O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 70
(NOCTURNA)
EM 26 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Ex.mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Respondem à chamada 53 Srs. Deputados.
É lida a acta da sessão diurna, que é aprovada sem discussão.
Ordem da noite. — Parecer n.º 411-B, orçamento do Ministério do Comércio.
Entra em discussão o capitulo 1.»
Usam da palavra os Srs. António. Fonseca e Francisco Cruz, respondendo o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
Seguem-se os Srs. Paulo Cancela de Abreu, Ginestal Machado e Tavares Ferreira (relator).
Termina a discussão do capitulo.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte, ò hora regimental.
Abertura da sessão, às 22 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada, 63 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Página 2

2
Diário da Câmara dos Deputados
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
José Domingues dos Santos.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António. Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dínis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
Jorge Barro s Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Página 3

3
Sessão de 26 de Abril de 1923
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 22 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 22 horas e 15 minutos.
Foi lida e aprovada a acta da sessão diurna.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o orçamento do Ministério do Comércio. É lido o parecer.
Parecer n.º 411-(b)
Senhores Deputados. — Difícil é sempre relatar um orçamento em que, entre a grandeza, das necessárias despesas e a pequenez das respectivas verbas, se ergue o imenso obstáculo da penúria do Tesouro, que impõe forçadas reduções.
Neste momento, porém, essa dificuldade muito maior se torna, atenta a constante e extrema variabilidade dos preços de todos os artigos. No ilimitado exagero a que a desvalorização da moeda e a desenfreada especulação nos têm arrastado, não há previsões possíveis. O que hoje custa dez, custa amanha o dôbro, o triplo e mais, tornando insuficiente o que ainda ontem se considerava excessivo. E a imensidade do imprevisto, ultrapassando os limites do razoável e do compreensível, a que os melhores cálculos não resistem, por mais seguros que pareçam.
E se uns, pela sua grandeza e natureza, mais do que outros estão sujeitos ao fracasso da sua previsão, dêles se não podem excluir os que respeitam a êste Ministério, pela quantidade e qualidade das obras que dele dependem.
Na impossibilidade, bem manifesta, do se poder dar uma opinião segura sôbre as verbas propostas tendo em atenção os preços correntes, só no seu confronto com as de alguns anos anteriores porventura se encontrará base para formar juízo com algumas probabilidades de acerto.
E como o ano do 1915-1916 foi o primeiro da guerra em que os seus efeitos se começaram a sentir, e o de 1919-1920 foi o imediato ao armistício seguido da paz, pareço-nos que nenhuns outros como elos se devem tomar para pontos de referência.
E o que só faz no seguinte mapa:
Despesa total do Ministério
[Ver mapa na imagem]
a) Está incluída a desposa com a instrução comercial o industrial que nosso ano dependia do Ministério da Instrução.

Página 4

4
Diário da Câmara dos Deputados
Demonstram-nos êstes números que as despesas de 1919-1920 atingiram menos de três vezes as de 1915-1916, ao passo que as previstas para 1923-1924 se aproximam de dez vezes.
Embora dêste Ministério dependam importantes e dispendiosas obras em que a carestia mais se tem feito sentir, é ainda o funcionalismo que absorve a maior verba, como se verifica pelo seguinte mapa:
[Ver mapa na iamgem]
Vê-se por êste mapa que as despesas com os vencimentos em 1923-1924 se elevam a quinze vezes quási, as de 1915-1916. Sendo esta diferença devida à carestia da vida, que aumentou a despesa extraordinária com as subvenções, especial reparo merece a despesa ordinária de 1919-1920, que duplicou a de 1915-1916.
Porquê?
Porque à pequena melhoria dos vencimentos fixos se adicionou o excessivo aumento de funcionários.
Foi o malfadado ano da invasão burocrática, que tam cara nos tem saído e cujas conseqüências estamos sofrendo.
Só nos serviços da Secretaria Gerai e Direcção Geral de Obras Públicas s£ aumentaram 163 funcionários.
Havendo 1:192 em 1915-1916, o seu número subiu a 1:355, em 1919-1920.
Melhoraram ao menos os serviços? Não, infelizmente.
As provas que a prática à vista de todos tem patenteado são tam evidentes, que não há meio de as sofismar.
Só o efeito contrário somos forcados a reconhecer, efeito aliás lógico e inevitável, visto que em todos os serviços ao excesso de funcionários corresponde sempre a proporcional deminuïção da produtividade de cada um.
E tanto esta verdade se impôs que logo em Outubro do ano imediato o Ministro Sr. Velhinho Correia reorganizou êstes serviços fazendo neles sensível redução de funcionários, cujo número baixou a 1:139.
É elevado ainda?
É possível que num ou noutro serviço essa redução deva ser maior e que a sua organização não tenha correspondido na execução, nem ao objectivo, nem aos intuitos que a determinaram.
Se todos porém, cumprissem com os seus deveres, talvez se não pudesse reputar excessivo êsse número.
Mas emquanto houver funcionários que andam quási sempre ausentes dos seus lugares, dando aos trabalhos a seu cargo a mínima e até nula assistência técnica, tudo se passando como se não existissem, o público tem a lógica e natural impressão de que são em demasia e portanto dispensáveis.
Sem ofensa da verdade, não se poderá negar que nestas condições os haja.
Além do mau exemplo dado aos bons funcionários que pela sua competência e trabalho são dignos dos maiores louvores, nada produzem, a não ser a desmoralização e descrédito dos serviços, nem deixam produzir os outros, que com vantagem os podiam substituir.
Especial destaque merecem também outras verbas, não apenas pelo seu valor, mas principalmente pelo seu significado.

Página 5

25
Sessão de 26 de Abril de 1923
Estão neste caso as ajudas de casto e transportes.
Os seguintes números são bastante eloqüentes e elucidativos.
Em 1915-1916 estavam estas despesas orçadas em 55.844$.
Em 1919-1920 subiram a 124.990$, isto é, duas vezes aproximadamente as anteriores.
As propostas neste Orçamento elevam-se a 759.580$, ou seja treze vezes e meia as de 1915-1916.
No emtanto a taxa máxima das ajudas de custo é apenas cinco vezes a de 1915-1916, pois, sendo de 4$ neste ano, é actualmente de 20$.
Dir-se há que encareceram os transportes. E certo, Mas se separarmos os transportes das ajudas de custo, verificar-se há que a desproporção é ainda bem flagrante e. digna de reparo. Assim, por exemplo, as ajudas de custo aos funcionários das obras públicas, não incluindo os pagadores e chefes de conservação, foram orçadas no ano de 1915-1916 em 29.974$, ao passo que as do presente orçamento atingem 320.080$, ou seja mais de dez vezes.
Os subsídios de deslocação aos chefes de conservação em 1915-1916 foram computados em «1.100$, e neste orçamento em 75.600$, isto é, setenta e cinco vezes mais. Por isso as estradas estão... tam conservadas e fiscalizadas. Em 1915-1916 as ajudas do custo aos pagadores foram orçadas em 4.656$. Neste orçamento estão calculadas em 62.500$, isto é, mais de treze vezes a anterior.
A desproporção dêstes números, muito desigual em cada serviço, pois alguns há que não acusam aumento da verba do ano findo, apesar de a carestia da vida a todos atingir igualmente, dispensa comentários. Só uma conclusão se pode tirar: que aumentaram as viagens. E se estas fôssem ilimitadas, a verba total de 750.580$ podia ser tam insuficiente como a de 7:000.000$.
Para algumas delas porém, o artigo 51.º do decreto n.º 5:847-A, de 16 de Maio de 1919, indica as bases para os respectivos cálculos. Deles-se não afastam muito as reduções que esta comissão propõe.
Como despesas de administração, estão inscritos no artigo 30.º do capítulo 4.º 30.000$, com a inspecção e fiscalização das estradas, nos termos do artigo 31.º do decreto n.º 7:087. Por êste artigo pode a administração geral contratar para aquele serviço um automóvel ligeiro e as motocicletas que julgar necessárias. E, pois, para todos os efeitos uma despesa de transporte que deve ser cortada neste artigo, para ser inscrita no artigo respectivo com a redução que se propõe.
As verbas para aquisição de impressos e para material e despesas diversas vêm também aumentadas. Natural é que assim suceda, devido à constante elevação dos preços. Precisam, porém, pequenas correcções, pois tendo umas um aumento de 40 por conto, outras há em que essa percentagem sobe a 70 por cento.
As verbas para obras nos edifícios públicos trazem um aumento de 800.000$ sôbre as do actual ano económico. Compreende-se êsse aumento. Não deixa, no emtanto, de ser interessante o seu confronto com as dos anos anteriores já citados.
Despesas com os edifícios públicos:
[Ver Diário Original]
1915-1916
1919-1920
1923-1924
Acusam êstes números em 1919-20 um, acréscimo importante, que orça por umas sete vezes as importâncias de 1915-16. E que neste ano á invasão burocrática seguiu-se a inundação jornaleira. Mais de 4:000 operários foram admitidos nas obras do Estado. Mais do dois terços das verbas respectivas eram por êles absorvidos. E, como se não podia construir sem materiais, a sua produtividade era tam insignificante que mal se notava.
A intervenção enérgica do Ministro Sr. Lúcio de Azevedo iniciou o saneamento que se impunha. Mais de metade dos operários foram despedidos.

Página 6

6
Diário da Câmara dos Deputados
Actualmente, nos edifícios do Estado, trabalham cêrca de 1:000 operários.
Dêstes, 90 estão considerados inválidos pelas juntas médicas, ganhando entre 3$35 e 1$46; — 98 estão quási impossibilitados, e 115 têm uma produtividade inferior a 50 por cento da normal, por velhice e por doença, ganhando salários que vão de 4050 a 8$50.
Somente 697 estão, portanto, em condições de produção normal. Justo não seria que se não auxiliassem pecuniàriamente os operários que após longos anos da trabalho gê inutilizaram nas obras do Estado. Mas também não é razoável que sobrecarreguem as despesas das obras sem que para elas produzam qualquer trabalho.
A cargo da Assistência ou ao abrigo de uma caixa de reforma se deviam colocar. Emquanto, porém, isso se não fizer, só pelas obras podem ser subsidiados.
Em algumas verbas destinadas ao ensino industrial e comercial se fazem também reduções. Todo o nosso carinho e todo o auxílio do Estado merece, indubitavelmente êste ensino que é preciso propagar e desenvolver. Mas inscrevendo-se no orçamento uma verba nova de 200.000$ que tem a correspondente inscrição no orçamento das receitas, e que só aos melhoramentos dêste ensino se pode aplicar, bom compensados ficam os ligeiros cortes que a comissão vos propõe. Além disso com o câmbio actual não é certamente o momento mais oportuno para se adquirir material que só no estrangeiro é possível obter.
Estradas
De todos os serviços do Ministério é o mais importante. É o instante o magno problema que, de preferência e acima de qualquer outro, deve prender a nossa atenção.
O estado lastimoso a que as nossas estradas chegaram é bem conhecido destoe os. Na sua maioria em tal ruína se encontram, que é preciso fazê-las de novo.
A rede de estradas construídas tem hoje 4:288 quilómetros de 1.ª ordem e 6:037 quilómetros de 2.ª ordem, ou seja um total de 10:325 quilómetros. Encontram-se em construção 4:000 quilómetros, calculando-se em mais 5:000 quilómetros as necessárias para concluir a rede considerada mínima.
Segundo informações colhidas na respectiva administração geral, cada quilómetro a construir pelos processos modernos, custa actualmente 50.000$. Das estradas construídas um têrço precisa desta quantia por cada quilómetro a reparar, e os dois terços restantes devem absorver 20.000$ em média por quilómetro.
Por êstes cálculos seriam necessários 400:000.000$ pelo menos. Admita-se, porém, que êstes números são exagerados e que metade dessa importância bastaria. Ora no actual Orçamento estão inscritos somente 6:550.000$ para reparação e conservação das estradas.
Grande parte desta verba é consumida pelos cantoneiros, cuja utilidade a prática põe em dúvida.
Para pouco mais de nada chega o resto.
Ainda que as actuais verbas se duplicassem ou triplicassem, pouco se adiantaria. Deitar-se-iam mais uns remendos de pouca duração, em pano que já os não suporta.
No emtanto a solução dêste magno problema, não pode nem deve adiar-se por mais tempo, sob pena de ficarmos completamente privados desta espécie de viação, com incalculáveis prejuízos. para a economia nacional.
Requere a precária situação financeira do País os máximos sacrifícios? É inegável, mas por maiores que sejam os que a pobreza dos cofres públicos imponha, a êles não podemos submeter por mais tempo a inadiável reparação das estradas, se delas quisermos aproveitar ainda alguma cousa.
Algumas das nossas pontes ameaçam ruína. Outras, devido à sua construção, não oferecem condições de resistência ao movimento, que diariamente aumenta. Só para concertar às que de reparação mais urgente carecem seriam necessários 20:000.000$.
Pois no orçamento em discussão estão descritos para êsse fim uns magros 200.000$.
Inútil é, portanto, esperar que se possa resolver êste problema com as verbas orçamentais.

Página 7

27
Sessão de 26 de Abril de 1923
Só com muitas dezenas de milhares de contos se obterão eficazes efeitos. suportariam em um só orçamento tamanha despesa as nossas finanças? Não o contestamos.
Mas o mesmo se não poderá afirmar da verba de alguns milhares de contos para custear os encargos de um grande empréstimo com tal destino. E só por meio dum empréstimo será possível resolver com eficácia esta questão. Não é, porém, a esta comissão que compete indicar o melhor meio de o realizar. Para Ale chama, por isso, a atenção do Govêrno e do Parlamento, para que o estudem com aquela urgência e decisão que a ruína das estradas reclama. Por um dos anteriores Ministros do Comércio a esta Câmara foi apresentada uma proposta tendente a remediar êste mal. A respectiva comissão já lhe deu o devido parecer. Bom seria, portanto, que esta ou qualquer outra se discutisse com a possível brevidade.
Adiar êste assunto, é agravá-lo, tornando-o mais dispendioso.
Em face do exposto, esta comissão, esperando que o Govêrno e o Parlamento alguma resolução tomem a tal respeito, limita-se a propor-vos as seguintes alterações de que resulta uma economia de 270.000$ aproximadamente, pois os aumentos propostos têm a correspondente inscrição no orçamento das receitas.
[Ver Diário Original]
Capítulo 1.º
Artigo 2.º — Custeio do automóvel
Capítulo 2.
Artigo 4.º — Pessoal na disponibilidade e em serviço
Artigo 7.º — Pessoal destacado da Administração Geral dos Serviços Geodésicos, Topográficos e Cadastrais
Artigo 12.º — Ajudas de custo e despesas de transporte — Substituir por:
Engenheiros:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Arquitectos:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Engenheiros auxiliares:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Pessoal destacado:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Pagadores:
Ajudas de custo
Desposas de transporte
Adicionar:
Subsídio por transferência de diverso pessoal
Serviço de inspecção às pagadorias

Página 8

8
Diário da Câmara dos Deputados
[Ver Diário Original]
Artigo 13.º — Aquisição de impressos:
8.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade
Artigo 14.º — Material e despesas diversas:
Secretaria Geral do Ministério e Serviços de Obras Públicas
8.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública e pagadoria do Ministério
Pagadorias
Capítulo 3.º
Artigo 21.º — Despesas de administração:
Para pagamento de artigos de expediente, água e luz
Capítulo 4.º
Artigo 28.º — Pessoal na disponibilidade
Artigo 29.º — Ajudas de custo e despesas de transporte:
Ajudas de custo
Despesas de transporte, incluindo as da inspecção e fiscalização do serviço de estradas nos termos do artigo 31.º do decreto n.º 7:037
Deslocação dos chefes de conservação
Artigo 30.º — Despesas de administração:
Suprimir a rubrica «Despesas com a inspecção e fiscalização do serviço de estradas nos termos do artigo 31.º do decreto n.º 7:037".
Capítulo 5.º
Artigo 39.º — Pessoal na disponibilidade e em serviço
Artigo 42.º — Ajudas de custo e despesas de transporte:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Artigo 43.º — Despesas de administração:
Para pagamento de artigos de expediente, água, luz, compra de livros e publicações
Artigo 53.º — Construção, reparação e melhoramentos de estabelecimentos de ensino industrial e comercial
Capítulo 6.º
Artigo 56.º — Pessoal na disponibilidade e em serviço
Artigo 59.º — Despesas de administração:
Para pagamento de artigos de expediente, água, luz, telegramas internacionais e despesas diversas
Capítulo 7.º
Artigo 73.º — Despesas de administração: Para pagamento de impressos e outros trabalhos que forem mandados executar nas imprensas do Estado

Página 9

9
Sessão de 26 de Abril de 1923
[Ver Diário Original]
Publicação dos Boletins da Direcção Geral e da Propriedade Industrial
Para pagamento de artigos de expediente, água, luz, telegramas oficiais, compra de livros e publicações
Capítulo 8.º
Artigo 77.º — Direcção — Pessoal do quadro:
Acrescentar nos termos do decreto n.º 8:616, de 5 de Fevereiro de 1923: Gratificação de comissão
Repartição de Geodesia — Pessoal do quadro — Acrescentar:
Gratificações de comissão
Repartição de topografia — Pessoal do quadro — Acrescentar:
1 chefe — general — Gratificação de comissão
1 sub-chefe — coronel — Gratificação de comissão
4 adjuntos:
1 tenente-coronel — Gratificação de comissão
1 tenente-coronel — Gratificação de comissão
2 capitães — Gratificação de comissão
Artigo 81.º — Ajudas de custo e transporte — Substituir por:
Ajudas de custo
Despesas de transporte
Capítulo 9.º
Artigo 85.º — Material e despesas diversas:
Para pagamento de artigos de expediente, iluminação, telegramas, telefones e compra de publicações
Artigo 77.º (p. 41) — Operários e serventes:
Para pagamento de salários ao pessoal jornaleiro
Artigo 105.º — Operários e oficinas
Artigo 106.º — Prémios e missões de estudo
Instituto Industrial e Comercial de Coimbra
Artigo 122.º — Pessoal auxiliar de ensino:
4 preparadores — Vencimentos a 500$
Artigo 134.º — Ajudas de custo e despesas de transporte
Artigo 137.º — Instalação de novas escolas, oficinas e aquisição de máquinas do escrever para as escolas comerciais
Capítulo 12.º
Artigo 149.º — Remunerações por serviços extraordinários — Suprimir êste artigo e respectiva verba.
Artigo 150.º — Encargos não previstos nas dotações dos diversos serviços — Suprimir a seguinte rubrica e respectiva verba:
Para pagamento de encargos.não previstos nas dotações dos diversos serviços dêste Ministério, incluindo subsídios, ajudas de custo, transporte, salários, etc.
Artigo 151.º — Prémios e subsídios para exposições e concursos

Página 10

10
Diário da Câmara dos Deputados
[Ver Diário Original]
Capítulo 15.º
Artigo 159.º — Fundo especial de caminhos de ferro
Câmara dos Deputados. 3 de Março de 1923. — A. de Portugal Durão — T. J. Sarros Queiroz (com declarações) — Constâncio de Oliveira (com declarações) — Henrique Pires Monteiro — António de Paiva Gomes-João Luís Ricardo — Adolfo Coutinho — Jaime de Sousa — Lourenço Correia Gomes — Prazeres da Costa — Tavares Ferreira, relator.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — V. Ex.ª pode informar-me de quantos Deputados estão presentes?
O Sr. Presidente: — Estão presentes neste momento 55 Srs. Deputados. Está em discussão o capítulo 1.º
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: apesar de se ter assentado numa doutrina que torna inútil a discussão na generalidade dos orçamentos, consinta V, Ex.ª que dentro de período regimental, faça ligeiras considerações de carácter geral sôbre êste orçamento.
Entendo eu que o confronto deve ser feito pelo Orçamento de 1913-1914, por ser o primeiro orçamento equilibrado da República.
O orçamento do Ministério do Comércio foi sempre considerado como o terceiro, pois o primeiro era o do Ministério da Guerra e o segundo do Ministério das Finanças; depois, por vários motivos, vamos encontrar o orçamento dêste Ministério depois de todos os outros.
Pelas referências de 1913, reconstituí todos os Ministérios, num mapa que tenho presente, mas que não leio para não fatigar a Câmara.
Eu reduzi os; serviços de então a libras, fazendo um orçamento em ouro, como única maneira de estabelecer um confronto seguro mais tarde; e êste mapa, que não tem nenhuma espécie de exageros, demonstra claramente que devemos considerar como um êrro gravíssimo da administração do Estado o facto, de 1913 para cá termos abandonado, quási que por completo, os serviços de fomento nacional, que eram uma das principais causas de prosperidade do País.
Eu vou desenrolar lendo perante V. Ex.ªs um verdadeiro sudário.
Emquanto que as enormes percentagens que li, existem para os vários Ministérios, a percentagem do Ministério do Comércio é apenas de 40 por cento.
Isto prova, duma maneira absolutamente significativa, o pouco caso que se tem feito do fomento nacional.
Para fazer um confronto entre os actuais serviços do Ministério do Comércio é os serviços dêsse Ministério em 1913, eu dividi o total das verbas em três categorias: material e diversas despesas, pessoal e obras, melhoramentos, etc.
E então reduzindo a verba a libras, porque é esta a única maneira que tenho para fazer o confronto, encontro que actualmente só gasta em material e diversas despesas 33 por cento do que se gastava em 1913-1914, com pessoal 70 por cento e com obras de fomento 24 por cento do que se gastava nessa data.
Sr. Presidente: esta é a demonstração mais cabal do abandono a que têm sido votadas as. obras de fomento no nosso país!
Posso, sem nenhuma espécie de contradição séria, dizer que a questão do fomento económico está absolutamente paralisada.
Não me parece que haja efectivamente o direito de pedir, sistematicamente como se tem feito, dinheiro e sacrifícios de toda a ordem ao País, sem que êste veja ao mesmo tempo que são tratadas com carinho aquelas cousas que são absolutamente fundamentais e que constituem em todos os países a primeira obrigação do Estado.
Apoiados.
Não se compreende um Estado que não trate das suas comunicações, que são o principal objectivo de todos os povos cultos; não se compreende um Estado que não cuide dos seus serviços hidráulicos, pôrtos, caminhos de ferro, estradas, etc.,

Página 11

11
Sessão de 26 de Abril de 1923
e todavia nós vemos que em Portugal êsses problemas se vão agravando dia a dia.
Sr. Presidente: a proposta orçamental traz um aumento de despesa, sôbre a anterior, do 10:350.840$55, não compreendendo uma verba que é o «Fundo especial de caminhos de ferro".
É curioso observar que mesmo nesta proposta se mantém ainda a mesma percentagem a que já me referi, que denuncia, de facto, a paralisação das obras de fomento.
Ouçam V, Ex.ª o que vou expor.
Sr. Presidente: como havia a percentagem de 25,78 por cento, eu também quis ir ver se podia descortinar alguma cousa do que seria, por assim dizer, o rendimento.
E então verificamos que êstes milhares de contos são para a Administração Geral dos Edifícios Públicos, hospitais de Lisboa, Instituto de Medicina Legal, etc.
Sr. Presidente; o que verificamos é que efectivamente não há no actual Orçamento a possibilidade de encargos, como aliás é preciso criar definitivamente, para o instante problema do Ministério do Comércio, que é o problema das estradas, a que a própria comissão dedica especial atenção, fazendo largas referências as importantes disposições de natureza geral.
Sem querer fazer nenhuma espécie de acusação, ou censura, parece-me que não posso deixar de reconhecer, como causas dêstes factos de ordem geral, independentes dos partidos e da intervenção governativa e mil e uma preocupações da ordem pública e outros problemas mais, ou quási mais instantes, mas o que é facto é que não podemos deixar de acreditar que uma boa e sã política em matéria de estradas é que tem faltado à acção governativa.
E indiscutível que na legislação vigente há todos os meios para resolver o problema, embora tenha os seus defeitos, só faltando colocar à sua disposição os recursos financeiros indispensáveis.
E não será mais simples desenvolvê-la?
Basta que acautelemos todos os problemas que estão ligados à reparação, conservação e construção das estradas.
Deve estar a findar a meia hora que o Regimento me concede, para usar da palavra, e peço a V. Ex.ª o favor de me avisar, porque desejo era primeiro lugar cumprir- o Regimento, e porque tenho a vantagem de descansar.
Entendo que pelo orçamento do Ministério do Comércio é inadiável necessidade acudir às estradas do País, e o Parlamento não saberia corresponder às aspirações gerais se não satisfizesse as reclamações unânimes que por todo o território da República se formulam, não podendo efectivamente deixar perder o ensejo de resolver agora o problema das estradas.
E exactamente isso que vou propor, pedindo ao Sr. Ministro o favor de fazer sua a minha proposta, Vou explicar à Câmara.
Segundo os dados oficiais há actualmente 13:000 quilómetros de estradas e 7:000 quilómetros por construir. Mas de todos êstes quilómetros por construir, nom todos precisam de ser construídos, porque não se ignora que os planos gerais de estradas se fazem em cima da carta corográfica, riscando-se as estradas, sem que muitas vezes êsse risco corresponda de facto a uma necessidade.
Se realmente há hoje uma necessidade do construção, as construções inadiáveis seriam, quando muito, de 2:000 quilómetros, sendo o custo de cada quilómetro 50 contos, e o máximo que se poderia fazer seria 200 quilómetros por ano.
Quere dizer, teríamos de gastar, por ano, uma verba de 10:000 contos.
No que toca a reparações, seriam necessários 6:000 quilómetros, que custam 30 contos, e o máximo que poderíamos fazer seria 600 quilómetros por ano, o que custaria uma verba anual de 18:000 contos.
Em vista dêstes elementos, peço aos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio que façam suas estas propostas do meu projecto.
O Sr. João Luís Ricardo: — E para continuarem a ser administradas pelo Estado?
O Orador: — No artigo 4.º encontrará V. Ex.ª resposta à sua pregunta.
Lembrei-me de propor um regime semelhante àquele que já tinha proposto em tempo, e que a Câmara adoptou.

Página 12

12
Diário da Câmara dos Deputados
Se cito o artigo 4.º é porque julgo indispensável saber quais as verbas para estradas que têm tido uma administração mimosíssima...
O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo): — Com a política é que se têm feito as estradas.
O Orador: — Sr. Presidente: todas as hipóteses me parecem absolutamente indispensáveis para que se fixe o máximo esfôrço, no sentido de acabar as estradas do País, encarando o problema de uma só vez, fixando o que na a fazer para a sua realização.
Êste artigo 4.º diz que ou se faz tudo ou não se faz nada.
Peço ao Sr. Ministro das Finanças o favor de perfilhar esta proposta, porque creio, que imediatamente traria um benefício para o País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: breves considerações que devem merecer a atenção da Câmara e do País.
Disse o Sr. António Fonseca que a maior parte, das verbas destinadas no Ministério do Comércio são absorvidas com pessoal, e, que para fomento pouco fica.
Não temos estradas, não temos caminhos de ferro e quási não temos pôrtos.
Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado dos nossos pôrtos e dos nossos rios.
Alguma cousa conheço do País, e sei que muitos dos seus pôrtos estão assoreados, impróprios para a navegação, com prejuízo da indústria e do comércio.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que entre nós há apenas liceus em miniatura, onde a maior parte dos seus directores desconhecem as profissões que devem ser ministradas aos seus alunos.
Existem, de facto, muitas escolas, mas que na realidade para nada servem, pois que na verdade não tem instalações próprias nem o material necessário para produzirem o que deviam produzir.
Não quero também deixar de me referir aos serviços autónomos, pois a verdade é que alguns há que estão prejudicando enormemente a economia do País, devido à sua má administração.
Haja vista o que se está dando com a exportação do frutas, devido ao aumento das tarifas, o que prejudica enormemente a economia nacional.
Isto, Sr. Presidente, a meu ver, é muito grave, tanto mais quanto é certo que temos uma grande exportação de frutas, exportação esta que não mais se fará devido ao aumento, das tarifas ou taxas estabelecidas pelo pôrto de Lisboa.
Se bem que nós tenhamos uma grande exportação de frutas, conforme já disse à Câmara, o que é um facto é que, devido ao aumento das tarifas estabelecido pelo pôrto de Lisboa, essa exportação não se tem feito para os mercados estrangeiros, o que na verdade muito nos prejudica.
Um dos assuntos que mais merecem a atenção do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, e para o qual eu chamo também a atenção da Câmara, é o que diz respeito ao estado deplorável em que se encontram as nossas estradas.
Afigura-se-me que hoje não há dinheiro que chegue para as concertar, e assim estou na disposição de apresentar na próxima segunda-feira, a esta casa do Parlamento, um projecto de lei, que muito bem se poderá chamar de salvação pública.
O estado em que sé encontram as nossas estradas é de tal ordem criminoso, que, se não se lhes acode, em um ano mais elas estarão representando, um prejuízo económico gravíssimo.
Serão necessários centenares de milhares de contos para que se possa fazer alguma cousa.
Vou expor à Câmara o meu projecto.
Criarei em cada concelho uma comissão composta dum industrial ou comerciante, dum proprietário e dum chefe de conservação da respectiva área.
Essa comissão fará com que todos os proprietários cedam os seus carros para o transporte do material necessário para as estradas.
Uma voz: — E uma violência.
O Orador: — É uma violência mas é transitória.
Estabelecesse uma tarifa remida a dinheiro.
Além disso, os proprietários que quei-

Página 13

13
Sessão de 26 de Abril de 1923
ram empregarão os seus carros nos transportes de passageiros.
Pregunto à Câmara e ao País se isto não representaria um benefício enorme em todas as províncias e no País em geral.
Tenho conversado com proprietários, e do melhor grado aceitam esta proposta.
Julga a Câmara que é uma violência? Estou convencido de que a maior parte dos proprietários do País faria o sacrifício de em quatro ou cinco dias cederem os seus carros.
Da melhor boa vontade o faziam.
Na segunda ou têrça-feira apresentarei à Câmara êste projecto de lei.
Posso com essa responsabilidade.
Em momentos graves pedem-se ao País pesados impostos para bem da colectividade.
Procedendo-se assim, de futuro se poderão servir das estradas, podendo assim melhorar a vida nacional.
Poderá, Sr. Presidente, a muitos Srs. Deputados parecer isto impraticável, porém, para mim isto poder-se há fazer muito fàcilmente, desde que seja feito por pessoas competentes e dignas.
Não tenham V. Ex.ª dúvidas a êsse respeito, sendo isto, a meu ver, duma grande utilidade, pois a verdade é que esta é a única forma de termos estradas em bom estado, visto que não há dinheiro que chegue para as reparar, conforme eu já disse à Câmara e me foi confirmado pelo próprio administrador geral.
A esta lei eu poderei chamar de salvação pública, pois a verdade é que nos vemos obrigados a adquirir material moderno, como existe na vizinha Espanha, que muita gente diz que está atrasada, mas que na realidade está em condições muito melhores do que Portugal.
Sr. Presidente: depois de ter exposto o meu ponto de vista, que não sei se foi, bem compreendido, ou se por minha infelicidade não me fiz bem entender, eu, Sr. Presidente, como disse a V. Ex.ª e à Câmara, prometo trazer a esta casa do Parlamento na próxima segunda ou têrça-feira o projecto de lei a que me referi, de forma a que não só o Sr. Ministro do Comércio como a Câmara o possam apreciar devidamente, pois estou absolutamente convencido de que é esta. a única
forma de termos as estradas devidamente em ordem.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: uma vez que realmente na discussão sôbre a generalidade do orçamento não foi oportuno dizer alguma cousa do que existe da experiência e do estudo dêstes, assuntos, como Ministro que actualmente dirige esta pasta, mercê duma multiplicidade de assuntos que estão ligados entre si, eu aproveito agora na discussão da especialidade a oportunidade, em vista das considerações feitas pelo orador que me precedeu, para comunicar o que se me afigura de melhor acêrca dos assuntos a que me vou referir.
Efectivamente, já quando se discutiu a lei n.º 1:355 me foi dado conhecer, como Deputado ao tempo, e não pensava nessa altura que viria a sobraçar esta pasta, que os serviços autónomos do Ministério se deveriam limitar dentro dos seus rendimentos, e eu já nessa ocasião disse ao ilustre relator que mo parecia que essa aspiração não era irrealizável, e que devíamos fazer o possível para que ela se confirmasse.
Efectivamente foi autorizado para os Caminhos de Ferro do Estado um aumento de tarifas, sem o qual se não podia fazer face a certas despesas, pois se estava fazendo o pagamento a funcionários em termos da verba exceder muitíssimo ao que estava na lei. Daí se passou para a taxa fixa de 90 por cento. A isto deu a comissão de Orçamento parecer favorável, concordando imediatamente, porque era preciso ponderar e elevar as tarifas ao ponto de tornar possíveis os serviços.
Mas o artigo estava consignado na lei, tinha de se cumprir, e mais tinha de ter cumprimento no dia 1 de Janeiro do corrente ano, e eu, que não tinha a responsabilidade dessa lei, todavia de acôrdo com a Direcção dos Caminhos de Ferro do Estado, que me prestou um grande serviço, tomei a missão da reorganização que hoje comuniquei à Câmara, e entendo que não só a reforma do Sr. Velhinho

Página 14

14
Diário da Câmara dos Deputados
Correia vem atender ao artigo 1:355, como também, traz uma grande economia nos serviços do caminho de ferro.
Há talvez um milhar de lugares que tem de ser suprimidos, mas é claro que devo dizer à Câmara que eu não posso atirar para a miséria êsses funcionários, e como a lei manda que no dia 1 de Janeiro hão-de sair, é claro que irão para os encargos do Estado e êsses indivíduos serão admitidos» nos termos do decreto em vigor.
Assim com relação aos caminhos de ferro ficaria o problema — me parece — resolvido, dando-se satisfação ao artigo 36.º da lei n.º 1:355.
E isso com a aquisição do material por meio das reparações alemãs, ficando os caminhos de ferro mais aperfeiçoados, podendo portanto concorrer mais largamente para o desenvolvimento do fomento nacional.
Com respeito a correios e telégrafos, eu acho as taxas um pouco exageradas, e sou de opinião que se estude principalmente a redução a fazer, começando primeiro por tudo o que diga respeito a serviços para a Assistência, e passando dessas para tudo o que diga respeito à economia nacional, sindicatos, etc.
Conto também, em relação aos correios e telégrafos, dar cumprimento integral ao artigo 36.º da lei n.º 1:355.
O pôrto de Lisboa encontrei-o já funcionando duma maneira completa, para ir entretendo as obras indispensáveis para êle tomar o carácter de pôrto comercial.
E certo que se recorreu ao agravamento das taxas, mas se formos a comparar com o que se paga lá fora, nos pôrtos estrangeiros, as nossas taxas ainda são das mais pequenas que se pagam.
Em relação ao ensino comercial e industrial, eu procuro obter o material necessário porá o desenvolver, e além disso o Sr. Ministro da Instrução pensa numa reforma que torne dependente do seu Ministério êsse ensino, para evitar esta disseminação de instrução que se está dando actualmente, e que, em vez de especialização, só produz a confusão.
Mas julga-se também que há mais especialização na permanência da instrução especial e técnica no Ministério do Comércio, do que haverá no Ministério da Instrução, sendo a instrução geral aquela que mais preocupa.
Mas oportunamente isso se discutirá, quando o Sr. Ministro da Instrução trouxer a sua reforma.
Pelo que diz respeito às administrações gerais, parece-me que se caminha, já não direi em maré de rosas, mas pelo menos com as verbas suficientes para a conservação dos edifícios...
Com relação à Administração Gorai dos Serviços Hidráulicos, principalmente emquanto à conservação das estradas com a administração dos serviços hidráulicos, êstes tinham apenas a verba de 150 coutos.
O mais estava completamente absorvido pelo pessoal.
De modo que eu apresentei uma proposta, que foi carinhosamente recebida nesta Câmara, para reforma das respectivas verbas.
Ela foi para o Senado, e apesar de eu ter comparecido há já algumas sessões naquela Câmara, ainda não foi aprovada.
Há estradas que, passando sôbre elas mais um ano, ficam derrotadas, como por exemplo as de Alpiarça e de Santarém a Almeirim.
Em todo o caso, a administração geral está agora melhor dotada, dizendo-me até já o Sr. administrador que êste ano poderá fazer o serviço que lhe compete.
Creio que até aqui não tenho dito à Câmara cousa que lhe não mereça a sua atenção.
Pausa.
E assim, Sr. Presidente, eu vou passar ao problema das estradas, o único que realmente me preocupou assombrosamente.
Chegava a considerar um pouco como desonra dos meus merecimentos, que não são nenhuns (não apoiados), mas refiro-me aqui às minhas funções dentro do Ministério, se por todas as maneiras tivesse de vir ao Parlamento sem ao menos poder dizer: está aqui um trabalho.
Não me preocupava com a construção, mas sim com a reparação, porque estava absolutamente certo de que cada ano que passa é mais um agravamento para o estado das estradas (Apoiados), resultando um incómodo para quem transita e por conseqüência um mal para a economia nacional.

Página 15

15
Sessão de 26 de Abril de 1923
Estava avaliada a verba para a reparação de estradas em 400:000 contos, num período de tempo que não poderia ir além do dez anos, para que essa reparação se tornasse produtiva.
Como arranjar essa verba? É preciso atender à generosa aspiração de resolver o problema, e é preciso atender a outras circunstâncias.
Para isso, atendendo aos estragos provenientes da velocidade dos automóveis e da trituração dos grandes pesos, temos que fazer hoje pavimentos absolutamente diversos dos que só estão a fazer, para assim durarem, mais do que os habituais seis meses.
Para êsse efeito, torna-se necessária uma verba importante para a aquisição do material necessário e da maquinaria apropriada.
Ora é isto um serviço que nestas condições se não pode entregar às Juntas Gerais.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Quando foi da reünião do Congresso das Câmaras Municipais, afirmou-se lá que V. Ex.ª tinha prometido entregar as estradas às Juntas Gerais.
O Orador: — Essa afirmação foi devida à resposta que eu dei no Senado ao Sr. Costa Júnior, quando naquela Câmara tratou dêsse assunto.
Nessa ocasião eu disse que cumpriria a lei quando a pudesse cumprir. Por conseqüência estamos ainda na mesma.
Ainda ante-ontem eu recebi cêrca de 100 telegramas de câmaras municipais pedindo que dêsse satisfação à representação, entregando-lhe as pontes, as estradas e as verbas orçamentais.
Se o fizesse, estou convencido de que praticaria uma má acção. Quando estiverem reparadas, então sim.
A solução dêste problema, a meu ver, se é possível, com um projecto como o que apresentou o Sr. António Fonseca ou. outro semelhante.
A proposta mais interessante que me tem sido esboçada é a seguinte: A Shell, que parece estar ligada com a casa Pearson, especialista em construção e reparação do pavimentos, pensa apresentar uma proposta para a reconstrução da grande estrada internacional de turismo, a qual será aquela que entrando por Valença vem até Lisboa e de Lisboa seguirá até Sevilha.
Conjuntamente reparará o triângulo de turismo Cascais-Sintra Lisboa, e, diz essa casa, para que os lisboetas vejam a qualidade dos materiais que empregamos, pedimos que nos deixem reparar a Avenida da Liberdade.
Em troco de quê? Da dispensa dos direitos da gasolina.
Eu tinha convidado a Shell para que concretamente me dêsse a proposta, para eu a trazer à Câmara no dia em que começasse a discussão do orçamento do meu Ministério, mas não o pude conseguir.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — Seria naturalmente por isso que houve tanta demora em se começar a discussão dêste orçamento.
O Orador: — Não foi por isso.
O Sr. Charles Bleek teve ontem uma entrevista comigo, e por S. Ex.ª foi-me dito que estava em negociações com a casa de Londres para se fazer o cálculo dos lucros, porque lhe parece ainda que sôbre esta base se possa fazer uma nova proposta.
Eu já lhe tinha dito que, mesmo quando não fôsse sôbre essa base, podia ser sôbre uma outra, ficando o Estado obrigado a pagar para o ano qualquer cousa.
Apresentada essa proposta à apreciação dos técnicos, eu apenas a tenha trazê-la hei à Câmara dos Deputados para ela a apreciar devidamente e indicar ao Ministro qual a orientação que êle tenha de seguir.
Com a proposta do Sr. António Fonseca e com a proposta da casa Shell, que eu tenho a esperança de trazer à Câmara, nós poderemos considerar solucionado, com grande interêsse para o País, o problema das estradas.
Parece-me que desta maneira terei dado à Câmara as explicações mais urgentes e necessárias para ela poder discutir o orçamento do meu Ministério, com o conhecimento do que são as intenções do Ministro.
Se acaso V. Ex.ªs quiserem mais explicações, o ilustre relator poderá dá-las,

Página 16

16
Diário da Câmara dos Deputados
e, se necessário fôr, eu as darei também.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cancela de Abreu não reviu os seus àpartes.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O capítulo do orçamento em discussão diz respeito aos vencimentos do Sr. Ministro do Comércio e dos seus secretários; e, contudo, não ouvi que qualquer dos ilustres oradores que falaram se referissem a êste assunto!
Eu, por minha parte, reservo-me para, sôbre cada capítulo, me pronunciar em relação à matéria respectiva.
Isto não quere dizer que, apesar dos oradores que me precederam e do Sr. Ministro do Comércio terem falado manifestamente fora do Regimento, eu não tivesse ouvido as declarações de S. Ex.ªs com prazer, e folgo que os optimismos do Sr. Ministro do Comércio se confirmem.
Todos nós teremos a lucrar com isso. Por agora, direi a S. Ex.ª que, em relação ao artigo 36.º da lei n.º 1:350, me parece que S. Ex.ª não poderá passar de uma aspiração justa, a não ser que marque o prazo até 31 de Janeiro.
Sôbre o capítulo 1.º em discussão, eu devo repetir o que já disse aqui em relação ao capítulo 1.º do Ministério do Interior.
Entendo que é indispensável modificar verbas relativas a transportes.
Em matéria de transportes gastam-se pelos diversos Ministérios, e especialmente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo Ministério da Guerra, verbas verdadeiramente escandalosas!
Nestes dois Ministérios a verba despendida no ano passado foi verdadeiramente exorbitante.
Era muito mais justo que, em vez de haver uma verba variável para transportes, se entregasse a cada Ministro, para êsse fim, uma verba fixada anualmente, e que cada Ministro aplicasse essa verba como entendesse.
Se quisessem andassem de automóvel, ou, como os Ministros da monarquia, em trem da Companhia.
Acabava-se assim com êste exagero de verbas para transportes que, especialmente no Ministério dos Negócios Estrangeiros e no Ministério da Guerra, excedem todas as marcas.
Isto é o que mo parece que se deveria fazer.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: apraz-me sempre ser fiel cumpridor do Regimento, porque é a nossa lei, e eu prezo-me de respeitar e cumprir a lei.
Mas tem acontecido que se tem falado, a propósito do capítulo 1.º, em todo o Orçamento.
Assim falou o Sr. António Fonseca, e com aplauso meu, e embora eu não me possa igualar em autoridade a S. Ex.ª, vendo que todos falaram na generalidade, entendi que o Partido Nacionalista alguma cousa devia dizer.
É certo que já falou o Sr. Francisco Cruz, membro do partido a que me honro de pertencer, mas S. Ex.ª no fim do seu discurso disse que tinha falado como bolchevista, e veja a Câmara o que daqui poderia resultar: era o Partido Nacionalista, que é um partido conservador, poder aparecer amanhã como um partido bolchevista.
De maneira que o Sr. Francisco Cruz obrigou-me a falar, e V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara terão o incómodo de me ouvir durante algum tempo.
Eu deveria, para não infringir completamente o Regimento, dizer alguma cousa acêrca do capítulo 1.º, e realmente a seu respeito eu posso preguntar ao Sr. Ministro do Comércio ou ao Sr. relator como é que S. Ex.ªs encontraram maneira de reduzir a verba para despesas com o automóvel.
Certamente é porque S. Ex.ª o Sr. Ministro se dispensa de usar o seu automóvel na maior parte dos dias, porque, segundo as informações que eu tenho, um automóvel para serviço aturado deve gastar muito mais do que a verba consignada no Orçamento.
E não fazia isto simplesmente para lhe acontecer, como diz o nosso grande escritor moderno Eça de Queiroz, «para espantar o indígena» — que é a tradução portuguesa do «pour epaté le bourgeois» — fazendo reduções para pedir depois aber-

Página 17

17
Sessão de 26 de Abril de 1923
turas de novos créditos. E mau princípio êste.
A parte mais interessante neste orçamento está na parte que vai desde o capítulo 4.º até o fim, porque os capítulos anteriores ao 4.º quási que dizem apenas respeito às despesas com pessoal, e que quási não precisavam ser discutidos; desde que não se apresente uma reforma dos serviços não vale a pena estar a discutir êsse assunto.
Sr. Presidente: começa realmente o interêsse do Orçamento no capítulo 4.º, e eu estou de acôrdo quási na totalidade com o Sr. António Fonseca, e agrada-me estar de acôrdo com S. Ex.ª de que o estavam a querer namorar da parte do Partido Nacionalista.
O Sr. António Fonseca: — Aqui é que mo disseram que ea estava sendo namorado pelos Srs. nacionalistas.
O Orador: — E — sem desta vez lhe querer fazer namoro — quando S. Ex.ª se ocupou da questão técnica e política económica-financeira, em que hoje tem muitíssima autoridade, eu sinto-me perfeitamente de acôrdo com as suas ideas.
Constou que a minoria nacionalista tinha feito um certo namoro ao Sr. António Fonseca, e, Sr. Presidente, eu que tenho um grande interêsse pelo desenvolvimento do Partido Nacionalista, penso que procurar trazer para êste partido as pessoas cujas ideas não são incompatíveis com as do Partido Nacionalista, não me fica mal que faça a diligência para trazer para o meu Partido homens que tenham o valor do Sr. António Fonseca.
Confesso que tenho sido eu que tenho feito namoro ao Sr. António Fonseca.
O Sr. António Fonseca: — Confesso que ainda não dei por isso...
O Orador: — E porque V. Ex.ª é muito esquivo...
Risos.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª é extremamente amável.
O Orador: — E sempre próprio de quem vale muito, o dificultar-se um pouco. Pausa,
O Orador: — Entrando agora, Sr. Presidente, pròpriamente no assunto — capítulo 4.º — que era aquele a que me desejava referir, direi que todas as palavras que se profiram para marcar a necessidade urgente, inadiável, de atender às estradas, sobretudo de formular uma política clara e definida acêrca das estradas, é uma política que não pode ser só de um partido, porque é do todos os partidos da República, que tem de ser uma política nacional (Apoiados); todas as palavras para afirmar isto são quási desnecessárias.
E fundamental para nós, para a economia da Nação, para a regeneração das finanças públicas, para o equilíbrio, emfim, da política portuguesa, o resolver o problema das estradas de facto, e não com palavras.
Apoiados.
E preciso Sr. Presidente, que haja mais do que palavras. E preciso que o Sr. Ministro do Comércio, em nome do Govêrno, diga qual a política a seguir a êsse respeito.
Falou S. Ex.ª na política ferroviária, falou na política das estradas, aludindo até a uma proposta que lhe fizeram. Mas é preciso também que a política do Govêrno e a política de S. Ex.ª se estabeleça e se continue, e que o Govêrno que suceda ao actual — e eu espero que seja daqui a bastante tempo — não esteja a fazer uma política nova a êsse respeito.
As nossas estradas, toda a gente o reconhece, não são estradas; para se verem, permita-se-me o paradoxo, é preciso sair-se fora delas. Há pontos em que, para se aproveitar a estrada, e em alguns lanços, tem de se ir à beira dela. Os próprios vizinhos dão em gastar palavras para evidenciar o estado lastimoso das estradas, que chega a parecer cousa criminosa pela incúria que revelam. O estado a que chegaram as nossas estradas,, impossibilita o desenvolvimento económico do País.
As estradas, sejam as ordinárias, sejam aquelas que servem para a viação acelerada, não assentam numa base sólida.
E contudo, as estradas representam para a vida nacional o que a função vascular representa para a vida do indivíduo.

Página 18

18
Diário da Câmara dos Deputados
Se a viação não é regular, não pode a vida económica do País deixar de ser anárquica, como é a nossa, e sem economias, sem ser tudo regularizado, aperfeiçoado, harmónico e desenvolvido dentro do possível das suas possibilidades, é escusado pensar que nós possamos sair dessa situação que dia a dia mais asfixiante se nos torna, e que se não resolve com habilidades, que se não resolve com decretos como o dos lucros ilícitos.
A nossa situação só se resolvia aproveitando a fôrça potencial de todos o País, e ela não pode ser aproveitada sem haver estradas regulares.
V. Ex.ªs são todos pessoas que conhecem a história de todos os povos, e vêem que não havia nenhum que se não preocupasse com as relações exteriores, com as suas vias de comunicação.
Ainda há pouco lembrava o Sr. Dr. Vidal o grande exemplo das estradas romanas, das quais os rostos q"e ainda, hoje existem atestam o carinho com que elas eram construídas.
O Sr. Velhinho Correia: — Mas as estradas romanas tinham o objectivo da ocupação militar.
O Orador: — Eu sou ainda professor dumas classes elementares de história, o sei que as estradas romanas eram para os eleitos comerciais, de grande importância.
V. Ex.ª está a confundir essas estradas com as que se fizeram nos limites do Império Romano e que comunicavam com os acampamentos permanentes do Rio Reno.
Agora as estradas que vinham para ocidente, para a península ibérica, essas eram comerciais, porque a península chegou a ser celeiro de Roma.
Sr. Presidente: é indiscutível que êste problema das estradas tem de ser resolvido o mais depressa possível, e é um problema para o qual ou chamo a atenção da Câmara e sobretudo dos Deputados republicanos. E indispensável fazer sentir às populações rurais os benefícios da República, porque francamente, se nos limitarmos a andar a pregar e a prometer cousas, dentro em pouco ninguém nos acredita e têm razão.
As populações rurais estão a conhecer a República apenas pelos agentes do fisco. Não a conhecem por mais nada.
Em muitas localidades já se encontram estações telegrafo-postais fechadas, parecendo que o mesmo irá suceder a outras. Não sei, Sr. Presidente, qual é a política que sôbre esto problema o Govêrno pretende seguir...
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — É minha convicção que essas estações fecharam porque a receita não dava para a despesa.
O Orador: — Mas mesmo que assim seja, nem todos os serviços públicos são para dar receita. É êste um critério que não posso aceitar.
Digo isto sinceramente, e com pesar eu sinto, em muitas populações uma certa animosidade contra o regime pelo facto de serem fechadas as estações, porque isso lhes traz grandes prejuízos.
E êste, Sr. Presidente, um dos casos em que a Nação, gastando mais umas centenas de contos, faria talvez uma grande economia.
Tenha V. Ex.ª a certeza, Sr. Ministro, de que, se trouxer a esta Câmara uma proposta de lei que revogue essa disposição, que não permite que existam estações telégrafo-postais em certos lugares onde são pequenas as receitas, todos os Deputados aprovarão essa disposição.
Com relação à instrução, limitou o Estado á sua acção a criar programas extraordinários e mirabolantes.
Criámos os programas extraordinários, e acontece que as escolas não estão sendo freqüentadas.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Isso apesar de os professores ganharem actualmente bem.
O Orador: — Deixe-me V. Ex.ª dizer-lhe: se o professor fôr competente, não ganha demais.
E uma injustiça o dizer-se que os professores ganham muito, se atendermos às habilitações que se lhes exigem e às funções que êles desempenham.
Se reduzirmos ao padrão ouro o que ganham actualmente os professores, nós veremos que êles ganham uma insignificância.

Página 19

19
Sessão de 26 de Abril de 1923
Os professores fórum sempre mal pagos. Principalmente antes da República se implantar êles eram miseravelmente pagos, e a promessa dos republicanos antes da implantação da República era de se atender a êsses servidores do Estado. Nos países de mais adiantada civilizarão os professores são funcionários dos mais bem remunerados e dos mais considerados.
E preciso remunerá-los devidamente, mas exigir-lhes que cumpram o seu dever (Apoiados), e se não se lhes exige, a culpa é de quem os dirige.
Interrupção do Sr. Cancela de Abreu quê não se ouviu.
O Orador: — Já hoje se disse aqui que os Deputados dêste lado da Câmara pareciam correligionários da minoria monárquica...
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — V. Ex.ª teve conhecimento das palavras que me escaparam, mas não teve conhecimento das explicações que dei. Relativamente a êsse programa republicano de melhorar os serviços de instrução primária, isso está tam largamente feito que, em escudos, se gasta hoje com o professorado primário mais do que se gastava no tempo da moeda valorizada com os professores de instrução primária, secundária, superior e especial.
O Orador: — Eu agora não me referia a V. Ex.ª
Segundo uma notícia que veio nos jornais, no último congresso democrático, quando quiseram ter a gentileza de nos propor uma saüdação, como aliás nós tínhamos feito, e como é de boa praxe entre pessoas que trabalham no mesmo campo, houve quem dissesse que o Partido Nacionalista, fora de Lisboa, não era republicano, pois que fora de Lisboa só havia republicanos democráticos.
Vozes: — Não apoiado. Não ouvimos tal.
O Orador: — Mas veio isso dito nos jornais.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem apenas dois minutos para concluir as suas considerações.
O Orador: — Acerca do capítulo 4.º, eu estava a explicar que só não estava de acôrdo em que o empréstimo fosse em escudos, porque tenho a esperança de que havemos de chegar à paridade cambial, e que, havendo boa administração, não será difícil trazer num período relativamente curto o câmbio para a divisa de 12 ou de 15.
Nestas condições; um empréstimo em escudos tornar-se há depois muito oneroso.
Seria muito mais vantajoso para a economia do País que o empréstimo fôsse em ouro.
Quanto ao mais estou de acôrdo com o Sr. António Fonseca, e acho necessário aproveitar-se a criação dos serviços autónomos, que se deve ao Sr. Velhinho Correia.
Sr. Presidente: não quero abusar da bondade de V. Ex.ª e da atenção da Câmara, e dou por concluídas as minhas considerações.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foiçam revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: em poucas palavras vou responder aos oradores que falaram sôbre o Ministério do Comércio, e faço-o mais pela muita consideração que tenho por S. Ex.ªs e por ser obrigado a isso como relator, do que de facto tenha de rebater quaisquer atitudes de S. Ex.ªs, pois, em gerai, estão de acôrdo. De mais, ainda a discussão que fizeram foi sôbre a generalidade do Orçamento, e só ao ilustre Deputado Sr. Ginestal Machado tenho de responder mais concretamente, pois me pediu uma informação sôbre êste capítulo.
Sôbre estradas todos mais ou menos estão de acôrdo, e o Sr. António Fonseca chega à mesma conclusão da comissão.
Outros oradores referiram-se mais positivamente a outros capítulos, e quando lá chegarmos então responderei.
Quanto à verba para o automóvel do Ministério do Comércio, eu fiz uma comparação com os outros Ministérios, fora o dos Negócios Estrangeiros, que tem uma verba superior.

Página 20

20
Diário da Câmara dos Deputados
Não adoptei nem o máximo nem o mínimo, e por isso fixei a verba de 15 contos, deixando aqui de concordar com o Sr. Cancela de Abreu, que é da opinião que melhor seria estabelecer uma verba para automóveis.
Creio ter por aurora respondido, reservando-me para quando se discutirem os outros capítulos responder aos oradores que a êles se referiram.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sobre o modo de votar): — Não há número para votações; o melhor é V. Ex.ª encerrar a sessão, para evitar uma chamada, pois de contrário eu requeiro a contagem.
O Sr. António Fonseca: — Mando para a Mesa um requerimento.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 0,30 minutos.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×