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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
EM 24 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário — Aberta a sessão com a presença de 50 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Sousa da Câmara realiza a sua interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa), que lhe responde.
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere a generalização do debate.
Rejeitado, confirmando-se a rejeição em contra prova.
O Sr. Sousa da Câmara, Francisco Crua e Hermano de Medeiros usam da palavra para interrogar a Mesa.
Aprova-se a acta, são concedidas licenças e fazem-se admissões.
É negada autorização para o Sr. Cunha Leal ser ouvido num auto de corpo de delito, depois de terem falado os Srs. Agatão Lança e Cunha Leal.
Os Srs. Cunha Leal e Carlos de Vasconcelos desejam ocupar-se de vários assuntos em negócio urgente.
Rejeitado.
O Sr. António Fonseca é autorizado a tratar, em negócio urgente, de alterações ao Regimento.
Usa da palavra o Sr. António Fonseca que manda para a Mesa e justifica, duas propostas de alteração regimental.
São admitidas.
Usa da palavra o Sr. Francisco Cruz, que manda para a Mesa, e justifica, um projecto de lei sôbre descontos aos Deputados que sejam funcionários públicos e dêem faltas.
Sôbre o modo de votar fala o Sr. José Domingues dos Santos.
É aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Têm sucessivamente a palavra os Srs. Carvalho da Silva, Ginestal Machado e Manuel Fragoso, que requere a prorrogação da sessão.
Aprovado em contraprova.
Prosseguindo o debate, usam da palavra os Srs. Paulo Cancela de Abreu, Francisco Cruz, António Fonseca, Pedro Pita, Manuel Fragoso, Cunha Leal e José Domingues dos Santos.
Sôbre um requerimento do Sr. Francisco Cruz, para se alterar a ordem dos trabalhos, é requerida votação nominal.
Em contraprova, verifica-se não haver número.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada, 60 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 47 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sonsa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Conto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
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Diário da Câmara dos Deputados
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rogo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Artur Brandão.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
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Sessão de 24 de Abril de 1923
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Nano Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas a favor das alterações à Lei de Separação das Igrejas do Estado
Dos arciprestes dos concelhos da Figueira da Foz, de Avelar, de Anadia, de Pampilhosa da Serra, de Penela, de Cantanhede, de Soure, de Montemor-o-Velho, de Ílhavo, de Maceira (Leiria), de Leiria, de Albergaria dos Doze, de Lousa, de Pombal, de Coimbra, de Águeda, de Mortágua, de Alfarelos, de Penacova, de Oliveira do Hospital, de S. Martinho, de Condeixa, de Aveiro, de Alvaiázere e Figueiró dos Vinhos.
Do Bispo de Coimbra.
Da Junta de Freguesia do Barreiro, de Leiria.
De João dos Santos Pereira, da Merceana.
Da Junta de Freguesia de Águeda, de Pôrto de Mós.
Telegramas contra as alterações à Lei da Separação
Do administrador do concelho de Castelo Branco.
Da redacção do Livre Pensamento.
De Eleutério Santana, João Gonçalves, António Correia, Francisco Costa e Benjamim Ruivo, de Avis.
De um Grupo de Liberais, do Cadaval.
Da Junta da Freguesia da Vitória, do Pôrto.
Da Comissão Política do Partido Republicano de Trancoso.
De João Ferreira.
Da Câmara Municipal do Pôrto.
Da Comissão Paroquial do Partido Republicano Português de Leça do Bailio.
De Vergílio Quintanilha.
Dos liberais da freguesia do Castelo, de Lisboa.
Do Centro Republicano de Sintra.
De Oliveira Lança e Manuel Silva, de Beja.
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Diário da Câmara dos Deputados
De Ramos Guerreiro, de Castro Verde.
De João Pedro Santos, Patrocínio Ribeiro e Barbosa Soeiro, de Lisboa.
Do Grupo Republicano Popular de Vila Real.
Do Centro Estêvão Águas, de Loulé.
Dos Republicanos e Liberais de Alvito.
De Artur Ferreira, Almeida Júnior, Liga de Propaganda Republicana, João Carlos Marques e Mariana Marques, de Lisboa.
Da Junta de Freguesia Leça do Bailio.
Telegramas
Da Junta Geral do Distrito, do Pôrto, pedindo deferimento para a representação acêrca de estradas.
Para a Secretaria.
Do Sindicato Agrícola do Funchal, protestando contraias pretensões dos industriais açucareiros.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Leiria, reclamando contra a falta de fósforos.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal do Pôrto, convidando o Govêrno a reprimir o jôgo.
Para a Secretaria.
De Joaquim da Silva Rodrigues, de Alcanena, pedindo a substituição do actual administrador daquele concelho.
Para a Secretaria.
Dos sargentos de Viana do Castelo e Mafra, pedindo a discussão e aprovação do parecer n.º 442.
Para a Secretaria.
De um grupo de madeirenses, participando a continuação do jôgo na Ilha da Madeira, e pedindo a sua repressão.
Para a Secretaria.
Representações
Da Comissão Executiva do Congresso Nacional Municipalista, pedindo que sejam entregues às Juntas Gerais de Distrito as estradas do país.
Para a comissão de administração pública.
De representantes da Associação do Registo Civil, várias entidades, centros e comissões, pedindo a revogação do decreto de 22 de Fevereiro de 1918 e despachos que modificaram a Lei da Separação.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Para o «Diário do Govêrno».
De um Grupo de Liberais Republicanos, de todas as facções republicanas da cidade de Setúbal, pedindo para não ser admitido à discussão, o projecto alterando a Lei da Separação das Igrejas do Estado.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da Câmara Municipal de Alcanena, aprovando o projecto criando uma nova freguesia no lugar do Espinheiro.
Para a comissão de administração pública.
Requerimento
DG Francisco Esteves Barbosa, inventor do hidro-ar, pedindo um donativo para a sua reconstrução.
Para a comissão de guerra.
Ofícios
Do Ministro da Guerra, enviando o requerimento do capitão picador Salvador José da Costa, pedindo a criação do lugar de chefe de classe do seu quadro.
Para a comissão de guerra.
Idem, idem dos capitães Duarte Ferreira de Gusmão Sousa Fraga e José Marcelino Barreira, para lhes ser aplicada a lei n.º 1:340.
Para a comissão de guerra.
Do Grémio Liberdade, do Grupo Jovens Democráticos, de João Augusto Marques de Abreu, do Grupo de Liberais de Barcelos, do jornal A Plebe, de Valença, e de António A. dos Santos Silva, protestando contra as alterações à Lei da Separação das Igrejas do Estado.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal do concelho de Alpiarça, protestando contra o regime do chamado pão político.
Para a Secretaria.
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De D. Elisa Barjona de Freitas, agradecendo o voto de sentimento pela morte do seu marido, António Alfredo Barjona de Freitas.
Para a Secretaria.
Da Minoria Democrática da Câmara Municipal de Mangualde, não aprovando o protesto da maioria contra á mudança do nome da Rua das Trinas, em Lisboa.
Para a Secretaria.
Do Grémio Liberdade, dirigido ao Sr. Dr. Magalhães Lima, confirmando-lhe a sua solidariedade, a propósito do protesto contra as alterações à Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Do Supremo Tribunal Administrativo, avisando ser necessária a comparência do Sr. José Marques Loureiro, no dia 27 do corrente, naquela secretaria, para se lavrar um auto.
Arquive-se.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
Vai realizar-se a interpelação do Sr. Sousa da Câmara ao Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Sousa da Câmara: — Sr. Presidente: antes de entrar pròpriamente nos assuntos da minha interpelação, seja-me permitido significar ao Sr. Ministro da Agricultura o meu apreço pela sua inteligência, vasta erudição e qualidades de carácter.
Ao mesmo tempo seja-me também permitido lavrar o meu protesto contra umas frases que o Br. Presidente do Ministério aqui proferiu acêrca desta interpelação, dizendo que se tratava de questões de interêsse particular e que, porventura, se pretendia fazer obstrucionismo.
S. Ex.ª esqueceu-se de que era Presidente do Ministério para vir arguir um Deputado que, no uso legítimo de um direito, pretende fazer uma interpelação, em que provará não haver interêsses particulares, mas tam somente interêsses de carácter público.
Acresce ainda que S. Ex.ª não tem o direito de vir acusar-me de obstrucionista, porque o Sr. Presidente do Ministério, melhor do que ninguém, sabe que numa dada ocasião, quando se pretendeu fazer passar uma lei, à última hora, eu podendo ter feito obstrucionismo, não o fiz.
Pôsto isto, vou entrar nos assuntos da minha interpelação.
Sr. Presidente: estão todos, certamente, lembrados de que o Sr. Ministro da Agricultura trouxe aqui uma proposta alterando o regime cerealífero.
Não vale a pena enunciar quais eram as bases dessa proposta, e simplesmente basta recordar que uma era referente ao aumento do trigo nacional, que passa, se bem me parece, para treze tostões.
S. Ex.ª apresentou essa proposta, requereu para ela urgência e na comissão de agricultura foi com dificuldade que -obteve quem a relatasse, tendo-se dêsse trabalho encarregado o Sr. João Luís Ricardo. Obteve ainda que ela fôsse publicada num jornal, na íntegra, a fim de poder requerer a dispensa do Regimento.
Passados dias, o Sr. Ministro da Agricultura, consultava os organismos populares do seu Partido, os quais lhe deram de parecer que essa proposta não podia nem devia seguir.
Sr. Presidente: é extraordinário que o Sr. Ministro da Agricultura, que entendeu e muito bem que era necessário acabar com o «pão político», não tenha tomado medidas no sentido do pão na província ter o mesmo preço que tem em Lisboa» Assim, vale a pena dizer à província que proceda de um modo semelhante a Lisboa e Pôrto, se quere o pão barato, e então o Estado, em vez de 60:000 ou 80:000 contos de prejuízo, perderá muitíssimo mais.
Mas S. Ex.ª aceitou como bom êsse parecer, ficando numa má situação, e isso é com S. Ex.ª, o Sr. Ministro, mal colocando também o Parlamento, e isso é connosco.
S. Ex.ª não tem o direito de se submeter a uma imposição das comissões políticas, sejam de que Partido forem.
Apoiados.
O Parlamento é que tem o direito de adiar ou não a discussão de propostas dessa natureza.
Apoiados.
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De mais, V. Ex.ª, Sr. Ministro, esqueceu-se de que vivemos num regime imoralíssimo, sem disposições quási que legais, ao livre arbítrio do Ministro da Agricultura.
Assim, eu provarei que S. Ex.ª incorreu numa responsabilidade enorme.
A distribuïção do trigo exótico é feita como calha, sem disposição nenhuma, sem se atender às cotas de rateio, fornecendo-se até trigo às fábricas que estão — paralisadas, contra a opinião que nesta Câmara foi manifestada.
O Sr. António Fonseca (em àparte): — E até a algumas que arderam!
O Orador: — Tem V. Ex.ª muita razão* Sr. Presidente; não se imagine que estou fazendo a defesa da proposta do Sr. Ministro da Agricultura.
Apenas desejo explicar que não concordo absolutamente em nada com a referida proposta, que assinei vencido na comissão de agricultura, e que estava disposto a combatê-la no Parlamento por a julgar imoral, injusta 6 inútil.
Imoral, porque se ia nessa altura pagar o cereal a 1$30 e porque, em virtude de uma deliberação tomada em Conselho de Ministros, contra tudo o que se podia imaginar, as fábricas da província não tinham direito a receber trigo exótico ao preço do das fábricas de Lisboa e Pôrto.
Acresce ainda que muitas dessas fábricas se viram obrigadas a paralisar a sua indústria, donde resultou que, dependendo a cota de rateio da elaboração efectiva das fábricas, ela foi deminuindo em relação ao que estava.
Isto representa uma injustiça flagrante.
E sabe V. Ex.ª qual a maneira como se favorecem as fábricas de Lisboa e Pôrto?
Distribui-se o trigo por preço ínfimo às fábricas de Lisboa e Pôrto, de modo que as fábricas da província não podem com elas concorrer.
Note-se que não sou moageiro da província. Não estou a defender os interêsses seja de quem fôr. Estou apenas a defender o que é justo.
A par dêste beneficio que vou enumerar minuciosamente, que representa para mais de 30 milhões de quilogramas dados moagem de Lisboa e Pôrto, as fábricas da província estão excluídas do contrato para fornecimento de cambiais que existe entre o Estado e essas emprêsas.
É extraordinário, mas é verdadeiro!
O Sr. Ministro da Agricultura, ao vir ao Parlamento denunciar a existência do «pão político», criou uma situação simpática, digna de nós todos, tanto mais que oito dias antes, pela boca, do Presidente do Ministério, Sr. António Maria da Silva, se afirmou no Parlamento, positiva e categoricamente, que o «pão político», não existia em Portugal e até se acrescentou que a importação do trigo exótico tinha dado benefício para o Estado.
A declaração ministerial do Govêrno encobriu êste facto. O Govêrno nada disse.
O Sr. Ministro da Agricultura, denunciando ao Parlamento êste facto, tornou-se digno da simpatia de todos nós.
É às comissões políticas do seu partido que o Sr. Ministro da Agricultura deve agradecer o estarmos numa situação vexatória.
Vamos a ver se realmente havia, razão para a célebre resolução do Conselho de Ministros, de 3 do Outubro.
Essa resolução reconhecia os mesmos direitos às fábricas de Lisboa, Pôrto e concelhos limítrofes, cousa que também não existia no regime cerealífero e apenas parece haver-se criado para benefício dalgumas fábricas.
Nada. mais.
Dava- se ainda a circunstância de ter sido afirmado no Parlamento, que êsses concelhos limítrofes não existiam, e todavia as fábricas dos concelhos limítrofes estendiam-se até Setúbal, recebendo a cota respectiva no rateio, pelo preço de $80.
Por deliberação do Conselho de Ministros, não se devia fornecer trigo àquelas fábricas que não tivessem saldado os seus débitos.
Tomou essa resolução o Conselho de Ministros, porque sabia-se que havia fábricas que tinham débitos de milhares de contos.
Pois não liquidaram êsses débitos.
Entretanto, a essas mesmas fábricas continua a ser fornecido trigo e até em mais larga escala do que a outras, o que representa uma ilegalidade e um inexplicável favoritismo à custa dos dinheiros da nação.
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Quando apareceu a proposta do Sr. Ministro da Agricultara, já haviam quási decorrido cinco meses do ano cerealífero.
Portanto era natural que se tivesse apurado quais as quantidades do trigo necessário para o abastecimento de Lisboa e Pôrto e todo aquele trigo que as fábricas tivessem recebido a inais fossem obrigadas a entregar ao Estado.
Nessa proposta alude-se um pouco a isto.
Diz-se que, quando se reconhecer que as fábricas de moagem têm recebido trigo a mais, serão obrigadas a pagá-lo ao Estado.
Mas nessa época já todos sabiam quais eram as quantidades de trigo que tinham sido fornecidas a mais à moagem.
Portanto, não havia senão que as obrigar a pagar.
Vamos a ver os números que vou passar a ler à Câmara.
Nos cinco primeiros meses do ano cerealífero importaram-se 109. 000:000 de quilogramas de trigo, dos quais 93. 825:000 foram distribuídos às fábricas de Lisboa e Pôrto, e apenas 15. 175:000 às da província e nessa distribuïção global do rateio pelas fábricas da província, em vez de 15. 175:000 quilogramas que se lhes entregaram, deveriam ter recebido 21. 600:000 quilogramas.
Já nesta época havia uma perseguição contra as fábricas da província, a favor das de Lisboa e Pôrto.
Sabe-se que o consumo de Lisboa e Pôrto anda por 15. 000:000 de quilogramas de trigo; logo em cinco meses seriam necessários 75. 000;000 de quilogramas.
Quere dizer, as fábricas haviam recebido já 18. 825:000 quilogramas a mais.
O grave desta questão é que recebiam êsse trigo a $80 e o vendiam para a província ao preço exagerado de 1$40, ganhando em cada quilograma $60, o que representa uma soma fabulosa e não só não se obrigaram as fábricas ao pagamento da importância,, mas continuou a permitir-se-lhes que importassem trigo exótico, e nesta hora já receberam 110. 000:000 em Lisboa e 15. 000:000 no Pôrto, ao todo 120. 000:000.
Êste trigo chegava, e é fácil prová-lo, fazendo os cálculos para oito meses.
Para Lisboa, havia 110. 000:000 de quilogramas, o consumo foi de 90. 000:000 de quilogramas e assim sobraram 20. 000:000.
Além disso sucede que na distribuïção de farinha pelas padarias se entrega uma saca a mais por cada uma delas, o que dá 900:000 quilogramas por mês ou seja 7. 200:000 quilogramas nos oito meses, representando um lucro de 4:320 contos.
Os padeiros não cumprem o diagrama, conforme se verifica pela escassez do pão de segunda que está intragável, e pelo excesso de produção de pão de primeira que se encontra sempre em abundância nas padarias.
O Sr. Joaquim Ribeiro afirmou aqui que no Pôrto se consumiam apenas 60 por cento de farinha laborada e os 40 por cento restantes que iam para a província, e — ainda mais que a vendiam servindo-se de intermediários os quais muito lucravam com isso.
E para estranhar que tudo isto suceda pois representa uma imoralidade que não. pode nem deve continuar.
Apoiados.
Um tal regime tem dado lugar a casos curiosos como êste que passo a expor, de haver uma autoridade administrativa que fez alterações ao preço do pão, no respectivo concelho, de acôrdo com o Sr. Ministro da Agricultura, conforme ela afirmava, sendo quási certo que S. Ex.ª nada disso autorizou. Mas seja como, fôr, a verdade é que um padeiro amigo dêste administrador vendia o pão todo êle roubado no pêso pelo preço de $90 o 1$, tendo sido o trigo requisitado ao preço da tabela.
Eu sei que o Sr. Ministro me vai responder que nada tem com isso; será assim, porém devia evitar êsses abusos.
Outra irregularidade vou apontar, qual é a da maneira como se faz a distribuïção das farinhas, determinada apenas pela influência das fábricas: assim há algumas que receberam o dôbro e mesmo o triplo da quantidade que lhes cabia, conforme a sua cota de rateio.
Ora, francamente, eu não compreendo que a distribuïção dos trigos exóticos se faça por esta forma, de mais a mais estando estabelecido como aquela se há-de fazer.
Mas esqueci-me há pouco de citar um facto que é importante, e não quero deixar de o referir para que se não diga eu acuso sem provas.
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Eu disse que o conselho de Ministros não podia ter tomado a deliberação a que há pouco aludi. Efectivamente, não podia porque se baseou num parágrafo transitório da lei do regime cerealífero que tal lhe não permite.
Eu sei que o Sr. Ministro da Agricultura me pode dizer que por êsse parágrafo, conforme na lei se diz, se pode fornecer trigo às fábricas de moagem pelo preço do trigo nacional, mas S. Ex.ª nesse caso esquece uma cousa importante, é que esta lei desde o princípio foi interpretada pelo Parlamento de forma a jamais se poder entrar no regime do «pão político».
Apoiados.
Portanto, êste parágrafo tinha de se interpretar dum modo diverso e só podia ter aplicação quando os trigos exóticos tivessem preço inferior aos nacionais.
Mas dir-me há ainda S. Ex.ª que as circunstâncias, exigiam êsse seu procedimento.
Sendo assim, viesse ao Parlamento e resolvesse a questão imediatamente, mas não adiasse como fez e entrando novamente no regime do «pão político». De resto, êste parágrafo era transitório e foi também aqui explicada a razão por que se incluiu na lei: é porque se ia entrar num regime novo e podia haver dificuldades, deixando-se por isso essa arma ao Govêrno para que tudo entrasse na normalidade.
Mas nestas questões de irregularidades, e são muitas, basta ver uma cousa inaudita, que certamente o Sr. Ministro da Agricultura não pode ignorar.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, porque a lei o diz, que o comércio dos trigos e seus derivados era livre.
Pois muito bem: o Sr. Comissário dos Abastecimentos estabeleceu o regime de guias de trânsito. Quere dizer, são as próprias repartições públicas as primeiras a não cumprir as leis que o Parlamento vota; e se assim é, quem é que neste país há-de respeitar as leis!?
Apoiados.
De mais, a base 1.ª da lei no seu § 1.º é clara a êste respeito.
O regulamento aprovado por decreto do l de Setembro de 1922 também não altera esta disposição,
Portanto, em que é que se baseou o Sr. Comissário dos Abastecimentos para fazer o que fez?
Não se sabe!
Mas há mais cousas extravagantes que devem ser, pelo menos, do conhecimento do Sr. Ministro da Agricultura e que também não têm merecido de S. Ex.ª nenhuma providência. Uma delas é a quebra dos diferentes carregamentos, e notem V. Ex.ªs que isto tem uma certa importância parecendo que não. E assim há fábricas privilegiadas cujas quebras dos carregamentos são enormes, emquanto que outras sem influência as limitam a pequeníssimas percentagens.
Quere dizer: essas fábricas privilegiadas têm logo a infelicidade de ter tam grandes quebras que vão até 4 por cento!
Sr. Presidente: muito mais poderia dizer, mas não vale a pena estar a alongar as minhas considerações, porque creio que o que apresentei basta bem para provar que vivemos num regime de puro arbítrio quanto a trigos, quere dizer: não há lei em relação a trigos, faz-se tudo quanto se pode imaginar, depende do bom ou mau' critério de quem dirige êstes serviços.
Ora eu trouxe isto a propósito da minha interpelação para mostrar ao Sr. Ministro da Agricultura a enorme responsabilidade que pesa sôbre êle e que êle, por uma imposição de quem não tinha direito a fazê-la, assumiu.
S. Ex.ª realmente assumiu uma responsabilidade de tal maneira grave que estou certo nenhum de nós a quereria.
Apoiados.
É depois, que autoridade tem o Govêrno democrático para arrancar a pele ao contribuinte no momento em que desbarata os dinheiros da Nação?
Apoiados.
Que autoridade tem o Govêrno democrático para vir aqui dizer, quando estava na oposição, que era necessário fazer-se a compressão das despesas e a reorganização dos Ministérios, quando até hoje não fez cousa alguma e em vez de reorganização de serviços apresenta-nos propostas para aumento de funcionalismo?
É o que eu vejo!
E, Sr. Presidente, numa questão tam séria como esta impõe-se uma autoridade absoluta, porque, note V. Ex.ª, é tal a gravidade do assunto que mesmo naque-
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lês que cumprem a lei há sempre quem belisque, tanto mais não havendo leis e fazendo-se a vontade a quem se deseja fazer, o favorecendo-se, porque só favoreceram, emprêsas comerciais, dando-se-lhes metade dos carregamentos, quando há outras que não recebem nada, o prejudicando-se ainda a moagem da província, que tem tanto direito do viver como a de Lisboa.
Apoiados.
Sr. Presidente: vou entrar agora na segunda parte da minha interpelação.
O Sr. Ministro da Agricultura não assistia à discussão sôbre a lei do regime cerealífero e foi pena, porque havia de verificar que tanto nesta Câmara como no Senado, se manifestaram quási todos os parlamentares que entraram no debate contra o facto de se entregar trigo exótico às fábricas que estavam paralisadas, chegando-se a afirmar no Parlamento que se reputava essa entrega como uma imoralidade.
Pois muito bem! Na lei, realmente, nenhuma disposição tal permite.
Quanto ao regulamento, convém recordar o artigo 46.º, mas o Sr. Ministro da Agricultura publicou depois um novo decreto, que, a meu ver, é da máxima importância, pois, se bem que a lei fôsse regulamentada, o Govêrno não podia usar duas vezes da mesma autorização.
Vê-se, portanto, Sr. Presidente, que esta lei é absolutamente ilegal.
Sr. Presidente: vou terminar, mas antes disso direi ao Sr. Ministro da Agricultura que não deve ver nas minhas palavras um ataque pessoal, mas sim somente o desejo que eu tinha de tratar aqui desta questão que é de justiça e de uma grande importância, pois, na verdade, Sr. Presidente, não se compreende que S. Ex.ª nesta questão, que é da máxima importância, esteja acatando as disposições dos grupos políticos de um partido, que é aquele a que S. Ex.ª tem a honra de pertencer, visto que a única entidade que tinha o direito de o fazer era o Parlamento.
V. Ex.ª na verdade não devia aceitar semelhante cousa.
Como disse, vou, terminar, mesmo porque a hora já vai bastante adiantada e não desejo cansar mais a Câmara, se bem que ainda lhe pudesse apresentar muitos outros casos de irregularidades que tenho aqui apontados, mas que não vale a pena, pois os que apresentei são os suficientes para mostrar à Câmara a forma como o Sr. Ministro da Agricultura está gerindo a respectiva pasta.
Eu tenho a maior consideração, como já disse, pelas qualidades de talento e ilustração do Sr. Ministro da Agricultura, porém, S. Ex.ª na verdade até hoje não deu ainda nenhumas provas do seu talento e da sua ilustração, pois a verdade é que se limitou apenas a apresentar o decreto sôbre os lucros ilícitos, que na realidade se pode chamar irrisório, visto que os resultados são como todos nós ternos visto.
S. Ex.ª até hoje, repito, não tem dado provas da sua ilustração e do seu talento, pois a verdade é que não tem apresentado ao Parlamento nenhumas medidas de largo alcance, se bem que esteja ocupando uma das pastas, que é, sem duvida, das mais importantes.
S. Ex.ª até hoje apenas se limitou a apresentar uma medida que nada dá, não procurando desenvolver a agricultura, uma das fontes mais importantes da riqueza nacional.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Sousa, da Câmara não só pelo que diz respeito às medidas que eu tenha tomado como Ministro da Agricultura, como as que dizem respeito ao regime cerealífero, o qual como V. Ex.ª muito bem sabe se rege por uma lei votada nesta casa do Parlamento.
Quando assumi a pasta da Agricultura era meu intuito acabar com o pão político, porém, pouco depois apresentou-se a esta Câmara o projecto do empréstimo, pelo qual todo o País se convenceu de que o câmbio havia de melhorar, o que na realidade assim é, pois, que quando entrei para o Ministério a situação se en-
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Diário da Câmara dos Deputados
contrava já bastante moderada, visto que o Estado tinha apenas um prejuízo de 7:000 contos e que é relativamente pouco, razão porque não insisti pela urgência na aprovação da minha proposta.
Referiu-se depois V. Ex.ª à distribuïção de trigos, tendo apresentado cálculos que estou, certo que sejam exactos, referindo-se igualmente ao consumo do pão em Lisboa e Pôrto.
Eu devo dizer a V. Ex.ª que o trigo importado deve regular por umas 15:000 toneladas de trigo, visto que o trigo nacional pouco veio para Lisboa e Pôrto, pois que a maior parte dele tem sido consumido na província;
O que eu posso garantir a V. Ex.ª e que não há forma alguma de evitar que na província se faça a venda ^por mais de $80, razão porque o Estado deixou de ganhar uns 2:700 contos, visto que teve de entregar o trigo pelo preço porque o recebeu.
As distribuições do trigo que chegar ao Tejo são feitas pela Manutenção Militar e não posso acreditar que êsse carregamento fôsse entregue apenas a uma fábrica, porque o que se tem feito é a distribuïção por via de rateio a todas as fábricas.
Com respeito à alteração do preço do pão, a que S. Ex.ª se referiu, devo dizer que não tenho conhecimento dêsse facto, pois geralmente sou ouvido sôbre o assunto.
Acerca das cambiais, S. Ex.ª sabe que há uma comissão encarregada de reinspeccionar as fábricas e ainda não apresentou os seus trabalhos, pois as fábricas são em número de oitenta e três e torna difícil o trabalho, pois são fábricas situadas no norte e sul do país.
Aquelas que não trabalham foram desmatriculadas; em Lisboa foi desmatriculada ama que tinha ardido.
Espero outras notas para proceder de igual modo; neste momento resta rever meia dúzia, se tanto resta ainda as fábricas de massas.
A lei a êste respeito é deficiente e terá de ser alterada.
Se o câmbio não melhorar, eu terei de Insistir na discussão da minha proposta.
É o que tenho a declarar a V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a generalidade do debate.
Procede-se à votação.
O Sr. Presidente: — Está rejeitado.
O Sr. Cunha Leal: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 25 Srs. Deputados e de pé 31.
Está rejeitado.
O Sr. Sousa da Câmara: — Peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: — É a hora de se entrar na ordem do dia.
Tenho de consultar a Câmara.
Consultada a Câmara, é aprovado.
O Sr. Sousa da Câmara (para explicações): — Apresentei, em tempos, ao Parlamento, uma proposta de lei que acabava com o «pão político»; ora o Sr. Ministro da Agricultura foi infeliz na sua resposta, pois desconhecia êste facto, que é importante.
Espera S. Ex.ª que do empréstimo venha uma melhoria de câmbio, e se não vier continuará tudo na mesma.
O que é curioso é que S. Ex.ª tenha afirmado que em regra os tribunais pouco ou nada conseguem...
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Perdão!
Eu disse simplesmente que os tribunais demoravam muito, por vezes, o julgamento de qualquer questão.
O Orador: — E S. Ex.ª sabendo isso, vai pôr nas mãos de um tribunal o correctivo para os lucros ilícitos?
É um facto até certo ponto incoerente.
Disse o Sr. Ministro da Agricultura, que a distribuïção dos trigos era feita pela Manutenção Militar, segundo as cotas de rateio.
Eu posso afirmar a S. Ex.ª que essa distribuïção tem sido feita de uma forma absolutamente irregular, havendo uma divergência grande entre os números apresentados pela Manutenção Militar e os números da Direcção Geral do Comércio
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Sessão de 24 de Abril de 1923
Agrícola, não se sabendo qual destas duas entidades exprime a verdade.
Nas repartições oficiais não se sabe quais as quantidades de trigo que se distribuíram, às diversas fábricas.
Com respeito ao contrato, cuja existência S. Ex.ª pôs em dúvida, eu afirmo novamente que êsse contrato foi firmado entre o Banco de Portugal e a Moagem da Província Limitada, em 16 de Novembro, e se êle tivesse sido cumprido a Moagem da Província podia ter adquirido cambiais com a libra a 74$ e assim teve de comprar as libras a 105$20(5).
Citou S. Ex.ª o facto, que aliás é do conhecimento de todos nós, de ter sido nomeada uma comissão para estudar a questão dos trigos.
É certo que S. Ex.ª já desmatriculou uma fábrica, mas é possível que não se responsabilize ninguém pelo não cumprimento das leis.
Relativamente ao assunto da importação de trigo exótico para produção de farinhas, destinadas a massas, com efeito o Sr. Ministro da Agricultura autorizou uma emprêsa a importar 5. 000:000 de quilogramas de trigo, o que, deu em resultado, e muito naturalmente, que todas as fábricas pedissem que fôsse rateada por elas essa quantidade.
Espero que S. Ex.ª autorize êsse rateio, como é de justiça.
Terminando as minhas considerações, agradeço ao Sr. Ministro da Agricultura a resposta que S. Ex.ª deu à minha interpelação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: ao ler a tabela da ordem do dia de hoje, noto que houve um equívoco da Mesa na elaboração da mesma, porquanto a Câmara deliberou na última sessão que na primeira parte da ordem do dia figurasse, antes do Contrato dos Tabacos, o parecer n.º 225, relativo à guarda fiscal.
Chamo para êste facto a atenção de V. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: tinha pedido a palavra exactamente para tratar do assunto que o Sr. Carvalho da Silva acabar de ventilar.
Efectivamente, houve um engano na confecção da ordem do dia de hoje, e assim peço a V. Ex.ª Que consulte a Câmara sôbre se confirma a sua resolução anterior de que se discuta na primeira parte da ordem do dia a tabela que melhora a, situação da guarda fiscal.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou ver se, por meio da acta, consta alguma cousa a êsse respeito, e depois consultarei a Câmara».
O Sr. Hermano de Medeiros (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pedi a palavra para indagar de V. Ex.ª Se qualquer negócio urgente deve ou não ser, imediatamente tratado logo após a sua enunciação pelo Deputado que o apresenta.
O Sr. Presidente: — Os negócios urgentes são discutidos sem prejuízo da ordem do dia.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Os negócios urgentes preterem a ordem do dia.
É regimental.
O Sr. Presidente lê a parte do artigo que esclarece o assunto.
O Sr. Carvalho da Silva: — Independentemente disso, tinha havido uma votação da Câmara.
É aprovada a acta.
Dá-se conta do expediente que dependias da resolução da Câmara.
Pedido de licença
Do Sr. Sá Cardoso, até 31 do corrente.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Admissões
Da proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças, revogando as isenções de direitos de importação consignados nos decretos n.ºs 4:906, 5:483, 6:898, 6:905 e 7:228, respectivamente de 1918, 1919, 1920 e 1921.
Para a comissão de comércio e indústria.
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Da proposta de lei do mesmo, reforçando com designadas quantias as verbas do orçamento do Ministério das Finanças para 1922-1923.
Para a comissão do orçamento.
Do projecto de lei do Sr. João Pina de Morais, concedendo a pensão mensal de 300$ a Carlota Emília Teles, natural do Pôrto, freguesia de Massarelos.
Para a comissão de finanças.
Do projecto do Sr. Francisco Dinis de Carvalho, contando a antiguidade do pôs-to de alferes desde 1 de Outubro de 1919 a designados alunos da Escola de Guerra que terminaram os cursos no segundo semestre de 1919.
Para a comissão de guerra.
Oficio
Da 1.ª divisão do exército, pedindo autorização para ser ouvido num auto de corpo de delito o Sr. Cunha Leal.
Negado.
Comunique-se.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: eu entendo que a Câmara deve conceder a licença pedida, assim como entendo, também, que me não devo sujeitar ao vexame de ser ouvido, não porque fuja a pronunciar-me sôbre os acontecimentos do 19 de Outubro, mas porque entendo que o meu orgulho me impede de ir aos tribunais dar pasto a toda a sorte de retaliações políticas.
Apoiados.
A minha sensibilidade moral não pode submeter-se à aquiescência de um exame directo ao ferimento que recebi no Arsenal, quando eu sei que o homem que me feriu foi promovido a cabo.
Muitos apoiados.
A Câmara deve, porém, autorizar todos os procedimentos que tenham de ser tomados em face da minha atitude. Se, forçado pela rigidez das leis militares, eu me não encontrar bem dentro da minha qualidade de oficial do exército, eu só tenho um caminho a seguir: pedir a minha demissão de oficiai do exército.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Cunha Leal deseja ocupar-se do seguinte negócio urgente:
Leu.
É rejeitado.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 40 Srs. Deputados e sentados 25.
Está rejeitado.
O Sr. Hermano de Medeiros deseja tratar do seguinte negócio urgente:
Leu.
Consultada a Câmara, é rejeitado.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 40 Srs. Deputados e sentados 25.
Está rejeitado.
O Sr. António Fonseca deseja ocupar-se do seguinte negócio urgente:
Leu.
É aprovado.
O Sr. Presidente: — O Sr. Sá Pereira requero que seja publicada no Diário do Govêrno a exposição da Associação do Registo Civil, hoje lida.
É aprovado.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: na penúltima sessão nocturna, a que tive a honra de assistir, tive ocasião de verificar que o processo que se estava seguindo na discussão do Orçamento fazia correr p grave risco de se chegar ao fim do ano económico sem que o Orçamento Geral do Estado tivesse sido discutido e aprovado como impõem a Constituïção e a moral.
O Sr. Presidente da Câmara, que então era o Sr. Sá Cardoso, informou-me de que a interpretação dada ao Regimento impunha o encerramento da sessão sempre que depois da leitura da acta se verificasse não haver número para os trabalhos continuarem.
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Parece-me que o primeiro dever de uma Câmara de Deputados é o de discutir o Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Cunha Leal: — O seu primeiro dever é funcionar.
O Orador: — Evidentemente, porque sem número não poderia haver discussão. Êsse seu dever é, de resto, a realização de um preceito constitucional que só um abuso resultante de más circunstâncias em que temos vivido justifica.
É preciso discutir o Orçamento, mas é também preciso rodear essa discussão de todas as garantias não só de elevação e honestidade, mas, sobretudo, de proveito e utilidade.
É indispensável que tal assunto seja sempre tratado com a maior largueza, mas a verdade é que nem todas as pessoas se ocupam dele com igual interêsse.
Muitas das pessoas que intervêm com o seu voto na votação do Orçamento fazem-no apenas por confiança nos seus colegas.
Ora eu não proponho nada de novo; proponho apenas o restabelecimento de uma medida que sempre foi considerada útil e que continua a ser utilíssima não só para abreviar a discussão do Orçamento mas ainda para evitar que o Parlamento se desprestigie, com a esterilidade das suas sessões nocturnas.
As críticas que lá fora se façam à atitude do Parlamento não afectam apenas a maioria, afectam, na generalidade, todo o Parlamento.
Sr. Presidente: uma outra proposta que mando para a Mesa tem o intuito também, a meu ver, altamente moralizador de evitar que se continue passando o que se tem dado quanto à falta de número.
Não ignora V. Ex.ª que se tem dado nesta Câmara o seguinte curioso fenómeno:
Procede-se a uma votação, requere-se uma contraprova e invoca-se um conhecido parágrafo do Regimento, para se fazer a contagem, verificando-se por essa contagem que não há número.
Manda o Regimento que se faça uma chamada para se verificar quem falta.
Faz-se então a chamada e, cousa curiosa, há número, mas dá-se o caso estranho
de se encerrar a sessão, embora número suficiente houvesse para ela continuar.
Isto até aqui representei uma cousa ilógica, mas tem paralelamente um aspecto que representa uma imoralidade.
Onde está essa imoralidade?
E preciso dizê-lo com franqueza!
E que para o interêsse de se fazer o encerramento da sessão aponta-se o expediente da contagem, conjugado com a prática do que em linguagem académica se chama «jogo de porta», mas depois quando se faz a chamada que há-de produzir os seus efeitos para o desconto devido aos que faltam aparecem logo Deputados bastantes e resulta haver número.
O Sr. Carlos ds Vasconcelos (interrompendo): — Não seria muito melhor que as faltas fossem descontadas pelas repartições por onde os Deputados que são funcionários recebem?
O Orador: — Isso é outra questão. Estou certo de que ninguém a poderá,pôr com maior proficiência do que V. Ex.ª
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Com proficiência, não, mas sim com autoridade, pois sou dos que nunca aqui faltam.
O Orador: — Eu reconheço-lhe autoridade e proficiência.
Sr. Presidente: a minha proposta é no sentido de modificar o artigo 120.º do Regimento.
Uma vez que se converta em disposição regimental, fica assegurado que se houver número a sessão não será encerrada, e que não se fará «jogo de porta», que não tem justificação.
Para a discussão destas duas propostas, peço a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
foram lidas na Mesa e admitidas as duas propostas, e seguidamente foi consultada á Câmara sôbre a urgência e dispensa do Regimento, sendo concedidas.
As propostas são do teor seguinte:
Propostas
Proponho que, no artigo 120.º do Regimento, as palavras «o Presidente levantará a sessão, etc. «se substituam por
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«proceder-se há à votação nominal, continuando a sessão, se houver número legal, ou encerrando-se no caso contrário e publicando-se no Diário das Sessões os nomes dos Deputados que por esta chamada se verificar estarem presentes». — António Fonseca.
Proponho que a discussão do Orçamento Geral do Estado se possa iniciar desde que esteja presente o número de Deputados preciso para abrir a sessão, reservando-se todas as votações para quando a Mesa verifique que há número legal para elas. — António Fonseca.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova.
Procede-se a contraprova, que confirmou a votação anterior.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: sinto que a minha rouquidão não me permita elevar a voz por maneira a ser ouvido bem por toda a Câmara, desde que não haja o devido silêncio, e por isso peço a V. Ex.ª que chame a atenção dos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara.
O Orador: — Sr. Presidente: há já quinze dias que venho protestando contra as sucessivas faltas de número que criam uma situação desprestigiante ao Parlamento.
É preciso que isso acabe, mas não acabará com a proposta do Sr. António da Fonseca, pois que ela não resolve o problema.
O primeiro dever do Deputado não é discutir, mas sim comparecer às sessões.
Apoiados.
Pela proposta em questão, resultaria tam somente uma cousa absurda e imoral que. era o serem votadas quaisquer propostas ou projectos, às cabazadas, por Deputados que não tivessem assistido às discussões e, portanto, ignorando aquilo sôbre que só pronunciavam.
Não me parece que isto fôsse dignificante para o Parlamento.
Apoiados.
O Sr. António Fonseca veio com o argumento de já se ter feito assim.
Julgo que S. Ex.ª está em êrro.
O que já aqui se fez foi proceder-se a votações sem número.
Para resolver a questão, eu julgo que há um meio e é o que exponho na proposta que envio para a Mesa, solicitando desde já que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se concede para a discussão dela a urgência e dispensa do Regimento.
Por esta minha proposta, todos os Deputados que sejam funcionários públicos, quer civis ou militares, sofrem o desconto das faltas, como se fossem simplesmente Deputados.
Mais tarde dever-se há ir mais longe.
Dever-se há estabelecer que todo o cidadão que exerça funções públicas, sendo eleito Deputado, deverá pedir licença ilimitada, desde que queira exercer o seu mandato.
Referiu-se também o Sr. António Fonseca à contagem.
Com efeito, nada mais desprestigioso para o Parlamento que o facto de não haver número numa votação e feita a chamada haver logo número.
Já afirmei, quando S. Ex.ª esboçou a proposta que mandou para a Mesa. que havia de ser curioso estar a discutir artigos sôbre artigos sem se saber se seria aprovado o respectivo artigo 1.º e 2.º, discutindo os artigos 4.º e 5.º, e depois ser, aprovado o artigo 1.º num sentido diferente que motivava uma alteração dos restantes artigos.
Isto seria vexatório.
Sr. Presidente: também não posso deixar de protestar contra a falta de número, mas a proposta de S. Ex.ª nada remedeia.
Não é prestigioso para o Parlamento que, o havendo tantos assuntos na ordem do dia, estejamos a perder tempo em cousas inúteis.
Vou terminar mandando para a Mesa um projecto de lei para o qual requeiro urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o projecto mandado para a Mesa pelo Sr. Francisco Cruz.
É lido.
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Projecto de lei
Artigo 1.º Os Deputados que sejam funcionários públicos, civis ou militares, sofrerão nos seus vencimentos os descontos respectivos ao número de faltas que derem.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário. — Francisco Cruz.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre a urgência e dispensa do Regimento requerida pelo Sr. Francisco Cruz para o projecto que acaba de ser lido.
O Sr. José Domingues dos Santos (sobre o modo de votar): — Êste lado da Câmara vota a urgência e dispensa do Regimento requeridas, mas para ser discutido depois de votadas as propostas do Sr. António Fonseca.
Apoiados.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação a urgência e dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Francisco Cruz, nas condições, porém, apresentadas pelo Sr. José Domingues dos Santos.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: chegamos a êste estado extraordinário.
O Regimento da Câmara é dia a dia alterado para se discutir o Orçamento, e o Sr. António Fonseca, que começou por frisar que a discussão do Orçamento é um dos primeiros deveres do Parlamento, por ser um diploma importante, não hesita em propor que essa discussão se faça sem número.
Apoiados.
A carestia da vida é um dos problemas mais importantes para o País e,ela depende da administração do Estado.
Pois é no momento em que discutimos um diploma que se prende com a carestia da vida que S. Ex.ª entende que se pode discutir de um tal modo, sem haver número, e permitindo que quando só chegue o momento das votações se mande dizer para a província que venham os Srs. Deputados votar artigos às cabazadas, sem saberem o que se disse e discutiu.
Apoiados.
Isto é imoral e vexatório para o Parlamento.
Já no ano passado o Sr. António Fonseca propôs que o Orçamento fôsse votado até o dia 15 de Março e todos sabem que assim não foi.
Não há nada mais desprestigioso para o Parlamento do que aprovar o que não se pode cumprir.
Àpartes.
Internação do Sr. António Fonseca.
O Orador: — O conveniente era que a Câmara não deixasse nunca de funcionar por. falta de número.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Se tenho faltado é por motivo de doença e se não venho às sessões nocturnas é devido ao mesmo motivo.
O Orador: — Lamento isso bastante, creia S. Ex.ª
Sr. Presidente: a proposta do Sr. António Fonseca é inconstitucional e não pode a Câmara aprová-la.
Apoiados.
No momento em que se diz que atravessamos uma crise moral, não conheço nada mais imoral do que faltar ao respeito à lei.
Qualquer proposta que durante a discussão seja apresentada, diz o Regimento que tem de ser submetida à admissão.
Se a proposta de S. Ex.ª fôr aprovada é um desrespeito à lei e à Constituïção, e quem assim proceder não tem direito & autoridade para dizer que se deve cumprir alei.
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, eu não conheço nada mais extraordinário do que o Parlamento permitir-se estar a discutir com trinta e tantos membros o problema vital do Orçamento, para num belo dia, deixando para trás todas as cautelas, virem aqui os ausentes e aprovarem, sem conhecimento absolutamente algum, uma cabazada de orçamentos do Estado.
Mas o Sr. Francisco Cruz fez notar, e muito bem, o que poderia dar-se com a apresentação dum requerimento para ser discutido primeiro um determinado capítulo, por haver conveniência em se votar primeiro um determinado capítulo, para depois se votarem outros com número.
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Com que consciência se faz a discussão do Orçamento!
Não conheço imoralidade maior do que o desrespeito às disposições regimentais.
Discussão, sem número, de quaisquer projectos ou propostas de lei, isso, com orgulho o digo como representante da minoria monárquica desta Câmara, não sucedeu mais desde que aqui está esta minoria monárquica a desmanchar prazeres, esta minoria monárquica a exigir o cumprimento da lei.
Com muito orgulho o digo, e ainda com maior orgulho digo a V. Ex.ª que bastou, que a minoria monárquica estivesse afastada dos trabalhos parlamentares para que a imprensa noticiasse que se tinham votado, sem número, inúmeras leis, uma das quais continha mais de trinta artigos e quatrocentos capítulos!
Orgulha-se êste lado da Câmara de se opor tenazmente a todas estas imoralidades.
Orgulho-me de fazer parte duma minoria que é realmente uma oposição a valer, luas que se não apresenta como uma oposição intensificada.
Interrupção do Sr. Manuel Fragoso que se não ouviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Nós não temos de dar número ao Govêrno. Não somos maioria; nem são os monárquicos que têm de dar número ao Parlamento da República.
Nova interrupção do Sr. Manuel Fragoso que se não ouviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Não temos de aguentar Govêrnos da República.
O Sr. Manuel Fragoso: — Ainda estão os outros monárquicos?
O Orador: — O Sr. Manuel Fragoso, por quem tenho a maior simpatia, veio mal humorado pela maneira como o trataram no Congresso do seu partido; e nessas condições S. Ex.ª veio aqui desabafar, integrado naquele, espírito de ordem e disciplina que os partidários todos manifestaram no Congresso Democrático.
Interrupção do Sr. Carlos Pereira, a qual se não ouviu.
O Orador: — Tem V. Ex.ª razão, Sr. Carlos Pereira; fez V. Ex.ª muito bem em frisar que a ordem que lá reinou foi republicana e, como eu sou monárquico, não quero ordem daquela.
Sem querer de maneira alguma protelar o debate nem irritá-lo, pois não costumo pôr nos debates aquela ordem republicana a que se referiu o Sr. Carlos Pereira, eu direi a V. Ex.ª, Sr. Presidente que não há quem mais desrespeite a lei por que se rege do que esta casa do Parlamento.
Quando na legislatura passada o Sr. Presidente, Domingos Pereira, interpretava as alterações ao Regimento pela forma que hoje propõe o Sr. António Fonseca, êste lado da Câmara provocou explicações e essa interpretação não foi seguida.
Devo acentuar que foram os Deputados monárquicos que pediram o cumprimento da lei.
Lamento, e lamento profundamente, ter de tomar parte nesta discussão: primeiro porque, a título de apressar a discussão do Orçamento, não sei quantas vezes se tem essa discussão interrompido.
Confesso que não conheço tal modo de apressar.
Tem-se perdido uma grande porção de sessões por questões de somenos importância, as quais não foram levantadas por êste lado da Câmara.
Mas outra razão há ainda para que ou lamente ter de intervir no debate e essa razão é que, tendo sido resolvido discutir o parecer n.º 225, se venha intercalar outro projecto.
Não queremos a responsabilidade dêsse facto.
O Sr. Manuel Fragoso: — Então V. Ex.ª pretende abalar as convicções republicanas da guarda fiscal?
Pelo amor de Deus!
O Orador: — V. Ex.ª sabe bem, Sr. Manuel Fragoso, que nem eu, nem qualquer dos meus colegas dêste lado da Câmara, costumamos falar para as galerias.
V. Ex.ª sabe bem quantas vezes nós aqui vimos defender princípios que porventura não estejam de harmonia com aquilo que defendem os que me ouvem.
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Sessão de 24 de Abril de 1923
Nunca andamos a prometer a ninguém aquilo que não lhe pudéssemos dar.
Nunca andámos a prometer cousas, para nos porem,no Poder, nunca prometemos o «bacalhau a pataco».
Estaria fora dos meus processos, estaria fora da minha norma de proceder, como homem leal que sou, tentar explorar com cousas dessa ordem.
O Sr. Manuel Fragoso: — V. Ex.ª dá-me licença?
É para rectificar um pouco as palavras de V. Ex.ª
Eu disse apenas que V. Ex.ª não conseguiria, com as suas palavras, abalar as convicções claramente republicanas da guarda fiscal que tem as suas tradições, desde 31 de Janeiro.
Quanto ao facto de V. Ex.ª falar para as galerias, ou não disse tal.
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.ª que não soa um faccioso.
Quando aqui defendo qualquer princípio que reputo justo, não me importa saber, nem me importará nunca, se vou aproveitar a republicanos ou a monárquicos, importa-me apenas que seja justo.
A bem da ordem pública, a bem de tudo quanto interessa à vida do país, não há dúvida que é indispensável atender a todas as reclamações justificadas, aproveitem elas a quem aproveitarem.
O Sr. Manuel Fragoso: — Há uma maneira de V. Ex.ª demonstrar os seus bons desejos: é reduzir as suas considerações.
O Orador: — Não reduzo as minhas considerações, porque o assunto que veio aqui ser levantado é um assunto de que dependo fundamentalmente a situação financeira do país, a vida económica de cada um, e nós não consentiremos, sem o nosso mais indignado protesto, que se discuta de ânimo leve aquilo que diz respeito à carestia da vida.
Sr. Presidente: dizia eu a V. Ex.ª e à Câmara que quando para aqui viemos na sessão legislativa passada exigimos o cumprimento, no uso dum direito que nos assisto, da letra dos artigos 23.º -A e 23.º -B do Regimento e a propósito dêstes artigos direi ainda que não sei como o Sr.
António Fonseca terá votado em Junho de 1920, quando se discutiram essas alterações ao Regimento; seria curioso percorrer o Diário das Sessões, para ver só S. Ex.ª teria mudado de opinião, se teria ou não aprovado essas alterações regimentais.
O Sr. António Fonseca: — É dar-se a êsse trabalho.
Pertence à História.
O Orador: — Uma história é o que se vem a fazer com a discussão do Orçamento, e é uma história longa, porquanto dia a dia se apresentam aqui alterações ao Regimento para se discutir e votar de afogadilho tudo quanto diz respeito ao Orçamento Geral do Estado.
Nós não consentiremos, repito, que isso se faça, sem o nosso mais veemente protesto.
Sr. Presidente: eu desejaria que V. Ex.ª fizesse o favor de me informar, V. Ex.ª que conhece o Regimento da Câmara melhor do que eu, se, uma vez votada a proposta do Sr. António Fonseca e se aã discussão da especialidade do Orçamento» aparecer qualquer proposta de emenda; V. Ex.ª considera admitida essa proposta sem que tenha sido votada a sua admissão.
O Sr. Presidente: — Não, senhor.
O Orador: — Ora ainda bem que V. Ex.ª vem em reforço da minha opinião.
Como é que há-de entrar em discussão, conjuntamente com qualquer capítulo do» Orçamento, uma proposta enviada para a Mesa sem que a Câmara se tenha pronunciado sôbre a sua admissão ou não admissão?
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
Para obviar ao inconveniente apontados por V. Ex.ª vou mandar para a Mesa uma proposta de aditamento à minha proposta inicial que diz o seguinte:
Proposta
Proponho que, na proposta relativa à discussão do Orçamento, se acrescentem: as seguintes palavras: «e considerando-se admitidas, com dispensa de votação de
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admissão, todas as propostas enviadas para a Mesa em harmonia com as disposições legais e regimentais». — António Fonseca.
O Orador: — V. Ex.ª fazia melhor mandando para a Mesa uma proposta que dissesse: só é permitido aos Srs. Deputados votarem sem discutir tudo quanto aqui lhes seja apresentado em matéria de Orçamento Geral do Estado.
Isto assim é que é moral republicana.
Sr. Presidente: eu não conheço nada que represente uma confissão mais completa, se esta proposta fôr aprovada, de que a maioria não é capaz de cumprir a tarefa parlamentar que lhe é imposta.
Dia a dia a maioria da Câmara tem vindo a apresentar propostas impondo sessões nocturnas, impondo tudo quanto quere.
Que autoridade tem essa maioria para fazer tais propostas, se no dia seguinte verificamos que ela não vem cá, que não põe cá os pés, permita-se-me o termo?
E é esta maioria que se julga com autoridade, neste ponto, para vir apresentar e votar propostas desta natureza!
Não têm o direito de criticar os trabalhos parlamentares porque faltam todos os dias às sessões.
Apoiados.
Não cumprem o seu dever.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Ainda não foi possível uma sessão nocturna para a discussão do Orçamento.
O Orador: — A maioria reconhece-se incapaz de cumprir os seus deveres: é incapaz de vir à Câmara.
Apoiados.
E é êste o maior partido da República, o partido que está perfeitamente à altura de adoptar êste processo, pela maneira como decorreram os trabalhos do congresso do Partido Democrático!
O Sr. Carlos Pereira: — Isso interessa muito.
O Orador: — E realmente muito interessante, principalmente em questões de família, quando os parentes se tratam como os parentes políticos trataram a V. Ex.ª
O Sr. Carlos Pereira: — Não me ofenderam em nada; tive ocasião de reconhecer isso.
O Orador: — Não quero prolongar esta questão, porquanto já demonstrei de maneira insofismável que é inconstitucional a proposta do Sr. António Fonseca e que, se fôr aprovada, fica demonstrado que a Constituïção da República é rasgada dia a dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitida a nova proposta do Sr. António Fonseca.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: não se pode dizer que esteja hoje muito calma a tarde nesta Câmara.
Não tenho a pretensão de a tornar sossegada; e não pretendo, também, agitá-la mais do que está.
A minha pretensão é apenas, em nome do meu partido, esclarecer o nosso pensar, manifestarmos, exprimirmos inteira e claramente o que pensamos a respeito das propostas mandadas para a Mesa pelo Sr. António Fonseca.
Estão as duas em discussão conjuntamente.
Quanto à primeira que diz respeito a ser dispensada a, maioria da Câmara de assistir à discussão dos orçamentos, podendo discutir apenas com o número exigido para abrir a. sessão, tenho a dizer que o Partido Nacionalista não pode dar-lhe a sua aprovação, o que muito me pesa pela alta consideração que tenho pelo proponente.
A segunda proposta do Sr. António Fonseca parece-nos inconveniente aprová-la, como procurarei demonstrar.
Vou explicar à Câmara, em poucas palavras, quais os motivos que levam o Partido Nacionalista á não poder dar a sua aprovação a uma proposta do Sr. António Fonseca.
Escuso de dizer a S. Ex.ª que muito prazer teríamos em poder aprovar a sua proposta.
Disse S. Ex.ª, e disse muito bem, que é preciso prestigiar as instituições parlamentares. Estamos todos de acôrdo.
Disse mais S. Ex.ª que o Orçamento é um dos assuntos primaciais para todos os Parlamentos.
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E verdade também e estamos em pleno e completo acôrdo com S. Ex.ª Os Parlamentos até começaram por ter apenas de ocupar-se das questões orçamentais.
S. Ex.ª deve saber, melhor do que eu, que essa foi a função da instituição parlamentar, no século XIII, em Inglaterra.
Mas eu pregunto ao Sr. António Fonseca se seria, porventura, prestigiar o Parlamento autorizá-lo a discutir um documento do tanta magnitude, como é o Orçamento do Estado, com a presença apenas de uma pequena parte da Câmara.
Eu apelo para a inteligência brilhante de S. Ex.ª para que me diga. em sua consciência, se isso não seria o mesmo que declarar que a discussão é inútil e desnecessária.
Poder-me há S. Ex.ª objectar que se sabe tudo quanto aqui se disse.
Mas como?
Os jornais dão um extracto resumidíssimo, os Diários das Sessões andam tam atrasados que se perdem na noite dos tempos e quando os recebemos já nos não lembramos do que dissemos.
Como é que nós podemos saber então as opiniões aqui expendidas?
Como é que, não tendo assistido à discussão, um Deputado pode votar com consciência?
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª tem a certeza de ter assistido a todas as discussões em cujas votações tem entrado?
Pregunto isto pessoalmente a V. Ex.ª e faço a mesma pregunta pessoalmente a cada um dos Sr s. Deputados.
O Orador: — Eu vou responder a V. Ex.ª com toda a franqueza e lealdade.
E possível que em algumas questões; destas de menor importância, eu tenha votado sem ter ouvido todas as opiniões expendidas; mas, quando assim tenha feito, mal tenho procedido e por ter mal procedido não se segue que sancione o mal fazer.
Apoiados.
Não me parece que por haver pessoas, se por acaso as há, e eu não quero fazer essa acusação a ninguém, que tenham votado — permita-se o termo — inconscientemente...
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Pois eu afirmo isso em alto e bom som, e podia demonstrá-lo.
Porque não havemos de ser francos?
Tudo isto é uma questão de formulário e se adoptássemos o regime das votações por procuração não faziamos nada de novo.
O Orador: — E muito mais correcto êsse sistema de procuração do que votar-se sem se saber o que se vota.
Eu posso confiar em V. Ex.ª e escolhê-lo para meu procurador, o que é muito mais regular do que chegar aqui e votar, sem saber o que voto.
Se V. Ex.ª acha que devemos dar ao País o exemplo de que nos interessamos pelo documento mais importante do Estado, que é a lei das despesas e das receitas, creio que não é demasiado exigir aos Deputados que compareçam nesta Câmara para que em tempo legal sejam votados os orçamentos.
Pelo processo que o Sr. António Fonseca defende podemos abreviar uns dias a discussão do orçamento; mas não levantamos o prestígio das instituições parlamentares.
Realmente ou não posso, em nome do Partido Nacionalista, dar o meu apoio à proposta do Sr. António Fonseca.
É uma questão de princípios e justamente por estarmos com S. Ex.ª na mesma ordem de ideas de querermos o Parlamento prestigiado é que não lhe podemos dar a nossa aprovação.
O número do Deputados que existe no nosso País é exagerado, compondo-se de 164, e eu não percebo como há tanta dificuldade de conseguir que apenas 56, que é o quorum, assistam à sessão.
O Sr. António Fonseca com a sua muita inteligência e patriotismo apresentou essa proposta para prestígio do Parlamento, mas eu direi que êsse prestígio ainda fica mais abalado, pois vamos dizer ao País uma cousa que não é exacta o dar a entender que ficam só as pessoas que devem ficar e que as outras era melhor que cá não viessem, o que então leva a dizer que era melhor reduzir o número de parlamentares.
Eu achava melhor que os orçamentos se votassem em globo, conforme o que já o ano passado propôs o nosso ilustre co-
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lega Sr. Cunha Leal; assim assumiríamos a responsabilidade.
A aprovação da proposta do Sr. António Fonseca não modifica a opinião pública a respeito do conceito parlamentar; e de mais, Sr. Presidente, nós não podemos aprovar um artigo sem de facto ter sido aprovado o outro artigo anterior. V. Ex.ª sabe melhor do que eu que em Inglaterra uma lei tem de voltar mais de uma vez ao Parlamento, embora aprovada.
Ora, não tendo nós essa arma, não é legal o que se vai fazer, porque só é ilegítimo quando isso se faz por obstrucionismo inferior, mas deixa de o ser quando porventura numa discussão muito, apaixonada convém deixar consultar o travesseiro, como se diz em linguagem popular mas muito expressiva, e pregunto se S. Ex.ª com a sua proposta está convencido de que presta um grande serviço à marcha dos trabalhos parlamentares.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. António Fonseca.
O Orador: — Respeito e considero muito V. Ex.ª, mas confesso que nas discussões parlamentares os diálogos me desagradam.
A minha primeira objecção,, motivada pelo facto de não ter ouvido precisamente a proposta do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, cai pela base, porque, na verdade, estou certo de que aqui nenhum Sr. Deputado hesita em sacrificar o que recebe na Câmara, se entende que a sua saída da sala impede a votação de qualquer proposta que seja inconveniente para os interêsses do país.
Apoiados.
Não há aqui ninguém que hesite em presença de tal sacrifício, que, pode dizer-se, não é muito grande, embora seja sensível para muitos dos nossos colegas, porque infelizmente nem todos somos ricos.
É bom, no emtanto, atender-se a êste ponto, pois que há nesta sala pessoas que dedicadamente servem o país, mas que não tem os recursos que outros possuem e, portanto, tal sacrifício, que para outros é nulo. para êstes é porventura muito pesado, não me parecendo de inteira justiça abusar dessa fraqueza, que às vezes é uma alta virtude.
Quem se encontra em desafogada situação financeira pode olhar para êsse sacrifício desdenhosamente, mas com quem em tal situação não se ache já o mesma não sucede.
De resto, também me não parece que do facto de se obrigar a uma votação nominal, estabelecendo-se o dilema do que o Deputado ou entra e vota ou não pode entrar, possam advir grandes vantagens para a Câmara.
Um àparte do Sr. António Fonseca,
O Orador: — É uma violência obrigar-se a uma votação nominal.
O ilustre Deputado, Sr. António Fonseca, que é um parlamentar distinto, compreende que nem sempre convém fazer ama votação nominal.
Não preciso esclarecer o espírito de S. Ex.ª de que muitas vazes não há vantagem em se fazer votações nominais é tanto assim que só se pedem em certas circunstâncias.
Sr. Presidente: terminando as minhas, considerações, direi novamente, em nome dêste lado da Câmara, que quanto à primeira proposta do Sr. António Fonseca não podemos dar-lhe a nossa aprovação, prometendo até fazer-lhe uma oposição fortíssima, a mais decidida que se possa fazer para que não venha a fazer parte do novo Regimento; quanto à segunda proposta, devo dizer que por mim não terei dúvida em lhe dar a minha aprovação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: começo por requerer que a sessão seja. prorrogada até que se liquide a discussão das duas propostas apresentadas pelo Sr. António Fonseca.
Sr. Presidente: não mo alongarei em considerações porque não quero protelar esta discussão, visto ter empenho em que essas propostas sejam aprovadas, e ainda porque tenho o maior desejo de que se faça ainda hoje a votação do parecer que diz respeito à melhoria dos vencimentos da guarda fiscal, assunto com que o Sr. Carvalho da Silva procurou explorar politicamente.
Não pode a maioria parlamentar democrática deixar de aplaudir as duas pro-
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postas que para a Mesa enviou o Sr. António Fonseca, animado do máximo desejo de bem servir o regime e de abreviar a discussão dos orçamentos.
Nós, os que fazemos parte do Grupo Parlamentar Democrático, damos o nosso inteiro aplauso e estamos dispostos a aprovar as duas propostas de S. Ex.ª, devendo contudo dizer que não se trata de matéria nova, porque no ano passado a discussão orçamental fez-se, não me lembra por que disposições regimentais, exactamente nos termos em que o Sr. António Fonseca propõe que êste ano essa mesma discussão se faça.
Apoiados.
Ora se já se abriu o precedente e se todos reconhecemos que há vantagem para o país em que essa discussão se faça dentro do período normal que a Constituïção marca não percebo por que negar o voto a essas propostas.
O que pode desprestigiar a instituição parlamentar é deixar de votar, como em tempos idos se fez, o Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Carvalho da Silva, que por vezes, quási sempre, trata proficientemente os assuntos,- foi esta tarde duma infelicidade pasmosa, porque até citou um artigo da Constituïção que nada tem para o caso.
De facto, êsse artigo diz que a Câmara dos Deputados, assim como o Senado, não pode tomar deliberações sem um têrço dos seus componentes, mas deliberar é uma cousa e discutir é outra, e o Sr. António Fonseca o que propõe é que a discussão dos orçamentos se faça apenas com o número de Deputados necessário para abrir a sessão.
Foi isto que o ano passado se fez, e é isto que êste ano se pode fazer.
O Sr. Ginestal Machado também apresentou várias observações às considerações feitas pelo Sr. António Fonseca.
Quando S. Ex.ª começou a falar eu tomei êste apontamento que parece à primeira vista jocoso: filho és, pai serás.
Querem dizer estas palavras que a oposição, a minoria nacionalista que hoje está na oposição, há-de porventura um dia ser Govêrno e então sentirá a mesma necessidade que a maioria democrática tem nesta ocasião de fazer votar os orçamentos dentro do prazo legal que a Constituïção marca, e, portanto, terá de vir pedir à Câmara uma disposição que permita fazer a discussão dos orçamentos nestes termos.
Devo acrescentar que se nessa altura eu estiver nestas bancadas desde já garanto à minoria nacionalista que gostosamente votarei essa disposição, porque o meu mais sincero e ardente desejo, como republicano e patriota, é servir o meu País e a República da melhor forma e, que seja mais vantajosa.
Está bem que o Sr. Carvalho da Silva faça oposição, porque S. Ex.ª representa aqui uma corrente política contra o regime, e o seu empenho é que o Parlamento e a República nada produzam, ma s. o Sr. Ginestal Machado não está bem porque a minoria nacionalista deve ter, como nós, o desejo sincero de bem servir a Pátria e a República.
Quanto à segunda proposta do Sr. António Fonseca, que diz respeito apenas à maneira como se fazem as contagens, acho que essa proposta nem discussão tem.
S. Ex.ª apresenta uma modificação que é tam natural, tam coerente e tam lógica que não pode deixar de ser aprovada.
O que propõe S. Ex.ª?
Propõe que logo que se requeira a contagem para verificar se há número se faça uma votação nominal obrigando, portanto, a votar todos os Deputados, mesmo aqueles que, tendo jogado de porta, se queiram eximir a essa votação.
Acho absolutamente justo que isto se faça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Pôsto à votação,o requerimento do Sr. Manuel Fragoso, quanto à prorrogação da sessão f foi aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Fez se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 46 Srs. Deputados e de pé 16.
Está, portanto, aprovado o requerimento do Sr. Manuel Fragoso.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre
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se admite que na sessão prorrogada seja também votada a tabela anexa ao projecto relativo à guarda fiscal. É aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Mando para a Mesa a minha moção, concebida nos seguintes termos:
Moção
A Câmara, reconhecendo que a primeira proposta em discussão, longe de provocar a assiduidade dos Srs. Deputados aos trabalhos parlamentares, como se faz mester, vem dispensar a sua comparência além de certo número, e reconhecendo que não se pode admitir que se estabeleça como norma legal,que vote quem não tenha assistido às discussões, continua na ordem do dia. — Paulo Cancela de Abreu.
Admitida.
Sr. Presidenta: é lamentável que o tempo que se está perdendo nesta discussão seja consequência do procedimento estranhável da maioria, e nomeadamente da soa falta de assiduidade.
Apoiados da direita.
Basta citar como exemplo o que se tem passado com as sessões nocturnas desta Câmara, que a Mesa tem sucessivamente marcado duas vezes por semana, mas das quais se não conseguiu realizar até hoje uma única que fôsse, devido à maioria não comparecer em número suficiente para a Câmara poder funcionar.
Apoiados.
Vê-se que a maioria não quere vir às sessões, não quere trabalhar, não quere dar apoio ao Govêrno.
E se o Partido Nacionalista tivesse querido, não teria, porventura, havido uma única sessão na Câmara dos Deputados desde Outubro até agora.
O que quere o Sr. António Fonseca? S. Ex.ª em vez de mostrar a sua indignação contra os Srs. Deputados da maioria, reclamando, em nome da sua República, que ela compareça às sessões cumprindo assim o seu dever, vem sancionar a cábula dêles e facilitá-la, tornando possível que as sessões funcionem sem o número regimental para votar, tornando possível e admissível que se vote sem se saber o que se vota!
Apoiados.
E certo que isto é o que na prática está sucedendo diariamente; todavia uma cousa é o que na prática lamentavelmente sucede e outra cousa é que semelhante abuso seja estabelecido como norma legal.
Pode lá ser!?
Equivale a sancionar uma imoralidade!
Não só pode dar foros de legalidade a tudo o que, de facto, se. pratica e tolera por virtude da brandura dos nossos costumes. Não se pode, pois, de modo algum admitir que, de um Deputado que de mais a mais não pertence à maioria, parta uma proposta desta natureza.
Não está certo.
Apoiados.
O Sr. António Fonseca vem dizer-nos: «a maioria não quere trabalhar e, portanto, vamos dispor as cousas para que seja feita a sua vontade. São preguiçosos, e, por isso, sancionemos a sua preguiça!»
A maioria escusará de vir às sessões àquelas em que se vota, e que podem ser previamente combinadas.
Na segunda parte da segunda proposta do Sr. António Fonseca há um ponto com o qual eu concordo.
A êste lado da Câmara é materialmente indiferente votar duma forma ou doutra, porque não utilizamos em proveito próprio o subsídio parlamentar.
Mas reputo razoável o que se propõe.
A proposta na primeira parte, pretende alterar o artigo 23.º -B das alterações ao Regimento aprovadas em 21 de Julho de 1920, cuja interpretação não pode deixar de ser no sentido de que se não pode discutir sem se registar a presença do número de Deputados preciso para votar, ou sejam 55.
Apoiados.
Esta interpretação foi sempre dada pelo Sr. Domingos Pereira, quando Presidente desta Câmara, e pelo seu actual Presidente, Sr. Sá Cardoso; e nem Doutra se podia admitir, pois não se comprende que se vote seja o que fôr e especialmente as contas do Estado sem que os votantes tenham comparecido à discussão.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Mas V. Ex.ª está contradizendo-se, visto que aceita a votação da sua própria moção sem o estar ouvindo o número suficiente para a votar.
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O Orador: — Devo dizer ao ilustre Deputado que tenho pena de que o Regimento não permita reclamar constantemente do Sr. Presidente a contagem para se obviar ao inconveniente que V. Ex.ª aponta.
Infelizmente eu não posso reclamar a contagem senão em contraprova de votação.
O espírito do Regimento impõe necessàriamente que às discussões assista o número de Deputados preciso para se proceder a votações.
Mas, Sr. Presidente, o ilustre Deputado Sr. António Fonseca invocou os argumentos da votação da acta sem discussão, e das votações empatadas que ficam para a sessão seguinte.
Ora o próprio Regimento encarrega-se de responder a S. Ex.ª
A acta não é geralmente votada. Considera-se aprovada quando sôbre ela se não apresente reclamação.
Pode realmente suceder que haja votações sem prévia discussão; mas, se tal acontece, é porque não há quem entenda que ela é necessária.
Não é, portanto, aceitável o primeiro argumento apresentado.
Quanto às votações empatadas a razão também não colhe; e o mais interessante é que semelhante argumento se volta contra o próprio Sr. António Fonseca.
Diz o artigo 119.º do Regimento:
Leu.
Quere dizer: para se votar é preciso pôr previamente à discussão e quando ficar empatada a votação, a discussão — note-se bem — deverá recomeçar na sessão imediata.
O que dispõe o Regimento actual, é o mesmo que dispunha mutatis mutandis o do tempo da monarquia, aprovado em 2õ de Novembro de 1896, e que diz o seguinte:
Leu.
Não estejamos com paliativos.
O único remédio está em os Srs. Deputados da maioria se disporem a cumprir o seu dever.
Apoiados.
O próprio Sr. António Maria da Silva já se tem queixado da falta de assiduidade dos seus correligionários aos trabalhos parlamentares, e tanto S. Ex.ª, como o directório do seu partido, têm enviado baldadamente telegramas e circulares aos Srs. Deputados, no sentido de comparecerem às sessões.
A Câmara deve estar lembrada do que aqui se passou em Agosto do ano passado, quando se discutiram de afogadilho as propostas de finanças, e que não é do conhecimento do Sr. António Fonseca, por isso que, por motivos lamentáveis, S. Ex.ª não pôde comparecer às sessões.
Para se arranjar número, por vezes os automóveis dos Ministros, isto é, os automóveis do Estado, andaram de madrugada numa roda viva, por casa dos Deputados, a fim de os trazer para a Câmara.
O Sr. Manuel Fragoso: — Não me parece que V. Ex.ª, com o sen discurso, consiga fazer aprovar a proposta na sessão de hoje.
O Orador: — Há-de votar-se hoje.
Fomos nós mesmo que o requeremos.
Sr. Presidente: são êstes, na realidade, os factos bem condenáveis; e, assim, eu devo dizer que é muito lamentável que o Sr. António Fonseca, que devia ser o primeiro a condená-los, venha sancioná-los com a sua estranha proposta.
S. Ex.ª qúere decretar a tolerância de ponto ou antes os cursos livres para os Deputados!
Risos.
Há-de sofrer-lho as consequências.
Dentro em pouco não terá na Câmara quem o ouça, apesar do brilho e da sedução da sua palavra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — A longa e agitada discussão travada em volta das propostas do Sr. António Fonseca só pode ser prejudicial e desprestigiosa para a República.
Nestas condições eu peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para consultar a Câmara sob ré se permite que a discussão das referidas propostas seja suspensa, para em seu lugar ser apreciada a tabela que regula a situação da guarda fiscal.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: eu desejo saber se V. Ex.ª tem no Regimento qualquer disposição que o habilite a submeter à apreciação da Câ-
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mara um requerimento contrário a uma matéria já discutida e votada.
O Sr. Presidente: — O Regimento é omisso nesse ponto.
O Orador: — Essa agora! Então o Eegimento é omisso nesse ponto?
O Sr. Presidente: — Indique V. Ex.ª o artigo do Regimento que regula o assunto.
O Sr. Pedro Pita: — O Sr. António Fonseca confunde uma disposição constitucional, com uma disposição regimental.
A doutrina que S. Ex.ª defende está de facto na Constituïção, mas no Regimento nada se diz a tal respeito.
Estando a sessão prorrogada para dois assuntos, não há disposição regimental alguma que obste a que se peça a prioridade da discussão para uma delas.
O Sr. António Fonseca: — Há o § 3.º do artigo 51.º do Regimento.
O Orador: — De resto o projecto que diz respeito à guarda fiscal já está discutido e votado, faltando apenas proceder à votação duma pequena tabela.
Para que o projecto em questão possa seguir para o Senado é indispensável votar a referida tabela.
Levando isso tam pouco tempo, porque o não fazemos desde já, voltando depois à discussão das propostas, que certamente será morosa e agitada?
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — A maioria muito calculadamente encaixou êste assunto antes da votação da tabela do projecto respeitante à guarda fiscal, para assim coartar a nossa liberdade de apreciar desenvolvidamente as propostas do Sr. António Fonseca.
O artigo invocado há pouco pelo ilustre Deputado não tem nada com 'o caso.
Não se trata de matéria discutida e votada; tendo a Câmara resolvido discutir os dois assuntos na mesma sessão, trata-se tam somente duma questão de prioridade,
A maioria não entendo porém assim e é preciso registá-lo, para que se saiba que a maioria desta Câmara tem muito mais interêsse em sancionar a cábula dos Srs. Deputados do que em tratar da situação aflitiva da guarda fiscal.
O procedimento da maioria é pois um verdadeiro truc político arranjado naturalmente para amanhã lançarem sôbre as oposições, especialmente sôbre a minoria monárquica, a acusação de que foram elas que impediram a votação da tabela em questão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: — O aspecto que o debate tem tomado seria para causar riso se não tivesse, como tem, um fundo de tristeza.
Estamos todos a fazer um jôgo que não está à altura do Parlamento...
O Sr. Carvalho da Silva: — Todos não!
O Orador: — Tem V. Ex.ª razão; todos não: as oposições monárquica e nacionalista.
Apoiados.
Eu desejava que o ilustre Deputado Sr. Pedro Pita me dissesse que vantagem pode haver para o projecto que diz respeito à guarda fiscal em se proceder à sua votação antes das propostas apresentadas pelo Sr. António Fonseca, estando o Senado já fechado.
O Sr. Carvalho da Silva: — A vantagem consiste em ter-se aproveitado o tempo, porque, chegando a certa altura, como V. Ex.ªs não estão dispostos a trabalhar, vão-se embora.
O Orador: — V. Ex.ª acaba de pôr o dedo na ferida.
Como V. Ex.ªs não querem desagradar à guarda fiscal, reclamam a votação do seu projecto antes das propostas do Sr. António Fonseca, para então abandonarem a sala, provocando assim o encerramento da sessão por falta de número.
Assim é que está certo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Francisco Cruz: — A meu ver, a proposta do Sr. António Fonseca é simplesmente deprimente...
O Sr. Carlos Pereira: — Mas V. Ex.ª, o ano passado, colaborou com a Câmara nos termos da proposta do Sr. António Fonseca.
O Orador: — A proposta do Sr. António Fonseca é deprimente para a Câmara.
O Sr. Carlos Pereira: — Não é.
O Orador: — Não consinto que o Sr. Carlos Pereira me desminta. S. Ex.ª falta à verdade.
O Sr. Carlos Pereira: — Não falto.
O Orador: — Estão todos aqui a ver que S. Ex.ª falta à verdade.
Ao Sr. Manuel Fragoso tenho a dizer que nunca especulei; nunca fiz especulação como a tem feito o partido a que S. Ex.ª pertence e a maioria.
Revoluções nunca as fiz como a maioria para especular.
Quero que se faça alguma cousa, que se trabalhe na ordem do dia. A proposta é infamante para o Parlamento.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Em primeiro lugar o Sr. Manuel Fragoso fez a afirmação de que eu falava em nome do Partido Nacionalista. Falo, e parece-me que estou no meu direito de o fazer, em meu nome pessoal.
Esta é a primeira declaração.
Mas há uma outra circunstância: o Sr. Manuel Fragoso fez a afirmação de que eu pretendia que fôsse votada a proposta referente à guarda fiscal porque não desejava indispor-me com a guarda fiscal, para chegar a esta conclusão, pela sua cabeça, com o mesmo direito que eu tenho de chegar à conclusão oposta, de que a troco da guarda fiscal, explorando com a guarda fiscal, é que se faz isto.
Apoiados.
A verdade é esta: eu tenho, de facto, desejo de que se vote o projecto da guarda fiscal, porque é preciso acudir á sua situação.
Apoiados.
Não pretendo fazer com a minha proposta qualquer especulação política, procurando apenas se faça um acto de intuirá justiça.
Cumpro o meu dever. Nunca me prestei a especulações. Esta proposta do Sr. António Fonseca é de molde a provocar uma demorada discussão.
Virmos aqui todos os dias e prestar menos a discutir orçamentos com 30 Deputados?
Isso representa a quinta parte do nu mero de Deputados.
Sinto que aceitemos mais essa ficção: discutir com 30 Deputados.
Apoiados.
Seria fazer uma discussão sem garantias. Tanto fazia estarem 30 como 15 Deputados e a Mesa.
Apoiados.
Esta questão não devia ter sido trazida à Câmara.
Apoiados.
O orador não remiu
O Sr. António Fonseca: — Estamos talvez desviando a questão do seu verdadeiro pé.
A proposta é da minha exclusiva responsabilidade.
Não foi combinada nem com a maioria nem com a minoria. Apenas a mostrei à maioria e à minoria igualmente.
Toda a gente sabe que pelas circunstâncias especiais em que eu anunciei que apresentaria estas propostas, não me seria materialmente possível fazer quaisquer consultas prévias.
Trocam-se àpartes e o orador é interrompido simultaneamente por diversos Srs. Deputados.
O Orador: — Foi no momento em que, na última sessão nocturna, o Sr. Presidente declarou que era forçado a encerrar a sessão por falta de número, que eu anunciei que logo na primeira sessão que se realizasse, apresentaria as medidas que reputava necessárias para evitar a repetição de semelhante facto que com frequência se tem verificado.
Isto responde a algumas considerações que aqui têm sido produzidas tendentes a mostrar que eu houvera tido quaisquer entendimentos com a maioria da Câmara.
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Não os tive, como já disse; mas se os tivesse não negaria o facto, pois isso não me deslustrava.
Apoiados.
Para não se estabelecerem dúvidas sôbre a forma por que foi feita a prorrogação da sessão, eu lembro que a prorrogação foi requerida para a discussão das minhas propostas e que depois o Sr. Cancela de Abreu propôs que também se discutisse a tabela de vencimentos para a guarda fiscal.
O Sr. Domingues dos Santos, com o fim de metodizar o trabalho, declarou que a maioria só votaria essa proposta desde que a referida tabela fôsse só discutida depois das propostas votadas.
Foi assim posta à votação a proposta do Sr. Cancela de Abreu e o Sr. Presidente, o ilustre Deputado Alberto Vidal, depois de votada a prorrogação, declarou que ela sé fizera para se discutirem e votarem primeiro as propostas a depois a tabela da guarda fiscal.
Invoco o testemunho de S. Ex.ª
O Sr. Alberto Vidal: — Foi exactamente assim como o Sr. Deputado diz.
O Orador: — Agora só há que cumprir-se a resolução da Câmara.
Vejamos agora o que há no interêsse que alguns Srs. Deputados têm em que se discuta primeiro a tabela.
Se o Partido Nacionalista deseja satisfazer as aspirações da guarda fiscal, tenho também o direito de julgar que o Partido Democrático não pode ter menor desejo, e, assim por que razão se pode estranhar que se queira fazer uma alteração na ordem dos trabalhos desta sessão?
Não se compreende, pois, por que razão alguns Srs. Deputados, quando se ia proceder à votação, saíram da sala para provocar o encerramento da sessão.
Àpartes.
O Sr. Francisco Cruz (em àparte): — É a defesa contra o número.
Àpartes.
O Orador: — A questão está pois colocada dêste modo: a maioria deseja votar as propostas que estão na Mesa, mas a maioria deseja também, e não falo em nome dela, votar o projecto que está em discussão relativo à guarda fiscal.
Parece-me, porém, que desde que foi votada uma ordem de trabalhos para esta sessão não temos direito de votar novamente outra ordem de trabalhos diferente da que ficou estabelecida.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: eu desejo lembrar à Câmara que antes de ser votado o requerimento do Sr. António Fonseca sôbre a urgência das suas propostas a Câmara já tinha resolvido votar a tabela dos vencimentos da guarda fiscal.
E o que estava na ordem do dia.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: em nome do Partido Nacionalista tenho a declarar que os únicos julgadores dos nossos actos somos nós.
Apoiados.
Nós temos sempre sacrificado os nossos interêsses, movidos pelos altos sentimentos da defesa da República.
Apoiados.
Mas não estamos resolvidos a deixar passar ninguém por cima de nós.
Àpartes.
Não temos culpa da mandria parlamentar de alguns.
Àpartes.
Ninguém é preso para Deputado, e só depois de eleito um Deputado reconhece que não pode prestar aos trabalhos parlamentares a devida assiduidade, não é obrigado a continuar a ser Deputado, pode renunciar ao seu lugar. É um desprestígio parlamentar nós assentarmos neste princípio, dizer-se isso é proclamar a falência parlamentar; e, assim, não nos queremos associar a tal porque assim entendemos que prestamos um bom serviço ao País.
As maiorias vencem pelo número e as minorias usam dos meios que o Regimento lhes faculta, e usam dêsse direito como entendem, pois não se querem associar a semelhante medida de votar sem saber o que se vota.
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Sessão de 24 de Abril de 1923
O Sr. Francisco Cruz: — Se se votasse tal medida, era uma verdadeira burla.
Apoiados.
O Orador: — Não, Sr. Presidente, a isso não nos associamos e então saberemos o que havemos de fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — É já costume antigo atirar-se para as maiorias a responsabilidade de tudo quanto sucede.
O que a maioria não pode é estar sob a coacção de ameaças; os Deputados são eleitos para virem aqui e estarem na sala.
Apoiados.
Todos temos os mesmos direitos e obrigações perante o país e cada um assume a responsabilidade dos actos que pratica.
A maioria quere trabalhar com honra e lealdade, e o que queremos é votar conforme o que está determinado: primeiro a proposta do Sr. António Fonseca e depois as tabelas.
Não apoiados.
Ninguém tem maior vontade de ver atendidos os desejos da guarda fiscal do que o Partido Republicano Português, mas tudo se pode fazer com ordem.
Eu entendo que V. Ex.ª, Sr. Presidente, não pode aceitar o requerimento e devemos primeiro votar a proposta do Sr. António Fonseca.
Não apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (para explicações): — Sr. Presidente: vou ser muito breve.
Quero apenas esclarecer algumas palavras do Sr. José Domingues dos Santos.
Foi o meu querido amigo Sr. António Fonseca que aludiu à circunstância de alguns Srs. Deputados terem saído da sala no momento em que se ia fazer ama votação.
Não foi um gesto de desafio o que há pouco disse, mas apenas uma explicação, pela muita consideração que tenho pelo Parlamento e pelos seus membros.
Fazemos isso, porque estamos convencidos de que a proposta do Sr. António Fonseca não serve bem os interêsses das instituições parlamentares.
Repito: esta é á nossa convicção e nós temos de pagar pela nossa cabeça e não pela cabeça dos outros.
Cada um tem de dar contas à sua consciência, e quando tomámos aquela atitude não foi para qualquer coacção, seria convencermo-nos do contrário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Continuo a não ver no Regimento nenhuma disposição expressa que me proíba aceitar na Mesa o requerimento do Sr. Francisco Cruz.
Não visa apenas a alterar a ordem dos trabalhos.
Portanto, parece-me que o melhor é pôr à votação o referido requerimento, e aqueles que entenderem que se não deve alterar a ordem dos trabalhos, rejeitam-no.
O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro que para o requerimento do Sr. Francisco Cruz se faça votação nominal.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
O Sr. Cunha Leal: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º Fez-se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 46 Srs. Deputados e de pé 1.
Não há número.
Vai fazer-se a chamada.
Fez-se a chamada.
Responderam os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva e Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
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Diário da Câmara dos Deputados
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Cruz.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Joaquim Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — Responderam à chamada 49 Srs. Deputados.
A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam), a de hoje.
Ordem do dia:
Proposta do Sr. António Fonseca, para alteração do Regimento.
Projecto de lei do Sr. Francisco Cruz, que sujeita a descontos nos vencimentos os Deputados funcionários civis ou militares que faltem às sessões, e os projectos de hoje, nos 225, 302, 411-B e 385.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre, o n.º 380-I, que eleva a 15 contos o subsídio anual a que se refere o contrato entre o Govêrno e a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 400-D que torna aplicáveis aos oficiais, sargentos e praças da armada, reformados ou no quadro auxiliar, antes de Maio de 1919, as disposições do decreto n.º 5:571, sôbre reformas.
Imprima-se.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre uma proposta do artigo novo ao n.º 380, do Sr. Sampaio Maia, relativa a arrendamentos a dinheiro de prédios rústicos.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 465, que isenta de direitos todos os maquinismos importados depois de 20 de Novembro de 1919, pela Empresa de Cimentos, de Leiria, destinados à sua indústria.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 466-F, que determina que sejam em número de quatro as assembleas primárias eleitorais, do concelho do Cadaval.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Projecto de lei
Do Sr. Carlos Eugénio de Vasconcelos, reorganizando a classe dos artífices 'do exército e remodelando as respectivas oficinas.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida, com a possível urgência, uma relação das pensões concedidas aos condecorados com a Ordem da Torre e Espada, a Cruz de Guerra e a
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Sessão de 24 de Abril de 1923
Medalha Militar de Valor Militar, nos termos dos respectivos regulamentos. — H. Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida, com toda a urgência, nota de todos os magistrados judiciais e do Ministério Publico que estejam desempenhando comissões de serviço dependentes do Ministério da Justiça ou doutro qualquer Ministério, declarando-se nessa mesma nota quais os que acumulam ou não essas comissões de serviço com as suas funções de magistrado.
Sala das Sessões. — Angelo Sampaio e Maia.
Expeça-se.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.