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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 71
EM 27 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Procede-se à chamada, à qual respondem 41 Srs. Deputados.
O Sr. António Maia, para interrogar a Mesa, pregunta se o Sr. Ministro da Guerra já se deu por habilitado a responder à sua interpelação.
O Sr. Presidente informa que não.
Faz-se a leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Leote do Sego ocupa-se das negociações com a União Sul-Africana, mandando para a Mesa uma moção.
Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
É rejeitada a urgência e dispensa do Regimento para a moção do Sr. Leote do Rêgo.
O Sr. Hermano de Medeiros pretende tratar em negócio urgente da ordem pública.
Não é reconhecida a urgência.
Entra em discussão o parecer n.º 426, usando da palavra o Sr. António Mendonça.
Ô Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas), apresenta uma proposta de lei, para a qual o Sr. Sé Pereira requere urgência e dispensa do Regimento, que a Câmara não concede.
O Sr. Ministro do Comércio (Vás Guedes) apresenta duas propostas de lei, requerendo urgência e dispensa do Regimento, sem prejuízo da discussão do parecer n.º 426.
É aprovado o requerimento.
É lida na Mesa uma nota de interpelação.
Ordem do dia. — Sôbre a proposta do Sr. António Fonseca, alterando disposições regimentais, usa da palavra o Sr. Francisco Cruz, que termina mandando para a Mesa uma moção.
É admitida.
O Sr. Morais Carvalho requere a contraprova e invoca o § 2.º do artigo 116.º
Verificando-se falta de número, procede-se à chamada.
O Sr. Presidente encerra depois a sessão, marcando a seguinte para a próxima segunda-feira, com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes 41 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

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Diário da Câmara dos Deputados
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeú dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sonsa.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia, de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

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Sessão de 27 de Abril de 1923
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel do Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados:
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
O Sr. António Maia: — Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. António Maia: — Peço a V. Ex.ª o favor de me informar só o Sr. Ministro da Guerra já se deu por habilitado, a responder a minha interpelação.
O Sr. Presidente: — Na Mesa não há comunicação nenhuma nesse sentido.
O Sr. António Maia: — Muito obrigado.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Instrução, acompanhando um requerimento em que várias professoras pedem para que os seus vencimentos sejam iguais aos dos professores de educação física.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério das Colónias, respondendo aos ofícios n.º 331 e 368, em satisfação ao requerimento do Sr. Álvaro de Castro.
Para a Secretaria.
Dos sargentos da guarnição do Pinhel, pedindo a discussão e, aprovado do parecer n.º 442 sôbre promoções.
Para a Secretaria.
Pedindo para serem atendidas as reclamações dos católicos:
De Maria de Oliveira, de Alcanhões.
Do pároco de Alcanhões.
Para a Secretaria.
Pedidos de licença
Do Sr. Sousa Rosa, 10 dias.
Do Sr. Joaquim Ribeiro, 8 dias.
Concedidas.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções, e faltas.
Carta
Do Sr. Luís da Costa Amorim, declarando não poder continuar como vogal da comissão de remodelação de serviços públicos, por ter a seu cargo outros serviços públicos.
Para a Secretaria.
Representações
Dos contínuos das escolas comerciais e industriais, pedindo que os 5$ que, como

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Diário da Câmara dos Deputados
guardas, recebiam de gratificação em 1914, lhe sejam incluídos nos vencimentos. Para a comissão de finanças.
Da corporação telégráfo-postal, protestando contra a concessão feita a particulares, da emissão de selos comemorativos da gloriosa jornada Lisboa-Rio.
Para a comissão de correios e telégrafos.
Da Associação de Classe do Pessoal dos Hospitais Civis, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a comissão de finanças.
De candidatos a guarda-fios da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, pedindo garantias por terem feito parte do Corpo Expedicionário Português.
Para a comissão de correios e telégrafos.
Do presidente e vogais da Janta de Freguesia de Minde, apoiando as afirmações feitas pelo Sr. Francisco Cruz, relativas ao administrador do concelho de Alcanena.
Para a Secretaria.
Telegramas
Dos sargentos de Bragança, pedindo discussão do parecer n.º 442.
Da junta de freguesia de S. João Baptista de Pôrto de Mós, pedindo a liberdade do ensino religioso.
Para a Secretaria.
Pedindo para serem atendidas as reclamações dos católicos:
Da Associação dos Caixeiros de Barcelos.
De vários católicos de Tôrres Novas.
Da Irmandade do Santíssimo de Tôrres Novas.
Dos estudantes católicos de Santarém.
Do Círculo Católico de Guimarães.
Da Associação de Socorros Mútuos Vimaranense.
Pedindo para não serem excluídos das melhorias de vencimentos:
Do professorado primário da Guarda.
Do professorado primário de Serpa,
Do professorado primário de Braga.
Do professorado primário de Leiria.
Do professorado primário de Pombal.
Do professorado primário de Ovar.
Do professorado primário de Sintra.
Do professorado primário de Almada.
Do professorado primário do Barreiro.
Do professorado primário de Oeiras.
Do professorado primário de Cascais.
Para a Secretaria.
Admissões
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, extinguindo a repartição de contrastaria de Gondomar e encarregando dos respectivos serviços a repartição de contrastaria do Pôrto.
Para a comissão de administração pública.
Projecto de lei
Dos Srs. Maximino de Matos e Mariano Felgueiras, criando na comarca de Guimarães um juízo criminal com designadas atribuïções.
Para a comissão de Legislação criminal.
Últimas redacções
Projecto de lei n.º 482
Que abre um crédito a favor do. Ministério da Justiça para. remoção de presos em caminhos do ferro e supro os deficits dos estabelecimentos prisionais, correccionais e de protecção a menores.
Aprovada.
Remeta-se ao Senado.
Projecto de lei n.º 481
Que manda entregar à Direcção de Aeronáutica Naval para distribuir pelo pessoal da Aviação Marítima o prémio de 20. 000(5 estabelecido pelo decreto n.º 5. 787-3-M.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Leote do Rêgo.

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O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: começo por significar a V. Ex.ª e à Câmara, não digo a minha mágoa, mas a minha surpresa, pelo gesto que a maioria parlamentar teve ontem para comigo.
Eu sou um habitante desta casa, há perto de 17 anos, e foi ontem a primeira vez, que não me deixaram falar.
E certo que já não tenho a honra de pertencer ao Partido Democrático, o que talvez queira dizer que não tenho já as qualidades que antigamente possuía, nem de inteligência, nem de fé republicana, nem de amor à minha terra.
Não apoiados.
A maioria esqueceu-se, porém, de uma cousa:
E que eu poderia ter perdido essas qualidades, mas uma delas ainda conservo, pois a herdei dos portugueses antigos. E a teimosia.
No cumprimento de um dever, ou daquilo que julgo um dever, não há nada nem ninguém que me detenha os passos.
Sr. Presidente: corria o ano de 1915.
Êste país era governado por um ditador que tinha a seu lado quási todo o exército.
Combinou-se uma revolta o eu tomei parte nela.
No dia 13 de Maio hesitava-se.
Porém, havia dois homens que não hesitavam.
Um dêles fui eu e o outro o capitão de fragata Sr. Freitas Ribeiro.
A revolução triunfou, e dentro em pouco eu era uma grande pessoa neste país, chegando até a ser membro do Directório do Partido Republicano. Agora dão-me com os pratos na cara.
Quem me havia de dizer, quando há oito dias, em Paris, escrevia no Temps um artigo em que dizia que o País caminhava, que a República estava consolidada, e que até os próprios monárquicos colaboravam para a administração do País, que ao chegar cá, em vez de um modesto ou simples cartão de visita, viesse receber o prémio que ontem recebi. Mas, fiquem certos que a tal teimosia não desapareceu.
Se V. Ex.ªs não me deixarem falar hoje, irei para a praça pública, e se o Sr. Presidente do Ministério, meu amigo de há longos anos, amigo que selou a sua
amizade num beijo que me deu no dia em que eu parti para o exílio e êle para a cadeia, me quiser mandar prender, devo dizer que já conheço o caminho para S. Julião da Barra.
Sr. Presidente: era natural que eu recorresse à praxe parlamentar da interpelação, para tratar dos assuntos que me propus versar.
Mas, julgo-me no direito de a dispensar, visto que os dois Srs. Ministros, por cujas pastas os assuntos correm, usaram de processos extremamente curiosos a meu respeito.
Na última vez em que aqui tratei do convénio sul-africano estava presente, pelo menos durante a última parte do meu discurso, o Sr. Ministro das Colónias.
Quando S. Ex.ª chegou, um dos Srs. Ministros entregou-lhe as notas que tinha tomado, mas, apesar disso, não se dignou responder-me ou, pelo menos, levantar-se para dizer que tinha muita pena de não poder responder.
O outro Sr. Ministro, que é o dos Negócios Estrangeiros, meu amigo pessoal, até o presente não envidou os precisos esfôrços para me serem enviados vários documentos que há perto de cinco meses pedi, nem tam pouco a elementar cortesia de me convidar a ir consultá-los ao Ministério.
Todavia, no dia seguinte àquele em que aqui falei, fazendo várias referências a certo diplomata, imediatamente foi pedida cópia das notas taquigráficas, esquecendo-se aquele Ministro que essas notas pertencem ao Deputado, até as rever ou declarar que tal não deseja.
Sr. Presidente: todos estão lembrados de que o Sr. Ministro das Colónias declarou nesta. Câmara, quando as negociações com a África do Sul tinham sido interrompidas, que quando fossem reatadas nenhum convénio seria assinado, sem o Parlamento ser ouvido. Não era mesmo preciso S. Ex.ª dizer isso, porque a Constituïção, no seu artigo 15.º, é muito expressa.
Só ontem, porém, pelo Diário do Govêrno se soube que se tinha assinado um convénio.
Soube-se pela imprensa e, sobretudo, pelas declarações que o Sr. Smuts tinha feito no Parlamento Sul-Africano, porque

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Diário da Câmara dos Deputados
lá como cá, nenhuma convenção pode ser assinada sem autorização parlamentar.
Sr. Presidente: pelo que li no Diário do Govêrno de ontem, conclui-se que o novo convénio é absolutamente igual ao dê 1909, na parte relativa a emigração, fazendo supor que o resto desapareceu completamente.
O que quere isto dizer?
Quere dizer que continuamos a fornecer pretos em número ilimitado, e que os engajadores de negros ficam com a faculdade de os engajar, quer oficialmente quer clandestinamente.
Já em 1909 o convénio foi bastante prejudicial para a província, e no dia em que o general Rosado — a quem presto as minhas homenagens pelas suas altas qualidades de militar — atravessava às ruas de Pretória, num carro de gala com a devida escolta para a sede do Govêrno, a fim de assinar o tratado, a colónia de Moçambique ficou durante 13 anos amarrada por uma grilheta.
Hoje, Sr. Presidente, dá-se exactamente o mesmo caso, e, se continuarmos no mesmo caminho corremos o risco de num congresso internacional ser invocado contra nós o argumento de que não devemos continuar a ter a posse, dessa colónia.
Deve dizer a V. Ex.ª que sou velho colono de Moçambique e acompanho sempre com muita atenção e interêsse os progressos dessa colónia.
Sendo eu adversário político do Sr. Brito Camacho, não posso deixar de registar com satisfação que S. Ex.ª é um homem honrado (Apoiados), e um grande português.
Apoiados.
Satisfez-me muito ouvir S. Ex.ª justificar aqui a denúncia do convénio.
S. Ex.ª encontrou-se na mesma situação em que há trinta anos se encontrou António Enes.
Q Sr. Brito Camacho já disse nesta casa com toda a sinceridade que quando saiu de Lisboa não sabia nada do que era a política do Ministério das Colónias em relação a Moçambique. Foi exactamente o que sucedeu a António Enes, embora as rabões fossem outras.
Quando foi do combate de Maputo, em que um quadrado foi roto e recomposto durante ã noite, combate que é um dos maiores feitos dá nossa história colonial, as primeiras notícias quê chegaram a Lisboa diziam que tínhamos sofrido um desastre.
Toda a gente começou a dizer que tínhamos feito mal em mandar pura África um homem que era apenas jornalista e dramaturgo. Depois verificou-se que não tinha sido desastre, mas sim Uma grande vitória, e as mesmas pessoas reconheceram que tínhamos feito muito bem em mandar António Enes para África.
Foi com grande satisfação que eu vi fazer-se a denúncia do Convénio.
O general Smuts declarei que não precisaria da mão de obra.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª já esgotou o tempo destinado a falar.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço à Câmara a sua amabilidade.
Eu e mais vinte colegas meus — tivemos o pensamento de pedir uma sessão secreta e fui comunicar isso ao Srs. Presidente do Ministérios S. Ex.ª disse-me que não era preciso sessão secreta, pois tudo se iria passar à luz do sol...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Disse isso então e continuo a dizer agora.
O Orador: — Sr. Presidente: como é que já depois de assinada a Convenção nada se tem dito à Câmara, a qual não tem conhecimento algum do que se passa?
Quando se fala no assunto, o Sr. Ministro das Colónias vem dizer que vão ao Seu gabinete, que mostrará umas cousas que lá existem.
Parece que com isto Portugal não pode levantar a cabeça. Portugal está em falta? Não me parece pois Portugal é o único para que durante a guerra não fez empréstimo e tem pago sempre Os compromissos da sua divida externa. Não há razão para se estar de cócoras.
O Sr. Ministro das Colónias numa das últimas sessões em que falou disse a propósito ou a despropósito que tinha poucas medalhas.

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Eu não sei se tenho mais ou menos que S. Ex.ª mas o que sei é que S. Ex.ª tem uma medalha que eu não tenho: é a de comportamento exemplar. Eu não posso tê-la, porque já estive duas vezes na Fortaleza de S. Julião. Mas na vaga dessa medalha possuo, por exemplo, vários artigos da imprensa da África do Sul em que ao enxovalhado, é a notícia dum cônsul nosso, dizendo que a minha, atitude nesta Câmara tem causado grande desagrado na África do Sul.
Sr. Presidente; de um outro assunto ainda desejo tratar.
Segundo leio nos jornais, a Associação Anti-Esclavagista presidida por Sir John Harris dispõe-se a ir pedir, na próxima reunião da Sociedade das Nações, que um inquérito se faça às colónias portuguesas, principalmente à colónia de S. Tomé.
O assunto é de gravidade, tanto mais que não temos representante na Sociedade das Nações; fomos postos fora e substituídos por representantes do países neutros.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, que veto de longe esta campanha da Associação Anti-Esclavagista contra nós. Principiou por uma questão em que interveio como medianeiro o Rei de Itália, é certo que com um pouco do relutância por parte da Inglaterra.
Depois houve a campanha dos chocolateiros, e devo dizer que muitos dos que intervieram nela morreram já na forca, acusados de traidores à Pátria.
Segue-se a primeira reunião da Conferência da Paz, onde os nossos representantes foram surpreendidos pelas reclamações que ali apareceram contra nós e até pelos artigos dum jornal escrito em português; tudo isso êles desfizeram, em nome do nosso brio de povo livre.
No ano seguinte nova investida, e agora chega-me a notícia de que se prepara uma nova reclamação para a próxima sessão plena da Sociedade das Nações.
Eu pregunto ao Govêrno o que é que projecta fazer para ir ao encontro dessa investida, que, porventura, obedeço aos mesmos intuitos daquela que se fez na primeira reunião da Conferencia da Paz.
Apoiados.
Eu pregunto ainda que autoridade tem o Sr. Harris para nos acusar de esclavagistas, quando êle sabe que no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Londres, existem documentos de todos os cônsules ingleses da nossa África, afirmando que a repatriação dos indígenas se faz normalmente e que se aparece um caso ou outro de violência é logo reprimido.
Apoiados.
Pregunto mais com que autoridade fala êsse senhor de nós, quando êle não ignora que é uma autoridade inglesa que confessa num documento que há escravatura na sua colónia.
De resto, como é que S. Ex.ª nos vem acusar de esclavagistas, quando nós fomos a primeira nação a abolir a escravatura!
E só meses depois é que apareceu uma vez em Inglaterra, a defender essa abolição, mas muito timidamente!
Apoiados.
Sr. Presidente: devo ainda chamar a atenção da Câmara, para um artigo que apareceu ultimamente num jornal americano, e que é um dos mais importantes de New York, em que com. gravuras e vários esquemas e num longuíssimo arrazoado, se discutem com muitos detalhes as negociações que estão entaboladas para a cedência da nossa colónia de Macau à Alemanha.
É inútil que o Govêrno nos venha dizer que essa notícia não tem o menor fundamento, mas aquilo que me interessa, e certamente à Câmara, é saber qual foi a atitude do nosso representante em New York, perante essa atoarda.
Apoiados.
Precisamos saber se êsse diplomata, como lhe competia fazer, imediatamente desmentiu essa atoarda ou só fez aquilo que costumam fazer alguns dos nossos diplomatas lá fora, que é seguir a política de silêncio que na metrópole se segue.
E é por isso que aproveito o ensejo para saudar daqui os que não seguem essa política.
Quero referir-me ao Sr. Melo Barreto que ainda há pouco teve a coragem de dizer, num jantar diplomático, que estava muito satisfeito pelas manifestações que eram feitas a Portugal e que isso o fazia esquecer as calúnias espalhadas em Espanha, contra a República Portuguesa.
Recordo também, com muito prazer, a atitude do nosso representante na Suíça,

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que, quando nosso delegado na última Conferência de Trabalho, levantou a sua voz para protestar, com toda a energia, contra o facto de Portugal ser excluído das vinte e três comissões que lá funcionaram.
Mas a política do silêncio é a grande escola da maior parte dos nossos diplomatas.
Efectivamente, sabe alguém neste país qual foi o papel de Portugal nas Conferências da Paz?
Sabe-se o que se passou em Génova, porque o Sr. Vitorino Guimarães parece não pertencer a essa política e disso alguma cousa à nossa Imprensa, e o Sr. Almada Negreiros, numa larga reportagem, fez-nos saber o que lá se passou.
é E quem sabia antes do Sr. Augusto de Castro publicar no seu jornal a entrevista com Lord Curzon, as dificuldades que existiam entre Portugal e a Inglaterra?
E se êste distinto jornalista português, que eu tive muita satisfação de \êr saudado pelo Congresso do Partido Democrático, não tem tido a iniciativa de fazer reunir a conferência recente de Lyon, não eram decerto os nossos diplomatas que conseguiriam com o seu sistema de silêncio e de nem sequer lerem os jornais, que a imprensa latina para o futuro se dispensasse de reproduzir as calúnias de marca Vigo e outras procedências, que circulam a nosso respeito.
A política de silêncio acabou em toda a parte, mas parece que encontrou um cantinho onde se refugiou: é a terra portuguesa!
Eu faço votos para que ela desapareça de entre nós.
Infelizmente parece que resiste, e aqueles que como eu contra ela lutam, só têm a esperar ver cair sôbre a sua cabeça um chuveiro de impropérios e de calúnias em que a menor é a de que «são despeitados».
Sr. Presidente: termino mandando para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara faz votos por que o Poder Executivo nunca só dispense de a informar, na devida oportunidade, sôbre todas as ocorrências e combinações de carácter internacional que interessem à nação, sobretudo aqueles que carecerem da sua sanção.
Faz votos também por que os nossos representantes no estrangeiro, em contínua vigilância, saibam restabelecer prontamente a verdade, sempre que se esbocem quaisquer campanhas ou apareçam notícias falsas, atentatórias do brio nacional e dos nossos interesses. — Leote do Rêgo.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado e meu amigo, Sr. Leote do Rêgo, lez várias considerações que dizem respeito a assuntos pendentes das pastas das Colónias e dos Negócios Estrangeiros.
Delas darei conhecimento aos respectivos Ministros.
Mas o que eu não posso é deixar passar uma atoarda a que S. Ex.ª se referiu no seu discurso, e por isso afirmo peremptòriamente que é falso tudo quanto se tem dito acêrca da alienação de Macau ou de qualquer parto do território da República, assim como não se pode admitir que sendo Portugal o primeiro país que acabou com a escravatura, seja alcunhado de esclavista.
Estas duas declarações devo fazê-las desde já, independentemente da presença dos meus colegas a que S. Ex.ª se referiu.
Outras considerações de ordem política S. Ex.ª fez, e se eu tivesse de lhe responder em nome do Govêrno, diria que, fôsse qual fôsse o partido a que S. Ex.ª pertencesse, ninguém esquece os relevantes serviços prestados por S. Ex.ª, expondo a sua vida para defender o regime e as instituições.
Eram estas as declarações que tinha a fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Leote do Rêgo: — Requeiro urgência e dispensa do Regimento, para a minha moção.
O Sr. Presidente: — Vai ser votada a moção do Sr. Leote do Rêgo.
O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Se não estou em êrro, não é de

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admitir essa moção, porque não se travou debate nos termos do Regimento.
Ora, sem menos consideração pelo Sr. Leote do Rêgo, parece-me que êsse documento deve ser transformado numa proposta, que irá às comissões.
O Sr. Morais Carvalho (sôbre o modo de votar): — Parece-me que tendo pedido o Sr. Leote do Rêgo dispensa do Regimento ipso facto estava dispensada a prescrição regimental a que se referiu o Sr. Almeida Ribeiro.
A dispensa do Regimento parece-me de aceitar.
Tenho dito.
O Sr. Sampaio Maia (para invocar o Regimento): — Não estou de acôrdo com as considerações de Sr. Almeida Ribeiro, porque as prescrições regimentais são peremptórias.
Desde que o Sr. Leote do Rêgo estava inscrito, tinha o direito de enviar para a Mesa uma moção.
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — E inaceitável o critério do Sr. Sampaio Maia, porque só é dado aos Deputados enviarem para a Mesa projectos, requerimentos e moções dentro dos termos regimentais.
Se algum parlamentar tivesse requerido a generalização do debate, então tinha oportunidade a moção; mas como isso não sucedeu, o documento não pode ser considerado como moção.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Leote do Rêgo.
Foi lida, admitida e enviada à respectiva comissão.
O Sr. Presidente: — O Sr. Leote do Rêgo requero para a sua moção urgência e dispensa do Regimento.
É rejeitado.
O Sr. Presidente: — O Sr. Hermano de Medeiros deseja tratar em negócio urgente das bombas de ontem.
É rejeitado.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 11.º do Regimento.
Pelo que se vê trata-se de algum correligionário da maioria!
O Sr. Presidente: — Estão de pé 39 Srs. Deputados e sentados 23.
Está rejeitado.
Entra em discussão o parecer n.º 426.
O Sr. António de Mendonça: — Sr. Presidente: começo por manifestar à Câmara a minha ingenuïdade.
Apesar da minha idade, eu sinto-me cada vez mais preso, no palácio das desilusões, cujas escadas Antero desceu vagarosamente até cair no túmulo.
Eu sempre julguei que dentro desta casa do Parlamento todos tinham iguais direitos em usar da palavra e em ser ouvidos com atenção.
O Sr. Leote do Rêgo increpou a maioria por ela não lhe não ter consentido prejudicar a ordem do dia para tratar do seu negócio urgente.
Eu creio que p Sr. Leote do Rêgo não pode duvidar do muito respeito que tenho por S. Ex.ª; bastas vezes lho tenho afirmado. Não espero por isso que o ilustre Deputado, sabendo que eu era o principal interessado, na questão de ontem, buscasse a sua falta de consideração por mim até o ponto de saltar por mim do meu direito, e o meu direito era o de usar da palavra em primeiro lugar, sem ao menos ter falado comigo.
S. Ex.ª invocou, a propósito da atitude da maioria, os seus serviços à República.
Não compreendo a invocação.
Serviços prestados à República por um republicano são serviços prestados a si próprio.
A satisfação de os termos prestados deve ser a compensação, a única compensação nossos sacrifícios, se os houve...
O Sr. Leote do Rêgo: — Consta a V. Ex.ª que eu já tenha pedido prémio dos meus serviços à República?
O Orador: — Foi o que sucedeu ontem, pretendendo arrancar à Câmara uma determinada deliberação.
O Sr. Leote do Rêgo: — Tratava-se de uma simples atenção.
O Orador: — Sr. Presidente: ditas estas palavras, eu vou entrar pròpriamente no

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assunto para que pedi a palavra, respondendo ao Sr. Pedro Pita.
Há já muito tempo que eu ouço dizer que as palavras são asas com que se lançam ao vento as ideas.
A consciência, porém, segreda-me que na maior parte dos casos elas são apenas a ramagem farpalhuda com que as mesmas ideas se encobrem.
Eu costumo falar sempre com clareza e com a rudeza das serras onde nasci; lá, o ar é mais forte, o sol mais límpido e os homens habituados ao convívio franco da natureza não sabem mentir.
O Sr. Pedro Pita, não sei se em seu nome pessoal se em nome do Partido a que pertence, afirmou nesta Câmara que se tinha enxertado no projecto de melhoria à Guarda Nacional Republicana um novo projecto para a criação de novos lugares de comandos, o ainda que havia votado a urgência para a discussão dêste parecer por, estar convencido de que êle tratava exclusivamente da citada melhoria à Guarda Republicana.
Cumpre-me dizer à Câmara que antes de pedir a urgência para a discussão dêste parecer eu tive o cuidado de consultar os leaders dos diferentes Partidos com representação nesta Câmara, à excepção dos monárquicos, não por menos consideração pessoal por S. Ex.ªs, mas implesmente porque não eram republicanos.
Eu tive então ocasião de dizer com a máxima lealdade que tendo sido admitido um aditamento em que eu tornava extensiva à Guarda Republicana a melhoria consignada no projecto relativo à Guarda Fiscal, em discussão, e estando na Mesa, para ser discutido o parecer n.º 426, desejava a sua discussão imediatamente, para provocar que o Sr. Ministro do Interior apresentasse, por sua vez, um aditamento em que fossem melhorados os vencimentos da Guarda Republicana.
Se, portanto,, o Sr. Pedro Pita votou a urgência para a discussão dêste parecer, por engano, a culpa não foi minha mas sim dos leaders do seu partido, Srs. Ginestal Machado e Ferreira de Mira, aos quais fiz a devida comunicação, e que naturalmente se esqueceram de o elucidar.
Posta a questão nestes termos, eu vou agora procurar rebater — o que decerto me será fácil- os argumentos apresentados pelo Sr. Pedro Pita. Alguns dêsses, argumentos ressentem-se do facto de terem sido trazidos por quem não conhece a organização dos serviços da Guarda Nacional Republicana. A êsses não me referirei por não valer a pena, tal é a sua insubsistência. Um, porém, há que, por ser de mais fácil influência no espírito da Câmara, eu vou reduzir às proporções que merece.
Trata-se da passagem dos oficiais do exército para a Guarda Nacional Republicana.
Na arma de infantaria há nada menos que 47 tenentes-coronéis e 74 majores supranumerários.
Mas, supondo que os não havia, nunca a Saída dos quadros podia dar lugar a promoções, pela simples razão de que um oficial saído do Exército para a Guarda Republicana não dá vaga no seu quadro.
A Guarda requisita um oficial ao Ministério do Interior.
O Ministério do Interior por sua vez faz a requisição ao Ministério da Guerra, e êsse Ministério cede ou não o oficial conforme faz ou não falta ao serviço.
Não deixa vaga no seu quadro. Portanto, não ri á promoção.
Preciso também referir-me a outro assunto que o Sr. Pedro Pita tratou.
Disse S. Ex.ª que um Deputado da esquerda na sessão de sexta-feira tinha falado num bloco de gelo.
Eu tive sempre a coragem das minhas afirmações, e não tenho receio das palavras que pronuncio, ainda que conheço o velho ditado de que «palavra fora da bôca é pedra fora da mão».
Tenho a consciência de que aquilo que profiro, só às vezes, por excepção, vai ferir qualquer, cabeça inocente; a maior parte das vezes vai bater certo no alvo.
Assumo a responsabilidade das palavras que pronuncio, e vou repeti-las.
Não as repetirei nos mesmos termos, porque nunca escrevo, o que digo, nem decoro o que escrevo.
E, portanto, possível que não repita prefeitamente o que disse.
Quando da discussão do projecto respeitante à Guarda Fiscal, apresentei um aditamento tornando extensiva à Guarda Republicana a doutrina do que era aplicado à Guarda Fiscal.

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Nesta altura procedi daquele modo por bem servir uma aspiração dêste lado da Câmara, como um bloco de gelo.
Parece-me que foi isto que disse.
O Sr. António Fonseca invocou a lei-travão para contestar o valimento do que apresentei.
O meu aditamento não podia ser aceito, por ser contra a disposição regimental.
Foram estas as palavras que pronunciei.
Parece-me estar explicado o incidente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei.
foi lida e admitida.
O Sr. Sá Pereira: — Requeiro urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Ministro da Instrução.
É aprovado o requerimento do Sr. Sá Pereira.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, foi rejeitado por 35 votos contra 29.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa duas propostas e de lei. Uma fixa em. 7:000 conto-ouro o custo das obras destinadas â adaptação do pôrto de Leixões ao serviço comercial. A outra autoriza o Govêrno a entregar imediatamente à Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto (Douro-Leixões), para ser aplicada no desassoreamento do pôrto de Leixões, e reparações no molhe sul do mesmo pôrto e no pôrto interior, a quantia de 7:000. 000$ consignados na lei de receita e despesa do ano económico de 1922-1923 para encargos resultantes das obras de Leixões.
Peço para elas urgência e dispensa do Regimento, depois, todavia, de votado o projecto relativo a alterações do Regimento.
O orador não reviu.
Foram lidas e admitidas.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Ministro do Comércio.
Foi aprovada a acta.
Leu-se a seguinte nota de interpelação:
Declaro que desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra acêrca da situação dos sargentos tuberculosos e que por falta de auxílio do Estado se vêm obrigados a recorrer à caridade particular. — Hermano de Medeiros.
Expeça-se.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na
ORDEM DO DIA
Proposta do Sr. Deputado António Fonseca, alterando as disposições regimentais.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — Pregunto a V. Ex.ª se não se começa por uma contraprova, pois ontem ficou empatada uma votação em contraprova.
O Sr. Presidente: — Essa votação está prejudicada.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: os trabalhos desta Câmara correm tam atrabiliàriamente, introduzindo-se a cada momento no meio das discussões os assuntos mais extraordinários, que é natural que pregunte a V. Ex.ª qual é o assunto que está na ordem do dia.
As considerações apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca, não me convenceram.
Embora o Sr. António Fonseca possa alegar que em 1913 e noutros anos a Câmara funcionou assim, afigura-se-me que foi com consentimento dela, o que representa uma vergonha, e por isso lá fora se dizia que o Parlamento não trabalhava.
Mas entre uma cousa tolerada e aquilo que se exprime numa proposta ou lei, vai uma distância enorme. E eu pregunto a cada um dos membros do Parlamento- se não se sentem deminuídos com a proposta que foi enviada para a Mesa.
Essa proposta briga com a nossa dignidade, e propostas que brigam com a dignidade dos membros da Câmara não devem ser aceitas na Mesa.

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O Sr. António Fonseca n ao só não produziu argumentos convincentes, como, pelo contrário, os que produziu, a meu ver, prejudicam a proposta.
Suponha V. Ex.ª que no momento de se fazer a votação não há número, e V. Ex.ª quere consultar a Câmara para fazer a suspensão da discussão.
Outro ponto ainda foi versado pelo Sr. António Fonseca, a que o meu colega e amigo Sr. Pedro Pita já respondeu.
O Sr. António Fonseca disse que nós, Deputados nacionalistas, éramos correligionários dos monárquicos.
Eu não tenho de pedir autorização nem ao Sr. António Fonseca, nem a ninguém da Câmara, ou fora da Câmara, para ser republicano.
Apoiados.
Tenho a dizer que muitos dos que nos tempos saüdosos da propaganda me apedrejavam e corriam a tiro, talvez sejam hoje dos que me chamam talassa e sé julgam mais autênticos republicanos.
Mal vai, quando uma questão é defendida com argumentos desta ordem, porque êsses, argumentos só servem para prejudicar o defensor, ou autor da proposta.
A minha consciência não pode deixar de repelir a frase do Sr. António Fonseca.
O que é preciso é que os Srs. Deputados não faltem às sessões.
É êste o princípio que, com aplauso do País, eu venho defendendo há muito, porque só assim se prestigiará a instituição parlamentar.
Os Deputados são eleitos para cumprirem o seu mandato e só o cumprirão desde que não faltem às sessões do Parlamento.
Teimando a Câmara na aprovação da proposta do Sr. António Fonseca, eu sou levado a pedir que seja também aprovado o projecto de lei por mim apresentado com algumas alterações que enviarei para â Mesa, quando se faça a sua discussão na especialidade.
Tem por fim êsse meu projecto acabar com a situação de desigualdade, quanto a faltas, que existe entre os Deputados que são funcionários públicos e aqueles que o não são.
Ao passo que os Deputados que são funcionários públicos recebem por inteiro
Os seus vencimentos, embora aqui não compareçam sob a alegação dê que faltam por motivos de serviço, o que não se compreende porque aqui são Deputados e não burocratas,- os que não são funcionários sofrem o desconto das faltas que dão. no vencimento que percebem pelas suas funções parlamentares.
Até mesmo quando se realizam duas sessões no mesmo dia, sofrem êsse desconto, desde que não compareçam a uma delas.
Isto não é justo nem honesto.
Sr. Presidente: bom seria que o Sr. António Fonseca reconsiderando nos efeitos prejudiciais que para o prestígio do Parlamento adviriam da sua proposta, a retirasse, deixando-se à consciência dos Srs. Deputados o cuidado de não faltarem às sessões.
Ninguém é preso para ser Deputado e, portanto, quem não possa ser assíduo aos trabalhos da Câmara, não aceita o mandato.
Isto é realmente para lamentar, Sr. Presidente, e o Parlamento, votando êste projecto de lei do ilustre Deputado o Sr. António Fonseca, dá mais uma enxadada, e bem profunda, nas instituições, que nós próprios devíamos ser os primeiros a respeitar.
Se assim é, Sr. Presidente, então o melhor, o mais honesto e o mais digno, seria acabar-se com o Parlamento.
Se na verdade o Parlamento é uma ficção, se o Parlamento é para discutir e votar com meia dúzia dos seus membros, não se fazendo representar aqui aquela grande representação de todo o País, então acabe-se, repito, com o Parlamento, visto que isso é mais honesto e mais digno, pois a verdade é que através de toda a minha vida repugnou-me sempre viver na mentira.
Sr. Presidente: o Parlamento, a meu ver, votando êsse projecto de lei do Sr. António Fonseca pratica mais uma burla, pois á verdade é que o assunto é mais grave do que muita gente supõe.
Se tal se fizer, razão se dará a todos aqueles que são contra o Parlamento, sendo nós próprios parlamentares que vamos preparar o terreno para o desenvolvimento dessa semente.
Assim, Sr. Presidente, eu peço ao Parlamento, e bem assim ao ilustre Deputa-

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do Sr. António Fonseca, se é parlamentar, que ponderem bem o assunto e que não insistam pela aprovação dum projecto de lei que só tem por fim prejudicar as instituições que nós devemos ser os primeiros a respeitar.
Muitas considerações eu poderia ainda apresentar; porém, não o faço, visto que não quero que me digam que lhes estou roubando o tempo; no emtanto devo dizer-lhes, lembrando-me da frase dum grande escritor francês, que dizia que os povos têm os govêrnos que merecem, que os povos têm os parlamentos que merecem.
Sr. Presidente: quando um Parlamento não é representado pela maioria dos seus membros, o resultado é prejudicial, visto que não poderá realizar uma obra útil para o País.
Eu creio, Sr. Presidente, que todos aqueles que aqui estão são naturalmente defensores do parlamentarismo, pois a verdade é que até hoje ainda se não encontrou melhor dentro do campo dos princípios e das liberdades conquistadas, o se assim é, nós, Sr. Presidente, se bem que reconheçamos que êle tem defeitos, devemos ser os primeiros a reconhecer que ainda se não encontrou melhor.
Eu, Sr. Presidente, apelo mais uma vez para o ilustre Deputado Sr. António Fonseca, para que pondere devidamente o assunto.
Afirmou S. Ex.ª aqui na Câmara que se mantém fora do campo dos partidos; porém S. Ex.ª com o seu projecto de lei está servindo a causa dum partido, e tanto assim que êle apoia o seu projecto.
Eu não quero de maneira nenhuma lançar a suspeita de que S. Ex.ª está aqui desempenhando um papel que não é próprio da sua situação de independente; mas perante tanta teimosia, é de supor, e S. Ex.ª não me deverá levar isso a mal, que na realidade está desempenhando aqui um papel que não se coaduna nada com a sua situação de independente.
Temos, Sr. Presidente, de apreciar os factos como êles são, e a verdade é que S. Ex.ª, com a sua tam apregoada independência, está servindo a causa dum partido, sem o mínimo respeito pelo Parlamento, sem o mínimo respeito pelos seus próprios interêsses.
O ilustre Deputado Sr. António Fonseca não quere na realidade ver as cousas como elas são; não se quere convencer do desprestígio que isto pode trazer para o Parlamento, pois, se assim não fôsse e se ponderasse bom nas considerações que tenho feito sôbre o assunto, certamente que acabaria por se resolver a retirar o seu projecto.
Eu peço no emtanto ao ilustre Deputado que pondere bem nas considerações que eu fiz.
Eu acredito que V. Ex.ª, efectivamente, norteou o seu acto da apresentação da proposta pela melhor das intenções; mas os resultados dessa proposta traem absolutamente êsses bons intuitos.
Se as considerações que estou fazendo calarem, cemo espero, no espírito de V. Ex.ª, darei por muito bem empregado o tempo que estou roubando à Câmara, pois o nosso dever é pugnar o mais possível pela dignificação da instituição- a que pertencemos.
V. Ex.ª não deve ter o mínimo rebuço em retirar a sua proposta, perante os argumentos de razão que têm sido expendidos contra ela. Não é desdouro para ninguém, perante a razão e a justiça, reconhecer o êrro e emendá-lo.
Jamais deixei de reconhecer a razão do lado onde ela está, mesmo que seja contra mim e a favor dum adversário ou dum inimigo meu.
O Sr. António Fonseca: — Eu também reconheço a razão ao meu maior adversário, quando êle a tem, mas só quando êle a tem; porque de contrário V. Ex.ª compreende que seria um exagero de concordância.
O Orador: — Eu disse há pouco que sabia reconhecer a razão ao meu maior adversário ou inimigo. Não quis, porém, com isto significar que V. Ex.ª seja meu inimigo. Pelo contrário, eu tenho por V Ex.ª, desde os, bancos da escola, uma grande amizade e um alto apreço pelas suas qualidades de inteligência e de talento.
Mas, dizia eu, e realmente é um facto incontestável, que não é desprimoroso para ninguém reconhecer o êrro. Só os teimosos e os maus é que, reconhecendo a razão dos outros, porfiam no êrro.

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Se V. Ex.ª está obcecado e continua convencido dos efeitos maravilhosos da sua proposta» então simplesmente o lastimo porque não há maior cego do que aquele que não quero ver. Todavia, eu creio que V. Ex.ªs apesar de ser míope, e por isso Usa até lunetas, não é tam falto de vista que não veja a razão que assisto aos Deputados dêste lado da Câmara quando afirmam que a proposta de V. Ex.ª não dignifica o Parlamento.
Pois há alguém que não veja que é indecoroso para o Parlamento estarmos aqui a discutir em sessões consecutivas, capítulos e Capítulos do Orçamento sem o número suficiente de Deputados e depois vir aqui a maioria dos parlamentares, sem ter um conhecimento preciso da questão, Votar som saber o que vota?
O Sr. António Fonseca colocava-se em muito melhor campo se viesse aqui defender B. obrigatoriedade, pelos meios ao nosso alcance, da comparência dos membros do Parlamento.
Eu mandei para a Mesa um projecto de lei que mo parece muito moralizador, e estou certo do que o Sr. António Fonseca será um grande paladino na defesa dêle.
Por êsse meu projecto a cábula vai desaparecem só no fim de um mês não dor resultado, então talvez S. Ex.ª me levo a votar o seu projecto de lei, mas tam triste e tam aborrecido por tudo quanto se chama parlamentarismo, que é possível que após a sua votação me retire para casa, levando contudo, a minha consciência tranquila por ter cumprido o meu dever; antes disso não mo retirarei, porque tenho a convicção do que estou dentro da boa lógica.
Quando uma instituição a si própria se desacredita, é pela forma por que o Sr. António Fonseca pretende julgar-me-ia menos digno, menos honesto se continuasse a pertencer a essa instituição.
Disse, e repito, a grande enfermidade está onde eu apontei. Muitos Srs. Deputados, de ânimo leve, sem medirem bem a responsabilidade que sôbre êles impende, não cumprem o seu dever, faltando às sessões dias e dias seguidos. Ora todos os Srs. Deputados são obrigados a vir aqui, porque foi para isso que os eleitores os trouxeram a esta casa. As faltas de número que se dão continuamente não fazem senão desprestigiar a instituição parlamentar.
Mais uma vez peço ao Sr. António Fonseca que retire a sua proposta; não lhe fica mal; pelo contrário, só o honra e dignifica.
Àparte do Sr. António Maia que não se ouviu.
O Orador: — Não me sinto deminuído, orgia o Sr. António Fonseca, com que o tão o projecto seja melhorado seja alterado, contanto que o pensamento honesto, moralizador que me levou a apresentado fique.
Jamais tive outro pensamento, outra inspiração senão ser útil à Pátria e à República, digo o sinceramente do fundo da minha alma, embora muita gente já hoje mo chame talassa, com o que não me importa» Essa designação é-me indiferente, porque a minha consciência está perfeitamente tranquilas.
Disse o Sr. Presidente de Ministério que ou estou no bom caminho; ainda bem que o Sr. Presidente do Ministério é o primeiro a reconhecer a verdade, e só lamento que S. Ex.ª nem sempre esteja de acôrdo comigo, principalmente quando se trata do bem do País, para que todos devemos contribuir a todos, tanto velhos com o novos, combatentes da santa causa que a República.
Sr. Presidente: jamais arremessei às faces de quem quer que fôsse a qualidade de velho ou novo republicano. A única cousa a que um velho ou novo republicano deve aspirar é a que todos que venham, para a República a sirvam com amor, carinho e desinteresse, embora eu seja obrigado a reconhecer que através dos doze anos de República alguns dos velhos republicados têm sido Os primeiros a não dar o nobre exemplo da sua isenção, do seu desinterêsse.
Folgo, repito, que seja o Sr. Presidente do Ministério que me dê razão.
Sr. Presidente: eu vejo os sorrisos interessantes dalguns Srs. Deputados e do Sr. Presidente do Ministério; oxalá que êsses sorrisos não se transformem em dor, em chôro.
Continue S. Ex.ª a rir-se; êstes são os meus votos.
Não quero censurar ninguém, mas melhor seria que os Srs. Deputados reconsi-

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derassem, e que nesta hora já isto não fôsse uma proposta a discutir e que tivessem feito um verdadeiro acto de contrição, comparecendo às sessões com assiduidade, reparando o tempo perdido.
Desistam dêsse caminho; vamos discutir propostas de lei que sejam úteis ao País, e que nêste momento estão dependentes da aprovação do Parlamento, porque uma política de mistificações e de mentira nem engrandece o País, nem nobilita o Parlamento.
Não compreendo que se queira coonestar uma obra que tem sido nefasta para a República!
O Sr. António Fonseca está ouvindo-me?
O Sr. António Fonseca: — Sim senhor, mas, como já ouvi isso várias vezes, não estou disposto á assistir a reprises.
Risos.
O Orador: — É pena que V. Ex.ª não tivesse antes dito que retirava a sua proposta, porque assim evitaria as reprises!
Agora vou ver se acabo de convencer S. Ex.ª lamentando apenas a falta do atenção de S. Ex.ª, que eu não tomo por descortesia.
Vou ver se me explico melhor; de duas uma: ou S. Ex.ª não só convenceu por falta de atenção ou por deficiência da minha inteligência.
O Sr. António Fonseca: — Há ainda uma terceira hipótese: é a de V. Ex.ª não ter razão.
O Orador: — Toda a gente é obrigada a ser honesta e trabalhadora; mas a ser inteligente não.
V. Ex.ª não tem prestado atenção às minhas considerações, por isso não está convencido, ou é por deficiência minha, mas eu não sei empregar melhores argumentos.
Disse o Sr. António da Fonseca que já estava meio convencido, e não serei eu que gastarei muito tempo e se alguma cousa me tenho demorado, é em defesa da dignidade parlamentar, da minha própria dignidade, e por isso não acho demasiado o tempo que estou gastando em procurar convencer o proponente, pois é sempre bem empregado o tempo em salvar a instituição parlamentar, para prestígio do Parlamento do País.
A instituição parlamentar é ainda um dos melhores meios de os povos se governarem, não tendo o mal do posso, quero e mando.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª terminou as suas considerações?
O Orador: — Ainda não terminei; como o Sr. «António Fonseca disse que estava meio convencido e como vejo S. Ex.ª a falar com o ilustre leader da maioria, estava à espera que S. Ex.ª dissesse que retirava as suas propostas.
Sr. Presidente: disse o Sr. António Fonseca que a sua proposta não representa novidade, visto que o que S. Ex.ª pretende já se fez em tempo.
Não há dúvida de que assim é, mas eu, que venho desde as Constituintes, posso dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que então não havia na Câmara representação monárquica.
Confesso que, como republicano, não me envergonha essa fiscalização, porque sempre tive o maior respeito por todos os princípios, por todas as opiniões, por todas as crenças legítimas, porque reconheço, como reconhecem todas as pessoas que não sejam facciosas, que nem todo o País é republicano.
A presença daqueles Srs. Deputados, embora adversários do regime, é útil à República, e, por não existir essa fiscalização, quanta mágoa no meu coração de ter, como republicano, calado, por vergonha do regime, tanta cousa que aqui se fez, sempre com a esperança de que os homens que praticavam hoje um êrro, viessem amanhã a emendar-se.
Porque não havia fiscalização monárquica, praticou-se muitos erros, que eu tolerava pelo grande amor que tenho à República e sempre convencido de que a prática dêsses erros se não repetiria, mas infelizmente a reincidência no êrro tem sido constante para desgraça da República e do País, digo-o com profunda mágoa.
Mercê de altas desilusões, a fé já hoje não é a mesma, o entusiasmo vai decrescendo, mas, Sr. Presidente, apesar do to-

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dos os erros praticados, nunca deixei de dar à República o melhor do meu esfôrço e hoje sou incapaz de ter outros princípios, seguir outro credo político porque reconheço que não é nos princípios que está o defeito, mas sim naqueles que executam êsses mesmos princípios.
Sr. António da Fonseca: peço a V. Ex.ª mais uma vez, que reconheça o êrro praticado e que procure emendá-lo.
Todas as religiões, todas as confissões, assentam numa base moral e o parlamentarismo também tem a sua moral.
Não se compreende, portanto, que seja um membro dessa instituição o primeiro a desprestigiá-la, o primeiro a tirar-lhe todo o seu valor, toda a base moral em que assenta.
Sr. António Fonseca: se V. Ex.ª tem os seus princípios presidencialistas ou aspira a ser Presidente com o posso, quero e mando, então talvez V. Ex.ª tenha razão em querer derruir esta obra que ia conta alguns séculos, esta obra que custou muito sangue, porque é obra de muitos mártires, porque é obra das conquistas da Liberdade. Se S. Ex.ª quere isso, tenha a coragem de o dizer abertamente.
Talvez que a intenção do S. Ex.ª seja honesta, seja respeitável, parecendo-lhe produzir uma obra útil, mas se S. Ex.ª mais maduramente, mais sinceramente, reflectir no seu acto, há-de reconhecer que êle só serve para desprestigiar aquilo que S. Ex.ª pretende engrandecer. Apelo para o seu patriotismo, para o seu republicanismo, e eu não lho nego como S. Ex.ª pretendeu ontem, numa das suas frases, deminuir o republicanismo dêste lado da Câmara.
Sr. Presidente: por mais que consulte a minha consciência, a minha razão, por mais que apele para o conhecimento que tenho de S. Ex.ª, não atinjo a sua teimosia.
S. Ex.ª, decerto, não quere reconhecer que a sua proposta, uma vez votada, só justifica a cábula, só desprestigia o Parlamento.
Estas considerações bastariam para produzir no espírito de V. Ex.ª o reconhecimento da razão que me assiste.
Então V. Ex.ª não acha que é um êrro não assistir à discussão e votar inconscientemente?
Porque é que V. Ex.ª não vem para
o meu caminho, na defesa do que é justo e razoável?
A proposta de V. Ex.ª vem confirmar as opiniões pouco lisonjeiras que lá fora se formam acêrca dos trabalhos parlamentares.
V. Ex.ª, que é um jurisconsulto distinto e homem inteligente, não tem o direito de reincidir no êrro, e por isso espero, que há-de reconsiderar e retirar a sua proposta que, não me canso de o repetir, desprestigia o Parlamento e não nos dignifica a nós.
Em presença dos factos e das considerações que acabo de fazer, S. Ex.ª não tem o direito de se levantar para proclamar a sua isenção. Não quero demorar-me mais na apreciação dêsse aspecto da questão, porque isso me levaria muito longe.
Todos nós temos, em maior ou menor grau, o nosso amor próprio, a nossa vaidade, mas. Sr. António Fonseca não ficaria mal ao amor próprio, de V. Ex.ª, que na verdade deve estar um pouco ferido neste momento, consultar a sua consciência.
V. Ex.ª, que é uma pessoa inteligente, consultando a sua consciência, há-de forçosamente reconsiderar.
Um àparte do Sr. António Fonseca.
O Orador: — Sr. Presidente: disse o ilustre Deputado Sr. António Fonseca que eu por várias vezes tenho faltado às sessões.
E verdade, mas quere V. Ex.ª saber a razão dêsse meu procedimento?
E que muitas vezes dentro desta casa, como fora dela, a obra republicana tem sido negativa e eu, que à República tenho dado o melhor do meu esfôrço e da minha vida, com o maior desinteresse, sentindo-me por tal motivo quási envergonhado de ser republicano, tenho-me afastado, deixando o tempo curar essas feridas.
Creia V. Ex.ª que eu mui contribuí para a proclamação da República, para a realização daquilo que era a minha generosa aspiração. E é por essa razão que eu me bato aqui como paladino daquilo que eu entendo que é a dignidade e o prestígio do Parlamento, e que S. Ex.ª pretende deminuir com uma proposta que não remedeia nada.

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Porque é que V. Ex.ª não se põe ao meu lado e procura não defender uma burla, que outra cousa não é, e a satisfação e um prémio à cábula, mas aquilo que se pretende?!
E por estas cousas que eu me tenho afastado por vezes da política, e ainda há pouco tempo o fiz, emquanto S. Ex.ª andava a passear por Paris e Londres, não à custa de S. Ex.ª, mas à custa do Estado!
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações, mas antes de o fazer desejo mais uma vez ponderar ao ilustre Deputado proponente a conveniência de reconsiderar sôbre os inconvenientes da sua proposta, desistindo de teimar na sua idea.
Não há forma de pôr em prática o critério de V. Ex.ª, porque é inaceitável.
Mas, por Deus, com o mal ninguém deve argumentar, nem nunca o mal pode servir do base para uma argumentação séria.
Só a verdade, a justiça e a lei são argumentos com base sólida.
V. Ex.ª baseia a sua argumentação no mal, e eu só posso atribuir êsse facto a uma cegueira inexplicável.
Eu não acredito que o Sr. António Fonseca esteja desempenhando êsse papel com algum interêsse próximo ou remoto.
Não. S. Ex.ª é um espírito superior, e de forma alguma eu posso aceitar como boa esta doutrina.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não se ouviu.
Sn Presidente: como há pouco disse, a proposta da autoria do Sr. António Fonseca em nada prestigia o Parlamento, antes, pelo contrário, vem contribuir para aumentar o descrédito das instituições parlamentares.
Apoiados.
Eu devo recordar ao Sr. António Fonseca e à Câmara que já, nesta casa, durante a madrugada, foram votadas leis sôbre questões importantes para o País, apenas com 22 ou 23 Deputados.
Como republicano quero protestar mais uma vez contra essa obra negativa que a República vem fazendo por culpa da maioria do Parlamento.
Eu sinto-me satisfeito com a minha consciência encontrando-me no plano oposto.
O Sr. Presidente do Ministério continua a rir-se; está satisfeitíssimo?
Faço votos para que S. Ex.ª continue com a sua eterna mocidade e não se transforme em choro a sua juvenil alegria...
Risos.
S. Ex.ª É enérgico e moço, por isso tem estado muito tempo rio Poder.
Risos.
Eu quero fazer um apelo à Câmara: é que os Srs. Parlamentares venham cedo às sessões, para evitar o espectáculo deprimente da falta do número e da apresentação de propostas, que, como esta, não dignificam o Parlamento.
Termino, enviando para a Mesa a seguinte moção:
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. António Fonseca fez a revisão dos seus «àpartes».
É admitida a moção.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 146.º
Feita a contraprova verificou-se estarem de pé 3 Srs. Deputados e sentados 32.
O Sr. Presidente: — Não há número. Vai proceder-se à chamada.
Responderam os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.

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18
Diário da Câmara dos Deputados
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sonsa.
João José Luís Damas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomos de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel do Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A que estava marcada (426, 205, 350, 378, 353, 160 e 384).
Ordem do dia:
Proposta do Sr. António Fonseca para alteração do Regimento.
Proposta de lei que fixa, em 7:500. 000$ ouro, o custo das obras destinadas à adaptação do pôrto de Leixões ao serviço comercial.
Proposta de lei que autoriza o Govêrno a entregar à Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto a quantia de 750. 000$.
Projecto de lei do Sr. Francisco Cruz, que sujeita a desconto nos vencimentos os Deputados funcionários civis, ou militares que faltarem às sessões.
Projecto de lei n.º 302, que autoriza, o Poder Executiva a negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 411-b, orçamento do Ministério do Comércio.
Parecer n.º 385, que autoriza, o Govêrno a preencher as vacaturas no quadro da Direcção Geral das Contribuições e Impostos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Instrução, dando às professoras casadas com inválidos da Grande Guerra a preferência estabelecida para os professores cônjuges no § único do artigo 1.º da lei n.º 826, de 15 de Setembro de 1917.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Ministros das Finanças e da Instrução Pública, aplicando as federações, uniões, associações e clubes de desportos, sem carácter de exploração comercial, as isenções do artigo 1.º da lei n.º 1:290, de 15 de Junho de 1922.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, fixando em designada quantia o custo das obras destinadas à adaptação do pôrto de Leixões ao serviço comercial.
Aprovada a urgência e dispenso do Regimento.
Dos mesmos, autorizando o Govêrno a entregar à Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto a quantia de 750. 000$ que pelo disposto no artigo 2.º da lei n.º 1:028, de 20 de Agosto de 1920, se acha consignada no orçamento para 1922-1923.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Projecto de lei
Da comissão administrativa do Congresso, reforçando a verba inscrita no capítulo 3.º, artigo 18.º, do orçamento do Ministério das Finanças, sob a rubrica «Material e despesas diversas», destina fia aos serviços do Congresso da República.
Para o «Diário do Govêrno».

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Sessão de 27 de Abril de 1923
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 310-K, que concede à junta de freguesia de Bucelas, para construção de escolas, o passal, cêrca e casa anexa.
Para a comissão de negócios eclesiásticos.
Da Comissão do Orçamento, sôbre o n.º 477-B, que reforça com designadas quantias diferentes verbas do orçamento do Ministério das Finanças para 1922-1923.
Imprima-se.
Da comissão de negócios estrangeiros, sôbre o n.º 266-C,- que restringe a importação de designados produtos para consumo, nas alfândegas do continente e ilhas.
Para a comissão de saúde e assistência publica.
Da comissão do comércio e indústria, sôbre a proposta de lei n.º 477-A. Para a comissão de finanças.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 464-B, que divide o concelho de Paredes em 5 assembleas eleitorais.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Substituïção
Comissão de remodelação dos serviços públicos:
Substituir os Srs. Luís da Costa Amorim e Albino Pinto da Fonseca pelos Srs. Vasco Borges e José Cortês cios Santos.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Tendo só hoje, 27, recebido comunicação do despacho lançado sôbre o meu requerimento de 10 de Abril, ao Sr. Ministro das Colónias, pedindo autorização para consultar os documentos e correspondência referente ao modus vivendi com a África do Sul, assinado em 31 de Março de 1922; e tendo necessidade de consultar com urgência os documentos respeitantes ao mesmo assunto, que se encontram no Ministério dos Estrangeiros, insisto pela satisfação do meu requerimento de 19 de Abril corrente, por ter decorrido tempo suficiente para obter despacho e resposta.
27 de Abril de 1923. — Álvaro de Castro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida, com a máxima urgência, nota da importância do rendimento do fundo de emolumentos da Junta do Crédito Público desde que êsse fundo foi criado, e a distribuïção do mesmo pelos empregados, com a discriminação das respectivas categorias. — Carlos de Vasconcelos.
Expeça-se.
Requeiro que, com toda a urgência, pelo Ministério da Guerra me sejam fornecidas cópias da correspondência trocada entre a Secretaria da Guerra, Direcção da Aeronáutica Militar e Escola Militar de Aviação, acêrca da colocação na Escola Militar de Aviação do capitão de infantaria Antunes Cabrita. — António Maia.
Expeça-se.
O REDACTOR. — Herculano Nunes.

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