou êsse facto para Moçambique e logo se levantou uma campanha contra o Alto Comissário, dizendo que era tanta a confiança que o Govêrno tinha no Alto Comissário que em Lisboa era nomeada uma comissão.
Ora isto é absolutamente falso, porque eu apenas desejava um conselho para me habilitar a ter a certeza que não estava a ver bem a questão.
Mas só em Novembro recebi o relatório; daqui pode a Câmara verificar se era desconfiança do Ministro ou do Govêrno no Alto Comissário.
Êsse parecer não era contrário a fazer-se o acôrdo com a Câmara de Minas, mas dizia que era inoportuno o contrato.

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Se era inoportuno, não quere dizer que não seja útil em determinada oportunidade.
Nunca pensei que se fizesse o Convénio pondo de parte a mão de obra e como êste assunto interessava sobremaneira a nossa província não tenho dúvidas em declarar que tudo quanto o Alto Comissário fez foi de pleno acôrdo com o Ministro das Colónias.
Estávamos, por consequência, diante da circunstância de que no fim de Março desaparecia tudo quanto havia relativamente à parte da mão de obra.
Ouvi aqui a opinião dum ilustre camarada e meu correligionário, o Sr. Portugal Durão, que já por duas vezes passou por estas cadeiras, e que sabe perfeitamente os embaraços que elas causam.
Disse S. Ex.ª que a sua maneira de proceder, seria diversa daquela que se adoptou.
Acrescentava S. Ex.ª: A União não queria vir ao nosso encontro a fim de se obter uma Convenção como seria para desejar? E eu, dizia o ilustre Deputado, cortava o fornecimento da mão de obra, nem mais um preto para lá.
Ora aqui divergem os nossos pontos do vista, por completo, e eu tenho pena que S. Ex.ª não esteja presente para explicar à Câmara, porque de mais a mais tem trinta anos de Moçambique, como é que conseguia evitar repentinamente, que pela nossa fronteira de Moçambique com a União não passasse nenhum preto. Nós aqui há tanto tempo a debatermo-nos com uma crise de carne, e S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças com a sua guarda fiscal e uma fronteira bem mais fácil de fiscalizar ainda não conseguiu evitar a saída de manadas e manadas de bois e do carneiros!
Sr. Presidente: para facilitar ainda mais as negociações para um Convénio nós concordámos que a parte relativa à mão de obra fôsse, prorrogada por seis meses, e a êste respeito diz o ilustre colega, mas aí é que está a grande questão, vai-se dar à União tudo quanto tínhamos e a questão compensadora onde ficou?
É a morte; não é um modo de viver é um modo de morrer!
Sr. Presidente: eu já tenho ouvido dizer que trato sempre com certo dessassombro todos os assuntos; com efeito foi assim que encarei esta questão, porque eu ainda acredito que os homens quando são sinceros, quando são verdadeiros, quando têm a consciência do dever cumprido, alguém lhes há-de fazer justiça, o então sossêgo.
Agora mesmo tive uma prova de que é verdadeiro o meu raciocínio, visto que, apesar de tocarem os sinos grandes de alarme, ainda não me deram um tiro. A consciência pública já está farta de conhecer as artes de tantos sineiros que em Portugal tem havido.
Sr. Presidente: não é para admirar que tendo eu uma opinião em Junho, tenha agora outra em Março, pois estas questões coloniais têm umas características especiais.
O ilustre Deputado interpelante disse que a mão de obra era o menos, mas o não cumprimento da 2.ª e 3.ª partes da Convenção é que era a morte certa de Moçambique; porém dias antes, numa conferência na Associação dos Lojistas, para elucidar a opinião pública, dizia que a mão de obra é que era o principal e que a 2.ª e 3.ª partes não tinham importância nenhuma.
O Sr. Álvaro de Castro: — Não é bem essa a frase.
O Orador: — Queira V. Ex.ª desculpar, mas é o que vem aqui nos jornais. Eu não queria ler para não tomar tempo à Câmara.
O Sr. Álvaro de Castro: — São notícias menos exactas.
O Orador: — Eu imaginava que era assim.
O que eu não posso é ouvir dizer que o Govêrno está negociando um convénio que é a ruína da província de Moçambique.
Como é que poderá compreender-se que tendo nós feito um grande favor à União, ela no dia seguinte possa tratar-nos como inimigo, fazer-nos uma guerra de extermínio à nossa província de Moçambique; e como é que nós, alegando êsse grande benefício, podemos bater o pé e dizer:
«Nem mais um preto para a União».
Não compreendo.

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O ilustre Deputado interpelante parte do princípio de que estamos a tratar com a União com a máxima lealdade, e assim devemos proceder.
Está disposta a União a fazer-nos guerra?
Então estamos perante a situação que em tempos ouvi referir nesta Câmara, chamando-se a atenção do Govêrno para o facto da União ter 200:000 homens armados, e não sei se sete milhões de carneiros.
Risos.
Eram precisas providências.
Pregunto: abandonamos todos as nossas ocupações, os nossos trabalhos, só porque vemos em diversos jornais que os espanhóis se propõem tomar Portugal, e vamos todos para a fronteira à espera que venham atacar-nos?
Não me parece que seja esta a política, e muito menos política colonial.
O ilustre Deputado interpelante atribui-me a frase de que a Convenção convinha só à União.
É necessário considerarem-me muito pequenino para me suporem capaz de me ter deixado iludir tam fàcilmente.
É preciso, me parece, reflectir um pouco mais, ver o alcance que pedem ter as palavras, as frases ditas por quem tem responsabilidade.
Não há, Sr. Presidente, perigo algum para Moçambique, visto que estamos de acôrdo, e, se me preguntarem se a mão de obra contém mais à União, devo dizer que lhe convém mais, mas também nos convém a nós.
O ilustre Deputado Sr. Brito Camacho já explicou devidamente o assunto e por isso não julgo necessário repeti-lo.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª deseja concluir agora as suas considerações, ou prefere ficar com a palavra reservada para logo?
O Orador: — Se V. Ex.ª me permite, ficarei então com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 40 minutos.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 21 horas e 55 minutos.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: creio ter dito à Câmara, nas considerações que tive a honra de fazer na sessão da tarde, que já uma comissão de coloniais, estudando a questão das nossas relações com a União Sul-Africana, dissera que dificilmente poderíamos deixar de permitir a emigração para o Rand, sem que para tal tivéssemos a justificação da necessidade dos indígenas emigrantes nos trabalhos da nossa província de Moçambique. Sendo assim, eu pregunto se, dada a situação actual da parte sul da província, que não está neste momento preparada para absorver o trabalho dos seus indígenas, o impedimento da sua emigração não poderia ser tomado pela União como uma atitude agressiva de nosso lado.
Todos conhecemos a manifesta e ostensiva má vontade que já existe contra nós por parte de alguns súbditos da União.
Acho, por isso, de boa e elementar política furtarmo-nos a tudo quanto possa representar um pretexto para novas reclamações contra a nossa acção colonizadora, mostrando a todo o mundo; que nós procuramos por todos as formas desenvolver o hinterland e que estamos dispostos a corroborar os esfôrços civilizadores dos outros povos.
Assim mesmo pensa o ilustre Deputado interpelante.
S. Ex.ª, no seu relatório sobre-o seu govêrno, mostra como nós temos mão de obra em excesso.
Com que argumentos sérios poderíamos, pois, nós, depois de uma tal afirmação que nas mãos estranhas seria um elemento valioso para demonstrar, a nossa má vontade, impedir a emigração para a União?
Há um outro ponto importante que convém, também, esclarecer e é aquele em que se mostra desacôrdo com outra afirmativa do S. Ex.ª feita nesta casa do Parlamento, quando, referindo-se à denúncia do convénio, S. Ex.ª pretendeu provar que mal tinha andado o Alto Comissário procurando a denúncia da Con-

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venção, uma vez que já estavam previstas as dificuldades que se levantariam para a obtenção de um novo convénio que nos fôsse favorável. Como a Câmara vê, há uma perfeita desarmonia entre os pontos de vista apresentados pelo ilustre Deputado.
Não ora eu Ministro quando o Alto Comissário fez a comunicação à União de que a Convenção em vigor não convinha.
Não tenho, por consequência, de me defender duma sanção que não foi dada por mim.
Todavia, não era necessário que tal se dêsse para eu me convencer — o comigo toda a Câmara — do que o Alto Comissário muito bem andou, principalmente depois do ouvir a forma clara por que S. Ex.ª apontou as razões que o levaram ao seu procedimento. Depois todos devemos prestar justiça ao valor do Sr. Brito Camacho.
Qualquer que tenha sido a nossa discordância com a sua passada acção política, fica sempre bem prestar justiça aos vastos conhecimentos de S. Ex.ª e à forma, por que se tem dedicado à administração de Moçambique.
Dificuldades sérias encontrou S. Ex.ª na execução do sou plano administrativo, não admirando, pois, que as condições se tenham modificado desde que enunciou êsse ponto de vista e, portanto, desde que foz a prevenção do que a Convenção devia ser alterada.
Diz-se agora que é fácil obter uma convenção favorável para nós.
Ora, Sr. Presidente, parece que nos esquecemos da circunstância principal que fez com que se suspendessem as negociações.
O ponto de vista do Sr. Smuts, inaceitável para nós por sentirmos que fere a nossa dignidade, que vai de encontro aos princípios de soberania, êsse ponto de vista tem sido mantido pelo primeiro Ministro da União.
Ainda o Sr. Smuts não compreendeu toda a nossa susceptibilidade a respeito da sua proposta. O Sr. Smuts raciocina nesta questão de um modo completamente diverso daquele por que nós encaramos questões internacionais ou mesmo inter-coloniais e parto do princípio de que se trata de uma questão puramente de negócio.
A província de Moçambique tem o seu pôrto de Lourenço Marques e o seu caminho de ferro até a fronteira, tem feito despesas para satisfazer às necessidades do Transvaal ou, digamos, da zona de influência daquele pôrto, e então o Sr. Smuts diz:
«- Preciso de fazer mais caminhos do ferro e vou ter um grande movimento de exportação, precisando de ter assegurado o tráfego de toda a minha produção.
Para ter a certeza de que êsse tráfego me não é impedido de qualquer forma, eu só admito uma circunstância: é poder ou mandar nesse pôrto e nesses caminhos de ferro».
Aqui tem V. Ex.ªs a questão posta com uma simplicidade extraordinária, encarado sob êste ponto do vista puramente comercial, como S. Ex.ª se exprime.
Diz o Sr. Smuts:
«- Se é preciso dinheiro, eu dou dinheiro; se é preciso organizar, emfim, uma companhia, de qualquer forma, ou até pagar as despesas que a província tenha feito, também se organiza ou também se paga. É uma questão puramente de negócio e eu não compreendo o que é que isto tem com a soberania».
Eis, Sr. Presidente, como se apresentam êstes dois pontos de vista tam simples.
Por um lado, nós prontos a fazer tudo o que seja necessário para garantir ao hinterland o seu tráfego e o pôrto, que naturalmente é o pôrto próprio para o seu desenvolvimento, mas não pode também haver nada mais simples do que mandarmos naquilo que é nosso. Por outro lado, o Sr. Smuts não compreende isto e diz que, para poder construir linhas férreas que venham derivar para o pôrto de Lourenço Marques, lhe é indispensável ter o predomínio na administração dêsse pôrto.
Eu creio que basta expor a verdade do que se passa nestas simples palavras para que a Câmara compreenda que não se dá o caso da tal facilidade apontada pelo ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro para fazermos uma Convenção.
Fez uma observação o ilustre Depu-

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tado e grande colonial Sr. Aires de Ornelas, que eu desejo também esclarecer, visto que se preguntou o que sabia o Govêrno da construção dum novo pôrto. Como já foi dito na Câmara, desde há muito que se fala na idea dos nossos vizinhos construírem um pôrto para acabar com o pôrto estrangeiro, que vem a ser o de Lourenço Marques.
A luta travada na União contra o nosso pôrto de Lourenço Marques não é de agora, já vem de longe e, por isso, o Transvaal quis realmente estabelecer o convénio connosco precisamente nas vésperas de entrar parada União, querendo assegurar-se de que tinha, o seu pôrto de saída em muito melhores condições do que seria qualquer dos pôrtos da União. Chegados agora à situação actual, o Sr. Smuts diz e afirma, duma maneira categórica e oficial, que tem a máxima boa vontade de chegar a um acôrdo com Moçambique relativamente ao pôrto de Lourenço Marques, mas que, se não poder chegar a um acôrdo, terá então de recorrer à construção dum pôrto na sua costa. Assim é que, de facto, o primeiro Ministro da União andou percorrendo a costa ao sul da nossa província de Moçambique, acompanhado duma grande autoridade em assuntos de pôrtos, a quem encarregou de fazer um relatório sôbre o problema.
Tem visitado os pontos onde se tem aconselhado a construção dum pôrto, evidentemente para ter o serviço do de Lourenço Marques, e agora parece-me que do relatório dêsse engenheiro resultou a convicção de que a União pode ter um pôrto muito barato, de construção muito rápida, dando entrada a todos os navios, podendo-se estabelecer as linhas férreas em belas condições para exportar todo o carvão.
Sr. Presidente: até êste momento — que eu saiba — ainda não foi apresentado ao Parlamento da União o plano, cálculos e orçamentos da construção do novo pôrto e linhas férreas apropriadas para êle. É assunto que interessa, evidentemente, à União ou, melhor, à região servida pelo pôrto de Lourenço Marques e por isso não me pertence analisar as condições da referida construção.
Se é de boa economia para a União fazer um pôrto muito próximo do pôrto de Lourenço Marques e o intuito evidente de se não servir pelo pôrto português, de percorrer maiores distâncias que não tinha, pondo de parte as facilidades que lhe temos dado e podia dar o pôrto de Lourenço Marques; se realmente os súbditos da União entendem que vale a pena pagar, o que me parece um luxo, a construção do pôrto, com várias linhas férreas, pondo de parte o pôrto de Lourenço Marques, nós não temos maneira, evidentemente, de o evitar.
Estão perfeitamente no direito de o fazer; no direito pleno, porque não temos absolutamente de nos ocupar disso.
Se lá estão dispostos, apesar dos princípios económicos, a fazer despesas desnecessárias para terem um pôrto, nós havemos de viver com o nosso pôrto e caminho de ferro, e mantermo-nos na nossa província de Moçambique perfeitamente amigos, nas melhores relações, cada um em sua casa, servindo-se do seu pôrto como muito bem entenda.
Apoiados.
E então estaremos, porventura, mais sossegados, porque ninguém terá o direito de nos vir dizer que temos do ceder a qualquer exigência, porque Lourenço Marques é o pôrto natural de servidão duma certa região. Isto se verifica com mais vantagem, apesar de se dizer que se pode construir um pôrto na União Sul-Africana.
Sr. Presidente: eu estou certo de que não se hão-de encontrar as facilidades apresentadas pelo Sr. Álvaro de Castro para se fazer a Convenção de modo a que todos fiquem perfeitamente satisfeitos, e em que nós tenhamos muito mais vantagens. O que eu pretendo, e a Câmara decerto avaliará o meu ponto de vista, é que não haja da parte da União nem a mais leve desconfiança de que não estamos animados da máxima boa vontade de mantermos as melhores relações e de auxiliarmo-nos mùtuamente.
Entendo, por consequência, que se deve proceder de modo a que não haja a mais leve justificação de reclamações contra a nossa acção.
Sr. Presidente: se se não chegar a qualquer acôrdo sôbre o ponto principal, caminho de ferro e pôrto de Lourenço Marques, nós estamos no nosso pleno direito de, no fim de seis meses, dizer: agora

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também não nos convém a continuação dêste acôrdo.
Ninguém poderá ter a surpresa — porque isso é de todos conhecido — que, ou se faz o acôrdo e então já não se pode alegar que se estava à espera que durante o ano se resolvesse o assunto, ou não se faz, e não será da nossa parte que o Govêrno da União encontrará embaraços, porque temos sempre provado toda a nossa lealdade e a maneira como cumprimos fielmente aquilo que acordamos.
O Alto Comissário disse, e muito bem, que estamos prontos a lazer mais sacrifícios para garantir o tráfego — um tráfego que, note-se, poderá ser grande ou pequeno porque as circunstâncias podem variar — mas o que era necessário era que nos dessem uma compensação mínima dos sacrifícios que íamos fazer.
Não é da nossa parte, por consequência, que se encontra qualquer dificuldade. Tudo deriva de, do nosso lado, considerarmos uma questão de soberania, e do outro lado considerarem uma questão de simples negócio.
Relativamente ao caminho de ferro, devo dizer que não acredito que a União, nesta fase em que estamos mostrando a nossa máxima boa vontade para chegarmos a um acôrdo, nos responda com uma guerra económica, porque, certamente, na própria União, onde ainda há o espírito de justiça, a população se revoltaria contra um Govêrno que adoptasse tal processo contra um vizinho que não faz senão a melhor vizinhança, como êles próprios atestam.
Predominar na nossa administração?!
Não, não.
E isto quaisquer que sejam as consequências.
Apoiados.
Esta é a minha atitude; e ninguém tem o direito de duvidar da minha atitude.
Mantenho-a ainda.
Se vim aqui comunicar à Câmara êstes factos, é porque estou convencido de que a União há-de compenetrar-se de que os nossos intuitos são os melhores, e que o pôrto e caminho de ferro de Lourenço Marques ainda são os elementos mais económicos para o próprio tráfico do hinterland.
Estou convencido de que havemos de chegar a um acôrdo; e até lá eu não vejo os inconvenientes apontados pelo Sr. Álvaro de Castro, nem os perigos que possam vir para a província de Moçambique.
É preciso notar-se que se não trata dum convénio.
Não se trata duma convenção, um instrumento a que estivéssemos ligados duma maneira definitiva.
É um simples acôrdo por pequeno prazo de tempo durante o qual esperamos a resolução das negociações definitivas, para um convénio então a valer.
É um simples acôrdo, nada mais.
É muito diferente, e não seria conveniente, nem prudente, estar a designar certos pontos para obter certas vantagens, entrar numa fase de maiores indicações sem conhecer bem o estado da questão actualmente.
Só demoraria as negociações da Convenção.
Hão-de compreender que tenho absolutamente razão quando me exprimo da maneira como me tenho expresso.
Não pretendo cansar mais a Câmara, porque a questão foi largamente debatida; e quem vir o forma como o Sr. Brito Camacho aqui tratou do assunto terá visto que é demais repetir as razões alegadas por S. Ex.ª
No emtanto, devo dizer claramente à Câmara o que penso.
Trata-se de relações internacionais, de que o Ministro das Colónias é responsável perante a Câmara, e só êle é responsável da política seguida.
Bastam as acusações que nos fazem continuamente das mudanças de Govêrnos na metrópole, das mudanças de governadores no ultramar, e da instabilidade de planos administrativos, o que nos causa grandes embaraços às nossas negociações.
O Ministro que aqui estiver a assumir as responsabilidades do acôrdo, ou convenção, precisa ter a certeza de que tem, a apoiá-lo o Parlamento.
Situações indefinidas, vagas, qualquer ouve dizer; as minhas observações não contêm ataques políticos, as minhas observações não têm de modo algum intuitos de desconfiança; o mandar-se uma moção para a Mesa de tal modo, não implica censura ao modo como o Ministro procede; não compreendo.
Isto é para a minha miopia política talvez uma desconfiança.

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Para salvaguarda dos interêsses é essencial que a Câmara tome uma atitude definida condenando a política seguida nesta questão até aqui, vindo, ipso facto, outro Ministro que seguirá a orientação que a Câmara tenha ou a Câmara diz claramente a política a adoptar, e então o Ministro a seguirá.
Isto é tudo quanto há de mais simples, mas è indispensável definir porque é uma questão séria; por consequência, a Câmara deve bem ponderar.
Não é uma questão, restrita a um partido.
Apoiados.
É uma questão perfeitamente nacional.
Apoiados.
Então cada um, compenetrando-se da sua função, como Deputado da Nação, e que deve em sua consciência dizer que o Govêrno andou bem ou mal, sem ofender ninguém, sem intrigas, cumprimos todos o nosso dever, saindo eu com a tranquilidade do que fiz tudo quanto pude para bem servir o meu país.
Pode ser que tenha andado mal, porém vou tranquilo com a minha consciência de que procurei resolver bem o assunto; mas a grande maioria é que pode dizer se andei bem ou mal.
Aqueles que não são meus correligionários, evidentemente que não lhes poderei pedir solidariedade; porém lembro-lhes que, nesta questão, não deve haver questões partidárias.
Entre as moções que estão sôbre a Mesa, uma há que põe a questão clara. Rejeitando-a ou aprovando-a, creio que se dará perfeitamente a nota do que a Câmara pensa.
O Govêrno ou tem andado mal no caminho que tem seguido nas negociações e então é rejeitada, ou tem andado bem e é aprovada.
Para terminar, Sr. Presidente, eu devo dizer que tenha muita pena de que o ilustre Deputado, Sr. Álvaro de Castro, se tivesse alarmado tam fàcilmente, e tivesse alarmado também aqueles que olham com atenção para as questões coloniais.
No meu modo de ver, Sr. Presidente, o Sr. Álvaro de Castro prestou um mau serviço ao país, e assim seja-me permitido dizer que mal andou o Partido Nacionalista escolhendo o Sr. Álvaro de Castro para seu leader, pois a verdade é que, dentro em pouco, ver-se há, obrigado a escolher um outro leader sobressalente, visto que S. Ex.ª pode ser atacado de uma cardite política, por isso que se alarma tanto com questões desta natureza.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: é sempre com muito respeito, que falo perante esta assemblea parlamentar, e a Câmara compreenderá que êsse respeito chega à timidez por parte de quem, perante êstes, assuntos não tem uma preparação especial, nem possui competência.
Por isso, Sr. Presidente, só neste momento, e na noite do terceiro dia em que êste assunto vem sendo debatido, tomo a liberdade de tomar por alguns minutos a atenção da Câmara.
Na verdade, existem algumas moções sôbre a Mesa, que é necessário votar, e, não tendo esta assemblea votos de qualidade, quere dizer que para apuramento dessa votação, conta-se tanto o meu voto, como o dos ilustres oradores que me antecederam no uso da palavra, amigos Ministros das Colónias e alguns com serviços importantes nas mesmas colónias.
Tendo, portanto, obrigação de votar, desejo explicar as razões do meu voto e para isso, ocupando-me da matéria que se tem vindo versando e som mo alargar em considerações, que a Câmara não me perdoaria, eu vou distinguir entre o que é passado, o presente e o comêço portanto da guerra.
O passado a que me quero referir é a denúncia da Convenção que tanto tem sido debatida aqui.
Sr. Presidente: da discussão havida eu cheguei ao convencimento do que o Convénio deve na verdade ser denunciado e deve sê-lo não só pela série de razões apresentadas na primeira discussão dos factos pelo Alto Comissário de Moçambique, mas ainda principalmente pelas altas razões que se apresentaram quanto às exigências que se podem vir a fazer, pois a verdade é que não se diz, por parte da União Sul-Africana, quais as compensações, ou o compromisso de compensações, que nos serão dadas em virtude das despesas que há a fazer.
Convenci-me, pela discussão havida, de

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que realmente há razão para a denúncia da Convenção; mas compreendo também que haja vantagem no contrário.
Compreendo isso, o encontro-me neste momento em face de um acto realizado; isto é, que o Convénio foi denunciado, e agora pregunto o que há a fazer.
Podemos viver, conformo aqui foi dito pelos oradores que defenderam e atacaram a política governamental nesta matéria, com Convénio o sem êle.
Sr. Presidente: tanto Moçambique como a União devem naturalmente procurar legislar um Convénio em boas bases, para não ficarem em más condições; mas se essas negociações se não puderem realizar, o que fará então a União?
Ela necessàriamente há-de procurar realizar com os seus meios o pôrto e caminho de ferro, arranjando para isso trabalhadores, que não sejam os nossos.
E nós, pela nossa parte, temos de procurar dar aos nossos indígenas aquele trabalho que presentemente não têm.
Já se disso que esta questão tinha sido tratada mais largamente do que convém à República. Apoiados.
Não serei eu que siga nesse caminho; mas creio poder concluir que realmente, no acôrdo projectado, nós e a União temos igualmente interêsses.
Êsse acôrdo não devo ser senão a preparação ou para um Convénio, ou para a proposta seguir prolongando-se pelo prazo de sois meses a contar do dia da denúncia, que pode ser o dia seguinte.
Foi esta a impresssão que me deixou sôbre a matéria a discussão que se tem produzido aqui.
Agora resta-me encarar o modo como a Câmara há-de pronunciar-se sôbre as duas moções inteiramente claras, para aprovação ou rejeição.
Há duas ainda inteiramente anódinas.
Por elas a Câmara não significa o que êste Govêrno deve fazer.
As que indicam ao Poder Executivo qual o caminho a seguir é que devem votar-se.
Em minha consciência, não podendo rejeitar a do Sr. Portugal Durão, que é perfeitamente anódina mas em que se manifesta o desejo de que a União e a província de Lourenço Marques negoceiem tendo em vista os interêsses justificados, rejeito-a contudo, por ser insuficiente.
Não exprime, na verdade, uma aprovação ou rejeição dos actos praticados, o portanto não indica o caminho que há a seguir.
Das duas moções inteiramente nítidas, uma é a do ilustre leader do meu partido Sr. Álvaro de Castro, outra é do ilustre Deputado Jaime de Sousa.
A moção do Sr. Álvaro de Castro é indicativa da volta à situação anterior, o como que diz ao Sr. Smuts que queremos fazer ressuscitar o convénio que denunciámos.
Sr. Presidente: após os discursos ouvidos, não posso, realmente, dar o meu voto a essa moção, mas os homens políticos têm obrigação de prever os resultados de uma votação, não só para o assunto especial, mas para todas as consequências que dêsse acto possam advir. O repúdio da denúncia do convénio e actos subsequentes importa não somente a demissão do funcionário que dirige superiormente a província de Moçambique mas importa também a demissão do Ministro das Colónias e do próprio Govêrno. É uma questão tam grave, que a aprovação desta moção implica a demissão do Govêrno.
O ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro disse que não se importava que a moção fôsse aprovada, mas apenas o que desejava- era mostrar a sua opinião sôbre a matéria, para que a todo o tempo pudesse dizer que tinha sabido prever e tinha razão.
Sr. Presidente: muitas vezes lamento a minha falta de categoria e autoridade (Não apoiados), porque, se a pudesse trocar com a do Sr. Álvaro de Castro, eu teria tido a liberdade de lhe pedir que não apresentasse essa moção, porque o seu modo de ver ficava justificado pelos seus belos discursos e pelas actas das sessões.
Quando o Ministério se apresentou, o Sr. Álvaro de Castro, falando em nome dêste lado da Câmara disse — e muito bem — que o Govêrno não nos merecia confiança política.
Como leader dum partido nesta casa do Parlamento, S. Ex.ª não se recusou a dizer que nas questões de ordem pública e nas questões internacionais o partido a que me honro de pertencer estaria ao lado do Govêrno.
Mas, Sr. Presidente, dá-se a queda do

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Govêrno com a aprovação desta moção, forma-se um novo Govêrno presidido naturalmente pelo meu ilustre leader acompanhado no Govêrno por todas as pessoas que como êle pensam, e o primeiro acto dêsse Govêrno seria dizer ao Sr. Smuts, «o Govêrno do meu País denuncia o Convénio, mas o Govêrno do meu País quere novamente o Convénio».
Eu pregunto se esta atitude seria a mais prestigiosa para a República.
Sr. Presidente: vejo-me obrigado, pela opinião que já manifestei sôbre a matéria em discussão, a votar a segunda moção, moção do Sr. Jaime de Sousa.
Mas, votando esta moção, declaro à Câmara os termos em que o faço.
Sou, Sr. Presidente, Deputado Nacionalista, e a êsse propósito eu direi ao Sr. Ministro das Colónias que o Partido Nacionalista não é uma fusão como S. Ex.ª disse. Eu bem sei que o seu programa só poderá ter sanção no Congresso partidário, mas os homens que constituem o directório poderão dizer ao Sr. Ministro das Colónias que se agregaram antes do Sr. Álvero de Castro ter declarado a esta Câmara que o Partido Nacionalista estava constituído, que êle ora formado por pessoas que compunham os Partidos Liberal e Reconstituinte, com os fins gerais expressos no manifesto que é do domínio público.
Não se trata dum partido em formação, é um partido formado a que o Congresso vai dar sanção.
Apoiados.
Eu, se dou o meu voto à moção do Sr. Jaime de Sousa, é porque ela, apesar de ser uma moção de confiança, é limitada a esta questão que é colonial, como diz o Sr. Portugal Durão, mas que é também internacional a meu ver.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — O Sr. Ministro das Colónias iniciou as suas considerações por uma picaresca anecdota. Não será de estranhar que eu inicie também as minhas considerações por uma anecdota muito própria porque é colonial.
Os pleitos dos indígenas são resolvidos pelos administradores. Vêm as partes ao administrador que as ouve durante muito tempo. Em certa ocasião uma dessas partes falou largamente durante uma hora e o administrador, já aborrecido, preguntou ao intérprete:
— O que tem êle dito?
— Saiba V. Ex.ª que êle ainda não disse nada, respondeu o intérprete.
É, pouco mais ou menos, o que sucedo com o Sr. Ministro das Colónias.
Os Ministros governam e os Deputados é da sua função criticar os actos do Govêrno. Nisso a liberdade é ampla e completa.
Na minha vida pública desejo a publicidade porque procuro sempre o tribunal da opinião pública e norteio os meus actos dentro de uma estrita moralidade, no desejo de defender os interêsses de Portugal e levantar o nome da Pátria. Toda a minha vida está bem a claro para todos.
Era melhor que as palavras do Sr. Ministro das Colónias, em vez de parecerem ou o quererem ser insinuações, fôssem acusações claras e francas.
O que escrevo e o que digo aqui no Parlamento ou lá fora está sujeito à critica do Sr. Ministro das Colónias e da opinião pública.
As minhas palavras nunca têm o intuito de defender interêsses privados, ou lançar nas discussões a menor suspeita contra a honorabilidade e patriotismo daqueles que entram nessas discussões.
Referiu-se o Sr. Ministro das Colónias a uma comissão nomeada, à qual eu já me tinha referido também, com muito segrêdo e cautela, e deixou cair a insinuação de que para a imprensa tinha vindo o motivo da reunião o nomes de indivíduos, deixando a dúvida de que quem tinha trazido isso para a imprensa tinha sido eu. É bom dizer-se e saber-se que essa comissão foi nomeada pelo Sr. Ministro das Colónias, estando eu ausente dos trabalhos parlamentares havia já muito tempo, pois todos sabem que eu abandonei os trabalhos em princípios de Agosto do ano passado e só regressei a êles na actual sessão legislativa.
Recebi, de facto, uma comunicação do Sr. Ministro das Colónias, nas Pedras Salgadas, e nessa ocasião escrevi a S. Ex.ª dizendo a minha opinião sôbre o assunto e estranhando a forma como era nomeado para uma comissão sem ter havido da parte de S. Ex.ª para comigo a delica-

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deza devida a um Deputado. Sôbre êste caso tive ocasião de falar com o Sr. Ministro das Colónias, aqui, dizendo-me S. Ex.ª que me tinha enviado uma carta convidando-me para essa comissão. Essa carta nunca me chegou às mãos. Roubada ou perdida no correio, ou talvez nunca escrita por S. Ex.ª, tem a qualidade das cousas que neste assunto o Sr. Ministro das Colónias pretende impor como realidades e que são meros fogos fátuos.
O Sr. Ministro das Colónias preferiu, em vez de ouvir as minhas palavras quando falei a propósito dêste assunto, não as ouvir, porque reconheço pelas suas palavras, que não as ouviu, e procurar argumentos numa conferência que produzi na Associação dos Lojistas, conferência que veio relatada nos jornais, mas que em alguns pontos não traduzem a verdade, não tendo tido ocasião de as corrigir. Ainda assim o que S. Ex.ª disse a propósito dessa conferência e ao ponto a que eu aludi sustento-o inteiramente.
O Sr. Ministro das Colónias agastou-se em super-habilidades de detalhes insignificantes e esqueceu a questão principal, que eu pus à Câmara em termos precisos e concretos.
Eu disse aqui, e repeti-o na Associação dos Lojistas, que a mão de obra indígena da nossa colónia de Moçambique era suficiente para os seus trabalhos agrícolas e industriais, podendo ainda exportar-se mão de obra.
Ao afirmar isto, citei números que tenho aqui escritos e dizendo até que nos três distritos do sul ainda se faz recrutamento para o norte. Portanto, nenhum dos argumentos aduzidos pelo Sr. Ministro das Colónias destruiu as considerações que fiz a propósito dêste assunto.
Para melhor metodizar as minhas considerações e tomar menos tempo à Câmara, eu, sem fazer referências especiais às palavras do Sr. Brito Camacho, viu-me, contudo, referir aos seus argumentos e a alguns doutros oradores.
A questão fundamental que eu pus foi a do modus vivendi e a maneira como êle se tinha realizado.
Eu não disse na Câmara que era em absoluto contrário à denúncia da convenção; restringi-me essencialmente ao modus vivendi.
Disse que fazer um modus vivendi somente negociando a parte da mão de obra era um êrro grave. Nada tem com a denúncia da convenção, e até preguntei ao Sr. Ministro das Colónias se havia intenção dum convénio. Negociar o Govêrno só parte da convenção é muitíssimo grave, o vou demonstrá-lo.
De resto, esta opinião não é isolada, nem fora da opinião da colónia do Moçambique.
Quando o Sr. Brito Camacho falou a primeira vez significou mesmo que não havia receio com respeito à utilização que o Govêrno da União pudesse fazer quanto às outras partes da convenção, pois que a União já tinha adoptado a sua atitude com relação às mercadorias, e que, desejando a União que o govêrno de Moçambique lhe dissesse qual seria a sua, êste lhe respondeu que teriam o mesmo tratamento que lhes, dêsse a União, o que representa para nós uma situação de inferioridade.
O encarregado do govêrno da província de Moçambique, mais em contacto com o conselho governativo da colónia, trata com o govêrno da União, que entende que a convenção deve continuar em vigor em todas as suas três partes, transmitindo para cá o pedido da União.
Já vê V. Ex.ª que eu não me encontro tam longe do ponto de vista da colónia como ao princípio pode parecer.
Não é, portanto, uma questão tam pequena que não interêsse à província, de Moçambique, e que não alarme a circunstância de se negociar só a mão de obra.
Bem sei que o convénio dura só seis meses. Mas isto não é bem assim, porque o convénio é feito por seis meses, denunciável de seis em seis meses, e durando seis meses depois da denúncia. O menos, portanto, que poderá durar é um ano.
Mas não é preciso um ano para que os males que eu reputo possíveis se reproduzam.
A mão de obra é de grande interêsse para a União? Sem duvida, porque as suas minas carecem dela.
Tenho ouvido dizer que o nosso indígena só trabalha empurrando vagões. Isso não é exacto, porque uma das reclamações da Procuradoria de Joanesburgo é sôbre o pagamento do trabalho de brocagem, e essas reclamações não seriam feitas se o nosso indígena não trabalhasse

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no fundo das minas com aparelhos que, embora não sejam duma grande transcendência, exigem uma certa prática de manuseamento.
É na verdade, uma mão de obra, não direi absolutamente essencial, mas uma mão de obra necessária ao trabalho das minas.
Disse o Sr. Ministro das Colónias que, tendo nós uma mão de obra em excesso para as necessidades da província de Moçambique, não poderíamos deixar de a conceder às minas.
Mas a mão de obra tem-na a União nos seus territórios e nos territórios ingleses, onde existe uma população que vai além de 16. 000:000 de almas, cousa muito acima da mão de obra que ocupam a agricultura e a indústria do Rand. Mas evidentemente que é muito mais fácil à União recrutar a mão de obra no estrangeiro do que nos seus territórios, visto que isso traz complicações, mesmo até com os indígenas.
Compreende-se que há muitas minas de ouro e carvão no mundo, que são exploradas com indígenas que não são os de Moçambique, mas em Moçambique está estabelecida essa mecânica, e não é possível substituí-la de um momento para o outro.
A mão de obra traz efectivamente vantagens para a província de Moçambique, porque dela advêm para as suas receitas uma quantia anual de quási 200. 000 libras, o que, evidentemente, é uma receita que seria perigoso fazer cessar repentinamente.
E se o extracto da minha conferência é extenso e extensamente reproduzido, deve lá haver um ponto a que se referiu o Sr. Brito Camacho, quando disse que eu não reputo essencial a vida da União a Convenção, e um outro em que eu não suponho possível fazer cessar abruptamente a Convenção. Mas daí a reputar boa obra o negociar a Convenção só numa das suas partes vai uma grande distância.
A parte da Convenção relativa às tarifas ferroviárias, e a que se não referiu o Sr. Ministro das Colónias, é que é importante para o facto de ficarem inteiramente nas mãos da União, tendo-lhes nós fornecido a mão de obra.
É facto que o indígena dá receitas para a província, mas também o tráfego as dá e muito importantes.
Pode criticar-se a circunstância do nós termos feito um pôrto e um caminho de ferro que serve mais os interêsses alheios do que os nossos, pois atende mais ao desenvolvimento do hinterland que não nos pertence.
Mas dizer que essas obras são absolutamente improdutivas para nós é inteiramente inexacto.
Nós temos apetrechado o pôrto de Lourenço Marques com o que há de melhor, criámos carvoeiras, estamos abrindo docas, mas isso não é meramente para regozijo dos nossos vizinhos, porque se traduz em receitas para a província.
Está calculado que cada tonelada de mercadorias deixa 17 xelins e 6 pence como receita, sendo 10 xelins como receita líquida, por tonelada.
Do relatório ùltimamente publicado, vê-se que, em 1918, em tráfego externo, o caminho de ferro transportou mais de 900:000 toneladas.
Ora, se cada tonelada dá uma receita líquida de 10 xelins, obtemos o juro do capital empregado no caminho de ferro. A soma de 450:000 libras que produzem os tais 10 xelins é um juro muitíssimo remunerador para o capital empregado na pôrto e no caminho de ferro.
Eu não disse, nem nunca podia ter dito, que a questão do tráfego de Lourenço Marques era insignificante; foi valiosa e continua a sê-lo.
Com respeito à outra parte da Convenção, o livre câmbio, eu não disse precisamente as palavras que vieram nos jornais; disse palavras equivalentes, isto é, que a parte do livre câmbio não tinha produzido os resultados que se tinham esperado, porque nem o desenvolvimento da província se tinha feito, a não ser a larga tonelagem de açúcar que era exportado, para o Transvaal, nem a nossa agricultura nem a indústria se desenvolveram de modo á competirem no mercado transvaaliano.
Eu tenho o direito de preguntar, se efectivamente a União não nos der um tratamento de favor, isto é, um tratamento considerando em vigor as duas partes da Convenção, que não são a mão de obra, e se procurar deminuir o tráfego pela nossa via e elevar as suas pautas, quais

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são os factores novos que aparecem para se negociar a nova Convenção, e quais são os números que vão servir para essas negociações.
São os números anteriores à Convenção?
Serão os números que se produzirem durante o modus vivendi?
Eu disse aqui, e demonstrei, que desde 1909 a tonelagem ou a percentagem de tráfego que era garantido pelo convénio de 50 a 55 por cento, passando por Lourenço Marques, tem decrescido do 1914 para cá de uma maneira assustadora, devido ao desaparecimento da marinha alemã, devido a dificuldades de permis, etc.
Sôbre a denúncia da Convenção não foram aqui feitas objecções anão ser pelo Sr. Ferreira de Mira que disse que, em vez de se ter feito o modus vivendi, se devia manter o que estava até a negociação do novo convénio, o dizer ao Govêrno da União que nós desejávamos regressar ao antigo convénio.
Não me parece que isto tenha valor porque nós vamos regressar a outro convénio, não pela nossa vontade mas pela da União, que nos impõe um tratamento que nós aguardámos que contra nós se produzisse e que nós não podemos produzir contra ela, porque se amanhã, e isso já se fez em pleno convénio, o diferencial do fretes marítimos se alterar em favor do Lourenço Marques qual é a equivalência de tratamento que nós fazemos?
Qual é a reciprocidade? Nós, porventura, podemos baixar as nossas tarifas e taxas de porte para batermos linhas de extensão quatro e cinco vezes superiores à nossa?
Eu não vejo possibilidade.
Aguardarei que os acontecimentos me dêem razão, porque qualquer que seja a moção votada, e eu creio bem que será a do Sr. Jaime de Sousa, tenho a certeza de que o Sr. Ministro das Colónias ou por um processo directo ou por um processo indirecto fará com que a situação se modifique no sentido que apresento à Câmara.
Não tenho sôbre isso a menor dúvida e os factos se encarregarão de esclarecer a Câmara e o País.
Lastimo que sôbre questões desta natureza a opinião do Parlamento não seja ouvida na altura conveniente e que tais questões se lhe tragam quando já resolvidas e liquidadas.
Infelizmente, entre nós, só temos conhecimento do factos de natureza internacional por jornais ou então, como neste caso, pelo discurso do primeiro Ministro no Parlamento do Cabo.
Não fui eu que me referi à questão do recrutamento da mão de obra para S. Tomé, determinada, pelo Sr. Brito Camacho; não tenho idea alguma de me referir a êste assunto mas, devo dizer que seria conveniente corrigir os defeitos e inconvenientes que tem o maquinismo da nossa emigração para aquela ilha.
O Sr. Brito Camacho sabe perfeitamente que a província de Moçambique tem muita razão de queixa do recrutamento de S. Tomé.
É lamentável que os nossos indígenas recebam em território estrangeiro tudo aquilo que lhes está garantido nos regulamentos e em S. Tomé não recebam o que as leis determinam.
Sr. Presidente: finalizo as minhas considerações dizendo ao Sr. Ministro das Colónias — a propósito das feitas pelo Sr. Ferreira de Mira — que efectivamente eu pus esta questão fora do âmbito político e, pu-la sem querer arrastar o meu Partido na votação da minha moção.
Mas devo dizer também que os actos de um leader podem merecer a crítica de correligionários dentro duma assemblea do Partido; não podem merecer, porém, a censura do Sr. Ministro das Colónias, que não é um censor público e, se o fôsse, não seria certamente com o meu voto que S. Ex.ª ocuparia êsse lugar.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando devolver, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para uma declaração: é que depois de todo êste debate, ligando toda a atenção aos argumentos empregados, eu não ouvi nada que destruísse os meus.
E por isso, com mágoa o digo, mantenho o mesmo ponto de vista.
Quanto ao mais que tinha a dizer,

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sinto-me inibido de o fazer neste momento.
Visto que assim o querem, será isso objecto de um debate especial.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Ministro das Colónias: — (Rodrigues Gaspar): — Insiste em algumas das suas afirmações anteriores, esclarecendo-as, e rebate certas asserções feitas pelo Sr. Álvaro de Castro.
O discurso será publicado, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito; vão votar-se as moções.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a prioridade para a moção do Sr. Jaime de Sousa.
Foi aprovado em contraprova, com a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento requerida pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.
Foi lida na Mesa a moção do Sr. Jaime de Sousa e posta à votação foi aprovada. É a seguinte:
A Câmara dos Deputados da República Portuguesa, ouvidas as explicações do Govêrno e reconhecendo que de facto a política por êle seguida até agora, baseada no mútuo respeito dos direitos de cada uma das partes contratantes, é a única admissível para a negociação de qualquer acôrdo entre a Colónia de Moçambique e a União Sul, Africana, confia em que o Govêrno continuará a empenhar os seus esfôrços neste sentido e passa à ordem do dia.
Em 9 de Março de 1923. — Jaime de Sousa.
O Sr. Presidente: — Em vista da aprovação desta moção, considero prejudicadas as restantes.
O Sr. Paiva Gomes: — Não posso concordar com a decisão de V. Ex.ª
As outras moções devem ser submetidas à votação da Câmara porque têm matéria diferente da que foi aprovada.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Alves dos Santos (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: invoco o artigo 137.º do Regimento.
Trocam se àpartes.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Observo a V. Ex.ª que a doutrina do artigo 137.º do Regimento não é aplicável ao caso.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Se no decorrer do debate tivesse pedido a palavra sôbre a ordem, Sr. Presidente, dava-ma; logo é aplicável a doutrina regimental invocada pelo Sr. Alves dos Santos.
O Sr. Presidente (interrompendo): — Todas as moções foram admitidas à discussão, e, como é de uso, aprovando-se uma, as outras ficam prejudicadas.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Em todo o caso, submeto à Câmara as outras moções.
Leu-se, para se votar, a seguinte moção do Sr. Portugal Durão:
A Câmara, reconhecendo as vantagens que para a civilização africana e para os dois países devem resultar da leal colaboração entre Portugal e a União Sul; Africana, passa à ordem do dia. — P. Durão.
Foi aprovada.
Foi igualmente aprovada a seguinte moção do Sr. Paiva Gomes:
A Câmara dos Deputados confiando em que, dentro do espírito da mais leal cooperação, os sagrados interêsses morais e materiais do País serão devidamente acautelados, por parte dos Govêrnos da metrópole e da Província de Moçambique, nas negociações em curso com a União Sul-Africana, passa à ordem do dia.
Em 9 de Março de 1923. — António de Paiva Gomes.
Depois de lida, foi rejeitada a moção do Sr. Álvaro de Castro, do teor seguinte:
Ouvidas as explicações do Sr. Ministro das Colónias, a Câmara salienta a necessidade de que no modus vivendi, em nego-

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ciação, fique expresso que por parte dos dois Govêrnos, durante a vigência do referido modus vivendi, não será alterada a execução dada até agora às disposições da 2.ª e 3.ª partes da Convenção ultimamente denunciada. — Álvaro de Castro.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 13, às 14 horas, sendo a ordem do dia a seguinte:
Antes da ordem do dia:
A de hoje, menos a interpelação.
Ordem do dia:
1.ª parte. — A de hoje.
2.ª parte. — A de hoje.
Sessão nocturna às 21 horas.
Ordem da noite:
A de hoje.
Previno os Srs. Deputados de que amanhã há também sessão nocturna.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Dos Srs. António Maia e João Águas, determinando que a antiguidade no pôsto de tenente para os oficiais que terminaram na mesma data os cursos de cavalaria, artilharia de campanha e infantaria, da Escola de Guerra, seja igual para todos e contada pela do oficial primeiro promovido em qualquer daqueles cursos.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Sá Pereira, considerando funcionários do Estado com todas as regalias inerentes a essa qualidade, menos vencimento, os ajudantes do Registo Civil.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça e com toda a urgência, me seja fornecida nota dos oficiais de justiça que nos últimos três anos tenham reclamado para que lhes seja contado o tempo de serviço prestado anteriormente a um pedido de demissão, quando venham a ser reintegrados, e se tais pedidos têm sido atendidos ou não e quais os que tenham sido ou não. — Carlos C. Pereira.
Expeça-se.
Do Sr. João Águas, desistindo de um requerimento que fez em 7 do corrente, pedindo documentos.
Expeça-se.
Os REDACTORES
Herculano Nunes.
Avelino de Almeida.

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