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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 54
EM 20 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — É aberta a sessão com a presença de 47 Srs. Deputados, procedendo-se à leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — Depois de o Sr. Sousa da Câmara interrogar a Mesa, entra em discussão o parecer n.º 380, aprovando-se alguns artigos com modificações.
Por proposta do Sr. Almeida Ribeiro, a Câmara toma a iniciativa da sessão conjunta para se prorrogar a sessão legislativa, depois de usarem da palavra o Sr. Cancela de Abreu e Dinis da Fonseca.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas), requere urgência e dispensa do Regimento para uma proposta de lei relativa ao Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
É aprovado o requerimento, bem como a proposta.
São também aprovados o parecer n.º 457, um projecto isentando de direitos o papel destinado à impressão da História da Colonização Portuguesa no Brasil e o parecer n.º 445.
É lida na Mesa uma nota de interpelação.
O Sr. Sousa da Câmara requere que entre na ordem do dia a sua interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura.
É aprovado.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão da proposta de lei n. «382, relativamente ao empréstimo interno.
Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Velhinho Correia e Morais de Carvalho, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, respondendo o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Presidente encerra os trabalhos e marca nova sessão para as 21 horas e 30 minutos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.
Presentes, 47 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.

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Diário da Câmara dos Deputados
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião Herédia.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Víriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José de Oliveira da Gosta Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Domingos Leite Pereira.

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Sessão de 20 de Março de 1923
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso do Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartino Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo do Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Às 15 horas e três minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 47 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Foi lida a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao pedido feito no ofício n.º 251, relativo ao requerimento do Sr. António Maia.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Santarém, pedindo enérgicas providências contra a especulação criminosa dos compradores de gado.
Para a Secretaria.
Da Associação Central da Agricultura Portuguesa, pedindo enérgicas providências para vigilância do contrabando de gado para Espanha.
Para a Secretaria.
Da Direcção da Faculdade do Direito de Lisboa, contra a concessão duma nova época de exames, a começar no mês de Março.
Para a Secretaria.
Do Sr. Portugal Durão, acusando a recepção do ofício desta Câmara, comunicando o voto de sentimento pelo falecimento do sua mãe.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Justiça, pedindo para só comunicar ao Sr. Marques Loureiro para prestar caução e tomar posse do lugar de notário de Guimarães.
Comunique-se ao Sr. Deputado e ao Sr. Ministro da Justiça.
Pedido de licença
Joaquim Brandão, dez dias.
Aires de Ornelas, trinta dias, no estrangeiro.
António Correia, quatro dias.
Marques de Azevedo, mais dez dias.
A. Garcia Loureiro, para interromper a sua licença do trinta dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas,
Representações
Do Centro Comercial do Pôrto, reclamando contra a proposta do Sr. Ministro das Finanças, que visa a tributar a alteração das firmas e os trespasses dos estabelecimentos comerciais.
Para a comissão de finanças.
Da Associação Cristã, da Mocidade, do Pôrto, protestando contra & pretendida regulamentação do jôgo.
Para a comissão de legislação criminal.

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Diário da Câmara dos Deputados
Telegramas
Da comissão municipal do Partido Republicano Radical, do Pôrto, pedindo o cumprimento da Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Da Família do ilustre Brasileiro Rui Barbosa, agradecendo. as condolências da Câmara dos Deputados.
Para a Secretaria.
Dos sargentos das guarnições de Tavira, Lagos, Valença e Beja, pedindo a aprovação do refôrço de alimentação às praças e mínimo de promoções.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Tavira, agradecendo a lei de melhoramentos daquele pôrto.
Para a Secretaria.
Do ajudante do registo civil de Moura, pedindo a aprovação da proposta de lei do Sr. Pereira e Sousa.
Para a Secretaria.
Dos professores Lídio Fernandes Machado e António Godinho, de Lisboa; Manuel Guilhermino Salgado, de Vila Real, e Armando Andrade, do Bombarral, pedindo a aprovação do projecto da cota obrigatória, para custeamento do Instituto do professorado primário.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Sousa da Câmara (para interrogar a Mesa): — Estranho que tendo enviado para a Mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura, e tendo-se S. Ex.ª dado por habilitado, até hoje ainda não fôsse incluída na ordem do dia.
Parece que isto é uma falta de consideração da parte da Câmara pelo Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Presidente: — Não houve da parte da Câmara desconsideração para ninguém. Em virtude de um artigo do Regimento não posso marcar a interpelação sem que V. Ex.ª o requeira à Câmara, e mesmo assim só para o fim desta semana é que a poderei incluir na ordem.
O Orador: — Nesse caso perde a oportunidade. O assunto é interessante e eu apenas quis salientar êste facto.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o artigo 7.º
O Sr. Jaime de Sousa: — Para entrar na devida altura envio para a Mesa uma proposta de emenda que diz respeito às juntas autónomas.
Foi lido o artigo, que foi rejeitado, e aprovada a substituição.
É a seguinte:
Proposta de substituição
Proponho que o artigo 7.º seja assim substituído:
Artigo 7.º Compete às comissões executivas das câmaras municipais conceder, nos termos dos regulamentos respectivos, licenças para explorações das indústrias insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas constantes da tabela n.º 2, anexa ao Regulamento aprovado pelo decreto n.º 8:364, de 25 de Agosto do 1922. — Almeida Ribeiro.
Foi lido na Mesa e pôsto à discussão o artigo 8.º
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa uma proposta de emenda acerca das juntas gerais.
Foi lida na Mesa e aprovada.
E a seguinte:
Proposta
Artigo 8.º:
Proponho que adiante da palavra «secretário» se intercalem estoutras «das juntas gerais e». — Almeida Ribeira.
Foi aprovado o artigo, salvo a emenda.
É lida na Mesa uma proposta do artigo novo.
É a seguinte:
Proposta
Proponho a introdução do seguinte artigo novo:
Artigo. As câmaras municipais não poderão lançar impostos de consumo ou de real de água. — Pedro Pita.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª e à Câmara que nós aprovamos

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o artigo novo que acaba de ser lido, porque êle se destina a pôr termo às dúvidas resultantes da aplicação da lei n.º 1:368.
Sr. Presidente: segundo esta lei foram abolidos, além de outros impostos, o de consumo; mas, todavia, há quem tenha u impressão, que se me afigura errada, de que as câmaras municipais podem lançar imposto de consumo.
Acho, portanto, de toda a conveniência que o artigo seja aprovado para evitar que êsse imposto seja lançado, vindo, porventura, destruir os efeitos resultantes das isenções estabelecidas na lei n.º 1:368.
Sr. Presidente: eu sei que dá parte de vários Srs. Deputados da maioria há já o reconhecimento de que o adicional do 75 por cento sôbre a contribuição predial rústica é exagerado.
De facto, tendo a comissão proposto que êle fôsse de 30 por cento, só devido a uma proposta do Sr. Paiva Gomes, que dela fez questão política, se deve ter sido aprovado 75 por cento.
Sr. Presidente: eu lamento que os Srs. Deputados da maioria levantem questões políticas desta natureza, e para terminar quero repetir que o artigo que está em discussão merece a aprovação da Câmara, a fim de atenuar, quanto possível, os efeitos da lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: salvo melhor juízo, o artigo novo em discussão não pode ser aprovado, sem que daí advenham os mais graves inconvenientes para a administração municipal.
Assim, diz-se que às câmaras municipais é proibido lançar o imposto do real de água, como se porventura elas tivessem tido em algum tempo a faculdade de lançar êste imposto.
Eu sei que se trata de um lapso de redacção, mas, todavia, quero dizer à Câmara que o intuito do artigo é inaceitável.
Pela lei administrativa em vigor, os impostos municipais são directos e indirectos.
A lei que classifica os impostos indirectos foi modificada no sentido de só permitir que fossem sujeitos a impostos indirectos municipais os géneros exportados dos concelhos.
Mais tarde, foi autorizada a cobrança do imposto chamado ad valorem e ultimamente a lei n.º 1:368 manteve êsse imposto, permitindo apenas às câmaras municipais que assim o entendessem a sua substituição por uma percentagem sôbre o imposto de transacção.
Eu sei, Sr. Presidente, que ultimamente se têm levantado dúvidas a respeito de subsistir ou não a faculdade de as câmaras municipais lançarem impostos indirectos.
Mas, essas dúvidas, salvo o respeito pelas opiniões alheias, são absolutamente infundadas.
O que a lei n.º 1:368 suprimiu foi uma série de impostos cobrados pelo Estado, como, por exemplo, real de água, fabricação e consumo e direitos de consumo.
Pretender-se que na denominação contida na lei n.º 1:368, imposto de real de água e direitos de consumo, se introduzam impostos que não têm na lei esta denominação, é na verdade um lapso.
O artigo novo em discussão deve ser rejeitado, continuando as câmaras municipais a ter direito de lançar impostos indirectos, porquanto, se assim não se fizer, isso acarretará enormes embaraços à vida de muitos concelhos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Em nome da comissão de administração pública e como relator do projecto devo fazer algumas considerações acerca dêsse artigo novo, da autoria do Sr. Pedro Pita. Como acentuou o Sr. Almeida Ribeiro, êsse artigo novo não deve ser aprovado pela Câmara, porque iria afectar muito a vida económica das câmaras municipais.
Há manifestamente equívoco na redacção dêsse artigo, pois as câmaras municipais nunca cobraram o imposto de real de água ou de consumo, mas apenas o imposto indirecto sôbre os géneros sujeitos a êsses impostos.
Como a Câmara vê é diferente.
O imposto de consumo é apenas lançado pelas, câmaras municipais de Lisboa,, Pôrto e Vila Nova de Gaia.
Há, portanto, uma fundamental diferença entre êstes dois impostos.
Os impostos indirectos constituem uma fonte importantíssima de elevadas receitas para os municípios, e não falando nos

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concelhos de segunda, terceira e quarta ordem, onde representam, por assim dizer, a sua principal receita, posso citar a Câmara. Municipal do Pôrto, que tem de receita de impostos indirectos uma verba elevadíssima.
É esta receita que serve de caução aos empréstimos que as câmaras municipais têm contraído na Caixa Geral de Depósitos, e, uma vez abolidos êsses impostos, não só as câmaras ficam prejudicadas como lambem a Caixa Geral de Depósitos.
Estou certo que a Câmara não aprovará êste artigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito; vai votar-se o artigo novo do Sr. Pedro Pita.
Foi lido na Mesa e rejeitado, em prova e contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu.
Foi lido e entra em discussão o artigo novo do Sr. Juvenal de Araújo.
É o seguinte:
Proponho que ao projecto que se acha em votação, se acrescente um novo artigo, concebido nos seguintes termos:
«O disposto, no § 3.º do artigo 1.º da lei n.º 999, de 16 do Julho de 1920, e no artigo 6.º do regulamento de 31 de Dezembro de 1921, aplicável às ilhas dos Açores, é igualmente aplicável à Ilha da Madeira. — Juvenal de Araújo.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Mandei para a Mesa êsse artigo em virtude de uma reclamação da Câmara Municipal do Funchal, mas posteriormente recebi comunicações de outras câmaras municipais da Madeira em que me notificavam o prejuízo que essa emenda lhes causava.
Nestes termos, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retire a emenda.
Foi autorizado.
Foi lido o artigo novo do Sr. Sampaio Maia.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Sr. Presidente: o assunto que diz respeito aos corpos administrativos é muito importante e parecia-me que devia ser devidamente estudado, e nessas condições requeiro que o artigo em discussão baixe à comissão de legislação civil para dar o seu parecer.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Isso não é um requerimento, é uma proposta.
O Sr. Pedro Pita: — Umas vezes tem sido considerado requerimento, outras proposta.
Seria conveniente ouvir a opinião do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Não é um requerimento, é uma proposta.
O Sr. Presidente: — De facto, é verdade que têm sido interpretados por diversas formas êstes documentos.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Apresentei como requerimento, e muitas vezes tenho visto ter sido assim considerado.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª razão., mas também se tem feito o contrário.
Todavia como não se pode estar a considerar uma vez requerimento outra vez proposta, em face da manifestação da Câmara daqui para o futuro considero sempre êstes documentos como propostas.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Estranho o requerimento do Sr. Alfredo de Sousa porque, quando se trata de criar novos impostos, dão-se todas as facilidades, mas quando se trata de um artigo que vem beneficiar os proprietários já é necessário ir à comissão para estudar.
Porque não baixaram às comissões os outros artigos?
Êste artigo destina-se apenas a ampliar o prazo de 1916 a 1922 para converter em géneros metade das rendas, como fora fixado pela lei n.º 1:368; era êste assunto é tam complexo, tam transcendente que o Sr. Alfredo de Sousa entende que êle necessita de um estudo especial nas comissões, mas, quando se tratou de elevar os impostos a 75 por cento, já não foi preciso parecer da comissão.

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Eu compreendo, que é necessário auxiliar os municípios, mas não posso esquecer as dificuldades com que lutam os proprietários rurais em face dos novos encargos que lhes são impostos.
Nada mais justo, nada mais moral, do que o artigo que o Sr. Sampaio Maia propôs e que certamente a Câmara vai aprovar, rejeitando a proposta do Sr. Alfredo de Sousa, que não tem a mínima razão de ser.
É isto que tenho a dizer em nome dêste lado da Câmara.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para êste artigo que, em parte, é uma compensação para os novos encargos que, a propriedade rústica vai sofrer com a lei que só está discutindo.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Invoco o artigo 79.º do Regimento.
O Sr. Presidente: — Efectivamente o artigo mandado para a Mesa não tem nada com o número de membros que fazem parte das câmaras municipais.
O Sr. Morais Carvalho: — Sem quebra do respeito que tenho por V. Ex.ª, entendo que não tem razão.
A disposição regimental, invocada pelo Sr. Almeida Ribeiro, diz que no mesma projecto de lei não se podem introduzir artigos com doutrina que não tenha íntima relação entre si. Por consequência, desde que no projecto, de lei se contêm artigos, cuja doutrina não tem absoluta ligação entre si, e desde que V. Ex.ª admitiu êsses artigos à discussão, agora parece-me que não pode pelo mesmo motivo recusar qualquer artigo, ou emenda, que ao mesmo projecto diga respeito.
Desde que a essência do projecto tem, por fim aumentar as percentagens municipais, o Sr. Sampaio Maia entende que, para os contribuintes poderem suportar êsse novo aumento de encargo, lhes deve ser dada a faculdade de poderem pedir maior renda nos arrendamentos dos prédios rústicos, e nesse sentido apresentou um artigo que tem íntima conexão com o projecto de lei em discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Visto que se sugerem dúvidas, acerca da admissão do artigo do Sr. Sampaio Maia, deixo essas dúvidas à apreciação da Câmara.
O Sr. Tôrres Garcia: — Vou expor o meu modo de ver acerca da proposta para baixar à comissão de legislação civil e comercial o artigo do Sr. Sampaio e Maia.
O parecer n.º 380 diz respeito, efectivamente, a um projecto de lei de carácter absolutamente administrativo. É tanto assim é; que se refere na essência a regulamentar a atribuição das câmaras municipais, no que diz respeito a lançamento de percentagens sôbre impostos do Estado e até a modificar o número de membros que compõem as comissões executivas. E nesta altura aparece um artigo que nada tem com o assunto em discussão.
Pretende-se, nem mais, nem menos, que remodelar a matéria da lei n.º 1:368, de carácter tributário e fiscal. A lei n.º 1:368 é um capítulo do Código Fiscal e não pode ser pela sua natureza transformada, quanto a mim, por um artigo mais ou menos habilidoso dentro duma lei que nada tem com êsse assunto.
De maneira que me parece ter dito o bastante para afirmar que, fazer-se o contrário. do que se pretende, é continuar na Câmara a confusão tremenda que hoje se reflecte em todos os diplomas saídos daqui.
Portanto, para evitar que se pratique mais um acto desta natureza, defendo a opinião do ilustre Deputado, Sr. Alfredo de Sousa, para que o artigo novo baixe imediatamente à comissão de legislação, civil e comercial, e tenho a certeza que essa comissão evitará que êsse artigo entre na lei que se pretende votar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — O projecto de lei que se discute não é de carácter administrativo, mas diz respeito às leis tributárias, procurando-se remediar a situação aflitiva dos corpos administrativos, para que possam aumentar as taxas das suas contribuições.
Sou o primeiro a reconhecer a necessidade do aumento, mas no momento presente eu entendo que não devemos ir agravar o contribuinte. Êste projecto não é projecto administrativo, mas sim um projecto de carácter tributário, e quando discutimos um projecto desta natureza

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nós temos obrigação de olhar para aqueles que pagam o imposto. Assim, o artigo do Sr. Sampaio Maia merece o meu apoio, mas eu entendo que não é oportuno votá-lo agora.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Almeida Ribeiro deseja tratar em negócio urgente da prorrogação da sessão legislativa.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pela Constituïção, a sessão legislativa dura quatro meses devendo encerrar-se no dia 2 do mês próximo. Como a última semana dêste mês é a da Semana Santa, e eu não sei se a Câmara funcionará nesse período, julgo necessário tomar-se desde já a iniciativa da prorrogação dos trabalhos parlamentares.
Mando para a Mesa a minha proposta.
Leu-se e foi admitida.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que a Câmara dos Deputados tome a iniciativa da prorrogação da presente sessão legislativa, realizando-se a reunião das duas Câmaras necessária para êsse efeito. — O Deputado, A. de Almeida Ribeiro.
Comunique-se ao Senado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: a actual sessão legislativa abriu em 20 de Outubro.
Funciona há cinco meses.
Durante êsse tempo iniciou-se nova sessão legislativa, mas de facto o Parlamento está aberto há cinco meses, e é interessante ver a estatística do que o Parlamento tem feito, pois tirando-se a criação do concelho de Albergaria dos Doze, e o agravamento de impostos, não vejo mais nada no saldo, mas no passivo vejo muito.
Passámos os cinco meses a discutir como se havia de discutir os orçamentos e per deu-se tempo com a intolerância e facciosismo da maioria da Câmara.
O Orçamento devia estar votado no dia 15 de Março, mas perderam-se dez dias para se chegar a acôrdo sôbre a forma da sua discussão.
O problema das estradas já começou n ser discutido e foi pôsto de parte.
Os problemas económicos e financeiros e outros de alto interêsse do País não têm sido tratados.
O Sr. Ministro da Agricultura trouxe à Câmara uma proposta de lei, acerca do regime cerealífero, mas como as comissões políticas disseram ao Sr. Ministro da Agricultura que não convinha acabar com o pão político, S. Ex.ª, arripiando caminho, veio a esta Câmara pedir que sustassem a discussão da sua proposta, visto que a melhoria do câmbio resultante da aprovação do projectado empréstimo criaria decerto uma situação diferente daquela em que estamos neste momento e daquela em que o Sr. Ministro se encontrou ao apresentar a sua proposta.
Esta tem sido, Sr. Presidente, a obra do Parlamento.
Nestas condições, êste lado da Câmara, reconhecendo a inteira inutilidade do trabalho que aqui se produz, não pode dar o seu voto à proposta do ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Dada a distância a que me encontrava do Sr. Almeida Ribeiro, não consegui saber se a proposta por S. Ex.ª apresentada sôbre a prorrogação dá sessão legislativa era por tempo indefinido, ou se era até a um determinado prazo...
O Sr. Almeida Ribeiro: — Eu não marquei, nem tinha de marcar qualquer prazo.
A minha proposta limita-se a convocar o Congresso a uma reunião conjunta para apreciar o assunto.
O Orador: — Agradeço ao Sr. Almeida Ribeiro o seu esclarecimento.
Sr. Presidente: o Congresso vai ser prorrogado, não porque o excesso de trabalho se não compadecesse com o curto espaço de tempo de que dispôs para trabalhar, mas porque, não se tendo feito absolutamente nada? o que havia a tratar ficou por fazer.
Tenho a certeza de que se a consulta em vez de ser feita nesta Câmara, o fôsse ao País, êste nos aconselharia imediatamente a fechar as portas.
Estamos aqui há mais de um ano, e eu não vi fazer ainda outra cousa que

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não fôsse votar medidas para arrancar ao povo mais impostos.
Se a prorrogação fôsse realmente para trabalhar, eu não teria dúvida em lhe dar o meu voto, mas se essa prorrogação é simplesmente para fazermos o que temos feito até aqui, mais valerá então fechar o Parlamento duma vez para sempre.
Apoiados.
O orador não reviu.
É aprovada a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
É aprovada a acta.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Pedi a palavra para mandar para a Mesa ama proposta concedendo à Biblioteca do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro o direito de receber determinadas publicações nacionais.
Requeiro para esta proposta urgência e dispensa do Regimento, bem como para a proposta a que se refere o parecer n.º 451, que isenta de direitos o papel destinado à História da Colonização Portuguesa do Brasil.
Estou convencido de que dado o carácter destas duas propostas, a Câmara não terá dúvidas em aprovar o meu requerimento.
É aprovado o requerimento.
É aprovada sem discussão a proposta relativa ao Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
É a seguinte:
Senhores Deputados. — Atendendo a que o Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, fundado há mais de meio século, é decerto a mais notável das instituições portuguesas do Brasil;
Atendendo a que a sua biblioteca tem cêrca de 60:000 volumes, podendo ser considerada uma verdadeira biblioteca nacional é um monumento erguido às letras portuguesas: tenho a honra de submeter à vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Para ser entregue ao Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, será enviado ao Ministério da Instrução Pública, Direcção Geral de Belas Artes, um exemplar de todas as publicações a que se referem o § único do artigo 8.º e artigo 9.º da lei de 28 de Outubro de 1910.
Art. 2.º Por cada transgressão do preceituado no artigo anterior tornar-se há exigível a multa de 10$ às entidades responsáveis consignadas no artigo 8.º da referida lei de 28 de Outubro de 1910.
Art. 3.º No orçamento do Ministério da Instrução Pública inscrever-se há a verba que fôr reputada indispensável para o pagamento da franquia postal e remessa das publicações para a sede do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, Março de 1923. — O Ministro das Finanças, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães — O Ministro da Instrução Pública, João José da Conceição Camoesas.
O Sr. Vasco Borges: — Requeiro a dispensa da última redacção.
É aprovado.
Entra em discussão o projecto isentando de direitos o papel destinado à impressão da «História da Colonização Portuguesa do Brasil».
É o seguinte:
Senhores Deputados. — Tornando-se digna de auxílio a patriótica iniciativa da colónia portuguesa do Brasil, para a publicação da História da Colonização Portuguesa do Brasil, obra monumental a que não preside qualquer intuito lucrativo, mas tam somente o de erguer um monumento ao esfôrço da gente portuguesa no continente americano, durante três séculos: tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º E isento de direitos o papel destinado à impressão da História da Colonização Portuguesa do Brasil, mediante termo de responsabilidade, firmado pela entidade que toma a seu cargo êsse empreendimento, de que o papel importado ao abrigo desta lei não terá destino ou aplicação diversa do que nela se consigna.
Art. 2.º Todo o papel importado nos termos desta lei sê-lo há em nome da entidade de que trata o artigo 1.º, ficando de cada lote na alfândega as necessárias amostras devidamente autenticadas.
Art. 3.º Na alfândega por onde se efectuar a importação de papel que tiver o destino que marca êste diploma, abrir-se há conta das quantidades importadas, lan-

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çando-se nela oportunamente o pêso declarado pela entidade editora da obra das folhas já impressas e da matéria prima inutilizada.
Art. 4.º A alfândega por onde se realizar à importação do papel adoptará as medidas de fiscalização mais adequadas à garantia dos interêsses do Estado, fazendo entrar em depósito fiscalizado a matéria prima que sobejar da impressão da História da Colonização Portuguesa do Brasil.
Art. 5.º As disposições desta lei são aplicáveis ao papel importado pela Emprêsa da História da Colonização Portuguesa do Brasil, sob fiança aos direitos com destino à impressão da mesma obra.
Art. 6.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 19 de Julho de 1922. — Manuel de Sousa Coutinho.
O Sr. Carlos Pereira: — Requeiro para ser discutido conjuntamente o parecer n.º 445.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: estando em discussão o parecer n.º 451, devo dizer à Câmara as razões que me levaram, como membro da comissão de finanças, a assinar êsse parecer, como, vencido.
Acho absolutamente justificável a isenção dó direitos de importação para o papel destinado a uma das obras mais notáveis da história pátria, mas também entendo que, desde que se abra um regime dê excepção, e para evitar possíveis confusões M interpretações falsas, deverá limitar-se até os fins dêste ano o prazo marcado para ã importação dêsse papel.
Na devida altura apresentarei mais um artigo tendente a completar a doutrina dessa proposta de lei.
Foram êstes os motivos por que assinei é parecer com restrições. Tenho dito.
O orador não reviu.
Foram aprovados, sem discussão, os artigos 2.º 3.º, 4? e 5.º da proposta.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta do artigo novo, defendendo o ponto de vista que há pouco expus à Câmara.
Foi admitido.
É a seguinte:
Proposta de emenda
Artigo 5.º -A:
O regime especial estabelecido nesta lei caducará em Dezembro de 1924. — Lúcio de Azevedo.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. presidente: acho excessiva e sem razão de ser a matéria contida no artigo novo que o Sr. Lúcio de Azevedo acaba de mandar para a Mesa, porquanto está bem acentuado, nos artigos 3.º e 4.º da proposta que se discute, o destino que deve ser dado ao papel.
Nestas condições, não concordo com êste artigo novo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para insistir nas razões que determinaram a apresentação do meu artigo novo.
Eu sei que já está impresso o primeiro volume e que essa obra deve ser constituída por dois volumes.
Ora eu creio que o prazo de dois anos é mais que suficiente para a publicação do segundo volume e assim evitar-se há a hipótese duma desvantagem para os interêsses do Estado.
Disse o Sr. Ministro da Instrução Pública que os artigos 3.º e 4.º da proposta acautelam os interêsses do Tesouro, dando. o destino devido ao papel que sobeja; a verdade, porém, é que não está bem expressa essa disposição, podendo dar lugar a dúvidas.
Nestas condições, creio que tem toda a razão de ser o meu artigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado, em prova e contraprova, o artigo novo.
Foi aprovado o artigo 6.º, e dispensada, a requerimento do Sr. Ministro da Instrução pública, a leitura da última redacção.
Lido na Mesa, foi aprovado na generalidade e especialidade, sem discussão, o parecer n.º 445.
É o seguinte:
Parecer n.º 445
Senhores Deputados. — De exame da proposta de lei n.º 382-D, da iniciativa

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do Sr. Ministro das Finanças, resultou para a vossa [...] de comércio e indústria a [...] de que tal proposta merece ser aprovada pelas razões que constam do seu relatório.
Em Março de 1923. — Sebastião Herédia — Velhinho Correia — Aníbal Lúcio de Azevedo — Artur Brandão — Carlos Pereira, relator.
Proposta de lei n.º 382-D
Senhores Deputados. — O convénio literário assinado entre as Repúblicas Portuguesa e dos Estados Unidos do Brasil, quando da triunfal viagem do S. Ex.ª o Presidente da República a êste Estado, isentando de direitos alfandegários os livros portugueses, para facilitar-lhes a importação, impõe gratamente da nossa parte o dever de sacrificar a economia de ouro resultante da aplicação do decreto n.º 8:439, de 21 de Outubro passado, em benefício do alto interêsse que representa uma maior comunhão espiritual entre as duas Pátrias irmãs.
Presta se ao mesmo tempo homenagem aos homens de letras que tanto contribuem para o engrandecimento de Portugal e ao honrado esfôrço do divulgação da nossa indústria editora e não será, decerto, a desistência do deminuto valor das cambiais a obter pela exportação, em pequenas remessas, de livros portugueses que influenciará na melhoria financeira a que visa aquele decreto, importando apenas não alargá-la a outras exportações.
Nestes termos, tenho a honra de apresentar à ponderação da digna Câmara a seguinte proposta, de lei:
Artigo 1.º Não está sujeita às restrições impostas no decreto n.º 8:439, de 21 de Outubro de 1922, a exportação para o estrangeiro de livros editados em Portugal.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário. — O Minstro das Finanças, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Foi lida uma nota de interpelação.
É a seguinte:
Nota de interpelação
Pretendo interpelar o Sr. Ministro da Justiça.
É matéria da interpelação:
a) Ilegalidades e violências praticadas por organismos dependentes do Ministério da Justiça [...] pela comissão de execução da Lei da Separação, no que respeita ao contrato do arrendamento do passal de Sanfães do Douro, feito a Abílio Vilela;
b) Irregularidade na administração da justiça em várias comarcas do País. — Pedro Pita.
Expeça-se.
O Sr. Dinis de Carvalho (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que seja incluído na ordem do dia, sem prejuízo dos projectos já nele inscritos, o parecer n.º 284.
Foi aprovado.
O Sr. Sampaio Maia (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejo pedir a V. Ex.ª a fineza de informar-me sôbre se já chegou à Mesa a resposta do Sr. Ministro da Instrução Pública, dando-se por habilitado a tratar do assunto duma interpelação que há mais de seis meses anunciei e que desejava fazer-lhe nesta Câmara.
O Sr. Presidente: — Por emquanto nada consta na Mesa a êsse respeito.
O Sr. Sampaio Maia: — Nesse caso, peço a V. Ex.ª o obséquio de lembrar ao Sr. Ministro da Instrução Pública a necessidade que tenho de realizar essa interpelação.
O Sr. Sousa da Câmara (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se autoriza que numa das próximas sessões seja marcada para ordem do dia a minha interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura, pois trata-se dum assunto da maior importância, visto que irei demonstrar que o Estado entregou à moagem mais de 30:000 contos.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva (àparte): — Desejarei muito que assim seja, para fazer entrar imediatamente nos cofres do Estado êsses 30:000 contos.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Sousa da Câmara.

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ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na primeira parto da ordem do dia: continuação da discussão do projecto n.º 382
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: iniciei já no último dia a minha análise à proposta de lei n.º 382, e pouco mais terei de acrescentar ao que já disse, embora me reserve o direito, depois de ouvir as explicações dos Srs. relator e Ministro das Finanças, de voltar novamente a discuti-la.
Procurei demonstrar que o empréstimo, tal como se pretende, é ruïnoso, é contrário a todas as leis financeiras e a todas as decisões das conferências internacionais, representa um prejuízo enorme para o Estado e presta-se, finalmente, a que em Portugal se dêem as maiores especulações financeiras de que haja memória.
Mas esta proposta encerra mais do que a idea dum empréstimo: é a máscara dum aumento de circulação fiduciária, e então nós temos de constatar que pertencendo o Sr. Ministro das Finanças a um partido que reprova em absoluto os aumentos da circulação fiduciária, e sendo S. Ex.ª um dos maiores adversários dêsse regime da emissão de papelada, S. Ex.ª vem aqui, quero crer que forçado pelas necessidades do Tesouro, propor um aumento de circulação fiduciária que não é tam pouco importante como à primeira vista pode parecer.
Quando o Sr. Portugal Durão apresentou a sua proposta de aumento da circulação fiduciária em 100:000 contos, tive ocasião de dizer que ine parecia insuficiente êsse aumento e que melhor seria propor de uma só vez o que fôsse indispensável para as necessidades do Estado.
Foi em virtude destas minhas considerações que o Sr. Portugal Durão modificou a proposta inicial, lançando-se o aumento de 200:000 contos.
E bom considerar que essa quantia teve um emprego diferente do que o Parlamento votou, por virtude das necessidades do Estado.
Propõe-se agora um aumento de circulação fiduciária de 140:000 contos, sendo uma parte para o Estado e outra para o Banco.
Isto tem inconvenientes gravíssimos, que é preciso frisar.
Até agora o Estado, para pedir um aumento de circulação fiduciária, precisava dum acôrdo de duas partes: o Parlamento e o Banco. Daqui por diante estabelece-se uma situação que não está garantida por cousa nenhuma.
Podemos ir, nas relações do Estado com o Banco, até o roulement dêsses fundos.
Direi que o objectivo desta proposta de lei não é deminuir a circulação fiduciária; o seu objectivo primeiro é o de aumentá-la. (Apoiados). Antes demais nada, aumentá-la.
Apoiados.
Não é demais acentuar que no capítulo respeitante à venda da prata existente no Banco de Portugal, na própria comissão de finanças o Sr. relator introduziu uma modificação que, na verdade, é duma grande vantagem para o Parlamento e para o País.
O Sr. Velhinho Correia: — Especialmente sugerida por V. Ex.ª Quero dar-lhe essa honra.
O Orador: — O Estado Português tem aproximadamente no Banco de Portugal 17:000 contos de prata, podendo o Estado dispor deles, isto é, vendê-los, tendo de dar ao Banco de Portugal uma quantia equivalente em notas, podendo a venda dessa prata valer mais de 1 milhão de libras.
O montante, Sr. Presidente, do aumento da circulação fiduciária englobado na proposta é de cêrca de 200:000 contos; mas o pior é que, à sombra dessa lei, os Governos ficam com os poderes necessários para recorrer ao aumento da circulação sempre que o queiram, visto os aumentos da circulação estarem dependentes do Poder Executivo e do Banco de Portugal.
Eu devo dizer, em abono da verdade, que reputo bastante grave a aprovação de tal proposta, porque estou convencido de que ela vai marcar o início da derrocada financeira do País.
Devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara, repito, que a modificação imposta pelo Sr. Velhinho Cobreia me satisfaz.
Dir-me hão, Sr. Presidente, que o Ban-

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co se poderá revoltar contra tal medida; mas eu a êsse respeito devo dizer que pouco me importa com os protestos do Banco.
Sr. Presidente: não quero fazer obstrucionismo à proposta, tam pouco pretendo impedir que pelo cansaço da Câmara se não faça a votação.
Sou dos que estão convencidos de que aprovada esta proposta só marcará o início da nossa derrocada financeira.
Chegámos ao momento de só procurar a todo o transe que o País caia no abismo, mas esta proposta trará resultados contrários a essa pretensão.
Diz-se que é necessário contrabalançar as causas que determinam a ruína do País, opondo uma tentativa de valorização à desvalorização da moeda, mas eu julgo que pela proposta em discussão se vai criar mais um factor, e dos maiores, para a desvalorização do nosso dinheiro.
Sr. Presidente: não quero dar a impressão de que pretendo monopolizar tempo, e por isso vou terminar, reservando-me para ouvir as razões do Sr. Ministro das Finanças e as do Sr. relator, quási que únicos defensores do empréstimo que se pretende obter.
A essas razões oporei as minhas, que jamais serão determinadas por quaisquer motivos de política de campanário.
Embora eu repute caso grave o dar-se nesta altura uma crise ministerial, devo confessar que preferia a queda do Govêrno à aprovação da proposta de empréstimo.
E que eu só tenho o desejo de evitar ao País mais uma causa de ruína e mais um motivo para que os nossos inimigos nos acusem de erros de administração.
São estas as razões determinantes da minha atitude.
Aos Srs. Ministros das Finanças e relator eu só peço que apresentem razões que possam convencer-me; as que tenho ouvido ainda não o conseguiram.
Expostas assim as razões por que não posso aprovar a proposta, eu vou acabar, declarando, desde já, que voltarei à carga para firmar, cada vez mais, as minhas razões.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: mobilizaram-se as melhores fôrças políticas de oposição para o ataque que tem sido feito à proposta de empréstimo. Na efectivação dêsse ataque tem ouvido a Câmara bons e grandes discursos.
Eu tenho pena de não possuir recursos oratórios, porque desejava encontram-me à altura dos oradores que me precederam.
Tenho, porém, por mim, como S. Ex.ª tem, o máximo desejo em acertar, em fazer obra de verdade.
Desde a primeira hora que me coloquei ao lado do Sr. Ministro das Finanças na defesa da generalidade desta proposta.
Fiz assim porque desde a primeira hora me convenci que os fins do Govêrno e de S. Ex.ª, trazendo esta proposta à Câmara, eram os mais levantados, eram os que melhor correspondiam às necessidades do País.
É certo que desde a primeira hora fui eu talvez o único Deputado que sem condições se pôs ao lado do Sr. Ministro, defendendo a generalidade da proposta. Mas já não fui o único a defendê-la na comissão de finanças, e a prova é que o respectivo parecer tem mais assinaturas, sem declarações, sem. restrições.
Tem assinaturas de colegas meus que subscreveram o parecer sem se declararem vencidos. Por isso não foi preciso mais do que esclarecer a proposta, isto é, vincular os intuitos.
Sr. Presidente: cabe-me a honra de responder ao ataque cerrado que pelo Sr. Barros Queiroz foi feito ao empréstimo que o Govêrno pretende realizar.
Ouvi S. Ex.ª com a máxima atenção, e confesso que me impressionaram os números que S. Ex.ª trouxe à discussão e que publicou num grande jornal da manhã.
Começarei a minha resposta por dizer que o Sr. Barros Queiroz deveria ter sido mais justo nas suas apreciações feitas à proposta.
Declarou S. Ex.ª que íamos criar uma dívida amortizável.
Não é exacto. Por consequência, S. Ex.ª foi levado a tirar conclusões que não são exactas.
A contextura da proposta não autorizava S. Ex.ª a fazer uma semelhante afirmação.

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O que diz a proposta?
Diz que se cria um fundo consolidado. Não fala em amortização.
Como pode pois S. Ex.ª, com justiça, concluir que se trata de um fundo amortizável?
Sr. Presidente: êste ponto não é de somenos importância, é até da mais alta importância, como foi S. Ex.ª que o confessou no seu discurso.
Trata-se, pois, Sr. Presidente, segando a proposta em discussão de um fundo consolidado; estabelece-se a renda anual, o encargo nominal, mas não se fala em amortizações, não podendo portanto deduzir-se daqui que se trata de uma dívida a amortizar.
Depois disto que admira que S. Ex.ª encontrasse os prémios de amortização que encontrou?
O Sr. Barros Queiroz: — Às conclusões que V. Ex.ª está tirando responde o próprio Sr. Ministro das Finanças, dizendo que o empréstimo não é perpétuo.
O Orador: — Eu discuto o testo, V. Ex.ª sabe muito bem que o Sr. Ministro das Finanças pode dizer que não é perpétuo no sentido de poder vir a ser convertido, mas, convertido não é amortizado.
O Sr. Barros Queiroz: — Mas pode ser reembolsado.
O Orador: — Pode ser convertido porque todas as rendas são susceptíveis de serem convertidas.
Portanto, Sr. Presidente, é em cima do texto que discuto e desde que o texto diga que se trata de um fundo consolidado, e não se fala em amortização, S. Ex.ª preocupou-se mais com os encargos que com os prémios de uma amortização, que se há-de realizar ou não conforme convém ao Estado.
Assim, Sr. Presidente, S. Ex.ª encontra os prémios de amortização tam extraordinários que impressionam certamente a Câmara e 9 País.
Libras vendidas a 40$, disse S. Ex.ª, quere dizer câmbio de conversão de 6 para um câmbio de emissão, o da hora presente, 2 1/8. Também S. Ex.ª sabe que o câmbio só será realizado com um câmbio de emissão que dê como juro ao prestamista o máximo de 15 por cento.
Essa hipótese de um câmbio de conversão de 6 para um câmbio de emissão de 2 1/8 está fora de causa; nem o Sr. Ministro das Finanças a aplica nem podia aplicá-la segundo a proposta que está em discussão.
Como S. Ex.ª certamente se lembra, o Sr. Ministro das Finanças declarou desejar ficar com as mãos livres para negociar com os prestamistas ou tomadores dêste empréstimo, para negociar em termos de poder defender até à última, e nas melhores condições os interêsses do Tesouro.
Portanto, S. Ex.ª, salvo o devido respeito, foi agarrar-se a números que estavam fora de causa, a premissas alarmantes, e assim, Sr. Presidente, foi fácil ao Sr. Deputado oposicionista tirar as conclusões que tirou, que, de resto, com essas premissas estava autorizado a tirar.
Grandes encargos de amortização, grandes juros e pequena produtividade do empréstimo: são assim as duas primeiras hipóteses do Sr. Barros Queiroz, ambas firmando-se em casos que pode dizer-se estarem fora de causa.
Na terceira hipótese, que eu considero em causa, nessa mesmo, S. Ex.ª procurou fazer um cálculo adoptando um câmbio de conversão de 6 para um câmbio de emissão de 2 1/8 que não se comporta com a emenda introduzida pela comissão de finanças.
Portanto, nessa mesma hipótese, nesse mesmo caso que é o que mais se aproxima do texto em discussão nesse mesmo, S. Ex.ª se afastou da realidade.
Disse ainda S. Ex.ª — e assim se encontra o Govêrno com tantos contos que convertidos em libras que ao câmbio em que se faz esta operação não produzem senão tantas libras, isto é, vende quatro milhões de libras por um milhão e tal do libras. Ainda aqui o raciocínio de S. Ex.ª peca, e peca porque se coloca num câmbio de emissão em que o empréstimo não pode ser lançado, é admitindo essa hipótese S. Ex.ª diz que o empréstimo produzirá simplesmente 40 por cento, como se aquilo que o Estado fôsse comprar com as libras ou escudos conseguidos pelo empréstimo fôsse a mesma cousa que aquilo que tinha vendido.

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Mas note V. Ex.ª que se não trata de libras título, que V. Ex.ª vai converter em escudos; mas sim libras cheque, o que na realidade é bastante diferente.
Já a Câmara vê, portanto, a sem razão que existe aos ilustres Deputados os Srs. Barros Queiroz e Cunha Leal, para dizerem o que disseram.
Os argumentos apresentados por S. Ex.ªs seriam muito bons para um artigo de um jornal; porém, entendo que o não são, nem podem ser, para uma discussão no Parlamento.
Admitamos uma operação feita a um câmbio de emissão de 2 9/16 (libra 1 por 93$66), o câmbio da emissão pode ser de 5,9 à razão de 40$50 a libra.
Por cada título de libras 100, a libras 6,õ, juro que a êste câmbio de 2 9/16 equivale a 608$79 o subscritor dará 4. 050$.
Admitamos ainda, Sr. Presidente, 5 por cento para despesas de colocação; temos 3. 848$ recebidos de capital pelo Estado, por uma renda de 608$79.
A manter-se, Sr. Presidente, êste câmbio de 2 9/16, rende o empréstimo, pois, para o Estado 153:920 contos.
O Estado fica devendo, pois, Sr. Presidente um juro anual de 260:000 libras.
Neste câmbio de 2 9/16 êsse encargo equivale a 2:435 contos.
Basta, porém, que êste câmbio de 2 9/16 como se vê roçando pelos 3 chegasse a 5 (libras 1 par 48$) para o encargo em escudos se reduzir logo a 12:180 contos, a cêrca de metade.
Teremos assim, Sr. Presidente, 12:480 contos como juro de 158:920 contos recebidos, ou seja um juro aproximado a 8 por cento.
Os encargos do empréstimo serão de 31:200 contos, mas descem se o câmbio melhorar de 2 para 4.
Sr. Presidente: são êstes os números que tenho a honra de opor aos que foram indicados pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz.
O maior ataque feito por S. Ex.ª á proposta vem do facto de se estabelecerem dois écarts.
São dois benefícios: um resultante do encargo estabelecido de 7 3/4 em esterlino; outro que resulta da venda das libras a câmbio diferente daquele que seja o do dia da emissão.
Diz-se então: Para que se estabeleceu dois écarts? Não seria melhor haver um só?
Para que são dois benefícios dados a prestamista?
Fui ver se realmente a existência de um único écart melhorava o lançamento do empréstimo.
Temos duas hipóteses para o mesmo nominal de 4 milhões de libras.
Para uma há o juro de 13 e meio por cento e só um écart em esterlino. Para outro há dois écarte e juro de 6 e meio.
Encontra-se que a produtividade do empréstimo é, para um caso, de 320:000 contos, para outro caso é de 160:000 contos, ou seja metade.
E porque se recebe metade, também de metade é o que se fica a pagar em esterlino.
O Sr. Presidente: — Já terminou o período da primeira parte da ordem do dia.
O Orador: — Se V. Ex.ª mo permitisse, eu faria ainda algumas considerações.
Vozes: — Fale, fale.
Consultada a Câmara, é o orador autorizado a continuar no uso da palavra.
O Orador: — Sr. Presidente: muito sé tem dito que se houvesse um único encargo a proposta seria para o Estado de muito mais benéficos resultados. Não é exacto.
É certo que com os dois encargos nós nos sacrificamos em favor das gerações futuras. Podendo o nominal de 4 milhões de libras render mais escudos não rende; rende menos. Porquê?
Para deixarmos aos nossos vindouros o menor encargo.
Uma das afirmações que se têm feito com mais insistência e calor é a de que a proposta não visa a melhorar o câmbio.
Com franqueza eu não sei em que se baseiam os que tal afirmam para proclamar uma tam estranha heresia. Pois então um empréstimo que tem por fim evitar o aumento demasiado da circulação fiduciária e ainda a situação deficitária do Orçamento, não é, porventura, preferível ao recurso do aumento da circulação fiduciária?
S. Ex.ª sabe melhor do que eu o que é

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o câmbio; basta o câmbio ser expresso, numa moeda em relação à moeda doutros países, basta que seja uma relação entre moedas para que o montante duma dessas moedas tenha influência directa no câmbio. Isto é comezinho.
Falou S. Ex.ª em aumento de circulação fiduciária. Hei-de ter ocasião de falar na responsabilidade dos homens públicos que, lançando mão da circulação fiduciária, tem trazido o País a esta situação hei-de dizer que defendo e aprovo está medida, porque entro dois males prefiro sempre o menor.
Vai evidentemente aumentar-se a circulação fiduciária, vai, mas com a condição expressa de que tudo quanto o empréstimo produzir seja para autorização dêsse empréstimo; quanto o empréstimo der é para pagar ao Banco êste último recurso.
Se em 1920, quando era Ministro das Finanças o Sr. Cunha Leal, nua trouxe a esta Câmara um aumento de circulação, fiduciária de 200:000 contos, tivesse procedido de maneira idêntica, se outros homens públicos tivessem procedido da magma maneira, não estávamos decerto nesta situação.
Sr. Presidente: desde que com a política dêste empréstimo haja o intuito de recorrer, sim, à circulação fiduciária, mas duma maneira episódica, como último recurso, e com a obrigação expressa de que todo o empréstimo se aplicará à amortização dêsse último suprimento; desde que uma proposta é assim apresentada, e é assim que se compreende que seja aprovada, como é que nestas condições se pode sustentar que essa proposta, uma vez aprovada, não visa a melhorar os câmbios?
Um caudal de ouro, ouvi eu dizer! Isso não é para nós.
Sr. Presidente: é preciso pôr a política do empréstimo duma maneira clara. A minha opinião vou dizê-la agora: ou êste empréstimo ou um empréstimo forçado. Estou convencido de que não há que sair dêste dilema. Sei que a luta é titânica entre os inflacionistas e os não inflacionistas.
A política de oposição a esto empréstimo é a política que agrada à alta finança, que serve à grande especulação, especulação bancária, especulação financeira. É preciso pôr a questão duma maneira clara.
A política dos inflacionistas é a política que arruina o País, que prejudica sobretudo as classes operárias, que prejudica os funcionários públicos, que prejudica todos aqueles que não vivem dos rendimentos das companhias ou dos Bancos.
Por isso eu, com o pouco que valho, afirmo que emquanto fôr Deputado hei-de esforçar-me para que êstes constantes, aumentos do circulação fiduciária não continuem.
Sr. Presidente: é um facto de todos conhecido que os salários dos operários, bem como os vencimentos dos funcionários, não acompanham a desvalorização, da moeda. Portanto, os que exploram o homem tem o interêsse da política inflacionista.
Sr. Presidente: referiu-se o Sr. Barros Queiroz à perpetuidade dos empréstimos, declarando solenemente que a perpetuidade era uma forma jesuítica que não se coaduna com os modernos pensamentos financeiros.
Sr. Presidente: a perpetuidade dos empréstimos será uma forma jesuítica, como S. Ex.ª disse, herdada do regime absolutista em Portugal; mas, todavia, ela não é tam defeituosa como S. Ex.ª pertendeu fazer crer.
Quando, o Sr. Barros Queiroz discursava a êste respeito, eu fiz um àparte, e houve um ilustre parlamentar que se sorriu. A êsse ilustre parlamentar, que ainda vai entrar na discussão, eu terei ocasião de dizer que a razão estava comigo, e não com S. Ex.ª
A perpetuidade dos empréstimos, apesar dos defeitos, tem servido muito aos Estados, tem servido muito a Portugal.
Sabe. V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a nossa história teria sido outra se não tivéssemos usado dêsse antigo sistema de vender juros. Foi com juros vendidos que fomas às descobertas e conquistas; foi com juros vendidos que descobrimos o Brasil; foi com juros vencidos que reconquistámos Síria e descobrimos a Índia.
Eu entrego-me muito a êstes, estudos, e devo dizer à Câmara que é minha opinião que sem a política dos juros vendidos, sem a política da perpetuidade dar nossa dívida pública, teria sido outra a vida de Portugal.

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Não quero conversões como se fizeram em Portugal no tempo da monarquia constitucional, porque nessa ocasião conversão queria dizer fraude, roubo. Todavia, no regime absoluto fizeram-se em Portugal conversões que foram grandes actos de administração financeira, sendo quási todas facultativas.
A primeira conversão foi feita em 1582 para a dívida contraída por D. João III, passando os juros de 12,5 por milhar para, 16 por milhar, que é como quem diz 8 para 6 por cento.
Sr. Presidentes: consultando as crónicas sôbre a dívida, encontram-se algumas passagens interessantes e que podem ser aplicadas à situação que passa.
Conta-se que o Ministro das Finanças, de D. João III, encontrando o Tesouro do País numa situação verdadeiramente aflitiva, mandou chamar dois homens velhos, e bons, daqueles que tinham mais prática dos serviços da Fazenda Pública, aos quais expôs o estado das finanças recais, e preguntou-lhes se haveria maneira de sair daquela situação desgraçada.
Um dêles declarou que nunca tinha havido, memória duma situação tam difícil o que havia de ser muito difícil sair dela; o outro respondeu que condições piores já o País tinha experimentado, conseguindo sair-se delas e que portanto plena haver confiança e esperança.
Eu sou como êste segundo conselheira e são estas esperanças que me inspiram na luta em que estou empenhado.
É verdadeiramente fantástica a maneira, como apareço a minoria monárquica a contestar a autoridade da República no empréstimo em discussão.
A minoria monárquica, como disse o Sr. Barros Queiroz, não tem fôrça nem autoridade política para poder dizer que êste empréstimo é monos conveniente aos interêsses da Nação.
A êste respeito de empréstimos, o celebérrimo empréstimo dos tabacos e outros, tiram todo o valor de contestação aos partidários do regime deposto.
Eu vou explicar à Câmara a razão do meu aparto às considerações do Sr. Barros Queiroz.
Quando foi feito êsse empréstimo, o Govêrno de então encontrava-se numa situação difícil, pois tinha antes disso contraído um empréstimo a curto prazo o não maneira de efectuar o pagamento.
Mandou o conde de Burnay a Paris para arranjar dinheiro.
Caso curioso: os tomadores do novo título disseram: «não temos dinheiro para dar ao Estado; temos obrigações que estamos prontos, a entregar».
E foram essas obrigações que serviram, amortizadas num período, muito mais largo que nem sequer tinham cotação, nos mercados estrangeiros.
O Estado ficou prejudicado em milhares de contos.
Estou no final das minhas considerações, e creio ter respondido ao Sr. Barros Queiroz.
Devo ainda dizer que é preciso procurar evitar esta queda ruinosa em que vamos, evitar uma maior desvalorização da moeda, evitar que caiamos no precipício para que vai êste País.
Sr. Presidente: torna-se necessário que o Parlamento, o Banco de Portugal e toda a Nação só convençam do que é indispensável acabar por todas as for-mas com essa política fácil pio aumentar a circulação fiduciária, a qual nos poderá trazer as maiores surpresas o os maiores desgostos.
O Sr. Júlio de Vilhena, quando da discussão pia lei orgânica do Banco do Portugal nesta casa do Parlamento em 1887, disse que era preciso evitar que no futuro o Banco de Portugal só transformasse numa fábrica do moeda falsa.
É nossa obrigação trabalhar para que não se cumpram os vaticínios daquele ilustre homem público. Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicada na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que continue em discussão a proposta do empréstimo com prejuízo da segunda parte da ordem do dia.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente? tendo pedido a palavra sôbre a

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ordem e nos termos do Regimento vou mandar para a Mesa a minha moção.
Sr. Presidente: se fôsse necessário ainda uma demonstração da maneira verdadeiramente desastrosa o ruinosa por que os Governos da República têm administrado os dinheiros públicos, a proposta» em discussão dar-nos-ia essa demonstração.
Sr. Presidente: a situação financeira do nosso País desceu tanto, que o Estado para pedir emprestado tem de lançar mão duma operação, que na verdade não é uma operação de crédito; não passa de um pregão de descrédito, pois é uma confissão de insolvência, é uma confissão pública de que o Estado não merece a mais ligeira confiança.
Dir-se há, Sr. Presidente, que a República se encontra inteiramente perdida, que a República se sente asfixiar na atmosfera de descrédito, que é obra sua.
Sr. Presidente: é nestas circunstâncias, miando sé traía de assunto como são da mais alta importância, que a Câmara resolve não dar aos Deputados o tempo necessário para apreciarem as propostas marcadas para ordem do dia, e bem assim que se discuta ao mesmo tempo um assunto como êste do empréstimo que é da mais alta importância.
Sr. Presidente: isto não é sistema e não é sem o meu protesto que isto se faz, pois a verdade é que desta forma se não pode produzir trabalho útil.
Sr. Presidente: a proposta em discussão conforme, eu digo no primeiro considerando da minha moção, briga com o disposto no artigo 79.º do Regimento desta Câmara.
É uma mistura de propostas, contraditórias entre si, embora cada uma delas. seja da mais alta importância.
O Sr. relator persentiu perfeitamente as objecções que a êste respeito se poderiam levantar, e então, antecipadamente, vem dizer-nos que a emissão de um empréstimo, que o aumento da circulação fiduciária, que a conversão de títulos, que a criação de cédulas subsidiárias da responsabilidade do Estado, que tudo isso está Intimamente relacionado, expressando-se assim:
Como se vê esta propostas.
Com esta relação que S. Ex.ª aqui expõe, é evidente que não há assuntos nenhuns que não tenham entre si relação.
Isto faz-me lembrar a história do cão que morde no gato, que papa o rato, que rói o cebo, que unta a corda...
O Sr. relator dirá que o cão está em íntima relação com o cebo.
Sr. Presidente: diz-nos a comissão de finanças que o Govêrno e a Câmara, por meio desta proposta, afirmam uma finalidade financeira.
Encontra-se esta asserção na p. 8 do relatório.
O Estado afirma uma finalidade financeira; o desejo de valorizar a sua moeda.
Ora eu proponho-me demonstrar, e é êsse um dos considerandos da minha moção, que a proposta que está em ordem do dia, longe de poder contribuir para o melhoramento da nossa situação cambial, antes a vem agravar.
Sr. Presidente: o Govêrno pretende lançar um empréstimo e poderia, para o fazer, lançar mão de um dos dois processos que, por assim dizer, são clássicos a êste respeito.
Poderia lançar um empréstimo interno, cuja produtividade seria em escudos, más cujos encargos em escudos serão também, ou então recorrer deliberadamente a um empréstimo externo cujos encargos seriam em ouro, mas cujo produto em ouro seria também.
Mas o Govêrno preferiu usar um processo híbrido, novo, de marca genuinamente republicana, e vem por isso apresentar-nos uma proposta de empréstimo que de ouro só tem o nome, porque não passa afinal de um empréstimo em escudos e em escudos desvalorizadíssimos.
Eu ainda compreenderia, se se tratasse de um empréstimo em ouro destinado a obter uma massa grande de libras, um caudal de ouro, para empregar o termo do ilustre relator, que se sujeitasse o contribuinte a pesados encargos; mas sujeitá-lo ao pagamento de taxas que eu não tenho dúvida em classificar de usurárias, para não obter senão escudos, é que ú. tudo quanto há de mais inadmissível.
Sr. Presidente: V. Ex.ª decerto já deve ter notado que sempre que dêste lado da Câmara se fazem as mais ásperas censuras à situação financeira a que a República nos arrastou, se faz a objecção de que a nossa situação financeira não é tam má como a apontam e que outros países, de muito maiores recursos que o

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nosso, atravessam neste momento, uma situação bem mais angustiosa.
Entre êsses países, cita-se a cada passo a Alemanha.
Ora eu tenho aqui presente um número do jornal Le Temps, de 22 de Fevereiro de 1922, em que se fala dum empréstimo em ouro que a Alemanha procura lançar, um empréstimo de 200. 000:000 de marcos-ouro.
Vejam V. Ex.ªs pela leitura dêsse artigo, a primeira diferença, e radical que separa a proposta de empréstimo do Govêrno Português da do Govêrno da Alemanha, que os Srs. Deputados republicanos aqui continuamente apresentam como estando em situação bem pior do que a nossa, mas, que apesar disso pretende lançar um empréstimo não em marcos desvalorizados, mas em títulos estrangeiros, divisas ou bilhetes de bancos estrangeiros.
O fim dêsse empréstimo parece consistir em liberar, em parte, importantes reservas de divisas estrangeiras que se encontram no país.
O Govêrno da Alemanha pediu um empréstimo em dólares e os juros pagos em marcos ao câmbio do dia.
Veja V. Ex.ª a diversidade fundamental que existe entre esta proposta do Govêrno Português, que estamos discutindo, e a proposta de empréstimo do Govêrno Alemão.
Eu compreendia êste empréstimo, se fôsse feito em ouro, mas em escudos não o compreendo.
Sr. Presidente: diz a emenda apresentada pela comissão, ao artigo 3.º, que o encargo dó empréstimo não passa de 15 por cento.
Sr. Presidente: sendo assim, o Sr. Ministro das Finanças não poderá obter juro inferior a 15 por cento.
Disse há dias o Sr. Ministro das Finanças que tinha entabulado negociações com um grupo de capitalistas brasileiros, para negociar êste empréstimo.
Se não estou em êrro, tiro desta afirmação do Ministro das Finanças a conclusão de que já não é possível obter dinheiro a uma taxa efectiva a 15 por cento.
Então eu pregunto: vamos assumir uma responsabilidade desta natureza obrigando ao pagamento de uma taxa de 15 por cento para recebermos 43 por cento pouco mais ou menos de metade do empréstimo?
O Estado vai assumir um encargo de 5 por cento ficando devedor de 4 milhões de libras?
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — O Estado fica devedor de uma renda e não de um capital.
O Orador: — Diz V. Ex.ª que não é um empréstimo amortizável, mas uma dívida fundada.
O que é certo, porém, é que êsse empréstimo sendo apenas um milhão e setecentas mil libras; o Estado fica devedor de quatro milhões de libras.
Durante todo o tempo em que o Estado estiver sem pagar o empréstimo, tem de dar 15 por cento, pois que 6 e meio por cento sôbre 4 milhões equivalem a 15 por cento sôbre um milhão e setecentas mil libras.
Que importa que o câmbio melhore se as libras são sempre libras?
Disse o Sr. relator que não há a obrigação de amortizar, mas isso não impede que o Estado seja devedor dêste montante.
O Sr. relator mostrou à Câmara que tinha qualidades excepcionais de romancista.
Diz o Sr. relator que êsses quinze por cento são o encargo máximo, mas que êsse encargo de 15 por cento começa a deminuir — e agora estou chegando ao ponto das considerações de S. Ex.ª para que chamou a minha atenção- começa a deminuir à medida que as condições do câmbio forem melhorando. Essa é a convicção do Sr. relator, mas se S. Ex.ª se enganar?
Se o câmbio, em vez de melhorar, piorar?
Não serão então os 15 por cento mas 20, 30 ou 40 por cento.
O Sr. Velhinho Correia: — O fim do fim.
O Orador: — Como V. Ex.ª não tem na mão a certeza de que o câmbio melhore, não compreendo como a Câmara queira assumir a responsabilidade de votar uma proposta desta natureza.
S. Ex.ª concorda que se o câmbio se agravar será o fim do fim; ora, como todas as

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probabilidades são, infelizmente de que o câmbio se agrave, e mais do que isso; nos teremos de lançar na circulação efectiva não só os 200:000 contos de notas que se vão cambiar, mas aquelas que estão arrecadadas nas burras e que venham para o mercado, e á conclusão a tirar, a previsão a fazer é de que o cambio passa a agravar-se e então, como S. Ex.ª confessa, será o fim do fim.
Pregunto: sendo assim, temos nós o direito de ir votar uma proposta que pode trazer essas consequências?
Pode não trazer é certo, mas pode também trazer.
O Sr. Velhinho Correia: — Eu disse que será o fim do fim quando S. Ex.ª falou 20, 30, 40 por cento. O fim do fim não seria pelo facto de o câmbio se agravar, porque é uma cousa corrente, mas sim se chegássemos às tais cotações que V. Ex.ª previu na sua última escala. Só nesse caso extremo seria o fim do fim.
O Orador: — Já não quero figurar essa hipótese; basta-me, Sr. Presidente, para que eu seja levado a rejeitar in limine êste empréstimo, que o câmbio já não digo que se agrave mas que não melhore.
Sr. Presidente: parece-me que ainda tenho nos ouvidos as declarações, a promessa formal, feita no ano passado, nesta Câmara pelo Sr. Portugal Durão, quando agitava os 3 milhões de libras inglesas, de crédito sôbre Inglaterra e nos dizia: o câmbio vai melhorar.
Dir-me há o Sr. relator: isso era um credito, mas é a mesma cousa porque dinheiro que não sai é dinheiro que se deixa de ir buscar ao mercado.
Diz ainda o Sr. relator que êste empréstimo vai melhorar muito a divisa cambial, porque evita o recurso a circulação fiduciária.
Ora, Sr. Presidente, ainda que o empréstimo trouxesse como consequência o não se recorrer à circulação fiduciária, a conclusão a tirar seria, não que o cambio ia melhorar, mas tam somente que o câmbio não se ia agravar.
Sr. Presidente: o ilustre relator cujas qualidades de romancista eu já há pouco elogiei, foi até ao ponto de dizer que o producto dêste empréstimo era para retirar notas da circulação fiduciária.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª e a Câmara que à propósito cite uma anecdota, mesmo porque o assunto é árido.
Quando Miguel Angelo pintava a Capela Síxtína, entre as figuras que desenhou e que revelam a mestria que todos lhe reconhecem, havia algumas mulheres que se apresentavam quási despidas.
Isto motivou os reparos de um Sr. Cardeal, que se foi queixar ao Papa, dizendo que aquelas figuras eram imorais.
Sua Santidade chamou á atenção de Miguel Angelo para o caso, o qual jurou vingar-se do Cardeal que o havia ido denunciar.
Assim, tendo de pintar um painel que representava o Inferno, pôs lá êsse Cardeal, que, ao ter conhecimento do facto, novamente se foi queixar á Sua Santidade.
Diz-lhe o Papa: mas êle colocou-o no Purgatório?
Não; foi no Inferno, respondeu o Cardeal.
Se êle o tivesse pôsto no Purgatório, podia ainda dar-lhe remédio, mas no Inferno, não posso, porque alma que lá caia, nunca mais de lá sai.
É o que sucede com as notas do Banco de Portugal; uma vez saídas para a circulação, nunca mais de lá saem.
Portanto, pelo que diz o artigo, parece-me ousada, permita-me V. Ex.ª a expressão, a afirmativa do Sr. relator; quando diz que o produto do empréstimo se destina á converter às notas lançadas na circulação fiduciária.
O Sr. Velhinho Correia: — Mas há uma emenda a êsse texto.
O Orador: — Lá vamos.
Dêste modo, a afirmação do Sr. relator não passa de uma forma de lançar poeira nos olhos do público.
O que se pretende é um novo aumento de circulação fiduciária, sem se ter a franqueza de dizer qual é o seu montante.
Quem ler desprevenidamente a proposta, pode ter a impressão de que êle não vai além de 160:000 contos, mas, lendo-se com atenção, fàcilmente se verifica que vai além de 200:000 contos.
Assim, declaradamente fica o Govêrno autorizado a aumentar 160:000 contos de circulação fiduciária, sendo 10:000 para

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a circulação privativa do Banco, por cada 70:000 que o Govêrno lançar, o que corresponde a 20:000 contos.
Isto além dos 40:000 contos de nova moeda subsidiária, que também se pretende lançar em circulação.
Àparte do Sr. Velhinho Correia que não se ouviu.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ª do que faltam, apenas cinco minutos para se entrar no período de antes de se encerrar a sessão.
V. Ex.ª deseja concluir ou ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Fico com a palavra reservada.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: peço ao Sr. Ministro das Finanças a fineza de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério as seguintes considerações:
Como prova da liberdade dêste regime, como prova dos processos seguidos pelas autoridades, como sanção dada a todos os actos de banditismo cometidos pelos desordeiros, na sexta-feira última, antevéspera do acto eleitoral, um empregado das Juventudes Monárquicas Conservadoras, excelente chefe de família o homem pacatíssimo, foi raptado, para nunca mais tornar a aparecer, apesar de a família o outras pessoas só terem farto de o procurar.
Foram à esquadra das Mercês saber se tinha sido preso.
Responderam que não.
Foi procurado no Govêrno Civil; porém a resposta qure lhe deram foi de que não estava lá ninguém com aquele nome.
A família procurou-o por todos os pontos, isto é, no hospital e na morgue, ninguém lhe sabendo dar notícia dele.
Só na segunda-feira lhe foi dito no Govêrno Civil que êle estava preso e incomunicável.
Eu pregunto realmente ao Sr. Ministro das Finanças, se isto é procedimento defensável.
Isto é tudo quanto há de mais revoltante, e por isso peço ao Sr. Ministro das Finanças o obséquio de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério as considerações que acabo de fazer para que S. Ex.ª tome as providências necessárias, a fira. de que êstes casos se não repitam, pois a verdade é que não podemos continuar a viver num regime dêstes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério as considerações que S. Ex.ª acaba de fazer.
Devo porém dizer-lhe que tenho quási a certeza de que o caso se não devo ter passado da forma como S. Ex.ª indicou à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é logo às 21 horas, com a ordem que está indicada.
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O REDACTOR — Herculano Nunes.

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