O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 51
EM 14 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
É admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Governo».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu protesta contra a proibição da procissão dos Passos nas Comendadeiras de Santos.
Responde o Sr. Ministro, da Agricultura (Fontoura da Costa).
Continua a discutir-se na especialidade o parecer n.º 380 — percentagens às contribuições directas do Estado em favor dos corpos administrativos — usando da palavra os Srs. Morais de Carvalho, Joaquim Brandão e Dinis da Fonseca.
O debate fica pendente.
E rejeitado o pedido de negócio urgente, feito pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu, para tratar da emissão do sêlo comemorativo do «raid» aéreo para o Brasil.
O Sr. Pedro Pita apresenta um parecer relativo à questão do jôgo.
O Sr. Tôrres Garcia, em negócio urgente, trata da anunciada greve dos funcionários públicos, respondendo o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva), sendo rejeitada a generalização do debate, requerida pelo Sr. Carvalho da Silva.
É lançado na acta um voto de sentimento pela morte da mãe do Sr. Portugal Durão.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) apresenta uma proposta de lei, para que pede urgência, que é concebida.
É aprovado que o Sr. Álvaro de Castro, em negócio urgente, trate de um telegrama publicado nos jornais a respeito da convenção de Moçambique — negócio urgente que se não realiza por motivo de estar doente o Sr. Ministro das Colónias.
Ordem do dia (Primeira parte). — O Sr. Jaime de Sousa conclui o seu discurso acerca, do parecer referente ao empréstimo de 4 milhões de libras.
O debate fica pendente.
(Segunda parte). — Discussão sôbre a generalidade do Orçamento.
Usa da palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
O debate fica pendente.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu trata da emissão do sêlo comemorativo do «raid» aéreo para o Brasil, respondendo o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
O Sr. Sampaio e Maia insta pela realização de uma interpelação que anunciou ao Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas).
Encerra-se a sessão, marcando-se sessões, diurna e nocturna, para o dia seguinte.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. — Substituïção em comissões. Propostas de lei. Pareceres. Requerimentos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada, 44 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Página 2

2
Diário da Câmara dos Deputados
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa da Câmara.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.

Página 3

3
Sessão de 14 de Março de 1923
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Ás 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 44 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Pedido de licença
Do Sr. João Luís Ricardo, 15 dias.
Concedido.
Representações
Dos professores do Instituto Comercial de Lisboa, do Instituto Comercial do Pôrto, do Instituto Industrial do Pôrto e do Instituto Superior de Comércio, do Pôrto, pedindo para nas melhorias de vencimento serem equiparados aos magistrados e não aos burocratas.
Dos guardas e serventes do Instituto Superior de Comércio do Pôrto, do Instituto Comercial do Pôrto, do Instituto Industrial do Pôrto e do pessoal administrativo do Instituto Comercial de Lisboa, pedindo equiparações que lhes melhorem os vencimentos.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Sindicato Agrícola de Santarém, pedindo enérgicas providências contra o contrabando de gados para Espanha.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Trabalhadores Rurais de Cabeço de Vide, com uma moção relativa à carestia do pão e outros géneros de primeira necessidade.
Para a Secretária.

Página 4

4
Diário da Câmara dos Deputados
Requerimento
De Virgínia Augusta das Neves Baião, professora das escolas móveis oficiais, solicitando a suspensão total ou parcial do decreto n.º 3:200, de 15 de Junho de 1922.
Para a comissão de instrução primária.
Telegramas
Do funcionalismo público do Pôrto, secundando as reclamações do funcionalismo de Lisboa.
Dos funcionários da administração de Oliveira de Azeméis, pedindo o cumprimento das leis n.ºs 1:355 e 1:356.
De Augusto Ferreira, de Montemor-o-Novo, pedindo para ser aprovada a cota obrigatória para custeamento do Instituto do Professorado Primário Oficial Português.
De José Manuel Duarte, de Tomar, pedindo a aprovação do projecto da cota obrigatória para custeamento do Instituto do Professorado Primário Oficial Português.
Para a Secretaria.
Admissão
Foi admitido o projecto de lei do Sr. Sá Pereira, considerando funcionários do Estado com todas as regalias, excepto vencimentos, os ajudantes do Registo Civil.
Para a comissão de administração pública.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 54 Srs. Deputados.
Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Govêrno contra mais um atentado cometido contra as liberdades de crença religiosa, no passado domingo, na igreja de Santos-o-Novo.
Como V. Ex.ª sabe, projectava-se realizar nesse dia, como era costume em todos os anos, desde o advento da República, a procissão do Senhor dos Passos, que tinha lugar dentro dos claustros do edifício, pertença exclusiva das Comendadeiras de Santos-o-Novo.
Portanto, praticou-se uma arbitrariedade que até agora não tinha sido cometida, apesar dos protestos do Sr. Presidente do Ministério de respeitar ô fazer respeitar a Lei de Separação!
Devo dizer que êste facto se passou por cobardia das autoridades, porque dois ou três livres-pensadores pensaram em fazer um comício dentro dos claustros, na ocasião em que se realizasse a procissão.
Os Srs. governador civil e administrador do bairro não tiveram dois cabos de polícia que ali fossem manter a ordem?!
Acharam melhor proibir a procissão, depois de a terem autorizado!
E o cúmulo da abdicação perante os desordeiros!
Como isto excede quási tudo quanto se tem feito em matéria de perseguição religiosa, é preciso que o Govêrno trate de investigar quem foram os culpados e os castigue severamente.
Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para chamar a atenção de V. Ex.ª Sr. Presidente, e da Câmara, para uma reclamação que há dias aqui foi apresentada pelas Senhoras que fazem parte da Instituição denominada Comendadeiras de Santos-o-Novo, que foi criada por D. João II, para abrigo das pessoas de família dos cavaleiros da ordem militar de S. Tiago da Espada.
Ora apesar de esta instituição existir já há muitos anos, o edifício foi sempre sua pertença.
E nunca lá se praticou qualquer acto de congreganismo, nem as pessoas que ali estão podem ser abrangidas pelas leis congreganistas.
Porém há pouco tempo o Govêrno da República dispôs do andar superior do edifício, e aí instalou uma escola primária superior, denominada António Costa, que primeiramente ocupava várias dependências, mas que depois se alargou ao andar todo.
Foi até o director dessa escola quem interveio para que a procissão se não realizasse; quere dizer, êsse ilustre cavalheiro julgou poder dar ordens não só na parte do edifício que ocupava, mas também na parte com que nada tinha!

Página 5

5
Sessão de 14 de Março de 1923
Esta reclamação das senhoras recolhidas, que são em número de trinta, é digna de todas as atenções.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção os assuntos tratados pelo Sr. Cancela do Abreu, e comunicá-los hei aos Sr s. Ministros das pastas respectivas.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Já há número para votações.
É aprovada a acta.
Vai continuar a discussão sôbre o parecer n.º 380 — adicionais às contribuições do Estado em. favor dos corpos administrativos.
Tem a palavra o Sr. Morais de Carvalho, sôbre o artigo 5.º
O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: pelo artigo 5.º do projecto em discussão são revogados o n.º 5.º do artigo 9.º da lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, e artigo 29.º da lei n.º 424, de 11 de Setembro de 1915, e a lei n.º 1:706, de 29 de Novembro de 1920.
Nesta manta de retalhos, que é a legislação do regime, no que respeita a corpos administrativos,. muitas das suas disposições contradizem-se.
Pois agora por êste artigo que está em discussão, e sôbre o qual já usou da palavra o Sr. Almeida Ribeiro, a confusão aumenta.
Sr. Presidente: eu voto inteiramente contra o artigo 5.º em discussão, porque êste artigo visa a acabar com incompatibilidades que a meu ver são de todo o ponto justas.
O artigo 5.º revoga o n.º 5.º do artigo 9.º da lei n.º 88.
Eu entendo que esta disposição é evidentemente salutar.
Um outro artigo que se pretende revogar é o artigo 29.º da lei de 11 de Setembro de 1915.
E uma disposição de carácter genérico, mas com a qual se pretende revogar uma disposição indispensável.
Vejam V. Ex.ªs a leviandade com que se submetem à apreciação do Parlamento medidas desta natureza.
Sé a Câmara aprovar o artigo 5.º, fica revogada uma disposição legal.
Esta faculdade vai ser dada por uma lei que diz respeito aos corpos administrativos.
Não ficou por aqui a fúria demolidora; mais pretende ainda, pretende-se destruir a lei n.º 1:076, de 29 do Novembro de 1920.
Sr. Presidente: o Sr. Almeida Ribeiro, ilustre Deputado, mandou ontem para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 5.º
Êste aditamento visa a suavizar os inconvenientes do mesmo artigo.
Como já disse, eu votarei contra o artigo 5.º, e se o artigo 5.º fôr aprovado, como do mal o menos, eu ver-me hei na obrigação de aprovar a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
Se a inelegibilidade não fica mantida em toda a sua extensão, tal como se encontrava no artigo cuja revogação se deseja, que ao menos, alguma cousa fique, de pé.
Isto pela consideração de que do mal o menos.
Sr. Presidente: o ilustre leader da maioria não se limitou a apresentar essa proposta de aditamento ao corpo do artigo 5.º, mas apresentou ainda duas outras propostas, de dois novos parágrafos a acrescentar a êsse artigo, e assim, se tais propostas forem aprovadas, seguir-se há que os funcionários da fiscalização do ensino serão inelegíveis para as comissões executivas dos corpos administrativos conjuntamente com outro cargo público de nomeação.
Esto preceito é tendente a restabelecer, mas em menor escala, uma das incompatibilidades que no corpo do artigo é destruída.
Por estas propostas a inelegibilidade dos funcionários da fiscalização do ensino fica restrita tam somente para as comissões executivas dos corpos administrativos.
De modo que, ao contrário daquilo que actualmente está estabelecido na nossa legislação, êsses funcionários poderão ser eleitos para as Câmaras Municipais, para as Juntas de distrito e para as juntas de paróquia, contanto que não fiquem nas comissões executivas.
Além disso, sucede ainda que a impossibilidade que êles tenham de exercer

Página 6

6
Diário da Câmara dos Deputados
conjuntamente com essas funções qualquer outro cargo político de nomeação ou de eleição fica, pelas referidas propostas do Sr. Almeida Ribeiro, reduzida à impossibidade de as exercerem com qualquer outro cargo público de nomeação.
Sr. Presidente: direi acerca destas propostas o mesmo que disse a respeito da outra, isto é, que eu preferiria muito mais que se mantivessem inteiramente as disposições da legislação actual.
Parece-me que as incompatibilidades e as inelegibilidades que a legislação vigeu-te estatui são inteiramente aceitáveis; mas se a Câmara aprovar o artigo 5.º tal como está redigido no parecer n.º 380, em discussão, eu ver-me hei forçado. a dar o meu voto ao § 1.º que o Sr. Almeida Ribeiro deseja que se aprove, e esta minha atitude explica-se pela mesma razão de que do mal o menos.
Da mesma forma, Sr. Presidente, emitirei o meu parecer no que respeita ao' novo § 2.º do mesmo Sr. Deputado.
Por êsse parágrafo, os empregados, aposentados, dos corpos administrativos são inelegíveis para aqueles por cujos cofres recebem a pensão respectiva.
Esta proposta de aditamento visa a alterar aquilo que até agora estava estabelecido pela lei n.º 1:076, de 29 de Novembro de 1920, salvo êrro.
E digo salvo êrro, porque em matéria de direito administrativo tantos são os esguichos da lei, os artigos contidos em legislação da mais diversa natureza, que é muito difícil a qualquer pessoa saber ao certo, num determinado momento, qual o preceito legislativo que está em vigor.
Como já disse, eu supunha que era por ironia que só falava às vezes do Código Administrativo da República, porque na verdade o que existe não é um Código, nem um conjunto de disposições harmónicas que entre si se completem; mas um trapalhada de disposições contraditórias que umas às outras se repelem.
Sr. Presidente: eu creio ter dito a V. Ex.ª e à Câmara o suficiente para justificar à reprovação absoluta que amime a êste lado da Câmara nos merecem as disposições, ou, melhor, as revogações, contidas no artigo 5.º
Eu não sei se, depois de aprovado êste artigo e salvas as propostas do Sr. Almeida Ribeiro, ainda ficam de pé algumas outras incompatibilidades e inelegibilidades.
Parece-me que as que existiam eram inteiramente de manter, e lastimo que a Câmara vá por êste artigo estabelecer uma confusão maior do que aquela que, actualmente existe na nossa legislação administrativa.
Lastimo que seja uma lei com carácter restrito -que esta devia ter, porque V. Ex.ª e a Câmara muito bem sabem que pelo Regimento da Câmara é proibido introduzir na mesma proposta matéria que entre si não tenha íntima conexão.
Estimo, repito, que se pretenda revogar o artigo 29.º da lei n.º 424, que visava não apenas a incompatibilidade e inelegibilidade não só para os corpos administrativos, mas também para qualquer outro cargo público de nomeação ou eleição.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Nessa parte continua em vigor o aditamento que estabelece a incompatibilidade.
O Orador: — Perdão. O § 1.º não continua em vigor. Pelo artigo 29.º da lei n.º 424, que se pretende agora revogar, os funcionários da fiscalização do ensino' não podiam fazer parte dos corpos administrativos, nem exercer juntamente outro qualquer cargo público de nomeação ou eleição.
A doutrina contida na proposta é mais restritiva do que esta, porque a incompatibilidade é apenas quanto às comissões executivas das corporações administrativas, e não respeita às proibições para êsses funcionários exercerem qualquer outro cargo de nomeação ou eleição.
A proposta do Sr. Almeida Ribeiro cortou as palavras finais «ou eleição», de modo que a incompatibilidade fica restrita a qualquer outro cargo público de nomeação.
E possível que esteja em êrro, mas creio que não.
Compreendo V. Ex.ª que esta maneira de legislar, metendo a martelo — permita-se-me a expressão — numa proposta de lei que visa principalmente a fixar as percentagens adicionais às contribuições directas do Estado, disposições que respeitam não só aos corpos administrativos, onde essas percentagens vão aproveitar.

Página 7

7
Sessão de 14 de Março de 1923
mas respeitam a qualquer outro cargo de nomeação, ou eleição, esta maneira tumultuaria de legislar merece inteira reprovação dêste lado da Câmara.
Creio ter dito suficientemente as razões pelas quais recusamos o nosso voto ao artigo 5.º, mas como perante um mal o menos, ver-nos hemos forçados a votar as propostas de aditamento apresentadas, porque essas, ao menos, visam a manter alguma cousa de muito bom que nessas disposições se continha.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — O Sr. Cancela de Abreu deseja tratar em negócio urgente da revelação feita no jornal O Século sôbre a emissão de estampilhas comemorativas da travessia aérea do Atlântico.
O Sr. Cancela de Abreu: — Desejo saber se o Govêrno confirma ou não a notícia de O Século.
Devo ser desejo de todos o esclarecer êste assunto.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre se considera urgente o assunto de que pretende tratar o Sr. Cancela de Abreu.
Não foi considerado urgente.
O Sr. Pedro Pita: — Por parte da comissão de legislação civil mando para a Mesa o parecer sobre a renovação de iniciativa do projecto de lei apresentado pelo Sr. Carlos de Vasconcelos regulamentando o jôgo.
A comissão encarregou-me de relatar êste projecto de lei, porque neste momento urge regulamentar ou proibir o jogo não deixando continuar a exploração ou especulação que se está fazendo.
O orador não reviu.
O parecer vai adiante publicado por extracto.
O Sr. Joaquim Brandão: — Começo por achar extraordinário que no Parlamento em outra cousa se não pense todos os dias, senão em fazer a derrogação de princípios morais que estabelecemos em diplomas votados pela Câmara.
Sr. Presidente: encarando êste artigo 5.º, tanto sob o aspecto moral, como pròpriamente sob o aspecto administrativo, verificamos que o que se pretende revogar é parte do Código Administrativo, votado no Parlamento, que encerra disposições de carácter moral que nos convém manter e de maneira nenhuma revogar.
Apoiados.
Já o Sr. Morais Carvalho disse — e muito bem — que a disposição do n.º 5.º, artigo 9.º da lei n.º 88 tem por fim impedir que os empregados das secretarias do Estado façam parte das comissões executivas dos corpos administrativos.
V. Ex.ª e a Câmara compreendem que não pode haver nada de mais moral e de modo a prevenir todas as perturbações e incompatibilidades que se podem dar, do que essa disposição.
Creio que valera a pena relatar dois ou três factos, que se podem dar, se essa disposição fôr revogada, para que V. Ex.ª e a Câmara apreciem aquilo a que nos pode conduzir a revogação referida.
Veja V. Ex.ª se há alguma cousa de mais perturbador para a boa administração dos serviços públicos de uma câmara municipal do que o facto de o secretário de finanças poder ficar eleito presidente da comissão executiva!
Temos depois o artigo 29.º da lei n.º 424, que se refere aos funcionários encarregados da fiscalização do ensino e que são nos concelhos os inspectores da instrução primária.
Os inspectores de instrução primária têm, por lei, de fiscalizar actos das juntas escolares, que são compostas de representantes dos corpos administrativos. Nestas condições eu pregunto se é razoável que um funcionário encarregado de fiscalizar certos actos das câmaras municipais faça parte delas.
Vem depois o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro expor a sua opinião.
Era precisamente onde êles poderiam estar com absoluta independência e sem qualquer incompatibilidade de cargos. Se a disposição do projecto não é de aceitar quanto a mim, menos de aceitar é a alteração proposta pelo ilustre parlamentar.
Já o disse, e muito bem, o Sr. Morais Carvalho que nós não temos de atender,

Página 8

8
Diário da Câmara dos Deputados
numa lei que visa a organização administrativa, a cousas que a essa organização são absolutamente estranhas, e que, pôr consequência, não temos nada que estar a revogar disposições de outras leis e de outras organizações, como se elas tivessem sido tomadas de ânimo leve e sem um objectivo.
Pretende-se, ainda, revogar a lei n.º 1:096.
Há dois anos, apenas, que a votámos neste Parlamento orientados seguramente pela idea de imprimir o máximo do moralidade e independência aos corpos administrativos.
Não faz sentido que a dois anos da promulgação da respectiva lei queiramos revogá-la.
O que pretende a lei n.º 1:096? Pretende evitar que um funcionário municipal, por exemplo, faça parte das juntas de freguesia, que exercem uma acção fiscalizadora sôbre os municípios. Então não é moral, profundamente morai uma tal disposição da lei?
Que razão se invocou para a anular?
O Sr. Morais Carvalho, a propósito dêste artigo, já teve ocasião de produzir, sob o ponto de vista jurídico, os argumentos necessários para condenar uma tal monstruosidade. Não tenho eu, portanto, de apresentar mais argumentos à Câmara.
Orientando-me na opinião criteriosa de S. Ex.ª, exposta com toda a clareza, eu limito-me, por agora, a declarar que votarei em absoluto contra esta disposição que se pretende fazer passar, por a considerar prejudicial e contrária aos bons princípios da moral.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Pedi a palavra para afirmar que o que se pretende com êste artigo em discussão é tudo quanto há de mais imoral e inadmissível em qualquer país onde a vergonha se não tivesse perdido inteiramente.
Antes de mais nada, lamento não ter estado presente na sessão de ontem, ao votar-se a minha proposta para que ficassem isentos das licenças directas os
pobres operários, porque então eu teria tido ocasião para protestar contra o procedimento duma Câmara que se diz democrática, e que não tem vergonha de explorar o suor do povo.
Eu protesto contra essa votação, com a declaração de que, se estivesse presente, teria votado contra a forma por que se votou. Não podem ser eleitos.
Assim passam a ser eleitos.
Quere dizer, dentro de um ano, depois de aplicada esta lei, as câmaras municipais passarão a ser constituídas por empregados do Estado ùnicamente, por aqueles que exercem pressões vergonhosas para poderem ser eleitos, servindo-se das câmaras municipais e dos seus lugares para se sobreporem à vontade e garantias que ainda tinha o povo.
Apoiados.
Tal é a situação que se procura criar; situação vergonhosa, parecendo impossível que isto se faça numa Câmara que è representante do País.
As câmaras e corpos administrativos, amanhã serão representados apenas por funcionários dos próprios corpos administrativos.
Quem é que trata dos interêsses dos corpos administrativos, se porventura amanhã êles podem ser constituídos pelos próprios que precisam ser fiscalizados?!
Pois não conhece toda. a gente, que tem algum conhecimento da vida de um concelho, que quem dispõe já agora do professorado primário na política local é precisamente o inspector primário? E eu podia aqui trazer outros factos concretos.
Apoiados.
O inspector primário é que influi na administração local.
O que seria de apoiar era garantir que dentro da autonomia local se evitasse que êsse elementos podessem jogar vergonhosamente com os dinheiros do povo.
Apoiados.
E é isto que só chamam leis democráticas?
É isto que é moralidade em Portugal?
Não preciso dizer mais nada para se desvendar quais os intuitos verdadeiramente vergonhosos e infames com que se pretende sobreptìciamente meter neste

Página 9

9
Sessão de 14 de Março de 1923
projecto de lei um artigo que deitará por terra todas as garantias que ainda existem nas leis administrativas, derruindo os princípios morais nelas estabeleci dos. em favor do povo.
Se porventura fôr possível que esta monstruosidade se aprove nesta Câmara, saiba o País que desaparece inteiramente das leis administrativas toda a noção de honestidade que possa haver dentro dos cargos locais e regionais.
Nunca mais haverá independência, porque êles serão constituídos por aqueles, ùnicamente por aqueles que até agora a lei não permitia que lá entrassem.
As garantias de cada administração concelhia desaparecem inteiramente.
A responsabilidade será do Parlamento, que deve representar o País, se consentir que isso se faça, e que com. uma penada se deitem a baixo todas as garantias duma boa e honesta administração local.
Se isso se fizer, gritarei bem alto ao País que se perdeu toda a vergonha em Portugal.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — O Sr. Tôrres Garcia deseja tratar em «negócio urgente», da greve do funcionalismo público.
Os Srs. Deputados que aprovam, tenham a bondade de se levantar.
É aprovado.
É aprovada a acta.
E admitido o projecto de lei n.º
O Sr. Presidente: — Tendo há pouco conhecimento da morte da mãe do nosso ilustre colega nesta Câmara, o Sr. Portugal Durão. Proponho que seja lançado na acta um voto de. sentimento pelo seu falecimento, e que êsse voto seja transmitido à família.
Aprovado.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: S. Ex.ª o Presidente do Ministério conhece-me desde há muito tempo, e S. Ex.ª sabe de certeza certa, que eu não viria aqui faiar neste assunto, se não o reputasse grave e perigoso para a ordem social.
Anunciaram os jornais de ontem que se tinha iniciado a greve dos braços caídos no Ministério das Colónias, e que a outros Ministérios ameaça estender-se, e que neste momento talvez já tenda a tomar um carácter geral.
Êste facto para mim representa um, atentado sem nome à disciplina que é preciso manter dentro dos serviços do Estado, e ao respeito que se deve à lei e regulamentos, absolutamente incompatível com a instituição republicana, porque para isso, como republicano, como o Sr. Presidente do Ministério sabe que sou, a República só se mantém neste país, como em qualquer outro, se a lei se cumprir absolutamente, e fôr a suprema norma de autoridade social do país a que preside.
Apoiados.
Não é a República, como forma de Govêrno, instituição de ordem tradicional, que ùnicamente por si imponha obediência e respeito, mas sim a lei que, como há pouco disse, é a suprema norma dentro da qual se exerce toda a actividade do cidadão.
Se êsse elo se quebra, a República, longe de ser o Estado ordenado e progressivo que queremos que seja, e tem sido, dentro da fórmula que adoptou, inevitavelmente o imediatamente, por virtude dêste facto, se transforma num regime de anarquia completa (Apoiados), de subversão completa.
Como eu não quero que a República, que tem tido todo o meu esfôrço e todo o carinho do meu coração, se transforme na arma assassina do meu País, eu pedi a palavra para preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se é ou não verdade haver da parte do funcionalismo a greve dos braços caídos, como vem noticiado nos jornais da capital, e para pedir-lhe que diga à Câmara quais são as medidas que pretende pôr em prática para evitar a propagação do movimento.
Quero saber se o Govêrno irá para qualquer dos caminhos que governos anteriores têm trilhado em presença de circunstâncias análogas às que se estão passando.
Quais têm sido êsses caminhos?
Um tem sido o da transigência completa; outro tem sido o de publicarem-se medidas draconianas, que não são executadas por falta de energia da parte de quem as

Página 10

10
Diário da Câmara dos Deputados
subscreve, caindo-se, assim, numa situação pior, de desprestígio, do que a que possa ser criada pela simples transigência.
Ainda um outro processo que tem sido adoptado é o da fuga dos homens, do local de responsabilidade em que se encontram: é a queda do Ministério, deixando á terceiros a resolução do caso que por fraqueza ou inabilidade não resolveram.
Tem havido ainda uma outra fórmula. Relegar para o Parlamento a execução daquelas medidas que pela sua natureza pertencem exclusivamente ao Poder Executivo.
Apoiados.
O Sr. Lopes Cardoso: — Aí é que está a questão.
O Orador: — Adoptará o Sr. Presidente do Ministério algum dêstes caminhos em face da greve do funcionalismo?
Vai transigir?
Mas, pelo que tenho aqui ouvido dizer ao Sr. Ministro das Finanças e aos homens entendidos em assuntos financeiros, ou sei que o País não pode, neste momento, arcar com o aumento de despesa que traria a satisfação das pretensões do funcionalismo público.
Recorrer ao aumento da circulação fiduciária não pode sor. Cairíamos imediatamente no regime da Áustria ou da Alemanha.
Recorrerá S. Ex.ª para quaisquer medidas draconianas? Creio que não.
Mas como no meio está a virtude e eu sei que há uma hierarquia dentro do nosso funcionalismo público, como a há nas instituições militares — sei que há chefes de serviços, chefes de repartição, sub-directores gerais e directores gerais — ou pregunto ao Sr. Presidente do Ministério se já foz sentir sôbre essas entidades o pêso da sua autoridade, por terem permitido, sem recorrerem, a todos os meios impeditivos, que a greve se realizasse.
O que fez o Sr. Presidente do Ministério junto das entidades a que há pouco me referi, para que elas, com a autoridade que lhes provém da sua alta categoria burocrática, actuassem junto dos seus subordinados para, primeiro pelos meios suasórios e depois pelos coercivos, os levar ao cumprimento dos regulamentos respectivos?
Sr. Presidente: poderá surgir a hipótese da queda do Govêrno.
Se o Sr. Presidente do Ministério optar por êsse golpe decisivo, prestará um mau serviço à República e ao País.
Não será outro Govêrno que poderá resolver, melhor do que o de S. Ex.ª, o caso.
Ainda existe uma quarta hipótese, a de ser lançada para o Parlamento a solução do problema. Não a poderemos, porém, aceitar.
Apoiados.
Não é nossa função o velar pelo cumprimento das leis. Isso pertence exclusivamente ao Executivo.
O meu desejo, pois, Sr. Presidente, é de que o Sr. Presidente do Ministério diga claramente à Câmara como é que considera essa situação que se me afigura grave, o que pretende fazer para sufocar êsse acontecimento.
Mas, Sr. Presidente; n Ho fica por aqui, e se bem que não tenha nenhuma espécie de fobia contra o funcionalismo, eu devo dizer em abono da verdade que o assunto alguma cousa tem de prejudicial, visto que só êles tem impossibilidade de viver, isto é, se a maior parte dessa gente não pode viver por os ordenados serem insuficientes, desejando por isso que êsses salários insuficientes se tornem em suficientes, eu devo dizer, Sr. Presidente, que essa insuficiência de ordenados se consegue muito fàcilmente atacando de frente o problema da carestia da vida, assunto êste que tem passado absolutamente desconhecido à acção do Governo.
Diz-se, Sr. Presidente, que vai agora ser resolvida a questão, porém, a verdade é que até hoje nenhumas medidas têm sido tomadas com o intuito de radicalmente se resolver o problema, sendo uma das causas principais da situação em que nos encontramos a questão dos câmbios.
Diz-se ainda, Sr. Presidente, que o Govêrno tem procurado por todas as formas garantir a ordem pública. Para quê? Para deixar livremente todos êsses especuladores fazerem o que querem?
Muitos apoiados.
Essa ordem, Sr. Presidente, tem sorvido para pôr todos êsses especuladores ao abrigo das espingardas da Guarda Republicana e dos sabres da polícia, de forma a êles fazerem tudo quanto querem em prejuízo do povo.

Página 11

11
Sessão de 14 de Março de 1923
Diz-se, Sr. Presidente, que o comércio levanta os preços por motivo dos câmbios, e é assim, pois, a verdade é que centenas o milhares de especuladores se vão servindo dessa arma para enriquecerem à custa do sangue do povo.
Apoiados.
A ordem pública, Sr. Presidente, que o Sr. Presidente do Ministério tem conseguido manter, tem servido para todos êsses especuladores, sem escrúpulos, adquirirem os lucros mais ilícitos e fabulosos, isto em prejuízo do povo.
O caminho que havia a seguir, Sr. Presidente, era meter na cadeia todos êsses ladrões e especuladores que estão vivendo à custa do sangue do povo, ajudados por essa casta de ladrões, especuladores, jogadores, prostitutas e prostitutos que infestam a sociedade portuguesa.
Emquanto se não fizer isto, isto é, emquanto se não castigar severamente toda essa casta de bandidos, especuladores e ladrões que estão fazendo fortunas à custa do povo português, seja qual fôr a resolução que se tomar em face do movimento do funcionalismo pública, êle ficará de pé, e a sua causa nunca poderá acabar.
Esta, Sr. Presidente, é que é a verdade. Emquanto os poderes públicos não olharem a sério para o assunto e não resolverem a questão da carestia da vida, a situação nunca se poderá modificar.
Torna-se absolutamente necessário, Sr. Presidente, que o Govêrno estude o assunto como deve ser, acabando de vez e para sempre com essa obra nefasta que se está fazendo neste País, a dentro da República, da República que foi a aspiração mais sublimo dêste povo, dêste pobre povo que está sendo sugado por essa casta de especuladores, sicários, bandidos e ladrões.
Proíba o Govêrno duma vez para sempre e com sanções convincentes o comércio das cambiais, chame a si exclusivamente êsse serviço que tem muitos estabelecimentos a seu cargo para o poder fazer, tais como a Junta do Crédito Público, a Caixa Económica, etc., o se se verificar que em Portugal já não há ninguém com conhecimentos bastantes para desempenhar êsse serviço, importe S. Ex.ª de fora alguém que venha demonstrar que ainda tem, sendo mercenário, mais amor aos seus princípios morais do que aquele que têm os portugueses que, hora a hora, momento a momento, cavam a ruína da sua própria terra, negando-lhe toda a viabilidade de salvação.
O Govêrno tem cambiais?
Pois faça êle e só êle o comércio das cambiais instituindo uma Caixa de conversão, se lhe agrada o termo, à semelhança do Brasil.
Fixe S. Ex.ª o câmbio que julgar conveniente fixar.
Perde nas primeiras operações?
Ganha nas seguintes e ganha o bastante para cobrir o prejuízo da primeira melhoria que introduzir ficticiamente no câmbio, e não deixe o Govêrno chegar aos seus ouvidos os lamentos daqueles que depois em dificuldades hão-de implorar-lhe piedade; para êsses lamentos os ouvidos dos homens honestos de Portugal têm de fechar-se de vez, levando-os até à condição da miséria, porque é isso só que merecem as suas qualidades dissolventes dentro da sociedade portuguesa.
Procedendo o Govêrno dessa forma iria o câmbio a 3, a 4, a 5, a 6, até que saltassem como que dinamitados os potentados que corroem a medula da Pátria e atrás dêles iria a cauzoada miserável que em Lisboa e já em toda a parte chega até a infâmia de assacar aos outros, como a mim Deputado que tenho as mãos limpas, a comparticipação em negócios ilícitos, quando afinal eu limito-me a preguntar que autoridade moral têm os jornais ou pessoas que a isso aludem, se êsses jornais ou pessoas estão ao serviço servil e imundo dessas entidades!
Tudo está confundido, Sr. Presidente, è o que me. dói é que a confusão já vai tam longe que neste desgraçado País onde se deu sempre consideração à nobreza de carácter, à pureza de sentimentos, onde já os réus estão transformados em juizes e já o homem que cultivava por educação, por temperamento, aquilo que se chama a honra pessoal tem vergonha, anda escondido e colado pelas esquinas de Lisboa, em face especialmente do espavento e consideração que se dá a todo o parvenu, a todo o malandrim que saído das sargotas, do cano do esgoto o lugar próprio para a sua negra consciência, pretenda dominar o domina de facto o meio português.
Contra esta situação, afirmo hoje aqui a V. Ex.ª, hei-de mobilizar toda a energia

Página 12

12
Diário da Câmara dos Deputados
de que seja capaz, e o Sr. Presidente do Ministério, se me quiser fazer justiça, há-de reconhecer que costumo pôr sempre ao serviço das causas justas toda a minha energia.
De qualquer forma Portugal há-de salvar-se e na hora do ajuste de contas alguém, haverá com os olhos bem abortos e com a consciência já endurecida pelas tragédias dos últimos anos que cegamente aplicará o látego da justiça, Não ficarão muitos de fora, eu sei, mas dêsse monturo imundo alguém há-de sair que faça vibrar todo o heroísmo desta raça que se encontra neste momento vilipendiada, cuspida pelos impropérios de toda a casta de traficantes, levantando de novo ao sol puro de Portugal o seu peito cheio de nobreza cheio de grandeza para não deixar cair o passado brilhante, o passado santo, sagrado dos nossos maiores e para demonstrar iniludívelmente, duma vez para sempre, mais uma vez, que Portugal, embora transitoriamente, na mão dos judeus e servindo de almoeda ao emprego dos seus trinta dinheiros, há-de fazer justiça.
Comece, se pode, o Sr. Presidente do Ministério, criatura que não citou nestas palavras porque não conheço S. Ex.ª nem de hoje nem de ontem. S. Ex.ª é cheio de boas intenções, S. Ex.ª é a audácia, mas torna-se necessário que seja menos político, segurando as rédeas do Govêrno bem firmes a fim de se entrar no caminho das resoluções seguras e imediatas, doa a quem doer. S. Ex.ª além de outras virtudes tem uma especial, é a de não ter medo, vá S. Ex.ª para a frente porque terá a acompanhá-lo todos os portugueses e eu lá estarei ao lado de S. Ex.ª Se não enveredar por êsse caminho S. Ex.ª será esmagado pelo cilindro da indignação popular que hei-de empurrar para a frente tanto quanto em minhas fôrças caiba e, apesar da minha consideração ser muita por S. Ex.ª poderei voltar a cara para o lado quando o cilindro o atingir, mas não deixarei de o impulsionar para produzir o esmagamento de todos aqueles que tem produzido o mal de que estamos sendo vítimas, porque dêsse esmagamento resultará a nossa salvação.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia veio tratar um assunto de capital importância.
Poderia dispensar-me até de responder à maior parte das considerações de S. Ex.ª, porquanto estou inteiramente de acôrdo com elas.
S. Ex.ª só me fez justiça dizendo que me conhece; efectivamente de há muitos anos somos conhecidos, não podendo atribuir-nos qualquer acto praticado contra o regime, antes pelo contrário, tendo empregado sempre os nossos esfôrços na defesa dêsse regime.
Quanto à questão tratada por S. Ex.ª, devo dizer que êsses Srs. funcionários públicos andam de algum tempo a arripiar caminho, o bom caminho. Primeiro publicaram um manifesto que, não tendo nada por onde se lhe pegue, sob o ponto de vista literário, alienaram as simpatias que êles podiam ter, não digo numa reclamação, mas numa solicitação a quem de direito poderia solucionar êsse problema.
Vozes: — Quem os meteu lá?
O Orador: — A benevolência da República tem sido tam grande que tem mantido lá êsses conselheiros, embora não cumpram com assiduidade os deveres do seu cargo.
Chegou o momento em que temos que dizer a verdade.
E necessário não nos colocarmos numa situação em que qualquer pessoa possa bater o pé ao Poder Executivo, porque então iríamos para o caos, para. a anarquia.
Sou funcionário dum serviço autónomo do Estado, e quando encarregado de qualquer reforma colocava-me fora do alcance dos benefícios para ter autoridade para hoje falar desta maneira.
Não tenho dúvida em afirmar que se fôsse Ministro quando da primeira greve, em que um director geral foi o primeiro a dar o exemplo de indisciplina, eu o teria demitido.
O S. António Fonseca: — V. Ex.ª cairia, como caiu o Presidente do Ministério dêsse tempo.
O Orador: — Mas antes de cair, demiti-lo-ia. Ninguém é preso para Ministro,

Página 13

13
Sessão de 14 de Março de 1923
mas desde que o é, tem que manter a dignidade do Poder; só assim as instituições se respeitam.
Tenho desculpado muito, mas entendo que se não pode permitir que os funcionários venham para o Parlamento tossir e arrastar os pés, numa atitude que não é digna.
Não estava nessa altura na Câmara por motivo do doença, mas, ao ter conhecimento dêsse acto, envergonhei-me.
Não é pela concessão de novos aumentos que o problema se resolverá, nem tal procedimento influirá para a sua mais rápida solução. Ainda nesta hora estou convencido de que os funcionários não enveredarão pelo caminho da violência. A excepção dos políticos extremistas e radicais, a maioria dos funcionários públicos não concorda com tais processos.
Há no Ministério das Colónias um subdirector geral, qualquer cousa Monteiro, que os excita, assim como no meu Ministério um outro que passa a vida a falar pelo telefone para a Confederação Geral do Trabalho; mas, se os apanho em flagrante, não lhes sobejará vontade para continuarem neste procedimento.
Nunca estas palavras me escaldaram tanto os lábios como hoje.
Êsses senhores andam a provocar os dois Poderes do Estado, o Executivo e o Legislativo, mas quem tem dignidade não pode aceitar o problema nesse pé, e, por muita razão que lhes assista, o problema não se pode resolver por essa forma, pois assim não vamos por bom caminho.
O ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia, meu velho amigo, com cuja amizade me honro, chamou a minha atenção para factos verdadeiramente criminosos.
Nós já fizemos equiparações de toda a gente a terceiros oficiais, e aqui seja-me lícito dizer de passagem que eu não sei como certa gente vive.
Direi também, Sr. Presidente, que assumindo o caso dos funcionários um aspecto de ordem pública, teremos, o Poder Legislativo e o Executivo, de nos unirmos para cumprirmos o nosso dever.
Nós vamos estabilizar o câmbio um pouco acima do que está, e eu tenho a convicção de que equilibramos o Orçamento.
Se nós fizéssemos um pouco mais do temos feito durante êstes três meses, não seriam precisos muitos dias para atenuarmos ou resolvermos á situação, e daríamos assim é exemplo de trabalho, podendo dizer aos funcionários: façam favor de esperar, que nós estamos a trabalhar. Depois de equilibrarmos o Orçamento, eu tenho a certeza de que o País inteiro, como um só homem, se levantaria contra os maus portugueses, que provocam ás alterações nos espíritos e na vida pública.
Se em dado momento eu encontro êsses cavalheiros em manobras como estas, ainda mesmo que não tenha aprova jurídica, bastará a prova moral para lhes proporcionar uma cura de repouso em local que não lhes agradará muito.
Costuma dizer o povo: «quem não se sente, não é filho de boa gente».
Eu pregunto: Apodemos nós esquecer que neste momento grave há maus portugueses que pretendem agravar ainda mais a situação do País?
Nos não desejamos mal aos funcionários públicos, e deixamos ao grande juiz que é a Nação que nos julgue.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca não fez a revisão do seu aparte.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro inscrição especial para tratar dêste assunto.
Foi rejeitada.
Substituïções
Substituir na comissão de finanças o Sr. Alberto Xavier pelo Sr. Viriato da Fonseca.
Para a Secretaria.
Substituir na comissão de guerra o Sr. Amaro Garcia Loureiro pelo Sr. Lúcio Martins.
Para a Secretaria.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Mando para a Mesa uma proposta de lei criando uma zona franca para o porto de Lisboa, para a qual peço urgência.
Foi concedida a urgência.
A proposta de lei vai adiante por extracto.

Página 14

14
Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Álvaro de Castro: — Desejo tratar em negócio urgente a matéria do telegrama do Cabo acerca das declarações do general Smuts.
Em contraprova, requerida pelo Sr. Alfredo de Sousa, foi aprovado o negócio urgente por 44 Srs. Deputados contra 41.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro das Colónias não está no Parlamento; vou mandar avisar S. Ex.ª
O Sr. Tavares Ferreira: — Em nome da comissão do Orçamento, mando para a Mesa o parecer acerca do orçamento do Ministério do Trabalho.
ORDEM DO DIA
Primeira parte
Empréstimo
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: reatando as mi nhãs considerações, devo dizer que julgo ter ontem confirmado a moção que mandei para a Mesa; portanto não insistirei sôbre as considerações que ontem fiz.
Há um ponto em que todos estão de acôrdo: é o do liberar os títulos em ouro.
Creio que isto é aceito por todos os lados da Câmara.
Eu não sei se é assim absolutamente, mas só vi de todos os oradores da Câmara o Sr. Carvalho da Silva com o seu pessimismo cair a fundo sôbre êste ponto.
Eu vou demonstrar como é indispensável liberar um empréstimo em moeda ouro, e assim V. Ex.ª vê o que fez a própria Alemanha.
Na crise difícil que a Áustria atravessou foi aconselhada por técnicos a fazer um empréstimo.
Como V. Ex.ª vê a faculdade do liberar em moeda. ouro é empregada e aconselhada por autoridades técnicas.
A própria Inglaterra realizou um empréstimo de 250 milhões de dólares para efectuar uma conversão e uma chamada da sua própria moeda, tanto no país, como no estrangeiro.
Portanto, estos factos concretos que acabo do apresentaria Câmara não nos deixam dúvida de que a idea posta em prática basilarmente pelo Sr. Ministro das Finanças é perfeitamente aceitável e de boa norma em assuntos desta natureza.
Sr. Presidente: vou tentar agora passar em revista, embora mui ràpidamente, as acusações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, que manifestou um pessimismo elevado ao rubro, pára ver até que ponto elas têm consistência e poderão abalar a convicção que tenho de que a Câmara, presta um bom serviço ao País, votando a proposta do empréstimo que está sujeita à sua resolução.
Aludiu S. Ex.ª aos encargos extraordinários que nos traz o empréstimo, fazendo cálculos para provar que êsses encargos vão além do aceitável e concorrerão para uma ruína, que S. Ex.ª visiona como sendo qualquer cousa de calamitoso.
E um feminismo elevado ao rubro!
Ora eu tenho o embaraço da escolha em exemplos frisantes de que os encargos dêste empréstimo são muito inferiores, mesmo sem contar com as restrições feiras peia comissão de finanças àqueles que envolvem operações idênticas feitas em diversos países.
Assim, tomando ao caso a emissão francesa de junho de 1921, eu vejo o que vou expôr.
É uma cousa parecida com 10 porcento.
Ora nós estamos ainda muito aquém.
Caiu ainda o Sr. Carvalho da Silva a fundo sôbre o artigo 4.º
Começo por registar com prazer que o Sr. Barros Queiroz se declarou em princípio de acôrdo com esta forma de proceder.
Há pelo lado contrário uma vantagem imediata em substituir os velhos títulos das inscrições pelos nossos títulos-ouro, e com essa substituição apenas se presta não só ao Banco um relevante serviço nó sentido de reforçar as suas reservas, mas também aos portadores de inscrições, pois se lhes dá um título que vale muito mais.
O Sr. Carvalho da Silva: — O que ou disse foi relativamente a bilhetes do Tesouro.
O Orador: — Já irei tocar nesse ponto.
Disso o Sr. Carvalho da Silva que esta emissão é prejudicial não só para as inscrições como também para os bilhetes do Tesouro.
Todavia o que é verdade é que só quem

Página 15

15
Sessão de 14 de Março de 1923
fôr muito ingénuo e não conheça a engrenagem dêste maquinismo, é que deixará de converter êsse dinheiro nos nossos títulos.
Evidentemente, desde que eu tenha um bilhete do Tesouro, e possa realizar o dinheiro em três meses, a minha conveniência em face do novo título é empregá-lo neste empréstimo.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Eu julgo, Sr. Presidente, que esta é a boa forma de administrar o meu próprio dinheiro.
Caía ainda o Sr. Carvalho da Silva a fundo sôbre uns 140:000 contos de que aqui se fala, porque, disse, é um aumento de circulação fiduciária.
Eu creio que o Sr. Carvalho da Silva não compreendeu ou não quis compreender o destino dêstes 140:000 contos que a proposta autoriza.
Sr. Presidente: quer na proposta do Sr. Ministro, quer no parecer da comissão de finanças, eu vejo explicada claramente a razão e a justificação desta faculdade dada ao Banco.
Se V. Ex.ª folhear o último relatório do Banco emissor, V. Ex.ª vê, pelo que encontrar, a paginas 12, que se tratas dum serviço leito pelo Banco acerca dos cambiais do exportação que lhes são entregues em virtude dêste decreto.
Eu tive ocasião do atacar, quando se tratou da votação dêsse decreto, uma das alíneas que se refere ao comércio de frutas verdes e que afectava directamente o meu círculo, pela razão de que, sendo feito à consignação, não era feito com cambiais, o que causava um prejuízo sem qualquer espécie de compensação. 0 Mas essa alínea não invalida que eu considere êsse decreto como fundamentalmente importante.
Q próprio relatório do Banco confessa que o montante dêsse depósito atingiu no ano passado 44:000 contos em valores estrangeiros, tendo atingido o movimento destas operações, incluindo as responsabilidados a liquidar, 142:000 contos.
Bastava êste simples facto para justificar a faculdade ao Banco para a emissão do 140:000 contos.
Eu não tenho nenhuma espécie de apreensões acerca do hipotético prejuízo que possa acarretar à nossa economia êste alargamento da circulação fiduciária.
Não é absolutamente exacto que um aumento de circulação fiduciária corresponda sempre a um estado financeiro precário.
O Reino-Unido, por exemplo, cuja circulação fiduciária era de 29 milhões de libras em 1914, tem hoje uma circulação fiduciária de 122 milhões de libras.
O Sr. Presidente (interrompendo): — Devo dizer a V. Ex.ª que deu já a hora de passarmos à segunda parte da ordena do dia.
O Orador: — Se V. Ex.ª e a Câmara mo consentem, eu farei apenas mais al-gumas considerações muito ligeiras.
Vozes: — Falo, falo!
O Orador: — Agradeço à Câmara a sua amável condescendência.
Sr. Presidente: o mesmo facto que se deu com a Inglaterra sucedeu com a França e até com os próprios Estados Unidos, que foram forçados a aumentar a sua circulação fiduciária, sem que, contudo, êsse aumento fôsse ocasionado por uma insuficiência financeira.
O próprio Japão triplicou a sua circulação.
Vê a Câmara, portanto, que êsses aumentos de circulação fiduciária não representam um enfraquecimento da situação financeira.
O que é certo é que êles correspondam de facto a um desenvolvimento económico q 110 os justifique.
No nosso País uma grande parte da circulação fiduciária actualmente existente é absolutamente indispensável para p nosso movimento económico e financeiro, e só uma margem, que é larga evidentemente, poderia ser, restringida.
Nunca, porém, a sua totalidade, como podem fazer supor os argumentos daqueles que estão constantemente fazendo a campanha derrotista da situação financeira que o País atravessa.
Não disponho do muito tempo, senão eu diria a V. Ex.ª a razão por que concordo inteiramente com a troca da prata e com os bons de moeda que tanto alarmaram a direcção do Banco emissor, que

Página 16

16
Diário da Câmara dos Deputados
supôs que lhe queriam tirar a faculdade da emissão de notas-prata.
Evidentemente, não deixarei de referir-me a êste assunto, desejando desde já tranquilizar a Câmara, e até a própria direção do Banco de Portugal, de que ninguém pensa em tirar-lhe a faculdade da emissão das notas representativas de prata, pois que as condições em que a proposta estabelece a emissão dos bons de moeda são muito claras e não se prestam a interpretações dúbias.
Trata-se de uma medida provisória, de uma medida que durará emquanto o câmbio sôbre Londres estiver abaixo da divisa dos 12.
De resto, se V. Ex.ª fôr ver o decreto de 29 de Julho de 1918 e o contrato dessa data com o Banco de Portugal, lá encontrará que, ao mesmo tempo que se diz que o Banco tem a faculdade exclusiva da emissão das notas representativas de ouro, apenas se diz que tem a faculdade na emissão de notas representativas de prata. Trata-se apenas de uma operação financeira que tem o máximo interêsse para o Pais neste momento, porque ao mesmo tempo que se faz uma emissão de bons de moeda que só é aceitável pela proposta emquanto a divisa cambial se conservar abaixo de 12, se aproveitará, e nesta parte o ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz está de acôrdo, o bronze que existe nos depósitos do Estado para fazer uma operação que no fundo é de bom princípio e que tende a utilizar valores improdutivos neste momento.
Não quero prolongar as minhas considerações, tanto mais que já excedi a hora.
Creio, porém, ter dito o bastante para justificar a minha atitude em face desta proposta, com a qual em traços largos concordo, se bem que, como terei ocasião de expor quando se discutir na especialidade, em matéria de emendas ou discordo de algumas, mesmo apresentadas pela comissão de finanças.
Neste momento quero apenas insistir em que esta proposta de lei, pelos intuitos que nela sito traduzidos pelo ilustre Ministro das Finanças, tem o propósito do concorrer para saldar o deficit em que actualmente se encontram as contas do Tesouro e em que quanto a mim, êsse propósito é realizado perfeitamente pela actual proposta.
Entendi, Sr. Presidente, que em assuntos desta ordem não pode haver irredutibilidade de pontos de vista que tornem inviável uma proposta como a que se acha em discussão. Julgo eu que não há lugar para outra atitude que não seja a de juntarmos todas as nossas boas vontades para, num esfôrço comum, atacarmos com energia o problema do equilíbrio das contas públicas. Sabe a Câmara que é da existência do deficit que resulta a falta de confiança no crédito do Estado, falta de confiança de que provém a desvalorização do escudo e, como consequência desta, a carestia da vida.
É necessário, pois, que abatamos todas as bandeiras partidárias, que abafemos todas as nossas paixões políticas, conservando apenas bem alta a bandeira da Pátria.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva não fez a revisão dos seus «àpartes».
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia. Antes, porém, devo comunicar à Câmara que o Sr. Ministro das Colónias não pode comparecer por se encontrar doente.
É lida na Mesa e admitida uma moção do Sr. Pires Monteiro.
Será publicada quando sôbre ela se formar uma resolução.
ORDEM DO DIA
Discussão da generalidade do Orçamento
O Sr. Cancela de Abreu: — «É uma violência excepcional, estupenda, que nada justifica. Isto apenas caracteriza o poder absoluto do Sr. João Franco».
Que baralho, é êste? De que se trata, Sr. Presidente?
É o Sr. Dr. António José de Almeida, indignado, clamando, na sessão de 4 de Abril de 1907, contra a discussão do Orçamento em sessões nocturnas!
Em termos análogos se expressaram os Srs. D rs. Brito Camacho e João de Meneses na sessão n.º 56, de 5 de Agosto de

Página 17

17
Sessão de 14 de Março de 1923
1908, declarando êste que semelhante modo de discussão era uma comédia.
Não precisamos, pois, de mais do que de fazer nossas as palavras dêstes precursores da República e...continuar na ordem do dia.
Desejo ocupar pouco mais do que o prazo regimental de meia hora, que, devido a nós, se tornou elástica, mas de cuja elasticidade não temos sido quem tem abusado. Por isso, não me alongarei de novo em considerações sôbre o relatório ministerial, e que já denominei a triologia do Sr. Vitorino Máximo. Mesmo, apreciado foi êle já por mim e devidamente pelos meus queridos amigos Carvalho da Silva e Morais Carvalho com a competência e brilho de sempre, não tendo aparecido até agora quem, aos seus valiosos argumentos, opusesse argumentos de valor, e à eloquência demonstrada dos seus números opusesse outros números demonstrados. Nem sequer resposta tiveram os Srs. Barros Queiroz, Afonso de Melo, Alberto Xavier, Tôrres Garcia e Pires Monteiro, que, no que disseram, em pouco mais diferiram de nós do que em...não serem monárquicos.
Com efeito é Sr. Dr. Almeida Ribeiro, que sempre ouço com atenção que merecem os homens estudiosos e competentes, limitou-se a recitar o prólogo do seu discurso. Quando, porventura, se dispunha a começar tinha expirado a meia hora regimental; e emudeceu até agora! O Sr. Jaime de. Sousa, um dos grandes financeiros do partido, pediu que lhe fôsse reservada a palavra para o dia seguinte, porque -afirmou com fortes apoiados da maioria — não podia deixar sem resposta afirmações que o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva fizera sôbre as despesas do Ministério da Marinha. S. Ex.ª usou, com efeito, de novo da palavra no dia seguinte; mas...ainda estamos à espera de tal resposta!
Falou também o Sr. Portugal Durão, e, devo dizer, sem ofensa, que tive compaixão de S. Ex.ª
É que percebi que êle, sem fé e sem convicção, foi arrastado pelo dever de disciplina partidária, a êste campo de combate, com mais sacrifício e menos galhardia do que aquele com que, em terras de África, empunhou a sua espada de marinheiro, ao lado de João Coutinho.
S. Ex.ª recorda-se: foi próximo dos tempos em que na frase de um sargento revolucionário: «o tenente do estado maior Aires de Ornelas, trepado sôbre um carro do comboio, ia tirando apontamentos do combate, e as balas, cruzando-se no ar, em todas as direcções, respeitavam tanta intrepidez"!
Pareceu-me que o Sr. Portugal Durão, antes preferia que o chão se abrisse a seus pés para se sumir por êle abaixo, de que ter de defender a obra do seu sucessor na pasta das Finanças.
Imaginou mesmo talvez que tal lhe sucedia, pois que profundou...profundou, e foi ao outro lado, aos antípodas, e trouxe-nos de lá, pelas orelhas, a Nova Zelândia, e exclamando:
— Ora aqui está uma menina que se porta pior do que nós: tem as suas finanças mais avariadas!
Precisou o Sr. Portugal Durão de ir tam longe para encontrar uma situação que diz parecida com a nossa, mas que nem de confronto pode servir, visto que lá, em relação a nós, tudo anda de pernas para o ar!
Ah! É verdade: o ilustre Deputado, aponta-nos também a África do Sul.
Mas que admira, se próximo lhe fica o Cabo das Tormentas?!...
Por último, o Sr. Manuel Fragoso, com vénia do Sr. Vasco Borges, o Petrónio da maioria, julgou-se divagando nos nossos boulevards, dissertou sôbre mangas de veludo e saias de balão, convidou o Sr. Alberto Xavier para o chá das 5 e da conversa que com êle travou e que a Câmara ouviu, depreende-se que não foi muito açucarado o chá que lhe serviu.
E quanto ao Sr. Vitorino Máximo Guimarães?
Como Conrado, guarda a esta hora o máximo e mais significativo dos silêncios!
O Sr. Ministro deve falar, vai finalmente falar, por certo; e isto é mais uma razão para eu ser breve, e, da sua triologia, do antes, durante e depois da guerra, dizer mais, apenas que de lamentar é que lhe falta um outro capítulo, para o relatório se poder assemelhar à tetralogia Wagneriana, visto que nem sequer lhe faltam música celestial, o ouro do Rheno ou seja ante-bellum, o superavit do Sr. Afonso Costa e a Cavalgada das Wallki-

Página 18

18
Diário da Câmara dos Deputados
rias, isto é, post-bellum cavalgada dos números e dos deficits a caminho do abismo.
Falta-lhe o Crepúsculo dos Deuses, diz aqui de lado o meu amigo, Dr. Manuel Duarte; mas aqui não quis o Sr. Ministro chegar, porque como é supersticioso, anteviu o crepúsculo da República e dos seus deuses!
Risos.
E não admira que o Sr. Ministro e a sua maioria nada possam objectar desde que, por exemplo, segundo o testemunho do jornal dirigido pelo republicano Sr. Cunha Leal, ao cabo do doze anos de perturbada existência, a República possui uma legislação de milhares de páginas, tem tido centenas de Ministros e ainda aguarda muitas das ambicionadas realizações; e as liberdades, quando apenas no papel, são fantasmagorias; direitos, quando simplesmente teóricos, são burlas; sanções, quando só inscritas nos códigos, são sarcasmos; e desde que, segundo o testemunho do ilustre cronista financeiro do Diário de Notícias, se tem a sensação de que caminhamos sôbre delgada capa de gêlo, e que debaixo dos nossos pés, mudo, profundo, insondável, se estende o abismo!
E aos Srs. Deputados que ainda desejarem confrontos com a monarquia, eu direi que as despesas públicas aumentaram antes da guerra qúási tanto em cinco anos de República (12:185 contos) como nós primeiros quarenta anos de regime constitucional monárquico (12:764 contos); em cem anos de constitucionalismo e de República aumentaram 27,5 vezes, cabendo, dêste aumento, 326 por cento a dez anos de República!
Eis o confronto! Eis a eloquência dos números o dos factos, dizendo sôbre a monarquia a verdade, que se pretende sofismar, especulando politicamente contra ela e contra os seus homens.
Uma das pretensas medidas de salvação de que o Sr. Ministro das Finanças pretende mais uma vez lançar mão é a do aumento dos impostos.
Já apresentou propostas nesse sentido, não se lembrando de que não tem autoridade para o fazer, pelo menos emquanto não reduzir enormomente as despesas.
Além disso, a capacidade tributária do Contribuinte está esgotada. A sua capitação era de 7$73 em 1914, e elo vá-se já actualmente a cêrca de 88$89, ao passo que ainda há pouco, era, por exemplo, de 23$80 em Espanha, de 64$21 em Itália, de 13$34 na Suíça e de 45$ nos Estados Unidos.
A vida financeira de um país é, na frase de George Levi, a expressão do seu estado económico, e não há comércio, nem indústria, nem agricultura prósperos quando uma nação geme sob o pêso dos impostos, quando o deficit envenena todas as fontes de riqueza, quando a loucura das despesas desvirtue todas as actividades.
Lembre-se o Govêrno de que os impostos suaves são muitas vezes mais lucrativos para o Estado, já directamente, porque é muito mais fácil de cobrar o imposto tolerado, já indirectamente, porque prosperam mais todos os ramos de actividade económica, que, sob o imposto pesado, forçosamente se atrofiam.
Apoiados.
Em Inglaterra, o seu orçamento equilibrou-se e a sua grande fase do progresso iniciou-se em 1842, com a redução dos impostos de consumo por Robert Peel; o a França encontrou os principais recursos para a violenta indemnização da guerra de 1870 na vantagem derivada da redução dos encargos aduaneiros pelo tratado de comércio de 1852. E, ainda há pouco a comissão de finanças do Parlamento Francês apesar da má situação do Tesouro e da grande necessidade reconhecida de equilibrar o orçamento, manifestou o inconveniente em se aumentarem os impostos em 20 por cento e propôs uma série de soluções, que além da criação da caderneta de cupão, consistiam no seguinte que vou expor, lendo.
Pois o Parlamento Francês nem sequer admitiu o aumento da 10 por cento nos impostos!
Cá é o que se vê! E com agravante de que a fuga ao imposto é exactamente maior da parte de muitos dos que melhor podem pagar. Haja em vista o que está sucedendo, pelo que respeita às avenças, no imposto sôbre o valor das transacções, criado pela lei n.º 1:368.
Apoiados.
Ninguém ignora que, como sustenta o Sr. Dr. Armindo Monteiro, os impostos, qualquer que seja a forma de incidência,

Página 19

19
Sessão de 14 de Março de 1923
vem afinal a cair sôbre os preços, e, portanto, sôbre o custo da vicia. E intuitivo. Estão-no demonstrando já as consequências da draconiana lei n.º 1:368, de 21 de Setembro último, que traduz uma verdadeira inquisição fiscal.
Alguns géneros do primeira necessidade encareceram mais de 100 por cento desde que o Sr. António Maria da Silva está no Poder e há-os que a partir de 1914 aumentaram 40 vezes!
Apoiados.
E a miséria, é a desgraça que se avizinha, e que nos perderá, se não nos unirmos todos para, por melhor caminho, levarmos o País à salvação!
O mal-estar é constante! O mal-estar é geral!
Veja-se o que acontece com o funcionalismo, de que propositadamente não temos querido ocupar-nos, para que se não dissesse que dele nos servíamos como arma política contra o regime, em vez de procurarmos favorecê-lo naquilo que porventura seja justo. Todos os Srs. republicanos devem reconhecer a lealdade e a correcção da nossa desinteressada atitude, e confrontá-la com a sua em outros tempos.
Não são só a míngua, as privações de momento que nos devem preocupar. É, e principalmente, todo o cortejo de desastradas consequências que se hão-de seguir, de entre as quais é dever salientar o definhamento da raça, o atrofiamento das gerações de hoje e do amanhã.
A estatística da tuberculose é apavorante.
Em 1921 registaram os cemitérios de Lisboa 1:826 vítimas do terrível flagelo, em 1922 o seu número elevou-se a, pelo menos, 1:975, o que, confrontado com os índices imediatos das causas da mortalidade, nos oferece um quadro bem lúgubre e dolorosamente expressivo.
Apoiados.
Antero do Quental, em carta dirigida em 1891 a um amigo, chamou á Portugal um país «enuco» — contra o que protesto — e profetizou que «a revolução, inevitável era a revolução anárquica da forno», que não precisa que ninguém a promova, nem pode ser matéria do programas políticos"!
Atente o Govêrno bem nestas palavras!
Atente bem em que a onda cresce, e pode espraiar-se de tal modo que todos corramos o risco de sossobrar!
É desastrado o modo como corre a maioria dos serviços públicos, e é manifesta a inutilidade dalguns. Recomenda-se a supressão dalguns Ministérios, entre os quais o do Trabalho, onde, por exemplo, o Instituto de Seguros Sociais e Previdência vegeta instalado, com todo o estadão, há quatro anos, apesar de ainda não estar regulamentada e em execução uma parte dos serviços a que se destina.
Sou partidário da manutenção do Ministério da Agricultura, com a organização primitiva e devidamente expurgado do cancro das subsistências.
Apoiados.
Êste Ministério é o que dá menos encargos, depois do da Justiça — o ministério da forno — e do Trabalho — o da vontade de comer. Por coincidência se juntou a fome com a vontade de comer!
Em complemento dos curiosos dados estatísticos apresentados pelo meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, no seu brilhante discurso, direi que só o exército (com exclusão, portanto, das guardas republicana e fiscal) conta 4:664 oficiais, sendo 3:221 do quadro permanente e 1:433 supranumerários. As praças de pré, incluindo sargentos e excluindo recrutas, são 20:682; e como dêstes apenas 6:378 são do quadro permanente, sucede que no quadro permanente a cada oficial correspondem menos de duas praças de pré!
O Sr. Eugénio Aresta: — É a consequência da organização miliciana.
O Orador: — E a consequência da administração republicana. Rima e está certo.
Generais há 25, sendo 5 supranumerários (20 por cento); coronéis 292, sendo 171 supranumerários (61 por cento); tenentes-coronéis há 341, sendo 144 supranumerários (42 por cento); majores 388, sendo 86 supranumerários (23 por cento); capitães 1:274Í sendo 284 supranumerários (22 por cento), e, finalmente, subalternos 2:339, sendo 710 supranumerários (30 por cento). Faltam ainda as 167 promoções ultimamente feitas ou projectadas. E note a Câmara que a percentagem dos supranumerários é precisamen-

Página 20

20
Diário da Câmara dos Deputados
te maior nos postos mais elevados. E expressivo, não acham?
O Sr. Manuel Fragoso: — Daqui a pouco é tudo general!
O Orador: — Não vá sem resposta. Ainda há poucos meses se votaram nesta Câmara, e na nossa ausência momentânea, duas leis que me abstenho de classificar: uma promovendo indevidamente quatro coronéis a generais, e a outra autorizando, contra todas as normas, um general que atingira o limito da idade a continuar no exercício do cargo de director do Arsenal do Exército.
O Sr. Manuel Fragoso: — Apoiado. Tem V. Ex.ª toda a razão.
O Orador: — Agradeço o significativo aplauso de V. Ex.ª
No exército e na guarda republicana há com exclusão de recrutas, 32:430 praças de pré e 4:984 oficiais, isto é, 6,0 (6 1/2) praças para cada oficial!
Outros assuntos desejava tratar, mas, como o tempo urge, terminarei apontando à Câmara mais um grande escândalo, que ao mesmo tempo revela bom a maneira como correm os serviços públicos e os abusos que se cometem à sombra da sua desorganização.
Em 13 de Junho de 1919 o administrador do concelho de Vila Franca de Xira enviou um ofício aos rendeiros dos magníficos terrenos situados junto de Alverca, intimando-os a abandonarem imediatamente grande parte dêles (100 hectares) por ordem do director dá Aeronáutica Militar.
Os rendeiros objectaram que não o podiam fazer, pelo menos sem realizarem a colheita e a recolha dos respectivos produtos e objectaram que ainda faltavam seis anos para o termo dos seus contratos.
Pois em 24 de Junho, isto é, onze dias depois, os rendeiros e os proprietários foram violenta e abusivamente esbulhados dos mencionados 100 hectares (l milhão de metros quadrados) do terreno que por ironia é conhecido por Quinta das Drogas!
A autoridade não apresentou qualquer documento ou ordem escrita dimanada do Ministério da Guerra.
Os proprietários, bem como o administrador, então ausentes do País, não receberam qualquer comunicação oficial do que se ia fazer, nem do que se fez, e só meses depois o espantoso sucesso chegou ao seu conhecimento.
Assim, bolchevisticamente expoliados, dirigiram-se ao Ministério da Guerra para saber do que se tratava e apresentaram o seu protesto.
Pois saiba V. Ex.ª, Sr. Presidente, e saiba a Câmara, no Ministério da Guerra foi respondido que «nada havia, que tudo era completamente ignorado», e as repartições competentes, e nomeadamente a de requisições, mostraram-se surpreendidas com tam estranha revelação!
Só muito tempo depois, dois meses ou mais após a apreensão dos terrenos, o Parque de Aeronáutica Militar comunicou ao Ministério da Guerra o acontecimento!
Quere dizer: o esbulho fez-se contra a lei, sem ordem nem conhecimento do Ministério e sem sequer a êste se ter comunicado logo o sucedido!
Mas há mais.
Pensa a Câmara que se tratou de pôr termo à inclassificável extorsão, fazendo devolver o seu a seu dono ou, ao menos, deitando uns remendos de sofismada legalidade em tamanho arbítrio?
Isso sim!
Só onze meses depois, em 21 de Maio do 1920, apareceu no Diário do Govêrno o decreto n.º 6:628, que declarou de utilidade pública, para os efeitos de expropriação e com destino ao campo internacional de aterragem, a Quinta das Drogas.
Evidentemente que do próprio decreto resulta o abuso, pois que o artigo 6.º da lei de 26 de Julho de 1912 só permite a expropriação dos terrenos que forem estritamente necessários; e não se pode admitir que estritamente necessários fossem 100 hectares para aterragem, tanto mais que o Parque de Aeronáutica possuía já os terrenos contíguos, que aqueles — diz o decreto — se destinavam a completar.
É importante salientar também que já não estávamos em tempo de guerra.
E não se suponha que o caso se moralizou com a tardia publicação dêste decreto.
Os artigos 13.º e 16.º do Regulamento do 15 do Fevereiro de 1913 determinam

Página 21

21
Sessão de 14 de Março de 1923
que o expropriante só pode entrar na posse do prédio depois de ter depositado o valor fixado em sentença judicial, e mais um têrço.
Como se compreende pois que o Ministério da Guerra, ao ter conhecimento do facto, que um Ministro classificou do bolchevismo, não tivesse mandado restituir imediatamente os terrenos, que, note-se ainda agora, quási quatro anos depois, continuam na sua quási totalidade sem ser aplicados ao fim para que foram extorquidos! Isto é assombroso! Apoiados.
Mas mais assombroso ainda é o seguinte: o Parque de Aeronáutica em vez de lhe dar o destino projectado, arrendou quási todo o terreno a terceiros, para cultura, e está recebendo e não sei se entregando no Ministério da Guerra, rendas elevadas.
E quem tem pago a contribuição predial?
Têm sido os proprietários, isto é os verdadeiros donos do prédio que só agora conseguiram ser atendidos em reclamação relativa à contribuição do ano passado!
Não há adjectivos que possam classificar semelhantes atentados, que desde o início e em todos os detalhes, vêm sendo cometidos exactamente por entidades a que mais do que a quaisquer outras competia dar exemplos de ordem, de disciplina e de respeito pela lei, pela moral e pela propriedade alheia.
Apoiados.
Pelo que se vê, a Rússia tem muito que aprender aqui!
Em face dêste e doutros exemplos degradantes, não admira, senhores, que o vosso Dr. Afonso Costa, mande dizer de lá que «as classes dirigentes da República atravessam uma grave crise moral».
Tem razão, embora não tenha autoridade para o afirmar quem é dos principais culpados da desgraçada situação do País, e foi o principal semeador dos ódios que agitam a sociedade portuguesa.
Mas isso é lá entre êle e V. Ex.ª
Os estadistas da República!...
Que bem adequada é aqui a conhecida frase do Visconde de Chanceleiros, quando lhe pediram a definição desta palavra:
«Estadistas são uns sujeitos que puseram isto neste estado"!
Tenho dito.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Agradeço ao Sr. Ministro do Comércio o favor da sua presença.
São dois os assuntos, de que desejo ocupar-me.
O primeiro respeita a uma grave notícia publicada no Século, sôbre a qual o País deseja ser esclarecido.
Trata-se, segundo êsse jornal, do escândalo respeitante à emissão de selos comemorativos da travessia aérea do Atlântico.
Os comentários de O Século a êste respeito são duros, mas parecem-me justificados.
Trata-se de um negócio chorudo, cujos interessados obtêm lucros imorais, em que o Estado tem comparticipação.
Entendo que o Estado não deve meter-se em negociatas desta natureza. Não o dignificam, sobretudo quando são de moralidade muito discutível.
Apoiados.
Compreendia-se que o Govêrno, no intuito de comemorar a travessia do Atlântico fizesse, por sua conta, uma emissão de selos; mas que o direito a essa emissão fôsse cedido a estranhos, não se desculpa.
O nome e o prestígio dos gloriosos aviadores não devem servir de pretexto para quaisquer especulações de criaturas menos escrupulosas.
Apoiados.
Lembro-me de que, na sessão de 24 de Abril do ano passado, data em que vibrámos todos de entusiasmo pela chegada dos aviadores aos Rochedos de S. Pedro e S. Paulo, o Sr. António Maia apresentou uma proposta para que fôsse criado um sêlo comemorativo. Esta proposta, depois de larga discussão, encontrou oposição e, por proposta do Sr. Rodrigo Rodrigues, baixou às comissões para sôbre ela darem o seu parecer.
Até agora, o parecer não foi dado. Parece que o Parlamento pensou que podia dispensar essa forma de comemoração.
Ora se então se pensou desta forma, como é que o Govêrno procedeu de modo contrário?!
Estou convencido de que os próprios aviadores serão os primeiros que hão-de protestar contra o que se fez.

Página 22

22
Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Ministro do Comércio com certeza que vai explicar à Câmara o que se passa a êste respeito, tanto mais que o jornal O Século afirma que à volta dêste assunto se tem feito o mais significativo segredo: e o próprio director, da Casa da Moeda, Sr. Lúcio de Azevedo, chegou a declarar que nada sabia do assunto, porque só tinha sido procurado uma vez por qualquer pessoa que lhe falou da emissão, e a quem declarou que a Casa da Moeda não podia executar o trabalho.
Não quero alongar-me, por agora, em comentários. Aguardo as explicações do Govêrno.
Agora outro assunto.
Desejo preguntar ao Sr. Ministro do Comércio, visto que recebi êsse encargo dos eleitores meus, o que há em relação ao projectado aumento das tarifas dos telefones.
Como vi que já várias associações têin emitido o seu parecer sôbre o assunto, pregunto a S. Ex.ª à se também já ouviu os subscritores particulares, aqueles que menos facilidade têm em arranjar a receita precisa para satisfazer (Apoiados), o novo encargo. Os direitos são iguais.
Diz-se que a Companhia dos Telefones não tem a receita precisa para aumentar os vencimentos ao pessoal. Talvez assim seja, mas nesse caso, o que entendo é que êsse aumento deve atingir simplesmente os assinantes novos, porquanto os antigos já têm sofrido aumentos superiores à depreciação da moeda.
Apoiados.
Peço ao Sr. Ministro do Comércio que preste esclarecimentos à Câmara também sôbre êste assunto.
O Sr. Ministro dó Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. Cancela de Abreu tenho a dizer que a realmente a Companhia dos Telefones pediu um aumento do tarifas.
E para que êsse aumento se tornasse viável, entendeu o meu colega nomear uma comissão especial com a representação dum funcionário graduado dos correios e telégrafos. Estudou-se o assunto, convenientemente, mas infelizmente, não tendo chegado a um acôrdo os representantes dessa comissão, não Be chegou á uma conclusão satisfatória.
As Associações Comerciais de Lisboa e Pôrto propõem o aumento de 80 por cento, emquanto a Associação dos Lojistas propõe o aumento de 20 por cento para os telefones particulares e 50 por cento para os comerciais. Eu cingia-me ao parecer dessa comissão, e tive a primeira entrevista com os directores da Companhia dos Telefones, que, depois das minhas declarações, deram mostras de não terem ficado muito contentes.
Devo dizer ao Sr. Cancela de Abreu que folguei com as suas declarações, porque elas dalguma forma me conduzem à certeza de que poderei contar com o apoio da Câmara ao meu, procedimento. Isto consta duma proposta da Associação Comercial dos Lojistas.
Trocam-se várias explicações entre os Srs. Deputados que rodeavam a bancada, ministerial.
O Orador: — Se me permitem, passo agora a referir-me ao outro assunto que também foi versado pelo ilustre Deputado a quem estou respondendo, o Sr. Cancela de Abreu. Êsse assunto e o que diz respeito à emissão dos selos comemorativos da travessia aérea do Atlântico.
Começarei por declarar que o que já havia ao tempo que eu tomei conta da pasta do Comércio...
Interrupção do Sr. Cancela de Abreu que não se ouviu.
O Orador: — Sim, senhor. Está muito bem.
Depois de colhêr informes sôbre o assunto, eu tive o prazer do encontrar o auxílio do Sr. Lúcio de Azevedo, director da Casa da Moeda, para que se fizesse executar o contrato como devia ser executado.
Propôs-me que se conservasse o monopólio da emissão para o Estado, reservando-se o lucro para a Administração Geral dos Correios e Telégrafos.
Assim, pôr-se há à disposição do público o novo sêlo, ficando o Estado com todo o restante stock que sobejar da venda nos dias determinados, stock que será vendido aos fornecedores da Casa da Moeda com 25 por cento de desconto.
O lucro assegurado à Administração Geral dos Correios e Telégrafos será aproximadamente de 500 a 600 contos.

Página 23

23
Sessão de 14 de Março de 1923
Os selos já chegaram, e parece-me que são poucos para os pedidos.
O Govêrno entendeu que devia ser feita a comemoração do raid, garantindo à Administração Geral dos Correios o Telégrafos um lucro e tendo assegurado também a seriedade do contrato.
Haverá lucro, para terceiro, é certo; mas o Estado nenhum prejuízo sofre; antes, pelo contrário, tem uma vantagem assegurada, além de que fará, como deve, a comemoração do raid.
São, portanto, injustificados quaisquer receios de que desta operação resulte o mínimo dano para os interêsses do Estado.
É claro que, traí ando-se dum serviço de carácter industrial, não podíamos deixar de lhe proporcionar algum lucro.
A verdade, porém, é que tiveram o mérito da iniciativa, pois ninguém ainda tinha pensado no caso, e mesmo que pensássemos agora neste assunto já não iríamos a tempo de o fazer.
Creio que estas explicações devem satisfazer o Sr. Cancela de Abreu.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Sampaio Maia: — Chamo a atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, para uma nota de interpelação que em Junho enviei para a Mesa, acerca do Ministério da Instrução Pública. Até hoje ainda o Sr. Ministro não se deu por habilitado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tomo na devida consideração o pedido de V. Ex.ª
Amanhã há sessões diurna e nocturna com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia — 1.ª parte:
A de hoje.
2.ª parte:
Parecer n.º 302, que autoriza o Poder Executivo a negociar um contrato com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 385, que autoriza o Govêrno a preencher vacaturas do quadro da Direcção Geral das Contribuições o Impostos.
Parecer n.º 225, que fixa os vencimentos das praças da guarda fiscal.
Sessão nocturna, às 21 horas:
Ordem da noite:
Discussão e votação dos orçamentos do Estado.
Parecer n.º 411-(a), orçamento do Ministério do Interior.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros da Guerra e Marinha, regulando as pensões de reforma do pessoal fabril dos. Arsenais da Marinha e do Exército e da Fábrica Nacional da Cordoaria.
Para o «Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, autorizando o Govêrno a adjudicar, por concurso e sob designadas bases, a uma sociedade portuguesa, a construção e exploração duma zona franca em Lisboa.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de comércio e indústria.
Para o «Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Trabalho, fixando as garantias a reconhecer aos funcionários requisitados para serviço no bairro social do Arco de Cego.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro do Trabalho, criando no Ministério do Trabalho a comissão de aproveitamento dos carvões nacionais.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão do Orçamento, sôbre o orçamento do Ministério do Trabalho.
Imprima-se com urgência.
Da mesma, sôbre o orçamento do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.
Imprima-se com urgência.

Página 24

24
Diário da Câmara dos Deputados
Da comissão de pescarias, sôbre o n.º 111-H, de 1919, permitindo o uso de designado canhão na pesca de cetáceos (baleia e cachalote).
Aguarda ser dado para ordem do dia.
Das comissões de legislação civil e comercial e legislação criminal, sôbre o n.º 433-C, que restitui aos delegados do procurador da República, em designadas condições, a faculdade de renunciarem ao direito de candidatos à magistratura judicial.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre o n.º 424-A, que classifica as zonas de turismo e permite o jôgo em determinados casos.
Para a comissão de legislação criminal.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida uma cópia do processo de sindicância feita ao tenente de infantaria, Joaquim Abrantes. — Jaime Pires Cansado.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio e Administração Geral dos Correios, me seja enviada, com toda a urgência, cópia do contrato e de todos os demais documentos relativos à confecção, compra e venda dos selos postais, relativos à comemoração da travessia aérea do Atlântico, criados por portaria de 17 de Janeiro de 1923. — Paulo Cancela de Abreu.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×