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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 55
(NOCTURNA)
EM 20 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex.mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 50 Srs. Deputados, é lida a acta que se aprova quando há número regimental.
Ordem da noite. — Prossegue a discussão do Orçamento Geral do Estado.
Usa da palavra o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
Esgotada a inscrição, passa-te à votação das moções.
É rejeitada a do Sr. Barros Queiroz. Em contraprova, confirma-se a rejeição.
É aprovada a moção do Sr. Jaime de Sousa. Em contraprova, confirma se a aprovação.
É rejeitada a questão prévia apresentada pelo Sr. Alberto Xavier que, por lapso, não foi submetida à votação antes de o serem as moções.
É rejeitada a moção do Sr. Tôrres Garcia. Em contraprova, confirma-se a rejeição.
É rejeitada a moção do Sr. Pires Monteiro. Em contraprova, confirma-se a rejeição.
É votado na generalidade o Orçamento.
Passa a discutir-te na especialidade o orçamento do Ministério do Interior.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
E pôsto à discussão o capítulo 1.º
Usam da palavra os Srs. Paulo Cancela de Abreu e Ministro das Finanças.
É aprovado o capítulo 1.º
Requerida a contraprova, verifica-se não haver número.
Procede-se à chamada.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 22 horas e 12 minutos.
Presentes à chamada 50 Srs. Deputados.
São os seguintes Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Angelo do Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
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Diário da Câmara dos Deputados
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa Coutinho.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
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José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente (às 22 horas e 10 minutos): — Responderam à chamada 50 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se a acta.
O Sr. Presidente (às 22 horas e 20 minutos): — Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está em discussão a acta.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na
ORDEM DA NOITE
Orçamento Geral do Estado
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: é deveras difícil, passados tantos dias depois que se iniciou a discussão do Orçamento Geral do Estado, poder responder às diversas considerações apresentadas pelos oradores que entraram nesta discussão.
Apesar do cuidado que tive em ouvir atentamente as considerações feitas, e dos apontamentos que tomei, a verdade é que, por mais fiel que seja a minha memória, não há maneira de reter a recordação do que aqui se disse.
É assim, eu tenho de pedir desculpa aos diversos oradores se porventura algumas das considerações apresentadas ficarem sem resposta.
Começando por responder a S. Ex.ª o Sr. Barros Queiroz, que sinto não ver presente, tenho a dizer que eu não posso deixar de estar de acôrdo, de uma maneira geral, com as considerações produzidas por êsse ilustre Deputado.
Referiu-se S. Ex.ª às vantagens que havia em se lazer uma discussão ampla do Orçamento.
Perfeitamente de acôrdo.
Essa discussão seria vantajosa se fôsse de uso apresentar parecer sôbre o Orçamento em geral, mas, da maneira que a discussão tem sido feita, quere-me parecer que ela apenas tem servido para perdermos tempo, porque as considerações produzidas não se referem à generalidade do Orçamento, mas entraram já na análise dos diversos Ministérios.
Assim, por exemplo, no que diz respeito ao orçamento do Ministério da Guerra, quási seria desnecessário fazer a sua discussão na especialidade, de tal maneira êle foi já versado na generalidade.
Sr. Presidente: quero tomar pouco tempo à Câmara, mas não posso deixar de responder a um ponto a que todos os oradores se referiram: é aos inconvenientes que S. Ex.ªs encontraram na divisão de despesas naturais e despesas transitórias.
Se na verdade o Orçamento apenas viesse com os elementos de estudo, compreendia-se que a discussão resultasse inconveniente sob essa forma. Mas tal não se dá, e creio que nunca ninguém se lembrou do atacar um Ministro pela forma que êle dá ao seu relatório.
A lei de receitas e despesas tem de ser apresentada em harmonia com a lei de contabilidade pública, e nas leis de con-
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tabilidade pública as despesas e receitas dividem-se era ordinárias e extraordinárias.
O que se apresentou foi apenas como um elemento de estudo e não me parece que seja assim tam disparatado nem tam levianamente calculado como aqui se afirmou.
Eu vi que da maior parte dos oradores que tomaram parto na discussão houve um êrro quando partiram do princípio que o Ministro das Finanças pensava para breve numa estabilização com o câmbio que dêsse a libra a 9$.
Não foi essa a idea ao dividirem-se as despesas em normais e transitórias.
Nós entendemos que devíamos partir do princípio de que se amanhã tivéssemos a moeda ao par qual seria o preço da vida em Portugal.
Foi isso que eu calculei, como já tinha sido calculado no ano anterior.
Nós pretendemos conhecer quais seriam os nossos encargos se a moeda estivesse ao par.
Para se ver que êsses números não foram tomados ao acaso, eu vou mostrar à Câmara o número índice do último ano e que tenho aqui.
Nós vemos por exemplo que a Inglaterra tinha o índice, em Janeiro dêste ano, de 198.
Quere dizer, a vida tinha aumentado 98 por cento.
Depois temos, por exemplo, a Dinamarca, que é um país também de regime ouro, que tem o índice de 180, o Japão com 190, a Suíça com 163.
São estes os países que têm o padrão-ouro.
Vêem, portanto, V. Ex.ªs que não é um disparate assim tam grande como o quiseram apresentar, e que não houve intuito nenhum de exagerar. O que houve foi da parte de alguns Srs. Deputados um engano ao confundirem desvalorização cambial com aquilo a que eu pretendia referir-me, e que era apenas o aumento do custo da vida em condições perfeitamente normais.
Um outro assunto que foi também muito debatido e que causou em quási todos os oradores que tomaram parte na discussão, mas principalmente no Sr. Cancela de Abreu, uma grande impressão, é a divisão, feita no relatório, em situação financeira antes da guerra, durante a guerra e depois da guerra.
Também posso bem com essa responsabilidade, embora eu não me possa orgulhar da descoberta.
Ela não é minha, por isso que eu não fiz mais do que seguir aquilo que têm feito quási todos os outros países.
8e qualquer Sr. Deputado consultar os orçamentos que são apresentados nos diversos países, verá que em todos êles se faz um estudo da situação antes da guerra, durante a guerra e depois da guerra.
Na última conferência de Génova os vários países que apresentaram relatórios sôbre a sua situação financeira seguiram exactamente o mesmo sistema.
Quem ler o relatório publicado no Times sôbre a situação financeira da Inglaterra, relatório êsse aparecido há poucos dias, verá que na Inglaterra ò orçamento oficial começa no ano de 1914.
A única novidade que tem o Orçamento português, em relação aos orçamentos dos outros países, é que em Portugal é feita a comparação de antes da guerra nos anos do 1910 a 1914. Mas, na. verdade, tendo havido uma mudança de instituïções, era natural que. se aproveitasse a história financeira dêsse período, que marca uma transformação grande da sociedade portuguesa. Por isso, nos mapas que acompanham o Orçamento encontram-se referências a três anos de administração monárquica: os anos de 1907-1908, de 1908-1909 e 1909-1910.
Portanto, não se pode dizer que houve idea reservada de não querer mostrar quais eram os resultados da administração monárquica. Como todos reconhecem, apresentar mapas dum largo período tornaria muito volumoso o projecto do Orçamento.
Todos os oradores abordaram, como é natural, a questão do quantitativo do deficit, que é, na verdade, a mais importante. Podem V. Ex.ªs calcular que me foi desagradável apresentar o Orçamento com deficit. Se o não apresentei sem deficit ou com um deficit atenuado foi porque entendi que o Orçamento deve ser feito com toda a verdade e consciência. Fui atacado de optimista, mas se o quisesse ser fácil me era; todavia, seria enganar a Câmara e o país.
Disse-se que eu exagerei, o cálculo re-
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lativo à verba fixada para o imposto das transacções. Não há dúvida de que quando fiz o Orçamento não tinha ainda elementos seguros para saber a quanto montaria a cobrança dêsse imposto, mas à medida que o tempo vai decorrendo vai-se-me arraigando a convicção de que a verba não está exagerada, a não ser que os factos que se derem no nosso país sejam diferentes dos que se dão nos outros.
Mas eu não preciso mesmo que o imposto em Portugal tenha aquele aumento que acusava quando começou a ser aplicado em França, para dizer que não é exagerada a receita de 120:000 contos. São resultados absolutamente animadores, comparados com os que se obtiveram em França, e isto apesar de haver concelhos em que o imposto de transacção não está em vigor por não haver funcionários nas respectivas secretarias.
Há um concelho em que o imposto cobrado foi de 8 contos e outro em que ainda não há cobrados 100?? por falta de funcionários. E, a propósito, devo dizer que esta Câmara está tomando uma responsabilidade enorme pela demora que têm havido no que respeita à discussão da proposta que eu tive a honra de apresentar ao Parlamento sôbre o preenchimento de lugares nas secretarias de finanças.
Posso dizer que já é de muitos contos o prejuízo que daí advém para o Estado. Basta dizer que há uma repartição num concelho onde o serviço fica a cargo dum Fiscal dos impostos.
Um secretário do finanças não se faz senão no fim de muitos anos, e por isso é preferível por vezes mandar um empregado para quatro concelhos, a entregar o serviço a um indivíduo que nunca o tivesse executado.
Mas, voltando, Sr. Presidente, ao imposto de transacção, direi que realmente êle nos primeiros meses deu pouco, mas que nos meses de Dezembro e de Janeiro andou por 4:000 e 5:000 contos. Relativamente a Fevereiro ainda não tenho os números, mas devo dar um número superior àqueles.
Quando, Sr. Presidente, um imposto já chegou a êstes resultados nos primeiros tempos da sua execução não é de estranhar que êle de futuro comece a dar o dôbro do que actualmente está a dar. Todavia, há uma rectificação a fazer, e que farei quando passarmos à discussão na especialidade. O cômputo deve ser 108:000 contos, pois que 12:000 devem passar a ser escriturados como imposto alfandegário.
Mandou-se considerar como imposto de transacção nos primeiros tempos, mas tendo havido reclamações por causa do lançamento da sobretaxa de 75 por cento em que havia vários interessados, e que diziam que êsse imposto não era de transacção, foram consultar as estações competentes e foi deliberado ser considerado como imposto aduaneiro e não como imposto de transacção. Portanto, é apenas uma modificação de termos e na verdade é uma ligeira redução na parte correspondente aos 75 por cento que é destinado ao emprego das subvenções. É preciso notar que nestes números que acabo de dar à Câmara não estão incluídos todos os impostos de transacção; nestes números não estão incluídos os 75 por cento.
Sr. Presidente: também uma outra verba foi acusada de estar exagerada: é a verba da contribuïção industrial. Tanto ela não está exagerada que eu, quando fôr êste orçamento discutido na especialidade, hei-de propor um aumento e trazer os elementos necessários para provar que nunca tive o costume de enganar o País, nem o Parlamento, e que na verdade os cálculos que fiz estão feitos com rigor quanto à sua aplicação e nunca com fantasia.
Sr. Presidente: um outro ponto também a notar é o imposto da aplicação do capital. Está calculado ainda em 10:000 contos em proposta do orçamento. Também posso garantir a V. Ex.ªs que na especialidade apresentarei uma proposta para que o rendimento dêsse imposto seja elevado ao dôbro e também possuo documentos para provar que êste imposto não é exagerado.
Mas notem V. Ex.ªs, com as propostas que eu trouxe, de contribuïção de registo e imposto de sêlo, parece-me que não há-de ficar um deficit muito elevado.
Quanto à questão cambial, desejo calcular a média do ouro que temos a adquirir. Não deve esquecer a Câmara que o Orçamento e uma provisão.
Quanto ao ágio do ouro, não é demasiado calcular em 1:500 porque na ver-
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dade a queda da nossa moeda, a sua depreciação tem sido um caso tam anormal, que não é de espantar as circunstâncias várias ocorridas, sendo muito curiosos os ataques feitos acerca dêste ponto.
Tenho aqui um relatório apresentado pelo Sr. Barros Queiroz, acerca de um orçamento anterior, em que S. Ex.ª mostrava um certo defeito que era o ser optimista e em esperar uma melhoria que o câmbio não admitia, visto que o ágio era bastante elevado.
Pela minha parte eu quis organizar um trabalho tam consciencioso como era possível, e assim quis apenas servir-me dos elementos dados pelos anos anteriores.
Atacaram-me também alguns membros da oposição pelo facto do empréstimo, dizendo que êle nos trará a ruína.
Eu não venho agora para aqui discutir o empréstimo, mas não posso deixar de dizer que êle pelo menos contribuiu profundamente para o saneamento da nossa situação financeira e mesmo até para a nossa melhoria cambial, e se assim não fora não se explicava o modo por que os interessados estão pretendendo estrangulá-lo.
Mais uma vez me vou referir ao Sr. Barros Queiroz e lastimo não o ver presente.
Vou analisar um estudo que S. Ex.ª fez. O número que S. Ex.ª apresentou sôbre o valor da riqueza nacional não está nada de acôrdo com o verdadeiro número.
Subsistências é todo o que é necessário; a vida não é só alimentação; há que contar com o vestuário e a habitação, é isso tudo que deve ser englobado como subsistências.
O Sr. Barros Queiroz dá para média 80$ por mês.
Isto poderá ser um mínimo, mas como média não posso aceitar.
Mas é curioso que o Sr. Barros Queiroz a propósito dêste valor dizia que o imposto de transacções não poderia dar de forma nenhuma mais do que 172:000 contos.
Mas êle dá-o já, e juntando mais 75 por cento, dá mais ainda.
Diz mais o Sr. Barros Queiroz que não pode fazer considerações sôbre a proposta orçamental como era seu desejo porque, sob o seu ponto de vista, eu tenho de estar de acôrdo com S. Ex.ª, de acôrdo com todos os protestos que se façam nesse sentido, porque, já tive ensejo de dizer nesta Câmara, não,são poucas as vergonhas por que temos passado lá fora, pelo atraso da nossa estatística, não porque os meus colegas que estão à frente dêsse serviço não tenham empregado os seus esfôrços, mas sim devido a outras considerações a que estão, ligados êstes serviços, e devo dizer aos Srs. Deputados que daqui a poucos dias tenciono trazer ao Parlamento uma proposta tendente a obviar, quanto possível, a tais inconvenientes.
Efectivamente é uma vergonha o que se está passando; já tive ocasião, de referir que em 1920, em Bruxelas, quando foram distribuídos os trabalhos para a Conferência Internacional, a que concorreram 38 nações, havia uma só que não concorrera com os seus dados estatísticos, e creio que era Portugal, quando havia outros países apenas com 3 e 4 meses de existência que já tinham apresentado os dados estatísticos, como por exemplo a Finlândia.
Infelizmente êsse estado de cousas não tem melhorado, não obstante o esfôrço do ilustre director geral dêsse serviço, o Sr. Vitorino Godinho, mas a verdade é que, devido a esta malfadada lei n.º 1:355, não se têm melhorado êstes serviços de estatística.
Veio depois a lei das subvenções, acabando com os serviços extraordinários, uma medida que foi aqui votada com entusiasmo, com princípios mais equitativos, e V. Ex.ª não calcula os prejuízos enormes que isto tem causado ao Estado e as injustiças a que dá lugar.
O Sr. Carvalho da Silva: — Garanto a V. Ex.ª que o entusiasmo não foi nosso, tanto que não a aprovámos.
O Orador: — Sr. Presidente: há efectivamente uma cousa a que é preciso acudir, e que é para lastimar: o facto das contas não estarem publicadas, devido à Imprensa Nacional não ter verba para material, nem para o pessoal necessário para fazer a sua publicação.
O que posso garantir a V. Ex.ª é que as contas estão na Imprensa Nacional, há muitos anos e que da parte da contabilidade não há atraso de maior na apre-
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sentação das contas, e a prova disso, é que nessa conferência em que tinha estado, como já disse, passámos pela vergonha de não apresentarmos os dados estatísticos; nunca ficámos envergonhados nas contas da contabilidade, porque ninguém tinha as contas mais em dia, do que nós, e nunca faltam os elementos precisos.
Devo fazer esta justiça, porque os funcionários que estão à frente dêsses serviços são zelosos e cumpridores dos seus deveres e por isso calculam V. Ex.ªs a preocupação e os desgostos que êle tem com os ataques do que está sendo vítima, pois que os documentos têm sido entregues na ocasião oportuna à Imprensa Nacional.
Todavia eu empregarei todos os esfôrços para que êste estado de cousas termine e o caso seja pôsto em dia.
Também, Sr. Presidente, duma maneira geral, me foram pedidas providências sôbre serviços autónomos.
Devo dizer que, se essas contas não estão organizadas, a culpa será em parte, pelo menos, do Parlamento, embora também possa haver alguma pelo lado do Ministro.
Os orçamentos de tais serviços têm vindo ao Parlamento.
E então porque não se tem discutido completamente e porque se não têm pedido todos os esclarecimentos?
As vezes descobrem-se serviços autónomos, como, por exemplo, sucedeu com um serviço respeitante ao Ministério da, Guerra, tendo-se arranjado uma conta especial.
Mas, Sr. Presidente, quando se fizer a discussão dos orçamentos em questão, veremos então como êles estão organizados.
Os serviços dos Seguros Sociais têm ainda vindo incluídos no Ministério do Trabalho, mas porque não estão completamente em execução e ainda não tem todas as receitas próprias; e assim, não se bastando completamente, não havia possibilidade de os separar do respectivo Ministério.
Ainda, Sr. Presidente, sôbre serviços autónomos, devo informar que os serviços da Exploração do Pôrto de Lisboa estão organizados de forma a não se pedir nada ao Estado, porque têm receitas, suficientes para se bastarem.
Espera-se que o mesmo suceda com relação aos correios e telégrafos e com os caminhos, de ferro do Estado.
Vamos a ver se principalmente no que diz respeito a êstes últimos serviços, podemos reduzir as despesas e melhorar as receitas.
Sr. Presidente: também na discussão do Orçamento se têm feito ataques em relação ao pão político, dizendo que só estiveram a ceder cambiais à moagem ao câmbio de 3 7/8.
Não é verdade. O câmbio não é um câmbio certo, porque senão poderia dar lucros exagerados; o que se faz é o câmbio necessário para que o trigo seja entregue às fábricas pelo preço marcado pela lei, pelo regime cerealífero, e só a primeira operação é que foi ao câmbio referido, as outras têm sido por câmbios mais elevados.
Sr. Presidente: também um dos ilustres oradores, parece-me que o Sr. Barros Queiroz, referiu-se a comissões diplomáticas, e disso que não podia concordar de forma nenhuma com o que se está passando, que o Govêrno preenchia certos cargos só para servir interêsses particulares, interêsses partidários.
Contra essa insinuação, Sr. Presidente, eu tenho de levantar daqui desta cadeira um brado, que posso levantar até em nome do meu Partido: êsse Partido não tem correligionário nenhum em qualquer missão diplomática.
Fizeram-se aqui acusações de que se estavam fazendo despesas exageradas com os nossos representantes, devido a interêsses partidários.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não estava presente e por isso não pôde desmentir essa acusação que é infundada.
Também durante a discussão tive ensejo de observar uma cousa: é que se pede constantemente ao Ministro que traga muitas medidas. Eu preguntarei: para quê? Para gastar papel e fazer maior despesa com. a impressão do Diário do Govêrno?
Não vejo que haja vantagem em trazer certas medidas que dizem interessar ao País, mas que ficam dormindo o sono das cousas inoportunas, não havendo maneira de virem à discussão. E, se vêm à discussão, já sabemos o que lhes sucede.
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São de tal maneira atacadas, combatidas, que fazem desanimar aqueles que se sentam nestas cadeiras, fazendo-lhes perder a energia, por maior que seja o desejo de bem servir o País.
Também foi feita a acusação de que se podiam evitar certas despesas.
Também posso perfeitamente repelir essa acusação, porquanto os maiores desgostos que tenho sofrido na minha vida política têm sido por não ter consentido nesta pasta que se gastem dinheiros que acho absolutamente dispensáveis.
E a êste respeito a Câmara conhece o que se tem passado com as reclamações do funcionalismo, em que há um grande fundo de justiça, porquanto a situação de muitos dos servidores do Estado é angustiosa.
Entendo que o Ministro das Finanças deve opor uma tenaz resistência a todos os aumentos de despesas.
Não deve nunca esquecer o célebre conceito de Thiersque dizia que o Ministro das Finanças deve defender os dinheiros do Estado até à ferocidade.
Parece-me que tenho desempenhado êste papel e continuarei a desempenhar e, quando me sentir sem energia para o desempenhar, abandonarei êste lugar.
Julgo ter respondido de uma maneira geral às considerações oue foram feitas pelos diferentes oradores.
E com respeito ao que disse o Sr. Morais de Carvalho, acerca da dívida pública, quando se tratar da especialidade terei ocasião de me referir a êsse ponto.
Sôbre a parte relativa ao Ministério da Guerra, creio que o ilustre titular dessa pasta já respondeu às considerações que aqui foram feitas.
Falou ainda sôbre o Orçamento o Sr. Paulo Cancela de Abreu que não fez mais do que reeditar a argumentação de que se serviram os seus colegas da minoria monárquica, aos quais já tive ocasião de responder.
S. Ex.ª levantou dúvidas sôbre os números da dívida pública que foram apresentados.
Efectivamente, da leitura do relatório pode depreender-se que houve um aumento da dívida pública.
Daí a razão que assiste a S. Ex.ª quando quere chegar à conclusão de que o Estado gastou mais algumas centenas de milhares de contos além daqueles que constam das contas apresentadas.
A medida que o câmbio vai piorando, vai aumentando o valor representativo da dívida:
E dêsse facto que resulta a diferença extraordinária por S. Ex.ª apontada; quere dizer: essa diferença reside apenas na actualização da nossa dívida ouro...
O Sr. Morais Carvalho: — Desejava que V. Ex.ª atendesse à forma por que vem discriminada no Orçamento a dívida pública em ouro e em escudos.
V. Ex.ª sabe melhor do que eu que no Brasil, onde a diferença é muito grande, há dois orçamentos: um em réis e outro em escudos.
Eu já não queria que cá houvesse dois orçamentos, mas que se fizesse essa diferença.
O Orador: — Já tive ocasião de reconhecer isso, e como sempre costumo falar com toda a lealdade, vejo a necessidade de discriminar essas verbas por outra forma para que no espírito de qualquer pessoa não se forme a dúvida que se forma no espírito do V. Ex.ª
No fim, se V. Ex.ª se dêsse ao trabalho, encontraria os elementos precisos para o elucidar.
Creio ter respondido a todas as considerações, e tenho a pedir desculpa de não ser tam preciso como era necessário, mas, passado tanto tempo, era difícil ter na minha mente as palavras dos oradores, assim como não significa o mais pequeno desprimor, mas sim um preceito regimental, o Ministro falar só uma vez.
Na especialidade, se fôr necessário, eu serei, mais completo.
Tenho dito.
Apoiados.
O discurso será publicado na íntegra quando forem devolvidas, revistas, as respectivas notas taquigráficas.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscrição.
Vão votar-se as moções.
Foi lida na Mesa a moção do Sr. Barros Queiroz.
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É a seguinte:
Moção
Considerando que nenhum país pode viver no regime permanente de deficit;
Considerando que, apesar dos sacrifícios exigidos aos contribuintes, o deficit provável do orçamento em discussão atinge ainda uma quantia enorme;
Considerando que, apesar das promessas do Govêrno, ainda se não fizeram as economias necessárias o possíveis dentro da nossa situação;
Considerando que, ao contrário do que era legítimo esperar dum Govêrno que constantemente afirma o propósito de equilibrar o Orçamento, as despesas constantes das propostas orçamentais são consideràvelmente aumentadas em relação às votadas para o ano económico corrente;
Considerando que a classificação das despesas em normais e transitórias não assenta em princípios fundamentados;
Considerando que o equilíbrio orçamental é uma das condições primárias para a realização da regeneração financeira do país;
Considerando que êsse equilíbrio não pode ser feito exclusivamente à custa do contribuinte, porque o deve ser simultaneamente à custa dêste e da redução das despesas;
Considerando que é indispensável para o prestígio do regime e para decoro da Nação que se observem na aplicação dos dinheiros públicos os mais rigorosos princípios de moral republicana e a mais estrita economia:
A Câmara dos Deputados resolve:
1.º Afirmar o propósito de equilibrar o Orçamento, eliminando dele todas as despesas parasitárias e inscrevendo as receitas compatíveis com a situação do país;
2.º Eliminar do Orçamento a classificação das despesas ou normais e transitórias, e passa à ordem do dia. — O Deputado, Sarros Queiroz.
É rejeitada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 19 Srs. Deputados; em pé 38.
Está rejeitada a moção.
Foi lida na Mesa a moção do Sr. Jaime de Sousa.
É a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, confiando em que o Govêrno, cumprindo as afirmações feitas na proposta orçamental, procurará extinguir o deficit, promovendo o desenvolvimento da riqueza pública, a criação das receitas indispensáveis e a compressão inexorável das despesas, e assegurando-lhe para êsse efeito a mais dedicada colaboração, passa á ordem do dia.
Sala das Sessões, 28 de Fevereiro de 1923. — Jaime de Sousa.
Foi aprovada.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 44 Srs. Deputados; em pé 14.
Está aprovada a moção.
O Sr. Presidente: — Por lapso votaram-se as moções antes de ser submetida à votação a questão prévia apresentada pelo Sr. Alberto Xavier. É essa questão prévia que vai agora votar-se.
Foi lida na Mesa a questão prévia e seguidamente rejeitada. Ei-la:
Questão prévia
A Câmara, reivindicando a plenitude do exercício das suas prerrogativas constitucionais para orçar as receitas e fixar as despesas públicas, reconheceu que se encontra em face dum Orçamento Geral do Estado elaborado em condições caóticas que tornam difícil uma séria fiscalização;
Cônscia de que é primacial dever duma democracia a máxima publicidade financeira, a clareza, a sinceridade e a verdade na exposição dos elementos do activo e do passivo, com os quais se declare ao país, com a possível exactidão, o montante das despesas e a produtividade provável das receitas para cada exercício;
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Considerando que durante quatro anos, económicos, de Julho do 1918 a Junho de 1922, a nação desconheceu, através os órgãos próprios da soberania popular, o estado das suas contas, não tendo havido qualquer debate público e contraditório sôbre tara palpitante e vital assunto;
Tomando nota de que o Orçamento do ano económico corrente, de Julho de 192? a Junho de 1923, foi aprovado rápida e sumariamente, a fim de pôr termo à desordem financeira dos quatro anos anteriores e aos abusos que semelhante situação naturalmente gerou:
Resolve, em questão prévia, antes de proceder à votação da lei de receita e despesa, que é indispensável que o Poder Legislativo reate as suas tradiçõe republicanas, para o que será necessário:
1.º Que se restabeleça, sem demora, o grande princípio da unidade orçamental, que recentes preceitos legislativos quebraram, o que dá em resultado que receitas e despesas dos serviços autónomos figuram em separado, não se tomando integralmente em couta para a determinação global o deficit nacional;
2.º Que se respeite, com a possível aproximação, a grande regra de preparação do Orçamento, a regra da exactidão das previsões, evitando-se dêste modo que por meros artifícios de escrita e optimismos pessoais se falseie a verdade;
3.º Que para êste efeito mester se torna conhecer todos os documentos oficiais, todos os cálculos realizados pelas repartições competentes è que tenham servido, de base para as avaliações;
4.º Que é urgente eliminar do Orçamento as contas especiais, mormente as que dizem respeito a «despesas extraordinárias resultantes da guerra", que durante o decurso das hostilidades foram isentas de qualquer fiscalização, é que era compreensível, para se evitar inconfidências prejudiciais à defesa, da Pátria, mas que é injustificável que permaneçam ainda nessa situação sob o domínio do puro arbítrio governamental, e fora da intervenção prévia mesmo da Direcção Geral da Contabilidade, e do Conselho Superior de Finanças;
5.º Que, como complemento desta obra de reorganização, de ordem, de clareza e de simplicidade, convirá estabelecer uma classificação mais racional é metódica das receitas e das despesas, modificar nalguns preceitos a nossa legislação sôbre contabilidade, visando a possibilidade não só duma fiscalização eficaz pelos órgãos competentes, como principalmente as economias por que todos anseiam para se atingir o equilíbrio orçamental e a moralidade na administração pública.
Sala das Sessões, 2 de Março de 1923. — O Deputado, Alberto Xavier.
O Sr. Presidente: — Está prejudicada a moção do Sr. Manuel Fragoso. Vai ler-se a moção do Sr. Tôrres Garcia.
Foi lida na Mesa e rejeitada. É a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Orçamento Geral do Estado, tal qual foi apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças, é a confissão da incapacidade administrativa do partido do Govêrno, por vício da sua organização exclusivamente política, e a negação completa da política de redução de despesas e das boas normas de administração que urge encetar para prestígio das instituïções republicanas, passa á ordem do dia.
Sala das Sessões, 6 de Março de 1923. — António Alberto Tôrres Garcia.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Está rejeitada.
Vai ler-se a moção do Sr. Pires Monteiro.
Foi lida na Mesa e rejeitada.
É a seguinte
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo a conveniência de discutir o Orçamento, do Estado, como apreciação necessária da. nossa situação, julga, no emtanto, que esta discussão deverá ser tam rápida quanto possível, e considera inadiável a adopção de medidas tendentes a modificar a actual situação; pelo que resolve não encerrar a actual sessão legislativa sem ter conseguido o conjunto de leis de carácter económico e financeiro e referentes à defesa nacional e à administração civil, que garantam o equilíbrio orçamental, e contínua na ordem do dia. — Henrique Pires Monteiro.
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Sessão de 20 de Março de 1923
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Juvenal de Araújo.
Foi lida na Mesa e rejeitada.
É a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, ao analisar a orientação seguida na elaboração do Orçamento Geral do Estado e das propostas orçamentais relativas aos diferentes Ministérios para o ano de 1923-1924, constata estar em presença de um deficit de mau carácter e recorda por isso ao Govêrno a urgência de seguir uma política económica e financeira que se inicie por uma reforma geral dos serviços públicos e de que resulte: a eliminação de todas as despesas inúteis e parasitárias; o emprego das receitas públicas em despesas de carácter reprodutivo, que tendam insofismavelmente a aumentar a riqueza nacional: e, finalmente, uma acção conjunta, especialmente, dos Ministérios da Agricultura, do Comércio e dos Negócios Estrangeiros para a melhoria da situação económica do País. — Juvenal de Araújo.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Está rejeitada. Vai votar-se o Orçamento na generalidade.
Procedeu-se, à votação e foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai discutir-se o orçamento do Ministério do Interior, na especialidade.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Como eu entendo que o Parlamento só pode prestigiar-se, dando exemplo de respeito à lei, e como o Orçamento, em conformidade com as alterações do Regimento, devia ficar aprovado até 15 de Março, data que já passou sem que o Orçamento fôsse aprovado, entendo que deverá ser apresentada uma proposta eliminando o artigo do Regimento que estabelece que essa aprovação se faça até àquela data.
Só assim não se fizer, estamos fora da lei.
O Sr. Presidente: — Estamos em presença de factos consumados. O dia 15 de Março passou e o Orçamento não teve aprovação.
Não temos necessidade de alterar o Regimento; o que temos é de sujeitar-nos às circunstâncias. O único caso que não está certo é o Orçamento não estar aprovado. Tudo mais pode compor-se.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mas então fica revogada a respectiva disposição regimental.
O Sr. Presidente: — Não fica. Há só o caso de não ter tido cumprimento mercê das circunstâncias.
Vozes: — Vamos à especialidade.
O Sr. Presidente: — Em virtude do artigo 3.º das alterações ao Regimento, a discussão é feita por capítulos.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a dispensa da leitura dos capítulos.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o capítulo 1.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: V. Ex.ª tem a bondade de me dizer se está presente o Sr. Ministro do Interior ou o Sr. relator para assistirem à discussão dêste orçamento?
O Sr. Presidente: — Não está presente o Sr. Ministro do Interior, mas está o Sr. Ministro das Finanças que se considera habilitado a responder a V. Ex.ª
O Orador: — Agradeço a informação de V. Ex.ª
Sr. Presidente: a respeito dêste capítulo 1.º do orçamento do Ministério do Interior pouco tenho de dizer, visto que êle se refere aos vencimentos do Ministro e respectivos secretários.
Eu sou de opinião que, relacionada com os vencimentos dos Ministros que, tais como aqui vêm indicados, são para inglês vêr, porque com as subvenções recebem muito mais, há a debatida questão do automóvel, para uso do Ministro.
Já sustentei a opinião que, em vez de se votarem verbas especiais de automóveis para transportes de Ministros, era
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muito mais moral que a Câmara votasse uma disposição em que se fixasse para cada Ministro uma verba certa destinada a despesas de transporte. O Estado pagava essa verba, o Ministro andava de automóvel ou de coupé, como nos saüdosos tempos da monarquia, e assim se evitaria não só essa despesa de automóveis, que é exorbitante, como também os Ministros ficavam muito mais à vontade, porque não tinham escrúpulo em gastar aquela quantia que lhes fôsse fixada.
Polo que respeita aos vencimentos dos secretários é bom lembrar que nos tempos escrupulosos da monarquia os secretários dos Ministros não ganhavam absolutamente nada, e os Ministros, apesar disso, não deixavam de ter secretários.
Uma voz: — Não ganhavam mas recebiam.
O Orador: — Nem recebiam garanto a V. Ex.ª; a êsse respeito posso dar-lhe o meu testemunho pessoal.
Tendo concluído a minha formatura em 1909, fui convidado para secretário do Sr. Ministro da Justiça, pessoa da maior respeitabilidade, o conselheiro Sr. Artur Montenegro; pois desempenhei essas funções durante nove meses não recebendo absolutamente nada.
Os Ministros têm sempre centenas de secretários à sua disposição, mesmo que não ganhem nada.
Com certeza que um dos maiores embaraços do Sr. Ministro das Finanças é satisfazer todos os pedidos que tem para secretários. Ora, visto que êsses lugares são tam apetecidos por quem deseja seguir a carreira política, êsses lugares deviam ser gratuitos e assim o Estado teria uma economia considerável.
Sr. Presidente: eram estas as considerações que por agora tinha a fazer sôbre êste capítulo; quando se tratar, porém, dos capítulos respeitantes à segurança pública e às diversas repartições do Ministério da Justiça pedirei de novo a palavra, a fim de preguntar quando é que teremos no Parlamento a proposta relativa ao célebre Código Administrativo que a Constituïção manda promulgar logo nas primeiras sessões do Congresso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Poucas palavras proferirei, Sr. Presidente, em resposta às considerações feitas pelo Sr. Cancela de Abreu.
Sr. Presidente: o capítulo 1.º, na verdade, refere-se apenas aos vencimentos dos Ministros e dos. secretários; porém, S. Ex.ª o Sr. Cancela de Abreu quis enxertar na discussão dêste capítulo um assunto que, na verdade, diz respeito ao capítulo 2.º, qual é o que diz respeito à questão dos automóveis, assunto êste que respeita a uma proposta que está pendente nesta Câmara, e assim, quando ela vier à discussão, poderemos então seguir o assunto com a máxima atenção.
Quanto aos vencimentos dos secretários dos Ministros, devo dizer que quási não vale a pena tratar deles, pois. na verdade, os secretários dos Ministros não foram atingidos pela lei das subvenções, recebendo êles apenas 831$, ainda sujeitos a descontos.
Parece-me, pois, Sr. Presidente, que sôbre o capítulo 1.º não há razão para se aceitar qualquer alteração, nem mesmo nenhuma proposta de emenda foi apresentada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Está encerrada a discussão.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam e capítulo 1.º queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regulamento.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão assentados 50 Srs. Deputados, e de pé 2.
Não há número. Vai proceder-se à chamada para se encerrar a sessão.
Fez-se a chamada.
Responderam os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto da Rocha Saraiva.
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Sessão de 20 de Março de 1923
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
Adolfo Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Vírgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João de Sonsa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem:
Interpelação dos Srs. Cancela de Abreu e Alves dos Santos ao Sr. Ministro do Comércio sôbre o problema das quedas do Douro Internacional.
(Com prejuízo dos oradores que se inscreveram).
Parecer n.º 380, que fixa as percentagens adicionais às contribuïções directas do Estado que constituem o imposto directo a favor dos corpos administrativos.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreveram).
Parecer n.º 350, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 500.000$ para construção da Escola Industrial de Bernardino Machado, da Figueira da Foz.
Parecer n.º 378, que modifica disposições da Lei da Separação das Igrejas do Estado.
Parecer n.º 353, que autoriza a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Régua a avaliar os prédios oferecidos pelos sócios para constituïção do seu crédito.
Parecer n.º 205, que dispensa de novo concurso para promoção os aspirantes de finanças que possuam o curso a que alude a alínea a) do n.º 8.º do artigo 65.º do decreto n.º 5:524, de 8 de Maio de 1919.
Parecer n.º 160, que aplica aos funcionários municipais das colónias que em gozo de licença forem à terra da sua naturalidade na metrópole ou noutra colónia as disposições actualmente em vigor para os funcionários do Estado em igualdade de circunstâncias.
Ordem do dia — 1.ª parte:
Parecer n.º 424, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo interno em ouro até quatro milhões de esterlinos.
2.ª parte:
Parecer n.º 411-(a), Orçamento do Ministério do Interior.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 minutos.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.